Avaliação de desempenho: uma tragédia recorrente

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Avaliação de desempenho: uma tragédia recorrente Flavio Farah*

Introdução

A avaliação de desempenho é tão difundida quanto problemática. Importante processo organizacio-

nal, é um dos que mais dificuldades apresenta em sua implantação. Não é raro que os sistemas de

avaliação, depois de implantados, sejam suspensos por terem caído em descrédito. Não obstante, a

avaliação continua a ser usada por um grande número de empresas. As acusações mais frequentes

que se fazem à avaliação de desempenho, e que constituem seus principais problemas, são: a) buro-

crática e demorada; b) injusta; c) estressante. Por que a avaliação de desempenho é tão problemáti-

ca? As causas se dividem em duas categorias: próximas e remotas, sendo descritas a seguir.

Causas próximas/superficiais/aparentes dos problemas

1) Complexidade dos sistemas. Na ânsia de alcançar a perfeição, constroem-se processos avaliati-

vos complexos, como por exemplo, os que prevêem a avaliação de dezenas de atributos do em-

pregado, esquecendo-se de que a complexidade excessiva de um processo reduz sua eficácia.

2) Avaliação-surpresa. O caráter estressante da avaliação de desempenho se deve ao fato de que o

feedback é dado de forma concentrada em uma única entrevista, na qual o empregado é sur-

preendido por uma torrente de observações e conceitos, muitas vezes negativos, em relação aos

quais ele nada mais pode fazer. O feedback da entrevista formal, porém, não deveria constituir

uma surpresa para o avaliado. O conteudo do feedback deveria ser apenas um resumo objetivo,

preciso e fundamentado do que já lhe deveria ter sido comunicado durante o ano ou semestre.

3) Concepção restrita do processo. Há uma tendência de conceber o processo avaliativo de forma

restrita, limitando-o a apenas duas etapas: 1ª) preencher o formulário de avaliação e 2ª) realizar

uma entrevista formal de feedback com o funcionário. A segunda etapa é privativa da chefia

imediata. Exclui-se, portanto, do processo, uma importante ferramenta: o feedback informal.

4) Uso de métodos antiéticos. Os mais conhecidos métodos antiéticos de avaliação de desempe-

nho são a classificação forçada (forced ranking) e a distribuição forçada (forced distribution).

O método da distribuição forçada surgiu para combater a leniência dos avaliadores, que levava à

atribuição de um grande número de notas altas aos avaliados (grade inflation). O resultado dessa

leniência era a concessão de aumento salarial para um número excessivo de empregados, sendo

que a despesa resultante ultrapassava os montantes previstos em orçamento. O problema é que,

em vez de combater as causas da leniência, os gestores reprimiram seus efeitos; e em vez de

buscar uma solução inteligente para o problema orçamentário, adotaram uma solução simplista.

O método da classificação forçada, por sua vez, surgiu como uma combinação dos métodos da

distribuição forçada e da classificação (ranking), em consequência da crença equivocada de que

a competição interna nas empresas leva a uma melhoria de desempenho. A falta de Ética está no

fato de que, em ambos os métodos, para cumprir os percentuais pré-fixados de distribuição ou

classificação, o avaliador atribui a uma parte dos avaliados uma nota ou conceito diferente do

que estes merecem, ato que constitui uma grave injustiça.

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5) Adoção de práticas inconvenientes. Exemplo de prática inconveniente é a avaliação sigilosa.

O sigilo passou a ser adotado nos casos em que o empregado não gerente deve ser avaliado pe-

los colegas ou o gerente deve ser avaliado por seus pares ou subordinados. A finalidade do sigilo

é evitar ou resolver o problema da retaliação do avaliado contra o avaliador. O sigilo, porém,

apresenta um efeito colateral não considerado pelos gestores: a retaliação em sentido contrário,

ou seja, do avaliador contra o avaliado. Protegido pelo anonimato, o avaliador pode atribuir ao

avaliado uma avaliação desfavorável sem possuir motivos plausíveis para isso, apenas por anti-

patia ou porque teve uma desavença com este último. Isto significa que, ao tentar resolver um

problema, os gestores criaram outro.

6) Falta de garantias de Justiça. Para que o processo avaliativo seja justo, existe um conjunto de

diretrizes que, se obedecidas, serão capazes de garantir que sejam justas as próprias normas de

avaliação de desempenho bem como sua aplicação e as decisões delas decorrentes. Não obstan-

te, o que se constata, como padrão, é a inobservância dessas diretrizes nos processos avaliativos.

7) Embaralhamento de conceitos. Confunde-se competência com desempenho; comportamento

com atitude; avaliação de desempenho com gestão de desempenho.

8) Conceituação inadequada dos termos envolvidos no processo. Os estudiosos têm sido inca-

pazes de fornecer definições claras, precisas, suscintas, objetivas e operacionalmente úteis para

termos como desempenho, competência, avaliação, comportamento, resultado.

9) Balbúrdia de concepções sistêmicas. Fala-se em avaliação de desempenho, avaliação por com-

petências, avaliação de desempenho por competências e avaliação de competências.

Causas remotas/profundas/ocultas dos problemas

1) Menosprezo em relação aos conceitos. Parece existir uma falta de consciência geral sobre a fi-

nalidade e a importância dos conceitos. Conceitos são a base de todo conhecimento, tanto teóri-

co como prático. Conceitos são as ferramentas mentais que tornam possível o conhecimento, são

a essência do pensamento. Consequentemente, eles são cruciais para processos psicológicos co-

mo classificação, inferência, memória, aprendizagem e tomada de decisão. Do ponto de vista ló-

gico, conceituar uma coisa significa identificar suas características essenciais, significa delimitar

essa coisa, significa saber o que a coisa é bem como o que a coisa não é. Conceituar um objeto

concreto ou abstrato é imprescindível para que possamos reconhecê-lo quando o vemos.

2) Falta de conhecimento sobre Ética. Como regra, os gestores não têm conhecimento sobre Éti-

ca, Ética Empresarial e Ética na Gestão de Pessoas. Por essa razão, eles ignoram que a avaliação

de desempenho constitui um julgamento sobre o empregado, julgamento esse que leva a empre-

sa a tomar uma decisão sobre a respectiva relação de emprego. Sendo a avaliação de desempe-

nho um julgamento, levanta-se de imediato a questão da Justiça desse julgamento. Dado que a

Justiça é um valor moral, não será ética a avaliação de desempenho que não for justa.

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3) Deficiências no processo de solução de problemas. Os gestores não têm se mostrado compe-

tentes quando se trata de enfrentar os problemas da avaliação de desempenho.

O processo de solução de problemas é relativamente bem conhecido e sua primeira etapa é a de-

finição do problema. A principal regra dessa etapa é que, ao se definir um problema, a respecti-

va declaração não deve conter nenhuma causa ou solução do problema.

A etapa de definição do problema, porém, inclui uma importante atividade, bem menos conheci-

da, denominada questionamento das premissas. Premissa ou pressuposto é uma crença, isto é,

uma ideia que supomos verdadeira. Todo e qualquer problema tem, por trás de si, uma ou mais

premissas que o condicionam. Questionar uma premissa significa colocá-la em dúvida com a fi-

nalidade de verificar se realmente é verdadeira. O questionamento das premissas é uma ativida-

de essencial porque, muitas vezes, o próprio problema resulta da presença simultânea de um

conjunto de premissas, de tal modo que, se apenas uma delas for falsa, o problema deixará de

existir sem que tenhamos necessidade de solucioná-lo. Outro motivo para se questionar as pre-

missas é que, frequentemente, elas reduzem o número de alternativas de solução aceitáveis. Nes-

se caso, se uma das premissas for falsa, o número de alternativas de solução viáveis aumentará.

Uma terceira razão para o questionamento das premissas é que, se uma certa premissa for falsa,

sua falsidade poderá mudar o próprio problema, ou seja, o problema a ser solucionado poderá

passar a ser outro.

No caso da avaliação de desempenho, a necessidade de sigilo (item 5 das causas próximas) po-

deria desaparecer caso os gestores questionassem a premissa da retaliação do avaliado contra o

avaliador fazendo-se a seguinte pergunta: por que o avaliado desejaria retaliar o avaliador?

Retaliação quer dizer vingança. Vingança, por sua vez, pode ser definida como a ação que um

indivíduo – chamado vítima – realiza contra outro indivíduo – chamado agressor – em resposta a

uma ação inicial do agressor que a vítima percebeu como tendo-lhe causado dano. Em se tratan-

do de avaliação de desempenho, o avaliado poderá desejar vingar-se do avaliador se perceber

que a avaliação o prejudicou por ter sido desfavorável. Outra circunstância que pode suscitar o

desejo de vingança é a sensação do avaliado de ter sido pego de surpresa pela avaliação, de ter

sido traido pelo avaliador e condenado na entrevista sem aviso prévio, sem provas e sem direito

de defesa.

Que acontecerá, porém, se a avaliação, embora desfavorável, for percebida como justa pelo ava-

liado e se este não for surpreendido pela avaliação? Será que ele ainda terá ímpetos de vingar-se

do avaliador? Se a resposta for negativa, o problema a ser resolvido não será mais a retaliação,

mas sim, a falta de Justiça e a imprevisibilidade do processo avaliativo em relação ao avaliado

(itens 2 e 6 das causas próximas).

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Conclusão

Reportagem da imprensa de negócios informa que um número crescente de empresas têm substitui-

do o “modelo tradicional” de avaliação por conversas informais sobre carreira e desempenho.1 Ao

final da matéria, a jornalista autora da reportagem declara que “ninguém sabe se tudo isso vai fun-

cionar” e que “ajustes deverão ser feitos na busca por um formato ideal”. A razão dessa incerteza,

porém, é o fato de que as organizações ignoram as causas de seus problemas na avaliação de desem-

penho. Em tais condições, a tendência é que as empresas continuem tentando resolver suas dificul-

dades tateando no escuro, experimentando às cegas novos modelos avaliativos e usando o método

da tentativa e erro à exaustão.

Notas 1 SCHERER, Aline. “Burocrático, demorado e injusto?”. Exame, ed. 1096, 2 de setembro de 2015. pp. 70-73.

* Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro Ética na Gestão de Pessoas. Contato: [email protected]