AVALIAÇÃO ECONÔMICA DA CARCINICULTURA DE ÁGUA … · todo, conclui-se que a renda bruta média...

1024
AVALIAÇÃO ECONÔMICA DA CARCINICULTURA DE ÁGUA DOCE EM PROPRIEDADES RURAIS DO NORDESTE BRASILEIRO Kilmer Coelho Campos Robério Telmo Campos Resumo: Objetiva-se analisar a viabilidade econômica do cultivo de camarão em fazendas localizadas no setor rural do Estado do Ceará. Os dados de natureza primária foram coletados através de entrevista e pesquisa direta, por meio de questionários, junto aos carcinicultores. Foram pesquisados todos os carcinicultores que no momento da pesquisa encontravam-se em produção, perfazendo um total de 10 propriedades rurais produtoras de camarão. Para fins de análise foram usadas as medidas de resultado econômico que indicam as relações entre as formas de administração, o montante dos recursos empregados e os resultados obtidos e, conseqüentemente, auxiliam no planejamento futuro da empresa. Esse tipo de avaliação apresenta grande importância, pois permite analisar os aspectos econômicos da empresa per si, fazer comparação entre empresas numa mesma região e avaliar a eficiência do administrador e do sistema produtivo. A análise dos resultados permite concluir que o custo total médio de produção se mostrou compatível para tornar a atividade viável economicamente, gerando uma margem de lucro da ordem de 27%. As margens brutas dos produtores, tratadas individualmente, mostraram-se positivas, indicando que podem continuar na atividade em curto prazo. Além disso, quando se analisa o grupo de produtores como um todo, conclui-se que a renda bruta média apresenta-se superior ao custo operacional total médio, caracterizando a existência de lucro operacional ou margem líquida positiva, o que permite aos carcinicultores manterem-se na atividade no longo prazo. Apenas dois produtores obtiveram prejuízos, embora tenham exibido margens líquidas maiores do que zero. Vale salientar que alguns produtores obtiveram melhor desempenho do que outros, destacando-se, a titulo de exemplo, um produtor que apresentou lucro anual de R$ 110.705,95; custo médio de produção de R$1,89/kg de camarão, enquanto o preço de venda foi de R$ 6,00/kg; o ponto de nivelamento, desse produtor, foi de 31,43% da produção efetivamente obtida. Palavras-chave: Avaliação Econômica, Camarão, Nordeste. 1 INTRODUÇÃO Dentro do mercado mundial, o camarão destaca-se como um dos mais importantes produtos pesqueiros incluídos na categoria de produto aquático de elevado teor nutritivo e valor econômico, além de vir despontando como de excelente performance para comercialização e geração de renda em países que apresentam escassas oportunidades de investimento para os produtores rurais. A carcinicultura é uma atividade que tem apresentado grande crescimento a nível mundial nos últimos anos. Segundo Igarashi(1997) do total de 3.080.402 toneladas de camarão produzidas no mundo, em 1994, um total de 920.617 toneladas foram obtidas graças à aquicultura. No ano 2000, a produção mundial de camarão cultivado em cerca de 1,2 milhões de hectares de viveiros localizados em mais de 50 países em desenvolvimento, chegou a 865.000 toneladas. Esta cifra representa 43,0% do total produzido em nível mundial cujo volume nos últimos dez anos esteve em torno dos 2,0 milhões de toneladas anuais. Vale a pena salientar que, apesar do acentuado crescimento da produção derivada dos viveiros de engorda, das

Transcript of AVALIAÇÃO ECONÔMICA DA CARCINICULTURA DE ÁGUA … · todo, conclui-se que a renda bruta média...

AVALIAO ECONMICA DA CARCINICULTURA DE GUA DOCE EM PROPRIEDADES RURAIS DO NORDESTE BRASILEIRO

Kilmer Coelho Campos Robrio Telmo Campos

Resumo: Objetiva-se analisar a viabilidade econmica do cultivo de camaro em fazendas localizadas no setor rural do Estado do Cear. Os dados de natureza primria foram coletados atravs de entrevista e pesquisa direta, por meio de questionrios, junto aos carcinicultores. Foram pesquisados todos os carcinicultores que no momento da pesquisa encontravam-se em produo, perfazendo um total de 10 propriedades rurais produtoras de camaro. Para fins de anlise foram usadas as medidas de resultado econmico que indicam as relaes entre as formas de administrao, o montante dos recursos empregados e os resultados obtidos e, conseqentemente, auxiliam no planejamento futuro da empresa. Esse tipo de avaliao apresenta grande importncia, pois permite analisar os aspectos econmicos da empresa per si, fazer comparao entre empresas numa mesma regio e avaliar a eficincia do administrador e do sistema produtivo. A anlise dos resultados permite concluir que o custo total mdio de produo se mostrou compatvel para tornar a atividade vivel economicamente, gerando uma margem de lucro da ordem de 27%. As margens brutas dos produtores, tratadas individualmente, mostraram-se positivas, indicando que podem continuar na atividade em curto prazo. Alm disso, quando se analisa o grupo de produtores como um todo, conclui-se que a renda bruta mdia apresenta-se superior ao custo operacional total mdio, caracterizando a existncia de lucro operacional ou margem lquida positiva, o que permite aos carcinicultores manterem-se na atividade no longo prazo. Apenas dois produtores obtiveram prejuzos, embora tenham exibido margens lquidas maiores do que zero. Vale salientar que alguns produtores obtiveram melhor desempenho do que outros, destacando-se, a titulo de exemplo, um produtor que apresentou lucro anual de R$ 110.705,95; custo mdio de produo de R$1,89/kg de camaro, enquanto o preo de venda foi de R$ 6,00/kg; o ponto de nivelamento, desse produtor, foi de 31,43% da produo efetivamente obtida. Palavras-chave: Avaliao Econmica, Camaro, Nordeste. 1 INTRODUO

Dentro do mercado mundial, o camaro destaca-se como um dos mais importantes produtos pesqueiros includos na categoria de produto aqutico de elevado teor nutritivo e valor econmico, alm de vir despontando como de excelente performance para comercializao e gerao de renda em pases que apresentam escassas oportunidades de investimento para os produtores rurais.

A carcinicultura uma atividade que tem apresentado grande crescimento a nvel mundial nos ltimos anos. Segundo Igarashi(1997) do total de 3.080.402 toneladas de camaro produzidas no mundo, em 1994, um total de 920.617 toneladas foram obtidas graas aquicultura.

No ano 2000, a produo mundial de camaro cultivado em cerca de 1,2 milhes de hectares de viveiros localizados em mais de 50 pases em desenvolvimento, chegou a 865.000 toneladas. Esta cifra representa 43,0% do total produzido em nvel mundial cujo volume nos ltimos dez anos esteve em torno dos 2,0 milhes de toneladas anuais. Vale a pena salientar que, apesar do acentuado crescimento da produo derivada dos viveiros de engorda, das

1

215.000 toneladas em 1985 para as atuais 865.000 toneladas, o camaro extrado dos mares continua sendo o principal responsvel pela oferta global do produto (DPA/MAPA; ABCC, 2001).

O sudoeste da sia responsvel pela maior parte da produo mundial de camaro cultivado, sendo o principal centro produtor. Em 2000, a produo foi obtida, predominantemente, de sistemas mais intensivos em pequenas fazendas com reas inferiores a 20,0 ha de viveiros e chegou a 750.000 toneladas. Este volume representa 87,0% do total mundial. A Tailndia produziu 250.000 toneladas e manteve a posio de lder mundial, sendo o principal fornecedor de camaro cultivado para os mercados consumidores dos EUA e do Japo. A China com 110.000 toneladas, vem recuperando a sua posio de grande produtor. A Indonsia ocupou o terceiro lugar no ranking mundial com 100.000 toneladas. Entre outros pases produtores do sudoeste asitico destacam-se as Filipinas, o Vietn e Taiwan (Rosenberry, 2000).

O Brasil o terceiro maior produtor do Hemisfrio Ocidental contabilizando uma produo de 15.000 toneladas de camaro cultivado, em 1999, numa rea de 6.000 hectares.Faz algum tempo que do camaro cultivado no Brasil, a maior parte era comercializado no mercado interno(85%), enquanto apenas 15% era negociado com o mercado externo. Entretanto, com o aumento da demanda no mercado externo, aliado aos incentivos de preo, cerca de 60% da produo passou a ser dirigida para este mercado (Bessa Jr., 2001).

Em 2002, o Brasil exportou US$ 87 milhes para os Estados Unidos, correspondendo a um volume fsico de 17.723 toneladas. Isso representa 4,14% do volume total de camaro importado por aquele Pas. As exportaes brasileiras vm crescendo ano a ano. Em 2000, foram exportadas 5,8 mil toneladas, j em 2001 e 2002 subiu para 9,8 e 17,7 mil toneladas, registrando crescimento de 66% e 81 %. O Cear como maior produtor e de melhor produtividade (7mil kg/ha) no Pas, participa com 1/3 do montante exportado para os Estados Unidos (Silva, 2003).

Segundo dados do IBGE (1971/1990) apud Carvalho, Silva e Khan (1998), a atividade pesqueira no Nordeste desenvolvida por todos os Estados, mas os maiores volumes de produo so provenientes do Maranho, Cear e Bahia, que participam com 78% da produo total da Regio.

Assim sendo, a carcinicultura est em acelerado crescimento nos Estados do Nordeste. No Cear, em 2002, tramitavam 253 processos de licena para implantao da atividade na Superintendncia Estadual do Meio Ambiente (SEMACE) do Estado do Cear. Alm disso, o Governo Federal vem incentivando a carcinicultura com o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Atividade de Cultivo de Camaro. Este programa prev a implantao de 30.000 hectares de viveiros at o final de 2003, com o apoio creditcio dos bancos (Figueiredo; Rosa; Gondim, 2003).

O investimento nesse setor no Brasil, especialmente na Regio Nordeste, ampliou-se nos ltimos dez anos devido s caractersticas edafo-climticas, topogrficas e hidrobiolgicas que beneficiam o cultivo do camaro durante o ano; aos investimentos realizados em infra-estrutura da Regio; e em razo de uma queda na produo dos pases com grande participao no mercado mundial (Figueiredo; Rosa; Gondim, 2003).

A Regio Nordeste do Brasil mostra-se altamente propcia para o cultivo do camaro, em face de um vasto potencial hdrico, mo-de-obra de baixo custo, boa aceitao no mercado do produto, incentivos governamentais e perspectivas constantes de crescimento da demanda (Nunes, 1993).

Entretanto, o potencial produtivo da Regio Nordeste no vem sendo satisfatoriamente explorado, sendo reduzido o nmero de empresas que atuam no setor. Os principais entraves para a expanso da atividade so a falta de mo-de-obra especializada, altos custos de

2

produo (principalmente rao), alm de elevados custos de implantao ou instalao (Bezerra et al., 1999).

O cultivo de camaro no Estado do Cear, iniciado faz mais de 18 anos, mostrou que empresas pesquisadas com menos de dois anos de existncia apresentaram resultados insatisfatrios relacionados a descapitalizao e/ou dificuldades para operacionalizao, decorrente da pouca experincia dos proprietrios, o que pde ser constatada em razo da incompatvel formao profissional com a atividade e pela no-contratao de consultoria especializada e/ou mo-de-obra qualificada (Igarashi; Gurgel; Carvalho, 2000).

Ainda segundo os referidos autores, apesar das caractersticas favorveis e dos incentivos empregados para estimular a atividade, vrios fatores contriburam no passado para o insucesso, destacando-se a incipiente tecnologia de cultivo, falhas de engenharia dos projetos, falhas na escolha de reas, carncia de mo-de-obra especializada, falta de tradio empresarial na atividade, incipiente estrutura das instituies setoriais de pesquisa, escasso conhecimento da cadeia de comercializao nos mercados interno e externo, falta de informaes setoriais sobre custos de produo.

Na atualidade, dentre um dos fatores que prejudicam o desenvolvimento da atividade, pode-se citar a criao de barreiras adotada pelos Estados Unidos para a entrada, em seu territrio, do camaro produzido no Brasil e mais 11 outros pases atravs de uma ao de antidumping, o que provocar a subida do preo no mercado internacional, visando dar maior competitividade ao seu produto (Silva, 2003).

Logo, principalmente, em razo da alta densidade de capital demandada para instalao e operao das empresas camaroneiras associada a criao de barreiras no mercado internacional que dificultam a expanso da atividade, faz-se necessrio avaliar esse negcio atravs da mensurao de custos e retornos, para se dar indicao de sua rentabilidade.

A avaliao econmica, atravs das medidas de resultado econmico, d indicao sobre as relaes entre as formas de administrao, o montante dos recursos empregados e os resultados obtidos e, conseqentemente, auxiliam no planejamento futuro da empresa. Portanto, esse tipo de avaliao reveste-se de grande importncia, pois permite analisar os aspectos econmicos da empresa per si, fazer comparao entre empresas numa mesma regio e avaliar a eficincia do administrador e do sistema produtivo

Desta forma, objetiva-se analisar a viabilidade econmica do cultivo de camaro em fazendas localizadas no setor rural do Estado do Cear. Especificamente, pretende-se usar algumas medidas de anlise e avaliao da empresa rural para apresentar informaes que possam contribuir para o crescimento da carcinicultura.

2 METODOLOGIA rea de Estudo

A rea de estudo refere-se especificamente aos Municpios de Aracati, ltaiaba, Jaguaruana e Russas, situados na microrregio do Baixo Jaguaribe, no Estado do Cear.

Segundo IPLANCE (2000), as reas destes Municpios so de 1.276; 240,20 ; 746,40 e 1.614,30 km2 com cerca de 61.187; 6.579; 29.735 e 57.320 habitantes. Apresenta densidade demogrfica de cerca de 48,13; 27,49; 40,01 e 35,64 hab./km2. Quanto ao clima, a temperatura mdia mxima de 30; 36; 32,7 e 35C e a mdia mnima de 20; 26; 22,7 e 29C.

Os Municpios de Aracati, ltaiaba, Jaguaruana e Russas apresentam um produto interno bruto total a preo de mercado (1998) de R$ 128.482,43, R$ 13.916,41, R$ 63.019,71 e R$102.686,29. J seu PIB per capita (1998) de R$ 2.160,78, R$ 2.134,09, R$ 2.144,04 e R$ 1.896,33 (IPLANCE,2000).

3

Os Municpios tem como principais atividades econmicas de alta prioridade, a agricultura, agroindstria, pecuria, indstria de extrao e transformao e turismo. Na agricultura destacam-se produtos como o feijo, milho, algodo e caju. Na agroindstria, a produo de laticnios, conservas de caju e sucos apresentam maior peso no setor. Na pecuria predominam a bovinocultura, suinocultura, ovinocaprinocultura e a produo de leite e mel. Na indstria de extrao e transformao relacionam-se, principalmente, atividades voltadas para produtos alimentcios. H ainda forte presena do turismo, principalmente no Municpio de Aracati, situado na regio litornea leste do Estado.

Natureza e Fonte dos Dados

Os dados de natureza primria, correspondentes ao perodo de 2001, foram coletados atravs de entrevista e pesquisa direta por meio de questionrios devidamente elaborados e testados previamente, aplicados junto aos produtores (carcinicultores).

Foram pesquisados todos os carcinicultores que no momento da pesquisa encontravam-se em produo, perfazendo um total de 10 propriedades rurais produtoras de camaro.

Mtodo de Anlise

A avaliao econmica apresenta grande importncia, pois com base nas medidas de resultado econmico que se pode analisar os aspectos econmicos da empresa e avaliar a eficincia do administrador e do sistema produtivo. Assim, esta avaliao permite fazer um estudo comparativo entre empresas numa mesma regio e identificar o nvel de eficincia dos produtores e dos fatores de produo.

Conforme Hoffmann (1978), as medidas de resultado econmico indicam as relaes entre as formas de administrao, o montante dos recursos empregados e os resultados obtidos e, conseqentemente, auxiliam no planejamento futuro da empresa.

A rentabilidade econmica de cada empresa foi analisada utilizando-se medidas de resultado econmico definidas por Campos (2003).

a) Renda Bruta

=

=n

1i)PiQi(RB (1)

onde: RB = renda bruta da produo (no caso, a produo de camaro em 2001); Pi = preo ao produtor do produto i, (i = 1,2, n) ; Qi = quantidade produzida do produto i.

b) Custo Operacional Efetivo (COE) ou Custo Varivel Total (CVT): a somatria das despesas com insumos e mo-de-obra temporria, ou seja, dispndio efetivo (desembolso) realizado pelo produtor para produzir camaro:

= =

+=m

1h

r

1jPjQj)PhQh(COE (2)

onde: Ph = preo da diria ou do servio contratado temporrio h, (h = 1,2, m);

4

Qh = quantidade de mo-de-obra ou do servio contratado temporrio h; Pj = preo do insumo j, (j = 1,2, r); Qj = quantidade do insumo j.

c) Custo Operacional Total (COT): a somatria do COE e dos outros custos operacionais no desembolsveis (depreciao, encargos diretos, seguro, encargos financeiros e outras despesas). Especificamente, para este estudo, considera-se os seguintes itens:

COT = COE + D + MOP (3) onde: D = depreciao de mquinas e equipamentos e benfeitorias. MOP = mo-de-obra permanente. d) Custo Total (CT): a somatria do COT mais os juros ou a remunerao do capital (RC) e a remunerao da terra (RT), pertencente ou no a empresa, e a remunerao do empresrio (RE).

CT=COT+J+RE 4) onde: CT = custo total COT = custo operacional total; J = juros sobre terra e capital empatados; RE = remunerao do empresrio.

Para completar a anlise e avaliao, pode-se determinar o Custo Total Mdio (CMe) por kg de camaro produzido e o Ponto de Nivelamento de Rendimento (PNR):

QCTCMe= (5)

onde: CMe = custo total mdio; CT = custo total de produo de camaro; Q = quantidade produzida de camaro.

O Ponto de Nivelamento de Rendimento (PNR) mostra de quanto deve ser a produo mnima, dado o preo de venda do produto, para que os custos sejam cobertos (Kay,).

PCTPNR= (6)

onde: PNR = ponto de nivelamento de rendimento; CT = custo total; P = preo pago ao produtor por kg de camaro vendido.

5

Procedimentos Metodolgicos

-Depreciao: calculada pelo mtodo linear, o que corresponde a l/n (Vi -Vf), sendo Vi e Vf os valores inicial e final e n a vida til do bem de capital.

-Benfeitorias, mquinas, aparelhos e equipamentos: valor dos investimentos em benfeitorias, mquinas, aparelhos e equipamentos utilizados na atividade. Quando o bem usado, a depreciao anual calculada dividindo-se o valor atual do bem pelo saldo de vida til.

-Juros sobre o capital, a terra e o estoque de insumos: corresponde aos juros sobre o valor do capital empatado, sobre o valor da terra e sobre o valor dos estoques de insumos. Para os clculos desses juros, considerou-se a taxa paga pelos bancos no valor de 6 % ao ano, correspondente a rendimentos de caderneta de poupana.

-Manuteno: o custo anual necessrio para manter o bem de capital em condies normais de uso. Para o clculo desta varivel considerou-se um taxa de manuteno de 5% sobre o valor das mquinas, aparelhos e equipamentos e 3% sobre o valor das benfeitorias.

-Mo-de-obra permanente: despesas com mo-de-obra permanente utilizada na atividade.

-Despesas: neste item foram computados os valores despendidos com compra de ps-larvas, rao, fertilizante, calcrio dolomtico, hipoclorito, anlise qumica da gua e compra de alguns outros insumos de produo.

-Mo-de-obra temporria: despesas com mo-de-obra utilizada em cada processo de produo, calculada atravs da multiplicao do total de dias trabalhados pelo valor da diria, inclusive mo-de-obra familiar.

-Juros sobre as despesas: valor correspondente aos juros sobre as despesas no valor de 6 % a.a, correspondente aos rendimentos de caderneta de poupana. Indicadores Econmicos

Alguns indicadores econmicos utilizados no presente trabalho (Campos, 2003): a) Margem Bruta (MB): a diferena entre a Receita Bruta e o Custo Operacional

Efetivo (COE). Indica o que sobra de dinheiro para remunerar os custos fixos no curto prazo.

MB = RB - COE ou MBP = (RB - COE)/COE x 100 (7)

b) Margem Lquida (ML) ou Lucro Operacional (LO): o resultado da diferena da Renda Bruta (RB) e o Custo Operacional Total (COT). Ele mede a lucratividade da atividade no curto prazo, mostrando as condies financeiras e operacionais da atividade camaroneira.

ML=RB-COT ou MLP= (RB-COT)/COT x 100 (8)

c) ndice de Lucratividade (IL): mostra a relao percentual entre a Margem Lquida e Renda Bruta. Indica o percentual disponvel de renda da atividade, aps o pagamento de todos os custos operacionais.

100xRBMLIL= (9)

d) Lucro (L): resultante da diferena entre a Renda Bruta e o Custo Total.

6

L = RB - CT (10)

Segundo Nogueira et al., apud Campos (2003), deve-se tomar cuidado na interpretao

dos indicadores econmicos. Assim, tem-se a seguinte interpretao:

Margem Bruta:

MB > O: ocorre quando a RB maior do que ao COE. O produtor pode permanecer na atividade, no curto prazo, se a mo-de-obra familiar for remunerada;

MB = O: ocorre quando a RB igual ao COE. Neste caso, a mo-de-obra no est sendo remunerada. O produtor no resistir por muito tempo no negcio;

MB < O: ocorre quando a RB inferior ao COE. Significa que a atividade est dando prejuzo, pois no cobre os desembolsos efetivos.

Margem Lquida:

ML > O: ocorre quando o RB superior ao COT e o produtor pode permanecer na atividade no longo prazo;

ML = O: ocorre quando a RB igual ao COT. As depreciaes e a remunerao da mo-de-obra familiar esto sendo cobertas, porm o capital no foi remunerado;

ML < O: ocorre quando a RB inferior ao COT. Alguns fatores de produo no esto sendo remunerados e o produtor encontra-se em processo de descapitalizao.

Lucro:

Lucro> O: lucro supernormal. Todos os fatores de produo esto sendo remunerados e ainda est gerando uma "sobra" que varia com a produo;

Lucro = O: lucro normal. Todos os fatores de produo esto sendo remunerados, inclusive a mo-de-obra familiar e administrativa, a terra e o capital, porm no est gerando uma "sobra";

Lucro < O: prejuzo. Este caso no implica necessariamente em prejuzo total, pois se a ML for maior que zero, significa que a atividade est remunerando a mo-de-obra, as depreciaes e, at mesmo, parte do capital empatado.

3 RESULTADOS E DISCUSSO 3.1 Custos e Receitas de Produo

Inicialmente faz-se a exposio dos custos e receitas oriundas da produo de camaro nas 10 propriedades em estudo, quantificando receitas, custo operacional efetivo, custo operacional total e custo total da atividade.

Observa-se pela TABELA 1 que a renda bruta mdia foi de R$ 322.583,88 , derivada da produo e venda de camaro. O custo operacional efetivo mdio (COE) foi de R$ 182.574,65, o que equivale a 78,88% da mdia dos custos totais dos produtores, ou seja, os carcinicultores gastam com insumos de produo (compra ps-larvas, rao, fertilizante, calcrio, hipoclorito, anlise qumica da gua, etc), com custos de manuteno e pagam pela contratao de servio temporrio, essa quantia para obter uma produo mdia de 39.861,75

7

kg de camares. Assim, a maior parcela dos custos totais formada pelos custos variveis, sendo o restante (21,12%) destinado a cobertura dos custos fixos. TABELA 1 - Custos e receitas da produo de camaro na Microrregio do Baixo Jaguaribe-

Cear, 2001.

Produtor Renda Bruta COE COT CT 1 221.000,00 166.898,90 200.176,57 231.903,37 2 180.000,00 125.165,14 150.007,71 183.427,71 3 782.948,30 532.549,34 585.374,74 631.009,28 4 84.700,00 6.758,76 26.507,86 53.211,02 5 75.900,00 14.583,70 24.917,46 38.673,54 6 161.442,00 34.123,26 42.030,65 50.736,05 7 44.323,50 15.091,03 24.930,96 34.374,69 8 170.000,00 114.570,55 123.865,68 138.216,90 9 1.360.625,00 740.722,29 806.700,62 860.384,66 10 144.900,00 75.283,53 83.857,78 92.743,48

Mdia 322.583,88 182.574,65 206.837,00 231.468,07 Fonte: Dados da pesquisa.

A mdia dos custos operacionais totais (COT) foi de R$ 206.837,00 , sendo formada

pelos custos que compem os custos operacionais efetivos, custos de mo-de-obra permanente e outros custos operacionais no-desembolsveis, como a depreciao de mquinas, equipamentos e benfeitorias, necessrios para a continuao do processo produtivo. O COT perfaz 89,36% da mdia dos custos totais, sendo o restante (10,64%) destinado para remunerar a terra, o capital e o empresrio.

J a mdia dos custos totais (CT) foi de R$ 231.468,07 , compreendendo o COT mais os juros ou remunerao sobre a terra, o capital e o empresrio. Representa o somatrio dos custos variveis totais mais os custos fixos da atividade. 3.2 Indicadores Econmicos

A partir da Tabela 1 foram calculados os indicadores econmicos que servem para auxiliar na anlise econmica das propriedades em estudo, apresentados na TABELA 2.

TABELA 2 - Indicadores econmicos da produo de camaro na Microrregio do Baixo

Jaguaribe-Cear, 2001.

Produtor MB MBP ML MLP IL 1 54.101,10 32,42 20.823,43 10,40 9,42 2 54.834,86 43,81 29.992,29 19,99 16,66 3 250.398,96 47,02 197.573,56 33,75 25,23 4 77.941,24 1.153,19 58.192,14 219,53 68,70 5 61.316,30 420,44 50.982,54 204,61 67,17 6 127.318,74 373,11 119.411,35 284,11 73,97 7 29.232,47 193,71 19.392,54 77,78 43,75 8 55.429,45 48,38 46.134,32 37,25 27,14 9 619.902,72 83,69 553.924,38 68,67 40,71 10 69.616,47 92,47 61.042,22 72,79 42,13

Mdia 140.009,23 - 115.746,88 - - Fonte: Dados da pesquisa.

8

Pela Tabela 2, nota-se que a mdia das margens brutas, em valores absolutos, foi de R$

140.009,23 , significando que as mdias de rendas brutas bem superior as mdias dos custos operacionais efetivos. Assim, constata-se que a mdia das margens brutas so positivas (MB > O), permitindo a permanncia dos produtores na atividade no curto prazo, pois sobram recursos para remunerar os custos fixos, inclusive a remunerao do empresrio.

A mdia da margem lquida, positiva de R$ 115.746,88 mostra que a renda bruta mdia maior que o custo operacional total mdio. Assim sendo, a renda da produo est pagando todos os custos variveis e ainda cobre gastos de mo-de-obra permanente e de depreciao de mquinas e equipamentos e de benfeitorias, o que permite ao produtor permanecer na atividade num horizonte de tempo de longo prazo.

O ndice de lucratividade foi analisado individualmente para cada produtor. Logo, constata-se que o produtor 1 apresentou um ndice de 9,42%, indicando disponibilidade de renda da atividade aps o pagamento de todos os custos operacionais, isto , h ainda uma sobra de recursos destinados para a remunerao dos fatores de produo (terra, capital e mo-de-obra do empresrio). Em seqncia, percebe-se que, h uma reserva de 16,66% e 25,23% da renda bruta dos produtores 2 e 3 para remunerar seus fatores de produo. Para o conjunto de produtores estudados, observa-se uma boa disponibilidade de recursos para remunerar os fatores produtivos da atividade, pois o ndice de lucratividade da ordem de 73,97% e 68,70% para alguns produtores, o que contribui para uma lucratividade mdia positiva e elevada.

Pela TABELA3 observa-se que o lucro, resultante da diferena entre a renda bruta e o custo total, apresentou um valor mdio de R$ 91.115,81, significando que a atividade gera um lucro supernormal (L>O), ou seja, a carcinicultura est remunerando todos os fatores de produo, inclusive pagando a renda do empresrio, e ainda est gerando uma sobra que varia com a quantidade produzida. Ao se analisar a lucratividade ao nvel de cada produtor, nota-se que os produtores 1 e 2 obtiveram prejuzos. Contudo, ambos possuem margem lquida positiva, significando que a atividade est remunerando a mo-de-obra permanente, as depreciaes e, at mesmo, parte do capital empatado. J os outros produtores demonstraram boa lucratividade.

TABELA 3 - Outros indicadores econmicos da produo de camaro na Microrregio do

Baixo Jaguaribe-Cear, 2001.

N Prod. Lucro CMe PNR (kg) PNR (%) 1 - 10.903,37 10,00 24.344,61 104,93 2 - 3.427,71 6,79 27.514,16 101,90 3 151.939,02 5,86 86.833,18 80,59 4 31.488,98 4,97 6.722,05 62,82 5 37.226,46 4,20 4.687,70 50,95 6 110.705,95 1,89 8.456,01 31,43 7 9.948,81 5,04 5.288,41 77,55 8 31.783,10 8,13 13.821,69 81,30 9 500.240,34 5,58 97.507,63 63,23 10 52.156,52 5,85 10.144,82 64,01

Mdia 91.115,81 5,83 - - Fonte: Dados da pesquisa.

O custo total mdio para o produtor 1 foi de R$ 10,00 por kg de camaro produzido,

enquanto o preo de venda foi de R$ 9,53 por kg de camaro. Para o produtor 2, o custo

9

mdio de produo e o preo de venda foram de R$ 6,79 e R$ 6,67 por kg de camaro. Logo, os custos mdios de produo so superiores aos valores de venda, ocasionando prejuzos para ambos carcinicultores. Para o produtor 6, observa-se um custo mdio de R$ 1,89 por kg e um preo de venda de R$ 6,00 por kg, o que resultou em boa remunerao. A mdia do custo total mdio, da amostra de produtores, foi de R$ 5,83/kg de camaro, enquanto a mdia do preo de venda foi de R$ 8,01/kg. Assim, existem condies financeiras propcias para a continuidade do negcio.

Os Pontos de Nivelamento de Rendimento (PNR) para os produtores 1 e 2 so de 24.344,61 e 27.514,16 kg, significando que os produtores tero que trabalhar com 104,93% e 101,90% da capacidade produtiva observada para cobrir seus custos, j que as quantidades efetivamente produzidas foram de 23.200 e 27.000 kg. Logo, para esses dois produtores, a produo obtida no foi suficiente para absorver todos os custos de produo, havendo necessidade de melhorar a produtividade. J o produtor 6 apresentou um PNR de 8.456,01 kg, necessitando operar com apenas 31,43% da produo obtida para cobrir o custo total de produo. Observe que, quanto menor o ponto de nivelamento, melhor para o produtor que cobrir seus custos com menor produo, caracterizando a atividade como de boa estabilidade e de baixa sensibilidade as variaes nos fatores de produo.

4 CONCLUSES

Os resultados obtidos, a partir da estimao dos custos, das receitas e de alguns indicadores econmicos, permitiram retirar algumas concluses sobre a situao econmica da carcinicultura nos municpios selecionados.

Assim sendo, o custo total mdio de produo mostrou-se compatvel para tornar a atividade vivel economicamente, correspondente a aproximadamente 72,78% do preo mdio de venda, gerando uma margem de lucro da ordem de 27%.

As margens brutas dos produtores, tratadas individualmente, mostraram-se positivas, indicando que podem continuar na atividade, pois alm de cobrir os custos variveis, h sobra de dinheiro no curto prazo para remunerar os custos fixos. Alm disso, quando se analisa o grupo de produtores como um todo, conclui-se que a renda bruta mdia apresenta-se superior ao custo operacional total mdio, caracterizando a existncia de lucro operacional ou margem lquida positiva, o que permite aos carcinicultores manterem-se na atividade no longo prazo.

Apenas dois produtores obtiveram prejuzos, embora tenham exibido margens lquidas maiores do que zero, significando que no conseguiram remunerar o capital e a terra empatados no empreendimento, nem a remunerao pelos seus trabalhos executivos e administrativos. Conseqentemente, apresentaram custos mdios de produo superiores aos preos de venda e ponto de nivelamento acima da produo obtida.

Alguns produtores obtiveram melhor desempenho do que outros, destacando-se, a ttulo de exemplo, um produtor que apresentou lucro anual de R$110.705,95; custo mdio de R$1,89/kg de camaro, enquanto o preo de venda foi de R$ 6,00/kg; e, o ponto de nivelamento foi de 8.456,01 kg de camaro ou 31,43% da produo efetivamente obtida, significando que acima deste nvel o produtor passa a ter lucro (receitas superiores aos custos).

Conclusivamente, torna-se evidente, principalmente para os carcinicultores que no demonstraram desempenho satisfatrio, a necessidade de realizarem acompanhamento peridico, com diagnstico detalhado do empreendimento, objetivando identificar fatos ou acontecimentos que influenciaram direta ou indiretamente nos custos, nas receitas, enfim na rentabilidade do negcio. Espera-se que a partir de um melhor planejamento, organizao e controle da atividade carcincola, os produtores ineficientes possam otimizar a produo, reduzir custos e maximizar lucro.

10

5 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS BESSA JNIOR, A P. Implantao e operacionalizao de viveiros para criao de camaro marinho em guas de baixa salinidade. Jaguaruana Ce, abr/2001.(Mimeo). BEZERRA, F. J. dos S. et ai. Nota sobre o desenvolvimento do cultivo do camaro marinho litopenaus vannamei (bonne, 1931) no estado do Cear. XI COMBEP, p. 654-661.1999. CAMPOS, R. T. Tipologia dos produtores de ovinos e caprinos no Estado do Cear. Revista Econmica do Nordeste, Fortaleza, v.34, n.1,jan-mar. 2003. CARVALHO, R. M. ; SILVA, L. M. R. ; KHAN, A. S. Recurso natural de propriedade comum e acesso livre: o caso da produo de pescado no Nordeste do Brasil. Revista Econmica do Nordeste, Fortaleza, v.29, n.3, p.275-293,jul-set. 1998. CAVALCANTI, L. B. et alii. Manual de cultivo do macrobrachium rosenbergii. 143p. Recife: Aquaconsult, 1986.

DPA/MAPA & ABCC. Plataforma tecnolgica do camaro marinho cultivado. Braslia: DF out. 2001. 276pp. FIGUEIRDO, M. C. B. de ; ROSA, M. F. ; GONDIM, R S. Sustentabilidade ambiental da carcinicultura no Brasil: desafios para a pesquisa. Revista Econmica do Nordeste, Fortaleza, v.34, n.2, abr-jun. 2003. HOFFMANN, R. et ai. Administrao da Empresa Agrcola. So Paulo: Pioneira, 1978. IGARASHI, M. A. Aspectos do potencial da aqicultura no Brasil e no mundo. Fortaleza: SEBRAE, 1997. 47p. IGARASHI, M. A ; GURGEL, J. J. S. ; CARVALHO, R. C. de A. Perspectivas para o desenvolvimento do cultivo do camaro marinho no Estado do Cear. Revista Econmica do Nordeste, Fortaleza, v.31, n.3, p.368-383,jul-set. 2000. IPLANCE .PERFIL BSICO MUNICIPAL. Fortaleza: IPLANCE, 2000. Disponvel:< http://www. iplance. ce. gov. br.>. NUNES, A. J. P. Estudo da viabilidade tcnico-econmica de um cultivo da espcie macrobrachium rosenbergii de man, 1900, em uma rea localizada no municpio de Pacajus, Cear. Fortaleza: UFC, 1993.

ROSENBERRY, B. World shrimp farming. Shrimp News International. n.13, San Diego, 303pp. 2000. SILVA, A. EUA devem criar barreiras. Jornal O Povo, Caderno de Economia, p. 21. Fortaleza: 01/09/2003.

A ESTRATGIA DE PRODUO COMO FONTE DE VANTAGEM COMPETITIVA NA AGROINDSTRIA: O CASO DE UMA AGROINDSTRIA AVCOLA

Vania de Ftima B. Estivalete Heron S. M. Begnis

Tania Nunes da Silva Eugnio vila Pedrozo

Cssia Aparecida Pasqual Juan Miguel Latorre

Resumo Os mercados cada vez mais competitivos implicam na necessidade de que as empresas estejam continuamente com sua ateno voltada obteno de maior competitividade enquanto condio de permanncia nos mercados em que atuam. Nesta crescente busca de novos patamares competitivos, as empresas devem observar a produo como provvel fonte de vantagem competitiva. Nesta direo, este trabalho procura, atravs de um estudo de caso, observar as dimenses estratgicas da produo em um segmento do agronegcio caracterizado pela concentrao industrial e pela larga possibilidade de inovao e diferenciao de produtos, representado pelo segmento da indstria avcola. Assim, este trabalho questiona se as estratgias de produo podem se converter em fontes de vantagens competitivas, sendo que os resultados alcanados evidenciam que as dimenses observadas na empresa agroindustrial, objeto do estudo, mostraram que as estratgias de produo podem se configurar em importantes critrios de competitividade e em fontes de vantagens competitivas s empresas agroindustriais. Palavras-chave: estratgia agroindstria avcola - competitividade

1. INTRODUO

A dinmica dos mercados competitivos faz com que as empresas estejam

continuamente pressionadas no sentido de obter maior competitividade enquanto condio de permanncia nos mercados em que atuam. Neste processo, novos valores so adicionados ao contexto do produto na busca de um diferencial frente concorrncia, pois, independentemente do seu segmento as empresas precisam ofertar padres crescentes de qualidade ao consumidor, ao mesmo tempo em que possam manter seus custos reduzidos.

Dada essa crescente movimentao nas empresas em busca de novos patamares competitivos, maior importncia deve ser dada funo produo como fonte de vantagem competitiva. Nesta direo, este trabalho procura, atravs de um estudo de caso, observar as dimenses estratgicas da produo em um segmento do agronegcio caracterizado pela concentrao industrial e pela larga possibilidade de inovao e diferenciao de produtos tal como o segmento da indstria avcola. Neste tipo de agroindstria, as estratgias de produo podem se converter em fontes de vantagens competitivas?

Esta a questo de fundo sobre a qual est organizado este trabalho que tem como objetivo investigar o sistema de produo de uma unidade de abate de aves considerando os aspectos estratgicos da organizao da produo. Parte-se, portanto, de uma reviso terica

2

sobre estratgias de produo, conceituando e definindo seu papel e principais critrios competitivos. Num segundo momento trabalhado o contexto da agroindstria avcola brasileira, na busca de se estabelecer um padro de comparao entre teoria, realidade observada e panorama setorial. Por fim, apresenta-se o caso da empresa pesquisada focalizando os critrios competitivos associados sua estratgia de produo, procurando-se situar o caso evidenciado segundo as dimenses apontadas pela reviso terica e pelas caractersticas prprias do setor brasileiro de abate de frangos.

2. ESTRATGIAS DE PRODUO

A prtica do planejamento no capaz de antecipar tudo o que pode acontecer s organizaes, mas pode certamente beneficiar aquelas cujas aes so orientadas pela perspectiva de se alcanar determinado objetivo planejado. Isso implica que, dentre os diversos leques de possibilidades estratgicas possveis, as empresas que se deparam com a tarefa de produzir bens necessitam formular um conjunto de princpios que as guiem no processo de tomada de deciso sobre o que e como produzir. Ou seja, estabelecer a sua estratgia de produo.

Uma melhor compreenso do que estratgia de produo traz a necessidade de algumas definies conceituais. Corra e Gianesi (1993), por exemplo, consideram que a estratgia de produo visa, principalmente, o aumento da competitividade da organizao. Para atingir tais objetivos, este tipo de estratgia procura formar um padro coerente de decises e organizar os recursos da produo para que estes possam se converter num conjunto adequado de caractersticas de desempenho que possibilite organizao competir eficazmente no mercado.

Neste contexto, a estratgia de produo no deve ser vista como descolada das estratgias competitivas gerais das organizaes. Nesta linha de argumento, Wheelwrigt (1984) procura estabelecer um elo de ligao entre a estratgia de negcio e a estratgia de produo. Para esse autor, a estratgia de produo uma seqncia de decises tomadas ao longo do tempo e que iro permitir unidade de negcio atingir uma vantagem competitiva desejada. A interdependncia ou interconexo da estratgia de produo com os demais objetivos corporativos tambm destacada por Barros Neto e Fensterseifer (2000), os quais afirmam que esta dimenso da estratgia consiste num padro de decises referentes funo produo que devem ser coerentes com a estratgia competitiva da empresa e com as outras funes que a compe (marketing, finanas, recursos humanos, etc.).

Vista em suas especificidades, a estratgia de produo deve ser separada em dois termos essenciais para formar uma boa conceituao: o contedo e o processo (SLACK, CHAMBERS E JOHNSTON, 2002). Assim, o contedo da estratgia de produo envolve decises e aes especficas que definem o papel, os objetivos e as atividades de produo. O processo o mtodo usado para produzir as decises especficas de contedo.

2.1. O Contedo da Estratgia de Produo Os critrios competitivos derivados da estratgia competitiva da empresa, bem como

as categorias de deciso de longo prazo que influenciam a tomada de deciso na funo produo das empresas, so os principais elementos que definem o contedo da estratgia de produo. Deste modo, o estabelecimento da estratgia de produo (Figura 01), tem seu incio na definio das estratgias competitivas de acordo com o mercado em que as empresas esto inseridas. Aps, parte-se para a determinao dos critrios competitivos que devem ser priorizados pela funo produo, conforme os aspectos estratgicos definidos na estratgia

3

competitiva. Por fim, na fase de tomada de deciso, se define como essa funo dar suporte aos critrios competitivos escolhidos.

4

ESTRATGIA COMPETITIVA

ESTRATGIA DE PRODUO

CRITRIOS COMPETITIVOS

- Qualidade - Flexibilidade - Desempenho na entrega - Custo - Inovatividade

CATEGORIAS DE DECISO

ESTRUTURAIS INFRA-ESTRUTURAIS

- Instalaes - Capacidade - Tecnologia - Integrao Vertical

- Organizao - Fora de trabalho - Gerncia de qualidade - Relao com fornecedores - Planejamento e Controle da Produo

Figura 01- Contedo da Estratgia de Produo Fonte: Baseado em PIRES (1995).

Slack, Chambers e Johnston (1999) tambm consideram que a construo de um

conjunto de metas e objetivos para a manufatura envolve a traduo das necessidades dos consumidores de forma a que os bens produzidos signifiquem algo para eles. Ou seja, como ou em quais aspectos os consumidores valorizam os servios ou produtos com os quais a produo pode contribuir no desempenho da operao. Partindo desta questo, Slack, Chambers e Johnston(1999), mostram que uma forma til para se distinguir essa valorizao pode se dar atravs de critrios qualificadores e ganhadores de pedidos (desenvolvidos por Terry Hill, da Londom Business School). Os primeiros so os que esto num patamar mnimo exigido pelo mercado, significando que para competir no mercado o produto deve satisfazer um padro mnimo de desempenho. J os critrios ganhadores de pedidos, so aqueles que devem superar o desempenho oferecido pelos concorrentes para que aumente a competitividade da empresa e ganhem maiores fatias de mercado. A forma de seleo entre os critrios classificadores e ganhadores de pedido, depender das circunstncias de cada mercado no qual a empresa atua.

2.2. Os Critrios Competitivos

Os critrios competitivos so definidos como um conjunto consistente de prioridades que a empresa deve valorizar para competir no mercado. Para Slack, Chambers e Jhonston (2002), esses critrios competitivos so chamados de objetivos de desempenho bsicos, sendo estritamente definidos e aplicando-se a todos os tipos de operaes produtivas que buscam competitividade. A observao destes critrios possibilita estruturar a funo produo da melhor maneira possvel para que esta seja capaz de dar suporte a esta escolha.

Estes critrios competitivos so evidenciados por diferentes autores com algumas pequenas distines, mas h consenso em torno dos critrios competitivos representados pela qualidade, flexibilidade, custo, pela capacidade de inovao (inovatividade) e pelo desempenho nas entregas.

5

2.2.1. Qualidade Para Slack, Chambers e Jhonston (2002), qualidade significa fazer certo as coisas

certas, sem descuidar-se que essas variam de acordo com o tipo de operao podendo, em alguns casos, ser a parte mais visvel de uma operao. Conforme esses mesmo autores, o bom desempenho da qualidade em uma operao no apenas leva satisfao de consumidores externos, como tambm facilita a vida das pessoas envolvidas na operao, pois satisfazer aos clientes internos pode ser to importante quanto satisfazer aos consumidores externos. Isso se justifica pelo fato de que, internamente, quanto menos erros ocorram em uma unidade de produo, menos tempo ser necessrio para sua correo, resultando que a qualidade acaba reduzindo os custos.

Porm, custos crescentes no so a nica conseqncia de m qualidade. Neste enfoque, o ponto importante que o objetivo de desempenho da qualidade envolve um aspecto externo que lida com a satisfao do consumidor e um aspecto interno que lida com a estabilidade e a eficincia da organizao.

Trabalhando com dimenses mais especficas da qualidade, Garvin (1987), sugere oito campos nos quais o conceito de qualidade se subdivide. Esses critrios so assim descritos por Garvin (1987), como observa-se na Figura 02:

Figura 02- Dimenses da qualidade

CRITRIOS DEFINIES

Desempenho

Refere-se s principais caractersticas operacionais dos produtos que normalmente so mensurveis e, na maioria das vezes esto diretamente associados com as funes que iro desempenhar. Por outro lado, existem os atributos que no so fceis de se mensurar como o conforto interno de um automvel, por exemplo.

Caractersticas Secundrias

So aquelas que complementam as caractersticas principais de um produto e mesmo no estando presentes o produto capaz de realizar as funes para as quais foi originalmente projetado. Contudo, a presena destas caractersticas pode adicionar satisfao ao usurio.

Confiabilidade Reflete a probabilidade de um produto apresentar uma disfuno ou falha dentro de um determinado perodo de tempo.

Conformidade Avalia o grau de adequao do produto aos padres estabelecidos no projeto, sendo que este critrio o mais tradicional dentro da abordagem utilizada sobre qualidade.

Durabilidade

avaliada sob duas dimenses: Dimenso tcnica: medida pelo tempo que um produto pode ser utilizado at

iniciar seu processo de deteriorao por desgaste. Dimenso econmica: avalia at que ponto o custo de manter um produto em

funcionamento menor que substitu-lo por um novo com maior tecnologia.

Servios agregados Compreende a rapidez em que um servio oferecido ao cliente, considerando-se competncia, pronto-atendimento e cortesia. O servio agregado parte da premissa de que o cliente no quer apenas usar o produto, e sim, ter uma necessidade satisfeita.

Esttica uma dimenso de carter subjetivo devido s preferncias pessoais (aparncia, gosto, som, sabor, entre outros).

Qualidade percebida

tambm de carter subjetivo j que o consumidor, mesmo no tendo um conjunto completo de informaes sobre os atributos do produto ou servio, faz seu julgamento na comparao das marcas. Neste caso, a percepo de qualidade percebida atravs da imagem, publicidade, propaganda e, certamente, a marca.

Fonte: Baseado em Garvin (1987).

6

O conhecimento de todas estas dimenses ou campos torna-se possvel identificar um ou mais como sendo um nicho de qualidade no qual a empresa poder focar para aumentar sua competitividade.

2.2.2. Flexibilidade A flexibilidade representa a capacidade de mudar a operao. Essa uma dimenso

competitiva cada vez mais importante nas empresas. Slack, Chambers e Johnston (1999), definem flexibilidade como a habilidade de um sistema adotar uma gama de estados diferentes. J Gerwin (1993) a define como a capacidade que um determinado sistema produtivo tem de responder a variveis internas e externas. Entre as variveis externas tem-se as novas necessidades dos consumidores, avanos tecnolgicos, necessidades de entregas cada vez mais rpidas (e.g). Como variveis internas tem-se, como exemplo, a falta de matria-prima adequada, quebras de mquinas e equipamentos, falha no suprimento de fornecedores, entre outras.

Com base no conceito de flexibilidade, Corra e Slack (1994) advertem que existem duas dimenses relevantes na anlise dos sistemas de manufatura: a faixa ou amplitude e a capacidade de resposta. A faixa ou amplitude diz respeito quantidade de estados diferentes que o sistema pode assumir ou largura da faixa de estados possveis para um sistema (por exemplo, a quantidade diferente de peas que uma mquina pode processar). Quanto maior a faixa, mais flexvel o sistema. J capacidade de resposta est relacionada com o tempo que um sistema requer para adaptar-se a uma nova situao. Nesta dimenso, inversamente faixa, quanto menor o tempo, mais flexvel o sistema.

Slack, Chambers e Jhonston (2002) mencionam que o desenvolvimento de uma operao flexvel pode tambm trazer vantagens aos clientes internos da operao. Neste sentido, a flexibilidade pode agilizar as respostas, pois geralmente a habilidade de fornecer servios rpidos depende da flexibilidade da operao. A flexibilidade tambm economiza tempo, pois em qualquer organizao, os funcionrios precisam atender a uma ampla variedade de problemas e a flexibilidade fundamental para uma maior velocidade de adaptao uma nova situao. A flexibilidade tambm colabora na direo de aumentar a confiabilidade, pois pode ajudar a manter a operao dentro do programado quando eventos imprevistos perturbam os planos.

2.2.3. Desempenho nas Entregas Esse critrio competitivo, conforme Wheelwrigth (1984), caracteriza-se por ser a

capacidade da empresa em manufaturar e vender produtos que funcionem conforme o especificado, entregar dentro dos prazos estabelecidos e capacidade de correo de qualquer defeito no produto ou servio imediatamente aps sua deteco.

Na operao interna, a resposta rpida aos consumidores externos auxiliada principalmente pela rapidez da tomada de deciso, movimentao de materiais e das informaes internas da operao, acarretando em benefcios complementares. Um desses benefcios complementares observados por Slack, Chambers e Johnston(1999) que a confiabilidade de entrega vem tornando-se um ganhador de pedido entre os clientes. Mesmo que o cliente no observe esse diferencial na primeira compra, medida que ele passa a perceb-los, a confiabilidade aumenta criando um vnculo entre cliente e fornecedor.

Outro benefcio reside no fato de que medida que os prazos comeam a ser rigorosamente atendidos, diminuem as ineficincias internas, provocando um compromisso maior por parte de todos na operao. H tambm uma tendncia de os estoque baixarem bem como de melhorar o fluxo, j que menores estoques foram a diminuio do estoque em processo entre uma operao e outra.

7

2.2.4. Custo O custo um dos critrios mais considerados na anlise dos processos de produo,

principalmente para empresas que concorrem diretamente em preos. Quanto menor o custo de produzir seus bens e servios, menor pode ser o preo a seus consumidores. Mesmo as empresas que focam outros aspectos, estaro, certamente, interessadas em manter seus custos baixos. um objetivo universalmente atraente.

O custo, enquanto critrio competitivo, afetado por todos os demais, pois cada um dos objetivos de desempenho possui vrios efeitos externos, acarretando em custos. Assim, na operao interna, uma forma importante de melhorar o desempenho de custos melhorar o desempenho dos outros objetivos operacionais.

2.2.5. Inovatividade Enquanto fonte de vantagem competitiva, a inovao segundo Porter (1989), permite

empresa retornos acima da mdia quando a concorrncia falha em no perceber uma nova maneira de competir e/ou quando esta no est disposta ou no capaz de responder s novas maneiras de competio no mercado em que atua. A inovao no necessariamente se faz atravs de grandes mudanas, pois a inovao em manufatura uma implementao de novas idias, grandes ou pequenas, que tem um potencial de contribuir para os objetivos da organizao.

Como uma forma de inovao, a introduo de novos produtos, pode gerar dois tipos de vantagens competitivas. A primeira, obviamente, lanar produtos mais rpidos que os concorrentes. Neste caso, enquanto os concorrentes lentos no chegam ao mercado, a empresa veloz pode explorar o mercado com preos mais altos e, conseqentemente, gerando lucros maiores. A segunda vantagem competitiva iniciar o desenvolvimento do produto mais tarde e chegar ao mercado juntamente com os concorrentes. Neste tipo de vantagem, a empresa veloz acaba tendo a chance de usar tecnologias mais avanadas no processo de fabricao de produtos que aquelas que seus concorrentes esto utilizando, gerando vantagens adicionais de custo, qualidade, flexibilidade ou velocidade de entrega (DIAS, 2002). Os critrios apresentados so importantes para a competitividade da indstria avcola. Na seqncia, apresenta-se um panorama da indstria de abate de abate de frangos no Brasil, com vistas ao estabelecimento de comparaes entre a teoria e a realidade observada.

3. AGROINDSTRIA DE ABATE DE FRANGOS NO BRASIL

A vocao naturalmente agrcola determinada pelas condies de clima e solo

brasileiro determinou, no incio da dcada de 1970 uma rpida expanso da produo de gros, notadamente milho e soja, principalmente devido a incorporao de novas reas de produo. Como estes gros representam os principais insumos na composio de raes para as criaes intensivas de animais, a avicultura, atravs do sistema integrado de produo e a implantao de modernos abatedouros, tomou forte impulso de crescimento.

Confirmando o argumento da vinculao entre a produo de gros e o crescimento da atividade industrial de produo e abate de aves, Rizzi (1993) revela que 80% dos insumos utilizados na avicultura de corte esto associados ao milho e ao farelo de soja, representando os principais componentes desta cadeia produtiva e que possibilitam a transformao de protena vegetal em protena animal, primeira fonte de agregao de valor neste segmento de atividade.

8

Fbrica de

Rao

AvsGranja

de Matrizes

Incubatrio

Criadores Integrados

Comrcio de Produtos

Agroavcolas

Fornecedores

Abatedouros

Clientes

FornecedoresFbrica

deRao

AvsGranja

de Matrizes

Incubatrio

Criadores Integrados

Comrcio de Produtos

Agroavcolas

Fornecedores

Abatedouros

Clientes

Fornecedores

Figura 03- Sistema integrado de produo de frango de corte. Fonte: Elaborado pelos autores. Outra caracterstica marcante do setor o sistema integrado de produo (Rizzi, 1993).

O sistema integrado consiste numa forma de relacionamento entre a agroindstria de abate (integradora) e produtores rurais, na qual o produtor de frango (integrado) se caracteriza pela utilizao de mo-de-obra familiar, pela diversificao de suas atividades e por ser proprietrio de sua terra (RICHETTI e SANTOS, 2000).

Desde sua origem, a indstria avcola esteve fortemente ligada conjuntura poltico-econmica do pas. Para Rizzi (1993) o surgimento da moderna agroindstria brasileira de abate de frango ainda durante os anos de 1970, foi fortemente beneficiada por uma poltica agrcola que, no seu conjunto, trazia condies de crdito subsidiado instalao de frigorficos, comercializao e instalao dos avirios por parte dos produtores integrados.

Do ponto de vista interno das firmas, ao investigar sobre as condies tecnolgicas da agroindstria avcola no Brasil, Rizzi (1993) concluiu que o setor apresentou um grande avano tecnolgico no tocante ao abate e processamento das carnes e principalmente em termos de novos produtos. No entanto, este segmento ainda totalmente dependente em relao s linhagens de aves geneticamente melhoradas dominadas por um pequeno grupo concentrado de empresas multinacionais estrangeiras. A gentica das aves tem sido determinante para o desempenho do setor permitindo a utilizao de linhagens mais apropriadas a determinadas regies e principalmente adaptadas aos diversos tipos de consumo.

No tocante a atividade de abate, as tecnologias no representam uma barreira s firmas entrantes, pois a difuso da tecnologia se d pelas empresas produtoras de bens de capital. Os principais avanos tecnolgicos neste segmento da cadeia tm se configurado pela modernizao dos processos de abate por meio da automatizao mecnica. Conforme Rizzi (1993), os pacotes tecnolgicos empregados pela agroindstria de abate de aves so desenvolvidos pelos fabricantes de bens de capital, na maioria estrangeiros e, em geral, so as empresas lderes as que mais investem em ampliao da capacidade produtiva e mecanizao da produo. No entanto, mesmo frente a relativa facilidade de acesso s tecnologias de abate, comum encontrar empresas que trabalham paralelamente com linhas mecanizadas e manuais, especialmente na etapa que envolve os cortes de frango.

Ampliando o foco da anlise para contemplar o ambiente concorrencial no qual esto inseridas as indstrias avcolas no Brasil, uma rpida investigao sobre as caractersticas da desta indstria j permite que se identifique as empresas Sadia e Perdigo como as lderes do setor. A posio alcanada por estas empresas resulta de um processo que foi auxiliado por sua longa experincia acumulada na rea de sunos, na qual haviam direcionado a produo para os grandes centros urbanos e para exportao. Antes mesmo de se lanarem na produo de aves, estas empresas j haviam desenvolvido estratgias de integrao como forma de controlar a qualidade e o abastecimento da matria-prima (WILKINSON, 1993).

9

Quando ao mercado consumidor, assim como os demais segmentos que atuam no mercado de alimentos, a indstria avcola se depara com uma crescente modificao nos hbitos alimentares. Segundo Wilkinson (1993), procurando estar alinhadas com as modificaes nos mercados de seus produtos, as estratgias das empresas lderes voltaram-se para a segmentao e sofisticao do mercado. As caractersticas mais fortes do ambiente competitivo da agroindstria avcola apontadas por este autor, esto relacionadas ao domnio comum da base tecnolgica e dos canais de comercializao. Isto implica na necessidade de se combinar as competncias produtivas da empresa (qualidade, flexibilidade) com suas competncias mercadolgicas associadas segmentao e diferenciao do mercado.

A anlise do ambiente competitivo mostra ainda que as empresas lderes constituem um grupo estratgico, compartilhando dimenses competitivas semelhantes tais como preo, marca, novos produtos e aes de marketing. Segundo Sifferet Filho e Faveret Filho (1998), o sistema de integrao e as elevadas escalas de produo da etapa industrial so duas caractersticas marcantes das empresas lderes no segmento de carnes de aves. Tambm no se pode deixar mencionar o grau de concentrao da indstria de abate de frango. Os nveis de concentrao no mercado de aves so bastantes altos, tanto em termos de empresas que participam deste mercado como em termos de distribuio espacial da produo.

0102030405060708090

100

1980 1985 1990 1995 2001

Figura 04 - Grau de Concentrao Indstria de Frangos no Brasil (CR4 - participao das 4

maiores no total da produo) Fonte: Elaborado com base em dados de Sifferet Filho e Faveret Filho (1998) e ABEF (2003).

Sadia, Perdigo, Frangosul e Seara, quatro empresas lderes do setor, concentram mais

de 30% da produo brasileira de carne de frango (Figura 04), conforme medida obtida pelo ndice de concentrao CR4. Em termos espaciais, Wilkinson (1993) mostra que os trs estados do Sul so responsveis por mais de 70% da produo nacional e por quase a totalidade das exportaes.

Apesar de dominada por um reduzido nmero de grandes empresas, a agroindstria avcola envolve tambm pequenas e mdias empresas que se dedicam principalmente ao atendimento de mercados regionais. Estas empresas apresentam diferentes padres tecnolgicos e organizacionais, mas disputam o mesmo mercado em que esto as firmas lderes, configurando-se, assim, a existncia de diferentes grupos estratgicos na mesma indstria.

Por fim, sobre as modificaes no ambiente competitivo, Rizzi (1993) salientou que o grau de competio do setor aumentou e passou a requerer, por parte das empresas lderes, a capacidade ampliao dos seus espaos de acumulao. O autor sugere que isto poderia ser

10

obtido atravs da incorporao de novas atividades, que aproveitassem o aprendizado adquirido e as sinergias dele decorrentes, o que reforaria as barreiras entrada e mobilidade de concorrentes.

Ao analisarem as estratgias das agroindstrias de abate de frangos, Sifferet Filho e Faveret Filho (1998) concluram que apesar do preo ser um fator significativo em se tratando do comportamento do consumidor no mercado nacional de carnes, necessrio considerar as tendncias qualitativas de consumo. Segundo estes autores, so estas tendncias qualitativas no consumo que formam a base para as estratgias de segmentao do mercado.

Para Sifferet Filho e Faveret Filho (1998), as aes de marketing esto fortemente vinculadas a estratgia de diferenciao de produtos. A anlise destes autores sobre as dimenses das estratgias das empresas lderes no segmento de aves revela que estas atribuem grande importncia diversificao que esteja associada mesma base tecnolgica. Outra caracterstica estratgica importante destacada por Sifferet Filho e Faveret Filho (1998) a nfase no mercado interno.

Em sntese, as principais caractersticas do ambiente competitivo e estratgico no qual esto inseridas as agroindstrias brasileiras de abate de frangos podem ser assim apresentadas:

No tocante aos concorrentes, destaca-se a homogeneidade e o acesso facilitado s das tecnologias empregadas nos processos de abate, mas que por outro lado implicam em considerveis economias da escala, que se convertem em obstculos s potencias firmas entrantes. No obstante, mesmo sobre bases tecnolgicas semelhantes, a indstria concentra grandes esforos no sentido da diferenciao de produtos.

17,2

0,6

7,42,7

20,1

0,5

7,3 6,2

24,4

0,66,9

11,1

32,9

0,7

8,6

22,7

0

10

20

30

40

Kg

1961-1970 1971-1980 1981-1990 1991-2000

Bovina Ovelha e Cabra Porco Frango

Figura 05 - Consumo Anual per capita de Carnes no Brasil Fonte: Elaborado a partir de dados da FAO. Em relao aos consumidores e clientes, a agroindstria se depara com uma

diversidade de comportamentos associados a questes de renda e preferncias dos consumidores frente aos preos dos produtos. De outro lado, a carne de frango ao mesmo tempo em que enfrenta a concorrncia com substitutos muito prximos, tambm se presta facilmente diferenciao. Mas, de modo geral, o panorama positivo, pois o consumo de frango e derivados tem aumentado mais do que as outras carnes, chegando a mais do que duplicar na ltima dcada, como observa-se na Figura 05.

4. MTODO E PROCEDIMENTOS Este trabalho tem por objetivo investigar o sistema de produo de uma unidade de

abate de aves considerando os aspectos estratgicos da organizao da produo focados em qualidade e custos. Para isso, o mtodo de pesquisa adotado foi o estudo de caso de carter

11

exploratrio, tendo como organizao objeto de estudo uma agroindstria de abate de aves, com sede em Porto Alegre, e unidades de abate na capital e no interior do Rio Grande do Sul.

A coleta de dados baseou-se em dados primrios e secundrios. Os dados primrios foram obtidos atravs de entrevistas e observao in loco, conforme visita realizada em outubro de 2003. Como referncia, foi utilizada a unidade de Porto Alegre onde o quadro funcional na fbrica de 490 funcionrios, totalizando em toda a unidade 590 funcionrios. Cabe destacar que a empresa que se configura no caso estudado uma das maiores do seu segmento, considerando-se o estado do Rio Grande do Sul, abatendo cerca de 150.000 frangos por dia, o que corresponde a aproximadamente 16% da produo de frango deste Estado. Os dados secundrios foram obtidos atravs de informaes disponveis no site da empresa e publicaes disponibilizadas pela mesma.

Os dados foram analisados qualitativamente tomando-se por base o referencial terico utilizado neste estudo.

5. A ANLISE DO CASO

5.1. Contextualizao da Empresa A empresa objeto deste estudo foi fundada no final da dcada de 1950, operando com

apenas uma granja de criao de aves. uma empresa genuinamente brasileira de capital aberto e suas aes so negociadas nas principais Bolsas de Valores do pas. Voltada originalmente para a produo de carne de frango, a empresa pesquisada atualmente uma das principais indstrias de alimentos do Brasil, atuando nos segmentos de protena animal (aves, sunos e lcteos) e vegetal (gros). Cabe destacar que a empresa pesquisada uma corporao que, juntamente com as suas controladas e as suas respectivas filiais, conta com mais de 7,6 mil colaboradores diretos e aproximadamente 78 mil colaboradores indiretos alocados principalmente em seus complexos industriais, localizados nos Estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Bahia.

Acompanhando o crescimento da avicultura no Brasil, e prevendo boas perspectivas para o setor, a partir dos anos de 1970 iniciou a expanso de suas atividades. Buscando diversificar suas atividades e vislumbrando na industrializao de soja um negcio de rpida expanso e de boa rentabilidade, a empresa tambm passou a operar na produo de leos vegetais e mais recentemente na rea de laticnios. No mesmo perodo, atravs de uma estratgia de incorporaes, a empresa expandiu suas atividades no interior do estado. Apenas no incio da dcada de 1990 que foram dados os passos mais importantes na direo de uma mais efetiva estratgia de participao no mercado externo.

Atualmente a empresa possui 17 granjas para criao de matrizes e produo de ovos para incubao, criao de poedeiras comerciais e produo de ovos para consumo e, criao de frangos de corte para abate; seis incubatrios; cinco fbricas de raes; quatro abatedouros de aves, alm de outras propriedades. Possui, trs unidades de produo (Rio Grande do Sul, Bahia e Mato Grosso do Sul), 2000 produtores de aves e 442 produtores de sunos.

A empresa produziu em 2002, 300 mil toneladas de carne de frango e 70 mil toneladas de carne suna industrializada e in natura, consolidando-se entre as cinco maiores empresas do setor no Brasil. Os principais produtos e/ou servios da empresa em relao a receita lquida so apresentados na tabela 01.

12

Tabela 01 Principais produtos e servios da empresa em relao a receita lquida

Principais Produtos e/ou Servios: % da Receita Lquida Frangos abatidos 49,96 Ovos comerciais 0,03 Raes para aves e sunos e matria-prima 35,87 Sunos (vivos, abatidos e industrializados) 13,47 Outros 0,67 TOTAL: ........................................................................................ 100,00

Fonte: retirado do site da empresa em 21/07/2003. Os dados da tabela 01 revelam que o percentual mais significativo da receita lquida da

empresa (49,96%) refere-se aos frangos abatidos seguidos das raes para aves e sunos e matria-prima que perfazem um total de 35,87%. A produo de sunos vivos, abatidos e industrializados representam 13,57% da receita lquida da empresa.

A comercializao dos produtos da empresa realizada no mercado interno, e tambm via exportao para outros pases, tendo como principais mercados o Leste Europeu, o Oriente Mdio, Amrica Central e pases do Continente Africano. A tabela 02 apresenta o volume de exportao da empresa no perodo de 1999 a 2002.

Tabela 02 Exportaes

Exportaes Valor em US$ Ano 1999 112.161 Ano 2000 20.456 Ano 2001 140.910 Ano 2002 185.114

Fonte: elaborado pelos autores com base nas informaes fornecidas pela empresa Os dados da tabela 02 revelam, no ano de 2002, um crescimento de 32% no volume

total de produtos exportados em relao ao ano anterior. Este crescimento resultado de investimentos em estrutura e preparo para atender s necessidades e exigncias do mercado internacional.

5.2. O processo produtivo: da criao das aves ao abate Na empresa pesquisada, os frangos so produzidos em granjas de parceiros criadores,

que disponibilizam os avirios dentro dos conceitos de estrutura e equipamentos adequados, para um correto manejo dos pintinhos e das raes recebidos, ou seja, atravs de um sistema integrado de produo. Na fase de engorda dos frangos, os avirios integrados utilizam medicamentos, vacinas ou desinfetantes quando necessrios, com auxlio de extensionistas, que prestam assistncia tcnica estes parceiros, os quais geralmente utilizam-se de mo-de-obra familiar. Os extensionistas da empresa so tcnicos agrcolas, zootecnistas, mdicos-veterinrios, e engenheiros agrnomos especialistas em produo de aves, que treinam e capacitam constantemente os avicultores usando tcnicas como o "Check-List" (lista de checagem), que consta de 47 pontos de monitoramento no avirio, verificando o ambiente e

13

temperaturas adequados, a qualidade e a clorao da gua e o destino das aves mortas em compostagem (processo de decomposio e transformao das aves mortas em adubo).

As principais etapas que compem o processo de produo da empresa so: a) matrizes de corte - a empresa compra e produz pintos matriz de um dia, os quais permanecem at 180 dias de idade em fase de recria. A partir dessa idade passa para a fase de produo de ovos os quais so enviados ao incubatrio onde so classificados e incubados durante 21 dias. Os pintos nascidos so enviados para as granjas de criao prpria e para produtores integrados; b) frangos de corte - os pintos de um dia so alojados em granjas com instalaes previamente preparadas e equipadas com campnulas (aquecedores a gs e/ou lenha), comedouros e bebedouros automticos e preparado a cama de serragem. Os pintos permanecem em mdia 45 dias alojados e atingem um peso mdio de dois kg. Os frangos em idade e peso de abate, so enviados ao frigorfico onde so abatidos, embalados, resfriados ou congelados e vendidos distribuidores e supermercados.

5.3. As Prioridades Competitivas Adotadas O ponto fundamental para desenvolver uma estratgia de produo est na

compreenso em como criar ou agregar valor para os clientes. Esse valor agregado atravs das prioridades competitivas que so selecionadas pelas empresas para apoiar uma determinada estratgia. Nesta parte do trabalho, tentar-se- identificar o desempenho da empresa objeto do estudo de caso, segundo os critrios competitivos definidos por Wheelwrigth (1984), resgatando como, a partir dos critrios de qualidade e custos, a empresa focaliza seus recursos como fonte de vantagem competitiva na estratgia de produo.

5.3.1. Qualidade No que se refere ao critrio competitivo qualidade, pode-se observar que na empresa

investigada existe uma preocupao constante em relao a este quesito, que se materializa atravs de uma srie de atividades que so desenvolvidas, destacando-se o acompanhamento do Departamento de Controle de Qualidade da empresa que apresenta um check-list que deve ser seguido para liberao do abate dirio e higienizao.

Na produo direcionada para o exterior, uma das exigncias que os frangos devem pesar necessariamente entre 800g e 1.500g, sendo que para atender esta exigncia a empresa investiu em tecnologia como a aquisio de balanas eletrnicas que descartam os frangos que no se enquadram nesta pesagem. Esta iniciativa enquadra-se no critrio conformidade estabelecido por Garvin (1987) que consiste em avaliar o grau de adequao do produto aos padres estabelecidos, considerado um dos critrios tradicionais de qualidade.

O processo produtivo inicia com o recebimento do frango vivo dentro dos padres estabelecidos e controlados pelos laboratrios da prpria empresa. Existem pontos de controle (PC) que so rigorosamente seguidos pela empresa, tais como: tempo de jejum do frango vivo, tempo de carncia de medicamentos, entre outros, que somente depois de analisados, liberam o animal para o abate. Aps a liberao, o frango segue para o abate humanitrio, onde feita a sangria, passando depois pela escaldadeira onde so cortadas as cabeas e os ps dos animais. Na seqncia, as cabeas e os ps seguem para uma linha de produo onde so higienizados e resfriados garantindo, assim, o controle microbiolgico. O frango (sem cabea e ps) segue para outra linha de produo passando para a etapa seguinte que a eviscerao. Esta etapa caracteriza-se como um dos pontos crticos do processo produtivo onde so retiradas as vsceras do animal existindo o risco de contaminao fecal e biliar, caso ocorra rompimento dos tecidos do frango. Nesta etapa, h a separao dos midos, sendo que os comestveis vo para o sistema de resfriamento e os no comestveis para o setor de sub-produtos.

14

Outro ponto crtico refere-se ao sistema de pr-resfriamento e resfriamento do frango onde a temperatura deve ser rigorosamente controlada assim como controle de cloro e da gua utilizada. Por fim, o frango vai para o setor de embalagem sendo classificado por peso e qualidade da carcaa e congelamento final. Quanto ao armazenamento, o produto fica armazenado na cmara fria de 6 a 12 horas, numa temperatura de 18o C abaixo de zero.

Para atender s especificaes desejadas, novas tcnicas de gesto da qualidade so utilizadas pela empresa, como o APPCC (Anlise de Perigos e Pontos Crticos de Controle) ou HACCP na sigla em ingls, e a BPF (Boas Prticas de Fabricao). O sistema APPCC se baseia no princpio preventivo onde os perigos so controlados em toda cadeia produtiva, considerando-se desde a incubao dos ovos at a distribuio do frango embalado. Na definio de procedimentos e tcnicas para o monitoramento nos PCCs (Pontos Crticos de Controle), o sistema APPCC a nvel industrial constitui uma etapa complementar importante na obteno de certificao ou na adoo de planos mais amplos de controle de qualidade como o TQM (Gesto de Qualidade Total). O sistema APPCC se destaca ainda pelo fato de que todos seus testes e monitoramentos sejam inter-relacionados e interpretados conjuntamente, como um sistema, ao contrrio dos outros sistemas de qualidade, em que as anlises tendem a ser isoladas. Este sistema dentro de qualquer agroindstria de abate de aves torna-se de fundamental relevncia para eliminar ou minimizar perigos, como a salmonela e outros microorganismos que podem surgir, como, por exemplo, no processo de eviscerao, onde pode ocorrer contaminao fecal.

Outro aspecto que merece destaque, refere-se ao programa de sade oferecido aos funcionrios da empresa atravs de ginstica laboral e atendimento mdico para dores musculares, devido ao processo de trabalho rotineiro e contnuo, alm de exames de sangue, urina e fezes. No entanto, mesmo assim, pode-se destacar que o turnover bastante alto.

Dentro da qualidade ambiental, a empresa pesquisada trabalha com um processo de tratamento da gua, sendo que do total, 80% da gua utilizada pode ser reaproveitada, at porque, a empresa necessita em mdia de 400.000 litros de gua por dia. Os produtos que porventura caem no cho podem ser aproveitados passando por uma lavagem em gua hiper-clorada.

Esses pontos crticos, conforme Scare e Martinelli, (2003) foram estendidos para fora das empresas, atravs da viso de qualidade sistmica, que tem como objetivo gerar a cooperao de todos os envolvidos na cadeia de um produto agroalimentar, desde o fornecedor de insumos para a agricultura at as redes supermercadistas. Para o fortalecimento das marcas que garantam ao consumidor a imagem de qualidade, os integrantes dos sistemas agroindustriais vm gradativamente transferindo o foco da garantia da qualidade do produto final para a garantia da qualidade do processo produtivo, enfatizando o controle dos pontos crticos na produo dos produtos.

Analisando-se sob a tica dos critrios de qualidade apontados por Garvin (1987) percebe-se a preocupao da empresa analisada em relao aos seguintes critrios, conforme apresentados na Figura 06.

15

Figura 06 Critrios de qualidade e aspectos considerados pela empresa pesquisada.

Critrios Aspectos Considerados

Desempenho Controle de recebimento do frango vivo, atravs de exames em laboratrios da prpria empresa, como tempo de jejum, tempo de carncia de medicamentos, peso do animal, etc.

Caractersticas Secundrias

Nesta dimenso, as caractersticas apontadas por Garvin (1987) complementam as caractersticas de um produto e mesmo no estando presentes o produto capaz de realizar as funes para as quais foi projetado. No caso analisado, por se tratar de um produto alimentcio, pode-se considerar como caractersticas secundrias a preocupao da empresa com o controle de pragas , lavanderia de uniformes, higienizao das pessoas que trabalham no frigorfico e dos visitantes. So caractersticas importantes para adicionar satisfao aos clientes.

Confiabilidade

Esta caracterstica atendida atravs do sistema de integrao adotado pelas empresas avcolas, atravs da coordenao das atividades complementares ao abate, desde o fornecimento da matria prima para o avicultor (os pintos de um dia), insumos utilizados como a produo de rao, assistncia tcnica at o desenvolvimento de um esquema de contrato para a criao das aves pelos produtores rurais.

Conformidade

O grau de adequao do animal aos padres estabelecidos tanto para consumo interno como para exportao rigorosamente seguido pela empresa. Animais que no se enquadram nos padres estabelecidos seguem para a linha de produo de corte e desossa.

Durabilidade

Este critrio caracteriza-se como um ponto crtico no processo produtivo da empresa. A durabilidade do animal depende basicamente das etapas de resfriamento e congelamento por ser considerado um produto perecvel. Existe tambm a preocupao da empresa em relao ao acondicionamento dos frangos e da temperatura nos locais onde os produtos so colocados venda. Esta etapa garante o controle microbiolgico, bem como os controles referentes aos perigos fsico-qumicos.

Servios Agregados

Por se tratar de um produto perecvel esta dimenso de relevante importncia. Os servios agregados compreendem a rapidez que um servio entregue. Neste caso, mesmo no se tratando de servios a rapidez na distribuio e entrega dos produtos aos pontos de comercializao um dos pontos crticos do processo em funo da validade e qualidade dos animais que sero comercializados.

Esttica

Esta dimenso tambm encontra-se presente, visto que os frangos que recebem um corte alm do estabelecido pela empresa, passam para a linha de produo de corte e desossa, no sendo comercializados inteiros. Tambm h uma grande preocupao com a aparncia, cor e tamanho do animal, assim como tcnicas de corte para atender s preferncias dos consumidores.

Qualidade percebida

Por ser considerada uma dimenso subjetiva, a empresa acredita que a qualidade percebida, por parte do consumidor, atravs da sua marca enquanto sinnimo de qualidade e preocupao ambiental. Nesta dimenso, pode-se citar como exemplo o bom relacionamento com a comunidade local, visto que existem histricos de muitas reclamaes por parte dos moradores da regio.

Fonte: elaborado pelos autores com base em Garvin (1987). A empresa deve estar atenta ao atendimento das dimenses apontadas por Garvin (1987), no sentido de identificar quais atividades podem ser aperfeioadas e/ou eliminadas de modo a possibilitar a satisfao do cliente final e o incremento de sua competitividade no mercado avcola nacional e internacional. Atualmente, em funo da gripe do frango em pases como a China e Estados Unidos, novas oportunidades esto surgindo para o mercado

16

brasileiro, sendo necessrio uma ateno cada vez maior, em relao aos critrios de qualidade e produtividade.

5.3.2. Custo O sistema de custos oferece informaes relevantes sobre os gastos incorridos nos

diversos centros de custos que compem a estrutura da empresa, possibilitando a identificao dos centros responsveis pelo consumo dos gastos facilitando o controle gerencial, a elaborao de oramentos e a tomada de decises por parte da organizao.

A empresa pesquisada possui sete centros de custos, porm, o foco deste estudo concentrou-se no centro de custos do Frigorfico que recebe os frangos vivos oriundos das granjas da prpria empresa ou de granjas de terceiros. No frigorfico, o frango passa pelo processo de abate, corte/desossa e salsicharia e, ento, encaminhado para distribuio.

Pelas informaes obtidas na empresa, percebe-se que os custos variveis representam uma parcela significativa do custo total, sendo que os custos fixos representam menos de 10% dos custos totais do frigorfico. Convm salientar que o principal item de custo varivel refere-se a matria-prima (frango) que representa aproximadamente 70% do custo total seguido de gastos com embalagens. Os gastos com mo-de-obra, particularmente nesta empresa, so tratados como custos variveis em funo das peculiaridades deste segmento empresarial que caracteriza-se por um elevado ndice de turnover de pessoal.

Quanto aos custos fixos destacam-se os gastos com manuteno em geral. Por fim, os custos classificados como indiretos referem-se basicamente a gastos com laboratrio e caldeiras.

Cabe destacar que a empresa procura reduzir seus custos diretos de produo, porm dado que o principal componente do custo total representado pelo frango vivo, torna-se difcil para a unidade de abate interferir sobre esta varivel que se define num processo anterior ao prprio abate. Ou seja, custo de produo do frango se determina nas granjas e depende de outros elementos, dentre os quais destaca-se a composio das raes fortemente dependente dos preos de duas commodities agrcolas, o milho e a soja.

Para gerenciar seus custos, pode-se observar que a empresa utiliza um sistema de custeio tradicional, ou seja, o custeio por absoro, sendo que para fins gerenciais a empresa utiliza uma mescla do custo padro com o custeio por absoro. Segundo Santos, Marion e Segatti (2002), o mtodo de custeamento por absoro consiste na apropriao de todos os custos de produo aos produtos elaborados de forma direta e indireta (rateios). Esse mtodo de custeio falho em muitas circunstncias, como instrumento gerencial de tomada de decises, porque tem como premissa bsica os rateios dos chamados custos fixos, que, apesar de aparentarem lgicas, podero levar a alocaes arbitrrias e enganosas.

As despesas fixas apresentam como base de rateio o faturamento e a produo, sendo que as despesas com administrao local so rateadas de acordo com a produo da unidade onde incorreram os gastos sem necessidade de realizao de rateio. J as despesas com administrao corporativa so rateadas com base no filing e com base na produo de cada unidade. As despesas com administrao central, vendas, exportao, armazenagem e despesa com filial so rateadas com base no faturamento.

6. CONSIDERAES FINAIS

O propsito deste trabalho foi o de investigar o sistema de produo de uma unidade

de abates de aves com foco nos critrios competitivos: qualidade e custos. A realizao do estudo revelou a preocupao da empresa em relao qualidade dos seus produtos que se evidencia atravs de rigorosos controles para eliminar ou minimizar a presena de

17

microorganismos, bem como de perigos fsico-qumicos previstos nas normas de Boas Prticas de Fabricao (BPF) e Anlise de Perigos e Pontos Crticos de Controle (APPCC). Percebeu-se, a preocupao da empresa com a questo ambiental, visto que existe histrico de reclamaes por parte da comunidade local. Atualmente, segundo informaes da empresa, estas reclamaes no ocorrem e h preocupao constante com os resduos e graxarias que so eliminados, bem como com o tratamento da gua.

Um ponto que merece ateno por parte da empresa refere-se ao alto ndice de turnover de pessoal, decorrente da atividade altamente rotineira e operacional. A empresa desenvolve atividades para melhoria das condies de trabalho, como por exemplo, a ginstica laboral. No entanto, salienta-se que novas iniciativas podem ser adotadas pela empresa, no sentido de minimizar o ndice de turnover, tais como: rodzio de tarefas que so desenvolvidas pelas pessoas, investimentos em programas de treinamento e desenvolvimento, melhoria das condies de trabalho e preocupao com a qualidade de vida dos colaboradores.

Em relao a dimenso custos, destaca-se que a adequada apurao, anlise, controle e gerenciamento dos custos de produo dos bens e servios devem ser preocupaes dos empresrios e gestores das organizaes em geral, que justificam-se pela busca contnua, pelas organizaes, de melhor posicionamento competitivo. Destaca-se, atravs da realizao deste estudo, que a empresa investigada preocupa-se com a gesto de custos uma vez que a mesma o considera uma importante ferramenta para o processo decisrio. Entretanto, ressalta-se que, a empresa pesquisada utiliza um sistema de custeio convencional uma vez que a maioria dos seus custos so diretos no sendo necessrio, desta forma, a realizao de rateios arbitrrios. O levantamento, controle, identificao e gerenciamento dos custos no determinam o preo da carne de frango sendo este definido pelo mercado, o que por sua vez, refora a preocupao que a empresa deve ter em relao a gesto de seus custos. A empresa no pretende adotar uma nova metodologia de custeio, como por exemplo, o sistema ABC em funo dos altos investimentos que seriam exigidos, alm de treinamento de pessoal e mudana nos modelos mentais da equipe gerencial e demais diretores da empresa.

Atualmente um dos grandes desafios que a empresa enfrenta refere-se a decises sobre a escolha do melhor mix de produo, como por exemplo: frangos cortados em pedaos com pele ou sem pele? Coxas de frangos com ou sem sobrecoxas? Estas decises so de fundamental importncia, servindo de referencial em termos de qualidade, produtividade e lucratividade, uma vez que a empresa no pode influenciar individualmente os preos dos produtos. Nesse sentido, uma adequada apurao e gerenciamento de custos na empresa investigada trar subsdios para a empresa enfrentar os desafios acima propostos e auxiliar na busca da competitividade garantindo o crescimento, manuteno e a sobrevivncia da empresa no mercado.

Assim, respondendo diretamente ao questionamento proposto inicialmente, a anlise do caso pesquisado, indica que as estratgias de produo, podem se configurar em importantes critrios de competitividade e em fontes de vantagens competitivas s empresas agroindustriais.

Por fim, acredita-se que este estudo tenha servido para exemplificar algumas prticas no campo da estratgia e, principalmente, revelar a estreita ligao entre as estratgias de produo e o desempenho global das organizaes do agronegcio. No entanto, este estudo se limita apenas a duas dimenses ou critrios competitivos: qualidade e custos. Assim, sugere-se que outros estudos poderiam ampliar a anlise incorporando os demais critrios apresentados por Wheelwrigth (1984), ou, ainda, analisar outros segmentos e cadeias do agronegcio utilizando este modelo.

18

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

ABEF, Associao Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos. Disponvel em: www.abef.com.br. Acessado em: 04/10/2003.

BARROS NETO, J.P.; FENSTERSEIFER, J.E. O contedo da estratgia de produo: as categorias de deciso da funo produo e a construo de edificaes. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 24., Florianpolis, 2000. Anais... Rio deJaneiro: ANPAD, 2000. 1 CD-ROM.

CORRA, H. L; GIANESI, I.G.N. Just in time, MRP, OPT: um enfoque estratgico. So Paulo: Atlas, 1993.

CORRA, H. L; SLACK, N. Flexibilidade estratgica na manufatura: incertezas e variabilidade de sadas. Revista de Administrao, So Paulo, Vol. 29, No 1, p. 33-41, Jan/Mar. 1994.

DIAS, M. F. P. A produo como vantagem competitiva: aplicao de um modelo de diagnstico para formulao de uma estratgia de produo em uma empresa agroindustrial. Dissertao (Mestrado) Escola de Administrao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002

GARVIN, D.A., Competing on the Eight Dimensions of Quality. Harvard Business Review, Nov./Dez., 1987.

GERWIN, D. Manufacturig Strategic Planning: a strategic perspective. Management Science, Linthicum, v. 39, n.4, p.395-410, Apr., 1993.

ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS PARA AGRICULTURA E ALIMENTAO FAO. Disponvel em www.incra.gov.br/fao/. Acessado em 2002.

PIRES, .Gesto estratgica da produo. Piracicaba: UNIMEP, 1995.

PORTER, Michael E. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campus, 1989

RICHETTI, A.e SANTOS, A. C. dos. O sistema integrado de produo de frango de corte em Minas Gerais: uma anlise sob a tica da ECT. Revista de Administrao da Ufla, v. 2, n. 2, p.34-43, jul/dez, 2000.

RIZZI, A. T. Mudanas tecnolgicas e reestruturao da indstria agroalimentar: o caso da indstria de frangos no Brasil. Campinas. Unicamp, 1993. (Tese de Doutorado).

SANTOS, G., MARION, J. C. e SEGATTI, S. Administrao de Custos na Agropecuria. So Paulo: Atlas, 2002.

SCARE, R.F. e MARTINELLI D. P. Negotiation strategic applied on agribusiness certification. Disponvel em: www.pensa.fea.usp.br. Acessado em: 04/10/2003.

SIFFERET FILHO, N. e FAVERET FILHO, P. O sistema agroindustrial de carnes: competitividade e estruturas de governana. Revista do BNDES, v. 5, n.10, p. 265-297, dez.1998.

19

SLACK, N..CHAMBERS, S. E JHONSTON, R., Administrao da produo. So Paulo. Atlas, 1999.

SLACK, N., CHAMBERS, S. E JHONSTON, R., Administrao de Produo. 2 ed.. So Paulo: Atlas, 2002.

WHEELWRIGHT, S. C. Manufacturing Strategy: Defining the Missing Link. Strategic Management Journal, v. 5, 1984.

WILKINSON, J. Estudo da competitividade da indstria brasileira: competitividade na indstria de abate e preparao de carnes. Campinas: IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC FUNCEX, 1993. (Nota Tcnica Setorial do Complexo Agroindustrial).

A importncia da gesto da informao entre os elos da cadeia produtiva de frangos.

Eugenio vila Pedrozo Dione Carina Francisco

Resumo

A avicultura dos dias atuais um setor da economia brasileira de suma importncia, por gerar um expressivo nmero de empregos diretos e indiretos, sendo dos setores que mais investem em equipamentos, tecnologias, inovao, manejo e sanidade. Por isso, fundamental para as empresas a troca de informaes entre os elos da cadeia produtiva. A adoo de um Sistema de Informao um dos quesitos que sero abordados ao longo deste trabalho, assim como, a relevncia das reunies entre tcnicos e produtores. Este trabalho foi baseado em dados obtidos no ano de 2000 em uma empresa de alimentos, especificamente na unidade de aves de corte. O estudo de caso apresentado de carter exploratrio, cujas informaes foram obtidas atravs de observao direta e dados secundrios As trocas de informaes tcnicas so uma ferramenta para garantir a qualidade dos produtos e atender as expectativas dos consumidores. Palavras-chave: avicultura, informao, estudo de caso. Introduo A avicultura dos dias atuais um setor da economia brasileira de suma importncia, por gerar um expressivo nmero de empregos diretos e indiretos; para se ter uma idia, apenas no Estado do Rio Grande do Sul o setor responsvel por 820.000 empregos diretos e indiretos, contando com 8.000 produtores integrados, divididos em mini e pequenos produtores, com uma mdia de 10 Ha por propriedade; teve um faturamento no ano de 2001 de R$ 1.140.000.000,00 (ASGAV, 2002). Outro Estado de destaque Santa Catarina, que abriga grandes empresas, principalmente na regio oeste.

O Brasil produziu at o ms de setembro de 2002, 5.494.231 Kg de carne de frango. Com isso, figura entre os maiores exportadores de carne de aves O consumo per capita apresentou um crescimento, como pode ser observado por estes dados: em 1998, consumia-se, 22,9 Kg /ano, em 1999 o consumo foi de 26,8 Kg /ano e em 2001, 29,4 Kg / ano (UBA, APINCO 2002). Conforme Jorge (1994), esta evoluo no consumo deve-se, sob o ponto de vista do consumidor, a uma opo econmica, devido ao preo acessvel do frango com relao a outras carnes.

A avicultura um dos setores que mais investem em equipamentos, te