Avaliação dos formandos em Medicina, em conhecimentos ... · sem questões sobre conhecimentos...

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Artigo Original Avaliação dos formandos em Medicina, em conhecimentos considerados fundamentais pelos docentes, ao final do curso da Escola Paulista de Medicina ÁLVARO NAGIB ATALLAH 1, DuíLlO'RAMOS SUSTOVICH 2 Discute-se muito atualmente, em nosso meio, sobre a capacitação dos formandos de Medicina. A Escola Paulista tem realizado exames de revalidação de diplomas de médicos formados no exterior. Em 1989, solicitou-se às disciplinas pertencentes ao curriculum mínimo do curso médico que forneces- sem questões sobre conhecimentos considerados fundamentais para o curso em questão, a serem utiliza- das na prova de revalidação de diploma. A seguir, aplicou-se, ao final do ano, a mesma prova a 82 formandos de Medicina da Escola Paulista de Medicina, voluntariamente. Cem por cento dos mesmos acertaram mais do que 50070 das 234 questões da prova. Noventa por cento acertaram mais do que 60% das respostas. Pode-se concluir que os alunos da EPM retiveram grande parte dos conceitos considera- dos importantes por seus professores nos seis anos do curso médico. Mesmo assim, mais de 90% dos doutorandos se inscreveram para os concursos de residência médica. REV PAUL MED 109 (6): 239-241, 1991. Unitermos: Educação médica: avaliação curricular. Uniterms: Medical education: curriculum evaluation. INTRODUÇÃO A Escola Paulista de Medicina vem realizando exa- mes de revalidação de diplomas de médicos estrangeiros há cinco anos, de acordo com a Resolução n? 3 do Con- selho Federal de Educação, de 10/7/85. Esses exames são realizados pela Comissão de Revalidação de Diplo- mas, subordinada à Câmara Curricular, que por sua vez é órgão assessor do Conselho Departamental da Escola Paulista de Medicina. Trabalho realizado no Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina. Recebido em 2/5/91. Aprovado para publicação, após revisão, em 5/9/91. 1. Prof. Adjunto, Dep. de Medicina; Mestre em Epidemiologia Clíni- ca; Doutor em Nefrologia; Livre-Docente em Clínica Médica; Mem- bro da Comissão de Revalidação de Diplomas da Escola Paulista de Medicina. 2. Prof. Titular, Dep. de Medicina, Escola Paulista de Medicina. Cerca de quatro a cinco candidatos vêm-se apresen- tando para o concurso anualmente, sendo que de O a 2 candidatos são aprovados nas provas teóricas e práticas. Inicialmente, observou-se que as provas escritas ti- nham nível de dificuldade muito alto, considerando-se nelas temas com os quais os candidatos tiveram contato muitos anos antes. Dessa forma, solicitou-se para os exa- mes de 1989 que todas as disciplinas que compunham o curriculum mínimo do curso de Medicina fornecessem questões versando sobre conceitos que os professores considerassem fundamentais para o exercício prático da Medicina. Na preparação das provas, ocorreu a seguin- te pergunta: estariam os alunos formados pela própria Escola Paulista de Medicina aptos para serem aprovados naquele mesmo exame? Considerando-se que cada vez mais é posta em dúvi- doaa capacitação profissional dos médicos formados no país, mesmo que através de episódios esporádicos e não- Rev Paul Med 109 (61 - Novembro/Dezembro, 1991 Endereço para correspondência - Escola Paulista de Medicina, Departamento de Medicina, Rua Botucatu, 740 - 04023 - São Paulo, SP. 239

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Artigo Original

Avaliação dos formandos em Medicina, em conhecimentosconsiderados fundamentais pelos docentes, ao final do

curso da Escola Paulista de MedicinaÁLVARO NAGIB ATALLAH 1 , DuíLlO'RAMOS SUSTOVICH 2

Discute-se muito atualmente, em nosso meio, sobre a capacitação dos formandos de Medicina.A Escola Paulista tem realizado exames de revalidação de diplomas de médicos formados no exterior.Em 1989, solicitou-se às disciplinas pertencentes ao curriculum mínimo do curso médico que forneces-sem questões sobre conhecimentos considerados fundamentais para o curso em questão, a serem utiliza-das na prova de revalidação de diploma. A seguir, aplicou-se, ao final do ano, a mesma prova a 82formandos de Medicina da Escola Paulista de Medicina, voluntariamente. Cem por cento dos mesmosacertaram mais do que 50070 das 234 questões da prova. Noventa por cento acertaram mais do que 60%das respostas. Pode-se concluir que os alunos da EPM retiveram grande parte dos conceitos considera-dos importantes por seus professores nos seis anos do curso médico. Mesmo assim, mais de 90% dosdoutorandos se inscreveram para os concursos de residência médica. REV PAUL MED 109 (6): 239-241, 1991.

Unitermos: Educação médica: avaliação curricular.Uniterms: Medical education: curriculum evaluation.

INTRODUÇÃO

A Escola Paulista de Medicina vem realizando exa-mes de revalidação de diplomas de médicos estrangeiroshá cinco anos, de acordo com a Resolução n? 3 do Con-selho Federal de Educação, de 10/7/85. Esses examessão realizados pela Comissão de Revalidação de Diplo-mas, subordinada à Câmara Curricular, que por sua vezé órgão assessor do Conselho Departamental da EscolaPaulista de Medicina.

Trabalho realizado no Departamento de Medicina da Escola Paulistade Medicina. Recebido em 2/5/91. Aprovado para publicação, apósrevisão, em 5/9/91.1. Prof. Adjunto, Dep. de Medicina; Mestre em Epidemiologia Clíni-

ca; Doutor em Nefrologia; Livre-Docente em Clínica Médica; Mem-bro da Comissão de Revalidação de Diplomas da Escola Paulistade Medicina.

2. Prof. Titular, Dep. de Medicina, Escola Paulista de Medicina.

Cerca de quatro a cinco candidatos vêm-se apresen-tando para o concurso anualmente, sendo que de O a 2candidatos são aprovados nas provas teóricas e práticas.

Inicialmente, observou-se que as provas escritas ti-nham nível de dificuldade muito alto, considerando-senelas temas com os quais os candidatos tiveram contatomuitos anos antes. Dessa forma, solicitou-se para os exa-mes de 1989 que todas as disciplinas que compunham ocurriculum mínimo do curso de Medicina fornecessemquestões versando sobre conceitos que os professoresconsiderassem fundamentais para o exercício prático daMedicina. Na preparação das provas, ocorreu a seguin-te pergunta: estariam os alunos formados pela própriaEscola Paulista de Medicina aptos para serem aprovadosnaquele mesmo exame?

Considerando-se que cada vez mais é posta em dúvi-doaa capacitação profissional dos médicos formados nopaís, mesmo que através de episódios esporádicos e não-

Rev Paul Med 109 (61 - Novembro/Dezembro, 1991

Endereço para correspondência - Escola Paulista de Medicina, Departamento de Medicina, Rua Botucatu, 740 - 04023 - São Paulo, SP.

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be~ esclarecidos, parece-nos não haver dúvida entre osdocentes dos cursos médicos que deficiências importan-tes existem na formação médica e que os produtos finaisdesses cursos, os médicos, precisariam ser testados embenefício daqueles que estarão passivos sob a atuaçãoprofissional dos mesmos, os pacientes.

Por outro lado, não é muito confortável para o aca-dêmico recém-formado nas escolas consideradas melho-res ter que ser submetido a mais um exame ao términodo curso, sendo que muitos deles se opõem à idéia. Po-rém, é evidente a concordância com o diagnóstico da fal-ta de preparo. suficiente para o exercício da profissão,pois a grande maioria faz concurso para realização dedois a quatro anos de residência médica antes da profis-sionalização, sendo que apenas cerca de 40070 do totalde formados no país acabam conseguindo ingresso nosprogramas de residência médica credenciados pela Co-missão Nacional de Residência Médica do MEC. Portan-to, 60% acabam indo para a prática médica sem o apren-dizado em treinamento que os bons programas de resi-dência médica propiciam.

Apesar desse quadro de diagnóstico indiscutível,mais "escolas médicas", sem sequer corpo docente ade-quado e/ou hospital-escola, continuam funcionando eproliferando no país, o que piora ainda mais o quadro.Especificamente, a Escola Paulista de Medicina vem apri-morando seus cursos através de numerosas comissões econselhos no decorrer de seus 57 anos de existência. Po-rém, estariam seus alunos aptos a responderem a provasobre os conceitos que seus professores consideram deconhecimento fundamental para o exercício da profissão?

MATERIAL E MÉTODOS

Foram solicitadas questões a cada uma das seguin-tes disciplinas da Escola Paulista de Medicina, integran-tes do curriculum mínimo do curso médico: Biofísica,Farmacologia, Fisiologia, Bioquímica, Parasitologia,lmunologia, Microbiologia, Patologia Médica, Genética,Anatomia Descritiva, Histologia, Embriologia, Medici-na Preventiva, Epidemiologia, Medicina Legal, Pediatria,Ginecologia, Obstetrícia, Neurocirurgia, Neurologia, Psi-quiatria, Otorrinolaringologia, Oftalmologia, CirurgiaVascular, Cirurgia de Tórax, Ortopedia, Urologia, Anes-tesiologia, Gastrocirurgia, Doenças Infecciosas e Parasi-tárias, Hematologia, Gastrociínica, Endocrinologia, Der-matologia, Cardiologia, Propedêutica Médica, Pneumolo-gia e Nefrologia.Para tal finalidade utilizou-se o seguinte texto:

"A Comissão de Revalidação de Diplomas de Gra-duação, tendo em vista arealizãção do exame teóricopara candidatos à revalidação de diploma de médico,vem respeitosamente solícitar a V.Sa. o forriecimentode 6 (seis) questões tipo teste, com quatro alternativas,

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sendo apenas uma correta. A prova teórica será conside-rada eliminatória, exigindo-se um aproveitamento míni-mo de 50% do candidato, para que esteja apto a reali-zar a prova prática.

Em relação às provas anteriores, recebemos de algu-mas disciplinas questões excessivamente difíceis. Assim,sugerimos que, dentro do conteúdo programático de vos-sa disciplina, sejam elaborados testes versando sobre con-ceitos fundamentais, imprescindíveis para o exercícioda profissão médica."

Foram recebidas e selecionadas 234 questões em for-ma de teste, com quatro alternativas. A prova foi aplica-da a quatro candidatos à revalidação de diploma de mé-dico. A seguir, no final do ano letivo de 1989, convi-dou-se, através dos seus representantes, os alunos quese graduariam em Medicina pela Escola Paulista de Me-dicina naquele ano a que se submetessem a uma provaversando sobre conhecimentos médicos. Voluntariamen-te, oitenta e dois doutorandos dos 100 alunos matricula-dos compareceram para o teste. Foram dadas quatro ho-ras para a realização das provas, da mesma maneira co-mo foi feito para os quatro candidatos estrangeiros à re-validação do diploma.

RESULTADOS

Dos quatro candidatos estrangeiros, formados distin-tamente na Itália, Romênia, Bolívia e Argentina, apenaso boliviano, que repetia o exame pela segunda vez, foiaprovado na prova escrita, obtendo 52% de respostascertas. Dos alunos da Escola Paulista de Medicina, o nú-mero mínimo de respostas certas foi 130 do total de 234questões; portanto, 100% responderam acertadamentemais do que 50% (117) das questões. Noventa por cen-to dos alunos acertaram mais do que 60% (140) e 60%acertaram mais do que 70% (160).

COMENTÁRIOS

Os resultados demonstram que o nível de dificulda-de da prova não era irrealisticamente difícil como pro-va teórica de revalidação. Observou-se, também, que osalunos formados pela Escola Paulista de Medicina têmquase 100070de probabilidade de serem aprovados emexames sobre os conceitos que seus professores dos seisanos de curso médico consideram conhecimento funda-mental para o exercício da profissão.

Se consideramos que em uma prova com 234 testescom quatro alternativas há 25% de probabilidade de acer-to casual, poderíamos assumir que o aluno precisariaacertar esses 25% mais 5(Mo·.do restante para descontar-mos os acertos casuais; portanto, 25% + 37,5%, quetotalizaram 62,5% oU.J46 questões. Oitenta e dois porcento deles ultrapassaram também esse limite.

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Obviamente, poder-se-ia criticar o fato de o exameter sido feito pelos próprios professores dos alunos; po-rém, o objetivo da formulação das questões foi o de sub-meter médicos estrangeiros a uma prova de suficiênciae o resultado demonstra que os objetivos de ensino, pe-lo menos no plano teórico, foram atingidos na grandemaioria dos casos.

Outra observação pertinente é que na época em queo teste foi aplicado, os alunos, em sua maioria, se prepa-ravam para os concursos de residência médica, poden-do, dessa maneira, melhorar seu desempenho. Porém,nos concursos de residência, os temas estudados versambasicamente sobre as áreas clínicas (Clínica Médica, Ci-rurgia, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia e MedicinaPreventiva) e a prova utilizada incluiu questões que abran-geram desde Anatomia, passando por Fisiologia, Estatís-tica, Farmacologia, etc., sendo o universo da prova mui-to mais amplo do que o do concurso para residência.Dessa forma, parece-nos que os alunos da Escola Paulis-ta de Medicina não devem temer qualquer exame teóri-co de suficiência no país.

Vale ressaltar que este estudo não foi feito para sepropugnar pela existência de um exame de suficiênciaprofissional antes do exercício da Medicina. É digno delouvor o fato de os próprios docentes de medicina e mé-dicos, através de suas associações, estarem reconhecen-do a necessidade e providenciando melhorias na realiza-ção dos exames.

Esta questão é bastante complexa; parece-nos queumpoo/ de questões sobre os conceitos considerados fun-damentais, fornecidos por docentes de diversas institui-ções de ensino médico conceituadas e aplicado pelos Con-selhos Regionais de Medicina, já seria um bom começo.Os bons alunos de quaisquer escolas médicas e a gran-de maioria dos alunos das melhores escolas nada teriama temer. Entretanto, consideraríamos de bom senso seaqueles formandos com treinamento em programas deresidência médica credenciados pudessem ficar isentosdo exame ao final da residência.

É interessante notar que mesmo os alunos da Esco-la Paulista de Medicina, que têm bom conhecimento dosconceitos considerados fundamentais, não se acham ade-quadamente preparados para a prática profissional, poismais de 90070 deles fazem concurso para residência médi-ca visando maior aprendizado e também melhores opor-tunidades no mercado de trabalho. Parece-nos, então,que apenas um exame escrito com o conteúdo comoaqui utilizado não seria suficiente para avaliação do mé-dico formado, necessitando-se também uma prova práti-ca. Em outras palavras, parece haver um consenso, ain-

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da não bem admitido, de que o curso médico seja de oi-to ao invés de seis anos, pois a residência médica passoua ser um prolongamento fundamental do curso de Medicina.

Restou, a nosso ver, como novas hipóteses de traba-lho para melhora do padrão profissional médico, estu-dar-se as seguintes possibilidades: 1) não haver provasde capacitação; 2) realização de provas teóricas e práti-cas; 3) liberação da prova para aqueles que realizassemresidência, em programas credenciados pelo MEC, eminstituições de ensino; 4) prolongamento do curso deMedicina para oito ou mais anos, nos quais os progra-mas de residência médica estariam incluídos no curricu-/um de todas as escolas de Medicina do país.

Aquelas escolas que não pudessem oferecer um cur-so considerado suficiente e completo deveriam ser pro-gressivamente desativadas.

Finalmente, parece-nos claro que cabe à sociedadecomo um todo decidir se deve haver ou não exames decapacitação médica. Afinal, é ela que, no seu conjunto,está sendo submetida à ação dos profissionais formadospelas escolas médicas do país.

AGRADECIMENTOS

1) À colaboração das funcionárias Angela Borgese Neusa Bom, na aplicação e correção das provas.

2) À Sra. Joana Amélia, da S.P. Gardes, pelos ser-viços datilográficos.

SUMMARY

A growing consensus exists in Brazil about theneed of a qua/ification work prior to medical practice.On the other hand, some members of the faculty andstudent body of medical schoo/s are against this kindof skill contraI because they think that their teachingand learning is effective. At the Escola Paulista de Medi-cina, one of the best ranking Schools of Medicine inBrazil, we asked to 39 departments of the Course ofStudies of Medicine to provide 6 questions about con-cepts that the facu/ty considered fundamental knowledgefor medica/ practice. Then, an examination with 234questions was applied to 82 vo/unteers out of the 100graduates of the Medica/ School. All the volunteerspresented correct answers to more than 50% of thequestions, and 90% answered correctly to more than 60%of the questions. Such results suggest that the studentsretained a good proportion of the concepts consideredessentia/ for practice by the faculty, Even so, a/most100% of them applied for residence trainingprograms.

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