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RSP 447 Revista do Serviço Público Brasília 64 (4): 447-464 out/dez 2013 Avaliação da transparência das informações sobre políticas de apoio aos produtores rurais no Brasil Wellington Pinheiro de Araujo e Mauro Eduardo Del Grossi Introdução O envolvimento dos cidadãos no controle social das políticas públicas depende da transparência com que o governo divulga seus atos. O conceito de transpa- rência tem evoluído nos últimos anos da simples divulgação de dados para a cobrança de uma atitude proativa dos agentes que representam o Estado, ao fornecer informações, em qualidade e quantidade, que estimulem e possibilitem o controle social (MATIAS-PEREIRA, 2010). Neste artigo, buscou-se ressaltar o debate sobre os principais aspectos que a teoria tem abordado sobre a forma de comunicação do Estado, com foco na transparência da divulgação de infor- mações governamentais das políticas de apoio aos produtores rurais. As políticas de apoio aos produtores rurais abrangem instrumentos de polí- tica macroeconômica e microeconômica, dentre os quais cabe destacar: transfe- rências diretas ao produtor, concessão de crédito subsidiado, garantia de renda e perdão de dívidas (OCDE, 2005). Tais políticas são sustentadas pela sociedade de maneira direta, por meio de recursos orçamentários públicos, ou de maneira indireta, na forma de oferta de

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Wellington Pinheiro de Araujo e Mauro Eduardo Del Grossi

Avaliação da transparênciadas informações sobre políticasde apoio aos produtores rurais

no Brasil

Wellington Pinheiro de Araujo e Mauro Eduardo Del Grossi

Introdução

O envolvimento dos cidadãos no controle social das políticas públicas depende

da transparência com que o governo divulga seus atos. O conceito de transpa-

rência tem evoluído nos últimos anos da simples divulgação de dados para a

cobrança de uma atitude proativa dos agentes que representam o Estado, ao

fornecer informações, em qualidade e quantidade, que estimulem e possibilitem

o controle social (MATIAS-PEREIRA, 2010). Neste artigo, buscou-se ressaltar

o debate sobre os principais aspectos que a teoria tem abordado sobre a forma

de comunicação do Estado, com foco na transparência da divulgação de infor-

mações governamentais das políticas de apoio aos produtores rurais.

As políticas de apoio aos produtores rurais abrangem instrumentos de polí-

tica macroeconômica e microeconômica, dentre os quais cabe destacar: transfe-

rências diretas ao produtor, concessão de crédito subsidiado, garantia de renda e

perdão de dívidas (OCDE, 2005).

Tais políticas são sustentadas pela sociedade de maneira direta, por meio

de recursos orçamentários públicos, ou de maneira indireta, na forma de oferta de

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financiamentos ou reescalonamento dedívidas com encargos inferiores aosde mercado. Desse modo, é lícito ques-tionar se o poder público, gestor dosprogramas de apoio aos agricultores, adotaum modelo de divulgação de dados quepermite ao cidadão brasileiro ter clarezasobre o volume de recursos que estãosendo direcionados a esse setor específico.

O objetivo deste artigo foi avaliar o nívelatual de transparência das informações sobrepolíticas de apoio aos produtores rurais noBrasil, verificando se os dados sobre osbenefícios concedidos são apresentados demaneira que permitam um amplo acesso doscidadãos que desejam entender, participar emonitorar a utilização de recursos aplicadosnessas políticas públicas.

A hipótese que norteou a pesquisa é ade que uma parte significativa dos dadossobre políticas de apoio aos produtoresrurais não é publicada pelos agentes pú-blicos responsáveis, ou é apresentada demaneira complexa e pouco interativa, difi-cultando o efetivo acesso dos cidadãos aessas informações.

Transparência na gestão pública

Nos últimos anos, ganhou força a per-cepção de que o sucesso dos governos naimplementação de políticas públicas depen-de cada vez mais de uma postura dinâmicae proativa por parte dos gestores públicos,acompanhada de maior envolvimento dasociedade nas ações do governo. Diversosautores atribuem à participação social umamaior justiça no atendimento das deman-das, redução da corrupção e melhoria daeficiência do Estado (MATIAS-PEREIRA,2002; STIGLITZ, 2002; JARDIM, 1999).

A transparência na disponibilização deinformação pelo setor público contribuipara o combate à corrupção e propicia o

aperfeiçoamento constante das açõesestatais. Com o aumento da transparência,os mecanismos de controle social sãoaprimorados, com impactos positivos sobrea responsabilização dos governantes.Transparência, nesse sentido, é mais do que“a obrigação de informar”, deve serimpulsionada pelo “desejo de informar”,sabendo que dessa boa comunicaçãoresulta um clima de confiança tanto interna-mente quanto nas relações com terceiros(MATIAS-PEREIRA, 2010).

O conceito de transparência é maisabrangente, portanto, do que a simplesoferta de dados e informações de maneirabruta. A transparência administrativa deveatender ao conceito de comunicação, queenvolve o estabelecimento de uma relaçãode troca com o cidadão. Com isso, aadministração volta-se para a sociedade,tendo que adaptar sua linguagem, no sen-tido de se tornar o mais amplamentecompreensível, já que a informação só éeficaz se o cidadão acessa e interpreta cor-retamente a mensagem (JARDIM, 1999).

Desde o fim do período de autorita-rismo, em meados dos anos 1980, a práticada democracia no Brasil tem-se caracteri-zado, entre outros aspectos, pela demandada sociedade por mais ética e transparênciana condução dos negócios públicos.Diversos autores, porém, têm apontado apresença de dificuldades para que o relacio-namento entre sociedade e governo no Brasilsiga os padrões de transparência observadosem outros países, em função da culturaburocrática e da fragmentação de infor-mações (JARDIM, 1999; MATIAS-PEREIRA,2002; TORRES, 2004; FORTIS, 2008).

A política de divulgação de infor-mações do Governo Federal tem priorizadoa área de administração de dados comelevado uso de recursos tecnológicos,incluindo-se a internet como fator de

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transparência governamental. Esse sistemade informações, entretanto, não se encontradevidamente integrado, de forma que possaoferecer ao cidadão as informações quepermitam visualizar com clareza todas asações governamentais. Ainda não se atingiu,desse modo, o nível de transparência queforneça informações completas, objetivas,confiáveis, relevantes e de fácil acesso e com-preensão (MATIAS-PEREIRA, 2002).

As informações sobre políticas deapoio aos produtores rurais, por exemplo,estão fragmentadas em documentos ebancos de dados geridos por inúmeras enti-dades, cabendo destacar: Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento(Mapa); Ministério do DesenvolvimentoAgrário (MDA); Secretaria do Tesouro Na-cional do Ministério da Fazenda (STN/MF);Companhia Nacional de Abastecimento(Conab); Banco Central do Brasil (BCB); eBanco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES). Cada uma dessasinstituições tem uma política de divulgaçãode dados distinta, o que dificulta a coleta ea estruturação de informações gerenciais,essenciais a uma análise global da partici-pação do setor público no fomento àatividade agropecuária.

Os debates teóricos sobre as políticasde transparência encontram-se relacionadosa um mecanismo experimentado no mundoanglo-saxão e escandinavo, denominadoaccountability (CARLOS et al., 2008). Esse éum termo sem tradução para o português,que enfatiza a importância de adoção demecanismos de controle, responsabilizaçãoe transparência administrativa.

O conceito de accountability, aplicado àadministração pública, envolve um conjun-to de mecanismos e procedimentos quelevam os decisores governamentais a prestarcontas dos resultados de suas ações demaneira proativa, informando e justificando

seus planos e ações, o que proporcionamaior transparência e exposição pública daspolíticas públicas. Nesse sentido, espera-seque os agentes públicos divulguem infor-mações à sociedade por iniciativa própria,de forma espontânea, independente de qual-quer solicitação (ACKERMAN, 2005; JARDIM,1999; MATIAS-PEREIRA, 2008).

A accountability serve de referencial paraa avaliação do nível de transparência dosgastos públicos com políticas de apoio aos

produtores rurais. A concessão de subsí-dios à produção agropecuária constituiimportante política governamental e, comotal, deve ser objeto de um processo detransparência que não se resuma à ofertade dados e informações. Para que o fluxode comunicação complete seu ciclo, énecessário que o destinatário acesse, com-preenda os dados e tenha a capacidade de

“... a adminis-tração volta-se paraa sociedade, tendoque adaptar sualinguagem, nosentido de se tornaro mais amplamentecompreensível ...”

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utilizá-los como insumo para a tomada dedecisões.

A ideia do exercício de um controledireto das políticas públicas pela sociedadedecorre da constatação de que os sistemasde representação eleitorais são insuficientespara garantir as melhores escolhas para oatendimento das demandas sociais, sendonecessário introduzir controles e sançõescontínuas sobre os representantes (LAVALLE

e VERA, 2011). Em termos ideais, esse con-trole deveria ser exercido pelos cidadãosdiretamente, mas, em geral, as reivindi-cações individuais não têm força suficientepara impor limites à atuação governamental(CAMPOS, 1990).

O desgaste da legitimidade das insti-tuições tradicionais de representação favo-rece espaços de participação de outrasorganizações que compõem a sociedade civil(AVRITZER, 2007). Esse contexto fortalece opapel da accountability societal, que consisteno controle e responsabilização dos agentespúblicos por instituições públicas, mas decaráter não estatal (FILGUEIRAS, 2011), taiscomo conselhos gestores, associações,movimentos, organizações não governamen-tais, entidades assistenciais, cooperativas etc.

Quando o controle social é exercidopor atores coletivos organizados, e não porcidadãos, surgem novas modalidades derepresentação com lógicas próprias defuncionamento (LAVALLE, 2008). Essasnovas formas de exercício da cidadaniadespertam questões sobre o uso das infor-mações por tais instituições. Neste traba-lho, não foi possível maior aprofunda-mento nessa questão, já que se centrouna abordagem de aspectos relacionados àqualidade e disponibilidade dos dados.Sugere-se, para pesquisas futuras, umaanálise mais apurada em como os váriosatores sociais, organizados ou não, fazemuso dessas informações.

Seleção dos dados para apura-ção da transparência das políticasde apoio aos produtores rurais

Nesta pesquisa, foram selecionadaspara análise as políticas de apoio aos produ-tores rurais elaboradas e executadas peloGoverno Federal, uma vez que os gastosdessa esfera correspondem a cerca de 75%do total efetuado pelos diferentes níveis degoverno (GASQUES, VILLA VERDE e BASTOS,2006). Além disso, os modelos adotadospelo Poder Executivo federal têm maiorescondições de moldar e influenciar aspolíticas públicas a serem adotadaspelos Estados e Municípios para esse setoreconômico.

Como são numerosas as políticas deapoio adotadas pelo Governo Federal evárias as fontes de recursos utilizadas na suaimplementação, fez-se necessário identificaraquelas de maior relevância em termos devolumes de recursos alocados ou transfe-ridos, na forma de benefícios diretos ouindiretos, aos produtores rurais. Nesse sen-tido, adotou-se, como primeira etapa, aidentificação das políticas de apoio aosprodutores rurais responsáveis pelas maiorestransferências financeiras, a partir de rela-tórios da Organização para a Cooperação eDesenvolvimento Econômico (OCDE).

A variedade de instrumentos de apoioao setor agropecuário, não só no Brasil, masem nível mundial, dificulta a mensuraçãoe comparação dos níveis de subsídiosconcedidos pelos diferentes governos. Emfunção disso, a OCDE desenvolveu umasérie de indicadores a fim de acompanhare avaliar a evolução da política agrícola,com o objetivo de estabelecer parâmetrosque permitam o diálogo político entre ospaíses, assim como fornecer os dadoseconômicos para avaliação da eficiência eeficácia das políticas (OCDE, 2010).

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Entre esses indicadores, merece desta-que a Estimativa de Apoio ao Produtor,conhecida pela sigla PSE (Producer SupportEstimate). O PSE mede os benefíciosdiretos e indiretos concedidos aos produ-tores rurais (OECD, 2010) e é consideradoo indicador mais apropriado para compararas políticas de apoio adotadas por dife-rentes países, pelo fato de ser uma medidarelativa (e não nominal, em moeda cor-rente), o que elimina o problema da taxade câmbio utilizada (RAMOS, 2011).

A OCDE define o PSE como:

[...] indicador do valor monetário anu-al das transferências brutas, implícitas eexplícitas, dos consumidores e dos con-tribuintes para os produtores agrícolas,medidas em nível de propriedade,decorrentes de medidas de política deapoio, qualquer que seja sua natureza,seu objetivo ou efeitos para a renda doprodutor (OECD, 2010, p. 17).

Esse indicador é abrangente, sendocomposto de pagamentos orçamentáriosque aparecem nas contas do governo, mastambém incluindo outras concessões quenão implicam, necessariamente, as despesasorçamentárias. As medidas de apoioincluídas no PSE são classificadas deacordo com critérios de aplicação especí-fica, que identificam as características dasmedidas de política econômica que sãoimportantes para a análise dos potenciaisimpactos das políticas de produção, renda,consumo, comércio e meio ambiente(OECD, 2010).

Dado o conceito do PSE antes descrito,adotou-se nesta pesquisa a expressão“políticas de apoio aos produtores rurais”para designar as políticas governamentaisque implicam transferências financeirasdiretas ou indiretas para o setor rural. Essa

terminologia foi considerada mais apropri-ada do que os termos “subsídio” e “sub-venção econômica”, designações mais res-tritas que podem não captar algunsinstrumentos adotados pelos governos paraapoiar o setor agropecuário.

Os dados da OCDE, de 2008 a 2012,apontam, para o Brasil, um PSE médio daordem de 4,95% da receita bruta total dosagricultores (Tabela 1), o que significa queo valor estimado das transferências de polí-ticas que apoiam a agricultura paraprodutores individuais, provenientes dosconsumidores e contribuintes, representauma média de transferências anuais decerca de R$ 14,8 bilhões.

Conforme se verifica na Tabela 1, asprincipais políticas de apoio ao produtor,medidas com base no PSE, que se aplicamao caso do Brasil são: Apoio Baseado naProdução de “Commodities”, represen-tando no período de 2008 a 2012, emmédia, 52,8% do PSE; e os PagamentosBaseados no Uso de Insumos, com médiade 45,3% do PSE, no mesmo período.

A política de apoio baseada na pro-dução consiste em ações governamentaisvoltadas a viabilizar a comercialização daprodução agropecuária. Para o atendimentodessa finalidade, as principais medidas deapoio vigentes no período de 2008 a 2012consistem em gastos orçamentários paraformação de estoques públicos, por meiodas Aquisições do Governo Federal (AGF),e para garantia e sustentação de preços nacomercialização de produtos agrope-cuários, que engloba instrumentos comoPrêmio de Escoamento do Produto (PEP),Prêmio Equalizador Pago ao Produtor(Pepro) e Contrato de Opções.

A política de apoio baseada nouso de insumos, por sua vez, abrangea concessão de crédito com encargosfinanceiros inferiores aos praticados no

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mercado. O Crédito Rural para produtoresrurais é uma das principais formas de trans-ferência praticadas no Brasil, por meio doqual são oferecidos recursos para o finan-ciamento do Custeio e Investimento Agro-pecuário, e também para o ProgramaNacional de Agricultura Familiar (Pronaf).

Quando os agricultores podem tomarcrédito em termos favoráveis, se compa-rados a outros segmentos, criam-se transfe-rências que necessitam ser contabilizadasnas estimativas de apoio aos produtores

(OECD, 2010). Cabe lembrar que o indi-cador da OCDE não se restringe aosdesembolsos orçamentários, captandoquaisquer tipos de benefícios, como, porexemplo, os créditos subsidiados, mesmoque oriundos de fontes privadas como asexigibilidades bancárias.

Outra forma de transferência, tambémcaptada pelo PSE, é o reescalonamento dedívidas rurais. Essa política envolve renego-ciação de dívidas vencidas a taxas redu-zidas e perdão parcial ou total dos débitos.

Tabela 1: Estimativa de Subsídio ao Produtor (PSE) para o Brasil (2008 a 2012)

Fonte: OCDE. Informações completas disponíveis em: http://www.oecd.org/agriculture/agricultural-po-licies /producer and consumer support estimatesdatabase.htm. Tradução do autor (as siglas correspondemaos termos originais em inglês).

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Tais concessões também geram trans-ferências e, por isso, são incluídas nocálculo das estimativas de apoio, indepen-dentemente dos motivos que provocaramos atrasos no pagamento ou dos objetivosdo governo na reestruturação.

Adotando, para os efeitos desta pes-quisa, o critério da relevância da infor-mação para o público, a partir do montantede transferências recebidas pelos produ-tores rurais, selecionou-se para análise asprincipais políticas captadas pelo PSE, quenos últimos anos foram: Crédito Rural(financiamentos para Custeio, Investimentoe Pronaf), políticas de apoio à comercia-lização (formação de estoques e garantia esustentação de preços na comercializaçãode produtos agropecuários) e reescalona-mento de dívidas rurais.

Muitos desses programas contam commais de uma fonte de recursos, cujas infor-mações são publicadas de maneirasdiversas. Para analisar a transparência dasinformações sobre as políticas públicas deapoio aos produtores rurais, é convenienteidentificar as fontes que têm maior pesono seu financiamento.

No caso das políticas de crédito rural,utilizou-se como critério de relevância paraseleção das fontes o volume médio decrédito concedido no período de 2008 a2012, a partir dos dados colhidos noAnuário Estatístico do Banco Central. Comrelação às políticas de apoio à comerciali-zação, o Tesouro Nacional é a fonte principaldos recursos despendidos na formação deestoques públicos e no programa de garan-tia e sustentação de preços. Neste caso, foiconsiderada a média de execução financeirano período de 2008 a 2012.

No caso do reescalonamento dedívidas, as informações disponíveis nãopermitiram a identificação das fontes espe-cíficas afetadas pelos alongamentos e

renegociações. Em função disso, optou-sepor fazer a análise das fontes de recursosde maneira agregada, por tipo de impactoprincipal que suportam, quais sejam: subsí-dios explícitos na Lei Orçamentária Anuale subsídios implícitos nas dívidas ruraissecuritizadas com títulos do Tesouro Nacio-nal, ambos no período de 2008 a 2012.

Adotando tais critérios de seleção, des-tacaram-se para análise os instrumentos de

apoio aos produtores rurais e as respecti-vas fontes constantes do Quadro 1.

Método de Análise

No intuito de contar com parâmetrosmais consistentes para avaliar o nível detransparência das comunicações governa-mentais, diversas organizações têm

“... ainformação,mesmo que estejadisponível, nemsempre garanteque o controlesocial seráexercido pelocidadão ...”

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trabalhado na elaboração e aplicação deíndices e indicadores de transparência.

Para os objetivos desta pesquisa, otrabalho adotado como referência foi oÍndice do Orçamento Aberto, gerado a partirda Pesquisa do Orçamento Aberto, noâmbito da Parceria Internacional de Orça-mento (International Budget Partnership – IBP).A IBP foi criada em 1997 pelo Centro deOrçamento e Políticas Públicas, umaorganização de pesquisa sem fins lucra-tivos, sediada nos Estados Unidos, queapoia organizações interessadas emfortalecer o processo de orçamentopúblico em seus países (IBP, 2011).

A sistemática da IBP enfoca os docu-mentos orçamentários e seus conteúdos.A Pesquisa de Orçamento Aberto, coor-denada pela IBP, analisa a quantidade deinformações disponíveis em documentos-chave do orçamento que os governosdeveriam emitir durante o ciclo orçamen-tário anual. A pesquisa é desenvolvida combase em questionário, cujas respostas sãocoletadas por parceiros não governa-mentais dos países envolvidos. A média dasrespostas que avalia o acesso público ainformações do orçamento é usada paraconceder o Índice do Orçamento Abertode cada país (IBP, 2011).

Com o propósito de agrupar asrespostas, são atribuídos escores numéricosde 100%, 67%, 33% e 0, de acordo com ositens escolhidos (opções a, b, c ou d, respecti-vamente). As questões com a resposta deletra “e” – não aplicável – não sãocontabilizadas como parte da categoria agru-pada (IBP, 2011). Para mostrar o desempe-nho de um país no índice, aquele que atingeum escore entre 81% e 100% indica queseu “governo disponibiliza uma quantidadeimportante de informações aos cidadãos”.O país com escore de 61% a 80% indicaque o “governo disponibiliza significativainformação aos cidadãos”. O país comescore de 41% a 60% indica que o “governofornece alguma informação aos cidadãos”.O país com escore de 21% a 40% indicaque o “governo disponibiliza informaçõesmínimas aos cidadãos”. Finalmente, o paíscom escore abaixo de 20% indica que o“governo disponibiliza limitada ou nenhumainformação” (IBP, 2011).

Em 2012, a IBP concluiu umapesquisa que objetivou levantar o grau detransparência orçamentária de 100 países,classificando-os segundo a quantidade deinformações contidas em alguns docu-mentos-chave do orçamento que osgovernos deveriam publicar durante o ano.

Quadro 1: Instrumentos de apoio aos produtores rurais e fontes de recursos se-lecionados para avaliação de transparência

Fonte: Elaborado pelo autor.* No Reescalonamento de Dívidas Rurais, foi avaliada de forma agregada a transparência das fontes derecursos, por tipo de subsídio.

Instrumento de Apoio ao Produtor Rural

Crédito Rural – CusteioCrédito Rural – InvestimentoCrédito Rural – PronafPolítica de Apoio à ComercializaçãoReescalonamento de Dívidas

Fontes de Recursos

Recursos ObrigatóriosFundos Constitucionais e BNDES/FinamePoupança RuralTesouro NacionalSubsídios Explícitos e Subsídios Implícitos*

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O Brasil atingiu 73% dos pontos possí-veis, denotando abertura orçamentáriaacima da média – “governo disponibilizasignificativa informação aos cidadãos”(IBP, 2012).

Como se pode verificar, a metodologiautilizada pela IBP privilegia a avaliaçãode transparência de documentos orçamen-tários, ou seja, não capta a concessão debenefícios a grupos específicos, que nãotransitem pelo orçamento. Considerandoque, nesta pesquisa, se lidou também comvárias ações que não transitam pelas leisorçamentárias, utilizou-se apenas a lógicae filosofia da “Pesquisa de OrçamentoAberto” para elaborar quesitos deavaliação e respectivas notas, a fim de con-templar as peculiaridades do universode documentos que foram objeto deverificação.

Outra divergência entre as metodo-logias diz respeito ao entendimento doconceito de informação “disponível parao público”. A IBP considera comopublicamente disponíveis todos os dadosque qualquer cidadão possa obter, mes-mo que para isso seja necessária solicita-ção à autoridade pública emissora dodocumento (IBP, 2011). Nesta pesquisa,por conta do conceito de accountability, quevaloriza a proatividade dos governantesna oferta de dados, adotou-se entendimen-to diverso, atribuiu-se nota máxima ape-nas aos documentos produzidos edisponibilizados ao público amplamentee de maneira detalhada.

A metodologia adotada neste trabalhoconsistiu, portanto, na análise e atribuiçãode “notas” a quesitos considerados impor-tantes para assegurar a transparência e aacessibilidade das informações sobre asprincipais políticas de apoio aos produtoresrurais. Os quesitos de avaliação priorizarametapas importantes do ciclo das políticas

públicas voltadas ao setor agropecuário,levando ainda em conta as peculiaridadesdos instrumentos avaliados.

A seguir, estão relacionados os quesitosde avaliação de transparência, acompanhadosdos critérios que orientaram sua adoção.

• Previsão dos benefícios na lei orçamentáriaanual: a lei orçamentária anual, propostapelo Poder Executivo e apreciada peloPoder Legislativo, é considerada pelaOCDE como o principal documentovoltado à transparência do uso de recursospúblicos (OECD, 2002). Desse modo,qualquer avaliação de transparência de umapolítica deve verificar a inclusão ou nãodos respectivos recursos nessa lei.

• Existência de descritor da ação governa-mental: ao lançar programas e ações voltadosà solução de demandas públicas, o GovernoFederal normalmente utiliza denominaçõesque nem sempre expressam de maneira pre-cisa o conteúdo e o alcance daquela políticapública. As ações governamentais devem serestruturadas de modo a facilitar sua com-preensão até mesmo por pessoas de limi-tado conhecimento técnico no campo dasfinanças públicas (SANCHES, 2004).

• Acompanhamento da execução da despesa:o controle social pressupõe acesso aosdados de execução das despesas públicas,para que seja mais eficaz na identificaçãode fraudes e desvios que possam vir acomprometer o atendimento dos objetivosda política (MATIAS-PEREIRA, 2005).

• Levantamento de séries históricas: infor-mações estruturadas e gerenciais de médioe longo prazo contribuem para avaliaçõesde eficiência e eficácia do gasto público(TORRES, 2004).

• Identificação dos beneficiários: dada aescassez dos recursos públicos, é funda-mental que os cidadãos possam identificaros grupos e setores beneficiados pelaspolíticas de apoio.

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• Aferição de resultados e do cumprimentode metas: última etapa do ciclo da políticapública, a análise dos resultados alcançadosproduz informação necessária à correçãode distorções. A avaliação do gasto poderesultar em alocações mais honestas einteligentes, redundando em maior eficáciadas políticas públicas e das despesasgovernamentais (STIGLITZ, 2002).

O Quadro 2 informa sobre os docu-mentos e os sítios eletrônicos consultadospara avaliação da transparência das políti-cas de apoio aos produtores rurais objetoda pesquisa.

A atribuição de notas avaliou a“geração e disponibilização das infor-mações”, conferindo-se as categorias de0 a 5 a cada quesito e política de apoioanalisada, conforme descrito a seguir.

• (0) Não aplicável: utilizado quando orequisito de avaliação não foi cabível paraaquele tipo de informação.

• (1) Informação não gerada ou não existente:casos em que a informação não foi locali-zada, mesmo mediante consultas aosórgãos responsáveis.

• (2) Informação produzida, mas apenaspara propósitos internos e não disponível para opúblico: casos em que as informações sãomantidas sob sigilo, por alegações técnicasou legais, não sendo disponibilizadas parao público.

• (3) Informação produzida e disponível parao público, mas somente mediante requerimento aórgão público: casos em que as informaçõesexistentes não são publicadas de maneiraproativa, mas apenas mediante requeri-mento de informações.

Quadro 2: Sítios eletrônicos e documentos analisados

Fonte: Elaborado pelo autor.

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• (4) Informação produzida e disponível parao público, mas de forma consolidada: casos emque as informações são publicadas deforma global, sem detalhamentos quepermitam análises e comparações.

• (5) Informação produzida e disponibilizadaao público amplamente e de maneira detalhada:casos em que as informações são publi-cadas proativamente, sem necessidade deapresentação de requerimentos, sendoacessíveis e compreensíveis ao público emgeral.

Após a avaliação de cada item, calcu-lou-se a avaliação geral (média dasavaliações individuais aferidas), transfor-mando-a em percentual da nota máximapossível.

Resultados e Discussão

A Tabela 2 traz as avaliações de trans-parência dos principais instrumentos deapoio aos produtores rurais observadas napesquisa:

Tabela 2: Avaliações de transparência dos principais instrumentos de políticasde apoio aos produtores rurais e respectivas fontes de recursos

Fonte: De Araujo (2012).

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Avaliação da transparência das informações sobre políticas de apoio aos produtores rurais no Brasil

A média dos resultados de avaliaçãoconstantes da Tabela 2 é 3,15, o quecorresponde a 63% da avaliação máxima(5). Esse cálculo teve como principal pro-pósito obter uma visão geral sobre o graude transparência das informações sobrepolíticas de apoio aos produtores rurais.

O resultado é inferior à avaliação atri-buída no Questionário de OrçamentoAberto, aplicado pela IBP em 2012, em queo Brasil atingiu 73% dos pontos possíveis.Cabe ressaltar que a metodologia utilizadana avaliação da IBP apresenta as seguintescaracterísticas que limitam a comparação:os quesitos de avaliação restringem-se àanálise de transparência de documentosorçamentários e o conceito de disponibi-lidade da informação utilizado consideraa pontuação máxima sempre que asinformações sejam fornecidas pelosgovernos, ainda que isso dependa derequerimento.

Não foi objetivo desta pesquisa esta-belecer comparação entre um índice geralde transparência do Governo Federal e umaavaliação específica das informações sobrepolíticas de apoio aos produtores rurais.O escopo da avaliação foi colher elementospara a discussão do modelo de prestaçãode informações governamentais, em facedo referencial teórico de transparênciapública.

Em função disso, considerou-se umuniverso de informações diferente daqueleutilizado pela IBP, uma vez que os bene-fícios concedidos aos produtores ruraisnem sempre transitam pelas leis orçamen-tárias. Esse procedimento é coerente coma metodologia de cálculo do PSE daOCDE, que tem escopo amplo, e captatodas as transferências financeiras relativasa esse segmento econômico específico,ainda que indiretas (OECD, 2010).

Adotou-se, ainda, uma visão de trans-parência que pressupõe uma posturaproativa dos gestores públicos em disponi-bilizar informações de forma detalhada,acessível e compreensível. Esse conceitoestá em sintonia com as características daaccountability descritas na literatura, e quedevem ser adotadas por regimes democrá-ticos que pretendem, de fato, estimular aparticipação da sociedade no controle daspolíticas implementadas pelo Estado(ACKERMAN, 2005; CARLOS et al., 2008; JARDIM,1999; MATIAS-PEREIRA, 2008).

Nesse contexto, considerou-se queuma média de 63% da avaliação máximapossível permite inferir que faltam àspublicações do Governo Federal sobrepolíticas de apoio aos produtores ruraisalgumas características essenciais das prá-ticas de accountability, como: proatividade,acessibilidade e incentivo à participação dasociedade (ACKERMAN, 2005; JARDIM, 1999;MATIAS-PEREIRA, 2008). Tal constataçãoaponta que os cidadãos têm tido seu papellimitado na formatação e avaliação daspolíticas direcionadas ao setor agropecuário,já que as informações relevantes sobre essaquestão são publicadas apenas parcialmentee de maneira consolidada ou, em muitoscasos, não são sequer divulgadas.

Tome-se aqui a avaliação da transpa-rência das informações sobre os subsídiosimplícitos no reescalonamento de dívidasrurais. Verificou-se que nesse item sesituaram as maiores dificuldades paraobtenção de dados. Esse pode ser conside-rado exemplo de uma política hermética,sobre a qual a população pouco conheceem termos de objetivos, desembolsos,beneficiários e resultados obtidos.

Nas avaliações realizadas, também severificou que a identificação dos bene-ficiários das políticas de apoio ao setorrural é uma informação praticamente

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indisponível. Essa política de informaçãodificulta o controle social, entendido comoa participação do cidadão na gestãopública, na fiscalização, no monitora-mento e no controle da administraçãopública. O controle social contribui paraa gestão ao favorecer a boa e correta apli-cação dos recursos e é um mecanismo deprevenção da corrupção que fortalece acidadania (CGU, 2011). Um governo semcontrole social desempenha funçõesreguladoras, extrativas e distributivas, atri-bui a si mesmo o controle do comporta-mento dos cidadãos, arrecada recursos ese considera independente para alocá-los,sem levar em conta critérios como igual-dade, representação, participação e trans-parência (CAMPOS, 1990).

Na própria administração pública, con-tudo, é possível observar experiênciasexitosas em que o desejo de informar,aliado ao desenvolvimento da tecnologiada informação, permite que as entidadespúblicas ofereçam um expressivo conjuntode dados aos cidadãos interessados.Verificou-se que a Conab, por exemplo,disponibiliza informações detalhadas, nasua página eletrônica, sobre as principaispolíticas de comercialização. Naquele sítioeletrônico é possível identificar dados sobreas aquisições do Governo Federal esobre outros instrumentos utilizados paragarantia e sustentação de preços dosprodutos agropecuários.

A estratégia de disponibilização deinformações adotada pela Conab é coe-rente com a diretriz expressa na Lei no

12.527, de 18 de novembro de 2011 (Leide Acesso à Informação), segundo a qualo Governo Federal deve utilizar a internetcomo meio privilegiado de divulgação dedados (BRASIL, 2011).

Cumpre ressaltar, porém, que a utili-zação da internet como principal canal de

comunicação é vista como grandepotencial, mas também como enormedesafio como instrumento de transparênciapública. Diversos autores levantam questio-namentos sobre a capacidade de oscidadãos processarem a infinidade deinformações disponibilizadas (DA SILVA,

2009; TORRES, 2004; MATIAS-PEREIRA, 2010;JARDIM,1999).

A comunicação política do Estado pormeio do ambiente digital não implica oalcance de toda a esfera civil, ou a captaçãoda atenção do cidadão por todo o tempo,pelo fato de haver um portal em atividadena rede. Seria preciso consolidar os sítiosoficiais como fonte de informação públicae comunicação cidadã, tornando essasfontes de dados atraentes ao público emgeral (DA SILVA, 2009). No Brasil, não

“O Brasil,desde aredemocratização,alcançouimportantesavanços no quese refere àtransparência dasações do Estado,tanto nosaspectos legaisquantooperacionais ...”

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obstante os avanços ocorridos desde oprocesso de democratização ocorrido nosanos 1980, com a instalação de sistemasde informações e ampla disponibilidade dedados na internet , há ainda carênciade clareza e integração entre os dados, oque torna praticamente inviável o acessodo cidadão comum aos mesmos (TORRES,2004).

Portanto, a simples disponibilização dedados, sem uma política clara de comunicaçãoe gestão da informação, não contribui para aplena implantação da accountability no processode difusão de informações. Como podemosconstatar, o problema é complexo e de difícilequacionamento, uma vez que a informação,mesmo que esteja disponível, nem sempregarante que o controle social será exercidopelo cidadão, objetivo primordial desse es-forço de transparência empreendido pela ad-ministração pública brasileira (TORRES, 2004).

No caso das políticas de apoio aosprodutores rurais, a análise realizada nestapesquisa indica que, a despeito da boadisponibilidade de dados, o controle socialdesses benefícios pode não estar sendoexercido, em sua plenitude, em função doconhecimento limitado da população sobreas principais políticas, o montante derecursos efetivamente alocado, as fontesutilizadas e os grupos beneficiados.

No sentido de dar maior transparência aessas políticas de apoio, o Governo Federalpoderia adotar os seguintes aperfeiçoamentos:

• disponibilização de todas as infor-mações relevantes para o controle socialno maior número de mídias possível(OECD, 2002);

• oferta proativa de dados, sem neces-sidade de solicitações pelos interessados(ACKERMAN, 2005; JARDIM, 1999; MATIAS-PEREIRA, 2008);

• integração e padronização de bancosde dados (TORRES, 2004);

• melhoria dos instrumentos de avali-ação dos resultados das políticas públicas(STIGLITZ, 2002); e

• aprimoramento da inteligibilidade dasinformações (JARDIM, 1999; MATIAS-PEREIRA,2002; TORRES, 2004).

Conclusões

O Brasil, desde a redemocratização, al-cançou importantes avanços no que se re-fere à transparência das ações do Estado,tanto nos aspectos legais quanto opera-cionais (TORRES, 2004). Nesse período,ampliou-se em quantidade e qualidade oconjunto de informações disponibilizadaspara que a população tenha condições deexercer o controle social. No ranking inter-nacional da transparência, em pesquisaconduzida pela Parceira Internacional deOrçamento (International Budget Patnership –IBP) em 2012, o Brasil alcançou o 12º lu-gar entre 100 países pesquisados, obtendo73% dos pontos possíveis, denotando aber-tura orçamentária acima da média.

No presente trabalho, que utilizoumetodologia elaborada com base no Ques-tionário de Orçamento Aberto desenvol-vido pela IBP, a transparência média dasinformações sobre políticas de apoio aosprodutores rurais foi de 63% da avaliaçãomáxima. Os resultados não são compa-ráveis, pois decorrem de metodologias euniversos de abrangência distintos, mascontribuem para a discussão do modelo deprestação de informações governamentaisem face do referencial teórico de transpa-rência pública.

Verificou-se, na pesquisa realizada,que há uma significativa quantidade dedados à disposição dos cidadãos, mas comum nível de detalhamento e apresentaçãoque pode ser considerado insatisfatóriopara garantir o efetivo controle social das

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ações governamentais. As avaliaçõesrealizadas mostraram que os principaisinstrumentos de política agrícola e as res-pectivas fontes de recursos não dispõemde uma política unificada de divulgaçãode informações. Desse modo, observou-se que dados importantes deixam de serdisponibilizados ou são publicados demaneira dispersa e pouco intuitiva para ocidadão.

Diante dos problemas apontados, oatingimento de um nível de transparência,

na divulgação de informações relacionadasàs políticas de apoio aos produtores ruraisno âmbito do Governo Federal, dependede alguns aprimoramentos para que possaser considerado accountable. As principaismedidas devem ser direcionadas à melhoriana proatividade de disponibilização dasinformações, à clareza dos dados, à inte-gração dos diversos canais e à avaliaçãodos resultados.

(Artigo recebido em junho de 2013. Versão finalem dezembro de 2013).

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Avaliação da transparência das informações sobre políticas de apoio aos produtores rurais no Brasil

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Wellington Pinheiro de Araujo e Mauro Eduardo Del Grossi

Resumo – Resumen – Abstract

Avaliação da transparência das informações sobre políticas de apoio aos produtoresrurais no BrasilWellington Pinheiro de Araujo e Mauro Eduardo Del GrossiA transparência das ações do Estado é fundamental para a democracia e o desenvolvimento

econômico. Este artigo teve como objetivo avaliar o grau de transparência das informaçõessobre políticas de apoio aos produtores rurais no Brasil. Foram selecionadas para análise aspolíticas do Governo Federal que contribuíram com as maiores transferências financeiras para osetor agropecuário nos últimos anos. O Questionário de Orçamento Aberto da InternationalBudget Partnership (IBP) foi utilizado como referência metodológica. Os resultados obtidos apon-tam que a transparência dos principais instrumentos de política agrícola, utilizados atualmenteno Brasil, situa-se em 63% da avaliação máxima possível, enquanto que o índice de transparên-cia orçamentária do governo brasileiro, calculado pela IBP em 2012, ficou em 73%. Os resulta-dos não são diretamente comparáveis, pois decorrem de metodologias e universos de abrangênciadistintos, mas contribuem para a discussão do modelo de prestação de informações governa-mentais em face do referencial teórico de transparência pública.

Palavras-chave: accountability; políticas de apoio ao produtor rural; transparência governa-mental

Evaluación de la transparencia de las informaciones sobre políticas de apoyo a losproductores rurales en BrasilWellington Pinheiro de Araujo y Mauro Eduardo Del GrossiLa transparencia de las acciones del gobierno es fundamental para la democracia y el desarrollo

económico. Este estudio tuvo como objetivo evaluar el grado de transparencia de la informaciónsobre las políticas de apoyo a los agricultores en Brasil. Se seleccionaron para análisis las políti-cas del Gobierno Federal que contribuyeron con las mayores transferencias financieras al sectoragrícola en los últimos años. El Cuestionario de Presupuesto Abierto de la International BudgetPartnership (IBP) se utilizó como marco metodológico. Los resultados indican que la transparenciade los principales instrumentos de política utilizados en la actualidad en Brasil se sitúa en el 63%de la máxima calificación posible, mientras que el índice de transparencia presupuestaria delgobierno brasileño, calculado por el IBP en 2012, se situó en el 73%. Los resultados no sondirectamente comparables, ya que provienen de metodologías y universos de espectros diferen-tes, pero contribuyen para la discusión del modelo que proporciona informaciones del gobiernoen relación con el marco teórico de la transparencia pública.

Palabras clave: responsabilidad; políticas de apoyo a los agricultores; transparenciagubernamental

Measuring the degree of information transparency of policies to support farmers inBrazilWellington Pinheiro de Araujo and Mauro Eduardo Del GrossiThe transparency of state actions is essential for democracy and economic development.

This study aimed to measure the degree of information transparency of policies to supportfarmers in Brazil. Federal Government policies, which contributed to the largest financial transfersto the Brazilian agricultural sector in recent years, were selected for analysis. The Open BudgetQuestionnaire of the International Budget Partnership (IBP) was used as a reference to build

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Avaliação da transparência das informações sobre políticas de apoio aos produtores rurais no Brasil

the methodology applied to this work. The results indicate that the transparency of the mainfarm policy instruments currently used in Brazil stands at 63% of the maximum rating possible,while the Brazilian government budget transparency index, calculated by IBP in 2012, was 73%.The results are not directly comparable because they derive from different methodologies, butcontribute to the discussion of transparency and public information access.

Keywords: accountability; policies to support farmers; government transparency

Wellington Pinheiro de Araujo é mestre em Agronegócios pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em PolíticasPúblicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atua como consultor de Orçamento e Fiscalização Finan-ceira da Câmara dos Deputados. Contato: [email protected]

Mauro Eduardo Del Grossi é doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pro-fessor da Universidade de Brasília (UnB), campus de Planaltina, e integrante do Programa de Pós-Graduação emAgronegócios (Propaga). Contato: [email protected]