Avaliação da inteligência: Relação entre o desempenho na...

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Psicologia e Educação 49 Vol. IV, nº 1, Jun. 2005 Avaliação da inteligência: Relação entre o desempenho na WPPSI-R e em provas piagetianas Maria João Seabra-Santos* Resumo: Embora as provas piagetianas e os testes psicométricos representem dife- rentes modos de encarar a inteligência e de conceptualizar a sua avaliação, a investigação tem demonstrado a existência de correlações positivas e geralmente moderadas entre os dois tipos de medida. Neste estudo foram analisadas as relações entre duas provas piagetianas – Conservação do Número e Mudança de Critério – e a Escala de Inteligência de Wechsler para a Idade Pré-Escolar e Primária – Forma Revista (WPPSI-R) numa amostra de 40 crianças (20 com 5 anos, frequentando o último ano pré-escolar, e 20 com 6 anos, alunas do 1º ano de escolaridade). As correlações parciais, controlando o efeito da idade, para a amostra total, situam-se entre .20 e .60 ao nível das escalas, sendo superiores para a prova de conservação (.47 a .61) do que para a prova de classificação (.22 a .48), e mais elevados para a subescala verbal (.48 e .55) do que para a de realização (.22 e .47). As correlações mostram-se também superiores para as crianças de 6 anos (.55 a .85) do que para as de 5 anos (.00 a .46). Os resultados são interpretados como indicativos da existência de alguma sobreposição entre os dois tipos de medida, mas também de uma certa especificidade de cada uma delas na avaliação do funcionamento cognitivo, apontando para o potencial interesse do uso de ambas de forma complementar. Palavras-chave: avaliação da inteligência; idade pré-escolar; WPPSI-R; provas piagetianas. Assessment of intelligence: Relations between WPPSI-R and piagetian tasks Abstract: Although Piagetian tasks and psychometric tests represent different approaches to intelligence and different forms of conceptualizing assessment itself, earlier research has documented the presence of positive and generally moderate correlations between the two kinds of measures. In this study, relations between two Piagetian tasks — Number Conservation and Changing Criterion — and the Wechsler Preschool and Primary Scale of Intelligence — Revised (WPPSI-R), were studied in a sample of 40 children (20 five-year old kindergartens, and 20 six-year-old first graders). For the total sample, partial correlations controlling for age effect were all in the .20 to .60 range, at the scale level, being higher for the conservation task (.47 to .61) than for the classification task (.22 to .48), and for the verbal subscale (.48 and .55) than for the performance subscale (.22 and .47). Correlations were also much higher for 6 year-old (.55 to .85) than for 5 year-old children (.00 to .46). Results are interpreted as indicative of some degree of overlap between the two kinds of measures but also of some specificity in the assessment of cognitive functioning, pointing out to the potential interest of its use in a complementary basis. Keywords: assessment of intelligence; preschool children; WPPSI-R; Piagetian tasks. _______________ * Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e Centro de Psicopedagogia da Universidade de Combra. [email protected]

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Vol. IV, nº 1, Jun. 2005

Avaliação da inteligência: Relação entre o desempenho naWPPSI-R e em provas piagetianasMaria João Seabra-Santos*

Resumo: Embora as provas piagetianas e os testes psicométricos representem dife-rentes modos de encarar a inteligência e de conceptualizar a sua avaliação, a investigaçãotem demonstrado a existência de correlações positivas e geralmente moderadas entreos dois tipos de medida. Neste estudo foram analisadas as relações entre duas provaspiagetianas – Conservação do Número e Mudança de Critério – e a Escala de Inteligênciade Wechsler para a Idade Pré-Escolar e Primária – Forma Revista (WPPSI-R) numaamostra de 40 crianças (20 com 5 anos, frequentando o último ano pré-escolar, e20 com 6 anos, alunas do 1º ano de escolaridade). As correlações parciais, controlandoo efeito da idade, para a amostra total, situam-se entre .20 e .60 ao nível das escalas,sendo superiores para a prova de conservação (.47 a .61) do que para a prova declassificação (.22 a .48), e mais elevados para a subescala verbal (.48 e .55) do quepara a de realização (.22 e .47). As correlações mostram-se também superiores paraas crianças de 6 anos (.55 a .85) do que para as de 5 anos (.00 a .46). Os resultadossão interpretados como indicativos da existência de alguma sobreposição entre os doistipos de medida, mas também de uma certa especificidade de cada uma delas na avaliaçãodo funcionamento cognitivo, apontando para o potencial interesse do uso de ambasde forma complementar.Palavras-chave: avaliação da inteligência; idade pré-escolar; WPPSI-R; provaspiagetianas.

Assessment of intelligence: Relations between WPPSI-R and piagetian tasks

Abstract: Although Piagetian tasks and psychometric tests represent different approachesto intelligence and different forms of conceptualizing assessment itself, earlier researchhas documented the presence of positive and generally moderate correlations betweenthe two kinds of measures. In this study, relations between two Piagetian tasks —Number Conservation and Changing Criterion — and the Wechsler Preschool and PrimaryScale of Intelligence — Revised (WPPSI-R), were studied in a sample of 40 children(20 five-year old kindergartens, and 20 six-year-old first graders). For the total sample,partial correlations controlling for age effect were all in the .20 to .60 range, at thescale level, being higher for the conservation task (.47 to .61) than for the classificationtask (.22 to .48), and for the verbal subscale (.48 and .55) than for the performancesubscale (.22 and .47). Correlations were also much higher for 6 year-old (.55 to.85) than for 5 year-old children (.00 to .46). Results are interpreted as indicativeof some degree of overlap between the two kinds of measures but also of some specificityin the assessment of cognitive functioning, pointing out to the potential interest ofits use in a complementary basis.Keywords: assessment of intelligence; preschool children; WPPSI-R; Piagetian tasks.

_______________* Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e Centro de Psicopedagogia

da Universidade de Combra. [email protected]

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1. Introdução

As abordagens piagetiana e psicométricada inteligência representam duas orienta-ções distintas, com géneses diferentes epoucos pontos de contacto em termoshistóricos. Na verdade, durante váriasdécadas estas duas formas de pensar ainteligência tiveram desenvolvimentosrelativamente estanques, e as poucas ten-tativas de as confrontar puseram emdestaque mais as divergências do que asafinidades entre ambas (cf. Inhelder, 1943).As diferenças situam-se, desde logo, nasorientações teóricas de base. Assim, aabordagem piagetiana encara o desenvol-vimento mental como um processo demudança qualitativa e preocupa-se com aevolução intra-individual que ocorre nodecurso desse desenvolvimento. Trata-se deuma perspectiva centrada na análise dosmecanismos subjacentes ou dos processospsicológicos que estão na base das con-dutas particulares. A abordagempsicométrica, pelo contrário, é essencial-mente quantitativa, assumindo que ainteligência se distribui na população deacordo com uma curva normal e procu-rando estudar as diferenças interindividuaisno comportamento inteligente.Estas divergências ao nível da orientaçãoteórica traduzem-se em formas de avali-ação da inteligência também distintas. Porconseguinte, as tarefas piagetianas confron-tam a criança com ambiguidades darealidade em relação às quais ela deveimpor as suas ideias, procurando-se, destemodo, identificar o processo de raciocínioda criança para além das suas respostas.Este processo constitui, assim, o foco daavaliação, que permite compreender emque ponto a criança se encontra na hie-rarquia sequencial do desenvolvimento. Ostestes psicométricos, pelo contrário, colo-cam a criança numa situação altamente

estruturada e quantificam o seu desempe-nho através do número de respostas certasque ela consegue dar. Em muitos casos,o que é avaliado não é tanto a capacidadeactual para resolver problemas mas, sobre-tudo, os resultados de actividades eaquisições prévias.Apesar de as abordagens piagetiana epsicométrica diferirem em perspectiva, elasassemelham-se em vários pontos, os quaisforam postos em destaque sobretudo nofinal da década de 60 e na década de 70do século passado. Dudek, Lester, Goldberge Dyer (1969), por exemplo, resumemassim algumas das afinidades entre as duasorientações: ambas pretendem medir asfunções intelectuais que se espera que acriança tenha desenvolvido num determi-nado momento; as duas defendem que amaturação dos processos intelectuais secompleta essencialmente pelo final daadolescência; ambas devem ser capazes depredizer o comportamento intelectual dacriança fora da situação de teste. Para alémdisso, as duas abordagens estão de acordoquanto à determinação genética da inte-ligência (pelo menos em parte) e sobre anatureza essencialmente racional das ca-pacidades mentais (Elkind, 1969). Rieben(1978) defende também que, se o desem-penho nos testes tradicionais(representando, em grande parte, o volu-me das aquisições já realizadas) sãoresultantes do funcionamento cognitivo debase, que é avaliado pelas provaspiagetianas, então o desenvolvimentonormal das operações é necessário, embo-ra não suficiente, para o sucesso nas escalasde inteligência clássicas. Neste contexto,é de esperar que haja algum tipo de relaçãoentre os resultados obtidos em testespsicométricos e o tipo de conduta emtarefas piagetianas.O objectivo da presente investigaçãoconsiste, justamente, em estudar a relação

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entre os resultados alcançados num ins-trumento psicométrico, a WPPSI-R(Wechsler Preschool and Primary Scale ofIntelligence – Revised) e o desempenho emduas provas piagetianas – Conservação deQuantidades Numéricas e Dicotomia deCritérios – numa amostra de crianças com5 e 6 anos de idade.Esta pesquisa, conduzida no âmbito maisalargado da aferição e validação da WPPSI-R para a população portuguesa (Wechsler,2003), teve presente uma das razõesapontadas por Sternberg e Kaufman (1996)como sendo responsável pela fraca evo-lução que se observa no domínio daavaliação da inteligência: o facto de osnovos testes serem validados por compa-ração com outros antigos, o que tende aconferir-lhes características semelhantes àsdos já existentes. Assim, e embora oobjectivo da nossa investigação não fossecriar um novo instrumento, mas sim pro-ceder à adaptação de uma escala deinteligência já existente, entendemos serinteressante e potencialmente mais infor-mativo diversificar os critériosseleccionados para a sua validaçãoempírica. As provas piagetianas incidindosobre aquisições próprias do período dasoperações concretas enquadram-se nestecontexto e permitem, ao mesmo tempo, darum contributo para o esclarecimento dasrelações entre os dois tipos de avaliaçãocognitiva.A existência de uma relação positiva entreprovas piagetianas e testes psicométricosfoi já demonstrada em diversos estudos,publicados sobretudo nas décadas de 70e 80 do século passado (Bat-Haee, Mehryar& Sabharwal, 1972; Carroll, Kohlberg &DeVries, 1984; DeVries, 1974; Dudek, etal., 1969; Goldschmid, 1967; Humphreys& Parsons, 1979; Humphreys, Rich &Davey, 1985; Kaufman, 1971; Keating,1975; Kohlberg, citado por Kohlberg, 1968;

Lempers, Block, Scott & Draper, 1987;Rieben, 1978; Rogers, 1977; Webb, 1974).Embora existam discrepâncias apreciáveisentre as correlações calculadas no âmbitodestas investigações, elas apresentamvalores sistematicamente positivos e demagnitude geralmente moderada, na ordemde .30 a .60.Nalgumas das pesquisas efectuadas nestecontexto o instrumento psicométrico uti-lizado na comparação foi, justamente, umaEscala de Inteligência de Wechsler, masdestinada à idade escolar, isto é, a partirdos 6 anos (WISC). É o caso, por exemploda pesquisa levada a cabo por Humphreyse cols. (1985), na qual os autorescorrelacionam os QIs (verbal e de reali-zação) da WISC com um resultadocompósito obtido a partir de um vastoconjunto de provas piagetianas, cujo nú-mero varia entre 13 e 27, incluindo váriasprovas de conservação (substância, peso,volume, comprimento), CorrespondênciaTermo a Termo, Inclusão de Classes,Mudança de Critérios e Mudança dePerspectiva, entre outras. A todas as cri-anças foram aplicadas, para além dasprovas piagetianas, os subtestes verbais ede realização de Wechsler e um teste derendimento escolar (WRAT). Os coefici-entes de correlação obtidos entre umresultado compósito das provas piagetianase os QIs de Wechsler são os mais elevadosde entre todos os calculados nas investi-gações referidas anteriormente: .76 a .80com o QI verbal e .80 a .83 com o derealização. Tal superioridade é explicadapelos autores atendendo à inflaçãoprovocada pela grande heterogeneidade daamostra estudada, que compreende quercrianças normais, quer crianças com de-ficiência mental ligeira. Outras explicaçõesavançadas pelos autores prendem-se comas qualidades psicométricas das tarefas,bem como com o facto de os coeficientes

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serem calculados a partir de resultadoscompósitos que resumem o desempenhonum grande número de medidascorrelacionadas entre si (as tarefaspiagetianas, por um lado, os testes deWechsler, por outro).Num estudo longitudinal que se estendeupor 3 anos, Dudek e cols. (1969) aplica-ram igualmente a WISC e 9 provaspiagetianas (entre as quais Origem daNoite, Conservação de Substância, Con-servação de Superfície, Inclusão eSeriação) a 100 crianças com idadescompreendidas entre os 5 e os 8 anos. Oscoeficientes de correlação encontradosentre os dois tipos de medida situam-seentre .40 e .60, o que é interpretado comoindício de que os construtos avaliadosapresentam entre si alguma sobreposição,ao mesmo tempo que cada um deles medeaspectos específicos da inteligência, quenão são avaliados pelo outro. Por outrolado, os resultados apontam para o valorde ambas as formas de avaliação enquantopreditoras do rendimento escolar nos doisprimeiros anos de escolaridade.Também numa investigação conduzida porRieben (1978) são analisadas as relaçõesentre o desempenho em duas provaspiagetianas (Inclusão de Classes eQuantificação das Probabilidades) e ossubtestes individuais, total verbal e totalde realização da WISC, numa amostra de120 crianças com 6 e 8 anos. As corre-lações encontradas (coeficientes decorrelação bisserial pontual entre os resul-tados na WISC e os grupos Operatório+

e Operatório-) são, contudo, bastante in-feriores às determinadas na pesquisaanterior, não ultrapassando .36 para o totalverbal (.16 a .26 para os subtestes verbais)e .31 para o total de realização (com ascorrelações para os subtestes de realizaçãoa variarem entre .05 e .32).

Jensen (1980) procedeu à revisão de umnúmero considerável de investigações sobrea relação entre vários testes estandardizadosde inteligência ou de conhecimentos es-colares e diversos conjuntos de provaspiagetianas, destinadas a avaliar operaçõesconcretas. As correlações encontradasnestes estudos variam entre .18 e .84, comuma média próxima de .50. A grandedisparidade verificada nos coeficientesobtidos em pesquisas diferentes reporta-se, no entender de Jensen (op. cit.), a váriascausas. Por um lado, o facto de eles serembaseados em resultados compósitos dediferentes números de provas piagetianas.Por outro lado, a circunstância de os váriosestudos incidirem sobre faixas etáriasdiversas, sendo que os testes piagetianosse correlacionam mais fortemente com oQI em idades de transição entre estádiosde desenvolvimento mental, atendendo àmaior heterogeneidade das condutasverificada nesses momentos. Uma outrarazão para a falta de convergência nosresultados encontrados tem a ver com ofacto de a variável idade ser controladanalguns dos estudos mas não noutros.Finalmente, o tamanho reduzido dasamostras utilizadas, em muitas das inves-tigações, introduz um considerável erro deamostragem.De entre os estudos analisados por Jensen,dois merecem-nos uma referência particu-lar, dado que o teste de inteligênciacorrelacionado com provas piagetianas foia WISC. Uma destas investigações, levadaa cabo por Elkind em 1961, encontracorrelações de .43 e .47, respectivamentecom a escala completa e a subescala verbalda WISC. Outra pesquisa foi conduzidapor Hathaway em 1972 (dissertação nãopublicada), e alcança correlações cujosvalores se situam entre .69 e .84, igual-mente com a WISC.

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Numa amostra de crianças provenientes demeios desfavorecidos, Campbell e Ramey(1990) encontraram correlações com va-lores entre .37 e .49 entre o ConceptAssessment Kit – Conservação (CAK) ea WISC-R, superiores para o QI verbal doque para o de realização, o que tambémé sugestivo da sobreposição entre os tiposde aptidões avaliadas por ambos os ins-trumentos.Para além das correlações referidas, cujamagnitude se situa entre .30 e .80 quandoo instrumento psicométrico correlacionadoé a WISC, um outro dado bastante maisconvergente se destaca da literatura sobreas relações entre testes estandardizados deinteligência e provas piagetianas. Trata-seda presença de um factor de inteligênciageral comum a ambos os tipos de provas(Carroll et al., 1984; DeVries, 1974;Humphreys & Parsons, 1979; Humphreyset al., 1985; Kaufman, 1971; Kingma &Koops, 1983). Por outro lado, verifica-seigualmente que as provas piagetianas, emparticular as de conservação, apresentamuma proporção apreciável da variância queé única e independente dos factoresmedidos pelos instrumentosestandardizados de avaliação da inteligên-cia. É neste sentido que Carroll e cols.consideram que “enquanto que o factorgeral, [comum a ambos os tipos de pro-vas,] descreve o curso geral dodesenvolvimento cognitivo, outros facto-res, [mais associados a certas provaspiagetianas], representam trajectórias dedesenvolvimento e aprendizagem quepodem ser encaradas como independentesde e acrescentando-se à trajectória dedesenvolvimento representada por g”(1984, p. 89). Uma década mais tarde, nasua compilação de estudos factoriais reu-nida na obra “Human cognitive abilities”,Carroll (1993) reitera a ideia da existênciade um ou mais factores de raciocínio

ligados às provas piagetianas, e enfatizaque, embora a relação entre estes factorese outros factores de raciocínio seja poucoclara, “os dados sugerem que os factorespiagetianos de raciocínio tendem a saturarsubstancialmente num ou em vários dosfactores de ordem superior g, G

f, ou G

c”

(p.246).No que diz respeito ao presente estudo,e em função do referencial empírico queacabamos de apresentar, julgamos pertinen-te formular a seguinte HIPÓTESE:encontrar-se-ão correlações positivas emoderadas entre cada uma das provaspiagetianas (Conservação de PequenosConjuntos Discretos de Elementos eDicotomia de Critérios) e os resultadostotais nas escalas da WPPSI-R (de rea-lização, verbal e completa).

2. Metodologia

2.1 AmostraA amostra que serviu de base ao presenteestudo é constituída por 40 crianças re-sidentes no concelho de Coimbra. Metadedessas crianças tem 5 anos (média5A;06M; mínimo 5A;00M; máximo5A;11M) e frequenta o jardim-de-infância,enquanto que a outra metade tem 6 anos(média 6A;07M; mínimo 6A;02M; máxi-mo 6A;11M) e frequenta o 1º ano do 1ºCiclo do Ensino Básico. Os sujeitos foramseleccionados a partir da uma amostra demaiores dimensões (que serviu de base adiversos estudos de validade sobre a versãoportuguesa da WPPSI-R), de modo alea-tório estratificado no que respeita à idadee zona de residência (Drew & Hardman,1985). Assim, na amostra seleccionada paraesta investigação, é igual o número decrianças com 5 e com 6 anos (n=20), eo número de residentes em zona urbanae em pequenas localidades do concelho

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(n=20). No que diz respeito à variávelgénero, 22 sujeitos são raparigas e 18 sãorapazes. As instituições educativas frequen-tadas, num total de 16, são quer da redepública (para 21 crianças), quer particu-lares (para as restantes 19), sendo metadedestas últimas Instituições Particulares deSolidariedade Social.

2.2 Instrumentos2.2.1 Wechsler Preschool and PrimaryScale of Intel l igence – Revised(WPPSI-R)A Escala de Inteligência de Wechsler paraa Idade Pré-Escolar e Primária – FormaRevista (Wechsler, 1989) é um instrumen-to administrado individualmente, que avaliaa inteligência de crianças pequenas. Trata-se de um dos poucos instrumentos deavaliação psicológica, destinados à idadepré-escolar, que se encontram aferidos paraa população portuguesa, possuindo normaspara crianças com idades compreendidasentre os 3 anos e os 6 anos e 6 meses(Wechsler, 2003). Tal como as outrasescalas de inteligência de Wechsler, aWPPSI-R é um instrumento compósito,com duas subescalas: uma subescala deRealização, que compreende os subtestesde Composição de Objectos, FigurasGeométricas, Quadrados, Labirintos eCompletamento de Gravuras, e a partir daqual é possível calcular um QI de Rea-lização (QI

R); e uma subescala Verbal, que

inclui os subtestes de Informação, Com-preensão, Aritmética, Vocabulário eSemelhanças, e com base na qual se calculaum QI Verbal (QI

V). O QI da Escala

Completa (QIEC

) é obtido a partir dosresultados dos 10 subtestes.

2.2.2 Provas piagetianasA selecção das provas a utilizar nesteestudo, uma de conservação (Conservaçãode Pequenos Conjuntos Discretos de Ele-

mentos, também designada por Conserva-ção de Quantidades Numéricas1) e uma declassificação, no domínio da lógica elemen-tar (Prova da Dicotomia de Critérios oude Mudança de Critério2), prende-se como facto de as mesmas dizerem respeito aaquisições próprias do período das ope-rações concretas. Por conseguinte, elaspoderão ser bastante discriminativas emcrianças de 5 e 6 anos, já que é nestasidades que se inicia a transição entre operíodo pré-operatório e a aquisição dasoperações concretas, sendo de prever umacerta dispersão dos desempenhos, corres-pondente a sujeitos que se encontram emdiferentes momentos dessa passagem.Mais concretamente, a prova de Conser-vação de Quantidades Numéricas éconsiderada por Piaget e Szeminska (1941)como particularmente útil para a análisedas aquisições operatórias, permitindoavaliar aquela que é a noção de invariânciamais precocemente adquirida. Na verdade,a literatura nesta área aponta os 5-7 anoscomo idades características para a aqui-sição de uma conduta conservadora no quetoca a quantidades numéricas. Mais espe-cificamente, Inhelder, Sinclair e Bovet(1974) referem que o comportamento dacriança é essencialmente de não conser-vação até aos 4-5 anos, registando-se, emseguida, condutas intermédias caracteriza-

_______________1 Apresentam-se à criança duas fiadas de peças

circulares, contendo o mesmo número de peças masde cores diferentes, e pergunta-se se há tantas peçasnuma das fiadas como na outra, ou não: 1º) comas peças de cores diferentes numa correspondênciatermo a termo; 2º) depois de diminuir o espaçamentoentre as peças de uma das fiadas; 3º) após aumentaro espaçamento entre as peças de uma das fiadas.

2 Apresentam-se à criança várias peças de cartãodiferindo entre si quanto ao tamanho, à cor e à forma.Pede-se à criança, sucessivamente: 1º) que organizeas peças em dois montes de peças parecidas; 2º)que as organize outra vez mas de uma maneiradiferente; 3º) e ainda de uma terceira maneiradiferente.

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das por juízos de conservação em relaçãoa uma das situações e não em relação àoutra, ou por hesitações e oscilações dejulgamento face a cada situação. Finalmen-te, a partir dos 5 anos, as duas situaçõescomeçam a dar lugar a juízos estáveis deconservação, justificados através de argu-mentos de identidade, de reversibilidade oude compensação. Contudo, estas idades sãoaproximadas, e é possível encontrar, naliteratura, referências ligeiramente diferen-tes para cada um destes três níveis, como,por exemplo, 4-5, 4-7 e 6-7 anos, respec-tivamente (OCDE, 1981). Investigaçõesrealizadas com crianças portuguesas con-firmam também que pelos 6-7 anos aconservação de quantidades numéricas, oujá foi, ou está em vias de ser adquirida(Morgado, 1988), pelo que esta poderá sera prova de conservação mais adequada tendoem conta a idade dos sujeitos que parti-cipam no presente estudo.Fora do domínio das conservações masainda no domínio lógico, a Prova deDicotomia de Critérios surge como uma boaopção atendendo ainda à idade das criançasavaliadas, dada a grande variedade derespostas a que dá lugar nesta faixa etária.A conduta da criança nesta prova podesituar-se a vários níveis. Numa primeira fase,ela brinca com as peças ou constrói comelas figuras conhecidas. Depois, começa aconseguir formar pequenos conjuntos depeças iguais, sem compreender a possibi-lidade de juntar alguns deles em colecçõesmais abrangentes e dicotómicas. Finalmen-te, quando a classificação é atingida, odesempenho correcto na tarefa pode, ainda,resultar da utilização de diferentes méto-dos: o sujeito pode recorrer a uma estratégiaascendente – que consiste na passagem dassub-colecções iniciais a conjuntos maiores,por reuniões progressivas –, ou descenden-te – transição de conjuntos mais gerais aos

mais particulares, por subdivisões oudicotomias –, e pode ser ou não capaz deantecipar os vários critérios dedicotomização do material (Piaget &Inhelder, 1959).Uma hierarquia possível de desempenhosdiscrimina três níveis: o primeiro encontra-se em crianças de 3 a 6 anos e correspondea disposições figurais; o segundo diz respeitoa um início de classificação e ocorre pelos5-6 anos; finalmente a possibilidade deantecipar, efectuar e recapitular duas ou trêsdicotomias sucessivas, só é conseguida porvolta dos 8 anos (OCDE, 1981). Tendo emconta a idade das crianças no presente estudo(5 e 6 anos) era de prever que a conduta facea esta prova se situasse, na maioria dos casos,nos níveis 1 e 2, em que a separação correctado material, quando é conseguida, é-o poraproximações sucessivas (estratégia ascenden-te) e sem antecipação de critério. Nestecontexto, julgámos conveniente apreciar o res-pectivo desempenho em função do númerode dicotomias identificadas (isto é, usadas paradividir o material e verbalizadas), indepen-dentemente da estratégia adoptada ou dacapacidade para dizer antecipadamente qualo critério usado para separar o material (sea forma, a cor ou o tamanho).Finalmente, para além das consideraçõesrelativas à idade dos sujeitos, a opção porprovas piagetianas no domínio logico-matemático pareceu-nos a mais correctaatendendo a que uma parte apreciável dostestes da WPPSI-R de alguma formaenvolve conceitos lógicos.As duas provas piagetianas seleccionadaspara este estudo foram administradas deacordo com a metodologia descrita porInhelder e cols. (1974).

2.3 ProcedimentoA duração média de aplicação da WPPSI-R foi de 1h20m (mínimo 60, máximo 105

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minutos), distribuída por duas sessões. Asprovas piagetianas foram administradasnuma única sessão, distinta daquelas emque se procedeu à avaliação com a WPPSI-R. A ordem de aplicação destesinstrumentos foi alternada. O intervalo quedecorreu entre a aplicação da WPPSI-R eo momento da avaliação com as provaspiagetianas foi de cerca de 1 dia (mínimo0, máximo 6 dias).

3. Resultados

Nos Quadros 1 e 2 apresentam-se osresultados relativos a cada uma das provaspiagetianas utilizadas. Na prova de Con-servação de Pequenos Conjuntos Discretosde Elementos (Quadro 1) verifica-se umafranca progressão no desempenho dossujeitos, quando se passa dos 5 para os6 anos, o que está de acordo com a li-teratura (OCDE, 1981; Piaget &Szeminska, 1941). Assim, enquanto que70% dos sujeitos com 5 anos estão no nível

não-conservador, isso acontece apenas com20% das crianças com 6 anos, as quaisse situam, na sua maioria, no nível inter-médio (55%) ou conservador (25%).No que toca à Dicotomia de Critérios(Quadro 2) não se registam diferençassubstanciais entre os dois grupos etários,verificando-se que a grande maioria dossujeitos ou não consegue realizar nenhu-ma (32.5%) ou efectua somente umadicotomia (50%). Estes resultados contras-tam com os descritos por Piaget e Inhelder(1959) que, partindo da aplicação da provade Dicotomia de Critérios a um pequenonúmero de sujeitos com 5 anos (n=12),verificam que somente 27% é incapaz deproceder a qualquer separação do materialem termos dicotómicos, enquanto que 46%atinge um critério, 27% dois critérios, enenhum os três critérios possíveis. Aos 6anos (n=17), as percentagens observadassão iguais a 12, 12, 47 e 29%, respecti-vamente para cada um daqueles níveis.Já os resultados de uma investigaçãoconduzida por Morgado (1982), sobre uma

edoãçavresnoCedavorpanatudnoC:1ordauQ)04=n(sotnemelEedsotercsiDsotnujnoCsoneuqeP

atudnoCsona6+5 sona5 sona6

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oãçavresnoC 6 0,51 1 0,5 5 0,52

latoT 04 001 02 001 02 001

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saimotocidedºNsona6+5 sona5 sona6

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amostra de crianças portuguesas de prove-niências socio-culturais diversas, mostramque, em sujeitos com 7 anos (a faixa etáriamais baixa analisada neste estudo), 10% éincapaz de identificar qualquer critério,enquanto que 40% identifica correctamenteum, outros 40% dois, e somente 10% separaeficazmente o material das três maneiraspossíveis. Estes resultados estão próximosdos alcançados na nossa pesquisa, se pen-sarmos que as crianças que integram aamostra são 1 a 2 anos mais novas do queas estudadas por aquela autora.Deste modo, os resultados do presenteestudo apoiam a ideia de que a prova deConservação de Quantidades Numéricas seafigura mais discriminativa entre as cri-anças de 5 e as de 6 anos do que aDicotomia de Critérios. A este respeito,assinale-se que os coeficientes de corre-lação entre a idade e o desempenho nasprovas piagetianas são iguais a .54 e a .09,respectivamente para a tarefa de conser-vação e para a de classificação.A análise subsequente diz respeito às rela-ções entre as provas piagetianas e aWPPSI-R. Se considerarmos a amostra noseu conjunto, os dados do Quadro 3 con-firmam a hipótese anteriormente enunciadada existência de relações positivas e mode-radas entre os dois tipos de avaliação. A únicaexcepção a esta previsão é a correlação nãosignificativa entre a subescala de realizaçãoe a prova de Dicotomia de Critérios.

Porém, a análise dos dados separadamentepara os 5 e 6 anos, mostra que os coe-ficientes de correlação, sendo todos elesmoderados ou até mesmo elevados nogrupo etário dos 6 anos, se apresentambastante mais baixos na faixa etária dos5 anos. Nesta última subamostra, umagrande parte dos coeficientes de correla-ção (4 em 6) não atinge o valor críticopara ser considerado estatisticamente sig-nificativo, como é o caso da prova deconservação com a subescala de realiza-ção, e da prova de classificação comqualquer uma das escalas da WPPSI-R(realização, verbal e completa).Outro dado saliente, da análise do Quadro3, diz respeito à superioridade da relaçãoentre as escalas da WPPSI-R e a provade conservação, quando comparada coma correspondente à prova de classificação,o que se deve à fraca variabilidade dosresultados registada nesta última tarefa,cujo domínio pleno (classificação domaterial utilizando uma estratégia descen-dente e com antecipação dos critérios) sóé conseguido em idades mais avançadas.Verifica-se, igualmente, que a subescalaverbal da WPPSI-R apresenta uma maiorligação com ambas as provas piagetianasdo que a subescala de realização, quandose considera a amostra no seu conjunto(valores dos coeficientes de correlação paraa subescala verbal, iguais a .67 e .46,respectivamente com as prova de conser-

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vação e de classificação; valores corres-pondentes para a subescala de realizaçãoiguais a .59 e .24). Esta constataçãoencontra-se também nos estudos de Elkind(citado por Jensen, 1980), Rieben (1978)e Campbell e Ramey (1990), mas não node Humphreys e cols. (1985).No sentido de compreender a relaçãoexistente entre os dois tipos de avaliaçãoindependentemente da influência da idadedos sujeitos, foram calculados coeficientesde correlação parcializando a variávelidade, de acordo com a fórmula propostapor Blalock para dados ordinais (1981, p.462). Esta metodologia foi também defen-dida e adoptada pelos autores de algunsdos estudos anteriormente referidos (porexemplo, Carroll et al., 1984; Humphreys& Parsons, 1979; Humphreys et al., 1985;Lempers et al., 1987). Os resultados al-cançados encontram-se entre parêntesis noQuadro 3.Tal como se pode ver, no caso da provade Conservação de Quantidades Numéri-cas as correlações obtidas deste modo sãobastante inferiores aos coeficientes deSpearman, sendo iguais a .47, .55 e .61,respectivamente para as escalas de reali-zação, verbal e completa. Na provaDicotomia de Critérios, pelo contrário, oscoeficientes mantêm-se praticamenteinalterados, sendo, pela mesma ordem,iguais a .22, .48 e .41. As modificaçõesverificadas nos coeficientes de correlação,após a parcialização da idade, reflectema ligação entre esta variável e os resul-tados na prova de conservação, e a suarelativa independência quanto ao desem-penho na prova de classificação, dado esteque já havia sido sinalizado anteriormente(cf. Quadros 1 e 2). Por conseguinte, aparcialização da variável idade, reduzindoembora a magnitude das correlações en-contradas entre a WPPSI-R e a prova deconservação, mantém inalterado o sentido

dos coeficientes de Spearman obtidosanteriormente, pelo que permanecem per-tinentes as análises feitas com base nessescoeficientes.

4. Discussão

A presente investigação sobre as relaçõesentre a WPPSI-R e provas piagetianas põeem evidência a existência de correlaçõespositivas e moderadas entre os dois tiposde tarefa, confirmando, assim, a ideia deSattler segundo a qual “as crianças quealcançam bons resultados nos testespsicométricos de inteligência não têmsomente ‘habilidade para responder atestes’ mas possuem, também, bons níveisde desenvolvimento cognitivo em diversasáreas” (1992, p.56).As correlações obtidas para a prova deConservação de Quantidades Numéricas(.47 a .61) são superiores às alcançadaspara a Dicotomia de Critérios (.22 a .48),dada a menor capacidade discriminativadesta última tarefa, na faixa etária de 5-6 anos. Esta menor possibilidade dediferenciar entre crianças tão novas, porsua vez, pode ser explicada pelo facto dea prova de Dicotomia de Critérios ser deexecução mais tardia no desenvolvimentopsicogenético, devido à necessidade de umacapacidade de antecipação que implica umaorganização de esquemas antecipatórios,necessidade esta que não se verifica naprova de Conservação de QuantidadesNuméricas.A inferioridade das correlações encontra-das no grupo etário dos 5 anos, porcomparação com o grupo dos 6 anos,poderá ser explicada, pelo menos parci-almente, pela maior instabilidade docomportamento em crianças mais novas(Vane & Motta, 1980). A maior variabi-lidade dos resultados na prova de

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Conservação de Quantidades Numéricas, re-gistada aos 6 anos, poderia ser umajustificação possível para a superioridadedos coeficientes de correlação nesta idade,mas não se aplica para a prova Dicotomiade Critérios. Por outro lado, podemos pensarque os construtos subjacentes aos dois tiposde avaliação apresentam, de facto, maisafinidades em crianças mais velhas.Os dados do presente estudo sugerem,igualmente, que ambas as provaspiagetianas se relacionam mais fortemen-te com a subescala verbal (.55 e .48,respectivamente) do que com a de rea-lização (.47 e .22, respectivamente) daWPPSI-R, embora esta verificação sejabastante mais saliente em relação à provade classificação do que à de conservação.Tratando-se de provas lógico-matemáti-cas, faz sentido esta superioridade dascorrelações encontradas com os testesverbais, também eles mais fortementerelacionados com a conceptualização ló-gica do que com áreas espacio-temporaisde tipo infra-lógico, mais próprias dostestes de realização.De um modo geral, os coeficientes decorrelação obtidos neste estudo, mesmoapós parcialização da variável “idade”,enquadram-se dentro dos valores espera-dos tendo em conta os resultadosalcançados noutras pesquisas que recor-reram à escala de Wechsler destinada acrianças em idade escolar. Se pensarmosque foram calculados a partir de provaspiagetianas isoladas, e não de resultadoscompósitos de várias provas (tal comoacontece na generalidade dos estudosreferidos), podemos, mesmo, considerá-los comparativamente bastante elevados.A ideia central que decorre da investiga-ção nesta área, e que este estudo vemconfirmar, é que os dois tipos de aborda-gem, embora diferentes – a piagetiana maisorientada para a análise dos mecanismos

subjacentes a uma conduta particular, e apsicométrica para a quantificação da pró-pria conduta e identificação de diferençasinterindividuais – avaliam, até certo pon-to, um mesmo construto, uma mesmainteligência. Daí as correlações positivase moderadas encontradas nas várias pes-quisas.Tanto os estudos correlacionais como osfactoriais apontam para a existência de umaconsiderável sobreposição entre as duasformas de abordar a inteligência, ao mesmotempo que põem em destaque aespecificidade de cada uma delas, e ocontributo único que pode dar para acompreensão dos fenómenos em jogo.Assim, tal como foi enfatizado por Elkind(1969) várias décadas atrás, as duas abor-dagens, longe de serem contraditórias, são,antes, complementares, uma vez que asdivergências entre elas não são mais quediferenças de perspectiva e de ênfase. Estademonstração vem apoiar a potencialutilidade do uso conjugado de testes deinteligência e de provas piagetianas emáreas como a Psicologia do Desenvolvi-mento e a Psicologia da Educação(Humphreys & Parsons, 1979) ou, de ummodo mais geral, sempre que se pretendaavaliar o desenvolvimento cognitivo deuma criança.

Agradecimentos

Esta investigação insere-se no projectomais vasto de aferição das Escalas WPPSI-R e WISC-III para Portugal, financiadopela Fundação para a Ciência e Tecnolo-gia (PRAXIS/PCSH/PSI/C/91/96).A autora agradece à Prof. Doutora Luísade Almeida Morgado e à Prof. DoutoraSara Bahia pelos seus valiosos comentá-rios e sugestões.

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