Avaliacao de Tecnologias em Saude como instrumento para a ... · do direito à saúde no Brasil...

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PATRÍCIA DE ALMEIDA E OLIVEIRA AVALIAÇÃO DE TECNOLOGIAS EM SAÚDE COMO INSTRUMENTO PARA A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO ORIENTADORA: PROFª. DRª. SUELI GANDOLFI DALLARI FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2012

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PATRÍCIA DE ALMEIDA E OLIVEIRA

AVALIAÇÃO DE TECNOLOGIAS EM SAÚDE COMO

INSTRUMENTO PARA A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ORIENTADORA: PROFª. DRª. SUELI GANDOLFI DALLARI

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2012

PATRÍCIA DE ALMEIDA E OLIVEIRA

AVALIAÇÃO DE TECNOLOGIAS EM SAÚDE COMO

INSTRUMENTO PARA A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós–

Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito

da USP, como requisito parcial para a obtenção

do título de Mestre em Direitos Humanos.

Orientadora: Profª. Drª. Sueli Gandolfi Dallari.

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2012

PATRÍCIA DE ALMEIDA E OLIVEIRA

AVALIAÇÃO DE TECNOLOGIAS EM SAÚDE COMO

INSTRUMENTO PARA A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós–

Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito

da USP, como requisito parcial para a obtenção

do título de mestre em Direitos Humanos.

São Paulo, 15 de maio de 2012.

Banca Examinadora

___________________________________________________

Profª. Drª. Sueli Gandolfi Dallari (orientadora)

___________________________________________________

Prof. Dr. Guilherme Assis de Allmeida

___________________________________________________

Prof. Dr. Oswaldo Yoshimi Tanaka

Ao meu pai, que teve a vida interrompida bruscamente e não pôde

estar ao meu lado neste momento, mas que foi o maior

incentivador desta empreitada, cujas orientações e estímulo foram

fundamentais, tanto na minha formação acadêmica, quanto na

vida. Ainda sim, sei que está sempre presente, e essa conquista eu

dedico a você.

Ao meu anjo, Rodrigo, meu companheiro e eterno amor, que esteve

ao meu lado em todos os momentos, bons e difíceis, sempre me

incentivando, apoiando e amparando, com toda dedicação,

compreensão e paciência (e muita), pessoa sem a qual eu não teria

razão para continuar.

AGRADECIMENTOS

Antes de mais, agradeço a Deus, em cuja mão eu segurei, buscando forças

para superar cada percalço do caminho e conseguir chegar ao final desta etapa.

À minha família, em especial à minha mãezinha, pela dedicação, pelas

orações, pela força e amparo, e à Isabelinha (Sorriso), pelas peculiares inspirações.

À minha orientadora, Dra. Sueli Gandolfi Dallari, pelo apoio, compreensão,

e por ter acreditado em mim, inclusive nos momentos mais críticos.

Aos Professores Guilherme Assis de Almeida e José Levi Mello do Amaral

Jr., pelas contribuições e incentivo.

Ao Josenir Teixeira, pelo auxílio, atenção, paciência, compreensão e apoio,

sem o qual teria sido ainda mais difícil finalizar essa tarefa.

Ao Alex e à equipe de ATS do Ministério da Saúde, em especial, o Eduardo,

a Renata e a Telma, pelas sugestões de bibliografia e auxílio nas pesquisas.

Ao Leandro, pela assistência na reta final.

Aos demais professores e amigos que, embora não citados aqui, me

apoiaram, incentivaram e estiveram ao meu lado em momentos difíceis no decorrer dos

últimos anos, pela força sem a qual eu não teria me sustentado neste curso.

RESUMO

A Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) é investigada neste trabalho como uma

forma de minimizar as consequências da excessiva judicialização do direito à saúde, ao

vincular o conhecimento científico à tomada de decisão, já que pondera riscos, benefícios,

custos e impactos referentes à ética e equidade, no estudo de uma determinada tecnologia.

O direito ao acesso a medicamentos é apenas uma faceta do direito à saúde, considerando a

abrangência de seu conceito. Todavia, a assistência farmacêutica é hoje uma das áreas mais

problemáticas e assíduas no debate sobre o direito à saúde, motivo pelo qual o foco deste

estudo são as avaliações das tecnologias medicamentosas. Um dos fatores mais relevantes

no incremento dos custos em saúde é a utilização de tecnologias cada vez mais caras e de

uso específico, cuja inovação, nessa área, tende a ser cumulativa, e não substitutiva. Daí a

importância de políticas públicas eficazes em saúde, que consigam gerir as tecnologias de

modo a cumprir os princípios de universalidade, equidade e integralidade do SUS. Este

trabalho é orientado pela interdisciplinaridade inerente ao estudo dos direitos humanos,

pautando-se em pesquisas teóricas e documentais que demonstram tanto a evolução do

direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro, quanto a contextualização e a afirmação

da ATS como pressuposto à incorporação de tecnologias no SUS e auxiliar na tomada de

decisões, possuindo um papel fundamental como fator de justiça social e instrumento de

garantia dos direitos humanos.

Palavras-chave: ATS. Acesso a medicamentos. Direitos Humanos.

ABSTRACT

The Health Technology Assessment (HTA) is studied as a way of minimizing the

consequences of the excessive judicialization of the right to health when taking decisions is

linked to the scientific knowledge. It weighs risks, benefits, costs and impacts referred to

ethics and equity in the study of a certain technology. The right of access to medicines is

only a tiny part of the right to health considering the scope of its concept. However, the

pharmacy assistance is currently one of the most problem and constant subject presents in

debates about the right to health, reason why the focus of this study are the evaluations of

medicines technologies. One of the most relevant fact in the increasing of costs in health is

the using of technologies increasingly expensive and specific, which innovation tend to be

cumulative and not substitutive. That is the importance of effective public policies in

health, which are able to manage the technologies in a way of compliance with

universality, equity and integrality principles of SUS. This work is oriented by the intrinsic

interdisciplinarity of the human rights studies and guided by theoretical and documental

researches that demonstrate the evolution of the right to health in Brazilian legal system

and the contextualization and predication of HTA as an important point to be considered

when incorporating technologies in SUS and taking decisions, having an important role as

a factor of social justice and human rights guaranties.

Key-words: HTA; Medicines Access. Human Rights.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

AES Avaliação Econômica em Saúde

AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

ATS Avaliação de Tecnologias em Saúde

BRATS Boletins Brasileiros de Avaliação de Tecnologia em Saúde

CCTI Conselho de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde

CEME Central de Medicamentos

CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CFM Conselho Federal de Medicina

CIB Comissão Intergestores Bipartite

CIT Comissão Intergestores Tripartite

CITEC Comissão para Incorporação de Tecnologias

CMED Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CNS Conselho Nacional de Saúde

COMARE Comissão Técnica e Multidisciplinar de Atualização da RENAME

CONASS Conselho Nacional dos Secretários de Saúde

CONITEC Comissão Nacional para Incorporação de Tecnologias

CONJUR Consultoria Jurídica

CPG Comissão para Elaboração da Política de Gestão Tecnológica

DCB Denominação Comum Brasileira

DECIT Departamento de Ciência e Tecnologia

DST Doenças Sexualmente Transmissíveis

EC Emenda Constitucional

FDA Food and Drug Administration

GM Gabinete do Ministro

GT/ATS Grupo Permanente de Trabalho em Avaliação de Tecnologias em Saúde

HIV Vírus da Imunodeficiência Humana

HTA Health Technology Assesment

IATS Instituto de Avaliação de Tecnologias em Saúde

INAHTA Rede de Agências Internacionais para Avaliação de Tecnologias em Saúde

LOS Lei Orgânica da Saúde

MBE Medicina Baseada em Evidências

MP Ministério Público

MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social

MS Ministério da Saúde

NATS Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde

OMC Organização Mundial do Comércio

OMS Organização Mundial da Saúde

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

OPAS Organização Panamericana de Saúde

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

PNAF Política Nacional de Assistência Farmacêutica

PNCTIS Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde

PNGTIS Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde

PNM Política Nacional de Medicamentos

PTC Parecer Técnico Científico

QALY Anos de Vida Ajustados pela Qualidade

REBRATS Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde

RENAME Relação Nacional de Medicamentos Essenciais

SAS Secretaria de Atenção à Saúde

SCTIE Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos

STF Supremo Tribunal Federal

SUS Sistema Único de Saúde

TRIPS Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual

Relacionados ao Comércio

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10

1 SAÚDE: UM DIREITO FUNDAMENTAL .................................................................... 14 1.1 A CONSTRUÇÃO DO DIREITO À SAÚDE ............................................................................ 14

1.2 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL ........................................... 21 1.2.1 Saúde no ordenamento jurídico brasileiro .................................................................. 21 1.2.2 Carta Magna de 1988: consagração da saúde como direito fundamental ................... 24 1.2.3 Sistema Único de Saúde Brasileiro: fundamentos e princípios .................................. 26 1.3 ACESSO A MEDICAMENTOS COMO UMA FACETA DO DIREITO À SAÚDE .......................... 30

1.3.1 Ponderações necessárias no Acesso ao Direito Social à Saúde .................................. 36 1.3.2 Análise do posicionamento do Supremo Tribunal Federal ......................................... 40 1.3.3 Reflexos da atuação do Judiciário .............................................................................. 44

2 AVALIAÇÃO DE TECNOLOGIAS EM SAÚDE: SUBSÍDIO AOS PROCESSOS DE

INCORPORAÇÃO TECNOLÓGICA NO SUS ................................................................. 49 2.1 TECNOLOGIAS EM SAÚDE ................................................................................................ 49

2.1.1 Enquadramento dos medicamentos na classificação das tecnologias em saúde ......... 49 2.1.2 Etapas da incorporação de medicamentos no SUS ..................................................... 52 2.2 AVALIAÇÃO DE TECNOLOGIAS EM SAÚDE ...................................................................... 65

2.2.1 Definição e propósitos da ATS ................................................................................... 67 2.2.2 Avaliação econômica em saúde .................................................................................. 73 2.3 DADOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS SOBRE O USO DA ATS ........................................ 79

2.3.1 ATS no cenário internacional ..................................................................................... 80

2.3.2 ATS no Brasil ............................................................................................................. 83

3 ACESSO ÀS TECNOLOGIAS EM SAÚDE NO BRASIL: GARANTIA DOS

DIREITOS HUMANOS ...................................................................................................... 88

3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE PAUTADAS EM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ............... 91 3.1.1 Política Nacional de Medicamentos ........................................................................... 94 3.1.2 Política Nacional de Assistência Farmacêutica ........................................................ 101

3.1.3 Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde ............................................ 103

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: ATS COMO RESPALDO PARA TOMADA DE

DECISÃO .......................................................................................................................... 106

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 111

INTRODUÇÃO

No decorrer dos últimos anos as reivindicações judiciais ao exercício efetivo

do direito à saúde no Brasil têm sido observadas com mais veemência, mormente, no que

concerne ao acesso a novas tecnologias em saúde, principalmente, os medicamentos.

O acesso à saúde é prescrito pela Constituição Federal Brasileira (CF/88),

traduzido num direito social, garantido mediante o desenvolvimento de políticas públicas

sociais e econômicas que possibilitem, nas três esferas de governo, a implementação de

ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. Nesse ínterim, enseja-se

uma interpretação mais abrangente do conceito de direito à saúde, afiançado por políticas

que contemplem não apenas a ausência de doença, mas que também sejam pautadas por

determinantes sociais relacionadas à qualidade de vida da população.

Tais políticas seriam a tradução da defesa da dignidade humana, princípio

que orienta todo o ordenamento jurídico brasileiro, o que evidencia a responsabilidade do

Poder Público para a manutenção do equilíbrio entre a atividade estatal e a preservação da

qualidade de vida da sociedade.

A partir de uma rápida análise das condições de saúde no país, desde a

promulgação da CF/88 até os dias atuais, percebe-se que inúmeros obstáculos foram

superados pelo setor de saúde no Brasil. Todavia, a despeito de toda a evolução, novos

desafios surgem a cada dia, na tentativa de superação de velhos problemas, dentre os quais,

a equidade no acesso a novas tecnologias na área da saúde, sobretudo, novos fármacos,

expressão que, neste texto, será usada indistintamente como sinônimo de medicamentos.

A evolução científica a cada dia introduz no mercado novas tecnologias,

caras e dispendiosas, algumas de fato inovadoras e necessárias, outras, nem tanto.

Justificados pela maior eficiência aparente das novidades medicamentosas, o que, por

conseguinte, melhoraria a qualidade de vida dos pacientes, profissionais da saúde muitas

vezes indicam o uso indiscriminado dos fármacos mais modernos.

11

Então, os pacientes desprovidos de recursos suficientes para aquisição das

novas e onerosas tecnologias, e até mesmo os que têm interesse em medicamentos ainda

não autorizados por órgãos regulatórios, buscam acessá-los pela via judicial.

O que se vê, muitas vezes, são decisões tomadas à revelia de fundamentação

científica, pautadas tão somente na constitucionalização dos direitos sociais. Em que pese

ser argumento suficiente para a garantia do direito à saúde em seu sentido originário, como

direito fundamental, não se pode negar que a crescente demanda nessa área onera em

demasia o Estado, causando um desequilíbrio nas políticas públicas já existentes, que

abrangem uma parcela consideravelmente maior da população.

Ressalte-se que o direito ao acesso a medicamentos é apenas uma faceta do

direito à saúde, considerando a abrangência de seu conceito. Não se trata do único ponto

relevante dessa seara, sendo, porém, o foco primordial do trabalho, até mesmo porque, a

assistência farmacêutica é hoje uma das áreas mais problemáticas e assíduas no debate

sobre o direito à saúde.

Pesquisas empíricas demonstram que o Poder Judiciário, extrapolando suas

competências, pode prejudicar o orçamento público de parcos recursos1, propiciando o

acesso aos medicamentos de alto custo a poucos indivíduos, em detrimento da melhor

alocação de recursos, abrangendo uma parcela maior da população.

O resultado de tais pesquisas serve como argumento para que o Estado se

furte à prestação dos direitos sociais. Contudo, em se tratando de direito fundamental, o

direito à saúde encontra-se acima de questões orçamentárias. Logo, intenta-se conhecer

uma forma de diminuir os impactos financeiros causados pela incorporação de novas

tecnologias na área da saúde, que, apesar de mais avançadas e quase sempre mais

eficientes, também são mais onerosas.

1 Cf. TANAKA, Oswaldo Yoshimi. A judicialização da prescrição medicamentosa no SUS ou o desafio de

garantir o direito constitucional de acesso à assistência farmacêutica. Revista de Direito Sanitário, São

Paulo, v. 9, n. 1, p. 139-143, mar./jun., 2008. FERRAZ, Octávio Luiz Motta; VIEIRA, Fabiola Sulpino.

Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da interpretação judicial dominante. Revista de

Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 52, n. 1, Mar. 2009. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582009000100007&lng=en&nrm=iso>.

Acesso em: 10 ago. 2011. DELDUQUE, Maria Cecília; OLIVEIRA, Mariana Siqueira de Carvalho. O

papel do Ministério Público no Campo do Direito e Saúde. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação

Oswaldo Cruz. Questões atuais de direito sanitário. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. (Série Legislação

de Saúde).

12

Com esse propósito, a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) é

estudada como uma forma de minimizar as consequências da excessiva judicialização do

acesso à saúde, de forma a propiciar equidade nesse acesso. Isso porque a ATS “consiste

em um processo de sistematização das informações disponíveis quanto a benefícios, riscos,

custos e impactos referentes à ética e equidade. A ATS é a ponte entre o conhecimento

científico e a tomada de decisão2”.

Este trabalho é, portanto, orientado pela interdisciplinaridade inerente ao

estudo dos direitos humanos, o que ressalta a importância de uma análise não apenas

jurídica, mas político-econômica do tema. Não se pretende aqui o esgotamento do tema,

mas, tão somente, uma abordagem preliminar de sua essência, numa linha de raciocínio

que sirva de base para estudos futuros mais aprofundados e direcionados.

A metodologia usada para tanto pauta-se numa pesquisa essencialmente

teórica, cuja análise interpretativa das fontes bibliográficas selecionadas permitiu um juízo

crítico sobre a evolução das tecnologias em saúde e do direito ao acesso às mesmas, bem

como suas consequências no ordenamento jurídico brasileiro.

Ao mesmo tempo, fez-se cogente uma pesquisa documental em fontes

públicas, que propiciaram uma abordagem histórica e comparativa dos mecanismos de

incorporação tecnológica pelo Ministério da Saúde (MS). Considerando a abrangência do

conceito de tecnologia, o que será adiante explicitado, focalizou-se a pesquisa no universo

da incorporação e acesso a novos medicamentos. Importante, outrossim, entender a

evolução da legislação brasileira nesse âmbito, nomeadamente perante os princípios

insculpidos na CF/88 e as diretrizes da Lei Orgânica da Saúde3 (LOS) que cuida dos

fundamentos, princípios e organização do Sistema Único de Saúde (SUS).

O presente trabalho foi estruturado em três capítulos. O primeiro aborda a

evolução do conceito de saúde e direito à saúde, discorrendo sobre a constitucionalização

deste direito no ordenamento jurídico brasileiro, até a instituição do SUS no Brasil, além

2 SILVA, Everton Nunes da; SILVA, Marcus Tolentino; ELIAS, Flávia Tavares Silva. Sistemas de saúde e

avaliação de tecnologias em saúde. In: NITA, Marcelo Eidi et. al. Avaliação de tecnologias em saúde:

evidência clínica, análise econômica e análise de decisão. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 420. 3 BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e

recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras

providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 de set. 1990.

13

de mencionar o estado atual das decisões jurídicas pátrias nessa seara. Também aborda,

mesmo que brevemente, temas como reserva do possível e mínimo existencial,

mencionados em diversas jurisprudências, analisando-se também o posicionamento atual

do Supremo Tribunal Federal (STF) perante o crescente número de ações que pleiteiam

acesso à saúde.

O primeiro capítulo mostra, portanto, que a saúde é um direito garantido

pela Carta Magna de 1988, que não apenas o coloca no rol dos direitos fundamentais, mas

também, disciplina sua implementação no ordenamento jurídico brasileiro a partir da

instituição do SUS. Como sistema público de saúde, as políticas que regem o SUS devem

garantir o acesso à saúde a todos os cidadãos, sem restrição de qualquer espécie, o que

inclui, por conseguinte, a incorporação de novas tecnologias.

Assim sendo, o segundo capítulo cuida das tecnologias em saúde, suas

classificações e das etapas de incorporação tecnológica no SUS, dentre as quais, a ATS,

área estruturada pelo MS a partir de 2003, quando da criação do Conselho de Ciência,

Tecnologia e Inovação em Saúde (CCTI). O intuito é demonstrar a relevância da

incorporação sistemática de tecnologias no sistema público de saúde, figurando como fator

de justiça social, partindo-se do pressuposto de que essa sistematização proporciona

equidade nesse acesso, facilitando inclusive, a tomada de decisões, tanto dos gestores,

quanto do Judiciário. A ATS é tratada em todos os seus aspectos neste capítulo, incluindo

contextualização no âmbito internacional.

Para finalizar, o terceiro capítulo aborda as políticas públicas nacionais, de

medicamentos, farmacêutica e de gestão de tecnologias, que propiciam o acesso da

população aos medicamentos incorporados no sistema público de saúde. Considerando

peculiaridades dessas políticas, apresenta-se a ATS como instrumento hábil a fundamentar

tomada de decisões.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa realizada pelo método indutivo,

traduzida num estudo teórico argumentativo, de natureza reflexiva e de caráter didático,

constituído em uma iniciação à investigação do papel da ATS como fator de justiça social

e instrumento de garantia dos direitos humanos.

14

1 SAÚDE: UM DIREITO FUNDAMENTAL

1.1 A CONSTRUÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

Para entender como os mecanismos de incorporação de tecnologias em

saúde podem figurar como fator de justiça social e garantia dos direitos fundamentais, é

preciso, a priori, conhecer conceitos básicos em saúde, bem como a evolução desse direito.

A partir do momento em que a saúde passa a ser definida como o melhor

amparo às condições sociais do indivíduo e não apenas como mera ausência de doença, a

despeito das críticas a esse conceito genérico, o Direito passa a intervir ainda mais na

Medicina, que não se restringe aos hospitais4.

Constituída como um direito fundamental, a saúde tem implicações diretas

para o bem-estar do indivíduo, a integridade da sociedade e a produtividade da economia.

Nesse sentido, “a saúde tem sido identificada como uma importante variável para o

desenvolvimento econômico, sendo este entendido em seu sentido mais amplo: aumento do

crescimento e redução das desigualdades sociais5”.

Nada obstante estar agregada ao rol dos direitos humanos, cuja

reivindicação é antiga na história da humanidade, a saúde somente foi incluída no elenco

desses direitos nos documentos contemporâneos, donde se conclui ser uma reivindicação

moderna6. O amplo acesso à saúde apenas foi reconhecido constitucionalmente, como

direito fundamental quando da promulgação da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, cujo processo constituinte, num espaço democrático, teve também alicerce

em idéias de congressistas progressistas, amparados por intelectuais do movimento da

Reforma Sanitária7.

A definição de saúde evoluiu bastante ao longo da história. Já no Século IV

a.C. o filósofo grego Hipócrates alertava para as influências do meio sobre a enfermidade,

4 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

5 SILVA; SILVA; ELIAS, 2010, p. 420.

6 DALLARI, Sueli Gandolfi. Uma nova disciplina: o direito sanitário. Revista de Saúde Pública, São Paulo,

v. 22, n. 4, p. 327-334, ago. 1988b. 7 BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Legislação Estruturante do SUS. Brasília: CONASS,

2007b. (Coleção Progestores – Para entender a gestão do SUS, 12), passim.

15

sendo mais tarde considerado o caráter mecanicista da doença, quando Descartes, ao

identificar o corpo humano à máquina, acreditou poder descobrir a causa da conservação

da saúde, que no seu entendimento seria tão somente a ausência de doenças8.

O conceito atualmente usado no Brasil foi definido na 8ª Conferência

Nacional de Saúde, em 1986, como “a resultante das condições de alimentação, habitação,

educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de

terra e acesso a serviços de saúde9”.

Considerando todas essas determinantes, Moacyr Scliar entende que o

“conceito atual de saúde aproxima-se do conceito subjetivo de felicidade e configura antes

uma ‘imagem-horizonte do que um alvo-concreto’10

”.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) a define genericamente como “o

completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Tal

conceituação atrai inúmeras críticas, em razão de sua abrangência, embora os

doutrinadores concordem que não há unanimidade na conceituação do termo:

[...] saúde, ainda que se dispute qual o conceito ideal, tem a ver com o equilíbrio

do homem internamente, e necessariamente, ao mesmo tempo, com o seu

equilíbrio na sociedade e com a sociedade mais próxima e também com a

sociedade um pouco mais ampla, eu diria que tem a ver com o seu equilíbrio

cultural; tudo isso ao mesmo tempo. Trata-se de um conceito complexo; nós já

ouvimos isso, certamente, várias vezes nesta audiência. [...] Se saúde é assim

complexa, é impossível que alguém possa defini-la, em última instância, numa

mesa, num gabinete11

.

A despeito da dificuldade de conceituação do termo saúde, a grande maioria

dos ordenamentos jurídicos atuais, que acompanham a evolução normativa internacional

de proteção e defesa dos direitos humanos, garante constitucionalmente esse direito, ainda

que de forma ampla e genérica, sem considerar especificamente cada um de seus aspectos.

8 DALLARI, Sueli Gandolfi. O direito à saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 22, n. 1, p. 57-63,

1988a. 9 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. 8ª Conferência Nacional de Saúde. Brasília, 1986. 29 p. Relatório.

Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/area.cfm?id_area=1124>. Acesso em: 07

mar. 2009. 10

SCLIAR, Moacyr. Do mágico ao social: trajetória da saúde pública. 2. ed. São Paulo: Senac, 2005, p. 94. 11

DALLARI, Sueli Gandolfi. Audiência Pública – Saúde. Registro na ANVISA e Protocolos e Diretrizes

Terapêuticas do SUS. Supremo Tribunal Federal, 4, mai. 2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=Cronog

rama>. Acesso em: 25 jul. 2010.

16

Os direitos do homem são históricos, nascidos gradativamente em

circunstâncias peculiares e qualificados por lutas em defesa de novas liberdades contra

velhos poderes, modificando-se conforme a evolução social, além de fatores como

carecimentos e interesses das classes no poder, meios disponíveis para sua realização,

transformações técnicas, dentre outros. Direitos sociais, como a saúde, que antes sequer

eram reconhecidos como direitos fundamentais, hoje são o foco de diversas declarações e

documentos internacionais12

.

Ao longo da história humana, os maiores problemas de saúde que os homens

enfrentaram estiveram relacionados com a natureza da vida comunitária. Por

exemplo, o controle das doenças transmissíveis, o controle e a melhoria do

ambiente físico (saneamento), a provisão de água e comida puras, em volume

suficiente, a assistência médica e o alívio da incapacidade e do desamparo. A

ênfase relativa sobre cada um desses problemas variou no tempo. E de sua inter-

relação se originou a Saúde Pública como a conhecemos hoje13

.

Historicamente importa citar que a Medicina, já na Grécia Antiga, não se

resumia apenas à prática da cura, mas também, à prevenção das doenças14

, sendo dos

gregos de Esparta o primeiro conceito conhecido de saúde15

e o mérito de afastar o

entendimento religioso do científico, a partir da figura de Hipócrates, o pai da medicina16

.

Já os Romanos, apesar do conhecimento sobre a relação entre as ocupações

e as enfermidades, pouco ou nada fizeram para proteger a saúde dos trabalhadores,

primando pelo desenvolvimento da organização dos serviços médicos, sobretudo da

construção de hospitais públicos, inovando mais na área de engenharia e administração,

construindo sistemas de esgotos e instalações sanitárias que marcaram a história17

.

Na Idade Média não se pode falar em evolução satisfatória da medicina. O

que houve foi a ênfase numa conexão entre doença e pecado. Não se falava no direito de

ser saudável. A enfermidade, portanto, seria o castigo para o pecador.

12

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,

1992, p. 18. 13

ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. Tradução de Marcos Fernando da Silva Moreira com a

colaboração de José Rubem de Alcântara Bonfim. São Paulo: HUCITEC: UNESP; Rio de Janeiro:

ABRASCO, 1994, p. 31. 14

Ibidem, p. 40. 15

Mens sana in corpore sano (mente sã, corpo são). 16

CARVALHO, Patrícia Luciane de. Patentes Farmacêuticas e Acesso a Medicamentos. São Paulo: Atlas,

2007, p. 15. 17

ROSEN, op. cit., passim.

17

Todavia o renascimento é um período significativo na história da Saúde

Pública. Com o acúmulo de informações, ganhou forma ideológica a possibilidade e a

importância de se aplicar o conhecimento científico à saúde da comunidade, muito embora,

na prática, a Saúde Pública pouco ou nada se beneficiou durante esse período, já que até o

Século XIX persistiu o padrão administrativo da Idade Média.

Enquanto legisladores e homens de negócios tentavam guiar-se pelos preceitos

do Iluminismo, uma nota de protesto humanitário se ergueu, se fez ouvir. E, com

o século XVIII se aproximando de seu término, esse protesto e esse modo de

pensar e agir tornaram-se cada vez mais importantes. De todos os lados, surgia

um interesse vivo pelos direitos e pela situação do homem. Interesse manifesto,

por exemplo, na preocupação crescente com os problemas de saúde de grupos

específicos. A avaliação dos efeitos sociais das doenças levou mercadores,

médicos, clérigos e outros cidadãos de espírito público a lutar por

melhoramentos. Ao término do século XVIII, estava enraizada na atenção

pública a convicção de serem os problemas de saúde e doença fenômenos sociais

de muita importância para o indivíduo, e para a comunidade. Reconheciam-se os

efeitos da doença sobre o corpo político e se envidavam esforços na solução do

problema.18

Os problemas de organização sanitária decorrentes das novas condições

sociais de início e meados do Século XIX foram enfrentados, sobretudo, pela França e

Inglaterra, países nos quais, pela primeira vez na história, se desenvolveram políticas

públicas de saúde em escala nacional.

Todavia, num lapso temporal de cem anos entre três dos principais

documentos modernos a proclamar direitos, o Bill of Rights inglês de 1689, a Declaração

de Independência Americana de 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão francesa de 1789, não se presenciou muito além da origem de um modelo de

Estado, cujas funções limitadas não incluíam o direito à saúde19.

Na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,

promulgada pela Assembléia Constituinte, aboliu os privilégios do Ancien Régime e

proclamou a liberdade e a igualdade do indivíduo e a soberania da nação e da lei,

ocasionando mudanças que propiciaram o real enfrentamento de problemas de saúde e

bem-estar da população, embora tal documento não fizesse referência direta à saúde,

inovação trazida pela Constituição Francesa de 1791:

18

ROSEN, 1994, p. 115-116. 19

BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 6 ed. São Paulo:

Brasiliense, 2007, passim.

18

[...] a Constituição Francesa de 1791 previu a criação de um estabelecimento

geral de socorros públicos para criar as crianças expostas, aliviar os pobres

enfermos e prover trabalho aos pobres válidos que não o tenham achado. Trata-

se, como assinalou Fabio Konder Comparato, do primeiro documento histórico

em que foram reconhecidos direitos humanos de caráter social. Na Convenção

que sucedeu à Constituição de 1791, surgiu a Constituição Francesa de 1793, que

em pouco inovou o que previra sua antecessora. A partir de então, considerando

que em face dos acontecimentos revolucionários a Constituição de 1793 sequer

chegou a entrar em vigor, a assistência à saúde não mais constou como função do

Estado até a transição ao século XX, com a Lei Waldeck-Rousseau, de 21 de

março de 1884, que admitiu a criação de associações profissionais, a partir da

qual proliferaram entidades por meio das quais os trabalhadores urbanos

franceses asseguraram assistência mútua à saúde20

.

Na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, foi onde o custo humano da

industrialização, em termos de insalubridade e morte prematura, mais se revelou, sendo,

portanto, o local onde teve início o movimento de reforma sanitária do Século XIX. Os

serviços de saúde foram incentivados pelo Estado absolutista Francês e pelo Estado Inglês

por meio de fomento a entidades privadas, sobretudo ligadas à Igreja e à caridade.

Durante o século XX, com o aumento do comércio e a melhoria do sistema de

transportes, e a diminuição das distâncias, não se podia mais considerar, com

indiferença, as condições sanitárias em diferentes partes do mundo. Assim, a

cooperação internacional para a prevenção de doenças transmissíveis passou a

ser um assunto da maior importância. E em 1851 se deu, com a abertura da

primeira conferência sanitária internacional, em Paris, o primeiro passo para a

criação de uma organização internacional de saúde21

.

A interdependência econômica e política internacional, cada vez mais

complexa, e o entendimento de que a presença de doenças em uma área se constituía em

um perigo contínuo para muitas outras, culminou na cooperação sanitária internacional em

saúde. A mais antiga das organizações internacionais, regional, em saúde, o Escritório Pan-

Americano da Saúde, foi criado em 1902, sendo que em 1907 assinou-se em Roma um

acordo que instituiu a primeira organização internacional de saúde no âmbito mundial, o

Escritório Internacional de Higiene Pública.

Em 1923 houve a criação da Organização de Saúde da Liga das Nações. A

OMS, que assumiu os deveres e os poderes da Organização de Saúde da Liga, foi criada

em 1946, embora sua existência oficial comece apenas em 1948, quando da ratificação de

sua constituição pelos vinte e seis países necessários, num pós-guerra em que se

reivindicava em todo o mundo a proteção dos direitos humanos.

20

MÂNICA, Fernando Borges. O setor privado nos serviços públicos de saúde. Belo Horizonte: Fórum,

2010, p. 35. 21

ROSEN, 1994, p. 224.

19

A experiência de uma Grande Guerra apenas 20 anos após a anterior, provocada

pelas mesmas causas que haviam originado a predecessora e, especialmente, com

capacidade de destruição várias vezes multiplicada, forjou um consenso. Carente

de recursos econômicos, destruída sua crença na forma de organização social,

alijada de seus líderes, a sociedade que sobreviveu a 1944 sentiu a necessidade

ineludível de promover um novo pacto. Tal pacto, personificado na Organização

das Nações Unidas, fomentou a Declaração Universal dos Direitos do Homem,

ao mesmo tempo em que incentivou a criação de órgãos especiais dedicados a

garantir alguns desses direitos considerados essenciais aos homens. A saúde,

reconhecida como direito humano, passou a ser objeto da Organização Mundial

de Saúde (OMS) que, no preâmbulo de sua Constituição (1946), assim a

conceitua: “Saúde é o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a

ausência de doença”22

.

Após a Segunda Guerra Mundial (2ª GM) presenciou-se uma transição de

direitos: passa-se da liberdade como pressuposto da dignidade para a dignidade como

pressuposto da liberdade, sendo ampliados e positivados os direitos sociais voltados à

proteção da dignidade de cada pessoa humana. Assim, a OMS surge reconhecendo a saúde

como um direito fundamental do ser humano, sem qualquer espécie de distinção, figurando

como a agência oficial de coordenação mundial no campo da saúde internacional.

Nesse contexto, há que se aludir ao Beveridge Report, relatório inglês

elaborado por William Beveridge, que serviu como instrumento para ampliação do direito

à saúde de forma universal na Inglaterra, superando o até então predominante modelo

alemão do seguro-doença, por meio do qual o Estado intervinha na proteção da saúde dos

trabalhadores, apenas. Mesmo sem previsão constitucional, já que o ordenamento jurídico

inglês não possui uma Constituição escrita, o Estado britânico assumiu em 1948 a

prestação de serviços de saúde, com a implantação do National Health System23

(Sistema

Nacional de Saúde Britânico).

O desenvolvimento da legislação internacional tocante aos direitos humanos

culminou na aprovação de documentos que consagram a saúde como direito fundamental,

dentre eles, a Declaração Universal dos Direitos Humanos24

e o Pacto Internacional sobre

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais25

, o que retrata a tendência à universalização do

direito à saúde, que passa a figurar como dever do Estado de forma expressa em diversas

22

DALLARI, 1988a, p. 58. 23

MÂNICA, 2010, p. 40. 24

Editada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), consagra pela primeira vez a saúde como

direito e todos, sem distinção, a partir da defesa da dignidade humana. 25

Pacto assinado em 1966, que, além de reafirmar em seu preâmbulo o princípio da dignidade da pessoa

humana, estabelece em seu artigo 12 o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de

saúde física e mental. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6. ed.

rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 356.

20

Constituições escritas, dentre elas, a Carta Magna Brasileira de 1988. Trata-se da

intensificação do papel do Estado na promoção do bem-estar social.

Esta construção histórica mundial justifica e explica o que sejam os direitos

humanos; aqueles direitos que podem ser reclamados por todos, frente a qualquer

espécie de Estado, de forma complementar, enumerativa e não taxativa, visto que

servem à garantia e à permanência da espécie humana com dignidade e em

condições de igualdade, favorecendo, dessa forma, o desenvolvimento

sustentável, assim, progressivo26

.

A defesa dos direitos humanos em nível mundial não evoluiu em função da

proteção de sujeitos afortunados, mas sim, de cidadãos hipossuficientes. Nesse ínterim, no

que respeita ao direito à saúde, insta ressaltar a necessidade de organização e supervisão

dos sistemas de saúde pelos Estados, bem como a importância de que os equipamentos

públicos sejam utilizados, prioritariamente, no atendimento das pessoas carentes.

O Comitê de Especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) para

os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ao interpretar o artigo 12 do Pacto

Internacional sobre tais direitos27

, sustenta que “o direito à saúde não deve ser entendido

como direito a estar sempre saudável”, mas sim como o direito “a um sistema de proteção

à saúde que dá oportunidades iguais para as pessoas alcançarem os mais altos níveis de

saúde possíveis”. Nessa lógica de raciocínio:

Não tendo o sistema público de saúde condições de atender adequadamente o

conjunto da população carente, ele deveria poder requisitar os serviços das

organizações privadas de saúde. Ademais, o sistema de previdência social há de,

necessariamente, abranger também as despesas com aquisição de medicamentos.

Para tanto, é indispensável que o Estado, sobretudo em países subdesenvolvidos,

intervenha largamente no setor de produção e distribuição de medicamentos, de

forma a eliminar ao máximo as perversões que o sistema capitalista provoca, em

detrimento das populações de baixa renda28

.

No que concerne aos medicamentos, a situação hodierna retrata o controle

de algumas empresas privadas transnacionais sobre a pesquisa, produção e distribuição de

26

CARVALHO, 2007, p. 13. 27

“The right to health is not to be understood as a right to be healthy. The right to health contains both

freedoms and entitlements. The freedoms include the right to control one's health and body, including

sexual and reproductive freedom, and the right to be free from interference, such as the right to be free

from torture, non-consensual medical treatment and experimentation. By contrast, the entitlements include

the right to a system of health protection which provides equality of opportunity for people to enjoy the

highest attainable level of health.” UNITED NATIONS. Economic and Social Council. Committee on

Economic, Social and Cultural Rights. The right to the highest attainable standard of health: General

Comment No. 14, para. 9, Geneva, Apr./May. 2000, E/C.12/2000/4. (General Comments). Disponível em:

<http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/(Symbol)/40d009901358b0e2c1256915005090be?Opendocument>.

Acesso em: 24 out. 2011. 28

COMPARATO, 2008, p. 358.

21

fármacos, o que frequentemente, aliás, é feito com recursos públicos, deixando à míngua

multidões de miseráveis dos países subdesenvolvidos, o que é incoerente com o atual

sistema internacional de proteção aos direitos humanos.

1.2 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL

A saúde foi incluída como direito fundamental nos textos constitucionais de

diversos países a partir da compreensão da evolução legislativa internacional de defesa dos

direitos humanos no pós-guerra da segunda metade do Século XX.

Após um período político conturbado pela insurreição contra a ditadura

militar no Brasil, a Constituinte não poderia deixar de garantir um rol de direitos sociais no

texto da Constituição democrática que seria promulgada no país, incluindo-se

expressamente, pela primeira vez na história da legislação brasileira, a saúde como direito

de todo cidadão, sem distinção de qualquer espécie.

1.2.1 Saúde no ordenamento jurídico brasileiro

O período colonial no Brasil foi marcado por uma “catástrofe demográfica

da população indígena”, como denominam os historiadores, decorrente da escravização e

matança que tiveram início com a desocupação das terras, o que disseminou doenças

“importadas” da Europa, dantes desconhecidas pelos indígenas. Pertencentes aos últimos

escalões da sociedade, as condições de saúde dos índios e negros eram igualmente

deploráveis, a despeito da multiplicidade de situações vividas e atividades desenvolvidas.

Não menos heterogêneas eram as condições de saúde da população branca, o que variava

conforme as classes sociais ou condições geográficas.

Certo é que não havia um eficaz sistema de proteção sanitária, sendo que a

medicina desenvolvida à época pautava-se numa combinação indiscriminada de

conhecimentos de povos diferentes:

Durante os três primeiros séculos da colonização brasileira, a sociedade branca

recorreu indiferentemente às formas de cura trazidas da Europa ou àquelas a que

22

diversas etnias, com as quais se manteve em constante contato, utilizavam para

lutar contra os males que as acometiam. Mesmo os portugueses opulentos, muito

embora se tratassem com seus médicos, cirurgiões e barbeiros vindos de

Portugal, não hesitavam, quando precisavam curar suas feridas, em se servir do

óleo de copaíba utilizado pelos indígenas para esse fim. Depois, com a vinda dos

escravos africanos, aderiram igualmente a certas curas relacionadas com a magia,

como nos revela a documentação das visitas inquisitoriais do Santo Ofício29

.

Mesmo assim, desde 1430, além da regulamentação do exercício da

medicina e cirurgia por meio de licença, Portugal ainda impunha regimentos burocráticos

quanto à produção, prescrição e comercialização de medicamentos, que na realidade não

passavam de uma forma de melhor fiscalizar e garantir a cobrança de tributos. Entretanto, a

miscigenação de raças, costumes e tradições no Brasil colonial disseminou práticas

variadas de curas e tratamentos, mesmo com toda a fiscalização.

A Proclamação da Independência, em 1822, trouxe significativas mudanças

no cenário médico brasileiro. Além de novas regulamentações quanto ao exercício da

medicina e o acesso a medicamentos e tratamentos, em 1832 foram transformadas duas

escolas médico-cirúrgicas em faculdades de medicina e em 1850 criou-se a Junta Central

de Higiene Pública. Porém, a “população não associava competência terapêutica com os

diplomas oficiais e as autoridades faziam vista grossa à multiplicidade de anúncios que

ofereciam, para os mais diversos males, remédios que prometiam curas imediatas30

”.

Inúmeras foram as regulamentações sanitárias no período compreendido

entre a Proclamação da República em 1824 até a Promulgação da Constituição Cidadã,

como foi denominada a Carta Magna de 1988.

Tanto a Constituição Brasileira de 25 de março de 1824, quanto a de 24 de

fevereiro de 1891, garantiam em seu bojo apenas os direitos individuais: liberdade,

29

PONTE, Carlos Fidélis; FALLEIROS, Ialê (Org.). Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da

história. Rio de Janeiro: Fiocruz: COC: EPSJV, 2010, p. 31. 30

As desigualdades sociais e culturais herdadas do período colonial e acentuadas até o limite com a

escravidão se refletiam também no uso dos remédios. O acesso aos produtos das farmácias, boticas e

drogarias, muitos deles importados, era quase sempre uma prerrogativa dos brancos ricos. Os setores

subalternos, formados pela imensa população de pobres e escravos, contavam com remédios caseiros,

fórmulas feitas com ervas nacionais e outros produtos recomendados ou administrados por curandeiros,

mezinheiros, barbeiros e sangradores. Como observou Gilberto Freyre (1977), foram vários os remédios de

negro, de caboclo, de matuto, de caipira, ou sertanejo que eram desprezados pelos “civilizados” como

indignos de gente fina ou delicada. Nas áreas mais requintadas em cultura europeia, alimentos, bebidas e

remédios caros, importados da Europa, constituíam indícios da ostentação senhorial. Para essa “gente

superior de raça fina”, os remédios rústicos pareciam produzir maior dano que as próprias doenças. Nos

anúncios de jornais eram frequentes os remédios recomendados para “pessoas delicadas”, “fidalgas” ou

“nobres”. Ibidem, p. 44-45.

23

segurança pública e propriedade. A Constituição de 16 de julho de 1934, pela primeira vez,

incluiu a saúde no texto constitucional, mas tão somente como uma competência

concorrente entre a União e os Estados, não a garantindo expressamente a todos os

cidadãos. Já a Constituição de 10 de novembro de 1937 amplia um pouco mais o

tratamento do assunto, determinando ser competência privativa da União legislar sobre

normas fundamentais de defesa e proteção da saúde, sobretudo da saúde da criança. Ainda

facultou aos Estados legislar sobre o funcionamento das casas de saúde, mas também, sem

incluir em seu texto uma garantia expressa desse direito.

A Constituição de 18 de setembro de 1946 manteve somente a competência

legislativa da União quanto às normas de proteção da saúde, assim como a Carta

Constitucional de 1967. Contudo, pela primeira vez, a Emenda Constitucional (EC) de

1969 estabelece aos Municípios um percentual de aplicação nos programas de saúde, dos

fundos repassados pela União. Tal EC estabelece ainda a competência do STF para julgar

originariamente causas das quais decorram riscos para a saúde pública.

Como se vê, o tema saúde já figurava nos textos constitucionais brasileiros

anteriores a 1988, embora com um sentido organizativo e administrativo, apenas:

É espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só na

Constituição de 1988 tenha sido elevando à condição de direito fundamental do

homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito à vida de todos os

seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito

a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da Ciência Médica,

independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor

sua consignação em normas constitucionais. O tema não era de todo estranho ao

nosso direito constitucional anterior, que dava competência à União para legislar

sobre defesa e proteção da saúde; mas isso tinha sentido de organização

administrativa de combate às endemias e epidemias. Agora é diferente, trata-se

de um direito do homem31

.

Em harmonia com a evolução constitucional contemporânea, portanto, a

CF/88 incorporou no seu texto a saúde como direito fundamental, outorgando-lhe uma

proteção jurídica especial, reconhecendo-a como direito de todos e dever do Estado, que

deve garanti-la por meio de políticas públicas nesse âmbito, as quais cabem ao Poder

Legislativo e Executivo, mediante a elaboração de leis (inclusive orçamentárias) e a

definição de prioridades e da escolha dos meios para sua realização32

, respectivamente.

31

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 188. 32

DELDUQUE; OLIVEIRA, 2006, p. 9.

24

1.2.2 Carta Magna de 1988: consagração da saúde como direito fundamental

Os textos constitucionais anteriores à CF/88 apenas determinavam aos entes

federados a competência para legislar sobre saúde, sendo que tal direito era reconhecido

tão somente aos trabalhadores com vínculo formal no mercado de trabalho, a despeito de

seu reconhecimento internacional como direito fundamental desde meados da Década de

1940. Restava à grande maioria da população, excluída dessa classe, a assistência caritativa

prestada por entidades filantrópicas.

[...] a discussão acerca da vinculação do legislador ao estabelecimento das

políticas públicas para sua efetivação e o direito das pessoas de obter prestações

do Estado diretamente em face da previsão constitucional do referido direito,

apenas recentemente transformaram-se em objeto de debate doutrinário33

.

A saúde não passava de um benefício da previdência social. Nessa esteira de

raciocínio, durante décadas as políticas públicas de promoção à saúde foram

negligenciadas, quadro modificado pelo movimento da Reforma Sanitária, o qual atingiu

sua maturidade entre o fim dos anos 70 e início dos anos 80, decorrente da indignação de

setores da sociedade, como técnicos e intelectuais, partidos políticos e movimentos sociais

diversos, mantendo-se mobilizado até o presente34.

Com a redemocratização, intensificou-se o debate nacional sobre a

universalização dos serviços públicos de saúde. O momento culminante do

“movimento sanitarista” foi a Assembléia Constituinte, em que se deu a criação

do Sistema Único de Saúde. A Constituição Federal estabelece, no art. 196, que a

saúde é “direito de todos e dever do Estado”, além de instituir o “acesso

universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação”. A partir da Constituição Federal de 1988, a prestação do serviço

público de saúde não mais estaria restrita aos trabalhadores inseridos no mercado

formal. Todos os brasileiros, independentemente de vínculo empregatício,

passaram a ser titulares do direito à saúde35

.

A CF/88 apresenta a saúde como direito social em seu art. 6º, instituindo

nos artigos 196 a 201 uma estrutura política complexa e abrangente para o sistema de

33

MÂNICA, p. 102. 34

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à

Gestão Participativa. Caminhos do direito à saúde no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2007b. (Série

B. Textos Básicos de Saúde), p. 7. 35

BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento

gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em:

<http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2009.

25

saúde brasileiro, integrando a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal36

, na

elaboração e execução de políticas públicas que visem à promoção, proteção e recuperação

da saúde. Nesse sentido:

Promover a saúde significa intervir socialmente na garantia dos direitos e nas

estruturas econômicas que perpetuam as desigualdades na distribuição de bens e

serviços. As políticas de saúde vêm no sentido de implementar estratégias

governamentais que visam a corrigir os desequilíbrios sociais e propiciar a

redução das desigualdades sociais37

.

A constitucionalização dos direitos fundamentais no país representa a

faculdade dos indivíduos de exigirem sua tutela perante o Poder Judiciário, para a

concretização do princípio democrático pelo qual a pessoa é considerada fundamento e fim

do Estado38. Tal prerrogativa concedida aos cidadãos não foi suficiente, por si só, para a

garantia do acesso à saúde na prática, embora a CF/88 seja uma das mais avançadas do

mundo no que toca à defesa dos direitos humanos.

No que tange ao direito à saúde pode-se dizer que o desenvolvimento teórico

acompanhou – a partir de 1988, com atraso, portanto – o caminho percorrido

pela afirmação da teoria dos direitos fundamentais. O entendimento positivista-

legalista, segundo o qual o direito é a regra posta pelo legislador, cedeu espaço

para uma teoria jurídica em que as novas funções estatais constitucionalmente

previstas passaram a também ser reconhecidas como verdadeiras normas

jurídicas aptas a provocar efeitos concretos39

.

Em que pese a garantia dos direitos sociais insculpidos no bojo da CF/88,

era preciso reconhecer que a saúde, a exemplo dos demais, não devia apenas figurar como

direito no papel, mas, acima de todo mandamento, ela devia ser efetivamente garantida:

Fica evidente a dificuldade que existe para a garantia do direito quando se

considera a amplitude da significação do termo saúde e a complexidade do

direito à saúde que depende daquele frágil equilíbrio entre a liberdade e a

igualdade, permeado pela necessidade de reconhecimento do direito do Estado

ao desenvolvimento. Encontrar o meio de garantir efetivamente o direito à saúde

é a tarefa que se impõe de modo ineludível aos atuais constituintes brasileiros.

Não basta apenas declarar que todos têm direito à saúde; é indispensável que a

36

O art. 196 da CF/88 estabelece que a saúde é “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante

políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso

universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. BRASIL.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 5 de outubro de

1988. 37

PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 6 ed. São Paulo:

Loyola, 2002, p. 93. 38

Cf. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 6 ed. São Paulo: Max

Limonad, 2004. 39

MÂNICA, p. 103.

26

Constituição organize os poderes do Estado e a vida social de forma a assegurar

a cada pessoa o seu direito. É função de todo profissional ligado à área da saúde

contribuir para o debate sobre as formas possíveis de organização social e estatal

que possibilitem a garantia do direito à saúde. [...] A nova Constituição do Brasil

tratará certamente da saúde, reconhecendo-a como um dos direitos fundamentais

dos brasileiros. É indispensável, porém, que ela preveja mecanismos para que

nenhum dos direitos afirmados seja negado na prática constitucional40

.

Para a efetivação do direito à saúde, o próprio texto constitucional previu a

implantação de um sistema público, de acesso universal e igualitário, regulamentado por

legislação infraconstitucional. Nesse intuito, implantou-se o SUS no país, pelo qual o

Estado garantiria a efetividade de tal direito, com universalidade de cobertura e de

atendimento, pautado nos princípios de descentralização, atendimento integral e

participação da comunidade.

Os serviços oferecidos pelo SUS, de promoção, proteção e recuperação da

saúde são, então, de relevância pública, sujeitos à fiscalização e controle pelo Poder

Público41, como não deixaria de ser num Estado Democrático de Direito.

1.2.3 Sistema Único de Saúde Brasileiro: fundamentos e princípios

O SUS foi instituído pela CF/88, sendo regido pela LOS, disposta conforme

os princípios constitucionais e a definição de saúde proposta na 8ª Conferência Nacional de

Saúde. Por outro lado, a mesma lei que efetivou a garantia da saúde consoante a

constituição, aparentemente reduziu a responsabilidade do Estado à formulação e execução

de políticas públicas:

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado

prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e

execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de

doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem

acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção,

proteção e recuperação.

§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da

sociedade.

Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre

outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o

trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e

40

DALLARI, 1988a. 41

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,

2007, p. 831.

27

serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização

social e econômica do País.

Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do

disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade

condições de bem-estar físico, mental e social42

.

(destaque nosso)

Nesse sentido, caberia presumir que a obrigatoriedade do Estado em garantir

o acesso ao direito à saúde não seria uma norma de aplicabilidade imediata, dependendo,

portanto, da formulação das tais políticas. No entanto, como direito fundamental,

pressuposto à garantia da vida e dignidade humana, o direito à saúde tem a aplicabilidade

imediata da qual trata o §1º, do art. 5º da CF/8843

, cuja expressão “direitos e garantias

fundamentais” abrange todos os artigos do referido título, o que inclui, portanto, o previsto

no art. 6º. Essa é uma interpretação sistêmica condizente com o entendimento majoritário

do Poder Judiciário44

. Além disso:

[...] para que não se tenha um direito reconhecido como programático apenas, a

norma aperfeiçoa o direito, consignando-lhe garantia. É isso que está previsto:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido (...)” – o direito é

garantido por aquelas políticas indicadas, que hão de ser estabelecidas, sob pena

de omissão inconstitucional45

.

Não há falar, portanto, em direito social de eficácia contida, superando-se

assim a natureza programática da norma constitucionalmente estabelecida. Entretanto, para

a efetivação do direito à saúde, nos moldes constitucionais, não basta ao Estado elaborar

políticas públicas que não possam ser executadas imediatamente46

. É sua responsabilidade

fornecer mecanismos que realmente garantam esse direito, em todos os seus aspectos:

A crescente complexidade da vida social no século vinte acarretou a

reivindicação por direitos complexos. A garantia da dignidade humana exige

contemporaneamente mecanismos sofisticados de atuação. Para sua efetivação

cobra-se do poder social tanto sua abstenção quanto sua atuação para garantir o

mesmo direito47

.

42

Lei 8.080/90. 43

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança

e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 44

CARVALHO, 2007, p. 82. 45

SILVA, José Afonso, 2010, p. 782. 46

Até porque, toda norma constitucional tocante à justiça social, inclusive as programáticas, geram direitos

subjetivos imediatos para os cidadãos. 47

DALLARI, Sueli Gandolfi; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Direito Sanitário. São Paulo: Verbatim,

2010, p. 161.

28

Assim, salienta-se que o direito à saúde comporta duas vertentes. A

primeira, de natureza negativa, impõe ao Estado ou a terceiros a abstenção de qualquer ato

eventualmente prejudicial à saúde. A segunda, de natureza positiva, consiste no dever do

Estado de efetivar políticas que visem à promoção, proteção e recuperação da saúde.

Em razão de tais vertentes, o SUS é orientado por um rol de princípios

definidos pela CF/88, que podem ser divididos em ético-políticos e organizativos, de

acordo com as Leis n. 8.080/90 e 8.142/9048

:

Hoje, compreende-se por princípios ético-políticos do SUS:

• a universalidade do acesso, compreendida como a garantia de acesso aos

serviços de saúde para toda a população, em todos os níveis de assistência, sem

preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;

• a integralidade da atenção, como um conjunto articulado e contínuo de ações e

serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, em todos os níveis de

complexidade do sistema;

• a equidade, que embasa a promoção da igualdade com base no reconhecimento

das desigualdades que atingem grupos e indivíduos, e na implementação de

ações estratégicas voltadas para sua superação; e

• a participação social, que estabelece o direito da população de participar das

instâncias de gestão do SUS, por meio da gestão participativa, e dos conselhos de

saúde, que são as instâncias de controle social. Essa participação social significa

a corresponsabilidade entre Estado e sociedade civil na produção da saúde, ou

seja, na formulação, na execução, no monitoramento e na avaliação das políticas

e programas de saúde.

[...]

Os princípios organizativos do SUS são:

• a intersetorialidade, que prescreve o comprometimento dos diversos setores

do Estado com a produção da saúde e o bem-estar da população;

• a descentralização político-administrativa, conforme a lógica de um sistema

único, que prevê, para cada esfera de governo, atribuições próprias e comando

único;

• a hierarquização e a regionalização, que organizam a atenção à saúde

segundo níveis de complexidade – básica, média e alta –, oferecidos por área de

abrangência territorial e populacional, conhecidas como regiões de saúde; e

• a transversalidade, que estabelece a necessidade de coerência,

complementaridade e reforço recíproco entre órgãos, políticas, programas e

ações de saúde49

.

(destaque nosso)

Mediante os princípios supracitados, era de se esperar que o SUS, enquanto

sistema público de saúde num Estado Democrático de Direito, promovesse o acesso

universal ao direito à saúde a toda a população. Porém, apesar de já contar com mais de

vinte anos de implementação, a realidade ainda não é essa. Segundo publicação do MS:

48

BRASIL. Lei 8.142 de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do

Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na

área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 de dez. 1990. 49

BRASIL, MS, 2007b, p. 8.

29

[...] a consolidação do SUS, como um sistema de atenção e cuidados em saúde,

não é suficiente para a efetivação do direito da população à saúde. São claras as

evidências que apontam para os limites da atuação de um sistema de assistência.

A conquista da saúde precisa estar articulada à ação sistemática e intersetorial do

Estado sobre os determinantes sociais de saúde, ou seja, o conjunto dos fatores

de ordem econômico-social e cultural que exercem influência direta ou indireta

sobre as condições de saúde da população50

.

O SUS possui as seguintes diretrizes: descentralização, com administração

única em cada esfera de governo e ênfase na municipalização das ações e serviços de

saúde; o atendimento integral, com definição das prioridades dentro de cada nível de

atenção (básica, média e alta complexidade); participação da comunidade, por meio dos

representantes que integram os Conselhos de Saúde.

São também pressupostos do SUS: a essencialidade, na qual a saúde figura

como direito fundamental do cidadão e como função do Estado; a universalidade, sendo a

saúde um direito de todos; a integração, com participação conjunta e articulada das três

esferas de governo no planejamento, financiamento e execução; a regionalização, pelo

atendimento realizado mais próximo do cidadão, preferencialmente pelo município; a

diferenciação, perante a autonomia da União, dos Estados e dos Municípios na gestão, de

acordo com as suas características; a autonomia, com a gestão independente dos recursos

nas três esferas de governo; o planejamento, mediante a previsão de que os recursos da

saúde devem fazer parte do orçamento da Seguridade Social nas três esferas de governo; o

financiamento, garantido com recursos das três esferas de governo e o controle das ações e

serviços de saúde51

.

Para a elaboração de políticas públicas que garantam a defesa da dignidade

da pessoa humana, propiciando o acesso ao direito à saúde sem qualquer distinção, o

Estado deve se guiar pelos princípios, diretrizes e pressupostos acima apontados.

Não é demais repetir que o direito à saúde não se restringe ao atendimento

médico, sendo os serviços oferecidos pelo SUS definidos a partir de determinantes sociais.

50

BRASIL, MS, 2007b, p. 10. 51

BRASIL. Ministério da Saúde. Fundo Nacional de Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de Saúde:

manual básico. 3 ed. rev. e ampl. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. (Série A. Normas e Manuais

Técnicos), p. 12.

30

Isso inclui a assistência farmacêutica52

, por meio da qual o Estado garante o acesso às

tecnologias farmacêuticas disponíveis e incorporadas pelo sistema público.

De acordo com os artigos 6º e 7º da LOS, as assistências terapêutica e

farmacêutica devem ser garantidas integralmente aos cidadãos brasileiros, conforme o

princípio da integralidade de assistência.

Por hora, importa ressaltar que o Estado, tendo na cidadania um elemento

norteador da política de saúde, deve ser capaz de organizar o SUS para que este realize a

universalidade e integralidade do atendimento como uma garantia da equidade, ambos os

princípios instituídos pela CF/88 no âmbito do direito à saúde.

1.3 ACESSO A MEDICAMENTOS COMO UMA FACETA DO DIREITO À SAÚDE

Ainda que o direito à saúde envolva uma série de determinantes sociais e

não se resuma à cura de doenças, geralmente, o ser humano se lembra de questionar este

seu direito individual quando aflito por alguma enfermidade da qual necessite tratamento,

o que, em regra, é feito por meio de medicamentos.

Daí a relevância do acesso aos medicamentos como uma faceta do direito à

saúde, motivo pelo qual a LOS instituiu no sistema público de saúde brasileiro as políticas

citadas no tópico anterior. Não se trata apenas da tecnologia que demanda o maior gasto

público, tanto em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) quanto em políticas de assistência,

mas também é a tecnologia com a maior demanda de ações judiciais na área da saúde,

conforme dados do MS.

A política de distribuição gratuita e universal de medicamentos, não apenas

foi reconhecida como dever do Estado quando da promulgação da CF/88, como também

ganhou força perante ações de Organizações não Governamentais (ONGs) junto aos órgãos

do governo, além de alianças com parlamentares e da visibilidade das ações judiciais para

52

A preocupação, legislativa, com o acesso a medicamentos data de antes de 1988. Entre 25 de junho de

1971 até 1997, vigorou o Decreto nº 68.806, responsável pela aquisição e distribuição de medicamentos

para a sociedade de forma centralizada. Em decorrência das políticas de municipalização, esta sistemática

foi abolida, restando a situação ser administrada pelo SUS. Cf. CARVALHO, 2007, p. 87.

31

garantia dos medicamentos, por meio da imprensa e dos meios de comunicação, a partir do

final dos anos 80.

Antes desse período, a dispensação de medicamentos era feita pelo Estado

apenas para pessoas cadastradas na rede pública, o que dava margem à sua comercialização

ilegal, já que pacientes pobres cadastrados vendiam para quem podia pagar53

.

No que tange ao acesso a medicamentos, há que se priorizar os princípios da

não-discriminação e igualdade, os quais implicam o estabelecimento de políticas voltadas a

grupos vulneráveis e desfavorecidos da população, inclusive, identificando fatores sociais e

culturais que limitem ou impeçam o acesso desses grupos. Além disso, num sistema de

financiamento público, é obrigação do Estado a dispensação, no mínimo, de medicamentos

essenciais, conforme orientação da OMS:

Por meio de um processo inclusivo de participação, exige-se que o Estado

prepare uma lista nacional de medicamentos essenciais, com base na Lista de

Medicamentos Essenciais da OMS. Se o Estado declinar de sua competência de

preparar uma lista nacional, o modelo oferecido pela OMS será auto-aplicável no

âmbito interno, obviamente sujeito às revisões necessárias em cada contexto

nacional. Tornar disponíveis e acessíveis em todo o território os medicamentos

essenciais que constam da lista nacional é uma obrigação central do Estado que

deve ser concretizada de imediato e não progressivamente. Em suma, o direito à

saúde abrange tanto o acesso a medicamentos essenciais, quanto àqueles

considerados não essenciais. Embora quanto a estes, o Estado possua o dever de

viabilizar progressivamente o seu acesso; quanto àqueles, o Estado possui a

obrigação de torná-los imediatamente disponíveis e acessíveis em todo o

território nacional54

.

Nos últimos anos, comitês internacionais vinculados à OMS, bem como

organizações da sociedade civil e acadêmicos, têm tentado analisar o direito à saúde de

maneira sistêmica, de forma a propiciar a compreensão e aplicação concreta deste direito

em políticas, programas e projetos de saúde, propondo sua formação com dez elementos

chaves, que podem ser sintetizados da seguinte maneira:

(a) Identificação das leis, normas e padrões sobre direitos humanos nacional e

internacionalmente; (b) Reconhecimento de que o direito à saúde está sujeito a

limitações materiais e a uma implementação progressiva, o que requer a

53

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e AIDS. O

Remédio via Justiça: Um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exames em HIV/AIDS no Brasil

por meio de ações judiciais. Brasília: Ministério da Saúde. 2005, p. 20. 54

HUNT, Paul; KHOSLA, Rajat. Acesso a medicamentos como um direito humano. Sur, Revista

Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v. 5, n. 8, jun. 2008. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452008000100006&lng=en&nrm=iso>.

Acesso em: 14 dez. 2011.

32

identificação dos indicadores e parâmetros capazes de medir os avanços

alcançados (ou a falta deles) ao longo do tempo; (c) Apesar deste último aspecto,

reconhecimento de que algumas obrigações decorrentes do direito à saúde não

estão sujeitas a restrições orçamentárias, nem tampouco à implementação

progressiva; ao contrário, impõem deveres exigíveis de imediato, como, por

exemplo, a obrigação de evitar a discriminação de fato ou a discriminação

perante a lei; (d) Reconhecimento de que o direito à saúde engloba tanto

liberdades ou direitos de natureza negativa (tais como, o direito a não ser

submetido a tratamentos não consentidos e a não participar de exames clínicos

não acordados), quanto direitos de caráter positivo (como, por exemplo, o direito

a um sistema de tratamento e proteção da saúde). Na maioria das vezes, as

liberdades não possuem implicações orçamentárias, ao passo que os direitos de

caráter positivo sim; (e) Todos os serviços, bens e aparelhos em saúde devem

estar disponíveis, serem acessíveis, culturalmente aceitáveis e de boa qualidade;

(f ) Os Estados possuem o dever de respeitar, proteger e cumprir com as suas

obrigações decorrentes do direito a desfrutar do mais elevado nível possível de

saúde; (g) Em razão de sua extrema importância, a estrutura analítica demanda

uma atenção especial quanto à não discriminação, igualdade e vulnerabilidade de

certos grupos; (h) O direito à saúde exige que sejam criados mecanismos de

participação ativa e bem instruída de indivíduos e comunidades no processo de

decisão que diz respeito a sua saúde; (i) Países em desenvolvimento possuem a

responsabilidade de buscar assistência e cooperação internacionais, ao passo que

os Estados desenvolvidos carregam a responsabilidade de auxiliar os países em

desenvolvimento na implementação do direito à saúde; e (j) O direito à saúde

exige que se estabeleça mecanismos efetivos, transparentes e acessíveis de

monitoramento e responsabilização nos âmbitos nacional e internacional55

.

A aplicação concreta das políticas em questão cabe ao Poder Executivo, já

que um dos princípios norteadores de um Estado constitucional é a divisão de poderes,

com distribuição de competências entre órgãos diferentes e direcionados. Todavia, essa

compreensão tem sido mitigada no sistema atual, no qual se tem preferido a “colaboração”

à “separação” de poderes56

.

O Estado constitucional democrático de direito brasileiro, representado pelo

governo soberano da população (regido pela tripartição de poderes), pauta-se no respeito

aos direitos fundamentais. Quando há uma vulneração de tais direitos, cabe ao Judiciário

agir, exclusivamente, no intuito de preservar o direito fundamental violado previsto pela

Constituição, ou dar cumprimento a alguma lei, não podendo o magistrado agir meramente

em defesa de suas convicções pessoais.

Mas a jurisprudência, a despeito da previsão constitucional de planejamento,

por meio da implementação de políticas públicas, tem entendido que o cumprimento da lei,

em casos de fornecimento de medicamentos pelo Estado, deve ser absoluto e irrestrito,

como aduz Lopes:

55

HUNT; KHOSLA, 2008. 56

SILVA, José Afonso, 2007, p. 106-109.

33

Curiosamente, o art. 196 da CF é sempre citado apenas na sua primeira parte.

Omitem-se da citação todos os outros termos do artigo, que na sua versão

integral diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante

políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de

outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua

promoção, proteção e recuperação”. Como se vê, uma leitura completa mostra

que a garantia do “direito à saúde” prevista na Constituição é feita mediante

“políticas” que têm dois objetivos: redução do risco (ou seja, diminuição

estatística) e acesso universal. Pode-se, portanto, entender que o dever do Estado

consiste em realizar e executar programas (ações coordenadas, integradas e de

resultados mensuráveis) limitadas pelo objetivo de acesso universal. O problema

do acesso universal nunca é discutido pelos tribunais nos casos dramáticos e

urgentes de pedidos individuais de medicamento57

.

Em abril e maio de 2009, em decorrência de diversos pedidos de suspensão

de determinações judiciais que ordenaram ao SUS o fornecimento de medicamentos e

próteses, bem como realizar procedimentos médicos e cirurgias, entre outros, o STF

convocou audiências públicas, nas quais foram ouvidos representantes de instituições e

especialistas da área da saúde. A ideia do STF era discutir: a responsabilidade do Estado

em matéria de direito à saúde; sua obrigação de custear prestações de saúde não abrangidas

pelas políticas públicas existentes; e as eventuais fraudes ao SUS58

.

Na ocasião, o então Advogado-Geral da União e hoje Ministro do STF, José

Antônio Dias Toffoli, sustentou que a interferência do Poder Judiciário no âmbito da saúde

poderá gerar sérios riscos para as políticas públicas, mediante a judicialização

indiscriminada do tema. Dias Toffoli defendeu que a elaboração de políticas públicas

pressupõe o estabelecimento de escolhas, sendo, portanto, tarefa do Poder Público

determinar quais tratamentos e medicamentos serão garantidos a toda a sociedade, o que

não significa inviabilizar o direito à saúde. Sustentou ainda que as decisões judiciais que

garantem fornecimento de remédios e tratamentos a indivíduos criam um sistema de saúde

paralelo ao SUS, priorizando o atendimento a pessoas que muitas vezes sequer procuraram

o sistema59

, indo diretamente ao Poder Judiciário.

57

LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos Sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2006, p. 250. 58

SCHEFFER, Mário. Judicialização e incorporação de tecnologias: o caso dos medicamentos para

tratamento da AIDS no Sistema Único de Saúde. In: KEINERT, Tânia Margarete Mezzomo; DE PAULA,

Silvia Helena Bastos; BONFIM, José Ruben de Alcântara (Org.). As ações judiciais no SUS e a promoção

do direito à saúde. São Paulo: Instituto de Saúde, 2009. (Série Temas em Saúde Coletiva, 10), p. 130. 59

TOFFOLI, Antônio Dias. Audiência Pública – Saúde. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 27 abr. 2009. O

ACESSO ÀS PRESTAÇÕES DE SAÚDE NO BRASIL – desafios ao Poder Judiciário. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Sr._Min._Jose_Antonio_Dias_

Toffoli__Advogado_Geral_da_Uniao_.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2010.

34

Quanto a essas decisões, estudos do MS atestam que elas são

demasiadamente influenciadas pela pressão popular sobre o sistema de saúde. Por meio de

atos públicos a sociedade demonstra seu interesse em modificar a situação atual. Exemplo

disso foi a pressão para efetividade das políticas de acesso gratuito e universal aos

medicamentos antirretrovirais, conforme relato descrito:

Em Campinas/SP, no dia 14 de agosto de 1995, 40 manifestantes, entre

portadores do HIV e familiares, ocuparam o paço municipal para reivindicar o

coquetel. No dia 26 de setembro, inúmeras ONGs protestaram contra a falta dos

novos medicamentos jogando litros de uma mistura que simulava sangue em

frente às Secretarias Estadual e Municipal de Saúde de São Paulo. A Avenida

Paulista, em São Paulo, foi palco de grande ato no dia 1° de dezembro do mesmo

ano, com dezenas de corpos estendidos pelo chão. Atos semelhantes pipocavam

país afora e extrapolavam o âmbito dos grupos organizados. O estilista carioca

Luiz de Freitas, por exemplo, colocou no final de seu desfile 15 portadores do

HIV em protesto pelo preço e dificuldade de acesso aos medicamentos. Já o

cenógrafo José Roberto de Godoy fez um protesto no Pavilhão da Bienal, em

São Paulo. Nu, em meio a caixas de medicamentos, protestou contra a falta dos

anti-retrovirais60

.

A excessiva demanda de ações sobre direito à saúde denomina-se

“judicialização da saúde”. Para a devida compreensão deste fenômeno, as ações que

demandam antirretrovirais configuram estudos de casos emblemáticos61

, vez que delas

resultou a política brasileira de distribuição de medicamentos anti-HIV (Vírus da

Imunodeficiência Humana), que é, inclusive, modelo internacional.

Contudo, embora seja cada vez maior a disponibilidade desses

medicamentos no mercado, ainda existem barreiras de ordem econômica e alguns

mecanismos de decisões do sistema de saúde que repercutem na velocidade da

incorporação de novos fármacos. O que reflete na recorrência dessas ações, no intuito de

obrigar o Poder Público ao fornecimento de todos os medicamentos prescritos.

Pesquisas mostram que os gastos do MS com medicamentos cresceram

123,9% no período de 2002 a 2006, o que se revela um percentual de gastos com saúde

discrepante dos demais, sendo um fator preocupante, em decorrência da necessidade da

60

BRASIL, MS, 2005, p. 23. 61

SCHEFFER, 2009, p. 130.

35

União ampliar o orçamento para cobrir as despesas nessa área, possivelmente, cortando

gastos em outros setores62

.

Apesar da aparente evolução no que respeita à incorporação e acesso de

novos fármacos pelo SUS, há que se realizar um estudo mais apurado dos fatores que

levaram à discrepância citada, para saber se os gastos crescentes nessa área eventualmente

resultaram na violação de direitos fundamentais de alguma parcela da sociedade.

Não se pode tomar os avanços tecnológicos por uma panacéia, para a qual

se dirijam todos os recursos disponíveis, em detrimento de uma adequada investigação

etiológica, que conceda ao médico respaldo para melhor atuação, o que nem sempre resulta

na terapia mais onerosa. No entanto, essa tem sido a realidade atual na saúde:

A medicina tecnológica altera a fase de elaboração do diagnóstico e, no mesmo

sentido, o ato terapêutico. O verdadeiro médico não é mais aquele que assiste ao

paciente, mas sim o que cura a doença. Os inesgotáveis recursos terapêuticos

produzidos por uma ávida indústria de remédios associados aos novos

equipamentos para diagnóstico fazem da clínica uma prática superada. A

medicina será exercida cada vez mais por especialistas em áreas cada vez

menores do conhecimento. Subespecialistas e alta tecnologia são as

características da medicina moderna, entronizada como a verdadeira "medicina

científica". O "deus-tecnologia" deslocou a esfera do poder e, assim, os pacientes

não mais se submetem à figura pessoal do médico, mas surge uma subordinação

impessoal ao novo saber científico. Confia-se na medicina tecnológica e

desconfia-se dos médicos63

.

Há alternativas terapêuticas, que são medicamentos de mesmo subgrupo

farmacológico, que pertencem às listas de financiamento público e podem ser

intercambiáveis com os medicamentos demandados judicialmente64

. Porém, nos últimos

anos as decisões judiciais têm caminhado no sentido de considerar essencial o exato

medicamento prescrito pelo médico, sem solicitar qualquer tipo de parecer técnico

complementar à prescrição, deferindo indiscriminadamente, à revelia de estudos mais

apurados, a dispensação de medicamentos de alto custo pelo Estado.

62

MENDES, Andrea Cristina Rosa; VIEIRA, Fabíola Sulpino. Evolução dos gastos do Ministério da Saúde

com Medicamentos. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. Disponível em:

<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/estudo_gasto_medicamentos.pdf>. Acesso em: 01 nov.

2011. 63

SIQUEIRA, José Eduardo de. A Evolução Científica e Tecnológica, o Aumento dos Custos em Saúde e a

Questão da Universalidade do Acesso. Bioética, Simpósio A Ética da alocação de recursos em saúde,

Brasília, v. 5, n. 1, p. 41-48, 1997. Disponível em:

<http://seer.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/364/464>. Acesso em: 13 out. 2010. 64

PEPE, Vera Lúcia Edais; VENTURA, Miriam (Org.). Manual indicadores de avaliação e monitoramento

das demandas judiciais de medicamentos. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de

Saúde Pública Sergio Arouca, 2011, p. 58.

36

No que respeita a tais estudos, o MS, por meio de um manual, orienta quais

passos devem ser seguidos na elaboração de um parecer técnico sobre ATS, bem como os

fatores que devem ser considerados. “O Parecer Técnico Científico (PTC) é o primeiro

passo no processo de avaliação de demandas pela incorporação de novas tecnologias65

”.

Ressalte-se que o PTC não é útil apenas para avaliação em razão da incorporação de novas

tecnologias, mas também, para analisar a conveniência da manutenção de uma tecnologia

já estabelecida bem como eventuais adaptações de seu uso.

Considerando-se a cientificidade dos pareceres emitidos a partir da

metodologia indicada pelo MS, um PTC poderia subsidiar decisões judiciais complexas,

sobretudo, concernentes aos medicamentos de alto custo. Todavia, alguns pontos devem

ser sopesados nesse sentido, como por exemplo, o risco de lesão ou morte perante a

demora de uma decisão judicial sobre dispensação de medicamentos.

1.3.1 Ponderações necessárias no Acesso ao Direito Social à Saúde

Apesar de ser um dos bens mais importantes do ser humano, a saúde tem

preço e, por conseguinte, limites66

, os quais devem ser impostos (reconhecidos) em

políticas públicas através de critérios de alocação eficientes e justos.

Considerando-se a escassez de recursos, a priori, há que se valorar a saúde

em relação a outros interesses da sociedade, para se determinar o montante reservado para

políticas nesta área social, em detrimento de outras. Com os recursos determinados,

priorizam-se áreas da saúde para atendimento às diversas necessidades da população (ou às

principais). Nesse sentido, importa dizer que:

[...] ao Poder Judiciário cabe apenas a interpretação e aplicação da norma e não a

valoração do que seja saúde ou vida com dignidade, valores que, assim como

outros, já o foram valorados pelo legislador. E mais, esta valoração foi realizada

pelo constituinte originário em respeito à construção internacional dos direitos

humanos. É possível ao magistrado agir socialmente em nome de conceitos

65

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de

Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas para elaboração de pareceres técnico-científicos para o

Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2007a. (Série A. Normas e Manuais Técnicos), p. 11. 66

Ao que a doutrina denomina “reserva do possível”, que são os limites orçamentários previstos pela

legislação, ou seja, não é possível ao Estado concretizar direitos (individuais) que exijam esforços

materiais e/ou financeiros desproporcionais (em relação ao interesse público).

37

amplos e subjetivos, sem que lhe seja indicado o adjetivo de alternativo, visto

que este agir social é diretriz da própria Constituição. Em sendo assim, o seu agir

é conforme a Constituição67

.

O direito à saúde fatalmente contém aspectos sociais e individuais, na

medida em que cuida de limitações a eventuais condutas nocivas à sociedade e garante, a

cada ser humano, individualmente, bem-estar e qualidade de vida, sendo ao mesmo tempo

dependente e condicionante da maioria dos direitos fundamentais68

.

No entanto, o fato de ser constitucionalmente garantido não o torna absoluto

ao indivíduo em detrimento do social. Deve ser reconhecida a possibilidade de restrição e

regulamentação de todo e qualquer direito fundamental, em situações nas quais haja

justificativa social para tanto. Nesse sentido:

Se toda não-realização de direitos que exigem uma intervenção estatal é uma

forma de restrição ao âmbito de proteção desses direitos, a consequência natural,

como ocorre em todos os casos de restrições a direitos fundamentais, é uma

exigência de fundamentação. Restrição fundamentada é restrição possível;

restrição não fundamentada é violação. [...] para dar ensejo a alguma intervenção

do Judiciário nesse âmbito, não basta que se verifique que uma ação que poderia

eventualmente realizar um direito fundamental não tenha sido realizada – por

exemplo, a compra de remédios para combater determinada doença; é

necessário, além dessa verificação, que se analise se há, ou não há,

fundamentação jurídico-constitucional para a omissão. Somente nos casos de

omissão infundada é que se poderia imaginar alguma margem de ação para os

juízes nesse âmbito69

.

Então, cabe indagar se é suficiente proporcionar o básico para todos, para

que haja justiça social, ou se o essencial (sem o qual qualquer ser humano não sobrevive) é

sempre mais importante, mas não é suficiente, culminando na discussão sobre o mínimo

existencial70

. No caso do direito à saúde, o grande nó da questão é que o essencial nem

sempre é o mais importante.

Atenção primária à saúde, por exemplo, não é suficiente perante o

diagnóstico de um tipo raro de câncer, ou de doenças raras como a Doença de Wilson ou a

Síndrome de Guillain-Barré, dentre outras. O que tem desencadeado homéricas discussões

67

CARVALHO, 2007, p. 72. 68

DALLARI, 1988a, p. 59. 69

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. 2. tir.

São Paulo: Malheiros, 2011, p. 251. 70

O que a doutrina entende como o núcleo essencial dos direitos humanos, ou seja, os direitos mínimos que

devem ser garantidos para que a dignidade humana seja preservada, que podem ser entendidos como o

conteúdo essencial dos direitos sociais, mas que, não necessariamente se confundem com a totalidade

destes direitos. Idem, passim.

38

judiciais em razão das limitações orçamentárias, nomeadamente em se tratando de

inovações tecnológicas caras, cujo acesso não é universal.

Cogita-se, portanto, a possibilidade do Judiciário controlar a

constitucionalidade de determinadas políticas de saúde pública. Como fizeram os Ministros

do STF, ao considerar (em várias decisões) que negar um medicamento de alto custo a um

indivíduo, ainda que o Estado não tenha previsão orçamentária para tanto, é atitude

inconstitucional, não condizente com a proteção à vida humana garantida pela CF/88.

Não se trata aqui da constitucionalidade de aplicação de leis, mas de

consequências inconstitucionais do ato administrativo, o que deve ser analisado à luz da

reserva do possível, quando há colisão entre um direito individual e o interesse da

sociedade (de forma abrangente). Logo:

Os direitos fundamentais, muito embora, por natureza, devam sempre ser

maximizados, interpretados ampliativamente, não são absolutos, e sim,

limitáveis. Isso se dá, a toda evidência, em virtude da possibilidade de ocorrência

do fenômeno da colisão de direito. É de se vislumbrar, com efeito, que, no plano

concreto, dois direitos exercidos por titulares distintos venham a se chocar,

colidir. Note-se que, neste momento, se contempla o choque de posições

subjetivas, ambas com assento na Constituição. Não há que se apontar, neste

caso, a prevalência de um direito fundamental sobe outro. Nem tampouco que

outro direito, ainda que não fundamental, mas de patamar constitucional, deva

ser anulado, rejeitando-se uma eficácia mínima à norma que o protege. Os

direitos envolvidos na colisão vão reciprocamente se impor limites, para que

ambos subsistam aplicáveis e efetivos na situação concreta71

.

Impende ressaltar que os direitos fundamentais individuais podem sofrer

restrição (de forma fundamentada e em determinadas hipóteses) em nome do interesse

coletivo, por meio da ponderação, que consiste em técnica de decisão jurídica aplicável a

casos difíceis, nos quais a simples subsunção do fato à norma se mostrou ineficaz, pedindo

uma valoração de princípios. Logo:

Constatado, portanto, um conflito entre dois (ou mais) princípios constitucionais

que se aplicam na resolução de um mesmo caso concreto, o aplicador do direito

terá que, obrigatoriamente, adotar uma solução que tenha por paradigma

(critério) o respeito maior à dignidade humana, assim, nenhuma ponderação

pode implicar em amesquinhamento da dignidade da pessoa humana, uma vez

que o homem não é apenas um dos interesses que a ordem constitucional

protege, mas a matriz axiológica e o fim último desta ordem72

.

71

DALLARI; NUNES JÚNIOR, 2010, p. 41. 72

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2000, p. 76.

39

Quanto ao direito ao acesso a novas e onerosas tecnologias medicamentosas,

é preciso sopesar se o direito à vida e dignidade humana o inclui de forma ilimitada, já que

uma atuação estatal nesse sentido, inevitavelmente sacrificaria outros direitos sociais,

também dependentes de orçamento público para sua realização73

.

Contudo, considerando ser o acesso ao medicamento uma das formas de

realização do direito à saúde, o Judiciário tem entendido que sua satisfação plena deve ser

acatada, como efetividade dos princípios constitucionais. Nesse sentido foi o julgamento

da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 45:

É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais

do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de

formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE

ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”,

p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo

reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência,

no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder

Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem

os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a

comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos

individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que

derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar,

presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte – que o

caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não

pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o

Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade,

substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por

um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a

própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE

MELLO)74

. (destaque nosso).

73

AMARAL, Gustavo; MELO, Danielle. Há direitos acima dos orçamentos? In: SARLET, Ingo Wolfgang;

TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2008. 74

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A

questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de

implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental.

Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do

arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de

conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da “reserva do possível”. Necessidade de

preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do

“mínimo existencial”. Viabilidade instrumental da argüição de descumprimento no processo de

concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração). ADPF 45. Relator:

Min. CELSO DE MELLO, Brasília, 29 de abr. 2004. RTJ, [Brasília], v.200, p. 191, mai, 2004.

40

1.3.2 Análise do posicionamento do Supremo Tribunal Federal

Em julgados mais antigos a linha de argumentação predominante girava em

torno da reserva do possível, alegando-se que os recursos públicos seriam insuficientes

para atender às necessidades sociais. Portanto, o investimento de recursos em determinado

setor implicaria deixar de investi-los em outro, obrigando o Estado à tomada de decisões

difíceis75

. Esse posicionamento sofreu severas modificações ao longo dos anos.

Em que pese o fato do orçamento público estar sempre aquém da demanda

social por prestação de serviços, a hermenêutica imposta pela CF/88, tocante à defesa dos

direitos fundamentais, afasta a ideia da reserva do possível como justificativa para o Estado

se furtar às prestações sociais. O entendimento hodierno é de que o direito à saúde, como

pressuposto da garantia do direito à vida e à dignidade da pessoa humana, deve ser

inequivocamente garantido.

Mas nem sempre as decisões do STF, tocantes ao fornecimento de

medicamentos pelo Poder Público, são devidamente fundamentadas. O que se percebe ao

longo dos últimos anos é que argumentos como restrição orçamentária ou escassez de

recursos foram paulatinamente deixados de lado, sem critério específico, a exemplo dos

resultados descritos em pesquisa realizada por Marques e Dallari no Estado de São Paulo76

.

A orientação jurisprudencial atual pauta-se quase exclusivamente no fato de

que o direito à saúde é pressuposto à vida e dignidade humana, princípio norteador do

75

BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva. 76

OBJETIVO: Analisar como o Poder Judiciário vem garantindo o direito social à assistência farmacêutica e

qual a relação do sistema jurídico e político na garantia a esse direito. MÉTODOS: Foram analisados os

processos judiciais de fornecimento de medicamentos pelo Estado de São Paulo, de 1997 a 2004. Utilizou-

se o Discurso do Sujeito Coletivo para identificar os discursos dos atores que compõem os processos

judiciais. RESULTADOS: Os discursos dos juízes subsidiaram a condenação do Estado em 96,4% dos

casos analisados. O Estado foi condenado a fornecer o medicamento nos exatos moldes do pedido do autor,

inclusive quando o medicamento não possuía registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (9,6%

dos casos analisados). Observou-se que 100% dos processos estudados foram propostos por autores

individuais; em 77,4% o autor requer o fornecimento de medicamento específico de determinado

laboratório farmacêutico e; em 93,5% dos casos, os medicamentos são concedidos judicialmente ao autor

em caráter de urgência, por meio de medida liminar. CONCLUSÕES: O Poder Judiciário, ao proferir suas

decisões, não toma conhecimento dos elementos constantes na política pública de medicamentos, editada

conforme o direito para dar concretude ao direito social à assistência farmacêutica. E assim, vem

prejudicando a tomada de decisões coletivas pelo sistema político nesse âmbito, sobrepondo as

necessidades individuais dos autores dos processos às necessidades coletivas. Cf. MARQUES, Silvia

Badim; DALLARI, Sueli Gandolfi. Garantia do direito social à assistência farmacêutica no Estado de São

Paulo. Revista de Saúde Pública, v. 41, n. 1, p. 101-107, 2007.

41

ordenamento jurídico brasileiro77

, não sendo passível de limitação quando ao conteúdo.

Motivo suficiente para o deferimento de uma ação que intenta o acesso a medicamentos de

alto custo não fornecidos pelo Estado, não devendo, portanto, ser contrastado com questões

menores como finanças públicas e orçamento78

.

Porém, urge ressaltar que, apesar da importância do Poder Judiciário como

guardião maior da Constituição e dos direitos fundamentais, ele não pode induzir à

“absolutização do direito à saúde”, desestabilizando toda a organização do sistema público

de saúde, culminando na ofensa ao princípio da isonomia, haja vista se tratar de um direito

misto: é fundamental originário, vez que garantido pela CF/88, mas é também derivado, já

que disciplinado por legislação infraconstitucional.

Nesse ínterim, a prestação jurisdicional para efetivação plena do direito não

deve ser buscada assistematicamente, devendo ser admitida, apenas, nos casos em que

fique evidenciada a inconstitucionalidade da regra que disciplina o direito

constitucionalmente previsto, o que pode ocorrer em três hipóteses distintas, quais sejam:

inércia do Poder Legislativo, descumprimento, pela Administração Pública, da legislação

que regulamenta o direito à saúde em qualquer âmbito e nos casos em que a

regulamentação do direito à saúde viole o direito constitucional originário à saúde.

[...] mesmo que o direito à saúde possa ser vislumbrado sob a perspectiva de um

direito de uma pessoa concreta a receber assistência individualizada e específica,

a dimensão social, a repercussão coletiva e a incidência de outros direitos

fundamentais na hipótese concreta devem ser levadas em conta. Afinal, não se

trata, em última análise, de ponderar o direito à saúde, e mesmo o direito à vida,

com princípios como o da legalidade e da separação de poderes; trata-se de

ponderar o direito à vida e à saúde de determinadas pessoas em face do direito à

vida e à saúde de outras pessoas79

.

77

“Diante dessas considerações, ficam os seguintes questionamentos: o que determina a existência ou não do

direito ao fornecimento de medicamentos pelo SUS? É o medicamento estar previsto em algum programa

do SUS? É a hipossuficiência do solicitante, independentemente de o remédio solicitado estar ou não na

lista do SUS? É a gravidade da doença para a qual se pede tratamento? Ou é o medicamento ter um custo

razoável e ter sido aprovado pelo órgão competente para assegurar sua qualidade e segurança? Pode ser

que não haja uma única resposta a essas perguntas e que o critério a nortear as decisões do Supremo

Tribunal Federal sobre medicamentos não deva ser um só. É bem provável que de fato seja assim. O

desejável é que apenas haja mais clareza na utilização dos mútiplos critérios que vierem a ser apresentados,

para que para situações semelhantes seja dado tratamento assemelhado, sob pena de cada julgado ter suas

próprias razões, e a atuação do Supremo Tribunal Federal nenhuma racionalidade.” Cf. WANG, Daniel;

TERRAZAS, Fernanda. Decisões da Ministra Ellen Gracie sobre medicamentos. Sociedade Brasileira de

Direito Público, São Paulo, 19 jul. 2007. Disponível em:

<http://www.sbdp.org.br/artigos_ver.php?idConteudo=66>. Acesso em: 11 abr. 2009. 78

AMARAL; MELO, 2008, p. 87. 79

MÂNICA, 2010, p. 108.

42

O alto número de demandas judiciais com pleitos similares referentes a

medicamentos fez com que o STF declarasse repercussão geral para alguns casos80

, que

ainda serão definitivamente julgados. Trata-se de um instituto introduzido no ordenamento

jurídico brasileiro pela EC 45/04, conhecida como a Reforma do Judiciário81

.

Dentre elas citam-se: o dever do Estado de fornecer medicamento de alto

custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo82

; a

legitimidade do Ministério Público (MP) para ajuizar ação civil pública que tem por

objetivo compelir entes federados a entregar medicamentos a portadores de certas

doenças83

; o bloqueio de verbas públicas para garantia de fornecimento de medicamentos

80

Repercussão Geral - Descrição do Verbete: A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na

Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do

Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os

Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou

econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à

Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e

a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos

idênticos. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF, através de um sistema

informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do

Tribunal. Para recusar a análise de um RE são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema

deverá ser julgado pela Corte. Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a

relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar. As abstenções nessa votação são

consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria. SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL. Glossário Jurídico: Repercussão Geral. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=R&id=451>. Acesso em: 01 out. 2011. 81

Dentre outras modificações, a EC 45/04 modificou o art. 102 da CF/88, introduzindo o § 3º, o qual figura

com a seguinte redação: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da

Constituição, cabendo-lhe: [...] § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a

repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o

Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de

seus membros. BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004.

Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115,

125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e

130-A, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 de dez. 2004. 82

Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 2º; 5º; 6º; 196; e 198, §§ 1º e 2º, da

Constituição Federal, a obrigatoriedade, ou não, de o Estado fornecer medicamento de alto custo a portador

de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo. BRASIL. Supremo Tribunal

Federal. SAÚDE - ASSISTÊNCIA - MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO - FORNECIMENTO. Possui

repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto

custo. RE 566471. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 15 de novembro de 2007. Diário da Justiça,

Brasília, DF, 07 dez. 2007, v. 02302-08, p. 01685. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+5

66471%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EPRCR%2E+ADJ2+566471%2EPRCR%2E%29&base=base

Repercussao>. Acesso em: 01 out. 2011. 83

Recurso extraordinário em que se discute, à luz artigos 2º; 127; 129, II e III; 196; e 197, da Constituição

Federal, a legitimidade, ou não, do Ministério Público para ajuizar ação civil pública que visa compelir o

Estado de Minas Gerais a entregar medicamentos a portadores de hipotireoidismo e hipocalcemia.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO DE REMÉDIOS -

LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - RECUSA NA ORIGEM - Possui repercussão geral a

controvérsia sobre a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública com objetivo de

compelir entes federados a entregar medicamentos a pessoas necessitadas. RE 605533. Relator: Min.

43

pelo Estado84

e o dever do Estado de fornecer medicamento não registrado pela Agência

Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)85

.

Do exposto depreende-se que o direito à saúde tem sido entendido no meio

jurídico brasileiro como um direito ilimitado, considerando-se a saúde em seu contexto

unidimensional, como mera ausência de doença, ignorando as determinantes sociais que

pautam as políticas públicas, reduzidas ao atendimento médico. No entanto, não se pode

negar que os recursos públicos são limitados.

Lopes entende que essa situação decorre de cinco “constrangimentos

institucionais-estruturais” sofridos pelo Judiciário, que no intuito de defender direitos

fundamentais acaba por desestabilizar o sistema:

(1) os juízes aceitam, na sua maioria e nos seus órgãos mais representativos, as

opiniões comuns da sociedade (as opiniões mainstream) e, acrescento eu, do

pensamento jurídico profissional de seu tempo; (2) os conflitos sociais que lhes

chegam pedem, no entanto, soluções de reforma social, não de garantia do status

quo; (3) aos tribunais faltam os meios institucionais (como um corpo técnico)

para executar e monitorar decisões que impliquem (exijam) programas de ação

continuada (políticas públicas); (4) como os tribunais não podem agir de ofício,

ou seja, não atuam senão por provocação (ne procedat iudex sine auctorem), os

programas de reforma não apenas não podem ser executados por eles, como dito

no item anterior, como também não podem ser iniciados por eles; isto faz com

que os tribunais ajam apenas conforme interesses episódicos e descoordenados, e

sejam proibidos de ter uma agenda de reformas – sua agenda não é ditada por

eles e não tem, portanto, unidade; (5) finalmente, o argumento bastante comum e

importante: os tribunais não têm poderes institucionais para alocar livremente

recursos orçamentários e, em caso de necessidade, não têm o poder de criar

Marco Aurélio. Brasília, 01 de abril de 2010. Diário da Justiça, Brasília, DF, 30 abr. 2010, v. 02399-09, p.

02040. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=3791720&

numeroProcesso=605533&classeProcesso=RE&numeroTema=262#>. Acesso em: 01 out. 2011. 84

Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 100, § 2º; e 167, II e VII, da Constituição

Federal, a possibilidade, ou não, de bloqueio de verbas públicas para garantir o fornecimento de

medicamentos. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS.

POSSIBILIDADE DE BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS PARA GARANTIA. RATIFICAÇÃO DA

JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO

GERAL. RE 607582. Relator(a): Min. Ellen Gracie. Brasília, 13 de agosto de 2010. Diário da Justiça,

Brasília, DF, 27 ago. 2010, v. 0412-06, p. 01185. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=3819070&

numeroProcesso=607582&classeProcesso=RE&numeroTema=289>. Acesso em: 01 out. 2011. 85

Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 1º, III; 6º; 23, II; 196; 198, II e § 2º; e 204 da

Constituição Federal, a possibilidade, ou não, de o Estado ser obrigado a fornecer medicamento não

registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Reconhecida repercussão geral em

18.11.2011. (RE 657718). Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4143144>. Acesso em: 27

dez. 2011.

44

novas formas de financiamento público, constrangendo sua atuação em

programas de reformas propriamente ditos86

.

Fato é que o acesso a novas tecnologias (medicamentosas) tem sido

propiciado pelo Judiciário à revelia de estudos mais acurados que proporcionem equidade

nesse acesso, donde decorre a relevância da ATS como fundamento para tomada de

decisões. Pareceres técnicos, pautados em estudos de cunho científico, devem ser

considerados além das meras prescrições médicas apresentadas pelos autores das ações, já

que as decisões de magistrados, que não são médicos nem gestores de saúde pública,

podem resultar em prejuízos à implantação de políticas nessa área. Nesse sentido:

[...] o que queremos é aumentar a participação do Judiciário na garantia do

direito à saúde, mas o que não queremos é transformar o juiz em médico ou

gestor público. Nós queremos que ele seja um operador do Direito do Século

XXI; que ele verifique, portanto, a adequação de cada ato normativo que compõe

a política de saúde, a Constituição e as leis87

.

1.3.3 Reflexos da atuação do Judiciário

Em análise de decisão proferida pelo STF, que garantiu a um cidadão

portador de hipertensão arterial o fornecimento pelo estado de quatro drogas de alto custo,

Tanaka demonstra que o princípio ativo dessas drogas está presente em outros

medicamentos incorporados e fornecidos pelos SUS, podendo perfeitamente ser

substituídos pelos seus similares, em nada prejudicando o tratamento do paciente e

evitando um dispêndio desnecessário ao orçamento público:

Nesse contexto, estritamente programático assistencial, e não clínico individual,

podemos identificar que a prescrição medicamentosa em litígio definida pela

resolução do judiciário, em realidade, está contemplada pelas normas e

protocolos definidos pelo SUS. Então para que a determinação judicial, se, em

princípio, todos os medicamentos na ação judicial têm um análogo padronizado

dentro do SUS? O conflito que se apresenta está diretamente relacionado aos

princípios do SUS de universalidade versus equidade. Estes princípios

primordiais têm sido garantidos na assistência farmacêutica por meio da

definição e pactuação entre as três esferas de governo para garantir os três grupos

de medicamentos especificados acima, quais sejam: os da atenção básica, os

estratégicos e os excepcionais. Estes três grupos de patologias abarcam os de

maior freqüência e maior relevância e transcendência em termos de saúde

pública brasileira. Recursos financeiros consideráveis e com incremento

exponencial têm sido investidos para garantir a universalidade da atenção. No

entanto, tendo em vista que todo o provimento de medicamentos no sistema tem

86

LOPES, 2006, p. 238. 87

DALLARI, 2009.

45

a mesma fonte de financiamento, temos um dilema. Ao prover, via judicial,

medicamentos não padronizados e habitualmente mais caros, sem evidências que

os efeitos na doença sejam realmente melhores, estaremos destinando mais

recursos per capita a poucos em detrimento de garantir para a maioria os

medicamentos essenciais para controle das doenças mais freqüentes. Por

conseguinte, toda vez em que houver uma dispensação medicamentosa que esteja

fora da padronização corremos o risco de alterar uma alocação de recursos

financeiros para poucos em detrimento de benefícios que poderiam destinar-se a

muitos cidadãos. Cabe lembrar que as padronizações e os protocolos clínicos

estão baseados em evidências científicas comprovadas por análises estatísticas

disponíveis na literatura científica88

.

Num Estado Democrático de Direito é normal que decisões judiciais

influam nas tomadas de decisões no âmbito das políticas públicas de saúde, o que deve

ocorrer quando pertinentes a ações coletivas. Entretanto, o que se tem presenciado são

decisões individuais definindo políticas públicas em matéria de assistência farmacêutica.

Pior que isso, evidenciam-se decisões extravagantes, despidas de critérios

médico-científicos, que concedem até mesmo o acesso a medicamentos experimentais ou

de eficácia duvidosa, sem também aferir firmemente a qual entidade estatal deve se

reportar o solicitante89

, o que acarreta elevação dos gastos públicos e perda de função da

prestação jurisdicional90

. E essas decisões têm sido pautadas na inviolabilidade do direito à

saúde como pressuposto à dignidade humana, conforme previsto pela CF/88.

Ao abordar o aspecto democrático do controle de constitucionalidade, pode-

se entender que o tema é melhor atendido pelo juiz e não pelo legislador, que cuida mais de

aspectos sociais gerais. O que é complicado afirmar em se tratando da saúde, já que

88

TANAKA, 2008. 89

Nesse contexto cabe referência a um parecer emitido pela Consultoria Jurídica (CONJUR) do MS, no qual

afirma que a propositura de ações judiciais na área da saúde parte do princípio de que a responsabilidade

entre os entes estatais é solidária, fazendo com ações sejam propostas indistintamente contra qualquer um

ou todos os entes, conforme a conveniência do autor. Severos conflitos de competência são gerados em

razão disso, o que pode levar, inclusive, ao perecimento do direito fundamental pleiteado (direito à saúde),

perante a demora da solução para a questão processual. Segundo a jurista, o princípio da descentralização,

previsto pelo art. 198, I, da CF/88, remete a execução das ações e serviços públicos de saúde para os entes

locais (os Municípios), os quais, mais próximos do cidadão, teriam melhor condição de ampará-los. Este

entendimento ainda estaria consonante aos artigos 23, II e 30, VII da Carta Magna, figurando, então, uma

situação de subsidiariedade. A desconsideração dos princípios de descentralização e hierarquização na via

judiciária pode ter consequências como: o não cumprimento da decisão ou o cumprimento em duplicidade,

o que, além de gerar prejuízo ao erário, perante a desorganização de todo o planejamento político na área,

também viola o direito de acesso à saúde. ALVES, Alessandra Vanessa. Atribuições da União na

prestação do direito à saúde. Brasília, 31 mar. 2009. 22p. Parecer nº _/2009. AGU/CONJUR-MS/AVA.

Disponível em: <http://189.28.128.59/portalsaude/texto/3267/659/sobre-acoes-judiciais.html>. Acesso em:

10 jan. 2012. 90

BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva.

46

decisões individuais podem sobrecarregar o sistema, por mais dignas que sejam as

intenções dos magistrados.

Todavia, não há que se olvidar que um grande número de demandas

individuais com o mesmo objeto, de fato culminam na implantação de uma política pública

mais efetiva91

. É uma ponderação que merece ser feita, se o intuito é chegar a alguma

conclusão sobre instrumentos que garantam equidade e justiça social na incorporação de

tecnologias em saúde.

Em se tratando da razoabilidade em saúde pública, quando se discute meios

para aplicação de um direito dentro de uma margem de apreciação, no que tange ao acesso

a novos medicamentos, por exemplo, é preciso sopesar a adequação das necessidades mais

urgentes das pessoas desprovidas de recurso no sistema92

. Já que as políticas públicas, em

geral, ao buscar equidade, acabam por ser razoáveis em médio e longo prazo.

Ainda sim, maior importância tem a discussão, não dos meios de aplicação

de um determinado direito, mas, sobre quais são realmente os direitos mínimos

existenciais. E é preciso lembrar que no caso da saúde, a despeito de ser a equidade um

princípio do SUS, ela não oferece parâmetros para discutir o conteúdo de um direito que,

embora determinado pela Constituição, é amplo e genérico, o que muitas vezes obsta a

razoabilidade nas decisões judiciais.

Em razão desse óbice à razoabilidade, e em decorrência do alto número de

ações nessa área, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou recomendações para que

o Poder Judiciário adquira formação específica nesse setor, para tomadas de decisões, e

também determinou que as corregedorias orientem os magistrados a fundamentar suas

decisões em pareceres técnicos. Isso diminuiria a quantidade de ações sobre um mesmo

tema, principalmente, as que têm por escopo prestações sociais que já fazem parte de

alguma política pública implementada pelo Estado93

. Mato Grosso e Minas Gerais foram

os primeiros estados do Brasil a aderirem a essa recomendação94

.

91

Cf. BRASIL, MS, 2005. 92

Leia-se: as que não têm condições de arcar com os altos custos dos medicamentos de que necessitam, ainda

que não sejam totalmente desprovidas de recursos financeiros. 93

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 31. Recomenda aos Tribunais a adoção de

medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior

47

É sempre complicado falar sobre adequação e necessidade na área da saúde,

mormente quando sopesamos a relação custo-benefício perante o indivíduo ou perante a

sociedade. E nem sempre os juízes estão aptos a resolver conflitos entre maiorias e

minorias, principalmente ao se considerar a reserva do possível dentro do orçamento

público que o legislativo propõe.

O assunto é complexo e a discussão sobre a habilidade dos juízes, em

tomarem decisões baseadas no princípio da proporcionalidade, é algo a ser ponderado com

cuidado, apesar da impressão de que essa é uma discussão que não leva a lugar algum.

Em se tratando do impasse entre ofertar uma tecnologia de altíssimo custo a

apenas um cidadão, em detrimento da implantação de políticas públicas que visem o

beneficio de um maior número de pessoas, não há dúvidas de que o Judiciário decidirá pela

defesa da dignidade humana, caso a caso. Nas palavras de Ricardo Silva:

[...] ao se garantir o Direito Fundamental à saúde, se estará prestigiando, se

reconhecendo a dignidade da pessoa humana na forma estabelecida no Texto

Constitucional, destacando-se que a garantia do direito à saúde representa,

sobremaneira, uma das condições mínimas para uma existência digna95

.

Interessante citar ainda a notável atuação do MP, que nos últimos anos vem

demonstrando um notável comprometimento com a saúde, mantendo permanente contato

com usuários no SUS, promovendo real participação da sociedade na articulação de

políticas públicas e responsabilizando o Estado por sua eventual inércia ou omissão na

prestação desse direito. Porém, apesar da relevância dessa atuação, o MP não tem buscado

amparo técnico-científico próprios do setor, o que o faz atuar pela lógica do Direito Penal,

punindo gestores pela sua má atuação no sistema de saúde, o que não é suficiente para

garantir direitos a quem precisa desse sistema96

.

eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. Brasília, DF, 30 de março

de 2010. DJ-e, Brasília, DF, 07 abr. 2010, n. 61, p. 4-6. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-

administrativos/atos-da-presidencia/322-recomendacoes-do-conselho/12113-recomendacao-no-31-de-30-

de-marco-de-2010>. Acesso em: 11 nov. 2010. 94

Cf. SECRETARIA de Saúde de MT e TJMG aderem à Recomendação 31 do CNJ. Conselho Nacional de

Justiça. Notícias em Destaque, Brasília, 02 ago. 2010. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/noticias/9548-secretaria-de-saude-de-mt-e-tjmg-aderem-a-recomendacao-31-do-

cnj>. Acesso em: 11 nov. 2010. 95

SILVA, Ricardo Augusto Dias da. Direito fundamental à saúde: o dilema entre o mínimo existencial e a

reserva do possível. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 66. 96

DELDUQUE; OLIVEIRA, 2006, p. 11.

48

Logo, conquanto sejam justas do ponto de vista individual, o excesso de

decisões favoráveis nessa área (valoradas somente do ponto de vista jurídico), despidas de

fundamentação técnica (tanto científica quanto política), pode violar direitos fundamentais

de uma parcela considerável da sociedade, não abrangida pelas liminares.

As decisões aqui apontadas por vezes atalham a incorporação de novas

tecnologias no SUS. Não se trata apenas de conceder a um cidadão o acesso a um remédio,

cuja responsabilidade é do Estado. A questão vai além, já que o ciclo de incorporação é

determinado por lei no Brasil, para o qual devem ser seguidas etapas predeterminadas,

consoante o planejamento das políticas públicas na área, como adiante se verá.

49

2 AVALIAÇÃO DE TECNOLOGIAS EM SAÚDE: SUBSÍDIO AOS

PROCESSOS DE INCORPORAÇÃO TECNOLÓGICA NO SUS

2.1 TECNOLOGIAS EM SAÚDE

De forma simples e genérica, tecnologia pode ser definida como

conhecimento aplicado. Em se tratando da área da saúde, cuida-se de conhecimento

aplicado que proporciona a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças, e a

reabilitação de suas conseqüências.

O §1º do art. 3º da Portaria GM/MS n. 2.510 de 19 de dezembro de 2005,

que instituiu a Comissão para Elaboração da Política de Gestão Tecnológica (CPG) no

âmbito do SUS, conceitua tecnologias em saúde da seguinte forma:

Consideram-se tecnologias em saúde os medicamentos, equipamentos e

procedimentos técnicos, os sistemas organizacionais, informacionais,

educacionais e de suporte e os programas e protocolos assistenciais por meio dos

quais a atenção e os cuidados com a saúde são prestados à população97

.

As tecnologias em saúde vão além dos medicamentos, equipamentos e

procedimentos usados na assistência nessa área. Trata-se de toda e qualquer forma de

conhecimento que puder ser aplicado para a solução ou a redução dos problemas de saúde

de indivíduos ou populações, sendo os medicamentos o foco deste trabalho.

2.1.1 Enquadramento dos medicamentos na classificação das tecnologias em saúde

Os medicamentos como são conhecidos hoje não eram assim outrora.

Acreditava-se que cada lugar possuía um antídoto específico para doenças próprias da

região, o que facilitava no Brasil a assimilação da farmacopeia empírica popular. Não

havia regulamentação legal para uso de terapias “alternativas”, até mesmo urina e fezes:

De todas as práticas terapêuticas, o uso das ervas medicinais brasileiras era a que

maior legitimidade popular possuía. Não se pode esquecer que o emprego dessas

97

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.510, de 19 de dezembro de 2005. Institui

Comissão para Elaboração da Política de Gestão Tecnológica no âmbito do Sistema Único de Saúde –

CPGT. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 de dez. 2005.

50

plantas tinha um sentido mágico ou místico. Determinados minerais, bem como

partes do corpo de animais, eram usados como medicamentos ou amuletos. Se a

antropofagia ritual era encarada com horror pelos europeus, a utilização da

saliva, da urina e das fezes, humana ou animal, era compartilhada como recurso

terapêutico, embora possuindo um significado distinto para ambas as culturas98

.

Em se tratando de desenvolvimento tecnológico na seara da saúde, desde a

prática de curandeirismo aos grandes centros hodiernos de medicina diagnóstica, pode-se

dizer que a evolução tecnológica encanta o ser humano a tal ponto que o faz menosprezar o

singelo diagnóstico clínico, antes suficiente para o início de um tratamento de saúde.

Hoje, prima-se por uma investigação etiológica tão minuciosa, que por

vezes é até exagerada. O que remete a uma analogia do médico com um pequeno operário,

sem o qual não é possível manter a máquina em funcionamento (o sistema de saúde), mas,

cujo papel parece secundário no cenário da vida:

A medicina passa a ser exercida com base em novas regras extraídas do espírito

da racionalidade moderna, que produz graves rupturas não só no relacionamento

médico-paciente mas também no atendimento do próprio ser humano doente.

Abandona-se a figura do indivíduo doente e encontra-se a doença presente em

alguma parte do corpo. O órgão doente transforma-se no objeto exclusivo da

atenção médica. Busca-se obsessivamente a instância primordial, mergulha-se

fundo na busca do celular, do molecular, do DNA, enfim, do código da vida. A

intervenção do médico migra do mundo do paciente para um universo impessoal

preenchido por equipamentos que pertencem a uma entidade chamada hospital,

que é dirigida por uma grande empresa ou pelo todo poderoso Estado. A

legitimidade da investigação se transfere do profissional isolado para um

complexo de alta tecnologia, no qual o apequenado doutor, de maneira até

caricatural, faz lembrar o operário vivido por Charles Chaplin em “Tempos

Modernos”99

.

O quadro descrito acima retrata certa fragilidade na relação médico-

paciente, sobretudo, considerando-se o excesso de informações disponíveis aos leigos,

pelos veículos de comunicação em massa, os quais (de certa forma) podem contribuir para

a obsolescência precoce100

de dada tecnologia, inclusive medicamentosa.

Sim, pois as tecnologias em saúde, em geral, possuem um ciclo de vida

determinado, que é completado quando eventualmente abandonadas por uma série de

razões, na medida em que novas tecnologias surgem, são difundidas e passam a ser

98

PONTE; FALLEIROS, 2010, p. 41. 99

SIQUEIRA, 1997. 100

Obsolescência precoce: Estratégia de marketing industrial para colocar no mercado de bens e serviços

novos produtos substitutivos de produtos eficazes e em uso, de modo a auferir ganhos exponenciais. Cf.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos

Estratégicos. Glossário temático: economia da saúde. 2 ed. amp. Brasília: Ministério da Saúde, 2006c.

(Série A. Normas e Manuais Técnicos ), p. 40.

51

utilizadas. Isso ocorre a partir da movimentação de um conjunto complexo de mecanismos

interrelacionados, os quais podem incluir até mesmo interesse comercial de indústrias

farmacêuticas, que se valem da mídia para incutir no consumidor determinada escolha101

.

Quanto à abrangência do conceito de tecnologias, elas podem ser

classificadas de várias formas102, inclusive, quanto à hierarquia em diversos estágios da

assistência à saúde, conforme proposto em estudo utilizado pelo MS. Nesse sentido:

No primeiro estágio, observam-se aquelas tecnologias que o senso comum

considera como tecnologias na área de saúde, aqui chamadas de tecnologia

biomédica, que são os equipamentos e medicamentos. Pode-se dizer que são

aquelas que interagem diretamente com os pacientes. Em seguida, devem ser

considerados os procedimentos médicos, como, por exemplo, a anamnese, as

técnicas cirúrgicas, as normas técnicas de uso de aparelhos e outros, que

constituem parte do treinamento dos profissionais em saúde e que são essenciais

para a qualidade na aplicação das tecnologias biomédicas. Estas tecnologias,

acrescidas dos procedimentos, constituem as tecnologias médicas. Todas as

tecnologias médicas são utilizadas dentro de um contexto que engloba uma

estrutura de apoio técnico e administrativo, sistemas de informação e

organização da prestação da atenção à saúde. Estes sistemas de suporte

organizacional, que se situam dentro do próprio setor Saúde (hospitais,

ambulatórios, secretarias de saúde, Ministério da Saúde), juntamente com as

tecnologias médicas, compõem as tecnologias de atenção à saúde. Finalmente

existem componentes organizacionais e de apoio que são determinados por

forças que atuam fora do sistema de saúde, como, por exemplo, saneamento,

controle ambiental, direitos trabalhistas, etc. Todos esses elementos, juntamente

com as outras tecnologias, constituem, então, as tecnologias em saúde. Indo mais

além, podem-se englobar diversos aspectos da organização social que são

determinantes da saúde de uma população como educação, política econômica,

etc.103

(destaque nosso)

101

Essa prática é controlada pela legislação brasileira, o que será objeto do próximo capítulo. 102

Segundo o MS as tecnologias podem ser classificadas da seguinte forma: Quanto à natureza material:

Medicamentos; Equipamentos e suprimentos: ventilador, marcapassos cardíacos, luvas cirúrgicas, kits de

diagnóstico, etc.; Procedimentos médicos e cirúrgicos; Sistemas de suporte: bancos de sangue, sistemas de

prontuário eletrônico, etc.; Sistemas gerenciais e organizacionais: sistema de informação, sistema de

garantia de qualidade, etc. Quanto ao propósito: Prevenção: visa proteger os indivíduos contra uma doença

ou limitar a extensão de uma seqüela (exemplo: imunização, controle de infecção hospitalar, etc.);

Triagem: visa detectar a doença, anormalidade, ou fatores de risco em pessoas assintomáticas

(mamografia, exame de Papanicolau); Diagnóstico: visa identificar a causa e natureza ou extensão de uma

doença em pessoas com sinais clínicos ou sintomas (eletrocardiograma, raios X para detectar fraturas

ósseas); Tratamento: visa melhorar ou manter o estado de saúde, evitar uma deterioração maior ou atuar

como paliativo; Reabilitação: visa restaurar, manter ou melhorar a função de uma pessoa com uma

incapacidade física ou mental. Quanto ao estágio de difusão: Futura: em estágio de concepção ou nos

estágios iniciais de desenvolvimento; Experimental: quando está submetida a testes em laboratório usando

animais ou outros modelos; Investigacional: quando está submetida a avaliações clínicas iniciais (em

humanos); Estabelecida: considerada pelos provedores como um enfoque padrão para uma condição

particular e difundida para uso geral; Obsoleta/abandonada/desatualizada: sobrepujada por outras

tecnologias ou foi demonstrado que elas são inefetivas ou prejudiciais. BRASIL. Ministério da Saúde.

Secretaria-Executiva. Área de Economia da Saúde e Desenvolvimento. Avaliação de tecnologias em

saúde: ferramentas para a gestão do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2009b. (Série A. Normas e

Manuais Técnicos), p. 21. 103

Ibidem, p. 19 et. seq.

52

Segundo o MS, o medicamento (tecnologia classificada como biomédica) é

“um produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática,

curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico; é uma forma farmacêutica terminada que

contém o fármaco, geralmente em associação com adjuvantes farmacotécnicos 104

”.

Quanto à incorporação de novos medicamentos pelo SUS, é preciso

respeitar etapas determinadas pela legislação, que incluem estudos de ATS.

2.1.2 Etapas da incorporação de medicamentos no SUS

A maioria dos sistemas públicos de saúde não dissocia de suas políticas a

incorporação tecnológica, sobretudo de medicamentos, haja vista a contribuição inegável

de fármacos cada vez mais potentes no combate às doenças. Variando em grau, eles

contribuem para o prolongamento da vida, o alívio da dor, a redução do risco de

adoecimento e a melhoria ou manutenção das condições de saúde das populações.

Por meio da Política Nacional de Medicamentos (PNM) e da Política

Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF) o SUS distribui medicamentos gratuitos à

população, os quais devem ser incorporados de forma sistemática, em conformidade à

LOS. As políticas citadas serão objeto de estudo no próximo capítulo, o que pede o

conhecimento prévio das etapas seguidas pelo MS até a dispensação de um novo fármaco.

Como dito antes, as tecnologias em saúde possuem um determinado ciclo de

vida, que compreende o período desde a inovação em P&D até o momento de seu

abandono, o que ocorre, por vezes, em razão da difusão e incorporação de uma nova

tecnologia. A regulação desse ciclo no Brasil é feita pela ANVISA105

, pela Comissão

104

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento

de Ciência e Tecnologia. Diretrizes Metodológicas: estudos de avaliação econômica de tecnologias em

saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2009a. (Série A. Normas e Manuais Técnicos), p. 46. 105

Com o objetivo de ampliar o acesso da população às tecnologias, a ANVISA tem atuado desde 2000 no

campo da regulação econômica de medicamentos. Porém, foi a partir de 2003, com a criação de uma

unidade organizacional dedicada à área de avaliação econômica de tecnologias em saúde, que a Agência

passa a ter uma atuação mais forte na área de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS). A partir de

2004, a ATS passa a ser aplicada à tomada de decisão relativa aos preços de novos medicamentos, a partir

de Resolução aprovada pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão

interministerial cuja função de secretaria-executiva é exercida pela ANVISA. A articulação desta Agência

com o DECIT/SCTIE e com a ANS foi muito importante para diversas iniciativas na área, entre as quais

53

Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC)106

e pela Agência Nacional

de Saúde Suplementar (ANS)107

, apesar das decisões judiciais terem influenciado

consideravelmente estes órgãos nos últimos anos, no que toca à utilização de tecnologias

de alto custo. Assim:

A judicialização deve ser entendida não como um fenômeno isolado, mas como

parte do processo da incorporação de novos medicamentos e novas tecnologias

pelo sistema de saúde. Ao estudarmos a incorporação dos ARVs no SUS,

identificamos que existem diversos percursos e processos decisórios que, se

melhor analisados, compreendidos e regulados, podem, sincronicamente a outras

medidas, propiciar a sustentabilidade do acesso universal aos medicamentos. Em

linhas gerais, para entender, é preciso percorrer o caminho – fragmentário, sem

sequência – tomado pelos ARVs no Brasil, que pode ser assim resumido: um

novo medicamento geralmente chega ao país via ensaio clínico, os médicos

passam a conhecê-lo e a ter experiência de uso com ele; a empresa faz divulgar

os resultados que tratam do desempenho do produto, elementos que passam a ser

compartilhados por uma rede cada vez maior de pessoas; as autoridades

sanitárias quase sempre concedem o pedido de registro submetido pelo produtor,

mas também convocam especialistas para decidirem, com base em evidências

científicas, o momento da incorporação e os critérios de uso do ARV; as

prescrições médicas aumentam progressivamente, ao tempo em que se

expressam as necessidades de saúde dos pacientes; a promoção e o marketing

deflagrados pela empresa produtora e as ações judiciais movidas por pacientes

que reivindicam o acesso ao novo fármaco, antes mesmo da aquisição pelo

sistema de saúde, despontam como elementos que podem influir no processo de

incorporação do ARV; as regras de mercado são então aclaradas, com

caracterização da oferta e da demanda, formação e discussão do preço do ARV,

na Câmara de Regulação de Preços de Medicamentos (CMED), e definição das

margens de atuação das empresas farmacêuticas, tanto das multinacionais quanto

das nacionais públicas e privadas produtoras. A distância do Estado de uma visão

íntegra de todo o processo de incorporação dos ARVs implica em risco de que se

manifestem efeitos e interesses diversos daqueles previstos quando da

formulação da política pública. Ao Ministério da Saúde, que ocupa o

privilegiado lugar de comprador único dos ARVs, caberia interagir em todos os

meios e etapas da incorporação dos ARVs. Essa interação é determinante para a

se pode destacar o lançamento, em 2006, do Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde

(BRATS), que hoje já é uma publicação consolidada no País. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de

Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Política Nacional de

Gestão de Tecnologias em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2011, p. 12. 106

Instituída pelo Decreto n. 7.646/11, a CONITEC substitui a antiga Comissão de Incorporação de

Tecnologias do Ministério da Saúde (CITEC), estabelecida pela Portaria nº 2.587/08, com algumas

modificações em suas atribuições. BRASIL. Decreto n. 7.646 de 21 de dezembro de 2011. Dispõe sobre a

Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo

administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de

Saúde - SUS, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 de dez. 2011. 107

A ANS, instituída pela Lei 9.961/00, dentre outras atribuições, fiscaliza a atuação das operadoras e

prestadores de serviços de saúde com relação à abrangência das coberturas de patologias e procedimentos;

fiscaliza aspectos concernentes às coberturas e o cumprimento da legislação referente aos aspectos

sanitários e epidemiológicos, relativos à prestação de serviços médicos e hospitalares no âmbito da saúde

suplementar e avalia os mecanismos de regulação utilizados pelas operadoras de planos privados de

assistência à saúde. BRASIL. Lei n. 9.961 de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde

Suplementar – ANS e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 de jan. 2000.

54

sustentabilidade do programa. Caso contrário, mantêm-se lacunas que implicam

em desequilíbrios de interesses relacionados ao processo de incorporação108

.

A invenção de um novo produto dá início ao processo de inovação

tecnológica, a qual termina quando ocorre seu primeiro emprego prático. Nesse intervalo

de tempo procede-se a alguma forma de avaliação econômica e testes com voluntários,

para que a nova tecnologia seja avaliada em termos de custo-benefício, apesar de limitada,

nessa etapa, a capacidade de calcular futuros impactos após sua difusão109

.

A fase de incorporação, propriamente dita, começa no momento em que

uma nova tecnologia se estabelece passando a ser reconhecida pelos provedores de

assistência à saúde. O que amiúde acontece quando o governo ou seguradoras resolvem

reembolsar pacientes ou subsidiar o acesso, a partir de um consenso sobre seus benefícios.

Em se tratando de tecnologias de baixo custo, a incorporação pode passar

despercebida, ao contrário das tecnologias de alto custo ou de utilização em larga escala,

cuja incorporação é crítica, por abrir caminho para sua utilização crescente, o que demanda

considerável dispêndio de recursos e prévio conhecimento sobre casuais efeitos

adversos110

.

O fluxo para incorporação de tecnologias no SUS foi normatizado pela

primeira vez pelas Portarias GM/MS n. 152/06 e 3.323/06, sob a coordenação da Secretaria

de Atenção à Saúde (SAS). No ano de 2008, a Portaria n. 2.587/08111

instituiu a Comissão

Para Incorporação de Tecnologias (CITEC), transferindo sua coordenação para a Secretaria

de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), à qual se vincula a atual

CONITEC.

As demandas de incorporação no SUS são priorizadas para análise pelo MS

de acordo com questões relacionadas ao interesse público, como: a existência de política de

saúde que possivelmente se beneficie com a nova tecnologia; a existência de situação

epidemiológica que justifique a avaliação de uma dada tecnologia; a revisão ou elaboração

108

SCHEFFER, 2009, p. 136. 109

BRASIL. MS, 2009b, p. 22. 110

Ibidem, p. 23. 111

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.578, de 30 de outubro de 2008. Dispõe

sobre a Comissão de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde e vincula sua gestão à

Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 de

out. 2008.

55

de protocolos clínicos ou diretrizes terapêuticas, de doenças para as quais as tecnologias

sejam indicadas; demandas apresentadas pelo MP, dentre outras112

.

A LOS determina o campo de atuação do SUS e as ações a serem

executadas, dentre as quais se encontra a assistência terapêutica integral, inclusive a

farmacêutica, definida pelo art. 19-M da mesma Lei113

:

Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso

I do art. 6o consiste em:

I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja

prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em

protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do

protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P;

II - oferta de procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar, ambulatorial e

hospitalar, constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do Sistema Único

de Saúde - SUS, realizados no território nacional por serviço próprio, conveniado

ou contratado.

As diretrizes terapêuticas e protocolos clínicos114

, têm por intuito

estabelecer os medicamentos ou produtos necessários nas diferentes fases evolutivas da

doença ou do agravo à saúde de que tratam, garantindo que tais medicamentos sejam

avaliados quanto à sua eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade para as

diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde.

Faltando o protocolo clínico ou a diretriz terapêutica, a dispensação115

no

SUS será realizada conforme as relações de medicamentos instituídas pelas três esferas de

governo, sendo seu fornecimento responsabilidade de cada uma delas.

112

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Profissional e Gestor. Pesquisa em Saúde. Incorporação de tecnologia em

saúde: perguntas mais frequentes. Disponível em:

<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Perguntas_e_respostas_jan2011.pdf>. Acesso em: 24 out.

2011. 113

Artigo incluído na LOS pela Lei 12.401 de 28 de abril de 2011. BRASIL. Lei nº 12.401, de 28 de abril de

2011. Altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a

incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da

União, Brasília, DF, 29 de abr. 2011. 114

Art. 1º - III - protocolo clínico e diretriz terapêutica - documento que estabelece critérios para o

diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais

produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o

acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS.

BRASIL. Decreto n. 7.646 de 21 de dezembro de 2011. Dispõe sobre a Comissão Nacional de

Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para

incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá

outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 de dez. 2011. 115

Dispensação é “o ato profissional farmacêutico de proporcionar um ou mais medicamentos a um paciente,

geralmente como resposta à apresentação de uma receita elaborada por um profissional autorizado. Nesse

ato, o farmacêutico informa e orienta o paciente sobre o uso adequado do medicamento. São elementos

56

A LOS também determina que sejam atribuições do Ministério da Saúde: a

incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e

procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz

terapêutica. Tais imputações devem ser exercidas com respaldo no relatório da

CONITEC116

, cuja composição deve contar com a participação de um representante

indicado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e de um representante, especialista na

área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

O relatório da Comissão deverá considerar:

I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a

segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo,

acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso;

importantes da orientação, entre outros, a ênfase no cumprimento da dosagem, a influência dos alimentos,

a interação com outros medicamentos, o reconhecimento de reações adversas potenciais e as condições de

conservação dos produtos”. Cf. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde.

Departamento de Atenção Básica. Política nacional de medicamentos 2001. Brasília: Ministério da Saúde,

2001. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios, n.25). Disponível em:

<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_medicamentos.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2011, p. 34. 116

Com a instituição da CONITEC o fluxo para incorporação de tecnologias no SUS sofreu algumas

modificações. As condições atuais para submissão de pedidos são as seguintes: qualquer interessado, a

qualquer tempo, pode solicitar a incorporação, alteração ou exclusão de tecnologias no elenco do SUS. Os

membros da CONITEC devem firmar termo de confidencialidade e declaração de conflito de interesse

relativamente aos assuntos deliberados nesse âmbito. O requerente deverá apresentar: a) formulário

integralmente preenchido, de acordo com modelo estabelecido pela CONITEC; b) os documentos exigidos

para o processamento do pedido; e c) as amostras de produtos, se cabível, nos termos do regimento interno

da Comissão. Incluem-se entre os documentos exigidos: a) número e validade do registro na ANVISA; e

b) no caso de inclusão de novas tecnologias em saúde, deverá apresentar também: evidência científica que

demonstre que a tecnologia pautada seja, no mínimo, tão eficaz e segura quanto aquelas disponíveis no

SUS para determinada indicação; estudo de avaliação econômica comparando com as tecnologias atuais

disponibilizadas no SUS; no caso de medicamentos, o preço fixado pela CMED. A CONITEC poderá

estabelecer outros documentos exigíveis no ato da protocolização do pedido administrativo. Os

documentos e amostras serão previamente analisados pela Secretaria-Executiva da CONITEC. Caso não

preencham os requisitos legais, o processo poderá ser indeferido sem avaliação do mérito. Nada impede

que o interessado apresente novamente o pedido, perante a complementação da documentação. A

CONITEC providenciará consulta pública para recebimento de contribuições e sugestões sobre todas as

matérias em avaliação e, havendo relevância da matéria, o Secretário da SCTIE pode solicitar a realização

de audiência pública. A maior novidade do processo de avaliação pela CONITEC é o prazo máximo, que a

partir de agora não deverá ser superior a 180 dias, contado da data em que foi protocolizado o pedido,

admitida a sua prorrogação por 90 dias corridos, quando as circunstâncias exigirem. O termo final do

prazo é contado pela decisão do Secretário da SCTIE/MS sobre o pedido formulado no processo

administrativo. Na hipótese de descumprimento do prazo, o processo administrativo entrará em regime de

urgência, ficando sobrestadas todas as deliberações a respeito de processos prontos para avaliação até a

emissão do relatório sobre o processo pendente. A partir da publicação da decisão de incorporar

medicamento, produto ou procedimento, ou mesmo protocolo clínico e diretriz terapêutica, as áreas

técnicas terão prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias para efetivar a oferta ao SUS. Aplica-se a Lei

9.784/99, sendo cabível recurso, no prazo de dez dias corridos contados da divulgação oficial da decisão,

em face de razões de legalidade e de mérito, o qual não tem efeito suspensivo. O recurso será dirigido ao

Secretário da SCTIE. Caso não reconsiderada a decisão no prazo de 5 dias, o recurso será encaminhado de

ofício ao Ministro da Saúde, para decisão final.

57

II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às

tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos

domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.

Geralmente, após análise e emissão de parecer favorável da CONITEC117

a

nova tecnologia é incorporada pelo MS e adicionada à lista do SUS. Todavia, nada impede

que mesmo após recomendação da CONITEC, o Ministro da Saúde indefira a

incorporação.

A composição e competências da CONITEC foram definidas pelo Decreto

7.646/11. Nele também constam suas diretrizes, com fulcro nos princípios que regem o

SUS e na necessidade de racionalizar os gastos públicos com incorporação de novas

tecnologias em saúde:

Art. 3o São diretrizes da CONITEC:

I - a universalidade e a integralidade das ações de saúde no âmbito do SUS com

base no melhor conhecimento técnico-científico disponível;

II - a proteção do cidadão nas ações de assistência, prevenção e promoção à

saúde por meio de processo seguro de incorporação de tecnologias pelo SUS;

III - a incorporação de tecnologias por critérios racionais e parâmetros de

eficácia, eficiência e efetividade adequados às necessidades de saúde; e

IV - a incorporação de tecnologias que sejam relevantes para o cidadão e para o

sistema de saúde, baseadas na relação custo-efetividade.

Ressalte-se que, para a incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de

novos medicamentos, há que se instaurar um processo administrativo118

, o qual não deve

demorar mais de 180 dias, prorrogáveis por mais 90 (art. 19-R da Lei 8.080/90), prazo esse

já razoavelmente longo para um paciente que eventualmente esteja precisando de um

medicamento com maior urgência. A LOS ainda prevê a realização de consulta pública,

que inclua a divulgação de parecer emitido pela CONITEC e de audiência pública antes da

tomada de decisão, se a relevância da matéria justificar.

Considerando-se a burocracia que se sabe existente no Brasil, é possível

supor a ultrapassagem do prazo previsto, resultando em mais um motivo para a propositura

de ações judiciais para fornecimento de medicamentos pelo Estado, a despeito da previsão

de incorporação de tecnologias no SUS pelo próprio Ministro da Saúde, mediante processo

simplificado, em casos de relevância pública.

117

A quem também compete a elaboração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. 118

Que deve ser instaurado em conformidade à Lei do Processo Administrativo. BRASIL. Lei n. 9.784 de 29

de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário

Oficial da União, Brasília, DF, 01 de fev. 1999.

58

Em se tratando de medicamentos experimentais ou ainda não autorizados ou

registrados pela ANVISA119

, a LOS proíbe em todas as esferas de gestão do SUS seu

pagamento, ressarcimento, reembolso e dispensação.

Todavia, há controvérsias a esse respeito. Em algumas ações judiciais os

requerentes alegam que medicamentos já aprovados por agências internacionais

renomadas, como a Food and Drug Administration (FDA), por exemplo, apenas não são

aprovados imediatamente no Brasil por questões burocráticas.

A polêmica do assunto fez com que o STF reconhecesse a repercussão geral

do tema em recurso extraordinário, no qual será julgada a possibilidade do Estado fornecer

um medicamento não registrado na ANVISA, mesmo contrariando o dispositivo da lei,

com fundamento nos artigos 1º, III; 6º; 23, II; 196; 198, II e § 2º; e 204 da CF/88120

.

Apesar do ciclo de incorporação tecnológica ser determinado por lei no

Brasil, já foi dito que as decisões judiciais têm tido peso importante nesses processos. Não

raras vezes, o Judiciário julgará constitucional a incorporação de novas tecnologias ao

sistema, ainda que o pedido seja feito por pessoa, grupos ou organizações não

determinadas pela lei, ou sem o devido processo, já que, além do fato e do conjunto de

normas, analisará também o valor de justiça das decisões.

O problema dessa valoração é que tem sido feita para casos pontuais, sem

considerar as políticas sociais como um todo. Mesmo assim, alguns autores entendem

legítima a dispensa do registro para incorporação:

Quando não se tratar de medicamento que já possua impedimento ou restrição de

uso, diante da constatação médica de sua necessidade e eficácia e frente ao fato

de ser reconhecido pelos órgãos competentes do país de origem, não existem

motivos para desprestigiar o acesso a medicamento. Ocorre que, desde que

restem demonstradas nos autos, por meio de parecer médico ou junta médica, a

119

A LOS instituiu no sistema de saúde brasileiro um sistema de vigilância sanitária, regido pela Lei

9.782/99 que, dentre outras atribuições, criou a ANVISA, agência reguladora que tem por finalidade

institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção

e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes,

dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos,

aeroportos e de fronteiras. A obrigatoriedade jurídica do registro de medicamentos junto à ANVISA

protege a própria saúde nacional, bem como os direitos de patente, já que o medicamento deve demonstrar

a sua fórmula, a sua aplicação e as suas implicações. BRASIL. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999.

Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá

outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 de jan. 1999. 120

Vide Capítulo 1, nota 81.

59

eficácia e a qualidade do medicamento junto a órgãos de funcionalidade

semelhantes à ANVISA em outros países ou, nacionalmente, por meio de

estudos preliminares ao registro, não há motivos que impeçam o necessário

acesso. As soluções apresentadas são condizentes com a proteção que se faz à

saúde, visto que questões administrativas não podem corresponder a empecilho

para o acesso a medicamentos121

.

No Brasil, cabe à ANVISA a concessão do registro de medicamentos para

que sejam comercializados em território nacional. Para tanto, a legislação determina que a

agência deve proceder a análises sobre sua qualidade (a medicação deve ser fabricada

conforme as regras sanitárias brasileiras), segurança (o uso do medicamento deve propiciar

mais benefícios que efeitos colaterais) e eficácia (o medicamento deve de fato combater a

doença para o qual foi criado)122

.

No entanto, a ANVISA não realiza estudos sobre os impactos futuros da

incorporação de uma nova tecnologia, a partir de seu uso em ambiente real. Para a

incorporação de um novo medicamento no sistema público de saúde o MS realiza

avaliações bem mais abrangentes. Para ilustrar a afirmação, eis um trecho de um parecer

emitido pela Consultoria Jurídica (CONJUR) do MS123

:

20. Logo, observa-se que o Ministério da Saúde tem grupo de trabalho instituído

para analisar os tratamentos das doenças tratadas pelo Ilaris, bem como avaliou a

solicitação de incorporação dessa tecnologia no âmbito do sistema, e, após

profundo estudo decidiu pela não incorporação do referido medicamento no

âmbito do Sistema Único de Saúde brasileiro.

21. Nesse sentido, caso deferido algum provimento jurisdicional para a entrega

forçada da medicação pela Administração, entende-se que o mérito

administrativo próprio às decisões do Poder Executivo estará sendo violado,

usurpando-se, por via transversa, a competência da Administração para

proceder à análise de incorporação de tecnologias no SUS, sendo

desconsiderada toda a estrutura administrativa do Sistema Único, uma vez

que o Poder Executivo já deu uma resposta à presente demanda, isto é,

DECIDIU NÃO INCOPORAR O MEDICAMENTO, consoante critérios

técnicos pertinentes à análise administrativa, tendo em vista a construção

das políticas públicas. 22. Saliente-se que, conforme referenciado, o simples registro na ANVISA é

mera indicação de que a medicação é minimamente segura, eficaz e fabricada

com qualidade, considerando os estudos feitos em âmbito de laboratório

(ambiente ideal). Ao reverso, o Ministério da Saúde, ao analisar a inclusão de

nova tecnologia de saúde no SUS, procede à análises infinitamente mais

profundas do aquelas [sic.] feitas pela ANVISA, perquirindo a respeito, por

121

CARVALHO, 2007, p. 97. 122

Art. 16 – BRASIL. Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999. Altera a Lei no 6.360, de 23 de setembro de

1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização

de nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências. Diário Oficial da União,

Brasília, DF, 11 de fev. 1999. 123

PESSOA, Higor Rezende. Parecer CANAQUINUMABE. Brasília, 28 out. 2011. 14p. PARECER Nº

1.300/2011-AGU/CONJUR-MS/HRP. Disponível em:

<http://189.28.128.59/portalsaude/texto/3267/659/sobre-acoes-judiciais.html>. Acesso em: 10 jan. 2012.

60

exemplo, da efetividade e do custo-efetividade de determinada medicação, além

da análise de segurança e eficácia. Após profundo estudo do MS, a solicitação do

medicamento ILARIS, princípio ativo CANAQUINUMABE, recebeu decisão

desfavorável da Administração quanto à sua incorporação no âmbito do Sistema.

(destaque nosso)

O registro, portanto, não se confunde com a incorporação. Um medicamento

registrado na ANVISA pode ser comercializado, mas não necessariamente incorporado ao

sistema público de saúde.

Com o registro dos medicamentos a ANVISA valida os esforços e

investimentos realizados pela indústria farmacêutica, além de proteger o segredo industrial,

em respeito ao direito de propriedade e à livre iniciativa, teoricamente propulsando

pesquisas no setor. Entretanto, o direito à propriedade (segredo industrial) nesse caso, deve

ficar condicionado à função social, sendo unânime na ordem jurídica nacional e

internacional, que sua disposição pode proteger o interesse público, mormente, em se

tratando da produção de medicamentos genéricos124

, os quais necessitam de testes que

demonstrem a produção de efeitos idênticos aos dos medicamentos de referência, quando

com a mesma dosagem e dentro do mesmo período de prescrição.

Apesar da ANVISA se responsabilizar pela proteção da saúde de todas as

pessoas, de forma igualitária (princípio do SUS), motivo pelo qual regulamenta e impede a

disponibilização indiscriminada de novos fármacos de alto custo, há que se atentar ao fato

de que a excessiva burocracia, bem como a proteção industrial e patentária pode culminar

na dificuldade de acesso aos medicamentos.

Em audiência pública realizada no STF, na qual foi discutida a questão da

judicialização da saúde, a Drª Sueli Dallari chamou a atenção para a necessidade de se

vincular o registro de medicamentos à obrigação de comercializar, como faz a Agência

Européia de Medicamentos125

, o que já diminuiria a iniquidade no acesso.

124

Definidos pela Lei 9.787/99: “Medicamento Genérico – medicamento similar a um produto de referência

ou inovador, que se pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após a expiração ou

renúncia da proteção patentária ou de outros direitos de exclusividade, comprovada a sua eficácia,

segurança e qualidade”. 125

DALLARI, 2009.

61

Isso porque, para serem registrados pela ANVISA, os medicamentos passam

por estudos em fases distintas126

. Todavia, é possível alcançar proteção patentária de suas

fórmulas, mesmo antes da autorização do registro para comercialização, o que pode obstar

o desenvolvimento de pesquisas no setor127

.

A CF/88, em seu capítulo destinado ao direito à saúde, prevê o atendimento

integral pelo Estado, o que não pode ser entendido como a obrigação de disponibilizar

todas as tecnologias oferecidas no mercado para todas as pessoas. Isso causaria sérios

prejuízos à sociedade, como um todo, ante o risco de procedimentos de indicação

duvidosa, além de ser absolutamente inviável do ponto de vista econômico e operacional.

Novidades tecnológicas precisam ser incorporadas com prudência ao

sistema público. Os lançamentos sedutores, e de alto custo no mercado, são inúmeros a

cada ano, muito embora uma pequena porcentagem, apenas, apresente alguma vantagem.

Portanto, o impacto financeiro é alto, mormente num sistema como o brasileiro, que a

exemplo do canadense e de diversos outros países europeus, oferece mediante

financiamento público acesso universal ao sistema de saúde.

126

Para a concessão do registro o laboratório deve comprovar que o medicamento cumpriu algumas fases da

pesquisa clínica (ensaios clínicos). Na fase anterior aos testes em humanos, antigamente denominada “pré-

clínica”, são realizados estudos in vitro e em animais de experimentação, para se avaliar o potencial

terapêutico de uma molécula. Os estudos clínicos começam na Fase I, quando testes são realizados em

humanos saudáveis, para análise de segurança. Na Fase II participam centenas de pessoas já doentes, para

análise da eficácia do medicamento. Na Fase III os estudos geralmente são multicêntricos, pela

necessidade de um número alto de voluntários. Nessa fase são realizadas comparações com outros

medicamentos já firmados no mercado, ou com placebo, caso ainda não haja tratamento para a doença em

questão. É também nessa fase que são fornecidas as informações necessárias à inclusão na bula do

medicamento, na qual serão estabelecidas indicações, contra-indicações e efeitos colaterais. Os dados

obtidos nessa fase podem resultar na aprovação do registro pelas autoridades sanitárias, para

comercialização do medicamento. Na última etapa, a Fase IV, são realizadas pesquisas de

acompanhamento, para conhecimento de detalhes adicionais sobre o medicamento, com eventual

descoberta de efeitos colaterais não previstos. DAINESI, Sonia Mansoldo. Pontos Controversos em

Estudos Clínicos Randomizados. In: NITA, Marcelo Eidi et. al. Avaliação de tecnologias em saúde:

evidência clínica, análise econômica e análise de decisão. Porto Alegre: Artmed, 2010, p, 52-54. 127

“Os laboratórios farmacêuticos geralmente obtêm uma patente de uma nova droga antes do início dos

ensaios clínicos, porque é difícil manter a informação sobre a droga em sigilo a partir desse ponto. As

patentes protegem os laboratórios de concorrência durante o período de ensaios. Entretanto, os ensaios

clínicos podem consumir alguns anos; e, durante esse período, o medicamento não pode ser vendido. Isso

significa que os ensaios clínicos corroem parte dos vinte anos de vigência da patente de uma droga – o

tempo em que ela pode ser vendida sem concorrência. Por esse motivo, os laboratórios farmacêuticos têm

uma pressa terrível para ultrapassar o período dos ensaios e poder começar a comercializar a droga”.

PESSOA, Higor Rezende. Parecer CANAQUINUMABE. 2011.

62

Daí a importância da análise das informações pelo MS para decisão sobre

incorporação de novas tecnologias, inclusive, medicamentos, geralmente os mais onerosos

ao sistema. Dessa maneira,

[...] quando diversas necessidades concorrem pelos mesmos recursos, sua

priorização subordina-se à política nacional de saúde, formulada e pactuada

pelos gestores das três esferas de governo e aprovada pelas instâncias de

participação do SUS, os conselhos de saúde. A dificuldade da escolha é

diretamente proporcional à distância entre necessidades e as possibilidades

conferidas pelas atuais receitas do setor público de saúde128

.

As decisões da CONITEC pautam-se em estudos de ATS promovidos pelo

Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde (DECIT), o que

representou um ganho ao setor de incorporação de tecnologias, já que a CONITEC, além

de hoje ser a única porta de entrada para as solicitações, ainda propicia o mesmo

tratamento a todas as demandas, com base na melhor evidência científica.

Antes da existência da CITEC, as decisões eram tomadas de forma

individual por cada secretaria do MS responsável por um determinado setor, conforme suas

atribuições, sem um critério definido para tal129

. Por isso, a reunião numa única comissão,

de todas as secretarias que incorporavam tecnologias para o setor público, em parceria com

a ANVISA, representa uma evolução no sistema de saúde brasileiro. Ademais, ressalte-se

que a incorporação tratada aqui se dá no âmbito federal, o que não impede os estados e

municípios de incorporarem outros produtos para além da lista do MS, caso seja de seu

interesse e possuam recursos próprios para arcarem com tal decisão130

.

A incorporação indiscriminada de medicamentos pode ser prejudicial não

apenas para o orçamento público, mas também, aos próprios pacientes. Sobretudo, em se

tratando de “incorporação via justiça”. Em agosto de 2001, o Programa Nacional de

DST/AIDS divulgou nota oficial em que demonstrava preocupação com a grande

128

HENRIQUES, Cláudio Maierovich Pessanha. O SUS e a incorporação de novas tecnologias. Portal da

Saúde. Artigos e Publicações. Disponível em:

<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/visualizar_texto.cfm?idtxt=33161&janela=1>. Acesso em:

24 out. 2011. 129

Citam-se os exemplos da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), que tem por responsabilidade a gestão

do tratamento do HIV/AIDS e das hepatites virais, sendo incumbida, também, da incorporação das

tecnologias desta área. Ainda, a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), responsável pelo desenvolvimento

de políticas para diversas doenças, como hipertensão e diabetes, deveria definir as tecnologias que seriam

incorporadas para seus tratamentos. 130

SANTOS, Vania Cristina Canuto. As análises econômicas na incorporação de tecnologias em saúde:

reflexões sobre a experiência brasileira. 132 f. Dissertação (Mestrado) Escola Nacional de Saúde Pública,

Sérgio Arouca, Rio de Janeiro, 2010, p. 111.

63

quantidade de ações judiciais, cujas decisões favoráveis acabaram por deferir a

dispensação de um produto fitoterápico ao pacientes portadores de HIV, sem qualquer

comprovação de benefício terapêutico:

Reconhecemos que o acesso a tratamento é direito indiscutível e decisões dos

Tribunais Superiores têm obrigado a disponibilização de medicamentos de todos

os tipos, tanto para o tratamento específico do HIV, quanto de suas

complicações. Todavia, devemos estar atentos para a possibilidade de ocorrência

de interações medicamentosas impróprias e a prescrição de substâncias que não

têm eficácia e segurança reconhecidas cientificamente, tais como certos

fitoterápicos, e outros fármacos que ainda estão em fase de estudo clínico. Na

defesa contra solicitações judiciais tecnicamente inadequadas de medicamentos

anti-retrovirais ainda não padronizados e, mais recentemente, dos testes de

avaliação de resistência aos anti-retrovirais (cuja indicação parece ser mais

restrita do ponto de vista de benefício aos pacientes) deve ser ressaltado que a

literatura médico-científica mundial tem, reiteradamente, afirmado que tanto o

início como a substituição de drogas anti-retrovirais por eventual falha

terapêutica não caracterizam uma emergência médica, como grande parte dos

advogados que ajuízam esses pedidos vêm colocando em suas petições judiciais.

Freqüentemente, essa argumentação coloca os juízes em situação difícil, pois

como não são conhecedores de assunto tão especializado, vêem-se muitas vezes

obrigados a expedirem seus mandatos para disponibilização de medicamentos ou

exames para cumprimento imediato (24 a 48 horas). Assim, a Coordenação

Nacional recomenda que se solicite perícia médica judicial, com avaliação

individualizada do caso, para permitir a decisão final do juiz, da mesma forma

que normalmente ocorre com outros problemas de saúde, particularmente nas

áreas cível e trabalhista131

.

A grande quantidade de ações judiciais que visam o acesso a medicamentos

é influenciada pela burocracia e demora no processo de registro e incorporação de um novo

medicamento no SUS, já que sua inclusão nas listas públicas padronizadas decorre da

certeza de sua superioridade em relação ao medicamento utilizado até então.

No caso dos medicamentos antirretrovirais, após a aprovação e liberação da

FDA132

busca-se o registro junto à ANVISA133

, obrigatório por lei, mediante uma série de

avaliações minuciosas. Em seguida, submete-se o medicamento a um consenso terapêutico.

131

Extraído de documento do Programa Nacional de DST/AIDS divulgado em 14/08/2001 apud BRASIL,

MS, 2005, p. 28. 132

“O processo de registro de medicamentos no FDA inclui a avaliação dos ensaios clínicos em seres

humanos; a comprovação da segurança e eficácia para o uso e indicação pretendidos; a toxicidade; a

certeza de que seus benefícios compensam os riscos; a garantia de que a forma como o medicamento será

produzido irá manter as características originais do novo medicamento aprovado.” Ibidem, p. 43. 133

De acordo com o art. 8º, § 5o da Lei 9.782/99: “A Agência poderá dispensar de registro os

imunobiológicos, inseticidas, medicamentos e outros insumos estratégicos quando adquiridos por

intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso em programas de saúde pública pelo

Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas”. Exemplos de tais organismos são ao ONU e a OEA. Tal

ressalva é condizente com as finalidades estatais, tanto no âmbito nacional quanto internacional,

objetivando garantir o direito ao acesso a medicamentos e, indiretamente, a defesa da vida, da dignidade e

do desenvolvimento.

64

Somente depois de superadas essas três etapas é que o medicamento segue autorizado para

compra pelo MS, porém, acompanhando a execução orçamentária e financeira prevista na

Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, o que geralmente leva

tempo.

Se um medicamento não constar na lista dos padronizados pelo MS ou pelos

demais entes federados, pode-se consegui-lo pela via administrativa, sob certas condições

irrenunciáveis, como o registro na ANVISA134

. Também não se admite a dispensação de

medicamentos que possuam alerta da farmacovigilância acerca de eventuais efeitos

colaterais, ou ainda, uma utilização off label135

. Todas essas restrições são uma forma de

salvaguarda dos direitos da pessoa humana. Nesse sentido:

Se, por um lado, o avanço tecnológico no setor da indústria de medicamentos

trouxe inestimáveis benefícios à coletividade, por outro lado, não é menos

sentida a necessidade de incrementar os sistemas de vigilância de medicamentos

em face dos efeitos indesejáveis desses produtos, assinalados em vários centros

especializados. Centenas de medicamentos são lançados anualmente no mercado

interno dos países, precedidos de planejada propaganda, devendo, pois, o Poder

Público, adotar as medidas cautelares, a fim de diminuir os riscos advindos do

consumo imoderado desses produtos, estabelecendo adequados procedimentos

para diminuir os casos de agravos à saúde e banir as ações fraudulentas e

mistificadoras. Os usuários não devem ser vítimas da tecnologia, e seus

beneficiários não devem estar orientados apenas pela propaganda das empresas,

mas orientados para o seu bem-estar; e o lucro não deve ser obtido à custa da

saúde dos demais136

.

A incorporação de tecnologias no sistema público de saúde segue um fluxo

determinado por lei, cujas etapas incluem estudos em ATS. Tais estudos, por cuidarem de

análises éticas, sociais e econômicas, além da mera análise clínica sobre a eficácia de uma

nova tecnologia, podem pautar, não apenas decisões políticas dos gestores do SUS, mas

também decisões judiciais.

134

BARATA, Luiz Roberto Barradas; MENDES, José Dínio Vaz. Uma proposta de política de assistência

farmacêutica para o SUS. In: BLIACHERIENE, Ana Carla; SANTOS, José Sebastião dos (Org.). Direito

à vida e à saúde: impactos orçamentário e judicial. São Paulo: Atlas, 2010, p. 75. 135

Trata-se do uso de medicamento registrado na ANVISA, para tratamento de doença cuja indicação não

consta em sua bula. Alguns estudos podem defender o uso off-label de produtos, quando há evidência

científica que justifica uma indicação que não foi submetida à ANVISA no pedido de registro, em especial

por conveniência comercial. Em alguns casos, mediante forte evidência científica, o MS pode solicitar à

agência a ampliação de indicações, mesmo contrariando o interesse e a opinião do detentor de registro. 136

DIAS, Helio Pereira. Flagrantes do ordenamento jurídico-sanitário. Brasília: ANVISA, 2000, p. 43.

65

2.2 AVALIAÇÃO DE TECNOLOGIAS EM SAÚDE

A OMS estima que aproximadamente 50% dos avanços terapêuticos

disponíveis nos dias atuais não existiam há dez anos, o que atesta severas transformações

na seara da saúde. Apesar dos benefícios dessa evolução, por vezes a incorporação de

novas tecnologias médicas à prática clínica ocorre sem uma devida avaliação, inclusive de

sua eficácia e segurança137, colocando em risco a saúde da população que a elas tem acesso.

O processo de inovação tecnológica tem início perante a invenção de um

novo produto, processo, ou prática, findando quando da primeira utilização prática. Entre o

início e o fim desse processo, usualmente, procede-se a alguma avaliação econômica e

clínica, para avaliar custos, benefícios e riscos da nova tecnologia. Contudo, tais avaliações

são limitadas quanto à capacidade de prever os impactos após a difusão da tecnologia.

São diversos os fatores impactantes no que concerne à inovação no setor de

saúde, sendo os principais, a persistência da doença e de incapacidades, além de

considerações de ordem econômica, pesquisas biomédicas e legislação regulatória. Ao

final do processo de inovação, quando as novas tecnologias já estão no mercado, o

processo de difusão passa a ser direcionado por outras forças que determinarão seu grau de

aceitabilidade, como expectativas do paciente, dos profissionais da saúde, dos gestores, e

até mesmo condições geográficas e demográficas de sua comercialização138.

Após a Segunda Guerra Mundial o intenso desenvolvimento tecnológico fez

com que os gastos na área da saúde crescessem significativamente, mesmo com a limitação

de recursos, culminando na preocupação de gestores de todo o mundo com os impactos

decorrentes da situação. Em princípio, a proposta apresentada por diversos agentes de

política em saúde foi a contenção de custos. Por outro lado, profissionais de saúde

começaram a enfatizar a necessidade de avaliar os resultados de suas práticas, surgindo,

destarte, o movimento da Medicina Baseada em Evidência (MBE)139

. No entanto:

137

BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Ciência e Tecnologia em Saúde. Brasília:

CONASS, 2007a. (Coleção Progestores – Para entender a gestão do SUS, 4), p. 56. 138

BRASIL. MS, 2009b, p. 22-23. 139

O movimento da MBE incorpora nas questões individuais da prática médica o rigor metodológico advindo

de estudos populacionais e de vigilância sanitária. Ela reconhece que a experiência clínica e os

mecanismos fisiopatológicos de doenças são insuficientes para a tomada de decisão mais adequada,

66

[...] para o gestor, que deveria decidir sobre a alocação de recursos limitados

frente a uma demanda cada vez maior de intervenções, o problema não se

resolve apenas com a identificação dos benefícios ao paciente, mas necessita

também identificar pelo menos o custo da intervenção. Uma distribuição de

recursos, atendendo a princípios de eqüidade, deveria considerar: quem irá se

beneficiar, quem deveria arcar com os custos envolvidos e, inevitavelmente,

quem ficaria sem cobertura para seu problema de saúde. Paralelamente ao

movimento anterior, os economistas em saúde desenvolvem métodos

sistemáticos de associar efetividade e eficiência, incluindo a variável custo no

processo de decisão e tornando explícita a alocação de recursos limitados140

.

Nesse contexto surge a ATS, definida como “a síntese da evidência

científica disponível sobre as implicações da utilização das tecnologias em saúde, visando

orientar tecnicamente a tomada de decisão sobre a gestão de tecnologias, seja com vistas a

incorporação, descarte ou organização do acesso141

”.

Valendo-se de ferramentas da epidemiologia clínica, da estatística, da

metodologia científica e da informática para elaborar a pesquisa, o conhecimento e a

atuação em saúde, a MBE propicia o alcance da melhor informação disponível para a

tomada de decisão. Objetivamente, a MBE pode ser um instrumento útil à ATS, já que tem

por intuito a redução do nível de incerteza, de empirismo e de subjetividade nas decisões

sobre a aplicação de intervenções, o que evita erros, especialmente, quando referentes aos

abusos da utilização de novas tecnologias142

.

Adotar os conceitos da MBE perante o novo paradigma da prática sanitária

é uma necessidade que urge na medida em que se reconhece a realidade da escassez de

recursos financeiros no setor, a despeito do crescimento exponencial da demanda, o que

exige um reexame dos possíveis benefícios e custos das ações estatais, para assegurar a

efetividade das políticas públicas e a devida alocação recursos143

.

portanto, integra nas expectativas e valores pessoais dos pacientes e de seus familiares a experiência

clínica individual, com a melhor evidência externa disponível de pesquisas sistemáticas. 140

BRASIL. MS, 2009b, p. 14. 141

SILVA; SILVA; ELIAS, 2010, p. 426. 142

FOLLADOR, Wilson; SECOLI, Silvia Regina. A farmacoeconomia na visão dos profissionais da saúde.

In: NITA, Marcelo Eidi et. al. Avaliação de tecnologias em saúde: evidência clínica, análise econômica e

análise de decisão. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 251. 143

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Área de Economia da Saúde e Desenvolvimento.

Avaliação econômica em saúde: desafios para gestão no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da

Saúde, 2008d. (Série A. Normas e Manuais Técnicos), p. 7.

67

2.2.1 Definição e propósitos da ATS

O termo ATS foi cunhado pela primeira vez pelo Escritório de Avaliação

Tecnológica dos Estados Unidos, em 1976. Tratava-se de uma abordagem à política de

pesquisa, fitando o exame das consequências sociais da aplicação e do uso da tecnologia.

Sua finalidade precípua, então, seria auxiliar o gestor na tomada de decisão relacionada às

tecnologias em saúde144

.

Em relação aos demais setores da economia, o setor da saúde apresenta

algumas peculiaridades. Dentre elas, o fato de, em geral, novas tecnologias serem

agregadas ao sistema sem substituírem as antigas. Portanto, os gastos são cumulativos.

Além disso, as tecnologias em saúde apresentam impactos distintos nos

sistemas de assistência à saúde, podendo ser de grande impacto, proporcionando amplos

benefícios comprovados por evidências consistentes ou possuírem apenas um incremento

marginal, com impacto reduzido. As demais sequer são impactantes, ou ainda são

deletérias, já que não apresentam efetividade e segurança comprovadas a partir de

evidências de qualidade145.

Essas particularidades culminam no aumento do gasto agregado dos países

frente às despesas em saúde, pondo em xeque a capacidade dos sistemas de melhorarem ou

mesmo manterem seus resultados. Dentro desse quadro a ATS aparece com o objetivo de:

[...] subsidiar a tomada de decisão quanto ao uso racional das tecnologias em

saúde. Isso implica a seleção de tecnologias a serem financiadas e a identificação

das condições ou dos subgrupos em que elas deverão ser utilizadas, no sentido de

tornar o sistema de saúde mais eficiente para promover, proteger e recuperar a

saúde da população146

.

A ATS não apenas focaliza os impactos das tecnologias em saúde, como

também sistematiza informação relevante, que servirá de subsídio para decisões de gestão

e organização dos sistemas, lembrando que:

A ATS constitui um processo abrangente de investigação das conseqüências

clínicas, econômicas e sociais da utilização das tecnologias em saúde,

144

BALBINOTTO NETO, Giácomo. Utilização de diretrizes nacionais e internacionais para execução da

avaliação de tecnologias em saúde. In: NITA, Marcelo Eidi et. al. Avaliação de tecnologias em saúde:

evidência clínica, análise econômica e análise de decisão. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 507. 145

SILVA; SILVA; ELIAS, 2010, p. 424. 146

Ibidem, p. 426.

68

emergentes ou já existentes, desde a pesquisa e desenvolvimento até a

obsolescência. Apresenta como fontes de investigação: eficácia, efetividade,

segurança, riscos, custos, relações de custo-efetividade, custo-benefício e custo-

utilidade, eqüidade, ética, implicações econômicas e ambientais das tecnologias,

entre outras variáveis envolvidas na tomada de decisão dos gestores em saúde147

.

A ATS abrange ainda a avaliação econômica da incorporação dessas

tecnologias, já que, independentemente do modelo de financiamento adotado, o custo com

os cuidados em saúde é crescente na maioria dos países, donde decorre a busca pela

eficiência na alocação dos recursos. Segundo o Conselho Nacional dos Secretários de

Saúde (CONASS):

As avaliações econômicas em saúde são técnicas analíticas formais para

comparar propostas alternativas de ação, tanto em termos de seus custos como de

suas conseqüências, positivas e negativas [...]. A medida central de qualquer AE

é uma relação custo/resultados entre diferentes alternativas de intervenção e

essas avaliações se baseiam no custo de oportunidade, isto é, na compreensão de

que a aplicação de recursos em determinados programas e tecnologias implica a

não-provisão de outros (ou seja, em não benefícios para alguns)148

.

Destarte, tanto por meio de avaliação clínica, como econômica, a ATS

subsidia o processo de incorporação tecnológica, vetando inclusão de tecnologias

inapropriadas ou deletérias. No âmbito público, sobretudo, ela direciona os recursos à

incorporação das tecnologias mais adequadas ao perfil epidemiológico do país,

propiciando melhor proporção de custo-efetividade.

Nesse sentido, a ATS acaba por figurar como fator de defesa do direito

fundamental à saúde, já que, ao proporcionar ao Poder Público uma forma de minimizar

seus gastos em saúde, contendo despesas dispensáveis, favorece a melhor alocação de

recursos para políticas públicas de fato necessárias, conforme cada região.

Segundo informações do Instituto de Avaliação de Tecnologias em Saúde

(IATS)149

, os principais tipos de estudos usados em ATS são: revisões sistemáticas e

metanálises (que reúnem de forma organizada estudos científicos já existentes sobre um

novo tratamento); ensaios clínicos (geralmente utilizados na avaliação de novos fármacos,

147

BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência e Tecnologia

e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Avaliação de Tecnologias em Saúde: institucionalização

das ações no Ministério da Saúde. Revista Saúde Pública, v. 40, n. 4, p. 743-747, 2006a. Disponível em:

<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/artigo_ats_institucionalizacao_acoes_ms.pdf>. Acesso em:

10 jan. 2011, p. 743. 148

BRASIL. CONASS, 2007a, p. 65. 149

IATS. Instituto de Avaliação de Tecnologias em Saúde. O que é ATS? Disponível em:

<http://www.iats.com.br/atividades.php?id_cms_menu=9>. Acesso em: 10 jan. 2012.

69

comparam a eficácia de uma ou mais tecnologias diretamente em pacientes, em condições

controladas); estudos observacionais (avaliam o desempenho dos tratamentos de saúde no

mundo real, fora de condições controladas) e estudos econômicos (sobretudo, os de custo-

efetividade, que definem a melhor forma de se empregar os recursos financeiros de um

sistema de saúde para se obter o maior benefício para a população).

Além disso, a IATS também descreve cinco etapas para a realização de

estudos em ATS, quais sejam: Etapa 1: verifica-se a necessidade da sociedade de que uma

nova tecnologia, quando lançada, seja logo disponibilizada pelo sistema de saúde; Etapa 2:

procede-se à verificação da eficácia e segurança da nova tecnologia, valendo-se de

pesquisas já existentes, ou dando início à condução de ensaios clínicos ou estudos

observacionais; Etapa 3: faz-se avaliação econômica (custo-efetividade) da nova

tecnologia para saber se o capital nela investido proporciona tanto ou mais benefício para a

saúde do que outras opções para a mesma enfermidade, determinando-se, ainda, seu

impacto orçamentário em caso de implementação; Etapa 4: tomada de decisão do gestor do

sistema de saúde sobre a incorporação de nova tecnologia, o que considera fatores como: a

demanda da sociedade; os fatores econômicos e orçamento; os fatores políticos; os estudos

de ATS; Etapa 5: financiamento e disponibilização da nova tecnologia para a população.

A despeito da amplitude do conceito de tecnologia em saúde, sem dúvida, a

maior proporção de recursos destinados à ATS é direcionada para avaliações de

medicamentos, motivo pelo qual se escolheu essa tecnologia como foco da dissertação,

embora os produtos farmacêuticos representem aproximadamente 10-15% do total dos

custos na área de saúde, apenas. E no tocante às prioridades de avaliação, segundo o

DECIT, os principais elementos envolvidos no processo de seleção incluem:

1. gravidade e prevalência da condição de saúde: magnitude do problema,

indicadores de morbidade, mortalidade, incapacidade, carga de doença e fatores

de risco da doença ou agravo para a qual a tecnologia está sendo indicada.

2. custo social da condição de saúde: estigmas sociais, perdas da capacidade de

trabalho e de convívio social, gastos previdenciários decorrentes de

aposentadorias por invalidez, entre outros fatores que interfiram no bem-estar da

sociedade.

3. potencial dos resultados do estudo para melhorar o resultado/benefício para a

saúde: possibilidade em contribuir para a melhoria da qualidade de vida,

considerando a efetividade e a eficácia da tecnologia avaliada.

4. potencial dos resultados do estudo para mudar os custos para o sistema de

saúde: possíveis alterações, de aumento ou de redução, nos custos de

procedimentos ou de intervenções geradas pelo estudo.

70

5. potencial dos resultados do estudo para contribuir para a melhoria da

qualidade da assistência: possibilidade de gerar melhorias em todos os níveis de

atenção à saúde.

6. potencial dos resultados do estudo em reduzir os riscos para a saúde: possível

contribuição da tecnologia a ser estudada na redução dos riscos para a saúde em

relação à segurança da intervenção.

7. custo unitário ou agregado da tecnologia frente à demanda de utilização:

análise do custo da tecnologia e do seu impacto para o sistema de saúde, frente à

demanda de utilização, como tecnologias de baixo custo unitário, com grande

impacto econômico final para o sistema, dependendo da demanda, ou

tecnologias de alto custo com pequena demanda.

8. suficiente disponibilidade de evidência científica: análise da disponibilidade

de estudos de qualidade na área e da necessidade de realização de pesquisas.

9. controvérsia ou grande interesse entre os profissionais da saúde: análise dos

interesses das classes profissionais e da discussão ou discordância sobre a

efetividade da intervenção a ser avaliada, além da pressão por parte dos

profissionais.

10. exigência de ações do Estado: análise da pressão política de associações de

portadores de patologias, pesquisadores, Ministério Público, Judiciário,

organismos internacionais, países do Mercosul, para que as tecnologias sejam

avaliadas ou rapidamente incorporadas. Relaciona-se também à necessidade de

tomada de decisão reguladora quanto à incorporação ou ao abandono da

tecnologia150

.

A ATS avalia os impactos clínicos, sociais e econômicos das tecnologias em

saúde, considerando, dentre outros aspectos, a eficácia, a efetividade, os custos, a

segurança e o custo-efetividade de uma tecnologia, tendo por finalidade precípua o auxílio

aos gestores da saúde na tomada de decisão quanto à incorporação de tecnologias151

.

Cuida-se de um processo interdisciplinar sistemático, que, a despeito de sua

orientação política, considerando o ator interessado em determinada avaliação, precisa ser

enraizada na ciência e no método científico. Sua realização deve se pautar pela integridade

para que sejam válidos seus resultados, no intuito de auxiliar na formulação de políticas de

incorporação de novas tecnologias nos três níveis de governo, até porque visa, não apenas

à incorporação de novas tecnologias, mas também, ao estudo sistemático e contínuo da

eficácia e eficiência das tecnologias já existentes.

Nos anos recentes pesquisas evidenciaram a falta de inovação terapêutica

real de muitos dos medicamentos comercializados, os quais constituíram novas entidades

químicas para uso farmacêutico que não implicaram qualquer melhoria terapêutica, apesar

150

BRASIL. MS, 2006a, p. 746. 151

BRASIL. Ministério da Saúde. Avaliação de tecnologias em saúde. rev. e ampl. Brasília: Ministério da

Saúde, 2008. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ct/pub_destaques.php>. Acesso em: 17 jun.

2009.

71

do aumento de seus custos. Segundo estudos da Organização Panamericana da Saúde

(OPAS):

A incorporação de um novo medicamento à lista de produtos que recebem

financiamento público constitui um momento crítico no qual devem ser

consideradas várias circunstâncias, por exemplo, a melhoria terapêutica que o

novo produto garante. A incorporação a listas positivas ou formulários deve estar

condicionado à demonstração de suas vantagens terapêuticas e econômicas em

termos de eficiência comparados com aqueles já existentes. Isso evitaria o

problema das prescrições influenciadas por estratégias de comercialização dos

produtores e o emprego de recursos públicos no financiamento de tecnologias de

duvidosa efetividade152

.

A OPAS divulgou resultados de uma pesquisa brasileira, que confirma

estatísticas internacionais de que 70% dos medicamentos do mercado farmacêutico

mundial são duplicados, não essenciais e variantes menores de um fármaco original.

“Nesse sentido, parece essencial, especialmente para efeitos de regulação e financiamento

público, definir inovação em termos de aporte terapêutico e condicionar o financiamento

público ao alcance desse aporte153

”.

Assim, no que respeita à incorporação de novas tecnologias ao sistema

público de saúde, a ATS pode ser fundamental para evitar problemas judiciais futuros, uma

vez que possui o condão de indicar se uma determinada inovação será satisfatória, tanto

clinicamente, quanto economicamente.

Avaliações são realizadas pela indústria, pelos centros de pesquisa e pelas

universidades, sobretudo na fase de desenvolvimento da tecnologia, mencionando-se

também o interesse de outros atores, como as operadoras de planos de saúde. Nada

obstante, os órgãos governamentais necessitam de estudos de ATS pelos quais possam

estabelecer prioridades para formular políticas públicas de incorporação e reembolso.

Papel importante ainda é desempenhado pelas instituições de saúde,

sociedades profissionais e grupos de pacientes, que monitoram o uso das tecnologias e sua

eventual obsolescência, propiciando a obtenção de informações tocantes à efetividade da

tecnologia. Isso permitirá, portanto, a promoção de justiça social no acesso à saúde, já que,

152

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. O acesso aos medicamentos de alto custo nas

Américas: contexto, desafios e perspectivas. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; Ministério

da Saúde; Ministério das Relações Exteriores, 2009, p. 34. 153

Ibidem, p. 11.

72

conforme leciona Bergel154: “em um mundo caracterizado por profundas desigualdades,

não é possível falar em saúde sem nos referirmos à equidade, à solidariedade e por natural

consequência, à justiça social”.

Conquanto usual que o ponto de partida da ATS seja a tecnologia, ela pode,

na verdade, ser orientada a três focos distintos: à tecnologia em si (avaliando o impacto de

uma ou mais tecnologias); ao problema (quando objetivar a propositura de uma diretriz

clínica, a partir do estudo de questões sobre a melhor maneira de gerenciar um problema

clínico ou de saúde) e ao projeto (quando focaliza a implantação de uma tecnologia

específica)155

.

Algumas barreiras à efetiva implementação da cultura da ATS como

subsídio para tomada de decisão são ainda persistentes, a despeito de todos os esforços

empreendidos nos últimos anos. Dentre elas, a mútua descrença entre os pesquisadores e os

responsáveis pela decisão, bem como o desconhecimento das técnicas de ATS pelos

últimos. Além disso, as estratégias pouco efetivas implementadas pelos pesquisadores na

transmissão das recomendações dos estudos de ATS aos decisores e a incapacidade de

adaptar a evidência científica ao contexto da tomada de decisão156

.

Além disso, alguns campos de investigação têm encontrado barreiras no

estudo da ATS, como a Ética, por exemplo, geralmente não usada no momento da

avaliação, já que valores éticos não são inerentes à tecnologia em si, mas à sua aplicação,

motivo pelo qual a Bioética é considerada uma ferramenta à parte. Insta ressaltar que para

a efetiva implantação da ATS, há que se considerar sua natureza multidisciplinar bem

como as visões de diferentes atores, com interesses peculiares no sistema.

No presente texto, priorizou-se a perspectiva social, na qual custos e

benefícios devem ser ponderados para abranger a maior parcela possível da sociedade, vez

que o intuito é apresentar a ATS como fator de justiça social e instrumento auxiliar na

eficácia de políticas públicas e na gestão do SUS. Daí a importância da abordagem de uma

área específica da ATS, qual seja, a AES.

154

BERGEL, Salvador Darío. Responsabilidad social y salud. Revista Brasileira de Bioética, Brasília, v. 2, n.

4, p. 443-467, 2006. 155

BRASIL. MS, 2009b, p. 34. 156

SILVA; SILVA; ELIAS, p. 419.

73

2.2.2 Avaliação econômica em saúde

Embora o uso corriqueiro do termo economia remeta a meras compreensões

de natureza monetária, urge esclarecer que a economia é na verdade uma ciência social, o

que permite à ATS estabelecer as preferências das pessoas quando diante de escolhas, bem

como quais dessas escolhas trarão maiores benefícios à sociedade157

. Em um ambiente no

qual a demanda é grande e os recursos escassos, fundamentos da economia podem auxiliar

a tomada de decisão.

A AES é uma forma de ATS que auxilia as várias esferas de governo a

avaliar a possível existência de recursos suficientes para sustentar uma decisão, enquanto

garante, ao mesmo tempo, que outros serviços já consolidados não percam viabilidade,

estimando impactos orçamentários de curto e médio prazo, já que uma das maiores

preocupações da Administração Pública no âmbito social é o impacto orçamentário de uma

política. As AES:

[...] baseiam-se no custo de oportunidade, isto é, na compreensão de que a

aplicação de recursos em determinados programas e tecnologias implica a não-

provisão de outros (ou seja, em não-benefícios para alguns) [...] uma alocação

eficiente de recursos é aquela em que os custos de oportunidade são

minimizados, isto é, em que se obtém o maior valor dos recursos empregados158

.

Uma AES compara diferentes tecnologias no que se refere aos seus custos e

aos efeitos sobre o estado de saúde de uma população159

. São quatro os principais tipos de

avaliação econômica em saúde: custo-minimização, custo-efetividade, custo-utilidade e

custo-benefício. A primeira é utilizada quando duas ou mais intervenções proporcionarem

exatamente o mesmo benefício.

A segunda, encontrada com maior frequência na literatura, vale-se do

parâmetro clínico para uma doença específica, capaz de mensurar e refletir o potencial

ganho de saúde. Sua realização é vantajosa, por já se valer de muitos dados e informações

disponíveis na literatura. Por outro lado, procede apenas a uma avaliação parcial do

157

FOLLADOR; SECOLI, 2010, p. 258. 158

BRASIL. MS, 2009a, p. 13. 159

Idem, 2006c, p. 18.

74

paciente, a partir de parâmetros que não consideram seus valores e preferências, o que

reduz os resultados em qualidade de vida.

No que concerne à equidade no sistema de saúde, há que se identificar com

clareza tanto os beneficiários quanto os possíveis grupos negativamente afetados pela

incorporação de uma nova tecnologia, análise essa que deve ser realizada separadamente

dos estudos de custo-efetividade.

Na terceira avaliação, do tipo custo-utilidade, procura-se utilizar um único

parâmetro clínico relevante, geralmente a mensuração dos Anos de Vida Ajustados pela

Qualidade (QALY), como denominador comum a diversificadas doenças e especialidades.

Nessa avaliação, conferem-se os ganhos (ou perdas) em anos de vida subseqüentes a uma

intervenção em saúde, por meio da qualidade de vida durante esses anos160

.

A conveniência disso é que, pelo fator QALY, o paciente pode ser avaliado

em sua plenitude, incluindo seus valores e preferências, considerando-se tanto os

potenciais ganhos de qualidade e quantidade de vida, como eventuais conflitos entre

ambos. Nesse sentido:

A busca por métodos objetivos de avaliação do valor das intervenções em saúde

é um desafio constante. Os métodos em ATS buscam preencher a lacuna

existente entre as preferências (subjetividade) e a ciência (objetividade, validade,

reprodutibilidade). Nesse âmbito, uma das grandes dificuldades dos responsáveis

pelas decisões em saúde está na escolha de indicadores que possam representar o

maior benefício para a população. Os maiores benefícios esperados na aplicação

de intervenções em saúde são representados pela longevidade e pela qualidade de

vida161

.

Já na análise de custo-benefício, tanto os benefícios quanto os custos de uma

tecnologia em saúde são avaliados monetariamente.

Para que uma avaliação econômica seja realizada e acreditada, é necessário que

as evidências sobre o ganho de saúde adicional e uso de recursos e custos sejam

inquestionáveis do ponto vista metodológico, ou seja, é necessário reconhecer a

existência de evidências que sejam válidas e extrapoláveis para o meio em que

esta intervenção será utilizada. Somente com o exercício destes conhecimentos,

estaremos aptos a tomar decisões que aliem a ciência a uma melhor utilização

pelo sistema de saúde dos escassos disponíveis162

.

160

BRASIL. MS, 2009b, p. 93. 161

FOLLADOR; SECOLI, 2010, p. 255. 162

FERRAZ, Marcos Bosi. Avaliação econômica em saúde. In: VECINA NETO, Gonzalo; MALIK, Ana

Maria. Gestão em saúde. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011, p. 189.

75

O Ministério da Saúde apresenta as diretrizes metodológicas para estudos de

AES, nas quais se fundamentam as avaliações realizadas por este órgão, devendo ser claras

durante o estudo as seguintes características e parâmetros: caracterização do problema;

população-alvo; desenho do estudo; tipos de análise; descrição das intervenções a serem

comparadas; perspectiva do estudo; horizonte temporal; caracterização e mensuração dos

resultados; eficácia e efetividade; medidas intermediárias e finalísticas; obtenção de

evidências; qualidade de vida; medidas de benefício; quantificação e custeio de recursos;

modelagem; taxa de desconto; resultados; análise de sensibilidade; generalização dos

resultados; limitações do estudo; considerações sobre impacto orçamentário e equidade;

aspectos éticos e administrativos; conclusões e recomendações do estudo e eventuais

conflitos de interesses entre as fontes de financiamento163

.

Uma análise econômica terá sempre por finalidade esclarecer qual a melhor

alternativa tecnológica a ser escolhida para uma população, considerando-se suas

peculiaridades e a realidade da escassez de recursos. Ao seguir as diretrizes apontadas

acima, uma AES considera fatores como eficácia, efetividade, custos, risco, segurança,

custo-efetividade, impactos clínicos, sociais e econômicos.

Nesse contexto, a medida de eficácia é probabilidade de benefícios

decorrentes de uma tecnologia em condições ideais de uso. Já a efetividade retrata a

expectativa de benefício de uma tecnologia em condições normais de uso. Há que se

considerar ainda o impacto social, ético e legal, que são todos os impactos não

relacionados à efetividade, à segurança, e aos custos, incluindo as conseqüências

econômicas secundárias para indivíduos e comunidades164

.

Considerando ser a equidade um dos pilares do SUS, nesse âmbito faz-se

imperioso identificar, precisamente, quem são os beneficiários das intervenções ou

programas de saúde analisados, e também, os subgrupos que podem ser negativamente

afetados pela incorporação da tecnologia.

Partindo-se do pressuposto de que os recursos são finitos e escassos, os

custos em saúde devem ser estimados em três etapas: a partir da identificação dos custos

relevantes à avaliação, em seguida, pela mensuração dos recursos usados e por último, pela

163

BRASIL. MS, 2009a, passim. 164

Idem, 2009b, p. 29.

76

sua valoração. Ademais, os resultados do estudo deverão ser apresentados de maneira a

permitir o seu exame e revisão, uma vez que as inovações não cessam, devendo-se garantir

resultados em termos de obsolescência, seja natural, precoce ou artificial.

Compartilha-se do entendimento de Porter165 sobre o objetivo de uma

assistência em saúde, que não deve ser o de minimizar custos, mas sim, o de aumentar o

valor (importância) para os pacientes, ou seja, melhorar a qualidade da assistência em

relação aos gastos despendidos, o que inclui acesso a tecnologias.

Nessa análise, importa considerar que as avaliações nas quais se pautam as

políticas de saúde devem mensurar todo o ciclo de atendimento, e não apenas situações

pontuais, como a incorporação de um novo fármaco independente do contexto do sistema

de saúde. Não se deve, portanto, incentivar economias de curto prazo que incorram em

aumentos de gastos desnecessários em longo prazo. Por outro lado, eventualmente, um

severo dispêndio para um tratamento específico de um indivíduo num determinado

momento, pode poupar anos de gastos de assistência posterior em enfermagem, já que o

ciclo de atendimento não se resume à cura, mas também, à reabilitação para minimizar

recorrências e progressão. Nessa ótica:

Existem oportunidades para grandes melhorias no valor da assistência à saúde

através de novas tecnologias na medicina. No entanto, mais importante ainda

serão novas maneiras de se organizar, mensurar e gerenciar a prestação dos

serviços de saúde ao longo de todo o ciclo de atendimento. Existem enormes

ganhos a serem alcançados simplesmente fazendo um uso mais eficaz da atual

ciência médica. Chegamos à firme conclusão de que a tecnologia é importante,

mas que o principal problema do sistema, hoje, não é tecnologia, mas o

gerenciamento. [...] O foco no valor ao longo de todo o ciclo de atendimento, em

vez de simplesmente em custo e benefício de curto prazo, transformaria a

maneira de encarar a prestação de serviços de saúde. Por exemplo, o atual foco

no controle dos gastos com medicamentos troca economias de curto prazo com

medicamentos por despesas maiores mais adiante, leva alguns pacientes a não

cumprirem as prescrições e desestimula inovações. O foco no valor ao longo de

todo o ciclo de atendimento mudaria o curso do debate de controle de custos para

o uso mais eficaz de medicamentos e outros tratamentos, com fins a melhorar a

qualidade e a eficiência no atendimento e gestão de certas doenças específicas.

Na atual competição nem sempre é escolhido o medicamento com melhor

eficácia de custo166

.

É preciso, portanto, investigar as implicações globais da incorporação de

novas tecnologias, antes de culpar exclusivamente empresas farmacêuticas e fornecedores

165

PORTER, Michael E.; TEISBERG, Elizabeth Olmsted. Repensando a Saúde: estratégias para melhorar a

qualidade e reduzir os custos. Tradução de Cristina Bazan. Porto Alegre: Bookman, 2007, p. 100. 166

PORTER, 2007, loc. cit.

77

de tecnologias pelo incremento dos custos no sistema, uma vez que o melhor uso das

tecnologias já existentes para melhorar a qualidade de vida dos pacientes é uma ferramenta

capaz de minimizar gastos em longo prazo e ampliar o valor de um tratamento ao paciente.

No que respeita aos medicamentos, saliente-se que:

[...] na avaliação econômica global de um medicamento, distinguem a avaliação

clínica, pautada na eficácia ou na efetividade, e a ATS, baseada na eficiência, na

qual está incluído o cálculo de custos. Dessa forma, qualquer método que traga

informações sobre custos e efeitos de um medicamento pode ser utilizado como

base para a realização de uma avaliação farmacoeconômica167

.

Insta esclarecer que farmacoeconomia, de modo geral, refere-se ao conjunto

de atividades como: a gestão de serviços farmacêuticos, a avaliação da prática profissional

e a avaliação econômica de medicamento, voltadas à análise econômica no campo da

Assistência Farmacêutica. De modo peculiar, cuida da descrição e análise dos custos e das

consequências da administração de medicamentos para o paciente, para o sistema de saúde

e para a sociedade168

.

Nesse contexto, estudos de avaliação econômica podem se valer do nível

farmacológico ou terapêutico para intercambialidade de medicamentos169

, desde que haja

justificativa para uso de um ou outro. O primeiro cuida de produtos da mesma classe

farmacológica, ou seja, fármacos semelhantes em seu alvo de ação bioquímica. Já no

segundo nível estão os medicamentos da mesma classe terapêutica, o que significa

remédios direcionados ao tratamento de uma mesma enfermidade.

Em um mesmo grupo de medicamentos devem ser abordadas questões

potencialmente relacionadas à heterogeneidade, como formas, graus e efeitos dela

decorrentes, atribuindo-se a diversos fatores170

possíveis respostas diferentes a

medicamentos administrados. Fatores os quais, uma vez erroneamente considerados,

podem ocasionar diferenças na efetividade e no custo dos produtos.

Como escolha da alternativa a ser comparada, deve-se selecionar o medicamento

de menor custo e que seja mais frequentemente utilizado para a indicação clínica

167

FOLLADOR; SECOLI, 2010, p. 258. 168

BRASIL. MS, 2009a, p. 137. 169

A intercambialidade equivale à escolha de um medicamento entre dois ou mais para os mesmos fins

terapêuticos ou profiláticos. 170

Como diferenças na qualidade do medicamento, na preparação química, nas formas de aplicação, na

relação potência/dose, na biodisponibilidade, nos efeitos colaterais e no desempenho (rapidez de absorção,

efeitos).

78

em análise. Quando a avaliação econômica estiver apoiada em um estudo clínico

de efetividade, deve-se tomar por base a dose proposta no ensaio clínico. Em

estudos que tomam por base protocolos do próprio Ministério da Saúde ou de

Associações Profissionais, a dose a ser considerada deverá ser aquela

preconizada por suas respectivas diretrizes. Por fim, em análises de custo-

efetividade ou de custo-utilidade que necessitem a homogeneização das doses de

utilização de medicamentos, o estudo deverá indicar claramente a metodologia

adotada no processo171

.

A avaliação econômica de medicamentos é facilitada pela exigência para

seu registro e comercialização, bem como pelos testes clínicos rigorosos previamente

realizados para sua liberação, além da vigilância pós-comercialização, o que amplia o

volume de estudos e publicações.

Quanto à disseminação dessas informações, há que mencionar ainda a

possibilidade de uso por um país, de avaliações realizadas em outro, por meio de

transferabilidade ou adaptação172

. No que concerne aos requisitos desse intercâmbio:

A extrapolação dos resultados de avaliação econômica da saúde feitos no

exterior para o Brasil é uma tarefa extensa, mas não impossível. A objetividade e

a simplicidade devem ser levadas em consideração, da mesma forma que a

avaliação econômica apresentada deve refletir o máximo possível a realidade do

país no qual se pretende que ela seja levada em consideração. A adaptação de

uma avaliação econômica pode precisar não só da correção dos parâmetros como

também da modificação total do desenho inicial, o que denota a necessidade de

construção de uma nova avaliação adequada à realidade local. Desse modo, uma

avaliação estrangeira pode servir de inspiração, principalmente quando os

métodos se encontram disponíveis, e críticas feitas a essa avaliação estrangeira

representam um ponto fundamental a ser considerado na construção de novas

avaliações173

.

Ao se proceder a uma AES é preciso antes avaliar a tecnologia em questões

cruciais, como eficácia, efetividade e disponibilidade. Após essas análises é que se busca

uma comparação com outros medicamentos em relação a custos. Nesse sentido, é possível

saber quando uma nova tecnologia será mais efetiva que outra já existente, sem acarretar

maiores custos (ou até mesmo propiciar economia ao sistema), o que é uma questão-chave

171

BRASIL. MS, 2009a, p. 46-48. 172

Transferabilidade refere-se à utilização de resultados da avaliação conduzida em um país em outros, com

mínima ou nenhuma alteração dos métodos de dados. Adaptação refere-se à modificação do projeto

executado em determinado país, com alteração, possivelmente extensa, dos métodos e dos dados quando

adotados em outro país. Para o Brasil, considerando que a realidade de saúde local é diferente da norte-

americana e europeia, o caso mais comum é a adaptação. Cf. ARAÚJO, Gabriela Tannus Branco de;

FONSECA, Marcelo Cunio Machado. Extrapolação para o Brasil dos resultados de avaliação econômica

da saúde feitos no exterior. In: NITA, Marcelo Eidi et. al. Avaliação de tecnologias em saúde: evidência

clínica, análise econômica e análise de decisão. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 530. 173

Ibidem, p. 540.

79

para uma tomada de decisão racional. O exemplo abaixo ilustra a relevância da AES para o

SUS, nomeadamente no que concerne à alocação de recursos:

Imagine-se que o SUS ofereça indistintamente – sem considerar como se faz

hoje o perfil de segurança, eficácia (faz o que se propõe a fazer em condições

controladas) e custo-efetividade (faz o que se propõe a fazer em condições reais

e no menor custo) – aos estimados 1,9 milhão de afetados por hepatite viral

crônica do tipo C e por artrite reumatóide, respectivamente peginterferona na

primeira doença, e infliximabe, etarnecepte e adalimumabe na segunda afecção.

O custo total dos tratamentos seria de R$99,5 bilhões, nada menos que 4,32% do

PIB brasileiro. O gasto público total com ações e serviços de saúde, teria tido,

por extrapolação de dados de 2004 (3,69% do PIB), em 2006, de R$85,7 bilhões!

Ou seja, para fornecer apenas quatro produtos para o tratamento destas duas

doenças, que afetariam 1% da população, gastar-se-ía [sic.] mais que o que é

atualmente gasto com todo o atendimento feito pelo SUS com internação,

diagnóstico, cirurgias, ações de educação em saúde, vigilância sanitária e

epidemiológica, entre outros174

.

Certamente a hipótese acima não é motivo para o desprezo de quaisquer

setores da saúde pelo Estado, por mais onerosos que sejam. Trata-se apenas de uma

ilustração, que justifica a importância da devida alocação de recursos e implantação de

políticas públicas efetivas, que de fato primem pelos princípios norteadores do SUS, o que

pode ser facilitado pela AES, já que:

A avaliação econômica é uma atividade cujo objetivo é maximizar a eficácia de

programas ou projetos na obtenção de seus fins e a eficiência na alocação dos

recursos para sua consecução. Pressupõe-se, de modo inerente ao ato de avaliar

no campo da economia, a possibilidade de otimização das ações para obtenção

do melhor resultado possível a partir do uso racional dos recursos175

.

2.3 DADOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS SOBRE O USO DA ATS

A inovação incessante de tecnologias na área da saúde, principalmente

medicamentos, resulta em acréscimo nos custos de seu acesso, dificultando sua oferta aos

usuários. Nessa lógica, a ATS (propriamente dita) surge em meados da década de 1990 nos

174

BONFIM, José Ruben de Alcântara. Demandas judiciais por fármacos no Sistema Único de Saúde:

direitos dos pacientes e provas científicas para se realizar o acesso. In: KEINERT, Tânia Margarete

Mezzomo; DE PAULA, Silvia Helena Bastos; BONFIM, José Ruben de Alcântara (Org.). As ações

judiciais no SUS e a promoção do direito à saúde. São Paulo: Instituto de Saúde, 2009. (Série Temas em

Saúde Coletiva, 10), p. 140. 175

SARTI, Flavia Mori; CAMPINO, Antônio Carlos Coelho. Fundamentos de economia, economia da saúde

e farmacoeconomia. In: NITA, Marcelo Eidi et. al. Avaliação de tecnologias em saúde: evidência clínica,

análise econômica e análise de decisão. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 229.

80

países desenvolvidos, com o escopo de respaldar as decisões políticas sobre incorporação

ou exclusão de tecnologias em saúde, após avaliação de seu impacto social.

Já nos países em desenvolvimento, além da questão orçamentária perante o

incremento dos custos na saúde, o sistema ainda é pressionado pela intensa difusão de

informações técnico-científicas, cominada com a ação de laboratórios multinacionais que

criam uma demanda local pela inovação.

Não obstante seu valor como programa de pesquisa em diversos países, a

forma de organização e incorporação dos resultados da ATS no processo de formulação de

políticas públicas difere sobremaneira de um país para outro, sem se olvidar ainda das

influências de um amplo conjunto de grupos disciplinares (epidemiologistas, economistas,

etc.), setoriais (acadêmicos, gestores, profissionais de saúde), e de interesses (indústria,

pacientes, prestadores de serviço, governo)176

.

2.3.1 ATS no cenário internacional

A concepção da dimensão social da avaliação de medicamentos foi

introduzida na Noruega na década de 1940 e perdurou por mais de 50 anos, até ser

descontinuada neste país ante a ausência de regulação, ressurgindo com outra roupagem,

em países desenvolvidos, cujos sistemas de saúde, de acesso gratuito ou subsidiado,

procedem a avaliações no intuito de evitar a prescrição de fármacos que não representem

verdadeiramente um ganho terapêutico177

, o que se coaduna com os propósitos da MBE.

Dada a necessidade do fomento de pesquisas que respaldem o

direcionamento de custos nos sistemas de saúde, diretrizes para execução e orientação de

ATS têm sido adotadas desde o início da década de 1990178

por diversos países, cujas

agências ou órgãos de avaliação integram a Rede de Agências Internacionais para

176

BRASIL. MS, 2009b, p. 95. 177

BONFIM, 2009, p. 146. 178

1992: Austrália; 1994: Canadá e Japão; 1995: Espanha; 1998: Portugal, Dinamarca e Suíça; 1999:

Finlândia e Irlanda; 2000: Holanda, Inglaterra e País de Gales; 2001: Noruega; 2002: Itália; 2003: Latvia,

Lituânia, Estônia, Hungria, Federação Russa e Israel; 2004: Suécia e Cuba; 2006: França; 2007: China,

Coreia, Áustria, Alemanha, Nova Zelândia e Brasil; 2008: Bélgica, Tailândia e México. Cf.

BALBINOTTO NETO, 2010, p. 508.

81

Avaliação de Tecnologias em Saúde (INAHTA), em decorrência da patente necessidade de

cooperação e compartilhamento de informações acerca das diferentes culturas.

A INAHTA é uma rede internacional, fundada em 1993, cuja secretaria está

localizada na Suécia, que tem por missão fornecer um fórum para a identificação e a

persecução de interesses comuns à HTAi (Health Tchnology Assessment International179

),

visando acelerar o intercambio e a colaboração entre agências. Ademais, promove a

partilha de informação e comparação, evitando, portanto, duplicações desnecessárias das

avaliações. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos que conta hoje com 53

agências membros de 29 países de todos os continentes180

. Todos os seus membros são

agências de ATS, vinculadas a políticas regionais ou governo nacional181

.

A INAHTA promove uma abordagem coerente e transparente dos estudos,

por meio da divulgação on line de listas de verificação que fornecem informações

referentes à finalidade, métodos e conteúdo de um relatório de ATS. Também promove

conferências internacionais, oficinas, exposições e atividades educacionais e seminários,

além de publicar seus boletins em três línguas diferentes para facilitar o acesso de seus

membros.

No âmbito internacional os países desenvolvidos com forte financiamento

público no setor da saúde, como Reino Unido, Canadá e Austrália, cada vez mais se valem

da ATS para tomada de decisão quando da incorporação de novas tecnologias.

Um dos primeiros países a se valer da prática da ATS, em especial, da AES,

para incorporação de novas tecnologias foi a Austrália, quando, em 1993 o Ministério da

Saúde criou um departamento (Pharmaceutical Benefits Advisory Committee) para o

desenvolvimento de estudos que comparassem as vantagens das novas tecnologias em

relação às alternativas terapêuticas vigentes. Em princípio, os estudos retardavam a

179

Associação internacional de indivíduos e agências envolvidos em ATS. 180

A lista de agências internacionais vinculadas à INAHTA está disponível em seu site, divididas por países

da seguinte forma: Alemanha – DAHTA@DIMDI; Argentina – IECS; Austrália – AHTA, ASERNIP-S e

MSAC; Áustria – ITA; Bélgica – KCE; Canadá – AETMIS, AHFMR, CCOHTA, IHE e MAS; Chile –

ETESA; Cuba – INHEM; Dinamarca – DACEHTA e DSI; Espanha – AETS, AETSA, AVALIA-T,

CAHTA, OSTEBA e UETS; Estados Unidos – AHRQ, CMS e VATAP; Finlândia – FinOHTA; França –

HAS(ANAES) e CEDIT; Holanda – CVZ, GR e ZonMW; Hungria – HunHTA; Israel – ICTAHC; Letônia

– HSMTA; México – IMSS; Noruega – NOKC; Nova Zelândia – NZHTA; Reino Unido – CRD, IAHS,

NCCHTA, NHS-QIS e NHSC;Suécia – CMT e SBU; Suíça – MTU-FSIOS e TA-SWISS. 181

Disponível em: <http://www.inahta.org/>. Acesso em: 10 out. 2011.

82

incorporação de novos medicamentos, o que foi objeto de severas críticas, mas, em longo

prazo, os resultados foram positivos, observando-se um decréscimo ou estabilização dos

preços dos medicamentos da lista de produtos distribuídos gratuitamente pelo governo182

.

Enquanto na Austrália as avaliações são feitas no âmbito federal, no Canadá

os estudos em ATS são realizados por agências nas províncias. À agência nacional

(Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health) cabe a coordenação das

avaliações, o que é fomentado no país desde 1989. “Apesar de serem países com elevado

desenvolvimento, eles adotam padrões diferenciados de avaliação e incorporação de

acordo com as características sociais, culturais e de seus sistemas de saúde183

”, o que

ocorre também com a Inglaterra:

A Inglaterra, na constituição do National Institute for Clinical Excellence

(NICE), estabeleceu um novo modelo mundial nas avaliações de tecnologias.

Atualmente, o Instituto estabelece quais os segmentos e setores de Saúde a serem

avaliados, quais novos insumos precisam ser revisados e, de um modo prático,

fornece recomendações nacionais que orientam clínicos e gestores sobre as

práticas em saúde. Ele segue o modelo australiano de ATS [...] incorporando

sempre em seus segmentos uma revisão crítica de estudos econômicos existentes,

a possibilidade ou não de generalização de seus resultados e o estabelecimento

da necessidade ou não de desenvolvimento de modelos locais para estimar custos

e custo-efetividade de novas intervenções. Na maioria dos relatórios produzidos

nos últimos anos, aspectos econômicos têm sido decisivos nas recomendações

adotadas pelo grupo. A principal limitação, freqüentemente apontada pelos

autores das avaliações, é a falta de estudos econômicos para todas as tecnologias,

além da qualidade e validade questionável dos estudos existentes. Em alguns

casos, por exemplo, na avaliação das endopróteses coronarianas recobertas por

drogas (stent), o relatório do NICE [...] reconhece a eficácia da nova intervenção,

bem como sua efetividade, mas aponta uma relação de custo-efetividade

desfavorável para o sistema inglês da adoção desta nova tecnologia de forma

rotineira. Em outras situações, apesar dos resultados econômicos desfavoráveis,

os apelos clínico e ético são maiores e sobrepujam o peso das conseqüências

econômicas184

.

Nos Estados Unidos a FDA preceitua, desde a expedição de um ato

normativo em 1998, a necessidade de avaliações econômicas pelas indústrias antes da

submissão de um novo medicamento para registro. Essa linha de gestão ainda é seguida

por outros países europeus, sob diversas diretrizes que orientam modelos

182

BRASIL. MS, 2008d, passim. 183

SANTOS, 2010, p. 15. 184

BRASIL. MS, op. cit., passim.

83

farmacoeconômicos, embora os resultados dessas AES sejam confidenciais, restritos às

agências reguladoras185

. Mesmo assim, pode-se dizer que:

[...] as diversas experiências internacionais em avaliação de tecnologias

sanitárias estão definindo um novo caminho, onde a determinação do preço ou as

condições de financiamento do medicamento será resultado de uma avaliação

que considerará, não só a utilidade terapêutica agregada que aporta o novo

medicamento, como também as circunstâncias que envolvem essa inovação (se

cobre uma lacuna terapêutica anteriormente não coberta, impacto orçamentário,

necessidades da população, gravidade da patologia para as quais o medicamento

é indicado etc.). Nesse sentido, esses novos instrumentos de apoio à tomada de

decisões ajudarão a fomentar o uso racional dos medicamentos com uma série de

instrumentos como os reembolsos condicionados, que vinculam o financiamento

à realização da prescrição segundo a indicação terapêutica para a qual foi

registrada o produto, e não para outra, com as consequentes vantagens de evitar

os incentivos à prescrição ineficiente186

.

A regulação direta de preços dos medicamentos pode ser feita de várias

formas diferentes, sendo a escolha dos critérios uma faculdade da cada país, conforme sua

experiência. No Brasil, a regulação é feita por base na utilidade do fármaco, sua avaliação

econômica e comparação internacional de preços. Já em países como Colômbia, Cuba e

Equador, o custo de produção prevalece na regulação187

.

2.3.2 ATS no Brasil

Desde a década de 1980 observa-se no Brasil o interesse do estabelecimento

de uma estrutura formal para avaliação de tecnologias, que auxiliasse na incorporação no

sistema de saúde, o que foi obstado por fatores como resistência a mudanças, falta de

coordenação e recursos financeiros, dificuldades metodológicas, insuficiência de recursos

humanos para as atividades e até ausência de vontade política dos dirigentes.

Porém, o incremento dos custos, perante o reconhecimento do desperdício

de recursos, frente a uma nova ordem constitucional que primava pela garantia de direitos

fundamentais, somada à crescente intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde,

culminou na procura de meios para aprimorar os processos de decisão188

.

185

BRASIL. MS, 2008d, passim. 186

OPAS, 2009, p. 33. 187

Ibidem, p. 36. 188

BRASIL. MS, 2009b, p. 16.

84

A ATS no Brasil foi impulsionada pela afirmação do SUS no ordenamento

jurídico, sendo notadamente influenciada por seus princípios e políticas, já que:

[...] os processos decisórios em saúde no SUS são fortemente determinados pelos

contextos social, econômico e político em que as políticas de saúde são

concebidas, estruturadas e implementadas. Para tal são necessários diferentes

mecanismos de integração e articulação entre as instancias político-

administrativas dos três níveis de gestão do SUS (União, Estados e Municípios),

além de um complexo processo de cotejamento entre as decisões baseadas em

evidências científicas e o contexto decisório em que são utilizadas. Da mesma

maneira, o pressuposto constitucional – de que a saúde é um direito de todos e é

dever do Estado – determina a existência de mecanismos de avaliação crítica e

incorporação racional de tecnologias em saúde, de modo a garantir

sustentabilidade dos programas de saúde pública, bem como o atendimento aos

demais princípios do SUS, que incluem a universalidade do acesso, a equidade e

a integralidade189

.

A área de Avaliação de Tecnologias e Economia da Saúde desenvolveu 88

projetos de 2002 a 2007, sendo contemplada com R$ 5.577.971,49 (cinco milhões

quinhentos e setenta e sete mil novecentos e setenta e um reais e quarenta e nove centavos)

em recursos do MS190

.

A institucionalização da área de ATS no MS teve como marco a criação do

DECIT em 2000. Mas sua estruturação de fato se iniciou em 2003, quando da

reestruturação do DECIT e a criação do CCTI, instância ministerial responsável pela

condução de diretrizes e promoção da avaliação para incorporação de novas tecnologias no

SUS. O CCTI foi criado com os propósitos de promover estudos de ATS para subsidiar a

tomada de decisão no SUS, monitorar a utilização de tecnologias já incorporadas, capacitar

os gestores e profissionais de saúde e disseminar resultados da ATS para os gestores.

Na ocasião da 12ª Conferência Nacional de Saúde, em 2004, a ATS foi

reconhecida como instrumento estratégico para subsidiar a gestão crítica de tecnologias de

saúde. No ano seguinte, houve a realização do I Seminário Internacional de Gestão de

Tecnologias em Saúde191

, no qual se estabeleceu a cooperação interinstitucional, em

189

POLANCZYK, Carisi Anne; VANNI, Tazio; KUCHENBECKER, Ricardo S. Avaliação de Tecnologias

em Saúde no Brasil e no Contexto Internacional. In: NITA, Marcelo Eidi et. al. Avaliação de tecnologias

em saúde: evidência clínica, análise econômica e análise de decisão. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 439. 190

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamentos

de Ciência e Tecnologia. Construindo pontes entre a academia e a gestão da saúde pública. Brasília:

Ministério da Saúde, 2008b. (Série A. Normas e Manuais Técnicos), p. 44. 191

O evento ocorreu em Belo Horizonte/MG, sendo organizado em parceria a SAS, contando com a presença

de representantes da presidência da INAHTA e de agências de ATS da Argentina, Chile, Espanha, Suécia

e Canadá. Do intercambio de experiências e das recomendações emanadas do Seminário, o MS iniciou a

construção coletiva de uma política nacional que norteasse o processo de gestão de tecnologias, posteriori

85

âmbito internacional, com a associação do DECIT/SCTIE à INAHTA, o que representou

um marco para a ATS no Brasil.

Para o desenvolvimento de estudos em ATS, sob a coordenação do DECIT,

o CCTI criou em 2005 o Grupo Permanente de Trabalho em Avaliação de Tecnologias em

Saúde (GT/ATS), constituído por representantes de diversas secretarias do MS, além do

Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional de

Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), da ANVISA e da ANS.

Ainda em 2005, foi instituída a Comissão para Elaboração de Proposta para

a Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde (PNGTS), a qual foi instituída em

2009. Uma das recomendações da proposta de criação da PNGTS foi a constituição de

redes de pesquisa para realização de estudos estratégicos, o que se deu com o

estabelecimento de parcerias do MS com instituições de ensino, que fitavam à realização

de cursos de pós-graduação em gestão de tecnologias em saúde voltados para os

profissionais do SUS, o que resultou no lançamento da Rede Brasileira de Avaliação de

Tecnologias em Saúde (REBRATS) em 2008.

A REBRATS, sob a coordenação do DECIT, tem por escopo promover e

difundir a ATS no Brasil e no âmbito internacional, produzindo e disseminando estudos e

pesquisas prioritárias nessa área, mediante metodologias padronizadas que monitoram o

horizonte tecnológico e validam a qualidade dos estudos, através do uso da MBE para o

processo de tomada de decisão em saúde. A REBRATS intenta estabelecer vínculos entre

instituições gestoras do SUS, de ensino e pesquisa, unidades de saúde, hospitais,

sociedades profissionais e usuários, primando pela qualidade e excelência nas diversas

fases de avaliação de tecnologias (incorporação, difusão, abandono), no tempo oportuno e

no contexto para o qual a atenção é prestada.

Um marco normativo importante desse processo foi a elaboração da Política

Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (PNCTIS)192

, em 2004. Como

a fase de inovação e que subsidiasse a deliberação sobre o uso racional e sustentável das tecnologias no

SUS. BRASIL. MS, 2011, p. 44. 192

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento

de Ciência e Tecnologia. Política nacional de ciência, tecnologia e inovação em saúde. 2 ed. Brasília:

Ministério da Saúde, 2008c. (Série B. Textos Básicos em Saúde).

86

desdobramento dessas atividades de estruturação da ATS no Brasil, em 2009, foram

ampliadas as atividades da REBRATS e aprovada a PNGTS193

.

As atividades desenvolvidas pela REBRATS têm por escopo a redução da

assimetria de informação para a tomada de decisão frente às alternativas tecnológicas

existentes, dentre elas:

[...] publicações dos Boletins Brasileiros de Avaliação de Tecnologia em Saúde

(BRATS), dos Boletins Saúde e Economia (voltado ao público leigo, apresentam

as diferenças entre os custos mensais de tratamentos que possuem a mesma

eficácia), a participação da Rede Brasileira de Avaliações de Tecnologias em

Saúde (REBRATS) e o incentivo da criação de Núcleos de Avaliação de

Tecnologias em Saúde (NATS) em hospitais de ensino, vinculados à

universidades194

.

Para a identificação das necessidades e certeza de disponibilização dos

recursos é necessária a participação de gestores das três esferas de governo na elaboração e

condução de políticas públicas, como tem ocorrido no Brasil desde a instituição do SUS195

.

Embora ainda, em muitos lugares, haja um hiato entre os centros da pesquisa acadêmica e

a gestão pública, uma participação crescente das Secretarias de Saúde nos programas de

elaboração de pesquisas e avaliação para o SUS já é perceptível196

.

Quanto ao papel do Brasil no cenário internacional, cumpre esclarecer que o

MS passou a pertencer à maior rede mundial de cooperação em ATS, no momento em que

o DECIT integrou a INATHA, em 31 de maio de 2006.

Por todo o exposto observa-se nos últimos anos um sério esforço dos

Poderes Legislativo e Executivo tocante à formulação e execução de políticas públicas em

saúde. No que respeita ao acesso a novas tecnologias, como se viu, a ATS tem sido um

instrumento de grande valia.

193

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e

Insumos Estratégicos. Consolidação da área de avaliação de tecnologias em saúde no Brasil. Revista de

Saúde Pública, São Paulo, v. 44, n. 2, abr. 2010. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-

89102010000200022&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 14 dez. 2011. 194

CALDEIRA, Telma Rodrigues. Acesso ao medicamento: direito à saúde no marco da regulação do

mercado farmacêutico. Dissertação de mestrado – Departamento de Serviço Social, Instituto de Ciências

Humanas, Universidade de Brasília, Brasília. 2010. 179 f. Disponível em:

<http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/8378/1/2010_TelmaRodriguesCaldeira.pdf>. Acesso em:

24 out. 2011, p. 125. 195

O que fica evidente perante a presença de representantes do CONASS e do CONASEMS nas principais

comissões de elaboração de políticas públicas. 196

BRASIL. MS, 2008b, p. 9.

87

O problema é que as necessidades em saúde não cessarão, e serão maiores e

mais complexas quanto maior a disponibilidade de tecnologias nessa área. Portanto, é

preciso entender exatamente qual o papel das políticas públicas no ordenamento jurídico,

já que, a despeito de sua implementação (sem adentrar no mérito de questões como

corrupção ou incompetência da gestão), sempre haverá alguém buscando no Poder

Judiciário a garantia do seu direito à saúde. Entretanto:

Se os recursos fossem infinitos, como popularmente se pensa que sejam, o

princípio do acesso universal igualitário poderia ser facilmente concretizado pela

alocação de recursos de acordo com as necessidades de saúde de cada um. Em

face da escassez de recursos, porém, a necessidade individual é claramente

insuficiente como critério alocativo. Outros critérios são necessários para se

determinar quais, entre os inúmeros indivíduos necessitados dos recursos

escassos, terão suas necessidades atendidas, e quais não o terão, muitas vezes

com conseqüências fatais197

.

197

FERRAZ; VIEIRA, 2009.

88

3 ACESSO ÀS TECNOLOGIAS EM SAÚDE NO BRASIL: GARANTIA

DOS DIREITOS HUMANOS

Com a evolução tecnológica sem precedentes dos últimos anos, os gastos

com medicamentos cresceram significativamente em todo o mundo, sendo que estes

figuram como a principal terapêutica existente e a maior expectativa dos pacientes em

relação ao tratamento. Isso representa um grande impacto no orçamento público em saúde,

sobretudo, dos países em desenvolvimento, nos quais os medicamentos ocupam o segundo

lugar, perdendo apenas para os gastos com recursos humanos. “Diante desse quadro,

observa-se a tendência internacional para a contenção de gastos em saúde, sobretudo os

farmacêuticos, gerando a necessidade de desenvolvimento de métodos para avaliação e

controle de seu uso198

”.

Tais métodos são, na verdade, objeto de políticas públicas, as quais devem

se pautar pela participação social, a partir do interesse público, conforme preconizado num

Estado Democrático de Direito:

As políticas públicas, como instrumentos de gestão pública, concebidas a partir

do interesse público com os referenciais democráticos aduzidos, no Estado

Constitucional, necessitam ser articuladas de maneira integrada com a sociedade

civil para a efetivação dos Direitos Fundamentais199

.

Contudo, as pessoas têm interesses e necessidades diferentes. Não se deve,

portanto, aferir e delimitar o interesse público em critérios puramente quantitativos, como

se a discrepância entre os interesses da maioria e os da minoria refletisse exatamente o

caminho a ser seguido pelo Estado200

. Na verdade as metas e objetivos das políticas

públicas devem ser definidos pelo senso de justiça social. Nesse sentido, Sen entende que:

[...] todas as políticas públicas dependem de como se comportam os indivíduos e

grupos na sociedade. Esses comportamentos são influenciados, inter alia, pela

compreensão e interpretação das exigências da ética social. Para a elaboração das

políticas públicas é importante não apenas avaliar as exigências de justiça e o

alcance dos valores ao se escolherem os objetivos e as prioridades da política

198

RIBEIRO, Eliane; CROZARA, Marisa Aparecida. Farmacoeconomia aplicada ao Hospital. In: NITA,

Marcelo Eidi et. al. Avaliação de tecnologias em saúde: evidência clínica, análise econômica e análise de

decisão. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 461. 199

SILVA, Ricardo Augusto Dias, 2010. p. 160. 200

Vide o exemplo dos pacientes portadores de HIV ou deficientes. Ibidem, p. 154.

89

pública, mas também compreender os valores do público em geral, incluindo seu

senso de justiça201

.

Daí a importância de políticas na área da saúde, pautadas pelos princípios de

universalidade, equidade e integralidade do SUS, partindo-se do pressuposto de que os

usuários terão interesse em participar da elaboração desses instrumentos. Assim:

Uma das formas de enfrentar os desafios da Saúde com Equidade será constituir

sujeitos sociais comprometidos com novas utopias, estabelecendo canais de

comunicação com outros sujeitos sociais que passem da condição de usuários ou

destinatários de serviços públicos e de políticas de saúde para um patamar, mais

elevado, de parceiros e cidadãos202

.

A OMS definiu equidade em saúde como a ausência de diferenças injustas,

evitáveis ou remediáveis na saúde de populações ou grupos definidos com critérios sociais,

econômicos, demográficos ou geográficos. Já a iniquidade se traduz no fracasso para evitar

ou superar desigualdades em saúde que infringem as normas de direitos humanos,

possuindo raízes na estratificação social, o que somente será modificado, portanto, com

alteração nas estruturas do poder.

Então, no que concerne à formulação de políticas públicas equitativas em

saúde, pode-se dizer que “as análises dos direitos humanos enfatizam não somente direitos

individuais, mas também o direito das pessoas à participação informada nos processos de

tomada de decisões que afetam suas vidas e o exercício de sua liberdade203

”,

Disparidades sócio-econômicas entre diferentes áreas e grupos

populacionais podem influenciar a prestação de cuidados de saúde, o financiamento do

sistema, o nível de investimento no setor, a formação de pessoal qualificado para os

serviços de saúde, e alocação eficiente dos recursos existentes204

.

201

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:

Companhia das Letras, 2010, p. 349. 202

PAIM, Jairnilson Silva; ALMEIDA FILHO, Naomar. A crise da saúde pública e a utopia da saúde

coletiva. Salvador: Casa da Qualidade, 2000, p. 113. 203

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Comissão de Determinantes Sociais da Saúde. Rumo a um

Modelo Conceitual para Análise e Ação sobre os Determinantes Sociais da Saúde. Genebra, 2005, p. 8.

Disponível em: <http://www.determinantes.fiocruz.br/pdf/texto/T4-

2_CSDH_Conceptual%20Framework%20-%20tradução%20APF.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2011. 204

LOPEZ ACUÑA, Daniel, et al. Access to Financing of Health Care: Ways to Measure Inequities and

Mechanisms to Reduce Them. In: PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION. Equity and Health:

Views from the Pan American Sanitary Bureau. Washington, D.C.: PAHO, 2001. (Occasional Publication

n. 8). Disponível em: <http://www.paho.org/english/dbi/Op08/OP08_11.pdf>. Acesso em: 10 out. 2011.

90

Áreas mais carentes tendem a ter uma carga maior de doenças e menor

disponibilidade de recursos, de financiamento e de acesso. Nessas áreas há que se ressaltar,

ainda, a capacidade limitada para solução de problemas de saúde mais complexos, que

exigem um nível tecnológico de cuidado mais alto.

Além disso, importa considerar também que fatores culturais e sociais são

determinantes para a existência de barreiras de acesso aos cuidados, o que não é

necessariamente refletido em medidas econômicas205

. Nessa lógica de entendimento:

Uma economia pobre pode ter menos dinheiro para despender em serviços de

saúde e educação, mas também precisa gastar menos dinheiro para fornecer os

mesmos serviços, que nos países mais ricos custariam muito mais. Preços e

custos relativos são parâmetros importantes na determinação do quanto um país

pode gastar. Dado um comprometimento apropriado com o social, a necessidade

de levar em conta a variabilidade dos custos relativos é particularmente

importante para os serviços sociais nas áreas de saúde e educação206

.

Todavia, eventualmente, a desconsideração desses fatores pode ser

traduzida em violações de direitos fundamentais. Quando se trata de acesso à saúde pela

via judicial, insta ressaltar que a inefetividade da proteção dos direitos humanos não se

traduz apenas na violação dos direitos, mas também, na ineficiência da máquina estatal207

.

A execução de políticas públicas de saúde são ações afirmativas do Estado,

de natureza preventiva e organizativa, uma vez que as mudanças por elas provocadas

propiciam o bem-estar do conjunto da população. Assim:

As ações afirmativas tratam de políticas e de instrumentos utilizados pelo Poder

Público e pela iniciativa privada, com vistas à concretização de um objetivo

constitucional, qual seja, o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos

têm, direito, igualdade material já referida alhures, respeitando-se assim, por

imperativo, a dignidade da pessoa humana em sua essência208

.

205

LOPEZ ACUÑA, et al, 2001. 206

SEN, 2010, p. 70. 207

Motivo pelo qual, por exemplo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos admite o recebimento de

ações em casos de violação do direito à saúde. Como ocorreu com El Salvador, que, embora tenha

aceitado ação proposta por pacientes aidéticos que solicitavam a distribuição gratuita do coquetel

antirretroviral, não solucionou o caso em tempo hábil. Cf. INTER-AMERICAN COMMISSION ON

HUMAN RIGHTS.

culturales: estudio de los estándares fijados por el sistema interamericano de derechos humanos.

Washington, D.C., 2007. 106 p. Disponível em:

<http://www.cidh.oas.org/countryrep/AccesoDESC07eng/Accesodescindice.eng.htm>. Acesso em: 26 jun.

2009. 208

SILVA, Ricardo Augusto Dias, 2010. p. 128.

91

A garantia de acesso a medicamentos é uma ação afirmativa que tem sido

observada no SUS. Considerando-se todos os fatores supracitados, o Brasil estabeleceu

políticas tocantes à incorporação e dispensação de tecnologias, importantes no contexto

social do SUS, as quais serão adiante discutidas.

3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE PAUTADAS EM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Segundo o dicionário Aurélio209

, política seria o conjunto dos fenômenos e

das práticas relativos ao Estado ou a uma sociedade. O verbete também apresenta como

definição a “arte e ciência de cuidas dos negócios públicos” ou “habilidade no trato das

relações humanas”.

Nesse sentido, no que toca à atuação do Estado no âmbito da saúde, afirma-

se a necessidade da implementação de programas que visem à satisfação (ou garantia)

deste direito fundamental, em cumprimento ao fim social a que se destinam as ações de um

Estado Democrático, principalmente, através do devido direcionamento dos recursos

públicos às áreas mais necessárias.

Objeções quanto à alocação de recursos públicos para distribuição de

medicamentos, no contexto da análise econômica do direito, costumam induzir ao singelo

entendimento de que o benefício decorrente dessa prestação social, em detrimento do

investimento de recursos em outras políticas de saúde pública (como, por exemplo,

saneamento básico e construção de redes de água potável) é expressivamente menor210

, o

que, a priori, violaria o senso de justiça social inerente às políticas públicas.

Por outro lado, ainda que seja responsabilidade do Estado a disponibilização

de serviços essenciais (não apenas no âmbito da saúde, mas também, na área de educação e

trabalho, por exemplo), a utilização desses serviços pelo cidadão é uma escolha

209

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa dicionário.

7 ed. Curitiba: Positivo, 2008, p. 640. 210

BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva.

92

individual211

, cuja imposição não cabe ao Poder Público. E dessas escolhas podem decorrer

necessidades secundárias, que não deixam de ser fundamentais.

Portanto, não há falar em interesse público abstratamente considerado, que

deva prevalecer sobre os interesses particulares eventualmente envolvidos, até porque, a

noção de equidade incorporada ao ordenamento jurídico pressupõe um tratamento igual a

cada um na medida da sua desigualdade.

Ainda sim, quando o Estado, por qualquer motivo, não garante direitos

sociais de forma efetiva, o recurso ao Judiciário ainda é a opção mais visada, a despeito da

possibilidade de controle social das políticas públicas prevista em lei. No entanto:

O recurso ao sistema judiciário como mecanismo para tornar efetivo o acesso a

medicamentos e tratamentos que os indivíduos não obtiveram do sistema público

de saúde por vias habituais é um fenômeno crescente e merece especial atenção.

Por um lado, permite ao cidadão fazer valer seus direitos legais à saúde como

parte de seus direitos humanos fundamentais. Por outro, sua utilização

sistemática pode derivar em disfunções que tornam duvidosos os objetivos de

uso racional e eficiente de recursos sanitários limitados. Além disso, também

pode resultar em um conjunto de decisões, juridicamente vinculantes, mas

ineficientes em termos de gasto público. Trata-se de um problema nacional,

centralizado na interpretação constitucional do direito à saúde e do acesso aos

medicamentos, interpretação realizada independentemente da evidência

científica e de critérios de custo-efetividade, e que podem colocar, em algumas

situações, em risco a sustentabilidade do sistema. Resulta, portanto, que é

importante diferenciar aqueles casos em que é exigido que o Estado torne efetivo

o acesso a medicamentos essenciais para salvaguardar a vida e dignidade

humanas daqueles outros onde é solicitado a um tribunal de justiça que obrigue o

Estado a proporcionar medicamentos específicos para respectivas doenças,

habitualmente de alto custo e sob proteção de patente212

.

Um dos fatores mais relevantes no incremento dos custos em saúde é a

utilização de tecnologias cada vez mais caras e de uso específico. Ademais, na área da

saúde, a incorporação tende a ser cumulativa, e não substitutiva213

. Daí a importância de

políticas públicas eficazes em saúde, que consigam gerir as tecnologias de modo a cumprir

os princípios de universalidade, equidade e integralidade do SUS214

.

211

SEN, 2010, p. 367. 212

OPAS, 2009, p. 24. 213

BRASIL. MS, 2008d, p. 12. 214

No que toca à elaboração de políticas públicas no SUS não há hierarquia entre os três entes federativos,

mas, competências específicas para cada gestor. No âmbito municipal, as políticas são aprovadas pelo

Conselho Municipal de Saúde (CMS); no âmbito estadual, são negociadas e pactuadas pela Comissão

Intergestores Bipartite (CIB) (composta por representantes das secretarias municipais de saúde e secretaria

estadual de saúde) e deliberadas pelo Conselho Estadual de Saúde (CES) (composto por vários segmentos

da sociedade: gestores, usuários, profissionais, entidades de classe, etc.); e, por fim, no âmbito federal, as

93

As políticas públicas, entendidas como ações que se destinam à alteração

das relações sociais existentes, comandadas por entes estatais, refletem o momento em que,

por meio de seus órgãos, o Estado estabelece gastos no orçamento e os realiza com o

escopo de promover os Direitos Fundamentais, ocasião em que passa a configurar tema de

interesse para o direito.

Na percepção de Bucci, quando o direito concebe políticas públicas, aceita

maior entrelaçamento entre as esferas jurídica e política, evidenciando os processos de

comunicação na estrutura burocrática do poder, Estado e Administração Pública215

.

Diante disso, o direito à saúde deve ser interpretado dentro da vasta gama de

dimensões dos determinantes de saúde, o que significa conferir se as políticas estatais são,

em sua totalidade, adequadas para enfrentar tais determinantes. Ainda que sejam, isso não

seria suficiente para garantir o mais alto grau de saúde possível a toda a população, uma

vez reconhecida a finitude dos recursos disponíveis, já que esse não é o único bem do qual

a sociedade necessita usufruir216

.

Dessa realidade decorre a necessidade de escolhas, o que é feito quando da

elaboração das políticas públicas, cujas principais, no que concerne à incorporação e

dispensação de medicamentos pelo sistema público, serão adiante abordadas.

Em que pese o fenômeno da judicialização da saúde, sobretudo no que

respeita ao acesso a medicamentos de alto custo (como visto no Capítulo 1), não se pode

dizer que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil têm estado inertes ou omissos. Ao

menos, no que concerne à elaboração de instrumentos que tendem ao alcance dos direitos

nessa área, como os que serão apresentados no tópico seguinte, já que, por meio destes

instrumentos (cujas diretrizes aludem às ATS) o Estado garante aos cidadãos o acesso às

tecnologias em saúde.

políticas do SUS são negociadas e pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) (composta por

representantes do Ministério da Saúde, das secretarias municipais de saúde e das secretarias estaduais de

saúde). 215

BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p.

242. 216

FERRAZ; VIEIRA, 2009.

94

3.1.1 Política Nacional de Medicamentos

A Política de Medicamentos no Brasil, efetivamente, iniciou-se em 1971,

quando da criação da Central de Medicamentos (CEME), cujo escopo era o fornecimento

de remédios à população carente. O Brasil elabora listas de medicamentos considerados

essenciais desde 1964, sendo que a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais

(RENAME)217

, como é conhecida hoje, foi homologada em 1980, pela Portaria

Interministerial n. 6 MPAS/MS218

, sendo periodicamente atualizada até os dias atuais.

Medicamentos essenciais são considerados pela OMS como os que

satisfazem as necessidades de atenção à saúde da maioria da população, selecionados

conforme sua relevância na saúde pública, após estudos comparados de custo-efetividade

que provem sua eficácia e segurança. Ou seja, não se trata de medicamentos de “segunda

categoria”, mas sim, os selecionados para tratamentos mais efetivos com o menor custo,

considerando-se as necessidades da coletividade. A esse respeito:

Foi durante a 28ª Assembléia Mundial de Saúde em 1975 que a OMS

estabeleceu a necessidade do atendimento mínimo aos medicamentos essenciais.

Estes devem constar de listas atualizadas periodicamente (a primeira é de 1977 e

foi emitida pela própria OMS) e contar com o apoio técnico de profissionais

especializados para o apontamento de formas de aquisição e preços, mantendo-se

217

O Ministério da Saúde é responsável pela publicação da Relação Nacional de Medicamentos – lista com

os medicamentos essenciais para tratar as doenças mais comuns na população. Com base nela, estados e

municípios constroem sua própria relação de medicamentos. A lista encontra-se na sétima edição -

RENAME 2010 - e possui 343 fármacos, 8 produtos correspondentes a fármacos, 33 imunoterápicos, em

372 DCB distintas, contidas em 574 apresentações farmacêuticas. Na RENAME, constam os nomes dos

princípios ativos dos medicamentos, baseados na Denominação Comum Brasileira (DCB) – denominação

do fármaco ou princípio farmacologicamente ativo aprovado pelo órgão federal responsável pela

vigilância sanitária. Estes medicamentos possuem um ou mais princípios ativos, registrados na ANVISA e

que apresentam menor custo nas etapas de armazenamento, distribuição, controle e tratamento. Além

disso, todas as fórmulas apresentam valor terapêutico comprovado, com base em evidências clínicas. O

Brasil elabora listas de medicamentos considerados essenciais desde 1964. Em 2005, o Ministério da

Saúde instituiu a Comissão Técnica e Multidisciplinar de Atualização da RENAME (COMARE).

Participam da revisão 20 membros, entre representantes de universidades brasileiras, entidades civis e

científicas, além das três instâncias gestoras do SUS. Todos os membros firmaram Termo de Declaração

de Interesses, nos moldes exigidos internacionalmente. O termo delimita o tipo de vínculo que o membro

da COMARE possa vir a ter com um trabalho financiado por empresa privada. Além disso, o participante

da COMARE, ao iniciar cada reunião deve declarar inexistência de conflito para as votações que serão

realizadas naquele encontro. Cf. PORTAL DA SAÚDE. Disponível em:

<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=32820&janela=1>.

Acesso em: 24 out. 2011. 218

MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. Ministério da Saúde. Portaria

Interministerial n. 6 de 18 de março de 1980. Homologa a relação nacional de medicamentos essenciais -

RENAME, atualizada pela Central de Medicamentos - CEME, constante da presente portaria. Diário

Oficial da União, Brasília, DF, 20 mar. 1980.

95

a qualidade. Mas, além dessa atuação, os países devem estender o atendimento

da saúde à população que estiver afastada do sistema público219

.

Cumpre esclarecer que uma lista de medicamentos essenciais também inclui

opções terapêuticas destinadas às situações de assistência à saúde de média e alta

complexidade, ainda que seu custo seja elevado, o que não o excluirá da lista de

financiamento público, caso represente a melhor opção de tratamento para uma patologia

epidemiologicamente relevante.

De acordo com a OMS, por serem imprescindíveis à realização de uma

efetiva política de medicamentos, “devem estar sempre disponíveis, nas quantidades

adequadas, nas formas farmacêuticas requeridas e a preços que os indivíduos e a

comunidade possam pagar220

”. Porém, apesar da importância da elaboração e atualização

dessa lista, e mais ainda, da efetivação de um plano detalhado para sua implementação, na

virada do século muitos países não possuíam uma política nacional de medicamentos, o

que os tornava inadimplentes com suas obrigações decorrentes do direito à saúde221

.

No âmbito judicial, quando levantada a discussão sobre a definição do que

seria medicamento essencial, em regra, a Administração Pública alega que, quando houver

medicamentos alternativos para determinada moléstia, os requisitados judicialmente

podem não ser essenciais. Justificativa que por vezes fundamenta a negativa da prestação

jurisdicional.

Entretanto, insta ressaltar que a autoridade competente para afirmar quais

são os medicamentos essenciais para o indivíduo, ou não, em cada caso, é o médico. Meros

pareceres administrativos não devem pautar restrições de acesso a outros medicamentos,

eventualmente mais eficazes, o que fere direitos fundamentais222

.

A CF/88, ao instituir o SUS no Brasil223

, fundamentou a Política Nacional

de Medicamentos224

que hoje existe no país. Conforme publicação do MS:

219

CARVALHO, 2007, p. 20. 220

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento

de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Relação nacional de medicamentos essenciais:

RENAME. 7 ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. (Série B. Textos Básicos de Saúde), p, 15. 221

HUNT; KHOSLA, 2008. 222

CARVALHO, op. cit., p. 90. 223

Desde a promulgação da CF/88, algumas leis e atos normativos se destacam na evolução da legislação

tocante a incorporação e dispensação de medicamentos pelo SUS, como: a Lei n. 8.080/90 que regula as

96

A Política Nacional de Medicamentos, como parte essencial da Política Nacional

de Saúde, constitui um dos elementos fundamentais para a efetiva

implementação de ações capazes de promover a melhoria das condições da

assistência à saúde da população. [...] O seu propósito precípuo é o de garantir a

necessária segurança, eficácia, qualidade dos medicamentos, a promoção do uso

racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais. A Política de

Medicamentos aqui expressa tem como base os princípios e diretrizes do SUS e

exigirá, para a sua implementação, a definição ou redefinição de planos,

programas e atividades específicas nas esferas federal, estadual e municipal. Esta

Política concretiza metas do Plano de Governo, integra os esforços voltados à

consolidação do SUS, contribui para o desenvolvimento social do País e orienta

a execução das ações e metas prioritárias fixadas pelo Ministério da Saúde.

Contempla diretrizes e define prioridades relacionadas à legislação – incluindo a

regulamentação – inspeção, controle e garantia da qualidade, seleção, aquisição e

distribuição, uso racional de medicamentos, desenvolvimento de recursos

humanos e desenvolvimento científico e tecnológico225

.

A PNM, aprovada pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e pelo CNS

foi efetivamente instituída pela Portaria GM/MS n. 3.916/98. Dentre as suas prioridades

está a revisão permanente da RENAME. O intuito da PNM, além de promover o uso

racional e acesso da população aos medicamentos essenciais, é ainda o de garantir a

segurança, eficácia e qualidade dos mesmos conforme as diretrizes seguintes:

Adoção de Relação de Medicamentos Essenciais: meio fundamental para

orientar a padronização da prescrição e do abastecimento de medicamentos;

ações e serviços de Saúde; a Lei n. 9.294/96 que regulamenta o Decreto n. 2.018/96, o qual dispõe sobre a

restrição ao uso e à propaganda de medicamentos; a Lei n. 9.279/96 que regula direitos e obrigações

relativos à propriedade intelectual; a Lei n. 9.313/96 que dispõe sobre a distribuição gratuita de

medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS; a Portaria GM/MS n. 3.916/98 que aprova a

Política Nacional de Medicamentos; a Portaria GM/MS n. 344/98 que dispõe sobre medidas de

fiscalização de substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial; a Lei n. 9.782/99 que define o

Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a ANVISA e dá outras providências; a Lei n. 9.787/99 que

dispõe sobre a vigilância sanitária e estabelece o medicamento genérico; o Decreto n. 3.181/99 que dispõe

sobre a Vigilância Sanitária e o medicamentos genérico e sobre nomes genéricos em produtos

farmacêuticos; a Portaria GM/MS n. 176 que estabelece critérios e requisitos para a qualificação dos

municípios e Estados ao Incentivo à Assistência Farmacêutica Básica e define valores a serem

transferidos; a Portaria SPS/MS n. 16/00 que estabeleceu o elenco mínimo o obrigatório de medicamentos

para a pactuação na atenção básica; a Lei n. 10.213/01 que definiu normas de regulação para o setor de

medicamentos e criou a Câmara de Medicamentos; a Portaria GM/MS n. 131 que constituiu a Comissão

Técnica e Multidisciplinar de Atualização da RENAME; a Resolução ANVISA/MS n. 47 que dispõe sobre

embalagens dos medicamentos genéricos; a Lei n. 10.742/03 que definiu normas para o setor farmacêutico

e criou a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED); a Resolução ANVISA/MS n. 4

que definiu o Preço Fabricante e o Preço Máximo ao Consumidor de medicamentos; o Decreto n. 5.090/04

que instituiu a Farmácia Popular do Brasil; a Portaria GM/MS n. 843 que criou a Rede Brasileira de

Produção Pública de Medicamentos; o Decreto n. 5.775/06 que dispôs sobre o fracionamento de

medicamentos, dentre outros. 224

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Gabinete do Ministro. Portaria nº 3.916, de 30 de outubro de 1998. Aprova a

política nacional de medicamentos, cuja íntegra consta no anexo desta portaria. Diário Oficial da União,

Brasília, DF, 10 de nov. 1998. 225

BRASIL. MS, 2001, p. 9.

97

Regulamentação Sanitária de Medicamentos: enfatiza o controle do

registro de medicamentos e a autorização para o funcionamento de empresas

e estabelecimentos, além de buscar restringir e eliminar produtos que

revelem-se inadequados ao uso, consoante informações decorrentes da

farmacovigilância;

Reorientação da Assistência Farmacêutica: ações que tenham por escopo

a implementação, nas três esferas do SUS, de todas as atividades

relacionadas à promoção do acesso da população aos medicamentos

essenciais, facilitadas pela ATS;

Promoção do Uso Racional de Medicamentos: especial atenção às

repercussões sociais e econômicas do receituário médico, sobretudo, no

nível ambulatorial, no tratamento de doenças prevalentes, além da ênfase ao

processo educativo dos usuários no tocante à necessidade da receita médica

para dispensação de medicamentos tarjados, e quanto aos riscos da

automedicação, da interrupção e da troca da medicação prescrita;

Desenvolvimento Científico e Tecnológico: incentivo à revisão das

tecnologias de formulação farmacêutica e dinamização de pesquisas na área,

além de ser continuidade e expansão do apoio a pesquisas que visem o

aproveitamento do potencial terapêutico da flora e fauna nacionais,

enfatizando-se a certificação de suas propriedades medicamentosas, com

estímulo ainda de medidas de apoio ao desenvolvimento de tecnologia de

produção nacional de fármacos, em especial os constantes da RENAME;

Promoção da Produção de Medicamentos: concentração de esforços no

para o estabelecimento de uma efetiva articulação das atividades de

produção de medicamentos da RENAME, a cargo dos diferentes segmentos

industriais (oficial, privado nacional e transnacional);

Garantia da Segurança, Eficácia e Qualidade dos Medicamentos:

atividades de inspeção e fiscalização, com as quais é feita a verificação

regular e sistemática de medicamentos, para garantir sua qualidade,

segurança e eficácia, em cumprimento à regulamentação sanitária;

Desenvolvimento e Capacitação de Recursos Humanos: essa diretriz se

configura nos mecanismos privilegiados de articulação intersetorial, para

que o setor saúde possa dispor de recursos humanos, tanto em qualidade

98

como em quantidade, sendo responsabilidade das três esferas gestoras do

SUS seu provimento adequado e oportuno;

Destarte, entre seus principais objetivos estão: o estabelecimento da relação

de medicamentos essenciais, a reorientação da assistência farmacêutica, o estímulo à

produção de medicamentos e a sua regulamentação sanitária226

.

Nesse contexto, a conjugação dos dispositivos da CF/88, da LOS e da PNM

atribui a cada uma das esferas de gestão do SUS uma responsabilidade e competência

determinada para a garantia do direito à saúde e acesso a medicamentos, sendo

estabelecida a obrigação de se implementar cooperação técnica e financeira intergestores.

O que envolve a aquisição direta e transferência de recursos, com base na realidade

epidemiológica de cada região, priorizando-se os medicamentos essenciais e de

denominação genérica.

Apesar disso, a responsabilidade do Brasil em matéria de política pública

voltada ao acesso de medicamentos não se resume à dispensação de medicamentos

essenciais, mas abarca todo e qualquer medicamento necessário à vida digna, inclusive, os

de uso excepcional, que são os medicamentos utilizados em doenças raras, geralmente de

alto custo, que atende a casos específicos. As necessidades individuais devem ser

contextualizadas na política de medicamentos sob a noção de justiça distributiva.

E para que haja menor dispêndio e maiores resultados sociais em termos

financeiros, a PNM prioriza o uso racional dos medicamentos227

. A OPAS ressalta a

relevância do uso racional de fármacos para a equidade em saúde:

O desenvolvimento do uso racional do medicamento exige um correto

reconhecimento por parte de todos os atores, para o qual é imprescindível a

sensibilização, a capacitação e fortalecimento institucional nos diferentes níveis,

tanto decisórios quanto de implementação. Uma política de Estado que, além do

acesso a medicamentos de qualidade, contemple uma estratégia para promover

seu uso racional, estará favorecendo a equidade e evitando a utilização

inadequada dos mesmos228

.

226

BRASIL. MS, 2001, passim. 227

É o processo que compreende a prescrição apropriada; a disponibilidade oportuna e a preços acessíveis; a

dispensação em condições adequadas; e o consumo nas doses indicadas, nos intervalos definidos e no

período de tempo indicado de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade. 228

OPAS, 2009, p. 39.

99

Importante notar uma das responsabilidades das esferas de governo

previstas pela PNM, tocante à articulação intersetorial entre os Ministérios da Saúde e da

Justiça, que intenta efetivar medidas para coibir eventuais abusos econômicos na área de

medicamentos, com base nas Leis Antitruste229

, da Livre Concorrência e de Defesa do

Consumidor.

Mas, ao contrário de outras classes do direito à saúde, o direito ao acesso a

medicamentos engloba tanto interesse público quanto privado. O primeiro, por

corresponder a direito humano fundamental, garantido constitucionalmente. O segundo, em

decorrência da necessidade de P&D, a partir de investimentos da iniciativa privada para a

fabricação de medicamentos, geralmente sob a proteção da propriedade industrial. Assim:

[...] englobados pelo direito à saúde, as políticas adotadas no mercado de

medicamentos possuem importância não só econômica como também social.

Não há dúvida, portanto, de que esse “objeto híbrido”, por estar situado entre

terapêutica e bem de consumo, requer que a atuação do Estado nessa seara

considere, dentre outros fatores, os aspectos de natureza mercadológica. Uma

intervenção estatal eficaz no campo dos medicamentos exige, assim, a análise do

mercado farmacêutico, para que se conheça a influência da indústria

farmacêutica e suas estratégias de mercado, sem olvidar as demais variáveis e

atores que compõem esse cenário, para que se possa formalizar uma política que

atenda verdadeiramente os interesses da população, isto é, sem que se

prejudiquem os investimentos econômicos realizados pela indústria

farmacêutica230

.

A esse respeito cabe referência ao Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de

Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) que entrou em vigor em 1º de

janeiro de 1995 para todos os países da Organização Mundial do Comércio (OMC),

estabelecendo padrões mínimos de proteção à propriedade intelectual, inclusive de

medicamentos. Tais padrões determinam que patentes serão concedidas por um período

mínimo de 20 anos para produtos e processos que atendam aos requisitos de novidade,

atividade inventiva e aplicação industrial231

.

Estabelece, ainda, proteção contra o uso comercial e desleal de testes de

medicamentos, o que poderia incitar o desenvolvimento de novos fármacos sob a proteção

229

Regra de direito destinada a evitar que várias empresas se associem e, assim, passem a constituir uma

única, acarretando o monopólio de produtos e ou de mercado. BRASIL. MS, 2001, p. 36. 230

DALLARI; NUNES JÚNIOR, 2010, p. 173. 231

No Brasil, foi editada em 1996 a Lei de Propriedade Industrial, como fruto dos compromissos assumidos

em decorrência do TRIPS, a qual prevê em seu art. 8º os requisitos para obtenção de patentes conforme os

termos do acordo. BRASIL. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à

propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 de mai. 1996.

100

de patentes, ao limitar a concorrência. Porém, na prática, isso dificulta ou impede o acesso

a novas tecnologias, sobretudo, pelos países em desenvolvimento, já que estimula a prática

de preços altos ao propiciar a detenção patentária aos laboratórios, por até 20 anos,

bloqueando a concorrência de versões genéricas mais baratas232

.

Dessa forma, uma das consequências do acordo TRIPS é a exclusão social,

haja vista que o sistema de patentes, no que concerne aos medicamentos, culmina no

aumento de preços ao consumidor, uma vez que concentra as pesquisas em remédios

vendáveis em mercados ricos. Em termos estatísticos, Comparato expõe dados da OMS

que apontam que em 1999 apenas 0,2% dos gastos mundiais em P&D no setor saúde eram

voltados a doenças prevalentes como pneumonia, tuberculose e diarréia, que correspondem

a 18% do total das doenças existentes em todo planeta, sendo que apenas 1% das fórmulas

medicamentosas patenteadas no mundo destinavam-se à cura de doenças tropicais233

.

Diante dessa situação, durante reunião ministerial da OMC em 2001, em

Doha, no Qatar, as negociações reconheceram a primazia da saúde sobre interesses

comerciais, reafirmando o direito dos países em se valerem de ressalvas previstas no

próprio TRIPS para superar as barreiras à promoção do acesso a medicamentos234

. Nas

palavras de Dallari e Nunes Júnior:

A afirmação constitucional do Brasil como um Estado Democrático de Direito

implica o reconhecimento das situações complexas do século vinte e um, mas

importa, sobretudo, a afirmação de que existe um caminho juridicamente

adequado para compatibilizar as reivindicações de direitos aparentemente

contraditórios. Nesse sentido, já foi demonstrada a premente necessidade de que

as autoridades sanitárias, ao mesmo tempo, respeitem a justa obrigação de

proteção das patentes obtidas pela indústria farmacêutica e coíbam todos os

abusos que impeçam ou dificultem o acesso aos medicamentos, elementos

essenciais à manutenção da saúde pública. Ora, é a própria letra do art. 5º,

XXIX, que ilumina o caminho para compatibilizar tais exigências

constitucionais: a proteção aos direitos de propriedade intelectual deverá ser

assegurada tendo em vista o “interesse social” e o “desenvolvimento tecnológico

e econômico do país”. Pois, apenas a proteção dos valores sociais pode justificar,

232

Quanto aos medicamentos genéricos, vide nota 122. Saliente-se que, normalmente, a OMS vincula o uso

dos genéricos aos medicamentos essenciais e determina que os países devem incentivar o desenvolvimento

de pesquisas, no mínimo, destes fármacos, para facilitar o acesso em decorrência da redução de preços, o

que abrangeria uma boa parcela da sociedade. Porém, a constatação da OMS é de que, nos países da

América Latina praticamente 30% (trinta por cento) dos gastos em saúde são direcionados à aquisição de

medicamentos, sobretudo, em razão da pouca quantidade de P&D nessa área. CARVALHO, 2007, p. 181. 233

COMPARATO, 2008, p. 539. 234

MÉDICOS SEM FRONTEIRAS. O acordo TRIPS. Disponível em:

<http://www.msf.org.br/conteudo/126/o-acordo-trips/>. Acesso em: 07 jan. 2012.

101

em um Estado Democrático de Direito, o cerceamento a qualquer direito

individual235

.

Além do preço, há outras barreiras de acesso236

. Pesquisas de medicamentos

e métodos diagnósticos são orientadas pelo potencial mercado consumidor, e não, pelas

necessidades reais da população.

Além disso, o tempo que uma nova tecnologia leva para estar disponível a

um paciente pode ser longo, em razão da burocracia do sistema, o que configura mais uma

barreira ao acesso. Daí a importância da ATS como instrumento facilitador da tomada de

decisão.

3.1.2 Política Nacional de Assistência Farmacêutica

Assistência Farmacêutica é um conjunto de ações que vão desde o

abastecimento de medicamentos nas instituições de saúde, passando pelo atendimento

ambulatorial/hospitalar até o fornecimento dos remédios para tratamento prescrito por

médico responsável. Nesse contexto, pode-se dizer também que a Política de Assistência

Farmacêutica no Brasil teve início em 1971 quando da criação da CEME.

Contudo, ao presente estudo cabe uma análise da PNAF237

como ela é

conhecida hoje. Aprovada pelo CNS em 2004, ela é um desdobramento de uma das

diretrizes da PNM, e define a utilização da RENAME como um de seus eixos estratégicos.

235

DALLARI; NUNES JÚNIOR, 2010, p. 184. 236

Segundo a OPAS, são vários os fatores que constituem barreiras de acesso ao medicamento, dentre os

quais: 1. Problemas de Pesquisa e Desenvolvimento: a falta de pesquisa e desenvolvimento de

medicamentos para patologias predominantes no país e na região; 2. Problemas de Disponibilidade: que se

constatam quando um medicamento foi desenvolvido, sua segurança e eficácia foram testadas, mas não há

no país uma oferta suficiente do mesmo; 3. Limitações dos Serviços de Saúde: em relação ao acesso a

medicamentos, pode-se dizer que existem as mesmas barreiras de acesso que existem nos serviços de

saúde (barreiras culturais, geográficas, cobertura e legais); 4. Limitações no Sistema de Fornecimento: o

fornecimento de provimentos médicos envolve uma função-chave e configura um subsistema de todo

sistema de saúde; 5. Limitações na Acessibilidade: implica uma dimensão econômica: desequilíbrio entre

os recursos disponíveis para financiar os medicamentos e o custo total pago pelos mesmos. OPAS, 2009,

passim. 237

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução nº 338, de 06 de maio de 2004. Aprova a Política

Nacional de Assistência Farmacêutica, estabelecida com base nos princípios constantes no anexo desta

portaria. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 de mai. 2004.

102

Isso porque essa lista racionaliza as ações no âmbito da assistência

farmacêutica, além de também orientar a política pública de desenvolvimento científico e

tecnológico. A RENAME possui um papel que se estende além das questões assistenciais,

figurando ainda como estratégia para o desenvolvimento do setor produtivo nacional,

apontando prioridades no âmbito da produção de medicamentos e desenvolvimento

tecnológico de insumos estratégicos para a saúde, no intuito de capacitar o setor de P&D

do país para atender às necessidades do SUS238

.

Para muitos gestores o conceito de assistência farmacêutica ainda

permanece centrado no binômio aquisição e distribuição de medicamentos. Todavia, a

PNAF, assim como a PNM, tem o escopo de garantir a segurança, a eficácia e a qualidade

dos medicamentos. E para alcançar tais objetivos, os gestores devem atuar de forma

sistemática em cada etapa do ciclo da assistência farmacêutica, quais sejam: a seleção,

programação, aquisição, armazenamento, distribuição e dispensação de medicamentos239

.

No âmbito do SUS, a compra dos medicamentos básicos é descentralizada

para as secretarias estaduais e municipais de saúde, sendo responsabilidade do MS a

compra de medicamentos incluídos em programas específicos do próprio Ministério,

enquanto os medicamentos excepcionais240

, embora comprados pelas secretarias estaduais

de saúde por meio de processos licitatórios, são ressarcidos pelo Governo Federal mediante

comprovação de entrega ao paciente241

.

Nem a LOS, tampouco a CF/88 estabelecem competências para a

distribuição de medicamentos, sendo os critérios para tanto, definidos por atos

administrativos, dentre eles, o que estabeleceu a PNM. Como já dito antes, a elaboração da

RENAME é competência do gestor federal, a despeito da inexistência de impedimento

para elaboração de listas complementares pelos demais entes federados, cabendo aos

Municípios a execução da PNAF.

238

BRASIL. MS, 2010, p. 9. 239

BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Assistência Farmacêutica no SUS. Brasília:

CONASS, 2011. (Coleção Para Entender a Gestão do SUS 2011, 7), passim. 240

Medicamentos excepcionais são os considerados de alto custo ou para tratamento continuado, como para

pós-transplantados, síndromes – como Doença de Gaucher – e insuficiência renal crônica. 241

BRASIL. Ministério da Saúde. Entendendo o SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em:

<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=136>. Acesso em: 28 dez. 2009.

103

Muito se falou sobre o acesso aos medicamentos incorporados ao SUS, já

que no Brasil, todo cidadão tem o direito ao acesso gratuito aos medicamentos, geralmente

disponíveis em postos de saúde da rede pública, inclusive, nos casos de medicamentos para

doenças raras. No entanto, eventualmente o remédio pode faltar na rede, em razão de

diversos fatores relacionados à gestão do sistema.

Por isso, dentro das políticas de saúde do Governo Federal há programas

que facilitam o acesso aos medicamentos essenciais por meio de subvenções para compra,

em farmácias e drogarias privadas cadastradas, de medicamentos prescritos por médico da

rede pública242

.

3.1.3 Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde

Segundo publicação do MS:

[...] a Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde (PNGTS) é o

instrumento norteador para os atores envolvidos na gestão dos processos de

avaliação, incorporação, difusão, gerenciamento da utilização e retirada de

tecnologias no Sistema. Não abrange, porém, as fases de Pesquisa e

Desenvolvimento ainda que possa subsidiar na identificação de prioridades no

ciclo de vida das tecnologias em saúde243

.

Instituída pela Portaria GM/MS n. 2.690/09, a PNGTS244

é fruto de uma

construção coletiva, publicada após submissão para consulta pública à sociedade e

amplamente discutida no âmbito do CNS, tendo recebido ainda contribuições relevantes do

CONASS e CONASEMS. Foi uma pactuação entre a CIT e a sociedade, com aprovação

unânime dos conselheiros do CNS245

.

A PNGTS define gestão de tecnologias em saúde como “[...] o conjunto de

atividades gestoras relacionado com os processos de avaliação, incorporação, difusão,

gerenciamento da utilização e retirada de tecnologias do sistema de saúde246

”. Tais

242

Exemplo disso é o Programa Farmácia Popular, instituído em 2004, que hoje oferta 113 medicamentos,

reduzindo em até 90% seu valor, desde que o paciente esteja munido de receita médica. 243

BRASIL. MS, 2011, p. 7. 244

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.690, de 05 de novembro de

2009. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Gestão de Tecnologias

em Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 06 de nov. 2009. 245

MINISTÉRIO DA SAÚDE. 2010. 246

BRASIL. MS, op. cit., p. 10.

104

processos devem ser realizados sob o jugo dos princípios do SUS, além das necessidades

de saúde da população, dos limites do orçamento público, das responsabilidades dos três

níveis de governo e do controle social.

No contexto em que foi criada, a PNGTS tem como principais propósitos

garantir que tecnologias seguras e eficazes sejam usadas adequadamente, maximizando

benefícios de saúde a serem obtidos com os recursos disponíveis, através de planejamento

eficaz, visando à equidade e universalidade.

As diretrizes dessa Política são: utilização de evidências científicas para

subsidiar a gestão por meio da avaliação de tecnologias em saúde; aprimoramento do

processo de incorporação de tecnologias; racionalização da utilização de tecnologias; apoio

ao fortalecimento do ensino e pesquisa em gestão de tecnologias em saúde; sistematização

e disseminação de informações; fortalecimento das estruturas governamentais; e

articulação político-institucional e intersetorial.

O conjunto de estratégias inseridas na PNGTS terá na ATS instrumento de

suporte às ações de saúde envolvendo as três esferas de gestão do SUS, considerando-se

fatores que reforçam a necessidade de uma PNGTS, quais sejam:

• O acentuado desenvolvimento científico e tecnológico e a expansão do

complexo industrial da saúde, que levam à inserção acelerada de novas

tecnologias no mercado.

• Os processos de inovação tecnológica podem acarretar aumento dos custos dos

sistemas de saúde, devido aos renovados investimentos em infra estrutura e

capacitação de recursos humanos.

• Métodos diagnósticos e terapêuticos gerados em países desenvolvidos muitas

vezes são exportados para os países em desenvolvimento sem avaliação dos

efeitos esperados e sem levar em consideração as necessidades epidemiológicas

e a capacidade instalada desses países.

• A incorporação sem critérios explícitos e o uso inadequado destas tecnologias

implicam riscos para os usuários, assim como, comprometem a efetividade do

sistema de saúde.

• Ausência de processos que possibilitem identificar tecnologias emergentes para

incorporação no sistema de saúde.

• Mecanismos insuficientes de monitoramento dos resultados para a saúde e dos

impactos causados pelas tecnologias ainda em estágio inicial de sua utilização.

• Na saúde, as novas tecnologias tendem historicamente a ser cumulativas, e não

substitutivas, e os critérios de obsolescência são de complexa definição.

• O processo de difusão inicial cria demandas por novas tecnologias e gera uma

pressão sobre o sistema para que haja a incorporação, ainda que não se conheça a

sua efetividade e, tampouco, tenham sido calculados os recursos financeiros

necessários para incorporação.

• A crença de que, isoladamente, as tecnologias resolverão os problemas de

saúde e promoverão mais qualidade de vida, garantindo maior resolutividade às

ações e aos serviços.

105

• A frequência com que as decisões judiciais têm obrigado o sistema de saúde a

garantir a oferta de procedimentos e medicamentos. Alguns, inclusive,

destituídos de evidência científica, causando impacto significativo nas previsões

orçamentárias do sistema de saúde247

.

247

BRASIL. MS, 2011, p. 13.

106

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: ATS COMO RESPALDO PARA

TOMADA DE DECISÃO

Não há dúvidas de que as necessidades humanas, especialmente no que

compete à realização de direitos sociais, como o direito à saúde, são infinitas, em que pese

a limitação dos recursos disponíveis. Daí a importância de avaliações clínicas e

econômicas para ponderação de custos e benefícios, no que concerne à incorporação e

acesso a novas tecnologias em saúde, as quais são sempre mais dispendiosas.

Entretanto, não há que se olvidar que a aplicação de recursos em

determinados programas, políticas e tecnologias implica a não provisão de outros, o que

não significa, necessariamente, violação de direitos fundamentais, mas, pelo contrário,

pode favorecer a equidade.

A característica principal está no fato de que a equidade no bem-saúde não pode

ser buscada, a não ser excepcionalmente, numa melhor distribuição da saúde

existente, ou seja, numa operação de redistribuição que tira uma pouco de saúde

de alguns para dá-la a outros. À parte, a dificuldade de dar uma justificativa

moral e de assegurar a aplicação prática de semelhante operação, a opção oposta,

a de estabelecer como finalidade uma saúde melhor para todos e de privilegiar

em tal quadro a conquista de uma equidade maior, funciona como multiplicadora

dos recursos coletivos e pessoais e obtém os melhores resultados248

.

Por isso, o estudo de temas como reserva do possível e mínimo existencial é

tão importante na compreensão da necessidade de sopesamento de princípios

constitucionais, já que, como visto no primeiro capítulo, a colisão de princípios não apenas

é possível, como é frequente, em se tratando de prestações sociais.

E sopesar princípios em decisões judiciais, de tal forma que uma

determinada prestação seja negada, não implica o ferimento à dignidade de qualquer

indivíduo, já que não se pode considerar a garantia de direitos fundamentais abstratamente,

apenas de forma ideal, sob pena de violação real desses direitos. Nesse sentido, é preciso

que se proceda a uma releitura dos direitos humanos, para além de sua afirmação

constitucional:

248

BERLINGUER, Giovanni. Bioética cotidiana. Tradução de Lavínia Bozzo Aguilar Porciúncula. Brasília:

UNB, 2004. Tradução de: Bioetica quotidiana, p. 262.

107

Não basta apenas a previsibilidade constitucional de ações afirmativas para

garantir-se os Direitos Fundamentais no Estado Constitucional, impondo-se,

sobretudo, à Administração Pública mais ousadia nas ações sociais e menos

publicidade de seus próprios atos, e a participação efetiva da sociedade civil no

planejamento e desempenho de seu papel249

.

Num Estado Democrático de Direito em que os direitos fundamentais

devem ser garantidos a todas as pessoas, a atuação do Estado, assim como da sociedade, é

imprescindível para sua efetividade máxima quando da interposição de qualquer obstáculo.

A simples previsão constitucional dos direitos fundamentais não é suficiente para sua

realização, impondo-se ao Poder Público, sua efetividade por meio de políticas que

garantam a participação de toda a sociedade.

Ao inverso do que geralmente ocorre em outros setores, na saúde a

introdução de novas tecnologias não implica redução de custos, mas sim, uma alta dos

preços, que não é provocada simplesmente pelo encarecimento da medicina tradicional250

,

mas, principalmente, pelas inovações tecnológicas incessantes. Em decorrência desse

incremento de custos em saúde, a busca pela eficiência na alocação dos recursos tem sido

relevante na pauta das discussões de políticas públicas.

Há inúmeros fatores que colaboram para essa situação, a começar pela

salvaguarda dos direitos industriais dos grandes laboratórios, através do sistema de

patentes. Mas a incerteza no campo da saúde também é um fator determinante, motivo pelo

qual escolhas nessa área devem ser bem fundamentadas, para se tentar maximizar o retorno

para a sociedade do investimento feito, sobretudo, com recursos públicos. Para tanto:

A ATS não encerra, em si, erros ou acertos além daqueles que possam ser

relacionados à metodologia. Todavia, é essencial que o uso da ATS para tomadas

de decisão que afetem terceiros ou populações apresente como obrigatoriedade o

cumprimento dos mesmos preceitos éticos que se aplicam às ciências da saúde

em geral251

.

Dentro da ordem constitucional vigente o indivíduo passa de mero alvo de

políticas públicas a sujeito ativo de direitos, cujas prestações devem ser alcançadas dentro

do sistema com transparência. O não cumprimento dessa responsabilidade estatal incorre

no fenômeno social que encontra origem no processo de construção democrática da

249

SILVA, Ricardo Augusto Dias, 2010. p. 131. 250

DWORKIN, Ronald. A justiça e o alto custo da saúde. In: DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a

teoria e a prática da igualdade. Tradução Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 433. 251

FOLLADOR; SECOLI, 2010, p. 260.

108

sociedade brasileira, denominado judicialização das políticas públicas, no caso em tela, da

saúde, o qual procura no Judiciário uma resposta às ineficiências dos canais de controle

social252

.

Todavia, em se tratando especificamente do acesso a novos medicamentos,

não basta ao Poder Judiciário continuar tomando decisões fundamentadas exclusivamente

na garantia irrestrita do direito à saúde pela Constituição, ante os fatos (de)limitadores de

sua consecução. Assim:

A utilização da ATS é considerada importante quando se observa a necessidade

de definir prioridade ante a insuficiência de recursos e a infinitude das demandas

em saúde. [...] Nesse contexto, a ATS não é um instrumento adequado para

julgamento do tipo “bom ou ruim”, “eficaz ou inócuo”, “seguro ou perigoso”,

que são dependentes de outros fatores, contextos e critérios. Tampouco deve ser

entendida como uma forma de oferecer solução à falta de interesse econômico ou

político por maiores gastos em ações de saúde. O meio mais fácil para justificar a

ATS como instrumento de restrição é o apelo à ética, mas, nesse caminho, os

polemistas oferecem cenários e pedem que se faça uma opção ética em situações

do tipo ganha-perde, nas quais é impossível evitar que ao menos uma das partes

saia prejudicada253

.

Não se tem a pretensão de deturpar o conceito e a finalidade original da

ATS para comprovar uma teoria sem precedentes empíricos. Isso seria por demais

alegórico, o que afastaria deste estudo seu caráter científico. Por outro lado, as definições e

situações apreciadas permitem a defesa da ATS como respaldo para tomada de decisões,

inclusive judiciais, o que a faz figurar como instrumento hábil à garantia de direitos

fundamentais, sendo fator de justiça social.

Ressalte-se que a ATS não deve se pautar apenas pela busca do menor custo

nas políticas de saúde, já que isso pode levar a anomalias no sistema. Há que se considerar,

portanto, equidade e aspectos distributivos254

.

No contexto de saúde atual, fica bastante clara a necessidade de avaliação

criteriosa de todas tecnologias a serem incorporados em saúde. Evoluímos nas

ultimas décadas agregando rigor metodológico para estabelecer o real benefício

das ações e intervenções oferecidas para população. Pelo crescimento

252

VENTURA, Miriam et al . Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde.

Physis, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, 2010. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-

73312010000100006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 14 dez. 2011. 253

FOLLADOR; SECOLI, 2010, p. 249. 254

Poderia se considerar uma iniquidade no sistema, por exemplo, a alocação de recursos para P&D de

medicamentos contra doenças raras cujo tratamento seja de alto custo, em detrimento de doenças

frequentes e negligenciadas.

109

exponencial e pelo impacto dessas tecnologias no orçamento, as suas avaliações

econômicas têm-se tornado uma necessidade, pois se estabelece uma nova

tecnologia e se oferece um ganho em saúde a um custo que a sociedade tem

condições de pagar. Acima de tudo, espera-se com a aplicação destes conceitos,

atingir os melhores padrões de saúde por meio do uso racional dos recursos

existentes255

.

Sendo um ramo da ATS, a AES pode ser valiosa nos processos de decisão

sobre incorporação de novas tecnologias e alocação de recursos no SUS, já que propicia a

identificação e mapeamento dos principais problemas existentes e as oportunidades para

uso e aplicação de soluções tecnológicas, a partir de análises de custos e impactos de uma

dada tecnologia, gerando o aprimoramento das políticas de saúde, tanto em eficácia quanto

em efetividade e qualidade256

.

Note-se que visualizar a ATS estritamente como um fator de redução de

custos é errôneo tanto nos objetivos quanto nos resultados futuros das decisões em saúde.

No entanto, considerada em todos os seus aspectos, ela pode ser instrumento apto a ampliar

a eficiência do sistema público de saúde no Brasil.

A ampliação da eficiência do sistema de saúde brasileiro no que se refere à

provisão de serviços é de elevada importância, tanto pelo lado da demanda, por

meio da assimilação das necessidades da população, como pelo lado da oferta,

em termos da forma como esses serviços são disponibilizados. Além disso, a

crescente incorporação tecnológica no setor saúde tem reflexos conhecidos sobre

o custo do sistema além de exigir mecanismos de regulação cada vez mais

complexos e sofisticados. Assim, estudar o sistema de regulação e a

incorporação de novas tecnologias passa a ser uma necessidade cada vez mais

premente no sistema de saúde brasileiro257

.

É preciso considerar, sobretudo para os países em desenvolvimento, que o

maior desafio dos agentes responsáveis pela formulação de diretrizes em ATS é aumentar

o rigor metodológico (conforme características de cada sistema), a transparência e

comparabilidade, em razão de uma devida divulgação de resultados para auxiliar gestores

na tomada de decisões sustentáveis, nas quais a ATS figure, ainda, como um importante

fator no processo democrático258

.

Quanto às decisões sustentáveis, no que respeita à acessibilidade aos

medicamentos, somente com competência política para investimentos e ações de longo

255

BRASIL. MS, 2008d, p. 92. 256

Idem, 2009a, p. 9. 257

ANDRADE, Eli Lola Gurgel et. al. Análise de situação da Economia da Saúde no Brasil: perspectivas

para a estruturação de um centro nacional de informações. Belo Horizonte: Coopmed, [200-], p. 10. 258

BALBINOTTO NETO, 2010, p. 528.

110

prazo é que será plenamente alcançada, primando-se pela transparência das ações e

controle das escolhas públicas concernentes às decisões alocativas.

Otimizar os gastos em saúde perante escolhas alocativas adequadas,

pautadas em estudos de ATS, pode inviabilizar o argumento de escassez de recursos no

sistema de saúde, para facilitar a incorporação e dispensação de novas tecnologias. É

razoável à Administração Pública que, em prol do interesse público, essas escolhas sejam

justificadas perante Poder Judiciário, cujas decisões também poderão encontrar respaldo

nos mesmos estudos.

111

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