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Raquel Costa Cardoso Lusardo AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL: CONCEPÇÕES DE PROFESSORAS SOBRE O PAPEL DO PORTFÓLIO Juiz de Fora 2007

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Raquel Costa Cardoso Lusardo

AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL: CONCEPÇÕES

DE PROFESSORAS SOBRE O PAPEL DO PORTFÓLIO

Juiz de Fora

2007

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Raquel Costa Cardoso Lusardo

AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL: CONCEPÇÕES

DE PROFESSORAS SOBRE O PAPEL DO PORTFÓLIO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, na linha de pesquisa Linguagem, Conhecimento e Formação de Professores como requisito parcial à obtenção do título de mestre. Orientadora: Profª. Drª. Léa Stahlschmidt Pinto Silva.

Juiz de Fora

2007

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TERMO DE APROVAÇÃO

RAQUEL COSTA CARDOSO LUSARDO

AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL: CONCEPÇÕES DE PROF ESSORAS

SOBRE O PAPEL DO PORTFÓLIO

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-Graduação em Educação Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, pela seguinte banca examinadora:

______________________________________________ Profª. Drª. Léa Stahlschmidt Pinto Silva (Orientadora) Programa de Pós-Graduação em Educação, UFJF

______________________________________________ Profª. Drª. Luciana Pacheco Marques Programa de Pós-Graduação em Educação, UFJF

______________________________________________ Prof. Dr. Jader Janer Moreira Lopes Programa de Pós-Graduação em Educação, UFF

Juiz de Fora, 23 de março de 2007.

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Aos professores e às crianças

da Educação Infantil que compartilham

a aprendizagem com autonomia e esperança.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus pelo infinito amor, pela graça inspiradora e pelas eternas misericórdias

que me guardam em todo tempo.

Ao meu esposo Luiz Alberto pelo amor e apoio constante, pelas leituras críticas que

muito me ajudaram neste trabalho.

À minha filha Vitória por ensinar-me o que significa ser criança.

À minha mãe Neusa por suas orações e por seus sábios conselhos.

Aos meus familiares pelo incentivo aos estudos.

À Professora e Orientadora Drª. Léa Stahlschmidt Pinto Silva pela dedicação e

disponibilidade nas orientações, pelo respeito ao meu trabalho e pela mediação na

aprendizagem.

Aos Professores Drª. Luciana Pacheco Marques e Dr. Jader Janer Moreira Lopes pelas

sugestões no exame de qualificação.

Às professoras que participaram da pesquisa pela aprendizagem e à direção e

coordenação pedagógica da escola pela oportunidade de realizar este trabalho.

Aos muitos amigos que fizeram sugestões, compartilharam experiências e ofereceram

ajuda.

A todos, muito obrigada.

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RESUMO

Este trabalho teve como objetivo investigar a compreensão de professoras acerca do papel do portfólio no processo de avaliação das crianças que freqüentam as classes de Educação Infantil. Para tal, utilizou-se como perspectiva teórico-metodológica a abordagem sócio-histórica, com ênfase nos processos mediadores, tendo relacionado o mesmo ao paradigma indiciário com base em Ginzburg (1989). Os sujeitos foram quatro professoras que atuam com crianças na faixa etária de 3 a 6 anos de idade. O contexto da pesquisa foi uma escola particular localizada na cidade de Juiz de Fora. Utilizou-se para a coleta de dados a entrevista semi-estruturada com as professoras e a observação na sala de atividades de situações que envolviam a avaliação e o uso dos portfólios. A análise e interpretação dos dados foram realizadas através das pistas e dos indícios encontrados. Considerou-se que o portfólio envolve a participação da criança, da família e do professor e contribui para a avaliação da aprendizagem, desde que esteja embasado na avaliação formativa e mediadora. Tal instrumento de registro relaciona-se com as concepções do professor sobre avaliação, aprendizagem, criança e infância, concepções que interferem na construção do portfólio e nas ações docentes com a educação das crianças.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Infantil; avaliação; portfólio; criança; infância.

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ABSTRACT

This work was aimed at investigating the perception of the teachers about the role of the portfolio in the evaluation process of primary school children. In order to do so, it was utilized the socio-historical approach as theoretical-methodolgical perspective, emphasizing the mediator processes, relating it to the indiciary paradigm with base in Ginzburg (1989). The subjects were four teachers who work with children ranging from 3 to 6 in age. The research was carried out in a private school in Juiz de Fora. As for the methodology, a semi-structured interview was applied to the teachers, and classroom observation concerning evaluation and the use of portfolios was also performed. Data analysis and conclusions were drawn from the clues found. The portfolio has been found to involve the child’s participation, as well as the family’s and the teacher’s and to contribute to the learning process evaluation as long as it is based on formative and mediating evaluation. Such record tool is related to the teacher’s conception on evaluation, learning, children and childhood, which interfere with the filling of the portfolio and the actions taken in teaching children.

KEY WORDS: child education, evaluation, portfolio, child, infancy.

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SUMÁRIO

LISTA DE ANEXOS 09

A BUSCA PELA PESQUISA: ONDE TEORIA E PRÁTICA SE ENCONTRAM 10

1. A ESCOLHA DE UM CAMINHO METODOLÓGICO 22

1.1 Enveredando pelo caminho das pistas 22

1.2 A inserção no campo 26

2. DIALOGANDO COM OS AUTORES E COM AS PROFESSORAS PARA COMPREENDER A AVALIAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 34

2.1 Avaliação: conceitos e práticas construídos historicamente 36

2.2 Avaliação: diferentes significados, modalidades e intenções 46

2.3 Avaliação na Educação Infantil e a perspectiva da avaliação mediadora 60

3. PORTFÓLIO: INSTRUMENTO DE DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA E AVALIAÇÃO 74 3.1 Origem, definições, objetivos e conteúdos do portfólio 81

3.2 Pistas e indícios sobre o papel do portfólio na avaliação da Educação Infantil 85 3.3 Possibilidades e dificuldades na prática 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS 110

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 116

ANEXOS 123

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LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 – Roteiro de Observação

Anexo 2 – Roteiro de Entrevista

Anexo 3 – Ficha Individual de Observação do Aluno

Anexo 4 – Registro de Observação da Criança

Anexo 5 – Termo de Consentimento para realização de pesquisa

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A BUSCA PELA PESQUISA: ONDE TEORIA E PRÁTICA SE ENCONTRAM

Os motivos que geraram a busca pela pesquisa e, conseqüentemente, a questão a ser

estudada, fundamentam-se em minha trajetória pessoal, acadêmica e profissional. Nessa

perspectiva, elaborei a construção de meu portfólio pessoal relatando essa trajetória. Pesquisar

sobre avaliação em educação infantil e o papel do portfólio, que pode ser definido como um

conjunto de documentos ou produções que retratam a aprendizagem, foi uma experiência

muito interessante e significativa, pois, além de promover o encontro entre a teoria e a prática

vivenciadas nos anos de estudo, trabalho e pesquisa, tive a oportunidade de reconstruir minha

trajetória de aprendizagem em meu portfólio pessoal.

Ao estudar e pesquisar a avaliação na educação infantil através do portfólio, senti

necessidade de vivenciar o processo de sua construção também de modo pessoal e refletir

sobre minha história escolar de aprendizagem, a exemplo do que fazem os acadêmicos de

Artes e Arquitetura, áreas em que o portfólio surgiu.

Como considero que essa trajetória forneceu significativa contribuição no meu

processo de reflexão como pesquisadora, desejo compartilhar minhas aprendizagens.

Meu primeiro contato com a escola foi aos três anos de idade, quando iniciei a

educação infantil (pré-escola) no ano de 1979, em uma escola particular.

Naquela época, a pré-escola não tinha a preocupação de alfabetizar, como nos dias de

hoje. Os primeiros períodos (maternal) e o pré (pré-primário) eram trabalhados com

brincadeiras, jogos, música e outras atividades. Eu gostava de ir à escola, não tive problemas

de adaptação, era como se fosse parte da minha casa.

Em 1983, entrei para a 1ª série do ensino fundamental (antigo ensino primário), em

uma escola pública estadual. Aos começar meus estudos, percebi que havia uma diferença

entre a pré-escola e a 1ª série, que exigia não só mais responsabilidade, mas também um

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comportamento mais rígido com todos os alunos sentados e quietos. Além disso, aquelas

letras, que antes eram levadas na brincadeira, agora se tornavam um conteúdo a ser aprendido

por meio de técnicas especializadas, seguindo a influência do tecnicismo da época.

Minha alfabetização não foi difícil, o que parecia estranho era escrever as letras de

maneira cursiva, já que na pré-escola eu as conhecia como letra de forma (ou “letra palito”).

Apesar dessas modificações com relação à escola, continuei gostando muito daquele

convívio com “tias” e colegas novos. Vencida a 1ª série, prossegui sem maiores dificuldades.

Como a escola em que estudava só oferecia até a 4ª série, quando a concluí, vi-me obrigada a

transferir-me. Até essa fase (4ª série), meu sonho de “quando crescer” era ser professora.

Em 1987, fui matriculada em uma escola particular para cursar a 5ª série do antigo

ginásio, aos onze anos de idade. Essa mudança foi muito significativa devido às diferenças

entre a escola pública e a escola particular. Outro ponto também interessante diz respeito à

passagem do ensino de 1ª a 4ª para o de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental.

A “tia” não era mais “tia” e sim a professora. E não era a única: cada matéria tinha um

professor específico. Essas alterações foram bem recebidas, eu considerava tudo novo e

diferente, apesar de sentir falta do contato com a “tia”, eu sabia que estava crescendo e que

por isso tinha que me comportar e cumprir as tarefas solicitadas. Prossegui meus estudos

nessa escola até a 8ª série, concluída em 1990.

O meu antigo sonho em “ser professora” foi modificado no período de 5ª a 8ª série.

Muitos professores reclamavam de seus baixos salários, comentando sobre a desvalorização

da carreira. Alguns até aconselhavam a seguir qualquer profissão, menos a de professor.

Devido a esse fato, desisti de ser professora, entretanto não sabia o que escolher no

ensino médio (antigo 2º grau). O curso Científico preparava para o ingresso no Ensino

Superior, mas não para o mercado de trabalho. Naquela época, foi muito discutida pelos

professores e pelos meios de comunicação a questão do desenvolvimento relacionado com a

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educação, no sentido de promover o ensino técnico e profissional, preparando para o mercado

de trabalho. Assim, a ênfase do ensino estava em se ter uma profissão e não apenas um

diploma de 2º grau.

Influenciada por essas idéias, em 1991, fui para uma escola particular e iniciei o curso

Técnico em Contabilidade, com duração de três anos, concluindo-o em 1993. Embora tal

curso estivesse na área das Ciências Exatas, gostei dele, não tendo problemas em finalizá-lo.

No ano de 1994 comecei a trabalhar exercendo minha “profissão” como auxiliar de

escritório. Esse ano foi muito importante para minha decisão acadêmica. O meu trabalho não

correspondia com o que eu realmente desejava: a dinâmica escolar e as interações em sala de

aula.

No final daquele ano, pedi demissão do emprego e resolvi matricular-me, em 1995, em

um curso pré-vestibular, para concorrer a uma vaga no Curso de Pedagogia da Universidade

Federal de Juiz de Fora (UFJF). Fui aprovada no vestibular e iniciei minha vida acadêmica em

1996, formando-me em 1999.

Apesar da desvalorização econômica e social do professor, durante o curso de

Pedagogia meu interesse se voltou para a importante tarefa da docência.

Depois dos primeiros períodos do curso, tive a oportunidade de vivenciar a prática de

uma sala de aula (1ª série) em uma escola pública, durante um ano letivo, fazendo estágio

como voluntária, no qual pude substituir, quando necessário, a professora, efetuando o meu

primeiro contato com uma classe de alfabetização.

No segundo semestre de 1998 (6º período), ingressei como bolsista em um Projeto de

Extensão do Núcleo de Apoio Psicopedagógico (NAPP), permanecendo nele até o final da

Graduação. No projeto pude ter contato com crianças que tinham histórias de fracasso escolar

e, através da intervenção do projeto, muitas delas avançaram na aprendizagem. Essas

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experiências me ensinaram a acreditar que a aprendizagem é possível, mesmo quando as

crianças se sentem ou são consideradas fracassadas.

Durante o curso de Pedagogia, muitas indagações referentes ao processo de ensino-

aprendizagem afloraram em minhas reflexões sobre a Educação. Como a criança aprende?

Que recursos presentes no seu contexto ela utiliza? Como o professor pode fazer a mediação

entre a criança e o objeto de conhecimento? Como avaliar o processo de aprendizagem?

Procurei compreender essas questões ao participar de pesquisas desenvolvidas pelo NAPP

(Núcleo de Apoio Psicopedagógico) da Faculdade de Educação, onde compartilhei

conhecimentos e tive o primeiro contato com a pesquisa científica (LUSARDO et al, 1999).

Para continuar os estudos sobre as questões apontadas acima, em 2000, ingressei no

curso de Especialização em Alfabetização e Linguagem, do NUPEL (Núcleo de Pesquisa e

Ensino em Linguagem) da Faculdade de Educação da UFJF, com o propósito de aprofundar

meus conhecimentos acerca da alfabetização e seu desenvolvimento.

Durante o processo de construção da monografia “Aprendizagem da escrita: fracassos,

conquistas e desafios”, com base em uma pesquisa qualitativa (LUSARDO, 2002) em que

investiguei como o professor conduzia o processo de aprendizagem da escrita junto às

crianças com história de fracasso escolar, percebi que a concepção do professor sobre

aprendizagem, escrita e avaliação interferiam no processo de ensino-aprendizagem e, em

especial, a relação professor e aluno no que se refere à avaliação.

Assim, esse tema aguçou meu interesse e procurei estudá-lo através da leitura e da

participação em grupos de pesquisa e eventos na área da Educação e, mais recentemente, na

minha atuação profissional como supervisora pedagógica e professora de escola pública.

Ao trabalhar com a Educação Infantil e com as séries iniciais do Ensino Fundamental

(1ª a 4ª séries ou Ciclo Inicial e Complementar de Alfabetização), percebi que, durante o

curso de Pedagogia, não cursara disciplinas que abordassem a Educação Infantil, sua história,

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políticas, teorias e fundamentos. Desse modo, senti necessidade de aprofundar esse assunto

para o aperfeiçoamento de minha prática profissional, passando, então, a relacionar o estudo

da Educação Infantil com a avaliação, que inicialmente me instigara.

Em outubro de 2000, recebi um convite para participar da Rede de Pesquisa Contextos

Integrados de Educação Infantil coordenada pelas professoras: Júlia Formosinho

(Universidade do Minho - Instituição Criança - Braga - Portugal), Tizuko Morchida

Kishimoto (Faculdade de Educação - USP - Brasil) e Léa Stahlschmidt Pinto Silva

(Universidade Federal de Juiz de Fora), que coordenou o grupo de pesquisa de Juiz de Fora -

MG. Essa rede fundamentou-se nos três pilares da Formação de Professores em Contexto:

formação, pesquisa e intervenção e contou com a participação de vários grupos de pesquisa no

Brasil, os quais se comprometeram a trocar bibliografias e experiências desenvolvidas em

suas pesquisas.

A Formação em Contexto trabalha com a formação profissional centrada na escola e

envolve a instituição, as crianças, suas famílias, os professores e pesquisadores em um

movimento de reflexão, através do diálogo, na busca de práticas inovadoras para os problemas

encontrados na dinâmica escolar.

O grupo de Juiz de Fora desenvolveu a pesquisa “Concepção de qualidade em

educação infantil: um estudo de caso” (SILVA e MICARELLO, 2005), na qual se investigou

a concepção de qualidade de um grupo de professoras que atuam na Educação Infantil de uma

escola particular na cidade de Juiz de Fora / MG. A pesquisa contribuiu grandemente para

minhas reflexões sobre os aspectos relacionados com a qualidade na Educação Infantil

(ZABALZA, 1998; OLIVEIRA-FORMOSINHO & FORMOSINHO, 2001), tais como o

currículo, a organização dos espaços, a autonomia da criança, entre outros, e notadamente o

papel do portfólio, como registro da aprendizagem e instrumento de reflexão para o professor

perceber como a criança está construindo o seu conhecimento.

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A reflexão promovida sobre o que significa uma educação infantil de qualidade

encontrou discussões e opiniões diversas acerca do tema, visto que a qualidade é construída

coletivamente, de acordo com o contexto social e com o que as pessoas envolvidas no

processo entendem por qualidade. Esta não é neutra, nem isenta de valores e não possui uma

única definição, mas apontou o que o grupo de professoras participantes da pesquisa

considerou como necessidades da educação infantil, representadas pelos interesses das

crianças, dos pais e das professoras em conjunto.

Durante a pesquisa, “Concepção de qualidade em educação infantil: um estudo de

caso” (SILVA e MICARELLO, 2005), as professoras levantaram questões em torno das

expectativas dos pais em relação à aprendizagem dos filhos. Devido à concepção de escola e

de aprendizagem, muitos pais consideraram fundamental a aprendizagem de conteúdos

escolarizados, como, por exemplo, a alfabetização, a caligrafia bonita, produções perfeitas

sem erros, exercícios de controle motor, entre outros.

Assim, as professoras demonstraram uma preocupação em envolver os pais nas

atividades escolares, no sentido de que os pais pudessem compreender o trabalho educativo

desenvolvido na escola, que se tornara diferente de suas expectativas ou do modelo

vivenciado enquanto alunos. Para as professoras, a participação dos pais era um ponto crucial

na construção de uma educação de qualidade para as crianças de zero a seis anos.

Diante desse conflito, que envolve as expectativas dos pais em relação à presença na

escola do que consideram importante para a educação infantil, as professoras perceberam a

necessidade de compartilhar com os pais o desenvolvimento da criança e sua aprendizagem,

dentro de uma perspectiva que considera a aprendizagem como uma construção significativa,

um processo constante, com conquistas realizadas diariamente e que nem sempre são

percebidas pela família. Para envolver os pais no processo educativo, as professoras buscaram

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novas alternativas de trabalho, como, por exemplo, a construção do portfólio da criança e o

diálogo sobre as atividades desenvolvidas pela escola.

Embora as professoras tenham sugerido a construção dos portfólios como forma de

documentar o processo educativo e envolver a participação dos pais na aprendizagem da

criança, foi possível observar uma resistência inicial das professoras participantes da pesquisa

(SILVA e MICARELLO, 2005) em adotar práticas de registro escrito, com a justificativa de

que tal instrumento poderia ser substituído pela oralidade.

A proposta de construção do portfólio para compartilhar com os pais a aprendizagem

dos filhos, como alternativa para o envolvimento dos pais na escola, trouxe possibilidades e

dificuldades na prática das professoras.

Entre as dificuldades, as professoras apontaram: o registro escrito, o aumento do

trabalho do professor, falta de disponibilidade de tempo, entre outras.

Durante a pesquisa (op. cit.), o grupo de professoras refletiu sobre algumas questões

que remetem à avaliação, como, por exemplo, as expectativas dos pais em relação à

aprendizagem dos filhos com ênfase em conteúdos escolarizados, o reconhecimento do

trabalho desenvolvido pelas professoras, e a necessidade de mostrar para os pais as produções

realizadas pela criança, com base em sua aprendizagem, enfatizando o processo percorrido e

os avanços alcançados. A despeito do fato de as professoras reconhecerem que a utilização do

portfólio, ao proceder ao registro das informações, facilita a avaliação do trabalho e das

conquistas das crianças, elas demonstraram resistência à sua utilização, alegando falta de

tempo para anotar as observações. Ainda assim, consideraram que o instrumento mostrava-se

importante, principalmente nas ocasiões em que há necessidade de se retomar informações,

um vez que o registro impede que dados preciosos sejam perdidos com o passar do tempo.

Com base nos achados da referida pesquisa, percebi que a construção do portfólio

implica algumas transformações sobre a concepção de avaliação. Tal processo, entretanto, é

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difícil, visto que requer uma constante reflexão com relação à prática docente e à

aprendizagem das crianças. Esse assunto despertou a minha atenção, suscitando questões

sobre como as professoras de Educação Infantil compreendem o papel do portfólio na

avaliação da criança.

Diante dessas considerações, algumas indagações sobre o portfólio na Educação

Infantil me instigaram: Como o professor percebe a utilização do portfólio em seu trabalho

pedagógico? O uso do portfólio possibilita o envolvimento da criança e dos pais com a escola

ou é considerado como apenas uma exigência da instituição e das famílias para informar o

trabalho do professor com as crianças? Os portfólios construídos pelas crianças são analisados

por elas próprias e seus pais? Existem portfólios contendo registros da professora sobre as

crianças?

Procurei as respostas para essas perguntas, através desta dissertação desenvolvida no

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGE –

UFJF), em que as disciplinas cursadas contribuíram para minha formação enquanto

pesquisadora e professora, dando suporte para a pesquisa e conduzindo as ações no trabalho

de campo.

No que se refere à Educação Infantil, entendo que o portfólio possibilita visualizar

informações detalhadas sobre cada criança através das suas produções e das atividades

desenvolvidas. São situações e atividades, vivenciadas pelas crianças que indicam a maneira

como elas estão aprendendo. Isso facilita o registro da vida escolar dos alunos e oferece ao

professor possibilidades de intervenção no processo de ensino-aprendizagem, além de

permitir que o professor também analise sua prática pedagógica e perceba suas interações com

a criança em seu trabalho diário.

Contudo, ao pesquisar sobre como as professoras compreendem o papel do portfólio

na avaliação da criança, percebi que, apesar da sua utilização do portfólio, outros

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embasamentos influenciam o olhar do professor sobre a aprendizagem. As concepções do

professor acerca da avaliação, criança e infância interferem na sua prática educacional e,

conseqüentemente, no processo de construção do portfólio.

No âmbito educacional, o portfólio representa uma reconstrução da trajetória escolar

em que as conquistas e as dificuldades na aprendizagem são registradas para possibilitar uma

reflexão conjunta do professor com a criança e com a família sobre as estratégias que podem

auxiliar no processo educativo. Dessa forma, através dos portfólios, o registro é fundamental e

torna-se um aliado do professor para fundamentar as considerações sobre a aprendizagem da

criança.

As consultas realizadas ao banco de dados da Fundação Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), da Fundação Carlos Chagas, com a

publicação dos Cadernos de Pesquisa (COSTA, 2004) e da Associação Nacional de Pós-

Graduação e Pesquisa (ANPED) demonstram que não existem muitas pesquisas sobre

avaliação em educação infantil e o uso dos portfólios.

Sobre a avaliação relacionada ao contexto educativo, cito como referência duas teses

de doutorado. A tese de Sandra Maria Zakia Lian Souza (2004), “Avaliação da

Aprendizagem: natureza e contribuições da pesquisa no Brasil, no período de 1980 a 1990”,

que fez uma apreciação do movimento teórico brasileiro nos anos 1980 e 1990 sobre a

avaliação da aprendizagem e a tese de Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben (1998),

“Avaliação Escolar: um processo de reflexão da prática docente e da formação do professor

no trabalho”, que estudou os processos de avaliação escolar concebidos e praticados pelo

professor durante a implantação do projeto político “Escola Plural”, na rede municipal de

Belo Horizonte – MG. Ambos os trabalhos trazem um rico histórico sobre a avaliação escolar

e discutem suas concepções e práticas.

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Destaco também algumas dissertações de mestrado que abordam a questão da

avaliação. Suzana Maria Barrios Luis (2000), com a dissertação “Formação docente e

avaliação: dos processos formativos ao exercício profissional”, analisou a formação docente

em nível superior de professores que atuam no Ensino Fundamental e na Educação Infantil,

no que se refere à prática de avaliação da aprendizagem. Sônia Maria de Sousa Fabrício Neiva

(2003), com a dissertação “Ciclos de Formação: caminho para re-significação da avaliação em

uma escola de ensino fundamental”, abordou as práticas avaliativas de uma escola organizada

em ciclos de formação. E Marilda Trecenti Gomes (2003), em cuja dissertação “O Portfólio

na avaliação da aprendizagem escolar”, apresentou possibilidades de utilização do portfólio

como recurso de avaliação da aprendizagem para alunos e professores de Matemática.

Quanto à avaliação na Educação Infantil, cito como referência algumas dissertações

encontradas. Sonia Larrubia Val Verde (1994), com a dissertação “Relatórios de Avaliação

das EMEIS de São Paulo: uma necessidade ou exigência legal?”, em que analisou os

relatórios de avaliação desenvolvidos em escolas municipais de Educação Infantil e seu

significado para professores e pais. Elisandra Giraldelli Godoi (2000), com a dissertação

“Educação Infantil: avaliação escolar antecipada?”, em que enfatizou a existência de crianças

com mais de seis anos de idade freqüentando as salas de pré-escola, com base na avaliação

que seleciona essas crianças e as impede de cursarem o Ensino Fundamental. Andréa Morais

Diniz (2002), em cuja dissertação “Avaliação e diálogo: percurso e prática na escola infantil”,

discutiu as relações entre avaliação e diálogo, na perspectiva de Paulo Freire, analisando o

papel da avaliação na prática pedagógica. E, por último, Andra Leal Ferreira de Moraes

(2003), com a dissertação “Avaliação na Educação Infantil: concepções e práticas dos

professores dos centros municipais de Educação Infantil de Goiânia”, em que abordou as

concepções e práticas dos professores sobre os processos e instrumentos avaliativos,

investigando a compreensão desses profissionais sobre a avaliação em Educação Infantil.

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Sobre avaliação em Educação Infantil através do uso do portfólio, encontrei apenas

dois trabalhos. A dissertação de mestrado de Silvia Helena Raimundo de Carvalho (2002),

“Avaliação na Educação Infantil: considerações a partir de uma experiência”, que abordou a

construção de uma proposta de avaliação para a Educação Infantil com base em uma

avaliação formativa, através do portfólio como ferramenta principal. A autora enfatizou que,

apesar de a utilização do portfólio ser trabalhosa, o resultado é enriquecedor e significativo

para a aprendizagem. E, em especial, a tese de doutorado de Maria Cristina Cristo Parente

(2004), “A Construção de Práticas Alternativas de Avaliação na Pedagogia da Infância: sete

jornadas de aprendizagem”, tese apresentada à Universidade do Minho, em Braga – Portugal.

Parente (2004) buscou compreender, descrever e interpretar as percepções e práticas

de avaliação de um grupo de educadoras da infância que participou de um processo de

formação em contexto, com relação à avaliação alternativa. Através de um estudo de caso

participativo, a autora identificou jornadas de aprendizagem construídas por cada educadora

no que se refere à realização dos portfólios como uma estratégia de avaliação dentro da

perspectiva da avaliação alternativa.

Com base no trabalho desenvolvido por Parente (2004), a partir dos estudos realizados

e do trabalho de campo, pesquisei como as professoras de Educação Infantil compreendem o

papel do portfólio na avaliação da criança. O objetivo deste trabalho foi investigar como as

professoras compreendem o papel do portfólio no processo de avaliação das crianças que

freqüentam a Educação Infantil. Nesta investigação, os sujeitos foram quatro professoras que

participaram anteriormente da pesquisa “Concepção de qualidade em educação infantil: um

estudo de caso” (SILVA e MICARELLO, 2005).

O referencial teórico fundamentou-se em Lev S. Vygotsky (2004, 2000, 1998a,1998b,

1996). A contribuição de Vygotsky gira em torno da mediação em que a criança tem papel

ativo e aprende em interação com o outro através da atuação na Zona de Desenvolvimento

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Proximal. Amplio essa visão com a colaboração de autores das Ciências Sociais trazendo a

perspectiva em que a criança é vista como produtora de cultura. Outra contribuição para o

embasamento teórico desta dissertação, foi a idéia da avaliação mediadora proposta por

Hoffmann (2005a, 2005b, 2003a, 2003b, 2000) que atua no processo educativo como um

instrumento de reflexão sobre a aprendizagem da criança. A autora desenvolveu pesquisas

significativas sobre avaliação em educação infantil, o que auxiliou na discussão do tema.

Dessa forma estruturei o trabalho da seguinte maneira: no primeiro capítulo explicitei

o caminho metodológico percorrido, definindo a abordagem da pesquisa, os fundamentos

metodológicos, bem como o foco da pesquisa, os procedimentos metodológicos, a estratégia

de investigação, a perspectiva de análise, o contexto e os sujeitos investigados.

No segundo capítulo analisei a questão da avaliação, sua história, suas concepções,

definições e práticas, considerando algumas modalidades avaliativas e a sua implicação na

Educação Infantil, fundamentada na teoria sócio-histórica. Também refleti sobre as pistas e

indícios encontrados sobre as concepções de avaliação, aprendizagem, criança e infância, que

se relacionaram com a avaliação por meio do portfólio.

O terceiro capítulo abordou a documentação pedagógica e a avaliação através do

portfólio, sua origem, suas definições, objetivos, conteúdos e práticas como estratégia de

aprendizagem e instrumento de avaliação e registro, com base nas pistas e indícios sobre as

produções da criança e sobre sua autonomia nas atividades. Analisei a construção do portfólio

com o envolvimento da criança, da família e do professor no que se refere às possibilidades e

dificuldades desse processo.

Por último, teci minhas considerações finais sobre a pesquisa, mostrando o papel do

portfólio na avaliação da criança e suas implicações no contexto educacional.

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1. A ESCOLHA DE UM CAMINHO METODOLÓGICO

Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la.

(GINZBURG, 1989, p. 177)

A escolha de um caminho metodológico para esta pesquisa fundamentou-se na

abordagem sócio-histórica (PINO, 2005), considerando as contribuições de Vygotsky (1998a)

embasadas no materialismo histórico-dialético.

Essa abordagem reconhece a subjetividade do investigador com consciência de que

não há neutralidade entre o pesquisador e as sujeitos pesquisados, visto que existe uma

influência recíproca entre eles. Os sujeitos participam do processo de pesquisa, são históricos

e concretos, trazendo influências de suas concepções e experiências, produzidas

culturalmente. Dessa forma, o investigador procura compreender o processo de pesquisa

através da interpretação dos fatos, que representa o seu olhar sobre a investigação.

Assim, os dados foram analisados de acordo com a interpretação do que se busca

compreender, sem o intuito de generalizar os resultados da pesquisa, mas sugerir pistas para

investigações futuras e possíveis intervenções.

1.1 Enveredando pelo caminho das pistas

Ao seguir o caminho das pistas, investiguei a compreensão das professoras sobre o

papel do portfólio no processo de avaliação das crianças que freqüentam as classes de

Educação Infantil de acordo com o paradigma indiciário de cunho qualitativo (GINZBURG,

1989), que é fundado no detalhe, no singular e orienta a relação a ser estabelecida entre o

investigador e os dados obtidos, “na busca daqueles que se podem constituir em indícios

reveladores do fenômeno que se busca compreender” (ABAURRE, 1997, p.14).

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De acordo com Ginzburg (1989, 1983), o paradigma indiciário surgido nas Ciências

Humanas, no final do século XIX, fundamenta-se na semiótica, definida por Charles S. Pierce

(1839-1914) como ciência geral dos signos. A semiótica teve suas raízes em uma tríplice

analogia que une os procedimentos de investigação de Giovanni Morelli (1811-1891),

Sigmund Freud (1856-1939) e Arthur Conan Doyle (1859-1930), através de sua criação

fictícia Sherlock Holmes.

O método de Morelli consiste em investigar os signos pictóricos dos quadros pintados

por artistas e atribuir o quadro ao seu verdadeiro autor. Para Morelli, os museus continham

várias obras atribuídas de maneira incorreta. Ele analisou essas obras buscando distinguir os

originais das cópias, além de investigar as obras não-assinadas para descobrir seus autores.

Ao analisar as obras de arte, Morelli não baseou seu método nos traços mais visíveis

ou que chamam a atenção, pois, segundo ele, esses traços seriam fáceis de imitar, mas

priorizou os pormenores mais desprezados, os detalhes que realmente representavam as

características do autor e não tinham tanta influência da escola artística à qual o pintor

pertencia. Dessa forma, Morelli sugeriu novas atribuições às obras de arte expostas em vários

museus da Europa e catalogou traços e formas utilizados por diversos autores, trazendo

ilustrações que distinguem um pintor do outro.

Segundo Ginzburg (1989, 1983), Freud tomou conhecimento dos estudos de Morelli

antes de escrever a teoria psicanalítica e relacionou o método de Morelli com a técnica da

psicanálise médica, que procura compreender os sintomas dos pacientes através de elementos

concretos e ocultos, que não são percebidos ou são descartados na observação. Assim, Freud

propôs um método interpretativo centrado em pormenores considerados sem importância, mas

que são reveladores do que se busca compreender.

Conan Doyle, através de sua obra literária Sherlock Holmes, expressou um método de

investigação em que o detetive Holmes descobre o autor do crime com base em pistas e

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indícios imperceptíveis para os outros, como, por exemplo, ao interpretar pegadas na lama ou

cinzas de cigarro. A análise de detalhes aparentemente insignificantes conduzia a investigação

e decifrava os crimes misteriosos.

Essa tríade, Morelli, Freud e Conan Doyle, fundamenta o método do paradigma

indiciário para o qual Ginzburg (1989, p.150-1) tem a seguinte explicação de analogia:

Como se explica essa tripla analogia? A resposta, à primeira vista, é muito simples. Freud era médico; Morelli formou-se em medicina; Conan Doyle havia sido médico antes de dedicar-se à literatura. Nos três casos, entrevê-se o modelo da semiótica médica: a disciplina que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à observação direta na base de sintomas superficiais, às vezes irrelevantes aos olhos do leigo [...].

Dessa forma, esse saber se caracteriza pela reconstrução da realidade através de dados

aparentemente negligenciáveis, mas que são importantes e fundamentais para a sua

compreensão.

Ginzburg (1989, 1983) relata que esse tipo de saber também acontecera com relação à

caça, lembrando que, por milênios, o homem fora caçador e aprendera a reconstruir formas e

movimentos das presas ao farejar, registrar, interpretar e classificar pistas deixadas pelos

animais em uma perseguição. Várias gerações de caçadores enriqueceram e transmitiram esse

tipo de conhecimento para seus descendentes.

Pino (2005, 1991), ao utilizar o paradigma indiciário em sua obra, complementa que

procurar indícios de um processo é muito diferente de estabelecer relações causais entre fatos

pesquisados, visto que, para ele, esse processo requer uma análise que siga pistas, sinais,

inferências e não as causas. O autor, ao relacionar esse tipo de abordagem da análise

semiótica com a teoria sócio-histórica, aborda as idéias de Vygotsky e destaca que:

Assim, se interpretar indícios é procurar a significação que eles têm para o olhar interpretativo do pesquisador, esse olhar deve levar em conta a natureza dialética do processo de que os indícios participaram. Dessa maneira, o olhar do pesquisador no ato de interpretá-los será coerente com o quadro teórico de referência, não só com o método. (PINO, 2005, p.189).

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Desse modo, com base no paradigma indiciário, busquei pistas e indícios sobre como

as professoras de Educação Infantil compreendem o papel do portfólio na avaliação da

criança. O portfólio está inserido na prática de avaliação investigativa, na avaliação como

recurso para a compreensão da aprendizagem infantil.

Nessa perspectiva, o portfólio é um instrumento de avaliação e registro do processo de

aprendizagem, ao mesmo tempo em que demonstra como a criança está construindo seu

conhecimento e os momentos significativos que embasam a intervenção do professor através

da mediação.

Assim como o portfólio forneceu pistas sobre a aprendizagem e o desenvolvimento da

criança e sobre a mediação do professor, durante a escrita da dissertação, estive buscando

indícios e pistas sobre como as professoras compreendem o papel do portfólio e sua

construção como instrumento de avaliação investigativa, já que nesse caso, a busca por pistas

e indícios requer um olhar observador sobre os detalhes, sobre o que é aparentemente comum,

mas que pode revelar algo novo. Ou ainda no que se destaca como diferente e mesmo que

não seja valorizado como um indício importante, pode revelar o que se busca compreender.

Nesse sentido, ressalto que as pistas são diferentes da construção de categorias a que

se refere Bardin (1977), pois as pistas ou indícios dificilmente se repetem. No trabalho de

campo tive a oportunidade de encontrar pistas únicas que foram importantes. Os pequenos

detalhes revelaram as concepções de avaliação, de criança e de infância, no que se refere à

educação infantil, como, por exemplo, cito o fragmento a seguir, em que a pista “esponjinha”

embora tenha aparecido uma única vez, mostrou-se fundamental para definir a concepção da

professora sobre criança e aprendizagem.

Mara (turma – 06 anos): Olha, a criança, a meu ver, é um ser que está em constante formação, e muito ávido por informação e daí eu acho que é nossa responsabilidade em lidar com criança, porque como eles estão começando a trilhar, tudo que a gente estiver passando para eles é igual uma esponjinha, vai ser sugado, e sabe-se lá como vai ser usado. Então, a

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informação que é vinculada para a criança tem muita importância. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

Nesse contexto, pequenos detalhes, uma pista que é encontrada uma única vez, são

importantes para a investigação. De acordo com o paradigma indiciário de Ginzburg (1983, p.

119), “esta investigação pode ser comparada ao ato de seguir os fios em um tear. Chegamos

ao ponto no qual eles podem ser observados compondo um todo, [...]. Para chegar à coerência

do padrão, percorremos com o olhar as diferentes linhas.”

Assim, no trabalho em questão, as pistas percebidas através da observação do uso do

portfólio e das entrevistas com as professoras podem ser comparadas com os fios em um tear.

Essas pistas e indícios formaram o todo investigado, que representou como o professor de

Educação Infantil compreende o papel do portfólio na avaliação da criança.

1.2 A inserção no campo

O contato com a escola e com as professoras para apresentação da proposta de

pesquisa e dos acordos quanto à sua realização ocorreu em fevereiro de 2006, com a

assinatura do Termo de Consentimento para realização de pesquisa (ANEXO 5). O fato de

tanto a escola, como as professoras que foram sujeitos desta investigação, terem demonstrado

receptividade ao trabalho, possibilitou uma relação de colaboração no processo da pesquisa.

Os instrumentos escolhidos para a coleta de dados foram: observação na sala de

atividades1 de práticas que envolviam a avaliação, o uso dos portfólios e entrevistas semi-

estruturadas com as professoras. Os roteiros da observação e da entrevista podem ser

consultados nos anexos 1 e 2 respectivamente.

1 Na Educação Infantil utiliza-se o termo sala de atividades e não sala de aula como no Ensino Fundamental.

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A utilização das observações como procedimento metodológico contou com a

contribuição de Vianna (2003). Tais observações aconteceram no período de março a julho do

ano de 2006, sendo realizadas três vezes por semana, em dias alternados, totalizando noventa

e seis observações, que foram registradas em um diário de campo e, posteriormente,

convertidas em notas expandidas.

Durante essa etapa, percorri as quatro salas da educação infantil da escola,

permanecendo em cada uma delas em torno de uma hora, registrando as pistas e indícios

relevantes para a pesquisa. Priorizei nas minhas observações a avaliação na Educação Infantil

demonstrada pela conduta da professora no processo de construção do portfólio, pela

mediação com a criança e pelo envolvimento dos pais.

Com base nas observações, encontrei pistas e indícios revelados pelos trabalhos

expostos nos murais, pelas atividades desenvolvidas na sala e pela autonomia em que a

criança exercia as atividades. Por exemplo, observei em uma das salas um trabalho exposto no

mural que demonstrava o rosto de um coelho amarelo, que fora colorido pela criança, com

algodão colado nas orelhas e cola colorida vermelha no nariz. Os trabalhos estavam

confeccionados da mesma forma, coloridos com a mesma cor, apresentando grande

semelhança entre eles, como se fosse seguido um modelo determinado. Assim, a grande

semelhança entre os trabalhos apontou-se como pista, já que demonstrara falta de autonomia

da criança em realizar a atividade e direcionamento por parte da professora.

As entrevistas, áudio-gravadas e depois transcritas, ocorreram em junho de 2006. Cada

professora foi entrevistada separadamente e em dias previamente marcados, nos horários

disponíveis em que os alunos estavam com as professoras das aulas especializadas, como, por

exemplo, educação física ou informática. As entrevistas abordaram a concepção das

professoras sobre o papel do portfólio como instrumento de avaliação e registro, permitindo-

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me compreender a concepção de criança e de infância que fundamentam as suas práticas na

Educação Infantil.

A análise e a interpretação dos dados se constituíram a partir dos indícios e das pistas

por mim encontrados, tendo como foco a compreensão das professoras sobre o papel do

portfólio na avaliação da criança.

O contexto em que a pesquisa foi realizada se refere a uma escola particular que

trabalha com Educação Infantil desde 1999 na cidade de Juiz de Fora. Tal instituição oferece

também o Ensino Fundamental e Médio, além de possuir tradição em cursos de Graduação no

ensino superior.

Conforme já citado anteriormente, os sujeitos foram quatro professoras que já haviam

participado da “Concepção de qualidade em educação infantil: um estudo de caso” (SILVA e

MICARELLO, 2005), na qual haviam iniciado uma discussão sobre o processo de construção

do portfólio e sua possível contribuição para a avaliação.

Desde 1999, as professoras atuam na escola pesquisada, com a Educação Infantil,

trabalhando com crianças na faixa etária de 03 a 06 anos de idade. Nesta investigação as

identidades das professoras e das crianças foram preservadas com a utilização de nomes

fictícios, de acordo com o Termo de Consentimento para realização de pesquisa (ANEXO 5).

Procedo, então, à apresentação das professoras.

A professora Berenice trabalha com a turma do maternal, composta por oito crianças

com idade em torno de três anos. Berenice é graduada em Pedagogia e tem 22 anos de

experiência trabalhando com educação de crianças nessa faixa etária.

A professora Noemi atua junto à turma do 1º período, com 06 crianças de 04 anos de

idade. Noemi é pedagoga e possui duas especializações, uma em educação ambiental e a outra

em gestão empresarial. Ela atua na Educação Infantil há 11 anos.

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A professora Talita é formada em Pedagogia e concluiu a especialização em Educação

Infantil recentemente, sua experiência nessa área é de 16 anos. Ela trabalha com 15 crianças

em uma turma de 2º período com idade aproximada de cinco anos.

A professora Mara atua com a turma do 3º período, com 15 crianças de 06 anos de

idade. Mara também é Pedagoga e fez Pós-Graduação em Recursos Humanos e em Gestão

Empresarial. Na Educação Infantil, ela tem 17 anos de experiência.

O ambiente físico das salas de Educação Infantil da escola pesquisada apresenta

muitas semelhanças em relação aos materiais disponíveis que compõem os seus espaços. A

distribuição dos móveis e materiais são similares nas salas, com exceção da sala do 3º

período, que apresenta algumas peculiaridades. Além de se encontrar afastada das outras

salas, possui uma disposição do espaço físico diferente, apresentando muitas características

dos espaços utilizados no Ensino Fundamental.

Devido às mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96

(BRASIL, 1996) determinadas pela Lei nº 11273 de fevereiro de 2006, que dispõe sobre a

duração de 9 (nove) anos para o Ensino Fundamental, o 3º período, ou sala de 06 anos, está

inserido no Ensino Fundamental e não pertence mais à Educação Infantil. Embora muitas

discussões estejam ocorrendo sobre essa alteração e suas implicações pedagógicas, não

abordarei aqui esse assunto que foge do foco desta pesquisa.

Apresento uma breve descrição das salas de atividades para complementar o

entendimento das observações e reflexões realizadas durante o trabalho de campo.

Entrando na sala de atividades da turma de 03 anos, percebi que a sala é bem ampla e

iluminada. Na parede lateral, à esquerda da porta de entrada da sala, há um mural com fotos

das crianças e outro com trabalhos expostos; são cartazes sobre “Ajudantes do Dia”, “Sobre

como está o tempo”, “Quem somos”, “Aniversariantes do Mês” e estantes com brinquedos

diversos, aquário com um peixinho beta, quadro de avisos utilizado pela professora, cabide

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para pendurar mochilas, pastas e merendeiras, armário da professora com geladeira pequena,

onde as crianças guardam os sucos, água e iogurtes, enfim todo o alimento que precisa ser

conservado em ambiente refrigerado. As outras turmas da Educação Infantil também trazem

sucos e outros alimentos para serem conservados na geladeira dessa sala.

Na parede à frente da porta de entrada da sala, encontram-se estantes de plástico

formadas por cestas que se encaixam, onde são guardados diversos brinquedos, além do

cantinho de leitura com livros variados. Durante o tempo livre as crianças pegavam os livros e

contavam histórias para a professora e os colegas. Nessa parede temos também o cabide para

pendurar as canecas para beber água e o filtro, ambos ao alcance das crianças.

Na outra parede, à direita da porta de entrada, estão as janelas, o tapete de letras com

almofadas, varal com trabalhos das crianças, outras estantes com brinquedos diversos, cabide

para toalhinhas, escovas de dente, a pia onde as crianças lavam as mãos e a lixeira.

Na parede em que fica localizada a porta de entrada existe um espelho, o quadro para

giz, cabide com fantasias, caixa com algum material pedagógico, como, por exemplo, folhas,

cartolinas e outros tipos de papéis: crepom, laminado, entre outros.

No centro da sala visualiza-se uma mesa oval grande com as cadeiras adequadas ao

tamanho das crianças, onde freqüentemente elas lancham e fazem as atividades como

desenho, massinha plástica para modelagem, entre outras. Perto do cantinho de leitura há um

tapete grande de letras com almofadas, onde as crianças sentam, ouvem histórias, lêem os

livros e fazem a rodinha.

A sala da turma de 04 anos é menor que a sala do maternal. Na parede da porta de

entrada encontra-se o cantinho de leitura, o espelho, o quadro, o cabide para pendurar

mochilas e merendeiras e o armário da professora. Na parede à esquerda da porta de entrada,

temos as janelas, debaixo das quais se localizam: o varal com a rotina diária, o cabide com as

canecas para beber água, as escovas de dente, a pia, o filtro de água e a lixeira.

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Na outra parede, em frente à porta de entrada da sala, estão as estantes com as cestas

onde os alunos guardam seus materiais pessoais como canetinha, cola colorida, avental, entre

outros. Existem também outras estantes com cestas de brinquedos diversos e outros

brinquedos maiores como, por exemplo, o fogão de madeira em tamanho próprio para as

crianças. Nessa parede também se podem visualizar os cartazes “Ajudantes do Dia”, “Quem

somos” e “Aniversariante do mês”.

Na parede à direita da porta de entrada, estão organizadas as fantasias, outros

brinquedos, palco para teatrinho e os murais com trabalhos expostos das crianças. No centro

da sala encontram-se duas mesas pequenas com quatro cadeiras em cada uma.

A sala da turma de 05 anos também é menor que a sala do maternal. Os objetos e

móveis da sala trazem a seguinte disposição: em uma parede, à esquerda da porta de entrada,

encontra-se o cabide para pendurar mochilas, pastas e merendeiras e o armário da professora

com diversos materiais. Acima do cabide e do armário (que não é alto) podem-se visualizar os

murais onde ficam expostos os trabalhos das crianças. Na outra parede, à frente da porta de

entrada, estão estantes baixas com diversos brinquedos, cartazes “Quem Somos”,

“Aniversariantes do Mês” e “Ajudantes do Dia”, cabide para pendurar as canecas para beber

água, o filtro e a lixeira.

Na parede à direita da porta de entrada, há a pia, as janelas, cabide para pendurar as

toalhas de mão e estantes com brinquedos. Na parede da porta de entrada, encontra-se o

cantinho de leitura, o quadro para giz, o varal da rotina diária abaixo do quadro de giz,

espelho e uma mesa onde são colocados os estojos com canetinhas, lápis de cor e outros

materiais das crianças. No centro da sala temos quatro mesas pequenas, que permitem o

assento de quatro crianças cada uma.

A sala da turma de 06 anos localiza-se no lado oposto das demais, depois do pátio

coberto, que é utilizado pelo Ensino Fundamental. Possui dimensões maiores do que as outras

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salas a que me referi. Observo, ao entrar, que as mesas e cadeiras são individuais e estão em

cinco fileiras, cada fileira com três mesas, uma atrás da outra, o que lembra o modelo de

disposição adotado pelo Ensino Fundamental em grande parte das escolas.

Na parede da porta de entrada para a sala encontram-se dois murais grandes onde

estão expostos os trabalhos das crianças. Abaixo desses murais estão os cabides para pendurar

as mochilas, pastas e merendeiras. Na outra parede, à esquerda da porta de entrada, estão a

mesa e a cadeira da professora, um enfeite de madeira mostrando o humor da professora ou

das crianças com carinhas diferentes, o cantinho de leitura, o quadro para giz, cartazes

“Ajudantes do Dia”, “Aniversariantes do Mês” e “Quantos Somos”, cabide para pendurar as

canecas que as crianças utilizam para beber água, filtro, lixeira e cabide para toalhas de mão.

Na parede à frente da porta de entrada, encontram-se vários murais com trabalhos

expostos das crianças, estantes com diversos brinquedos e o armário da professora. Na outra

parede, à direita da porta de entrada, temos vários brinquedos, espelho, fantasias, cabana de

índio e caixa com folhas, cartolinas, papel pardo, entre outros materiais.

A sala da turma de 06 anos não possui pia como as outras salas descritas, outra

diferença é o fato de ser a única sala contendo a mesa e a cadeira específica da professora, já

que nas outras salas de atividades as professoras sentam junto com as crianças.

No decorrer da pesquisa, as professoras demonstraram uma boa convivência entre si e

também com a coordenadora pedagógica. Compartilharam idéias e experiências umas com as

outras; fizeram um planejamento coletivo juntamente com a coordenadora, além do

planejamento individual.

No planejamento coletivo, em reunião com a coordenadora, elas discutiram as

unidades temáticas ou conteúdos a serem trabalhados nos bimestres, planejaram as atividades

e programaram os trabalhos com as datas comemorativas, como, por exemplo, Dia das Mães e

Festa Junina.

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No planejamento individual, entregue para a coordenadora, cada professora abordou as

necessidades específicas da sua turma dentro das unidades a serem desenvolvidas e

planejaram outras atividades enriquecedoras.

Devido ao fato de as professoras compartilharem as atividades entre si há grande

semelhança das práticas desenvolvidas nas turmas, pois elas seguem a mesma unidade

temática e caminham juntas, utilizando atividades similares. Assim, tive oportunidade de

observar uma mesma proposta de atividade ser desenvolvida nas quatro turmas.

Somente a professora Talita, que atua na turma de alunos com 05 anos, ao desenvolver

seu planejamento, acrescentou atividades diferentes.

Durante o trabalho de campo, também participei de reuniões de planejamento da

coordenadora pedagógica com as professoras e de reuniões de pais. Além disso, pude coletar

alguns materiais como as fichas de avaliação utilizadas pelas professoras.

O trabalho de campo promoveu o contato direto com a realidade a ser pesquisada e

trouxe pistas e indícios significativos a serem analisados nos capítulos subseqüentes.

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2. DIALOGANDO COM OS AUTORES E COM AS PROFESSORAS PARA

COMPREENDER A AVALIAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS

Defino a avaliação da aprendizagem como um ato amoroso, no sentido de que a avaliação, por si,

é um ato acolhedor, integrativo, inclusivo. Para compreender isso, importa distinguir avaliação de julgamento.

(LUCKESI, 2005, p. 172)

Neste capítulo abordarei a questão da avaliação, de acordo com a perspectiva de

Ludke e Mediano (1992), Perrenoud (1999), Afonso (2000) e Luckesi (2005), levando em

consideração que a avaliação não é neutra, visto que tem uma orientação social e política que,

por sua vez, está enquadrada nos interesses de mercado que conduzem o campo dos saberes e

a sociedade (SANTOMÉ, 2004, 1998).

Embora eu não desconsidere as contribuições de outras áreas, como, por exemplo, a

psicologia e a didática, concordo com Perrenoud (op. cit.), quando explicita que é preciso

abordar a questão da avaliação a partir de um olhar sociológico, já que a avaliação envolve

questões sociais que englobam controle e poder.

Bem antes de regular as aprendizagens, a avaliação regula o trabalho, as atividades, as relações de autoridade e a cooperação em aula e, de uma certa forma, as relações entre a família e a escola ou entre profissionais da educação. Um olhar sociológico tenta constantemente considerar as lógicas do sistema que dizem respeito ao tratamento das diferenças e das desigualdades, e ao mesmo tempo, as lógicas dos agentes, que envolvem questões mais cotidianas, de coexistência, de controle, de poder. (PERRENOUD, 1999, p.11)

A avaliação tem se constituído em um amplo tema de estudos no meio acadêmico.

Afonso (op. cit.) identifica que a avaliação pode ser analisada dentro dos sentidos: mega,

macro, meso e micro.

O contexto mega se refere à avaliação internacional, com estudos de escolas e grupos

de alunos de países diferentes, estabelecendo comparações e discutindo modelos avaliativos a

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serem adotados de um país para outro. Como exemplo, menciono o Programa Internacional de

Avaliação de Alunos (PISA), desenvolvido e coordenado internacionalmente pela

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil o programa

é coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira”

(INEP). O PISA possui o objetivo de produzir indicadores sobre a efetividade dos sistemas

educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos, idade em que se sugere

o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. A proposta do programa

avalia até que ponto os alunos que estão terminando a educação obrigatória adquiriram

conhecimentos e habilidades essenciais para a participação efetiva na sociedade. As

avaliações do PISA enfatizam três áreas: Leitura, Matemática e Ciências.

O sentido macro enfoca os sistemas educativos dentro de um mesmo país, em que se

podem estabelecer comparações sobre o desempenho das escolas, dentro de um sistema de

ensino. No contexto brasileiro, cito, como exemplo, a avaliação realizada pelo Ministério da

Educação e do Desporto (MEC) através do Sistema Nacional de Avaliação da Educação

Básica (SAEB).

Já no sentido meso aborda-se a avaliação dentro de uma escola, com base na avaliação

institucional, com ênfase na escola como um todo. A instituição escolar pode analisar como

está o desenvolvimento de suas ações, quais os seus objetivos, o que tem favorecido o

processo de ensino-aprendizagem, o que tem prejudicado, o que precisa ser revisto ou que

alterações são necessárias para os ajustes diante dos problemas enfrentados pela instituição.

Entretanto, muitas vezes, observa-se que essa avaliação tem se limitado a estabelecer

comparações entre turmas de alunos dentro da escola.

O sentido micro analisa a avaliação dentro da sala de aula, na relação professor-aluno,

voltada para a aprendizagem. Quase sempre essa avaliação prioriza constantemente o aluno e

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seu rendimento. Algumas escolas até avaliam o professor e o método de ensino, mas o aluno

tem sido colocado como referência dessa ação.

Apesar da amplitude do tema e dos diferentes contextos em que ele pode ser analisado,

neste trabalho, priorizei o sentido micro que se refere à sala de aula, dentro do foco proposto

nesta pesquisa, que é a avaliação na educação infantil. Nesse caso, a pesquisa foi

desenvolvida com o olhar voltado para a sala de atividades na educação infantil.

Contudo, é necessário destacar alguns aspectos da avaliação educacional com o intuito

de visualizar os caminhos percorridos através das diversas modalidades e perspectivas

relacionadas ao tema, de modo que a sua aplicação na educação infantil seja compreendida,

uma vez que a concepção de avaliação está ligada às concepções de infância, criança e

aprendizagem.

Primeiramente, relatarei a origem da avaliação e como os conceitos sobre avaliação

foram construídos ao longo do tempo, fato que se reflete nas práticas adotadas nos dias atuais,

demonstradas pelas pistas retiradas das entrevistas e das observações desta investigação. Em

seguida, enfocarei o que significa avaliar e o que envolve esse processo. E, finalmente,

abordarei a avaliação dentro do contexto da educação infantil, trazendo as contribuições

teóricas e analisando os indícios encontrados no trabalho de campo.

2.1 Avaliação: conceitos e práticas construídos historicamente

Sobre a história da avaliação compreendo que a ela está diretamente ligada a

concepção de escola e de educação. Alguns autores analisam essa relação, construída

historicamente, em que a avaliação é o instrumento de controle, poder e seletividade. Dentre

eles, destaco as contribuições de Ludke e Mediano (1992), Penna Firme (1994), Saul (1994),

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Dalben (1998), Perrenoud (1999), Afonso (2000), Barriga (2003), Esteban (2003a, 2003b),

Garcia (2003) e Luckesi (2005).

Os estudos sobre o surgimento da avaliação fazem referência ao exame adotado pela

burocracia chinesa para selecionar os candidatos a um cargo público (BARRIGA, 2003;

GARCIA, 2003). Tal o exame não estava associado a uma questão educativa, constituindo-se

como um instrumento de controle social (AFONSO, 2000).

No âmbito educacional, Garcia (op. cit.) relata que Durkheim fez referência ao exame

na universidade medieval no século XV, em que os candidatos a bacharel, a licenciado e a

doutor passavam por um ritual para mostrar os conhecimentos intelectuais adquiridos durante

a escolaridade.

Na Idade Média, o ensino estava ligado ao domínio da Igreja e a avaliação era

representada por uma submissão ao que era ensinado e à ordem natural das coisas, em que as

condições sociais eram estabelecidas pelo nascimento, sendo o ensino destinado àqueles que

tinham o dom de aprender, dom que era reforçado pelas condições financeiras da família.

Segundo Le Goff (1989, p. 57), com o surgimento dos intelectuais na Alta Idade

Média, as relações entre ensino e ofício mudam, visto que os intelectuais associaram o pensar

e o ensinar a uma profissão, a de professor, a quem cabia oferecer o conhecimento,

perspectiva que ganha força com o surgimento das cidades.

Homem de ofício, o intelectual tem consciência da profissão a assumir. Ele reconhece a ligação necessária entre ciência e ensino. Não julga mais que a ciência deve ser entesourada, mas está persuadido de que deve ser posta em circulação. As escolas são as oficinas de onde se exportam as idéias como mercadorias. No espaço urbano, o professor se aproxima, no mesmo impulso produtivo, do artesão e do mercador.

Petitat (1994) conta que, na Idade Média, a regra era o aprendizado direto, sendo

transmitido pela família. Nas cidades começaram as primeiras inovações que favoreceram o

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surgimento dos colégios e de escolas com instrumentos de avaliação ainda adotados

atualmente.

Nas cidades, as comunidades profissionais de artesãos e comerciantes iniciaram

pequenas corporações que ensinavam ao aprendiz o ofício pretendido. A família interessada

fazia um contrato com o mestre para que o filho pudesse aprender o ofício. No contrato eram

estabelecidos os preços, os deveres do mestre e do aprendiz e a duração da aprendizagem. O

aprendiz deixava sua família e passava a conviver com o mestre, trabalhando e aprendendo na

corporação.

Depois do cumprimento do contrato, o aprendiz era considerado “companheiro” e, se

tivesse condições financeiras para comprar as ferramentas necessárias, poderia montar o seu

próprio negócio e tornar-se mestre. Caso não possuísse recursos, poderia oferecer seus

serviços como assalariado no mercado de trabalho.

Dessa forma, com o desenvolvimento das cidades, a escola não estava totalmente

vinculada e dependente da Igreja, os comerciantes podiam criar escolas de acordo com os seus

interesses, priorizando, assim, o ensino para o trabalho.

Desse modo, surgiram as escolas elementares, com o intuito de alfabetizar e ensinar o

cálculo, com um currículo de acordo com as necessidades do contexto e não simplesmente

seguindo o currículo com conteúdos religiosos, mas adaptando-o à realidade local, com base

nos interesses comerciais.

Segundo Petitat (1994), algumas dessas escolas ministraram o ensino em uma única

sala, freqüentada por todos os alunos, não havia divisão de séries e o aluno que demorava a

aprender não era eliminado, apenas permanecia mais tempo na escola. A avaliação era

realizada informalmente, de acordo com os conhecimentos demonstrados pelo aluno e não

tinha cunho punitivo, somente indicava se o aluno necessitava de mais tempo para aprender.

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O ensino era voltado para o comércio e para o aprendizado futuro dos alunos que iriam

continuar seus estudos.

Por outro lado, as universidades da Idade Média, compostas por comunidades de

mestres e estudantes, também atacaram o monopólio de ensino vinculado à Igreja e adotaram

princípios de associação corporativa, o que facilitou a autonomia das universidades em

relação aos poderes religiosos e civis. Nas universidades, em geral, os estudantes escolhiam

os professores, que ministravam aulas em salas alugadas ou em domicílio. Não existia

separação entre estudantes novatos e veteranos. Todos assistiam às mesmas aulas e o ensino

não era ministrado em um único estabelecimento.

Petitat (1994) considera que nessas universidades não havia ênfase em exames ou

promoções anuais para verificação de aprendizagem. Na realidade, o exame era uma

consagração ritual do saber adquirido e não uma avaliação com o intuito de medir ou verificar

a aprendizagem. Entretanto, esse tipo de avaliação sofreu mudanças com o surgimento dos

colégios a partir do século XVI e com as transformações na estrutura da escola.

O autor informa que a maioria dos colégios foi criada pelo poder civil, em colaboração

com igrejas e com o intuito de alojar estudantes pobres. Aos poucos, essas casas de estudantes

foram se transformando em estabelecimentos de ensino, com características próprias, tais

como gradação das matérias, concentração dos cursos dentro dos estabelecimentos,

supervisão, disciplina e controle dos conteúdos adquiridos.

Alguns colégios começaram a introduzir a divisão dos alunos por classes, adotaram

um mestre específico para cada turma de alunos e a gradação das matérias, defendida com o

objetivo de adaptar os conteúdos ao desenvolvimento do aluno. As divisões em classes

serviam para organizar o ensino e manter os estudantes ao controle do mestre.

Assim, com essa nova estrutura escolar, os alunos passaram a ter um tempo limitado

para assimilar os conteúdos, executar suas atividades escolares e se submeter a um exame. O

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desempenho escolar era enfatizado com censuras ou recompensas. A partir daí, os alunos que

correspondiam ao bom desempenho eram promovidos e os que demonstravam um mau

desempenho eram rebaixados ou até eliminados. Outro ponto que merece destaque refere-se

aos exercícios orais que foram substituídos por provas e exercícios escritos.

Dessa forma, a avaliação começa a desempenhar a função seletiva de premiar os

melhores e de punir os que não correspondiam aos padrões estabelecidos de aprendizagem.

No século XVI, a pedagogia dos jesuítas definida pela Ratio Studiorum (GOMES,

1996) contava com normas para a orientação dos estudos escolásticos e com atenção especial

ao ritual de provas e exames (LUCKESI, 2005). Durante a colonização do Brasil, a pedagogia

jesuítica também exerceu grande influência através do ensino e da catequização, com a

utilização de provas e exames para verificar a aprendizagem e ter o domínio dos

conhecimentos ensinados.

Garcia (2003) afirma que, no século XVII, o exame foi institucionalizado através de

Comenius com a Didactica Magna, em 1657, e por meio de La Salle com Guia das Escolas

Cristãs, em 1720. Comenius considerava o exame como um problema metodológico com o

intuito de promover a aprendizagem e, caso esta não acontecesse, caberia ao educador

repensar seu método. Por outro lado, La Salle enfatizou o exame como uma supervisão

permanente sobre o aluno, dando ênfase ao controle sobre a aprendizagem. De acordo com a

autora, até hoje essas idéias interferem na avaliação escolar, que pode ser entendida como

problema metodológico ou como forma de controle.

Dalben (1998) relata a história da avaliação naquela época e afirma que as lutas

travadas nos séculos XVI e XVII, culminando com a Revolução Francesa no século XVIII,

reforçaram a superação das estruturas feudais e facilitaram o advento do capitalismo, uma vez

que promoveram uma mudança de paradigmas na sociedade.

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A partir da metade do século XVIII, com a Revolução Industrial e a expansão de

novos conhecimentos, decorrentes das grandes navegações e da imprensa, ocorreu uma crise

na própria visão de mundo (SANTOMÉ, 2004, 1998) e muitas mudanças surgiram na

sociedade, na escola e, conseqüentemente, na avaliação.

Até o século XVIII os sistemas escolares excluíam a maioria das crianças pobres,

provenientes das populações sem recursos financeiros. Essa exclusão social era reforçada pela

avaliação, que valorizava o conhecimento prévio dos alunos proveniente de famílias ricas,

comparando com a falta de instrução do aluno pobre.

Essa diferença entre a avaliação do aluno rico e do aluno pobre pode ser encontrada

nos dias de hoje, em que os recursos sociais e financeiros são considerados na avaliação,

como demonstra o fragmento a seguir:

Berenice (turma – 03 anos): As crianças são pequenas, mas hoje a gente vê uma diferença muito grande [...] parece que já vêm mais maduras para a gente, já chegam com uma carga maior até de conhecimento de tudo [...] elas já chegam bem espertas, aí é um pulinho para desenvolver mesmo. Eu acho que é assim, principalmente na nossa área aqui que é um nível também melhor, é como é que eu posso te dizer, a gente acaba que vê essa diferença assim mais gritante, do que em outro nível social [...] já vêm com muita informação também de casa. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006) A professora Berenice considera que a criança de um nível social mais elevado tem

mais facilidade de se desenvolver em relação à criança de outro meio social menos

privilegiado. Como as informações trazidas de casa e o conhecimento prévio fazem com que

essas crianças sejam mais espertas que outras, a avaliação não enfoca somente o desempenho

do aluno, mas os recursos sociais a que a criança tem acesso.

Diante dessa idéia que diferencia a avaliação da criança rica e da criança pobre,

Dalben (1998) analisa que, com a criação dos modernos Estados Nacionais nos séculos XVIII

e XIX, o poder público reconheceu a necessidade de estabelecer uma escola para o povo.

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Dessa forma, vários interesses apareceram em torno de um ensino popular com a preocupação

em formar o cidadão e o futuro trabalhador.

O ambiente urbano trouxe inovações à sociedade, bem como à constituição dos

colégios e escolas. A modificação nas estruturas das famílias, com a incorporação dos

homens e mulheres ao mercado de trabalho, favoreceu o interesse pela escola como

instituição adequada para formar as crianças como mão-de-obra para o mercado de trabalho,

respeitando a ordem social a que pertencia, sendo educada para aceitar o seu lugar na

sociedade. A escola também possuía a função seletiva através da qual atribuía a

responsabilidade pelo sucesso ou fracasso ao aluno com base nas aptidões biologicamente

herdadas pelo indivíduo. Assim, a estrutura de ensino reproduzia as relações sociais,

reforçando a desigualdade.

Segundo Perrenoud (1999), a avaliação foi estabelecida com o nascimento dos

colégios, no século XVII e, a partir do século XIX, passou a ser associada ao ensino de massa

com a escolaridade obrigatória.

Nesse contexto, a avaliação originou o que Luckesi (2005) denomina de “pedagogia

do exame”, em que a prática educativa é direcionada pela avaliação e não pelo processo de

ensino-aprendizagem. Segundo o autor, a “pedagogia do exame” traz várias conseqüências

que podem ser resumidas no sentido pedagógico, psicológico e sociológico. No âmbito

pedagógico, a atenção educativa é centrada no exame e não auxilia na aprendizagem do aluno,

visto que somente classifica e exclui, não procurando melhorar a aprendizagem em si; no

sentido psicológico, é utilizada para desenvolver comportamentos e personalidades submissas

e, no sentido sociológico, reforça o processo de seletividade social.

Assim, a “pedagogia do exame” favorece a manutenção de uma sociedade de classes, a

serviço de um modelo social dominante:

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Essa característica das provas/exames não é graciosa. Ela está comprometida, como tenho denunciado em textos e falas, com o modelo de prática educativa e, conseqüentemente, com o modelo de sociedade, ao qual serve. A prática de provas/exames escolares que conhecemos tem sua origem na escola moderna, que se sistematizou a partir dos séculos XVI e XVII, com a cristalização da sociedade burguesa. As pedagogias jesuítica (séc. XVI), comeniana (séc.XVII), lassalista (fins do século XVII e inícios do XVIII) são expressões das experiências pedagógicas desse período e sistematizadoras do modo de agir com provas/exames. A prática que conhecemos é herdeira dessa época, do momento histórico da cristalização da sociedade burguesa, que se constitui pela exclusão e marginalização de grande parte dos elementos da sociedade. (LUCKESI, 2005, p. 196)

Dessa forma, fica claro que a educação e as práticas avaliativas não são neutras, elas

sempre estão servindo aos interesses e intenções de quem conduz o conhecimento associado

ao poder econômico.

Ainda sobre a avaliação dentro desse processo de seleção social, a nota é enfatizada a

partir do século XIX como critério de seleção, sendo que, no século XX, embora o discurso

pedagógico tenha substituído o termo exame pelas palavras teste e prova objetiva, continuou-

se com o mesmo objetivo de controlar o desempenho escolar em virtude de preparar os mais

aptos para o mercado de trabalho. Posteriormente, os termos teste e prova foram substituídos

por avaliação (BARRIGA, 2003).

Conforme Penna Firme (1994) e Parente (2004), a avaliação, durante o século XX,

passou por quatro gerações, em que assumiu características peculiares. Na primeira geração,

nas décadas de 1920 e 1930, a avaliação esteve estreitamente ligada à medida, por isso é

chamada de geração da medida. O avaliador exerceu um papel técnico e os instrumentos

utilizados para medir o rendimento escolar foram os testes de aptidão, os exames e a

classificação do aluno.

Nas décadas de 1930 e 1940, a avaliação tornou-se mais abrangente e descritiva, o que

constitui sua segunda geração. É denominada a geração da descrição. O currículo foi revisto e

os registros de comportamento, as escalas, os inventários eram os recursos utilizados com o

intuito de informar sobre o desenvolvimento da aprendizagem, de acordo com os objetivos

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curriculares. O papel do avaliador era descrever padrões e identificar limites e potencialidades

dentro dos objetivos educativos.

A terceira geração ocorreu entre as décadas de 1950 e 1980, em que a avaliação

priorizou o sentido de julgamento, através do juízo de valor e da preocupação com o mérito e

com resultados positivos. O avaliador exercia o papel de julgar com base em funções técnicas

e descritivas. Os instrumentos englobavam a mensuração e a descrição.

Nessa época, a partir da segunda metade do século XX, a avaliação foi norteada pela

dimensão técnica (BARRIGA, 2003). Havia grande ênfase na educação com a intenção de

eliminar os hábitos inadequados e ensinar conhecimentos que atendessem aos interesses da

indústria. O papel da escola era preparar o homem para o trabalho e a avaliação selecionava

os melhores candidatos.

A quarta geração analisada por Penna Firme (1994) e também por Parente (2004)

ocorreu na década de 1990, quando se adotou a negociação e o consenso como critério de

avaliação. As escolhas avaliativas eram fundamentadas no paradigma construtivista, com

ênfase no processo interativo e negociado, sendo a avaliação abrangente e flexível,

comportando diferentes olhares.

Barriga (2003) considera que, apesar dos avanços, a idéia de avaliação ainda remete à

medição e, muitas vezes, o critério de medida é baseado no resultado final, que é fruto de uma

ação pontual, descontínua e opressora, em que a escola nega suas funções sociais quando

atribui a cada aluno a responsabilidade por seu desempenho. Nesse caso, considero que o

processo de avaliação escolar ainda tem fomentado a competitividade, a rivalidade e o

individualismo.

Apesar da proposta da última geração de avaliação ser aberta e dinâmica, os outros

tipos de avaliação descritas nas gerações anteriores ainda se encontram presentes nos dias de

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hoje. Tal fato me fez perceber que as concepções dessas quatro gerações mesclam-se na forma

de avaliar de muitas escolas, como ocorre, por exemplo, na escola pesquisada.

De acordo com as pistas encontradas no trabalho de campo, as professoras avaliam

utilizando a observação e o registro em fichas, denominadas de “Ficha Individual de

Observação do Aluno” e “Registros de Observação da Criança”, as quais constam nos Anexos

3 e 4 respectivamente.

A Ficha Individual de Observação do Aluno é dividida em quatro itens: o primeiro

enfoca aspectos referentes à integração da criança no grupo, em que é analisado o

relacionamento grupal, a participação nas atividades e os sentimentos envolvidos nas mesmas;

o segundo trata dos aspectos referentes ao desenvolvimento emocional, como agressividade,

ajuda e cooperação, autonomia, resolução de problemas e hábitos de cortesia. No terceiro item

são abordados os aspectos referentes ao desenvolvimento cognitivo, que se relacionam com

concentração, observação, organização, criatividade e argumentação. O último item engloba

os hábitos diários, como, por exemplo, lavar as mãos, escovar os dentes, guardar objetos,

utilizar o banheiro, entre outros.

Essa ficha, montada pela coordenadora pedagógica juntamente com as professoras, foi

dividida por bimestres em que a descrição de cada item é registrada de acordo com uma

legenda: S para Sempre, AV para Às vezes e QN para Quase nunca, com base na freqüência

em que as situações ocorrem. Dessa forma, entendo que essa freqüência representa uma

medida, uma avaliação em que quanto mais ocorrem determinadas situações ou

comportamentos, mais a criança está se desenvolvendo.

Outro ponto que merece destaque é que uma mesma ficha é utilizada para crianças

entre três e seis anos, não abordando as especificidades da criança como ser único em cada

idade. De acordo com Hoffmann (2000, p. 32), “os registros de avaliação deverão resguardar

a singularidade da história de cada criança e do acompanhamento dessa história construída a

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partir de suas vivências no grupo.” Na avaliação da criança pequena não cabem

generalizações em que atitudes são esperadas e valorizadas dentro de um mesmo padrão que

resume a avaliação em uma ficha para todas as crianças como se elas fossem iguais, não

levando em consideração a diversidade de aprendizagem.

Considero que nos aspectos expostos nas fichas estão mescladas influências das quatro

gerações de avaliação explicitadas anteriormente. A medida é realizada pela freqüência das

situações, cada item traz uma série de descrições voltadas para o desenvolvimento social,

emocional, cognitivo e formação de hábitos adequados. A ficha também enfoca participação,

cooperação e autonomia, que são aspectos enfatizados pela quarta geração fundamentada no

paradigma construtivista. Dessa forma, há uma mistura de modelos de avaliação, o que

implica uma falta de definição quanto à sua concepção.

Percebo também que o trajeto percorrido pela avaliação, em seus conceitos e em suas

práticas, foi construído historicamente e interfere na escola nos dias de hoje. Para

compreender esse processo, é necessário analisar o que significa avaliar, algumas

modalidades avaliativas e suas atuais implicações pedagógicas.

2.2 Avaliação: diferentes significados, modalidades e intenções

É possível encontrar várias definições sobre avaliação, como também uma diversidade

de modalidades nas práticas avaliativas. Nesse contexto, Afonso (2000, p. 27) analisa que:

Sendo a avaliação um dos processos pedagógicos mais importantes, pode afirmar-se, por analogia, que a escola socializa através da avaliação, mas não de uma maneira mecanicista. Assim, as diferentes modalidades de avaliação terão, elas próprias, impactos muitos diferentes na socialização dos indivíduos em escolarização e nem todas serão igualmente funcionais para o mundo do trabalho.

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Considerando que a escola socializa através da avaliação, neste trabalho, discutirei

algumas dessas definições e modalidades que expressam intenções sobre o papel da avaliação

no contexto escolar.

Luckesi (2005, p. 69) define avaliação como “um juízo de qualidade sobre dados

relevantes, tendo em vista uma tomada de decisão.” O autor analisa que, para cumprir o seu

papel, o ato de avaliar trabalha com três variáveis: juízo de qualidade, dados relevantes e

tomada de decisão.

O juízo de qualidade estabelece comparações com um “padrão ideal de julgamento”

determinado por quem avalia. Por exemplo, o professor compara a aprendizagem do aluno

com suas expectativas, que correspondem ao seu padrão ideal de julgamento, e emite uma

qualidade ao desempenho do aluno.

Dentro da avaliação, o juízo de qualidade é baseado em “dados relevantes da

realidade”, ou seja, no desempenho do aluno, que pode ser demonstrado através de notas,

provas, exercícios ou do comportamento na sala de aula. Esses dados relevantes mostram

também se a aprendizagem foi satisfatória ou não. A partir desses dados, acontece a “tomada

de decisão” que envolve assumir uma posição a favor ou contra aquilo que foi julgado. Dessa

forma, engloba uma decisão de quais atitudes tomar diante do aluno em relação à

aprendizagem.

Assim, penso que a ficha individual de observação do aluno reflete o que o autor diz

sobre juízo de qualidade, pois representa um padrão a ser seguido. Os dados relevantes são

embasados nas situações ou comportamentos previstos na descrição dos itens da ficha. A

tomada de decisão envolve a escola, na figura da professora, e a família, visto que a ficha é

entregue na reunião de pais. Eles recebem a ficha, analisam, assinam no lugar correspondente

ao bimestre avaliado e a devolvem para a professora. Na ocasião, os pais conversam com a

professora sobre a avaliação exposta na ficha e tomam uma decisão sobre o que fazer em

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relação à criança quando há registro de algum problema, como, por exemplo, agressividade

em relação aos colegas ou com a professora.

Luckesi (2005, p. 92) faz uma distinção importante entre verificar e avaliar. De acordo

com o autor, o termo verificar vem do latim e significa “fazer verdadeiro”, refere-se a

“investigar a verdade de alguma coisa”. O termo avaliar também se origina do latim e

significa “dar valor a ...”, implica “atribuir um valor ou qualidade a alguma coisa, ato ou curso

de ação.” O autor analisa que a verificação constata algo sobre o objeto, permanecendo

estática; por outro lado, a avaliação atribui uma qualidade e direciona uma ação ao objeto,

uma ação com base na tomada de decisão que requer uma postura diante da situação

encontrada.

Outros autores como Esteban (2003a, 2003b) e Hoffmann (2003a, 2003b, 2005a,

2005b) também enfatizam que a avaliação implica reflexão e ação. Concordo com esses

autores e penso que a avaliação somente tem razão de existir se estiver vinculada a uma

reflexão e ação, visto que uma avaliação punitiva e excludente não traz contribuições para a

aprendizagem e para a criança.

Conforme o Dicionário de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa

(FERNANDES, 1995), avaliar significa: “Orçar, computar, calcular, estimar, apreciar,

apreçar, aquilatar, taxar, arbitrar, cotar, julgar, louvar, medir, pesar, ponderar (...)”.

Dessa forma, constato que avaliar envolve um julgamento, uma apreciação, o que me

faz perceber que o ato de avaliar depende de quem avalia, uma vez que representa um olhar

do outro sobre o indivíduo que está sendo avaliado.

Outro ponto interessante nessa definição é que avaliar significa “louvar”, ou seja,

elogiar. Nesse sentido, compreendo que avaliar não remete a um julgamento somente, mas em

reconhecer as possibilidades e os avanços alcançados. Entretanto, analiso que muitas vezes os

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elogios são esquecidos ou abafados em razão de práticas avaliativas voltadas para a punição e

classificação.

Outra definição sobre avaliação pode ser encontrada no Novo Dicionário da Língua

Portuguesa (FERREIRA, 1986):

1. Ato ou efeito de avaliar (-se). 2. Apreciação, análise. 3. Valor determinado pelos avaliadores. Avaliação formativa. Processo de avaliação realizado no decorrer de um programa instrucional visando aperfeiçoamento. Avaliação somativa. Processo de avaliação final de um programa instrucional visando aperfeiçoamento.

Nessa definição visualizo três conceitos e duas modalidades avaliativas explicitadas.

Primeiramente avaliação remete a um ato, uma prática, uma ação de avaliar alguém ou

alguma coisa ou avaliar a si mesmo, ou seja, uma auto-avaliação. Aqui percebo que avaliação

engloba o olhar do outro e o olhar sobre si mesmo.

Dalben (1998) afirma que a avaliação está presente na atividade humana em todos os

seus domínios; seja em uma simples escolha de qual caminho tomar para o trabalho ou nas

reflexões mais complexas sobre nossos pensamentos e decisões que direcionam nossas

atitudes.

O ser humano avalia-se constantemente no decorrer de toda sua vida, na medida em

que vivencia situações em que é necessário escolher, tomar decisões, dialogar e refletir sobre

as ações. A avaliação está constantemente ligada ao processo de reflexão (ALARCÃO, 2004).

Assim, a escola é uma instituição composta por pessoas, seres humanos que avaliam e se

avaliam com base em suas histórias, experiências e identidades.

Hoffmann (2003a, p. 148-49) também compartilha dessa visão e diz que avaliamos

nossos atos diários como uma tentativa de melhorar nossas vidas. Isso ocorre em todo tempo,

sempre procuramos melhores soluções para um problema vivenciado e aprendemos com

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nossos erros. Dessa forma, a autora questiona: “Se a avaliação na vida tem gosto de

recomeçar, de partir para melhor, de fazer muitas outras tentativas, por que na escola, se

mantém o significado sentencivo, de constatação, provas de fracasso, periodicidade rígida?”

Percebo que, quando a escola pensa a avaliação como julgamento e punição, essa

forma de avaliar está baseada em suas concepções sobre o papel da escola e do aluno nesse

processo, uma vez que se a escola se considera como detentora do saber, o aluno é visto como

um recipiente onde esse saber é depositado (FREIRE, 1996).

Desse modo, constato que a avaliação, muitas vezes, tem sido usada como um recurso

para punir alunos e, por outro lado, os próprios professores e as escolas. Quando se questiona

a capacidade de um professor ao ensinar ou quando se estabelecem critérios para comparar as

escolas umas com as outras, a avaliação está sendo um instrumento de exclusão.

Contudo, entendo que é preciso mudar essa visão sobre a avaliação, transformando-a

em um instrumento que favoreça toda a comunidade escolar. Concordo com Santomé (2004,

p. 28) quando afirma que:

Promover aprendizagens mais ricas, prestando atenção a destrezas cognitivas mais complexas como a reflexão, a análise, a avaliação da informação, assim como as dimensões sociais, emocionais e morais implicadas em todo o processo de aprendizagem foi o que criou um determinado consenso na comunidade educativa sobre a necessidade de formas de avaliação mais qualitativas, de busca de estratégias menos precisas, contudo mais adequadas ao prosseguimento dos estudos por parte dos estudantes. Fomentar este tipo de aprendizagens obrigou a potenciar metodologias didácticas e estratégias de avaliação que têm de prestar atenção, não só aos conteúdos trabalhados nas aulas, como também aos processos cognitivos, às dimensões sociais, emocionais e morais implicadas no processo de ensino de aprendizagem.

Em continuidade com as discussões acima sobre avaliação, a segunda definição

apresentada pelo Novo Dicionário da Língua Portuguesa (FERREIRA, 1986) aponta uma

apreciação, uma análise, o que sugere algo mais profundo e global. Já o terceiro conceito

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afirma que avaliação é um valor determinado por outras pessoas, por avaliadores, novamente

avaliar representa um juízo de valor.

Ainda o Novo Dicionário (FERREIRA, op. cit.) traz dois tipos de avaliação. Uma,

formativa, em que o processo é priorizado, e outra, somativa, com base no resultado final. É

importante destacar que ambas as avaliações têm o objetivo de aperfeiçoar, o que difere é o

tempo em que elas são realizadas, uma no decorrer do processo e outra no final.

Essas definições exemplificam o que ocorre no cotidiano escolar. Geralmente a escola

adota uma avaliação somativa ou formativa ou, ainda, faz uma junção dessas duas

modalidades, o que demonstra que se podem renovar algumas práticas, com referência a uma

avaliação formativa, mantendo, porém, a concepção somativa na avaliação (PERRENOUD,

1999).

Essa mistura pode ser visualizada nas fichas de avaliação: “Ficha Individual de

observação do aluno” e “Registros de Observação da Criança” da escola pesquisada (ANEXO

3 e 4), como demonstra o fragmento a seguir:

Noemi (turma – 04 anos): Primeiro a gente tem uma ficha de avaliação, que vem [com] a rotina do dia nessa ficha, então ali, geralmente [observa] três alunos por dia,[é] que às vezes não[dá] tempo três[alunos por dia] por causa do ritmo do trabalho, [então] eu avalio um item de um aluno:[por exemplo] socialização, momento de socialização, o outro[aluno no] momento da rodinha, momento do parque, como que a criança interagiu nesse momento, se ela ficou envolvida pela atividade ou não. Então, faço esse registro, a gente faz um resumo [registro] mensal, por exemplo, agora do bimestre, [...] o que chamou mais a atenção do mês de maio, junho, julho. [Registro de Observação da Criança] Isto é por mês e tem a ficha também, a ficha cognitiva [Ficha Individual de observação do aluno] que foram os conteúdos daquele mês, é uma ficha como ela se relacionou com os amigos, [...] fala de hábitos também diários. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006)

Com base no fragmento acima, entendo que há uma mistura entre a avaliação

formativa e somativa expressa nas fichas de avaliação. Os registros de observação trazem uma

avaliação formativa, enquanto que a ficha individual de observação do aluno está

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fundamentada em uma avaliação somativa demonstrada pela freqüência de atitudes

previamente esperadas com relação aos conteúdos ensinados e à formação de hábitos.

De acordo com Afonso (2000), as diferentes modalidades avaliativas envolvem várias

funções, explícitas ou não. No entanto, é importante compreender que “a própria escolha das

modalidades e técnicas de avaliação dos alunos supõe e implica uma determinada orientação

política.” (p.20)

Dessa forma, a avaliação engloba “jogos de poder” e “processos de negociação” em

que as intenções direcionam o seu objetivo. Essas intenções podem estar relacionadas com o

controle, com a classificação e com a exclusão. Nesse sentido, o autor analisa que o poder de

avaliar engloba outros poderes, como, por exemplo, o poder disciplinar, o poder físico, o

poder de recompensa, o poder de sanção, e o poder cognoscitivo, entre outros. Esses poderes

fazem parte dos “julgamentos de excelência” que, de acordo com Afonso (2000, p. 21),

De modo similar àqueles julgamentos que ocorrem nas instituições psiquiátricas e judiciárias, os julgamentos de excelência, que ocorrem no quotidiano da escola e da sala de aula, contribuem para fabricar imagens e representações sociais positivas ou negativas, que, consoante os casos, levam à promoção ou estigmatização dos alunos, justificando a sua distribuição diferencial na hierarquia escolar.

Dentro desse jogo de poderes e dos julgamentos realizados, a avaliação está associada

à criação de “hierarquias de excelência” (PERRENOUD, 1999, p. 11). A escola cria essas

hierarquias que se tornam leis estabelecidas e têm o poder de declarar quem têm êxito e quem

fracassa. Essas leis diferem de escola para escola, de um sistema de ensino para outro e, até

mesmo, de um professor para outro.

De acordo com Perrenoud (op. cit.), essas regras ou leis são formadas através da

grande diversidade de concepções e práticas adotadas na escola. Devido a essa diversidade,

não existe um consenso definido sobre as modalidades de avaliação.

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Avaliar é – cedo ou tarde – criar hierarquias de excelência, em função das quais se decidirão a progressão no curso seguido, a seleção no início do secundário, a orientação para diversos tipos de estudos, a certificação antes da entrada no mercado de trabalho e, freqüentemente, a contratação. Avaliar é também privilegiar um modo de estar em aula e no mundo, valorizar formas e normas de excelência, definir um aluno modelo, aplicado e dócil para uns, imaginativo e autônomo para outros... Como, dentro dessa problemática, sonhar com um consenso sobre a forma ou o conteúdo dos exames ou da avaliação contínua praticada em aula? (PERRENOUD, 1999, p. 9)

Afonso (2000) analisa algumas modalidades de avaliação que são divididas em dois

sentidos distintos: o primeiro diz sobre a avaliação sumativa (de sumário) e normativa ou

também chamada de tradicional, que abrange os testes estandardizados para medir a

inteligência e se relacionam com os interesses e objetivos da administração; o segundo diz

sobre a avaliação criterial, diagnóstica e formativa e refere-se aos propósitos e interesses

pedagógicos.

Segundo o autor, a avaliação normativa promove a competição e comparação como

valores educativos e atua com base em provas e testes, enfatizando a classificação. Por outro

lado, a avaliação criterial enfatiza a aprendizagem de cada aluno de acordo com os objetivos

traçados e verifica o desempenho individual, sem realizar comparações entre os resultados. A

partir dos resultados do aluno, atividades de compensação são programadas com o intuito de

sanar alguma dificuldade na aprendizagem.

Quanto à avaliação sumativa, Parente (2004) explica que se trata de uma apreciação

global da aprendizagem com base no controle da qualidade educacional. Nessa modalidade

podem-se utilizar exames para se verificar a qualidade do ensino.

Quanto à avaliação diagnóstica, a análise de Luckesi (2005) destaca que ela representa

um instrumento fundamental para ajudar o educando no processo de aprendizagem voltado

para a autonomia. O autor defende essa modalidade, justificando que:

Com isso, queremos dizer que a primeira coisa a ser feita, para que a avaliação sirva à democratização do ensino, é modificar a sua utilização de classificatória para diagnóstica. Ou seja, a avaliação deverá ser assumida

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como um instrumento de compreensão do estágio de aprendizagem em que se encontra o aluno, tendo em vista tomar decisões suficientes e satisfatórias para que possa avançar no seu processo de aprendizagem. (LUCKESI, 2005, p.81)

Nesse sentido, o diagnóstico na avaliação favorece a compreensão dos processos de

aprendizagem vivenciados pelo educando. O diagnóstico não julga o desempenho do aluno,

antes implica conhecer a situação de aprendizagem, objetivando uma tomada de decisão

diante do processo educativo.

Para Luckesi (op. cit.), a avaliação diagnóstica tem algumas funções fundamentais:

propiciar a autocompreensão do educando e também do educador, com a conscientização de

onde se está na aprendizagem e quais os caminhos possíveis; motivar o crescimento, com o

desejo de avançar no conhecimento e aprofundar a aprendizagem, identificando

potencialidades e auxiliando nas dificuldades a serem superadas. Nesse caso, com tal

modalidade é utilizada em benefício do educando, em minha percepção, registra-se um

significativo avanço em determinado pontos.

Completando os avanços da avaliação diagnóstica, a avaliação formativa envolve a

formação completa do educando. Assim, a avaliação é contínua e prioriza o processo de

aprendizagem voltado para a autonomia, não ocorrendo somente no início do ano ou no final,

mas durante a aprendizagem.

Perrenoud (1999) alerta que o diagnóstico somente pode ser útil se envolver uma ação

apropriada. Daí a avaliação formativa implicar uma “intervenção diferenciada” a qual

proporciona não só o reconhecimento dos avanços obtidos, mas também uma constante busca

pela aprendizagem, intervindo no processo de forma dinâmica. É mister ressaltar que a

avaliação formativa demanda uma relação de ajuda mútua entre o professor, o aluno e seus

pares.

Apesar dos avanços propostos pela avaliação formativa, como, por exemplo, a

continuidade do processo de aprendizagem e a intervenção pedagógica desafiadora, Hoffmann

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(2005b, p. 20) considera que “Muda-se o jeito de fazer algumas coisas, mas não as

concepções dos professores. Assim ocorre também com alterações nos registros escolares e

sistemas de registros.” Dessa forma, percebo que muitas mudanças na avaliação são

superficiais. A despeito de, em muitas escolas, as notas tenham sido substituídas por

conceitos, o resultado é o mesmo: a classificação do desempenho do aluno.

Nesse sentido, Hoffmann (2005b) conclui que somente a postura mediadora do

professor pode fazer toda a diferença na avaliação formativa. Para isso, a autora propõe a

avaliação mediadora com base nas contribuições de Vygotsky.

A mediação promove o encontro através do diálogo entre educador e educando. O

professor ensina e aprende e o aluno também ensina e aprende, ao mesmo tempo. É um

diálogo constante, em que não existe julgamento, classificação ou fracasso. Todavia, é um

espaço de aceitação do outro, das diferenças e das potencialidades para a aprendizagem.

Nessa perspectiva, Esteban (2003, p. 18) afirma que “Ao dialogar com o aluno, ainda

que brevemente, e ao se dispor a aprender com ele, o professor desfaz muros e estabelece

laços.” Nesse contexto de relações, acredito que o professor pode estabelecer laços de

aprendizagem com seus alunos, através da mediação.

A avaliação mediadora possibilita um processo de “ação-reflexão-ação”

(HOFFMANN, 2005a, p. 37) tanto do professor, quanto do próprio aluno. Um educador

consciente de seu papel como mediador pode proporcionar situações de aprendizagem de

acordo com as necessidades do educando. O aluno, por sua vez, pode refletir sobre sua

aprendizagem e analisar suas conquistas e inquietações.

É importante ressaltar que a postura do professor como mediador interfere na dinâmica

escolar. É fundamental que o professor compreenda que a mediação acontece no processo de

construção do conhecimento e interfere na aprendizagem.

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Como a Educação Infantil representa o primeiro contato da criança com a instituição

educacional, as experiências vindas dessa primeira experiência podem marcar profundamente

a criança e sua visão sobre a escola, o professor e a aprendizagem. Dessa forma, considero

fundamental que a avaliação na Educação Infantil esteja pautada nas contribuições de

Vygotsky (2004, 2000, 1998a, 1998b, 1996) sobre o desenvolvimento infantil na perspectiva

mediadora.

Para Vygotsky (op. cit.), o desenvolvimento infantil não deve ser visto como algo

periodizado ou fracionado de acordo com processos externos como a idade ou a

escolarização, ou ainda com base em processos internos de maturação, mas sim como um

processo que acontece num movimento dialético, não possuindo caráter evolutivo ou linear,

mas revolucionário, com alternância entre períodos estáveis e períodos de crises que são

fundamentais para as formações novas.

Pelo fato de as crises fazerem parte do desenvolvimento infantil, não conseguimos

detectar seu início e seu fim, porém, é possível perceber as mudanças na aprendizagem, seja

na relação que a criança estabelece com o contexto escolar, seja através da perda do interesse

pela escola.

Na Educação Infantil, esse conhecimento sobre as crises no desenvolvimento infantil

pode proporcionar ao professor a compreensão de situações vividas pelas crianças, visto que o

desenvolvimento humano ocorre na e através da interação social, em que a criança constrói

seu conhecimento e a si mesma enquanto sujeito com base nas relações sociais.

O desenvolvimento infantil é um processo dialético com idas e vindas, com

reviravoltas, crises e conflitos. Tudo isso é necessário para que a criança construa formações

novas, ou seja, seu conhecimento.

Vygotsky (1998a) afirma que a aprendizagem infantil começa muito antes de as

crianças ingressarem na escola. Para o autor, aprendizagem e desenvolvimento estão inter-

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relacionados desde quando a criança nasce, devendo a aprendizagem ir além do

desenvolvimento. Para favorecer essa aprendizagem, o autor cria o conceito de zona de

desenvolvimento proximal, que é definida a seguir:

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1998a, p. 112)

Assim, a zona de desenvolvimento proximal atua no que a criança pode fazer com a

colaboração do outro. Nesse sentido, aquilo que hoje a criança realiza em colaboração com o

outro, amanhã ela pode estar realizando sozinha. O processo de ensino-aprendizagem, nessa

perspectiva, está voltado para o que a criança não sabe fazer sozinha, mas que poderá realizar

através da mediação do outro.

Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança. (VYGOTSKY, 1998a, p. 117, 118)

Dessa forma, percebo que a atuação da Educação Infantil demanda uma atuação de

acordo com o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Uma ação voltada para a

aprendizagem que se adianta ao desenvolvimento, através da mediação do professor, o que

requer uma avaliação pautada na mediação e na inovação da prática pedagógica.

Conforme a proposta de Hoffmann (2005b, p. 25), a prática avaliativa mediadora

possui três princípios fundamentais: o princípio dialógico/interpretativo da avaliação; o

princípio da reflexão prospectiva e o princípio da reflexão-na-ação.

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O primeiro princípio prioriza a avaliação como processo dialógico, com muitos

sentidos, que se convergem na construção conjunta de conhecimentos. O segundo princípio

aborda a avaliação através de leituras positivas sobre o processo de aprendizagem, deixando

de lado as expectativas ou modelos pré-concebidos, com um olhar aberto para a descoberta,

para inovações e indagações. O terceiro princípio focaliza a avaliação como um processo

mediador construído na prática. O professor reflete sobre sua atuação, aprende a aprender,

intervém na prática pedagógica a partir do diálogo com os alunos, consigo mesmo e com

outros educadores, com intuito de transformar o seu fazer pedagógico.

Apesar de as professoras apresentarem uma concepção mista de avaliação, que mescla

a avaliação somativa e formativa, os princípios expostos acima sobre a avaliação na

perspectiva mediadora foram encontrados na concepção das professoras sobre aprendizagem,

conforme as pistas encontradas nos fragmentos a seguir:

Berenice (turma – 03 anos): Eu acho que a aprendizagem se faz a todo o momento [...] aprende com o outro, aprende com o professor, aprende com outras salas, [...] tem o colega que divide muito a experiência dele, troca de informação o tempo todo e tem tudo que a gente oferece para ele. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006)

Noemi (turma – 04 anos): Aprendizagem para mim seria esse processo de descoberta, de descobrir o novo, de interagir com o outro, com o objeto, com os amigos e está [...] organizando o pensamento, descobrindo coisas novas, criando outras coisas. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006)

Talita (turma – 05 anos): Aprendizagem é troca, eu acho que a todo o momento a gente está aprendendo. [...] Aprendizagem é troca, é uma interação com as pessoas. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

Mara (turma – 06 anos): Eu acho que aprendizagem é um momento de troca, eu não acredito na aprendizagem de um, a gente troca o tempo todo, a todo o momento, [...] é um momento de troca. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

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Como se pôde constatar nas falas anteriores, as professoras afirmaram que a

aprendizagem acontece em todo o momento e não somente em ocasiões específicas em que é

ministrado o ensino. Outra pista que considero importante é o fato de a aprendizagem estar

ligada à troca, em que as pessoas interagem entre si, compartilham descobertas, idéias e

experiências.

Entendo que as professoras possuem uma concepção de aprendizagem fundamentada

na perspectiva interacionista, composta pelo construtivismo de Piaget e a teoria sócio-

histórica de Vygotsky, conforme Marques (2001, p. 73) explica:

Piaget (cognitivista-interacionista) trabalhou fundamentalmente a interação do sujeito com o que lhe é externo nos processos de conhecimento, vendo-o como um sujeito ativo. Vygotsky (sócio-interacionista) acresceu aos pólos do sujeito e da realidade, o pólo do Outro, considerando as interações sociais o principal elemento na construção do conhecimento pelos sujeitos.

Todavia, é necessário ressaltar que a concepção de aprendizagem das professoras

contradiz algumas práticas avaliativas adotadas por elas. A ficha de avaliação utilizada pelas

professoras enfoca situações e comportamentos condizentes com uma avaliação somativa,

ainda que possam trazer alguns aspectos da avaliação formativa, no que se refere à autonomia

das crianças. Percebo não haver clareza quanto à concepção de avaliação que embasa a prática

dessas professoras.

Considero que a concepção de avaliação mediadora harmoniza com a concepção de

aprendizagem na perspectiva interacionista, abrindo novos caminhos, quando possibilita ao

professor uma reflexão sobre suas ações educativas e sobre as diferentes implicações na

construção do saber.

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2.3 Avaliação na Educação Infantil e a perspectiva da avaliação mediadora

A compreensão da avaliação na Educação Infantil requer um retorno histórico sobre a

concepção de criança, de infância e, conseqüentemente, de educação infantil.

Philippe Áries (1981), com sua obra História Social da Criança e da Família, foi

pioneiro em estudar a história da criança enquanto ser diferente do adulto o que ocorreu por

volta dos séculos XVI e XVII.

De acordo com Del Priore (1999, p. 105), “Entre os séculos XVI e XVII, com a

percepção da criança como algo diferente do adulto, vimos surgir uma preocupação educativa

que traduzia-se em sensíveis cuidados de ordem psicológica e pedagógica.”

Dessa forma, o reconhecimento da criança como ser diferente do adulto trouxe

preocupação com a forma de cuidar e educar. A família não seria mais a única responsável

pela criança, devendo tal responsabilidade ser dividida com a escola.

Os estudos e pesquisas sobre a criança apontaram para o seu reconhecimento como

sujeito de direitos, trazendo a idéia de infância como construção social.

Sarmento (2001, p. 13-4) afirma que:

A verdade é que se houve sempre crianças, não houve sempre infância. A consideração das crianças como um grupo etário próprio, com características identitárias distintas e com necessidades e direitos genuínos, é muito recente, é mesmo um projecto inacabado da modernidade.

Assim, é possível perceber que, embora a criança seja um ser único que sempre existiu

na sociedade, em alguns momentos e, em alguns lugares, não é reconhecida como sujeito.

Kuhlmann Jr. e Fernandes (2004, p.15) explicam que:

Podemos compreender a infância como a concepção ou a representação que os adultos fazem sobre o período inicial da vida, ou como o próprio período vivido pela criança, o sujeito real que vive essa fase da vida. A

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história da infância seria então a história da relação da sociedade, da cultura dos adultos, com essa classe de idade, e a história da criança seria a história da relação das crianças entre si e com os adultos, com a cultura e a sociedade. Ao se considerar a infância como condição das crianças, caberia perguntar como elas vivem ou viveram esse período, em diferentes tempos e lugares.

Nessa perspectiva, entendo que o modo de ver e compreender a criança implica a

prática de relações com a própria criança, que não pode ser imobilizada em imagens sociais

ou teorias (SMOLKA, 2002), pois as crianças mudam, o mundo se transforma, as relações são

alteradas não havendo uma concepção ou conceito que consiga visualizar todas essas

mudanças, com base na construção social de uma infância única.

Nas entrevistas com as professoras, encontrei pistas sobre como elas compreendem

criança e infância, revelando concepções distintas que interferem na avaliação da criança e na

prática da educação infantil. Os fragmentos abaixo trazem pistas sobre a concepção de

criança:

Berenice (turma – 03 anos): Ah, eu acho que ser criança é a principal, como é que se fala, é a base de toda uma formação. Ser criança é ser inocente, é ser espontânea, é ser... sei lá, eu acho que é tudo. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006)

Noemi (turma – 04 anos): A criança, ela é um ser em desenvolvimento, que é receptiva a tudo, que gosta de tudo, gosta de participar de tudo, muito interessada gosta de descobrir tudo, é aberta ao mundo, aberta ao novo e aberta sempre a descobrir coisas novas. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006)

Talita (turma de 05 anos): Para mim ser criança é um ser que está em pleno desenvolvimento e a criança está sempre muito aberta a receber um carinho, uma informação, pergunta, resposta, a criança ela é muito questionadora. Ela questiona a todo o momento, na participação dela, ela questiona o porquê daquilo ou por que que tem que fazer aquilo, ela é muito questionadora. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

Mara (turma – 06 anos): Olha, a criança, a meu ver, é um ser que está em constante formação, e muito ávido por informação e daí eu acho que é nossa responsabilidade em lidar com criança, porque como eles estão começando a trilhar, tudo que a gente estiver passando para eles é igual uma esponjinha, vai ser sugado, e sabe-se lá como vai ser usado. Então, a informação que é vinculada para a criança tem muita importância. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

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A professora Berenice revelou uma concepção de criança pautada na teoria de

Rousseau (1968), como ser inocente e puro que é corrompido pela sociedade. A professora

afirma que, como a criança é a base da formação humana, educando a criança hoje se prepara

o adulto de amanhã. Nesse sentido, a criança é um ser em preparação, um “vir a ser”, o

cidadão do futuro que precisa ser educado hoje.

A professora Noemi traz outra concepção de criança, compartilhada pela professora

Talita, ao falar da criança como ser em desenvolvimento com autonomia. Como sujeitos do

seu próprio desenvolvimento, as crianças são abertas, participativas e interagem socialmente.

A professora Talita revela uma pista interessante sobre a criança, quando acrescenta

que elas questionam, ou seja, as crianças não aceitam passivamente as atividades propostas,

sendo reconhecidas como sujeitos ativos e críticos.

Por último, a concepção de criança da professora Mara traz implicações sobre a

concepção de avaliação e de aprendizagem. Ela afirma que a criança é um ser em constante

formação e o que for transmitido para elas vai ser sugado como, por exemplo, uma esponja

que absorve a água: “tudo que a gente estiver passando para eles é igual a uma esponjinha, vai

ser sugado, e sabe-se lá como vai ser usado.”

Embora anteriormente a professora Mara tenha falado em aprendizagem como troca,

na interação com o outro, ela se contradiz ao afirmar que as informações transmitidas por ela

serão absorvidas pela criança, além de expressar dúvidas quanto ao uso desse conhecimento

por parte do educando. Nesse caso, percebo que a avaliação tem o objetivo de verificar como

as informações foram “sugadas” pela criança. A concepção de avaliação está fundamentada

no que a professora transmitiu ao aluno e na forma como o aluno recebeu esse conhecimento.

Concordo com Lopes e Vasconcellos (2005, p. 39) quando dizem que:

Assim toda criança é criança de um local; de forma correspondente, para cada criança do local existe também um lugar de criança, um lugar social designado pelo mundo adulto e que configura os limites da sua vivência; ao mesmo tempo toda

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criança é criança em alguns locais dentro do local, pois esse mesmo mundo adulto destina diferentes parcelas do espaço físico para a materialização de suas infâncias.

Assim, entendo que a visão das professoras sobre a criança estabelece um lugar de

criança, em que os adultos definem os limites de sua vivência, em que se materializa a

infância. Nesse caso, a concepção de criança está relacionada com a concepção de infância, a

criança representa o sujeito em si e a infância se refere a uma construção social, aos lugares

destinados à criança pelo mundo adulto.

Sobre infância, apenas a professora Noemi não diferenciou criança e infância, já que

ela volta a afirmar sua visão de criança:

Noemi (turma – 04 anos): Eu volto no que é criança, que é esse momento, é a fase do prazer, do lúdico, da descoberta, da criação de novas coisas, do interesse de descobrir o mundo. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006)

As pistas encontradas nas entrevistas com as outras professoras revelaram uma forte

influência da teoria de Rousseau (1968) na concepç ão de infância, de acordo com os

fragmentos a seguir:

Berenice (turma – 03 anos): Eu acho que a melhor fase da vida [...] acho que a gente tem que valorizar muito, a gente tem que aprender muito com eles [...]. E a gente aprende assim nas pequenas coisas com eles também, porque na infância é que eles estão livres de tudo, de preconceitos, de idéias já formadas, então eles falam o que eles acham aqui, da forma como eles entendem espontaneamente, verdadeiramente e a gente tem que valorizar o máximo possível [...]. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006)

Talita (turma – 05 anos): É a melhor fase da vida. Eu vejo a infância como um momento da vida de pureza, eu acho que a infância assim, é a pessoa ser pura, alegre, está sempre com energia, [...]. Então, eu acho assim que a infância é uma fase muito importante no desenvolvimento do ser humano, é a primordial para o desenvolvimento do ser humano. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

Mara (turma – 06 anos): Eu acho que é o momento mais bonito talvez da vida do ser humano. É o momento que a gente ainda, talvez por isso eu esteja na educação infantil, eu lido com adultos também, mas a educação infantil me renova, é um momento que você entra em contato com aquilo que a gente já perdeu, que é aquela coisa de acreditar no ser humano, de ainda ter aquela fantasia ainda muito à flor da pele, achar que todo mundo é bom, ser feliz. Eu acho que a maior característica da infância é ser feliz sem precisar de muita coisa, à

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medida que a gente cresce, como eu te disse, eu lido com adultos, precisa de muita coisa para estar feliz, a criança não. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

De acordo com as professoras, a infância é um período de inocência e pureza, por isso

é considerada como a melhor fase da vida. Observo que os indícios revelam a concepção de

infância atrelada ao saudosismo de voltar a essa fase da vida, com o lamento pela perda da

beleza e bondade consideradas naturais na infância e sufocadas pelo sujeito enquanto adulto

que vive em uma sociedade corrompida.

A professora Berenice afirma que a infância deve ser valorizada por ser a melhor fase

da vida, concluindo que a infância por ser livre de preconceitos, pode ter muito a ensinar para

os adultos. Essa concepção de valorizar traz também o sentido de preservar a infância de

mazelas sociais vivenciadas no mundo adulto, revelando que, para a professora, a infância

afigura-se como algo a ser protegido.

Na concepção de Talita, na qual existe também a ênfase na infância como a melhor

fase da vida, destaco as pistas sobre infância como um momento puro, alegre, cheio de

energia, por isso uma fase fundamental para o desenvolvimento do ser humano. Nesse caso,

analiso que a infância é interpretada como uma fase preparatória para o ingresso no mundo

adulto em que há preocupação em manter a pureza, a alegria e a energia dessa fase como base

para o homem de amanhã.

A professora Mara demonstra um saudosismo em relação à infância, como algo que

foi perdido ao entrar na fase adulta. Outra pista interessante é o trabalho com a infância ser

considerado um renovo e uma motivação no sentido de justificar o interesse da professora

pela área da educação infantil. Ela enfatiza também a fantasia, a bondade em acreditar nas

pessoas e o fato de se ser feliz na infância sem precisar de muita coisa. A professora compara

que no mundo adulto o sentido de realização pessoal na busca pela felicidade tem muitos

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obstáculos a serem superados, enquanto que na infância existe a felicidade nas pequenas

coisas, consideradas, às vezes, pelos adultos como insignificantes.

Kohan (2004, p. 53), ao analisar a questão da criança como ser em desenvolvimento e

da infância como etapa da vida relacionada com a educação infantil, conclui que:

O conceito de infância que se desprende dessas passagens é nítido. Ela é uma etapa da vida, a primeira, o começo, que adquire sentido em função de sua projeção no tempo: o ser humano está pensado como um ser em desenvolvimento, numa relação de continuidade entre o passado, o presente e o futuro. A intervenção educacional tem um papel preponderante nessa linha contínua. Ela se torna desejável e necessária na medida em que as crianças não têm um ser definido: elas são, sobretudo, possibilidades, potencialidade: elas serão o que devem ser. Assim, a educação terá a marca de uma normativa estética, ética e política instaurada pelos legisladores, para o bem dos que atualmente habitam a infância, para assegurar seu futuro, para fazê-los partícipes de um mundo mais belo, melhor. A infância é o material dos sonhos políticos a realizar. A educação é o instrumento para realizar tais sonhos.

Assim, considero que a visão das professoras sobre criança como ser em

desenvolvimento e sobre a concepção de infância como a melhor fase da vida reflete no papel

da educação infantil enquanto instrumento na realização dos sonhos sobre criança e infância.

Como as concepções sobre criança e infância influenciam o trabalho na educação

infantil, para compreender essas implicações na atualidade, é necessário proceder a uma

reflexão sobre a constituição dessa etapa da educação no Brasil.

A história da Educação Infantil no contexto brasileiro (KRAMER, 2004, 1995;

KUHLMANN, 1998) demonstra que, através dos movimentos sociais nas décadas de 1970 e

1980, a Educação Infantil foi reconhecida como direito na Constituição de 1988:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. (BRASIL, 1999, Artigo 208, Inciso IV, p. 117)

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Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069/90, confirma esse

direito no Artigo 54, Inciso IV: “É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: (...)

atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade;”

(BRASIL, 1999).

Entretanto, não basta a Educação Infantil estar assegurada como direito da criança e

dever do Estado, pois as diferentes concepções sobre criança, infância, escola e sociedade irão

interferir nas práticas adotadas na Educação Infantil que, ao longo dos anos foi entendida

como educação compensatória, no intuito de minimizar as carências culturais das crianças

pobres e como assistencialismo, no sentido de livrar a criança dos riscos da marginalidade.

Dessa forma, a educação infantil esteve entre a dicotomia de cuidar e de educar, em

alguns momentos privilegiando a ênfase na higiene e proteção das crianças e em outros

proclamando a formação com base em conteúdos escolarizados.

O fragmento a seguir demonstra essa preocupação entre cuidar e educar nos dias de

hoje:

Berenice (turma – 03 anos): Acho que a gente tem que tomar todo cuidado em ser mãezona, mas também tem que ser firme, você tem que dar bronca, tem que ensinar o tempo todo, você tem que corrigir. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006) A professora Berenice reconhece que seu trabalho na educação infantil tem dois lados,

um lado de mãe que cuida e protege e outro de professora que ensina o tempo todo, é firme e

corrige. Percebo que a avaliação está ligada ao próprio papel de professora, no sentido de que

ser professora exige ensinar e corrigir os alunos.

Embora essa dicotomia entre cuidar e educar continue nos dias de hoje, com a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96 (BRASIL, 1996), nos Artigos 29, 30 e

31, fica perceptível um avanço ao estabelecer a Educação Infantil como primeira etapa da

Educação Básica e em dispor como será realizada a avaliação:

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Art. 29 – A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, completando a ação da família e da comunidade. Art. 30 – A educação infantil será oferecida em:

I. creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

II. pré-escolas para as crianças de quatro a seis anos de idade. Art. 31 – Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.

De acordo com a LDB nº 9394/96, o objetivo da Educação Infantil é o

desenvolvimento integral da criança, o que é enfatizado nas avaliações, entretanto, muitas

escolas enfatizam os conteúdos escolarizados, como, por exemplo, a alfabetização,

priorizando somente o desenvolvimento intelectual, esquecendo os aspectos físico,

psicológico e social.

Outro ponto destacado pela LDB nº 9394/96 é o fato de a avaliação nesse contexto não

ter o objetivo de promover ou aprovar para o acesso ao Ensino Fundamental. Todavia, alguns

estudos, como o de Godoi (2004) e de Hofmann (2000), têm demonstrado que em muitas

escolas as crianças são retidas na Educação Infantil e ficam impedidas de seguirem para o

Ensino Fundamental, por serem consideradas sem preparo para esse nível de ensino.

A LDB nº 9394/96 também afirma que a avaliação será efetuada através de

acompanhamento e registro do desenvolvimento infantil. Porém, na pesquisa realizada por

Godoi (2004), foi constatado o uso de práticas avaliativas que seguem o modelo do Ensino

Fundamental.

A autora conclui que: “(...) a educação infantil está sofrendo muita influência das

práticas de avaliação que ocorrem no Ensino Fundamental e, nesse sentido, pode acabar

antecipando os mecanismos de seleção e exclusão presentes nesse nível escolar, tão

prejudiciais às crianças.” (GODOI, 2004, p. 20) Assim, a Educação Infantil, que poderia

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proporcionar aprendizagens significativas, inclusão, convivência, na verdade está

selecionando e excluindo as crianças.

Dessa forma, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL,

1998) propõe uma avaliação formativa com ênfase no processo de desenvolvimento infantil e

demonstra preocupação com o fato de a avaliação na Educação Infantil ser utilizada como

seleção para o Ensino Fundamental.

Existem ainda no Brasil práticas na educação infantil que possuem um entendimento equivocado da avaliação nessa etapa da educação, o que vem gerando sérios problemas, com conseqüências preocupantes, sobretudo, para as crianças de determinadas camadas da sociedade. A mais grave é a existência das chamadas ‘classes de alfabetização’ que conferem à educação infantil o caráter de terminalidade. São classes que atendem crianças a partir de seis anos, retendo-as até que sejam alfabetizadas. As crianças que freqüentam essas classes não ingressam na primeira série do ensino fundamental, até que tenham atingido os padrões desejáveis de aprendizagem da leitura e escrita. A essas crianças têm sido vedado, assim, o direito constitucional de serem matriculadas na primeira série do ensino fundamental aos sete anos de idade.Outras práticas de avaliação conferem às produções das crianças: notas, conceitos, estrelas, carimbos com desenhos de caras tristes ou alegres conforme o julgamento do professor. A avaliação nessa etapa deve ser processual e destinada a auxiliar o processo de aprendizagem, fortalecendo a auto-estima das crianças. (BRASIL, 1998, vol. 1, p. 59)

Nesse contexto, algumas considerações podem ser analisadas. Apesar de a LDB nº

9394/96 afirmar que a Educação Infantil não visa à promoção, percebe-se que a Lei não altera

as concepções sobre avaliação da escola e de seus professores e, conseqüentemente, não

transforma as práticas avaliativas adotadas.

Isso pode ocorrer também na utilização do portfólio, instrumento cujo fundamento é

uma concepção de avaliação formativa e mediadora. Se o professor não compartilha dessa

concepção, pode construir um portfólio que será um arquivo de documentos, mas não um

instrumento de reflexão sobre a aprendizagem.

Concordo com Hoffmann (2005a, 2003a) quando analisa que decretos e leis não

modificam a essência da avaliação. Embora se modifique a forma de registrar e os

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instrumentos de avaliação, as concepções que fundamentam as práticas escolares continuam

deixando conseqüências na aprendizagem dos alunos.

A avaliação pode ser realizada na Educação Infantil (BASSEDAS, HUGUET, SOLÉ,

1999) com base em procedimentos escritos, como, por exemplo, fichas, testes, provas e

exercícios, que representam observações, percepções e conceitos que o professor tem sobre a

criança e que podem incluir comentários do cotidiano, ou conversas no ambiente escolar, na

sala dos professores, ou com os pais.

Essa avaliação representa um juízo de valor sobre a competência, a inteligência, a

personalidade e o comportamento da criança, entretanto, nem sempre tal avaliação será

sistematizada através de um registro escrito (VILLAS BOAS, 2004).

A avaliação na Educação Infantil permite esse tipo de abertura, em que os

procedimentos avaliativos, que circulam entre a formalidade do registro escrito e a

informalidade de comentários orais, têm grande influência no planejamento das atividades e

no olhar do professor sobre a criança.

Todavia, considero fundamental deslocar o olhar avaliador voltado somente para a

criança e focalizar também todo o contexto educativo e suas práticas que interferem na

formação da criança como sujeito autônomo (BECCHI e BONDIOLI, 2003).

Essa mudança de foco implica uma transformação na concepção de avaliação,

passando de uma avaliação tradicional, classificatória e excludente para uma avaliação

formativa com a postura do professor como mediador.

Dentro da perspectiva da avaliação formativa, também denominada por Parente (2004)

de avaliação alternativa ou autêntica e por Saul (1994) de avaliação emancipatória, os

procedimentos avaliativos são definidos com base em princípios de emancipação, autonomia

e participação da criança. Nesse sentido, o portfólio está inserido como instrumento

avaliativo, permitindo o envolvimento das crianças na avaliação.

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Hoffmann (2000) descreve alguns princípios norteadores para a avaliação mediadora

na Educação Infantil, que englobam o olhar investigativo do professor sobre a criança;

observações provisórias, como leituras que estão em constante desenvolvimento e o

acompanhamento da trajetória da criança, revendo hipóteses sobre o desenvolvimento infantil.

Nesse caso, o professor procura compreender a criança em seu processo de aprendizagem e

tem o olhar aberto para os constantes avanços do educando.

A avaliação mediadora amplia o olhar do educador sobre o seu fazer pedagógico, o

que interfere em suas ações educativas e permite reconhecer a criança como sujeito de

aprendizagem, exercendo sua autonomia.

Nas entrevistas, embora as professoras tenham falado que avaliam as crianças

pequenas no trabalho com a educação infantil através da observação, a forma como cada

professora conduz a observação é diferente, revelando concepções de avaliação diversas. Os

fragmentos abaixo apresentam algumas pistas encontradas sobre tais concepções:

Berenice (turma – 03 anos): A gente faz uma fichinha que a gente observa na medida do possível, até acho que só funciona pela turma ser pequena, porque se fosse grande não daria. [...] A gente faz essa observação, mas ela não tem uma obrigatoriedade não. No dia que dá, como dá. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006)

Noemi (turma – 04 anos): Nós avaliamos, e aí eu vou botar nós, porque é a proposta da escola, de forma integral, não só de um conteúdo apenas, mas é no emocional, no intelectual, no cognitivo, emocionalmente, na socialização, assim que nós avaliamos. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006)

Talita (turma – 05 anos): O meu processo de avaliação ele é a todo o momento e a forma como eu avalio principalmente é a observação. É através da observação que eu vou percebendo se aquela criança está correspondendo ao que eu estou solicitando, igual à rodinha que a gente costuma fazer muito, a gente joga as atividades, então ali a todo momento você está indagando, você está dando suporte para ela te dar um retorno e ali eu observo se ela está compreendendo ou não. Às vezes a gente tem até que mudar a forma de como está colocando, porque às vezes o que você está falando ela não está entendendo, às vezes você muda a palavra, ela já entende de uma outra forma. [...] Eu registro essa observação. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

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Mara (turma – 06 anos): Através da observação, através do contato diário você passa total ciência de como é cada aluno, você sabe direitinho falar, olha, esse tem esse tipo de personalidade, a convivência vai trazendo esses dados que você precisa ter tanto com a convivência como com a observação. [...] (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

A professora Berenice, ao avaliar através das fichas de observação, revela uma pista

interessante sobre sua concepção de avaliação. Segundo ela, consegue avaliar registrando a

observação devido ao fato de a turma ser pequena, o que seria inviável se trabalhasse com

uma turma grande. Nesse caso a avaliação esbarra no tamanho da turma e no tempo

disponível para avaliar cada criança. Outra pista encontrada é que essa observação não tem

uma obrigatoriedade, é feita quando há oportunidade, quando sobra tempo entre uma

atividade e outra. Percebo que esse tipo de avaliação não está comprometida com a

aprendizagem da criança, visto que não há um reconhecimento da necessidade de avaliar

através da observação de forma contínua, durante o processo de aprendizagem. Como para a

professora, no decorrer da rotina diária, a avaliação fica em segundo plano, compreendo que

ela não tem clareza quanto à importância dessa avaliação no que se refere aos seus objetivos

no trabalho com a educação infantil.

A professora Noemi apresenta outra concepção de avaliação, reconhece-a como uma

proposta da escola no trabalho conjunto das professoras. Tal proposta procura avaliar a

criança de forma integral, não somente em um tipo de conteúdo, mas no sentido emocional,

intelectual, cognitivo e social. Essa proposta de avaliação é descrita na “Ficha Individual de

Observação do Aluno” (ANEXO 3), que foi analisada por mim anteriormente. Destaco que,

apesar de a proposta ser uma avaliação integral condizente com a concepção de avaliação

formativa e mediadora, a ficha também mescla outras concepções, como, por exemplo, a

avaliação somativa, que é medida através da freqüência de atitudes programadas.

Na concepção de avaliação da professora Talita encontro indícios de uma avaliação

formativa e mediadora. A primeira pista é o fato de a professora reconhecer a avaliação

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acontecendo a todo o momento, com o sentido de processo, de algo contínuo, que não é

determinado por algumas atividades ou comportamentos, mas que pode mudar a todo instante

no decorrer da aprendizagem. A segunda pista diz sobre o principal instrumento de avaliação

que é a observação na compreensão da aprendizagem. Na educação infantil, como as crianças

são pequenas e ainda estão estruturando a fala e na maioria das vezes não utilizam a escrita,

na perspectiva da avaliação formativa e mediadora utiliza-se a observação do professor como

meio de compreender a aprendizagem das crianças (BECCHI e BONDIOLI, 2003).

A terceira pista demonstra a mediação da professora que, quando percebe que a

criança não está entendendo, procura outros meios, fazendo perguntas, mudando a palavra,

buscando estabelecer a mediação entre o conhecimento e a criança. A última pista encontrada

no fragmento para embasar a concepção de avaliação formativa e mediadora é o registro da

observação por parte da professora. Considero que observar sem registrar não é avaliar na

perspectiva mediadora, pode ser julgar, comparar, mas não avaliar com o intuito de refletir

sobre a aprendizagem. Concordo com Hoffmann (2000, p. 81) quando diz que “A avaliação,

enquanto mediação, insere-se no processo educativo como instrumento de reflexão, que

auxilie o professor a tomar consciência das mudanças a operar em sua ação, a comprovar e /

ou refutar suas hipóteses sobre os processos vividos pelas crianças.”

Dessa forma, percebo que Talita tem uma concepção de avaliação definida como

formativa e mediadora, quando procura refletir sobre a aprendizagem das crianças e mudar

sua prática para mediar esse processo.

Por último, observo, através das pistas, que, a despeito de a professora Mara utilizar a

observação como instrumento avaliativo, ela tem uma concepção de avaliação com o sentido

de julgamento, quando afirma que, através da convivência e da observação, consegue dizer

como é cada aluno e que tipo de personalidade a criança possui.

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A avaliação mediadora não julga personalidades, antes procura compreender o

processo de aprendizagem do sujeito com o intuito de contribuir e não de definir a

personalidade. Tal preocupação da professora revela uma avaliação pautada na comparação

de determinado tipo de comportamento, de um aluno em relação ao outro, o que favorece a

criação de rótulos, como, por exemplo, “esse aluno é calmo” ou “esse aluno é agitado”.

Quando o foco da avaliação é a personalidade, que é algo subjetivo e difícil de definir, há

necessidade da colaboração de outros profissionais que tenham o conhecimento específico

nessa área.

Diante das diferentes concepções das professoras sobre a avaliação, considero que

essas concepções implicam práticas adotadas na sala de atividades juntamente com as

crianças. Assim, no capítulo subseqüente, procederei à análise de tais práticas a partir das

minhas observações e entrevistas sobre o papel do portfólio na avaliação da criança.

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3. PORTFÓLIO: INSTRUMENTO DE DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA E

AVALIAÇÃO

Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não

se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito. (FREIRE, 1996, p. 77)

Após discutir as concepções das professoras sobre criança, infância e avaliação,

reconheço a necessidade de iniciar este capítulo com um breve histórico sobre o registro e a

documentação pedagógica, trazendo implicações quanto ao registro das produções infantis e

também sobre as reflexões do professor. Em seguida, apresento o portfólio como instrumento

de documentação pedagógica, tecendo comentários sobre seu papel na avaliação da criança de

acordo com as pistas e os indícios encontrados nas observações e nas entrevistas realizadas

com as professoras nesta pesquisa.

Compreendo como documentação pedagógica todos os documentos do aluno, desde o

ingresso na escola com a matrícula, até os registros de aprendizagem e de avaliação como

trabalhos, relatórios, provas, boletins, histórico escolar, entre outros. Dentro da documentação

pedagógica está inserido o portfólio como instrumento de registro, porém ressalto que essa

prática de construção fundamenta-se na avaliação formativa e mediadora, enquanto que outros

instrumentos de registros, como, por exemplo, as provas escolares, fazem parte de uma outra

concepção de avaliação, que representa a soma da aprendizagem através de um produto final

registrado na prova.

Portanto, o portfólio se constitui como instrumento e procedimento de avaliação

(VILLAS BOAS, 2004), representando um processo que é dinâmico. Embora a documentação

pedagógica possa ser limitada a um arquivo de documentos, o portfólio não se destina

somente a guardar as produções, visto que se constitui como uma forma de registro reflexivo,

em que os trabalhos são retomados, inovações são realizadas, novas idéias são acrescentadas a

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todo o momento, sendo, portanto, não algo fechado e acabado, mas um registro vivo que se

modifica conforme as reflexões de seu autor.

Para resgatar o percurso histórico humano e seu desenvolvimento, o homem utilizou a

memória coletiva, através da linguagem oral, em que as gerações antigas contavam para as

gerações mais novas os conhecimentos importantes a serem passados e as leis, como forma de

perpetuação da cultura de um povo ou de uma família. Dessa forma, as tradições orais eram

registradas na memória popular.

Além dos relatos orais, a reconstrução dos acontecimentos antigos era realizada

através de ruínas, roupas, utensílios, entre outros objetos históricos e, posteriormente, com o

registro escrito.

Segundo Le Goff (1994), a história representa uma forma científica de registrar os

acontecimentos através de dois tipos de materiais: os documentos e os monumentos.

Os monumentos englobam tudo aquilo que evoca o passado e perpetua uma

recordação, seja de uma obra comemorativa como, por exemplo, um pórtico, uma coluna, um

troféu, ou seja, um monumento funerário, como no caso das pirâmides no Egito, que servem

para perpetuar a recordação de uma pessoa e seu domínio.

Por outro lado, os documentos envolvem a escolha do historiador que apresenta uma

prova histórica através do registro de um fato, quase sempre através de um testemunho

escrito.

Nesse caso, Le Goff (1994, p. 535) afirma que:

De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores.

O autor mostra que o relato histórico está sujeito a forças que operam no passado que

realmente aconteceu e nas escolhas dos historiadores sobre como contaram e documentaram o

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fato em si. O documento é fruto do que a sociedade cultivou, de acordo com as relações de

forças que possuem o poder de decidir e escolher os fatos que podem ser documentados e os

que devem ser omitidos (GINZBURG, 2002, 1987).

Nesse contexto, o historiador, que faz a escolha dos fatos a serem registrados e das

versões documentadas para a construção da história, tem um papel fundamental no processo

de registro histórico, já que, ao definir o registro e validá-lo, não se apresenta de forma neutra.

A intervenção do historiador que escolhe o documento, extraindo-o do conjunto dos dados do passado, preferindo-o a outros, atribuindo-lhe um valor de testemunho que, pelo menos em parte, depende da sua própria posição na sociedade da sua época e da sua organização mental, insere-se numa situação inicial que é ainda menos ‘neutra’ do que a sua intervenção. O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (...) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. (LE GOFF, 1994, p. 547-48)

Assim, entendo que o olhar do historiador interfere na construção do registro histórico,

sendo importante analisar o documento como um monumento, como uma recordação perpétua

do que ficou, da imagem produzida pelos múltiplos olhares. Olhares dos sujeitos que

vivenciaram o fato e o olhar do historiador que reconstruiu a leitura dos fatos, através da

documentação.

Com isso, percebo que a documentação traz contribuições históricas, com o registro do

passado, ressaltando-se que não podemos pensar em uma documentação neutra, sem o olhar

do historiador e sua intervenção.

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Dessa forma, a compreensão do documento como produto de um olhar, de uma leitura

histórica, envolve reflexões sobre outros tipos de documentos, que também não são neutros,

como, por exemplo, a documentação pedagógica.

Concordo com Dahlberg, Moss e Pence (2003, p. 193) quando afirmam que:

O que documentamos representa uma escolha, uma escolha entre muitas outras escolhas, uma escolha de que os próprios pedagogos estão participando. Da mesma forma, aquilo que não escolhemos é também uma escolha. [...] Conseqüentemente, quando documentamos, somos co-construtores das vidas das crianças e incorporamos nossos pensamentos implícitos do que consideramos serem ações valiosas em uma prática pedagógica. A documentação nos diz algo sobre como construímos a criança, assim como nós mesmos como pedagogos.

Nessa perspectiva, compreendo que o registro histórico da infância representa um

olhar sobre a criança, um olhar fundado em uma concepção de infância e de criança

(KUHLMANN JÚNIOR, 1998), que não percebe a criança como sujeito produtor de cultura e

capaz de registrar seus conhecimentos.

Dentro dessa perspectiva, muitas vezes a documentação pedagógica possui somente o

olhar do professor e o seu registro dos fatos, sendo necessário uma mudança de olhar que

valorize a documentação pedagógica a partir das produções infantis.

A documentação pedagógica na Educação Infantil, além de registrar trabalhos

pedagógicos, revela uma concepção de infância, de criança e de aprendizagem que regem o

processo de documentação.

Nesse sentido, Gobbi (2002) afirma que, a despeito de as crianças terem feito e

fazerem parte da História, não encontramos registros deixados por elas de sua passagem ao

longo da história humana, o que revela uma concepção de infância que demonstra a visão do

adulto sobre a criança como ser incapaz de produzir cultura.

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Para que a documentação pedagógica seja o registro das produções infantis, faz-se

necessário reconhecer que as crianças pequenas são portadoras e criadoras de cultura, são

sujeitos da própria história e suas produções devem ser conhecidas, valorizadas e respeitadas.

A autora analisa os desenhos infantis como produções culturais que revelam não só o

pensamento das crianças, mas a forma como elas compreendem seu mundo e suas relações.

Para a autora, os desenhos são como documentos que permitem conhecer os sujeitos e suas

percepções da realidade vivida pelas crianças, são como textos visuais que podem ser olhados,

sentidos e lidos. As fotografias e os desenhos são instrumentos que documentam as

concepções infantis.

De acordo com Dahlberg, Moss e Pence (2003), a documentação pedagógica é um

instrumento que possibilita a prática pedagógica reflexiva e democrática e envolve a

responsabilidade pela construção de significados e decisões sobre os acontecimentos no

processo de ensino-aprendizagem.

Através da documentação pedagógica, o professor pode compreender a aprendizagem

da criança e refletir sobre sua prática enquanto educador, em busca de possíveis soluções para

os problemas encontrados de forma que seu trabalho seja aprimorado.

A documentação pedagógica envolve um processo e um conteúdo. O conteúdo é o

material registrado sobre o que as crianças estão dizendo e fazendo no contexto educacional.

O processo engloba o uso do material registrado como um recurso para refletir sobre o

trabalho pedagógico, envolvendo reflexão crítica e ação. O professor analisa sua prática e

procura agir em torno das possibilidades ou problemas encontrados.

Dessa forma, entendo que a documentação pedagógica faz parte da aprendizagem da

criança e do professor, representando as interações e relações no processo de ensino-

aprendizagem, como demonstra o fragmento a seguir:

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Observo no cartaz “Quem somos” as fichas em que os alunos escreveram o nome e se desenharam. Uma vez por mês a professora Talita [turma – 05 anos] pede que eles façam novas fichas, eles têm a oportunidade de escrever o nome novamente e se desenharem. A professora contou para mim o caso de um aluno que não conseguia escrever o nome com todas as letras, e que ela percebeu o avanço deste aluno através das fichas com o nome. A professora disse que vai guardar a ficha para colocar no portfólio deste aluno, no primeiro dia ele escreveu o nome de um jeito e em cada ficha foi fazendo novas tentativas de escrever o nome corretamente, até que conseguiu fazê-lo. (Notas expandidas das observações do dia 27 de março de 2006)

Considerando que a documentação pedagógica envolve o registro da criança e do

professor, a análise do fragmento aponta tal aspecto, uma vez que as novas tentativas de

escrita feitas pelo aluno foram registradas no portfólio, o que permitiu a organização das

produções da criança e os avanços empreendidos no processo da escrita de seu nome. Na

documentação pedagógica por meio do portfólio é possível refletir sobre a aprendizagem da

criança juntamente com as percepções do professor.

Outro ponto enfatizado por Dahlberg, Moss e Pence (2003) é o esclarecimento sobre o

que não é documentação pedagógica, em que os autores alertam para que não se confunda a

“observação da criança” no preenchimento de fichas pré-determinadas como documentação

pedagógica.

O enfoque nessas observações não são os processos de aprendizagem das crianças, mas a idéia de classificá-las e categorizá-las em relação a um esquema geral de níveis de estágio desenvolvimentais. Encaradas dessa maneira, as “observações da criança” são uma tecnologia de normatização relacionadas às construções da criança como natureza e como reprodutora de conhecimento. Podem também estar relacionadas à construção da instituição dedicada à primeira infância como produtora de resultados da criança, incluindo o progresso desenvolvimental. Por isso, a “observação da criança” diz respeito principalmente à avaliação do fato de ela estar adaptada a um conjunto de padrões. A “documentação pedagógica”, em contraste a isso, diz respeito principalmente à tentativa de enxergar e entender o que está acontecendo no trabalho pedagógico e o que a criança é capaz de fazer sem qualquer estrutura predeterminada de expectativas e normas. (DAHLBERG, MOSS e PENCE, 2003, p. 191-2)

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Durante a realização da pesquisa, percebi que as professoras, além de utilizarem a

documentação pedagógica através da construção do portfólio, confundem essa documentação

com a “Ficha Individual de Observação do Aluno” (ANEXO 3), ao mesmo tempo que

procuram registrar e organizar as produções das crianças no portfólio. Elas também se

preocupam em preencher a ficha que consta do anexo 3, na qual se encontram registrados

comportamentos e atitudes previamente determinados.

Mara (turma – 06 anos): A gente utiliza o portfólio, então a gente trabalha com observação, depois vai registrando aqueles momentos que são significativos para a gente, para depois de acordo com as regras [fichas de avaliação] que a gente utiliza para estar fazendo isso, além do registro [portfólio], a gente estar passando isso [portfólio e fichas de avaliação] para os pais. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

Assim, na reunião de pais, eles têm acesso a essa ficha avaliativa em que podem

verificar como as crianças estão se desenvolvendo. Os pais também recebem as produções das

crianças documentadas no portfólio, através dos trabalhos realizados na escola. Geralmente a

professora organiza os trabalhos por data, colocando-os em um envelope que será entregue

aos pais em uma reunião específica para conversarem sobre as crianças. Porém, entendo que,

nesse processo, a ficha influencia a compreensão dos pais sobre a aprendizagem dos filhos,

visto que eles analisam, assinam a ficha e entregam-na para a professora. Os trabalhos

recebidos são levados para casa para serem vistos juntamente com as crianças. Tal fato,

porém, faz com que se me apresente um questionamento: se tal processo realmente se efetiva

em casa e, ainda que seja realizado, até que ponto o olhar dos pais, que já tinham recebido a

ficha avaliativa, não seria contaminado pelas informações ali registradas.

Para não correr esse risco, considero que, na própria reunião de pais, o processo de

avaliação poderia ser demonstrado através da documentação pedagógica, em conjunto com a

própria criança, com destaque para as suas produções. As fichas poderiam ser eliminadas e

substituídas por relatórios que descrevessem as aprendizagens e registros das produções.

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No contexto da educação infantil, a documentação pedagógica pode ser viabilizada

através do portfólio como instrumento de registro e reflexão sobre a aprendizagem da criança

e a atuação do professor.

3.1 Origem, definições, objetivos e conteúdos do portfólio

O portfólio originou-se no campo da arte, como uma modalidade de documentação e

avaliação em que desenhistas, artistas e arquitetos selecionavam mostras de sua trajetória para

apresentar momentos significativos e, ao mesmo tempo, uma visão global de seu trabalho a

um examinador ou cliente. Posteriormente, o portfólio também foi adotado no campo

administrativo financeiro como um conjunto de documentos sobre um assunto.

No campo educacional, o portfólio começou a ser difundido nos âmbitos escolar e

universitário através das novas visões e práticas sobre a avaliação e das reflexões sobre o

processo de ensino e aprendizagem. Dessa forma, “a função do portfólio se apresenta como

facilitadora da reconstrução e reelaboração, por parte de cada estudante, de seu processo ao

longo de um curso ou de um período de ensino.” (HERNÁNDEZ, 2000, p. 165).

Dentro dessa perspectiva, que apresenta a reconstrução pelo estudante do seu processo

educativo, o portfólio pode ser utilizado como estratégia de aprendizagem e avaliação desde a

Educação Infantil, passando pelo Ensino Fundamental e pelo Ensino Médio, até o Ensino

Superior.

Villas Boas (2004) apresenta trabalhos de pesquisa sobre avaliação e a utilização do

portfólio nos diversos níveis de ensino, contudo, neste trabalho, priorizei as discussões

referentes ao portfólio na Educação Infantil. Segundo a autora, o portfólio é uma coleção de

produções do aluno que apresentam evidências de sua aprendizagem.

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Outra definição aponta que o portfólio de avaliação é uma coleção que documenta o

processo de aprendizagem e permite a tomada de decisões sobre a continuidade do processo

educativo (PARENTE, 2004).

Considero que o portfólio pode ser definido como um conjunto de produções ou

documentos que demonstram o processo de aprendizagem da criança na escola, coleção que

representa informações e evidências sobre como a criança está aprendendo. Tal processo é

marcado pela dinamicidade, na medida em que se apresenta em constante desenvolvimento e

envolve a criança, juntamente com o professor, na trajetória de aprendizagem.

O objetivo principal do portfólio é documentar o desenvolvimento da aprendizagem da

criança (PARENTE 2004). Os objetivos específicos incluem: planejar as atividades de acordo

com a aprendizagem da criança; envolver os pais no processo de ensino-aprendizagem;

compreender as diversas modalidades de aprendizagem e promover a participação do aluno na

avaliação com ênfase na sua identidade e autonomia.

Desse modo, o portfólio requer a participação da criança, do professor e dos pais em

sua construção. Durante a pesquisa, percebi que, quando o professor dirige o processo de

construção do portfólio, com base na sua própria atuação, isso implica limitação não apenas

da autonomia das crianças, mas da participação dos pais, restrita às reuniões onde são

entregues os trabalhos das crianças e as fichas avaliativas.

Hernández (2000) considera que “o portfólio é uma forma de avaliação dinâmica

realizada pelo próprio estudante e que reflete seu desenvolvimento e suas mudanças através

do tempo.” (p.169) Dessa forma, o trabalho elaborado no portfólio faz parte da “memória de

aprendizagem de cada aluno”, por isso se torna uma criação única e peculiar que envolve o

respeito pela diversidade de produções. Nesse caso, a participação da criança com autonomia

é fundamental.

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Outro ponto importante sobre o uso do portfólio refere-se ao tempo. Não é possível

criar um portfólio rapidamente com apenas uma observação da criança ou com alguns

registros feitos pelo professor. O portfólio envolve um tempo a ser percorrido. O

desenvolvimento infantil e a aprendizagem não são imediatos. É preciso acompanhar o

processo escolar, registrando fatos interessantes, observando o cotidiano dos alunos e

percebendo as situações que revelam indícios importantes para a percepção de como a criança

está caminhando.

Quanto ao conteúdo do portfólio, Shores e Grace (2001) afirmam que há liberdade de

escolha sobre o que irá compor o portfólio, constituindo-se a criatividade como única

referência capaz de limitar os conteúdos selecionados.

A coleção de itens que formam o portfólio pode incluir trabalhos das crianças,

produções individuais e coletivas, desenhos, registros escritos, fotografias, gravações de áudio

e vídeo, observações da professora, informações dos pais, entrevistas, relatórios, enfim, o que

for necessário para reconstituir o caminho percorrido durante a aprendizagem.

Nesse sentido, o portfólio não representa somente uma seleção de trabalhos,

observações e registros, mas demanda um envolvimento maior em que o estudante e o

educador possam analisar os problemas que foram localizados e resolvidos, bem como as

estratégias de aprendizagem utilizadas. De acordo com Alarcão (2004, p.56), o portfólio é

“uma construção pessoal do seu autor, que seleciona os seus trabalhos, os organiza, os explica

e lhes dá coerência. A sua originalidade faz deles peças únicas, singulares, peculiares.” Dessa

forma, o portfólio possibilita pensar acerca da trajetória de aprendizagem, os caminhos

trilhados e suas escolhas, firmando-se na realização de um diário reflexivo.

De acordo com Shores e Grace (2001), os portfólios permitem um ensino centrado na

criança, pois trazem informações úteis sobre o conhecimento dos alunos e o desenvolvimento

infantil. Permitem ainda perceber que, como as crianças são diferentes uma das outras, as

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atividades pedagógicas são significadas por elas de maneira diversificada, o que requer do

educador uma postura de aceitação das diferenças durante cada atividade.

Os autores apresentam três tipos de portfólios. O primeiro refere-se ao portfólio

particular que se constitui através de anotações específicas da criança, tais como históricos

médicos, telefone dos pais, registro de conversas com os pais, enfim, informações importantes

e que requerem privacidade quanto ao seu conteúdo.

O segundo tipo, chamado de portfólio de aprendizagem, é mais amplo e utilizado com

mais freqüência. Envolve anotações da criança e do professor, amostras de trabalho e o diário

de aprendizagem da criança. Como o portfólio de aprendizagem é o acervo de suas produções,

o acesso a ele é facultado constantemente à criança.

O terceiro tipo representa o portfólio demonstrativo em que os avanços importantes ou

problemas ocorridos são registrados. Os pais, as crianças e professores participam dessa

construção e podem apresentar o portfólio demonstrativo para os futuros professores a fim de

que conheçam o desenvolvimento e particularidades de cada aluno.

A seguir estão alguns fragmentos, retirados das entrevistas, sobre como as professoras

organizam o portfólio demonstrativo:

Berenice (turma – 03 anos): A idéia é guardar uma ou duas atividades a cada bimestre, [...] se a gente achar uma outra coisa que a gente acha interessante e quiser guardar também a gente guarda. A gente recolhe e anexa numa pasta, essa pasta do maternal, por exemplo, quando termina o ano ela vai já para o primeiro período, ela não vai para os pais não, mostra [na reunião de pais], o pai vê e a gente explica que é um trabalho que a gente vai guardar para ver o desenvolvimento da criança até o final da escolaridade deles. [...] (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006)

Noemi (turma – 04 anos): Tem o portfólio [demonstrativo] também que entra [na avaliação] que é aquele trabalhinho, uma atividade que a criança fez que eu acho relevante e que foi relevante para ela também, que eu faço anotação atrás [da folha] e guardo em uma ficha, numa pastinha que eles têm. [...] Inclusive esse portfólio passa [para outros anos], eu tenho dos meninos porque são do primeiro período e eu tenho do maternal, quando eles estavam no maternal, que veio para mim, o meu [portfólio demonstrativo da turma] eu vou passar para o

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segundo período. Quer dizer, é um acompanhamento do desenvolvimento da criança. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006) De acordo com o relato das professoras, percebo que elas compreenderam o sentido do

portfólio demonstrativo de acompanhar a criança em sua história de aprendizagem e ser

analisado por outras professoras (SHORES e GRACE, 2001). O portfólio documenta o

processo, enfatizando o percurso, as conquistas trilhadas, que são registradas com base na

concepção de avaliação formativa e mediadora. O portfólio revela como a criança está

aprendendo e permite intervenções futuras do professor com o intuito de mediar a

aprendizagem e compreendê-la.

Outra pista importante é o fato de a professora Noemi escolher para o portfólio

demonstrativo não somente o que ela considera interessante, mas o que foi relevante para a

criança também. Já a professora Berenice tem outra postura, ela seleciona o que pensa ser

interessante, independente da participação da criança, o que me leva a perceber que as

professoras adotam ações diferentes na construção do portfólio e essas ações revelam indícios

sobre o papel do portfólio na avaliação.

3.2 Pistas e indícios sobre o papel do portfólio na avaliação da Educação Infantil

Apresento a seguir algumas pistas e indícios que demonstram como as professoras

compreendem o papel do portfólio na avaliação das crianças:

Berenice (turma – 03 anos): Igual o Davi, ontem, ele desenhou ele, achei muito legal porque ele desenhou e pôs um monte de pontinhos assim batendo com a caneta e disse: ‘sou eu soltando estalinho’. Então quer dizer, ele relacionou o estalinhos aos pontos que ele está jogando na folha, até inclusive eu guardei para o portfólio. Eu vou colocar lá como um registro de como ele captou a festa [junina], ele sentiu a festa como um momento alegre, pelo que eu entendi ali, no desenho dele, e ele soube registrar, soube passar para o papel. [...] (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006)

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Noemi (turma – 04 anos): [O portfólio] seria o registro do desenvolvimento da criança, porque ali também registra o desenvolvimento dela [para] realmente perceber, acompanhar o desenvolvimento dela. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006)

Talita (turma – 05 anos): [O portfólio] mostra o processo de desenvolvimento dela [criança], eu acho que através do portfólio a gente consegue perceber esse processo. Na pasta do Daniel, no início do ano, no nome dele, trocava as letras, faltava as letras, eu até coloquei no portfólio, depois de quinze dias ela já escreveu o nome perfeito [...], então eu colei as duas folhas, do primeiro dia de aula e a outra mais para frente, fiz a observação [registro] então quer dizer, me deu suporte de ver como ele está desenvolvendo, então mostra para a gente esse processo. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

Mara (turma – 06 anos): [O portfólio] ele é um registro, fica registrado naquele momento o que você achou significativo, principalmente quando a gente está observando um caso onde a criança precisa ter algum tipo de melhora, eu acho que ele [portfólio] é uma referência. Então à medida que você vê que a criança piora ou melhora, aquilo fica registrado, [...] se não ficar registrado, talvez você não seja tão fiel na hora de ter uma atitude com a criança, de indicar um caminho no seu trabalho e às vezes você tem que mudar muito a direção do trabalho, até pelo rendimento da criança que é muito diferente um do outro. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

A professora Berenice relata um episódio em que uma criança registra o que

considerara mais significativo na festa junina, através do desenho de si mesmo “soltando

estalinho”. A professora fez o registro da fala da criança no desenho e guardou para colocar

no portfólio, como documentação da aprendizagem. Nesse fragmento, percebo uma pista que

demonstra a compreensão do portfólio como registro de aprendizagem significativa para a

criança e também para o professor.

Para a professora Noemi, o portfólio é o registro do desenvolvimento da criança, que

permite perceber e acompanhar seu desenvolvimento. Dessa forma, o papel do portfólio está

ligado à compreensão do desenvolvimento da criança.

A professora Talita também diz que o portfólio mostra o processo de desenvolvimento

da criança para o professor, exemplificando isso através de uma criança que progride na

escrita do próprio nome. A professora guarda a atividade no portfólio e registra escrevendo

suas considerações sobre como a criança desenvolvera a escrita do próprio nome. Entendo

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que, para Talita, o papel do portfólio está relacionado com a compreensão do processo de

desenvolvimento da criança como algo em constante transformação, um dia a criança registra

o nome de uma forma, depois de um tempo, ela avança nessa construção, até o registro do

nome de maneira correta. Para a professora, isso é um suporte para suas percepções quanto ao

desenvolvimento da criança.

A professora Mara enfatiza que o portfólio é um registro sobre o desempenho da

criança. A pista que embasa minha afirmação está no fato de que, para a professora, a criança

melhora ou piora, referindo-se ao bom ou mau desempenho. Ao final do fragmento, ela deixa

outra pista, ao falar de rendimento, que é diferente de um aluno para o outro. Percebo que a

professora, ao fazer comparações entre os rendimentos das crianças, pensa poder afirmar se a

criança apresenta melhoras ou não. Assim, analiso que o fato de Mara declarar ser o portfólio

uma referência aponta que o registro do desempenho funciona como indicativo para a tomada

de atitudes no trabalho da professora e também em relação às crianças.

Outra pista interessante é a importância do registro como base para “ser fiel na hora de

ter uma atitude com a criança”. No meu ponto de vista, esse registro está fundamentado em

uma concepção de avaliação punitiva, que separa os alunos com bom desempenho de outros

considerados ruins.

A concepção de avaliação demonstrada pela professora Mara não condiz com a

construção do portfólio como instrumento da avaliação formativa e mediadora. Ao se utilizar

o portfólio em uma perspectiva de avaliação punitiva, evidencia-se a concepção de avaliação

subjacente no uso do instrumento.

Concordo com Villas Boas (2004, p.62) quando diz que: “A avaliação por meio do

portfólio exige do professor postura avaliativa diferente da tradicional: ele não ‘ensina’ para

que os alunos ‘tirem boas notas’ e sejam aprovados. Ele coordena o trabalho pedagógico por

meio do qual os alunos aprendam e se desenvolvam como pessoas.”

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Villas Boas (2004) também ressalta que o trabalho com o portfólio implica assumir

riscos ao mudar, tendo o cuidado de não fazer o portfólio reduzir-se a uma pasta de arquivo e

a um modismo na educação. Considero que, quando o trabalho com o portfólio não está

embasado na avaliação formativa e mediadora, há grande possibilidade de incorrer nesses

riscos alertados pela autora.

De acordo com uma avaliação formativa e mediadora, o portfólio permite refletir

acerca dos caminhos trilhados e das escolhas estabelecidas durante o percurso do

conhecimento, em que a criança e o professor podem construir um diário reflexivo sobre as

conquistas alcançadas e sobre as necessidades específicas de aprendizagem.

Durante as entrevistas, as professoras também relataram situações significativas de

aprendizagem das crianças que foram colocadas no portfólio com o objetivo de registrar e

refletir sobre essas construções, como demonstram os fragmentos abaixo:

Berenice (turma – 03 anos): O Davi estava só na fase de rabiscação e agora ele está fazendo carinha, na carinha ele põe o olhinho, o nariz, a boca, tudo direitinho e já puxa os bracinhos, coisa que em fevereiro, quando iniciou, ele não fazia ainda, então quer dizer, vai ser muito interessante guardar o que ele já tem do maternal [...] e agora a gente vai vendo todo o processo como é que está acontecendo esse desenvolvimento dele. Como vão surgindo as mudanças e como que é rápido. E aí a gente vai passando [o portfólio demonstrativo] do primeiro período para o segundo, do segundo para o terceiro, e agora já está colocando na primeira série. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006) Noemi (turma – 04 anos): O portfólio, ele é montado a partir dos trabalhinhos de uma atividade que foi relevante que eu vi, que chamou a atenção das crianças, que ela fez espontaneamente uma coisa, que ela fez que foi interessante. Eu mesma estava com uma aluna que estava desenhando de cabeça para baixo. Então o portfólio me serviu, eu observei isso registrei e guardei. Esse bimestre eu vi que ela superou, então quer dizer vai ser o registro dessa superação dela, também que ela venceu, essa atividade vai entrar [no portfólio] também. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006) Talita (turma – 05 anos): A gente separa a atividade, coloca a data nela, depois mais tarde eu faço uma observação [registro] daquela atividade [...] uma atividade que você vê que ele apresentou um progresso no desenvolvimento dele, às vezes no horário livre costuma muito surgir essas atividades que a gente separa para o portfólio, as meninas [alunas] pegam para desenhar e elas começam a tentar escrever e aí elas me entregam: tia, olha o que eu fiz para

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você esse desenho. Então você observa várias tentativas de escrita, então você fala assim, olha, ela está despertando para essa questão da escrita das letras, aí eu separo e faço esse comentário atrás. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006) A professora Berenice reconhece que, durante a aprendizagem, surgem mudanças,

processo que ocorre rapidamente. Desse modo, considero que o portfólio permite o registro

dessas transformações na construção do conhecimento de maneira que as informações não se

percam, pelo contrário, elas são registradas e podem servir para compreender como a criança

aprende. Nesse contexto, as crianças não são consideradas como se estivessem paradas ou

caminhando devagar, mas são reconhecidas como tendo seu próprio ritmo, o que as faz

possuir autonomia, uma vez que não se mantêm presas a comportamentos ou atitudes

determinados.

A professora Noemi relata que o portfólio serviu para registrar e guardar fatos

relevantes da aprendizagem da criança. No caso exposto pela professora, houve preocupação

com uma criança que estava desenhando de cabeça para baixo, fato que, observado e

registrado pela professora, fez com que ela se mantivesse atenta, acompanhando-o até a

constatação de sua superação. Assim, o que seria aparentemente um problema, foi resolvido

com a observação do processo em que a criança demonstra avanços.

Para a professora Talita, o portfólio registra os progressos no desenvolvimento das

crianças, o que pode acontecer em situações livres, com iniciativa da própria criança,

evidenciando que o exercício de autonomia da criança propicie que ela demonstre sua

aprendizagem e seus interesses.

Durante minhas observações, uma pista que se destacou em relação ao papel do

portfólio na avaliação da criança foi a autonomia. Esclareço que a autonomia implica exercer

um papel ativo diante de uma atividade ou situação. Nesse contexto, entendo que tanto a

criança quanto o professor podem exercê-la ao mesmo tempo, através da mediação, em que

um aprende com o outro no mesmo momento. Para que o sujeito exerça a autonomia, não é

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necessário que o outro exerça a passividade, os dois podem ter papéis ativos ao mesmo tempo.

Para que isso ocorra, é preciso que a autonomia seja compartilhada através da mediação

(VYGOTSKY, 1998).

Nesse sentido, considero que a autonomia pode ser compartilhada, relativa e negada.

Ela é compartilhada quando duas ou mais pessoas, seja a criança com o professor ou com seus

pares, exercem autonomia, compartilhando a aprendizagem. Assim, não é o professor que

somente ensina, mas a criança também ensina e os dois aprendem juntos.

Quando, porém, o professor concede que a criança exerça autonomia apenas em

determinadas situações a autonomia é relativa, pois se apresenta atrelada ao contexto. Como

exemplo, cito os fragmentos abaixo:

Tenho observado os horários do lanche na turma da professora Berenice [turma – 03 anos] e percebo que a professora permite que a criança exerça autonomia ao se alimentar, comendo sozinha. Isso é feito como um exercício de autonomia, que consiste em lavar as mãos sem ajuda, organizar o lanche colocando a toalha sobre a mesa e os alimentos em cima, comer devagar, com cuidado para não sujar o uniforme e a mesa, guardar o que sobrou dos alimentos, jogar fora no lixo as embalagens vazias, guardar a toalha e os potes na merendeira, lavar a colher utilizada para tomar o iogurte, pegar a escova de dente com a pasta que foi colocada pela professora, escovar os dentes, enxugar com a toalha pendurada perto da pia e por último guardar a escova de dente no armário da professora. (Notas expandidas das observações do dia 05 de abril de 2006)

Na atividade, que consiste em montar um porquinho de papel, a professora Berenice [turma – 03 anos] entrega um círculo grande vermelho que é o corpo do porquinho, as crianças molham o dedo na cola e colam o círculo na folha de papel A4. Em seguida a professora entrega um círculo pequeno amarelo que será o focinho do animal, depois a professora entrega duas orelhas. Berenice pinga a cola no lugar onde a criança deverá colar as orelhas, depois entrega os pés do porquinho e pinga a cola onde as crianças deverão colar. (Notas expandidas das observações do dia 17 de maio de 2006) A autonomia negada é a que ocorre quando o professor dirige constantemente as ações

das crianças, não permitindo que elas façam escolhas com liberdade e autonomia durante a

aprendizagem, ficando a criança presa a uma passividade em que somente faz aquilo que lhe é

solicitado.

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Na turma da professora Mara [turma – 06 anos] as crianças estão fazendo uma atividade que consiste em montar uma casa de palitos de fósforos colados em uma folha A4. Durante a atividade registro algumas falas da professora para as crianças: “Não é hora de conversa”, “Cada um faz o seu senão desconcentra”. Observo que as crianças tentam conversar entre si sobre a atividade, para trocar idéias, comentando como estão fazendo as casas, porém a professora não aproveita esse momento de interação entre e com as crianças. (Notas expandidas das observações do dia 17 de maio de 2006) A professora Mara [turma – 06 anos] explica para as crianças que ela entregará um copo pequeno de plástico, um pedaço de algodão e feijões para as crianças plantarem. Ela explica que depois terão que molhar um pouco com água. A professora pede para as crianças pegarem o lápis e escrever o nome na etiqueta para colar no copo de plástico. Mara direciona a atividade e não faz perguntas sobre como as crianças irão plantar os feijões, ela distribui o algodão e em seguidas quatro feijões para cada criança. Depois que as crianças colocaram o algodão e os feijões dentro do copo de plástico, a professora pega um copo com água e vai molhando os feijões no copo. Após o plantio do feijão, Mara fala para as crianças que elas vão anotar a experiência que elas fizeram. A professora escreve no quadro como plantaram os feijões e as crianças copiam no caderno. (Notas expandidas das observações do dia 31 de maio de 2006) Na realização da pesquisa, percebi que a prática das professoras gira em torno desses

três tipos de autonomia: compartilhada, relativa ou negada, sendo que algumas professoras

mesclam um tipo de autonomia com o outro. A autonomia da criança é fundamentada na

interação, na liberdade e no exercício de autoria nos trabalhos. Esse é um princípio

imprescindível para a construção do portfólio (VILLAS BOAS, 2004; PARENTE, 2004) e

para a avaliação formativa e mediadora (HOFFMANN, 2005a, 2005b, 2003a, 2003b, 2000).

Assim, a maneira como a professora lida com a autonomia interfere no papel do portfólio na

avaliação da criança.

Observei a autonomia da criança em contextos diferentes, como na rotina diária que

pode ser definida como uma categoria pedagógica (BARBOSA, 2006) em que se estrutura o

desenvolvimento do trabalho cotidiano na Educação Infantil. Assim, analisei a autonomia da

criança na exposição dos trabalhos, na conduta das atividades propostas, nas produções da

criança, no uso do espaço físico e dos materiais disponíveis, nas brincadeiras, na oralidade, no

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cuidado com hábitos de higiene e formação, na escrita, enfim, durante o processo de

construção do portfólio.

Na rotina diária que engloba o planejamento do dia-a-dia na escola, observei que as

professoras Berenice, Noemi e Mara direcionavam a escolha das atividades e mantinham uma

rotina mais constante, com a mesma disposição das atividades de acordo com o dia da

semana. Nesse caso, na rotina, a autonomia era negada, as professoras informavam quais eram

as atividades do dia e colocavam a rotina pendurada no varal, de forma que nas segundas-

feiras era seguida uma rotina já estabelecida, nas terças, outra rotina e assim sucessivamente.

Durante as observações, percebi que a professora Talita utilizava uma rotina diária

com base na autonomia compartilhada, em que planejava a rotina com as crianças e

perguntava-lhes sobre suas preferências, por exemplo, qual atividade gostariam de ter no final

do período escolar naquele dia.

A professora Talita interage com as crianças e programam a nova rotina do dia trocando os desenhos feitos pelas crianças do varal. A professora deixa as crianças escolherem se no final do dia irão querer massinha ou brincadeiras. As crianças votam pelas brincadeiras. A professora contou para mim que ela modifica a forma de trabalhar a rotina com as crianças para não ficar repetitivo. (Notas expandidas das observações do dia 29 de março de 2006) Tive a oportunidade de observar a atividade de brincadeiras, quando a professora

compartilha autonomia ao brincar com as crianças, interagindo com elas, sem ficar alheia à

atividade.

Sobre a exposição dos trabalhos, a conduta das atividades e as produções das crianças,

observei que as professoras Berenice e Mara não expõem todos os trabalhos no mural, elas

selecionam os que consideram mais significativos em sua percepção e nem sempre trocam os

trabalhos antigos expondo os novos; a conduta das atividades girava em torno da professora e

as produções eram direcionadas, demonstrando uma autonomia negada, como, por exemplo, o

fato de a professora indicar com o dedo, antes de a criança iniciar a atividade, onde deve ser

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colado o algodão das orelhas do coelho de papel, ou apontar onde devem ser coladas as

sementes que compõem o miolo da flor. Em alguns momentos as professoras Berenice e Mara

permitiam uma autonomia relativa, dependendo da atividade proposta, no caso de pintura ou

desenho livre.

Já as professoras Noemi e Talita demonstraram uma postura diferente, as produções

priorizavam a criatividade e diversidade da criança, a conduta das atividades não era

direcionada somente pela professora, sendo concedido ao aluno o direito de intervir, sugerir e

modificar a proposta da atividade, o que revela a autonomia compartilhada. Os trabalhos eram

sempre expostos, com grande rotatividade, sendo que essas professoras procuravam meios de

expor os trabalhos mesmo quando os murais já estavam ocupados, utilizando para isso outros

painéis fora das salas, no corredor.

No uso do espaço físico e dos materiais disponíveis percebi que as professoras

Berenice e Mara concediam uma autonomia relativa, visto que elas direcionam as atividades

e, conforme a situação, a criança podia percorrer o espaço com liberdade e brincar com os

materiais, enquanto que, em outros momentos, não lhe era permitido modificar o espaço físico

ou usar determinados materiais. Entretanto, as professoras Noemi e Talita mostraram uma

autonomia compartilhada ao combinar com os alunos os usos do espaço físico e dos materiais,

firmando acordos com as crianças em que lhes era permitido alterar o espaço físico nos

momentos livres, desde que depois fossem guardados os materiais e organizada a sala, para

que se prosseguissem com as atividades.

Quanto às brincadeiras, as professoras Talita e Noemi utilizavam-se da autonomia

compartilhada, os momentos de brincadeiras eram permitidos nos intervalos de uma atividade

para outra e em muitas ocasiões durante o período escolar. A professora Mara demonstrou

uma autonomia negada, visto que as brincadeiras se limitavam aos horários estabelecidos pela

escola, como o parque e o momento livre que consistia em 30 minutos depois do horário de

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entrada, quando é permitido que as crianças brinquem livremente, enquanto os colegas ainda

estão chegando e a professora está organizando a sala ou seu planejamento. Observei que a

professora Berenice utilizou a autonomia relativa em relação às brincadeiras, em alguns

momentos elas se limitavam aos horários escolares e em outros era permitida livremente.

Na questão da oralidade, as professoras Berenice, Noemi e Talita lidavam com uma

autonomia compartilhada, as crianças podiam conversar, contar histórias, cantar músicas e se

expressarem oralmente. Percebi que somente a professora Mara utilizava a autonomia

relativa, em alguns momentos permitia a oralidade, em outros pedia silêncio, principalmente

quando as crianças estavam copiando algum texto do quadro de giz.

Sobre os hábitos de higiene e formação todas as professoras demonstraram autonomia

compartilhada. Uma pista interessante foi que muitas vezes era exigido da criança lavar as

mãos, lanchar sem sujar o chão, escovar os dentes e guardar seus objetos de forma

independente, exercendo autonomia, ao passo que, com relação às suas produções nem

sempre era concedido às crianças o direito de serem autônomas.

Quanto à escrita observei duas pistas, uma que visualiza a escrita como cópia e outra

que a percebe como construção. As professoras Noemi e Mara utilizavam a autonomia

relativa, em alguns momentos a escrita era construção, em outros era cópia do nome ou de

pequenos textos. A professora Berenice mostrou autonomia compartilhada ao registrar o que

as crianças dizem sobre suas produções, quando elas não escrevem, a professora faz o

registro. A professora Talita também demonstrou autonomia compartilhada na compreensão

da escrita como construção e registro.

Na documentação pedagógica com a utilização do portfólio, é fundamental que as

crianças e os pais e professores participem ativamente desse processo com base na autonomia

compartilhada. A criança pode selecionar algum trabalho, desenhar, escrever algo, registrando

a atividade à sua maneira. Depois de algum tempo poderá rever as amostras de seus trabalhos

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e colaborar com o professor na avaliação de seu progresso. Os pais podem cooperar até

mesmo trazendo alguma atividade realizada em casa, alguma fotografia ou registro que

envolva o desenvolvimento de seus filhos.

Para os pais, o portfólio oportuniza a participação no ambiente escolar e o

envolvimento e a compreensão no processo de aprendizagem da criança. Com isso, os pais

podem participar e oferecer contribuições para o processo educativo.

Entretanto, durante a realização da pesquisa, tive a oportunidade de acompanhar duas

reuniões de pais juntamente com as professoras e, de acordo com os fragmentos abaixo

retirados das entrevistas, percebo que a participação dos pais se limita em receber a ficha

avaliativa e os trabalhos das crianças através do portfólio sem que se efetue uma reflexão

conjunta a seu respeito.

Berenice (turma – 03 anos): Para os pais a gente entrega a ficha de avaliação, é atitudinais e a de conteúdos [ficha que envolve atitudes, comportamento e conteúdos], que a gente faz um pequeno resumo do que está sendo trabalhado. Se os objetivos foram alcançados sim ou não, ou parcialmente. E para as atitudes, atitudes mesmo de comportamento com o coleguinha, como que lancha, como que faz o trabalho, se guarda seus objetos. São coisas mais atitudinais mesmo. Essa vai para os pais todo bimestre. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006) Noemi (turma – 04 anos): Passa para os pais essas [fichas] que são dos aspectos cognitivos e afetivos, que em sala de aula acompanha o ano inteiro. E essa [ficha] que foi do cognitivo, mesmo dos conteúdos que foram trabalhados, esse resumo mensal também do que as crianças fizeram em sala de aula, também fica com os pais, essa [ficha de observação] que eu anoto diariamente fica comigo, nem mostro para os pais. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006) Mara (turma de 06 anos): Algumas [atividades] a gente seleciona para o portfólio, umas que a gente observa que tem acontecido alguma coisa mais significativa a gente seleciona e fica arquivado no portfólio que os pais têm acesso, mas bimestralmente, a gente entrega o trabalho bimestral deles, são esses trabalhinhos que são agrupados e vão para casa, junto com uma ficha de avaliação do comportamento, do relacionamento. Então é uma ficha atitudinal junto com o portfólio. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

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Através desses fragmentos podemos perceber algumas pistas sobre o envolvimento

dos pais no processo de aprendizagem das crianças. Eles recebem uma ficha avaliativa

(ANEXO 3) que aborda atitudes e comportamentos e também os conteúdos trabalhados.

Nesse caso, é entregue aos pais um produto final que representa os resultados alcançados

naquele bimestre, o que me leva a analisar que eles não participam do processo, somente

recebem os resultados. Essa prática condiz com uma avaliação somativa, que se preocupa com

o produto final e não com o processo de aprendizagem em si.

Outra pista que destaco é o fato de a professora Noemi relatar que, embora faça um

registro diariamente, com base em suas observações, não mostra essa ficha de observação

(ANEXO 4) para os pais. A ficha de observação traz comentários da professora sobre algo

significativo que ela observou na aprendizagem da criança, fato que demonstra que essa ficha

traz uma avaliação do processo, na medida que é mais descritiva sobre situações ocorridas na

sala de atividades. Considero que tais observações apresentariam uma possibilidade muito

ampla no sentido de contribuir para a compreensão dos pais sobre o que acontece nas salas da

Educação Infantil, o que parece não ser percebido pela professora, já que essa ficha não é

valorizada como uma avaliação formativa nas reuniões de pais.

A professora Mara demonstra uma postura diferente em relação à ficha de observação,

quando diz que a ficha faz parte do portfólio a que os pais têm acesso. O portfólio é

representado pelos trabalhos das crianças e pela ficha de observação preenchida pela

professora, todavia, a ficha de avaliação do comportamento e do relacionamento também é

entregue juntamente com o portfólio. Pela sistemática adotada, penso que para os pais, o que

fica mais evidente é a ficha avaliativa de atitudes e comportamento, que é analisada, assinada

e devolvida na própria reunião de pais, ficando na escola. Os trabalhos das crianças são

levados para casa e podem ser vistos posteriormente.

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Percebo que a ficha avaliativa funciona como um retorno para os pais sobre como os

filhos estão na escola, atribuindo ênfase aos resultados e não ao processo de aprendizagem.

A professora Talita também utiliza a ficha de avaliação e o portfólio, porém observo

que seu relato sobre como isso acontece na reunião de pais traz algumas pistas significativas

diferentes daquelas demonstradas pelas outras professoras citadas anteriormente.

Talita (turma – 05 anos): Essas atividades do portfólio, que eu separo essas atividades, eu faço esse comentário da atividade, coloco nessa folha e coloco na pasta vermelha, cada aluno tem essa pasta vermelha que é a pasta do portfólio [demonstrativo]. Então a gente guarda essa atividade na pasta, já com o comentário, a data, fica arquivada ali direitinho para no dia da reunião de pais. Aí a gente mostra essa pasta para o pai, ele não leva para casa, ele dá uma olhada na atividade, a não ser assim, quando quer mostrar para [o cônjuge], ou às vezes quando uma mãe não pode vir à reunião, a gente envia para casa, mas pede para estar retornando, mas as atividades que a gente faz em sala, que ficam no painel a cada bimestre, a gente junta essas atividades [portfólio de aprendizagem], faz um envelopinho com eles [alunos]. E no dia da reunião [de pais] eu falo um pouco da turma em si, do desenvolvimento, dos avanços que eu percebi durante aquele bimestre, algumas dificuldades que foram apresentadas no geral, não falo nome de aluno, falo da turma no geral, aí eu entrego os trabalhos [portfólio de aprendizagem], os pais olham os trabalhos, depois levam para casa para ver com os filhos e o portfólio [demonstrativo] também eles olham, assinam, tem aquela ficha amarelinha de aspectos atitudinais do dia-a-dia, de convívio, também eles assinam e [a ficha] fica na escola. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006) Observo que a professora Talita conduz a reunião de pais com base no portfólio, ela

mostra para os pais o portfólio demonstrativo, que traz registros significativos observados

pela professora e o portfólio de aprendizagem, que os pais examinam na própria reunião.

Embora os trabalhos sejam levados para casa para serem vistos com os filhos, a professora

também olha esses trabalhos com os pais na reunião, permitindo que eles questionem acerca

da maneira como foram realizadas as atividades.

Outra pista que visualizo no relato da professora é que o portfólio demonstrativo pode

ser levado para casa se o pai desejar mostrar para seu cônjuge, ou, se não puder comparecer à

reunião, a professora envia o portfólio demonstrativo através de uma pasta, podendo os pais

ter acesso às observações e registros da professora. Compreendo que a professora procura

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facilitar o envolvimento dos pais, enfatizando o processo de aprendizagem construído no

portfólio. O fato de também utilizar a ficha avaliativa parece ser para cumprir um

procedimento da escola, entretanto, percebe-se que, pelo encaminhamento dado pela

professora na condução da reunião de pais, ela demonstra uma concepção de avaliação

formativa e mediadora.

Por último, quero analisar outra pista que se refere ao modo como a professora

organiza o portfólio de aprendizagem com as crianças. Talita afirma que junta as atividades

expostas no painel ou mural, a cada bimestre, e faz um envelope com as crianças. Durante as

observações na sala de atividades, foi possível observar esse momento e, posteriormente, na

entrevista, a professora também contou como faz esse retorno do portfólio com a criança. A

professora Talita foi a única professora a demonstrar essa prática em que as crianças

organizam seu portfólio e retornam às atividades realizadas através de suas produções.

Talita (turma – 05 anos): [...] eu pego todas as atividades, levo para roda e aí eu vou lendo os nomes e vou entregando a atividade para eles ajudarem a organizar, [...]. Eles começam a ver, a relembrar da atividade, essa atividade eu fiz olha o quê que eu fiz, até acho esse momento de interação deles me ajudar, estar arrumando o próprio trabalhinho que vai levar para casa. O envelope são eles que confeccionam geralmente eu peço sugestão a eles sobre o que pode ser colocado [como capa] no envelope, se eles querem colocar uma atividade que já foi feita na unidade, ou uma outra atividade, é sempre muita troca entre eu e eles. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

Nesse momento de retorno às atividades para a organização do portfólio de

aprendizagem, percebi que a professora interage com as crianças através da autonomia

compartilhada, em que as crianças podem relembrar suas produções, recordando o que foi

significativo. Além disso, as próprias crianças mostram seus trabalhos para os colegas e

interagem entre si.

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Dessa forma, o portfólio é uma forma de registrar a aprendizagem através da

documentação pedagógica. É inegável que esse processo sofre interferências das concepções

de criança, infância, aprendizagem e avaliação das professoras e da própria escola.

É preciso salientar que, embora a utilização do portfólio traga muitas possibilidades

para uma avaliação formativa e mediadora, sua construção não é fácil e rápida como

preencher uma ficha avaliativa, demandando uma postura diferente daquela baseada na

avaliação tradicional.

3.3 Possibilidades e dificuldades na prática

O portfólio possibilita a avaliação na Educação Infantil com vantagens significativas

para a criança, para o professor, para os pais, enfim, para o processo educativo como um todo.

Para a criança, o envolvimento constante na avaliação promove uma compreensão de

sua aprendizagem através de uma auto-avaliação contínua. Com isso, ela percebe que o

trabalho escolar lhe pertence e pode demonstrar sua identidade na seleção das produções,

fazer escolhas e tomar decisões sobre a construção do seu portfólio.

Nesse caso, essa construção implica um processo de reflexão, em que a criança

conquista sua autonomia ao analisar as atividades realizadas e ao registrar suas percepções e

sentimentos (VILLAS BOAS, 2004).

Ao reconhecer suas potencialidades e fragilidades, a criança desenvolve a habilidade

crítica, sentindo-se participante do processo educativo. Além disso, o portfólio permite o

desenvolvimento da criatividade, pois possibilita inovar e ousar, criando sempre novas

alternativas de aprendizagem.

Na Educação Infantil, a construção do portfólio valoriza a linguagem oral e não

somente os trabalhos escritos. Quando a criança ainda não domina a linguagem escrita, a

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criança pode “ditar” para o professor seus comentários sobre a atividade (SHORES e

GRACE, 2001). Assim, a criança tem oportunidades de exercitar a autonomia e tecer

considerações sobre como está percebendo a realização das atividades. Durante as

observações, percebi que as professoras têm a prática de registrarem o que a criança diz sobre

um desenho ou sobre outra produção.

Para o professor, a utilização do portfólio oferece a possibilidade de compreender

como as crianças estão aprendendo e de aprimorar o trabalho pedagógico com reflexões sobre

a sua conduta profissional.

De acordo com Shores e Grace (2001, p.27):

A avaliação contínua com o portfólio pode proporcionar um aumento de conhecimentos e de habilidades que os profissionais em educação infantil necessitam, incluindo os conhecimentos do desenvolvimento infantil, uma ampla variedade de técnicas de entrevista e de observação, a habilidade de adaptar ambientes de aprendizagem para suprir as necessidades individuais de certas crianças, os métodos de envolvimento curricular centrados na criança e nas técnicas para envolver as famílias na vida de seus filhos nos centros de ensino ou escolas, trazendo sua vivência de casa para a sala de aula.

Com o conhecimento do desenvolvimento infantil e com o envolvimento dos pais no

processo de ensino-aprendizagem, o professor estabelece parcerias de aprendizagem com a

criança e com os pais, não se constituindo como o único responsável pelo processo educativo.

Apresento a seguir um fragmento em que a professora Berenice confirma que o

registro no portfólio facilita a compreensão dos pais sobre a aprendizagem dos filhos.

Berenice (turma – 03 anos): É interessante para os pais que estão vendo, saber [a importância] que o brincar e o rabiscar [têm], como é que surgem coisas interessantes. Como que o aprendizado está ali, porque às vezes chega em casa com aquele desenho rabiscado que para a mãe é um rabisco, para ele [aluno] tem sentido totalmente diferente. Por isso que eu acho interessante enquanto estão desenhando a gente escrever se a criança comentar, não que a gente fique cobrando, mas se a criança fala a gente puxa rapidinho a folha e escreve, para a gente não perder essa informação, porque ali está toda a brincadeira dele, mas há também todo um acontecimento[de aprendizagem], talvez quando a mãe dele for ver o

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trabalho junto com ele, nem ele lembre naquele momento o que ele fez. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006)

Além de auxiliar os pais, o portfólio pode ser utilizado pelo professor como seu diário

reflexivo (ALARCÃO, 2004), visto que ele pode criar seu próprio portfólio, com anotações

não só de experiências bem sucedidas, como também de suas dúvidas e angústias quanto a

problemas específicos vivenciados na sala com seus alunos. A construção de um diário

reflexivo favorece o entendimento de situações cotidianas e a busca por possíveis soluções

diante das dificuldades encontradas.

O portfólio docente revela o percurso profissional do professor e tem a finalidade de

desenvolver seus conhecimentos para aprimorar sua prática. A avaliação por meio do

portfólio também envolve a auto-avaliação do professor.

Além disso, os portfólios permitem que o professor analise sua atividade profissional e

busque enriquecê-la a partir das necessidades que surgem no desempenho de sua função.

Nas entrevistas, ainda que nenhuma professora tenha declarado a prática de se elaborar

o portfólio docente, elas expressaram as contribuições do portfólio para suas práticas

pedagógicas, como demonstram os fragmentos a seguir.

Berenice (turma – 03 anos): Algumas vezes na hora em que a gente está anotando, a gente vê a nossa fala neles, a gente vê atitudes nossas nas atitudes deles e quando a gente começa a olhar isso com um olhar mais observador, quando você está disposta a escrever, você capta esses momentos mais delicadamente e que talvez passem despercebidos. Então você vê a sua fala, você vê as suas atitudes, você vê muitas vezes reproduzindo as atitudes dos pais, do que acontece em casa, então são alguns momentos em que você fica realmente mais atento. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006) Noemi (turma – 04 anos): Você propõe uma atividade e aí você vê que o aluno não fez com interesse, não gostou, aí você começa a repensar, será que eu estou indo no caminho certo, será que eu devo mudar, será que essa unidade de trabalho está legal, está havendo interesse. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006)

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Talita (turma – 05 anos): [...] você percebe que o seu trabalho está fluindo [...]. O portfólio, na hora que você pega uma atividade [que foi observada e registrada], é o concreto, é o que você ensinou, porque na educação infantil tem muita coisa abstrata, muita coisa de observar, que você vê que o aluno está desenvolvendo, só que muitas vezes você não tem como mostrar aquilo ao pai numa atividade, eu acho que o portfólio ajuda que nessa atividade você pode falar com o pai, [por exemplo,] olha ela está demonstrando interesse pela escrita, no período livre, que ela poderia estar brincando com jogos, com bonecas, ela estava ali tentando escrever alguma coisa, então eu acho que essa avaliação é importante [...]. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006) Mara (turma – 06 anos): Ele [o portfólio] é uma referência para a gente o tempo todo, você usa isso também para a sua prática, a partir do momento analisando uma anotação que você fez de um comportamento de um aluno, você não tem como desvincular a sua figura [...] será que eu agi corretamente dando esse tipo de atividade, será que foi a mais coerente, [...] os alunos são muito diferentes, então às vezes uma atividade que é significativa para um, é um desafio negativo para o outro. [...] situações que eles não consigam realizar uma atividade com êxito que esperavam, fica um pouco uma sensação de derrota, então isso a gente não pode deixar que o aluno sinta e a gente tem que perceber essa situação e o portfólio auxilia. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

Apesar dos benefícios que o portfólio proporciona como a reflexão sobre a prática

docente na aprendizagem da criança e o envolvimento dos pais no processo educativo, as

professoras também relataram algumas dificuldades relacionadas com a utilização desse

instrumento. As dificuldades apontadas pelas professoras também apareceram em outras

pesquisas que foram realizadas por Parente (2004) e por Villas Boas (2004) sobre a

construção do portfólio.

Berenice (turma – 03 anos): Eu acho mais complicado é o dia-a-dia porque muitas vezes você não pode parar para fazer anotação, e quando você vê o dia já passou e você não anotou, e aí depois você chega em casa tem que escrever, mais aí já não é a mesma coisa[...]. A maior dificuldade é encontrar tempo para você parar[e registrar], parece que o relógio vai embora, é uma sucessão de acontecimentos que quando você acha que está parando [a criança] entornou o suco, o outro quer ir ao banheiro, o outro já está batendo no colega, o outro já está querendo fazer outra brincadeira, o outro já está sugerindo brincar disso daqui assim, assim. E aí você vai emendando uma coisa na outra e na hora que você vê, já passou. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006)

Talita (turma – 05 anos): A princípio a gente se depara com uma coisa que a gente não está acostumada a fazer, então a gente estranha um pouco, a gente tem que ficar muito atenta, porque se você não ficar observando, não ficar atenta, quando chega ao final do mês você

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não pegou [uma] atividade para estar registrando. Então, às vezes, um pouco de dificuldade que eu sinto é nesse sentido da gente ficar um pouco ansiosa, porque às vezes tem alguma criança que fica [sem atividade registrada], aí eu falo assim, gente eu não consegui ainda resgatar nenhuma atividade dessa criança, até hoje ele não demonstrou nenhum significado nessa atividade, é o mesmo comportamento em todas as atividades, então cria uma angústia da gente estar separando essa atividade. Aqui, nem tanto, porque o número de crianças é bem limitado, tem quinze, então a gente consegue o manejo de separar uma [atividade]; numa sala de aula com muita criança eu acredito que seja mais trabalhoso para o professor de estar observando, tirando essas atividades, então tem que estar sempre atenta a isso para não deixar acumular, porque se acumular, ela vai ficar perdida. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

Mara (turma – 06 anos): A minha sala tem quinze alunos, se tivesse mais, eu acho que não seria viável, porque é um processo [de construção do portfólio] que demanda atenção, demanda um certo tempo, se você tiver uma ajudante, não tem nenhum problema [...]. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

As queixas das professoras giraram em torno da falta de tempo para registrar, da

quantidade de alunos, do portfólio ser algo novo que foge à rotina da professora e da

ansiedade docente na construção do portfólio.

Sobre a falta de tempo relacionada com o número de crianças na sala de atividades,

Parente (2004) pesquisou a utilização do portfólio como prática de avaliação investigativa em

salas com até 25 crianças e encontrou professoras construindo o portfólio juntamente com as

crianças, afirmando ser possível usá-lo como instrumento de avaliação, mesmo com um

número de alunos mais elevado, como foi o caso de sua pesquisa.

Villas Boas (2004, p.171) também relata essas dificuldades encontradas pelos

professores durante a construção do portfólio. Segundo a autora, os professores consideraram

que o portfólio “é bom”, mas é trabalhoso, cansativo e demanda muito tempo.

A autora analisa que, para o professor, o portfólio pode representar mais trabalho

devido a uma concepção tradicional de avaliação, fundamentada em procedimentos

repetitivos sem reflexão e inovações. Destaca que, em alguns casos, até se muda o

instrumento, mas a concepção de educação, de criança, de infância e de avaliação continuam a

mesma.

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Durante a pesquisa, percebi que a construção do portfólio implica algumas

transformações sobre a concepção de avaliação, processo que não se afigura como fácil, uma

vez que requer uma constante reflexão com relação à prática docente e à aprendizagem das

crianças.

Sobre o portfólio ser algo novo, ressalto que sua utilização do mesmo demanda que o

professor assuma riscos em mudar (VILLAS BOAS, 2004), em sair da rotina, em

experimentar algo diferente. Para isso, reconheço a necessidade de conhecer profundamente o

processo de construção do portfólio dentro da perspectiva da avaliação formativa e mediadora

como prática de investigação, que implica um olhar aberto para o novo, para o diferente, para

os pequenos detalhes que revelam como a criança está aprendendo.

Entre as professoras entrevistadas, somente a professora Noemi não relatou

dificuldades com relação ao portfólio. Para ela, a facilidade advém do fato de a sua turma ser

pequena e de ter tido oportunidade de estudar sobre o portfólio antes de utilizá-lo.

Noemi (turma – 04 anos): Não, não vejo dificuldade não. Primeiro porque é uma turma pequena então fica mais fácil de você manter, dar conta de tudo isso, dessa organização, ajuda muito. E também porque foi uma coisa que nós viemos de um estudo também, eu não peguei cheguei com ele aqui pronto e comecei a trabalhar, já vem de um estudo, que foi construído. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006)

Considero que o estudo anterior sobre o processo de construção do portfólio fortaleceu

a compreensão da professora sobre a implantação desse procedimento. O portfólio não deve

ser visto como um modismo em que as professores mudam o instrumento, mas continuam

com a mesma concepção de avaliação como produto final e meio de exclusão. Compreendo

que, para fundamentar a construção do portfólio, é necessária uma mudança na concepção de

avaliação.

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Outras pistas sobre o papel do portfólio na avaliação da criança podem ser visualizadas

através dos fragmentos abaixo, em que as professoras trazem sugestões sobre o uso do

portfólio.

Berenice (turma – 03 anos): Primeiro observações breves, [...]se você fizer uma observação longa, você vai acabar saindo da realidade, tem que ser observações rápidas, breves. E na medida do possível, porque nem sempre vai dar. Não que isso daí seja uma rotina, é o dia em que dá, porque infelizmente não dá para você ficar metodicamente seguindo o portfólio, porque senão você se perde mais ainda, você se enrola, porque aí você vai ter mais uma obrigação dentro da sala, e é uma obrigação que foge ao momento em que você está junto com as crianças, porque por mais que você tente você não consegue fazer essa observação junto com as crianças. [...] Então assim, sendo breve e realista, na hora que der você faz, você vai fazer melhor do que você ficar naquela obrigatoriedade de fazer e não conseguir fazer porque não dá conta de fazer [...]. (Transcrição da entrevista do dia 29 de junho de 2006)

Noemi (turma – 04 anos): É que realmente ele [portfólio] seja um acompanhamento, não se faça isso no final de cada bimestre. Primeiro que se você deixa acumular, você vai perder algumas informações, então tem que ser feito durante todo o processo, durante todo o bimestre no caso, já que o nosso entregamos bimestralmente, e fechamos a cada bimestre, então que ele seja feito realmente, que seja um acompanhamento, não seja apenas um final, que haja realmente uma participação constante, na confecção desse portfólio. (Transcrição da entrevista do dia 28 de junho de 2006)

Talita (turma – 05 anos): Que [a professora] seja bem organizada em relação a isso [portfólio], que tenha certo em mente o objetivo do portfólio com é que ele vai ser trabalhado, como é que ele vai ser observado, como que essa atividade vai ser tirada [observada e registrada], no caso do relatório, não deixar acumular, que se deixar acumular depois acaba que no final perde o significado. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006)

Mara (turma – 06 anos): [O portfólio] é um instrumento muito significativo no processo educacional, só que o que eu recomendo é que a gente não deixe para anotar depois, porque a informação se perde, [...] você não vai estar sendo realmente fiel ao acontecimento, não pode deixar acumular, se você não anotou naquele dia, é preferível deixar aquele momento e esperar o próximo, porque senão ele fica um pouco sem sentido, a gente mesmo se perde na anotação. (Transcrição da entrevista do dia 30 de junho de 2006) A professora Berenice sugere observações breves, justificando que as observações

longas fogem da realidade, posição da qual discordo, que me leva a entender que tal sugestão

é uma pista que demonstra sua resistência ao registro. Considero que observações breves ou

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muito rápidas correm o risco de cair em rótulos ou expressões sem sentido. Um registro

descritivo sobre uma situação observada traz mais detalhes que podem ser fundamentais para

a compreensão do que se observa. Outra pista revelada no fragmento diz sobre a questão de

registrar na medida do possível, sem obrigatoriedade. Penso que novamente Berenice mostra

resistência em registrar e em assumir um compromisso que exija uma documentação diária.

Pela fala da professora, analiso que ela compreende o portfólio como uma obrigação a

cumprir e não como uma necessidade para sua prática docente em relação à aprendizagem das

crianças.

Para a professora Noemi, o papel do portfólio é acompanhar o processo de

aprendizagem, ela ressalta que não se pode deixar a construção do portfólio para o final do

bimestre, visto que isso acontece durante o processo e não somente no resultado final.

Segundo a professora, o acúmulo de informações no final do bimestre pode comprometer o

processo de construção do portfólio, pois as informações podem se perder. Outra pista

interessante é que Noemi ressalta a participação constante como necessária para a confecção

do portfólio, posição com a qual concordo e corroboro enfatizando que essa participação

envolve a criança, a família e o professor.

A professora Talita também ressalta que é preciso não deixar acumular as informações

durante a construção do portfólio para que ele não perca o significado. Relembro que o

significado do portfólio é a documentação da aprendizagem, processo que envolve a

autonomia da criança, o envolvimento dos pais e a reflexão diária do professor sobre sua

prática. Percebo outras pistas quando Talita afirma a necessidade de a professora ser

organizada e ter certeza quanto ao objetivo do portfólio. Pelas pistas fornecidas por Talita,

analiso que ela reconhece a importância da atuação do professor em mediar a construção do

portfólio sem perder o objetivo, que é documentar a aprendizagem.

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A professora Mara confirma a sugestão das outras professoras em não deixar as

informações se acumularem durante a construção do portfólio, pois se o espaço entre a

observação e o registro for grande, a professora não consegue ser fiel ao que foi observado e o

registro pode ficar comprometido. Novamente, percebo que o papel do portfólio está ligado ao

registro da aprendizagem.

Villas Boas (2004) complementa que o portfólio como procedimento de avaliação está

ligado a um novo olhar e a uma nova prática, que concebe a avaliação como investigação.

Para a autora, avaliação é investigação.

Nesse sentido, percebo que a avaliação implica investigar a aprendizagem da criança.

Assim, considero que na avaliação investigativa o portfólio abre caminhos para que o

professor desenvolva um olhar observador sobre a aprendizagem infantil e sobre seu trabalho

docente. Ao analisar sua atividade profissional, o professor pode enriquecê-la a partir das

necessidades que surgem no desempenho de sua função.

Concordando com Esteban (2003a, p. 24):

Investigando o processo de ensino/aprendizagem o professor redefine o sentido da prática avaliativa. A avaliação como um processo de reflexão sobre e para a ação contribui para que o professor se torne cada vez mais capaz de recolher indícios, de atingir níveis de complexidade de interpretação de seus significados, e de incorporá-los como eventos relevantes para a dinâmica ensino/aprendizagem. Investigando, refina seus sentidos e exercita/desenvolve diversos conhecimentos com o objetivo de agir conforme as necessidades de seus alunos, individual e coletivamente considerados.

Dessa forma, percebo que o portfólio possibilita a prática avaliativa fundamentada na

investigação. O portfólio enfoca as produções da criança a partir de um olhar reflexivo crítico

em que cada avanço é importante. Nessa concepção, a aprendizagem está em constante

evolução e as reflexões estabelecidas em torno da aprendizagem constituem a base para a

ação do professor no processo educativo.

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Na investigação é permitido interrogar, inovar, questionar e buscar respostas. Nessa

busca o olhar do professor está aberto para o que é peculiar, para o diferente e também para as

ações que sempre acontecem e se repetem no cotidiano e que podem revelar algo novo.

O olhar investigador não tem o intuito de acusar, julgar ou excluir, mas descobrir

como a criança está aprendendo, os avanços, as conquistas, em que ela precisa de ajuda e o

que pode fazer sozinha.

Nesse contexto, é fundamental refletir sobre o conceito de Zona de Desenvolvimento

Proximal de Vygotsky (1998a), em que a criança, através da interação com o outro, que pode

ser o professor, ou um colega, ou os pais, aprende e avança na construção de seu

conhecimento, sendo capaz de caminhar na aprendizagem.

Para compreender a trajetória de aprendizagem, a avaliação investigativa utiliza o

portfólio como instrumento de reflexão e documentação, em que é possível construir outro

olhar sobre as situações escolares, as produções das crianças e sobre sua própria atividade

docente.

O portfólio como instrumento de documentação pedagógica e avaliação investigativa

possibilita o registro da aprendizagem infantil, de modo que os avanços fiquem guardados e

não se percam durante o caminho educativo. O registro é fundamental para valorizar a

produção infantil e documentar esta cultura produzida pela criança, que representa suas

percepções sobre o contexto escolar e sua aprendizagem.

Com a construção dos portfólios, a documentação pedagógica permite refletir sobre o

processo significativo de aprendizagem, que não é imediato, mas está em contínuo

crescimento.

Apesar das dificuldades que envolvem o uso do portfólio, ele proporciona ao professor

a possibilidade de compreender a aprendizagem das crianças e analisar sua prática pedagógica

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ao refletir sobre suas ações, que interferem no desenvolvimento da criança, em seu trabalho

diário.

Assim, a documentação pedagógica com o uso do portfólio, além de possibilitar o

aprimoramento do processo educativo, também valoriza as produções da criança como forma

de registro de sua compreensão de mundo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos, cem pensamentos,cem modos de pensar, de jogar e de falar.

A criança tem cem linguagens (e depois cem cem cem) mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura lhe separaram

a cabeça do corpo. [...] Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia,a ciência e a imaginação, o céu e a terra, a razão e o sonho

são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe que as cem não existem. A criança diz: ao contrário, as cem existem.

(MALAGUZZI, 1999, p. v)

Ao final desta dissertação, desejo voltar ao começo, em minha questão que se tornou o

foco desta investigação. Pesquisei como as professoras de Educação Infantil compreendem o

papel do portfólio na avaliação da criança. Essa pergunta norteou os caminhos percorridos

durante a pesquisa e foi discutida anteriormente nos outros capítulos, com base nas

observações e entrevistas que revelaram pistas e indícios encontrados no campo.

A compreensão das professoras sobre o papel do portfólio remeteu à concepção de

avaliação, de aprendizagem, de criança e de infância. Essas concepções foram construídas

pelas professoras de acordo com influências recebidas e experiências vivenciadas enquanto

sujeitos: como crianças, como alunos, como mulheres e como profissionais da educação de

crianças pequenas.

Considero que as professoras reconheceram a importância de se utilizar o portfólio na

Educação Infantil, contudo, nem todas compartilhavam com a concepção de avaliação

formativa e mediadora que fundamenta a construção do portfólio.

Nesse caso, havia uma proposta nova de organizar o portfólio, que trazia também

resquícios de uma avaliação somativa, que pôde ser visualizada nas fichas avaliativas. Essa

mistura comprometia a clareza e o objetivo na utilização do portfólio que, em alguns

momentos foi instrumento e procedimento de avaliação formativa, e, em outras ocasiões

funcionou apenas como um instrumento a serviço de uma avaliação determinista.

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As professoras organizaram portfólios contendo seus registros sobre as crianças e a

aprendizagem. Nas entrevistas elas reconheceram a necessidade de observar e registrar as

observações para que o olhar delas estivesse atento às conquistas das crianças, de modo que

os avanços fossem percebidos e registrados. Em que pese o fato de elas terem relatado que o

portfólio proporcionou algumas reflexões sobre a aprendizagem das crianças, percebi que,

quando a professora tinha uma concepção de avaliação tradicional, isso influenciava a

construção do portfólio, que era direcionada quase sempre pela professora, limitando a

participação da criança em executar apenas as atividades que lhe eram propostas.

Tal atitude não condiz com os princípios do portfólio, expostos no capítulo anterior,

que englobam construção, processo, reflexão, participação, autonomia, criatividade, parceria e

auto-avaliação (VILLAS BOAS, 2004).

Quando a professora assumia para si a responsabilidade pela construção e organização

do portfólio, ele se tornava um peso no sentido que aumentava as obrigações da professora no

seu trabalho diário com as crianças. Por isso, as professoras expressaram que o portfólio

aumenta o trabalho docente, exige compromisso, não sendo tarefa fácil conciliar o número de

crianças com as demandas do portfólio.

Entendo que isso ocorre quando a professora não compreende o papel do portfólio

como um processo de aprendizagem em conjunto com as crianças e com a família,

conduzindo ela mesma sua construção como uma obrigação da professora, não tendo em

mente a criança como autora do portfólio.

Em relação a essa questão, considero que a criança pode exercer a autoria no registro

de sua aprendizagem, ainda que não domine a escrita, visto que cabe ao professor escrever o

que a criança diz sobre suas produções. Todavia, de acordo com a pesquisa realizada, o uso do

portfólio nem sempre possibilitou esse envolvimento da criança, fato demonstrado através das

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pistas sobre a autonomia das crianças que, algumas vezes, era compartilhada, em outras era

negada e em algumas ocasiões foi relativa, conforme o contexto da atividade.

Se a criança não participa do portfólio com autonomia, ele se torna um conjunto de

registros do professor sobre a criança e perde o sentido de auto-avaliação em que a criança

reconhece em suas produções sua aprendizagem. Somente uma professora demonstrou que as

crianças retomam seu portfólio com o intuito de refletir sobre a aprendizagem,

compartilhando com os colegas seus trabalhos.

Frente ao exposto, percebo que o papel do portfólio depende das concepções dos

professores sobre a criança, sobre infância, sobre avaliação e sobre aprendizagem. Quando se

utiliza o portfólio com base em uma concepção tradicional de avaliação, ele pode ser reduzido

a um arquivo de papéis, em que as produções são guardadas e ficam no esquecimento ou

depois são entregues aos pais sem um processo de reflexão conjunta.

Quanto ao envolvimento da família, evidencia-se igualmente uma limitação pelas

fichas avaliativas cujo objetivo era informar, ou prestar contas, sobre como as crianças

estavam se desenvolvendo e como as professoras estavam trabalhando com elas, qual

conteúdo era abordado, quais atitudes e comportamentos eram formados. Tais fichas, além de

não condizerem com a avaliação formativa e mediadora, serviam como mecanismo de

redução da avaliação a expressões deterministas quanto ao desenvolvimento da criança.

A despeito de o portfólio e as fichas avaliativas buscarem representar o retorno para os

pais, quando a escola mostrava o seu desempenho na educação das crianças, ressalto a

contrariedade presente no uso desses dois instrumentos, visto que representam concepções

diferentes de avaliação. Entendo que, para a escola, o portfólio era uma forma de mostrar aos

pais o que os filhos estão fazendo no tempo que permanecem na instituição, constituindo-se

mais como um instrumento informativo do que um efetivo instrumento de reflexão da

aprendizagem.

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A participação dos pais consistia em comparecer às reuniões, olhar as fichas

avaliativas, assinar, devolver para a professora e receber o portfólio nos envelopes com os

trabalhos das crianças, que podiam ser levados para casa.

Nesse processo, é preciso salientar que na escola o portfólio não era analisado pelas

crianças e por seus pais em conjunto com a professora. As crianças não participavam dessas

reuniões, fato que me parece deva ser questionado, visto que, se as reuniões tinham o objetivo

de falar sobre as crianças, por que não permitir que a própria criança mostrasse para os pais

suas produções e falasse sobre o que está aprendendo? A auto-avaliação da criança nesse

processo de mostrar seus trabalhos para os pais é um exercício de autonomia que favorece o

senso crítico, na conduta de refletir sobre as próprias ações.

Penso que a formação da criança enquanto cidadão crítico começa desde seu

nascimento e é aprimorado pelo processo escolar. Com o ingresso na Educação Infantil, a

criança precisa encontrar um espaço próprio em que pode exercer autonomia e reflexão

crítica. Negar isso para as crianças é, do mesmo modo, negá-las como sujeitos e como

produtoras de cultura (CAROLYN, GANDINI e FORMAN, 1999).

Reconheço a necessidade de integrar a participação da família no processo educativo,

além dessas reuniões convencionais. É preciso considerar a família como parceiros de

aprendizagem, convidando-a para participar das atividades com as crianças, de mostras de

trabalhos, em que a criança conduza os pais para ver suas produções, conhecer sua sala de

atividades, oportunizando aos pais vivenciar momentos significativos de aprendizagem com

seus filhos.

Considero que o processo de construção do portfólio envolve observação, registro,

documentação e análise crítica (PARENTE, 2004). Nesse sentido, é fundamental que isso

ocorra em conjunto com as crianças, os pais e o professor. Para a criança, o portfólio valoriza

as conquistas diárias que são registradas e podem ser retomadas, ela aprende a analisar suas

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produções de forma que perceba sua aprendizagem. Para os pais, o portfólio demonstra como

a criança está aprendendo e proporciona o envolvimento nesse processo. Para o professor, o

portfólio também documenta a aprendizagem da criança e se constitui em um diário reflexivo

em que o professor registra sua atuação e reflete sobre seu papel enquanto educador.

Por outro lado, o diário reflexivo do professor representa o seu portfólio profissional

em que registra suas aprendizagens no exercício sua profissão, no qual aponta dúvidas ou

dificuldades, além de documentar suas experiências.

Com base na pesquisa realizada, percebi que as professoras não possuem a prática do

portfólio como registro reflexivo de seu próprio trabalho, já que elas registram e refletem

sobre o portfólio da criança. Tal atitude demonstra que elas não compreenderam a

possibilidade de o portfólio docente servir como instrumento de reflexão, como um diário

reflexivo.

Penso que isso remete à concepção de avaliação, no que tange à auto-avaliação do

próprio trabalho docente, processo que não se afigura como simples, já que implica assumir o

risco de admitir, expor falhas e procurar ajuda para as dúvidas e os problemas encontrados.

Por outro lado, esse risco envolve inovar, descobrir, aprender, compartilhar com colegas,

trocar idéias, sugestões, enfim, movimentar-se diante de uma prática estagnada, com o intuito

de dinamizar sua atuação.

Percebo que uma possibilidade para a reflexão crítica do professor é a formação em

contexto (SILVA e MICARELLO, 2005) baseada em três pilares: formação, pesquisa e

intervenção, formação em que se utilize a prática reflexiva como método de trabalho e de

aprendizagem em colaboração com o outro. Dessa forma, a formação em contexto acontece

na própria escola, com ênfase no diálogo e na experiência do professor que, em conjunto com

o pesquisador, investigam a prática pedagógica.

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Entendo que na prática docente o professor expressa suas concepções sobre educação,

avaliação, criança e infância. Considero que somente uma mudança de concepção pode

proporcionar a transformação do trabalho do professor, com práticas mais participativas e de

autonomia para as crianças.

Portanto, acredito que, na formação em contexto, os professores tenham a

oportunidade de discutir as concepções que fundamentam suas ações e possam modificar sua

forma de pensar e sua prática, tendo abertura para mudanças e inovações que contribuam para

a aprendizagem coletiva das crianças, dos pais e dos próprios professores.

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ANEXOS

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ANEXO 1. ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO

� Construção do portfólio

� Produções das crianças

� Participação da criança

� Participação da professora

� Participação dos pais

� Mediação: criança / criança e professora / criança

� Conteúdos do portfólio

� Exposição do portfólio

� Arquivo do portfólio

� Acesso ao portfólio

� Retorno do portfólio

� Portfólio e avaliação na Educação Infantil

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ANEXO 2. ROTEIRO DE ENTREVISTA

� Formação e percurso profissional

� Avaliação na Educação Infantil: teoria e prática

� Concepção de criança e infância.

� Portfólio: definição e construção

� Objetivos do Portfólio

� Participação da criança

� Participação dos pais

� Conteúdos do portfólio

� Exposição do portfólio

� Arquivo do portfólio

� Acesso ao portfólio

� Retorno para a criança

� Retorno para os pais

� Retorno para a professora

� Dificuldades em relação ao portfólio

� Contribuições do portfólio

� Recomendações para outras educadoras sobre o portfólio

� Portfólio e avaliação na Educação Infantil

� Portfólio como instrumento de reflexão para o professor

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ANEXO 3. FICHA INDIVIDUAL DE OBSERVAÇÃO DO ALUNO

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ANEXO 4. REGISTROS DE OBSERVAÇÃO DA CRIANÇA

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ANEXO 5. TERMO DE CONSENTIMENTO PARA REALIZAÇÃO DE PESQUISA

A professora Raquel Costa Cardoso Lusardo solicitou-me consentimento para

participar de seu projeto de pesquisa “AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL:

CONCEPÇÕES DE PROFESSORAS SOBRE O PAPEL DO PORTFÓLIO”, a ser realizado

com a turma na qual atuo como Professora Regente.

Fui informada através de um encontro com a pesquisadora sobre os objetivos da

pesquisa, características e procedimentos metodológicos.

Ficou acordado que os instrumentos utilizados serão observações na sala de atividades

e entrevista gravada em áudio.

Entendo que os materiais produzidos em sala, tanto pelos alunos quanto por mim,

também poderão ser utilizados caso sejam pertinentes aos objetivos da pesquisa.

Concordo voluntariamente em participar deste estudo, sabendo que poderei retirar o

meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante a realização do mesmo, sem que

haja qualquer restrição da pesquisadora.

É de meu pleno conhecimento que a divulgação dos dados da pesquisa servirão a fins

puramente científicos, acadêmicos e/ou didáticos, sendo resguardada minha identidade, a

confidencialidade das informações e dos demais envolvidos no estudo.

Juiz de Fora, ____ de março de 2006.

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Professora