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AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: REFLEXÕES ACADÊMICAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO SOCIAL E O COMBATE À FOME 1. Introdução e Temas Transversais 2. Transferência de Renda 3. Assistência Social e Territorialidades 4. Segurança Alimentar e Nutricional 5. Inclusão Produtiva

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avaLIação de PoLÍtICas PÚBLICas:

ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome

1. Introdução e Temas Transversais

2. Transferência de Renda

3. Assistência Social e Territorialidades

4. Segurança Alimentar e Nutricional

5. Inclusão Produtiva

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Presidenta da República Federativa do Brasil

Dilma Rousseff

Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Tereza Campello

Secretário Executivo

Marcelo Cardona

Secretário de Avaliação e Gestão da Informação

Paulo de Martino Jannuzzi

Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

Arnoldo Anacleto de Campos

Secretário Nacional de Renda de Cidadania

Luis Henrique da Silva de Paiva

Secretária Nacional de Assistência Social

Denise Colin

Secretário Extraordinário de Superação da Extrema Pobreza

Tiago Falcão

ExPEDIENTE: ESTA é uMA PuBLICAção TéCNICA DA SECRETARIA DE AvALIAção E GESTão DA INFoRMAção. SECRETÁRIo

DE AvALIAção E GESTão DA INFoRMAção: PAuLo DE MARTINo JANNuzzI; DIREToRA Do DEPARTAMENTo DE AvALIAção:

JúNIA vALéRIA QuIRoGA DA CuNHA; DIREToR Do DEPARTAMENTo DE MoNIToRAMENTo: MARCoNI FERNANDES DE

SouSA; DIREToR Do DEPARTAMENTo DE GESTão DA INFoRMAção: CAIo NAkASHIMA; DIREToRA Do DEPARTAMENTo DE

FoRMAção E DISSEMINAção: PATRICIA AuGuSTA FERREIRA vILAS BoAS.

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Introdução e temas transversaIs

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© Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação.

Este livro apresenta, em cinco volumes, um conjunto de artigos elaborados com base na experiência de construção e resultados do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq n.º 36/2010.

Coordenação Editorial: kátia ozório Equipe de apoio: victor Gomes de Lima, valéria Brito, Roberta Cortizo e Clécio Fernandes Diagramação: Tarcísio Silva e Jonathan Phelipe Bibliotecária: Tatiane Dias Revisão: Alexandro Rodrigues Pinto, Júnia valéria Quiroga da Cunha, Luciana Monteiro vasconcelos Sardinha, Renata Mirandola Bichir, Renato Francisco dos Santos de Paula.

Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o desen-

volvimento social e o combate à fome, v.1: Introdução e temas transversais -- Brasília, DF: MDS; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2014.

277p.

1. Política social, Brasil. 2. Desenvolvimento social, Brasil. 3. Políticas públicas, avaliação, Brasil. I. Secretaria de Avaliação e Gestão da Infor-mação.

CDU 304(81)

FicHatÉcnica

Abril de 2014

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação Esplanada dos Ministérios Bloco A, 3º andar, Sala 340 CEP: 70.054-906 Brasília DF – Telefones (61) 2030-1501 http://www.mds.gov.br

Central de Relacionamento do MDS: 0800-707-2003

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FicHatÉcnica

Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o Desenvol-vimento Social e o Combate à Fome

Organizadores

Júnia valéria Quiroga da Cunha Alexandro Rodrigues Pinto Renata Mirandola Bichir Renato Francisco dos Santos de Paula

Agradecimentos

os organizadores agradecem aos especialistas que se dispuseram a parti-cipar como comentaristas nas oficinas de acompanhamento dos projetos. Gratidão especial também aos pareceristas, que dispuseram de seu tempo e experiência para contribuir com os autores dos artigos seguem lista-dos, respeitando a opção daqueles que não autorizaram a publicação de seu nome.

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Pareceristas

Alberto Albino dos Santos

Alcides Fernando Gussi

Aldaíza Sposati

Alexandro Rodrigues Pinto

Ana Maria Segall Corrêa

Andrea Butto

Antonio Eduardo Rodríguez Ibarra

Bruno Barreto

Carla Cristina Enes

Crispim Moreira

Daniela Sherring Siqueira

Dirce koga

Eduardo Cesar Leão Marques

Eduardo Salomão Condé

Elizabete Ana Bonavigo

Elza Maria Franco Braga

Fabio veras Soares

Fátima valéria Ferreira de Souza

Fernanda Pereira de Paula

Frederico Luiz Barbosa de Melo

Haroldo Torres

Igor da Costa Arsky

Jeni vaitsman

Juliana Picoli Agatte

Júlio César Borges

Júnia valéria Quiroga da Cunha

kyara Michelline França Nascimento

Leonor Maria Pacheco Santos

Letícia Bartholo

Luana Simões Pinheiro

Lucélia Luiz Pereira

Luciana Maria de Moura Ramos

Luís otávio Pires Farias

Luiz Rafael Palmier

Marconi Fernandes de Sousa

Marcos Costa Lima

Mariana Helcias Côrtes

Mariana López Matias

Marina Pereira Novo

Marta Arretche

Marta Battaglia Custódio

Milena Bendazzoli Simões

Neuma Figueiredo de Aguiar

onaur Ruano

Paula Montanger

Paulo de Martino Jannuzzi

Pedro Antônio Bavaresco

Pedro Israel Cabral de Lira

Rafael Guerreiro osorio

Renata Mirandola Bichir

Renato Francisco dos Santos de Paula

Rodrigo Constante Martins

Rômulo Paes de Sousa

Sergei Suarez Dillon Soares

Silvia Maria voci

Simone Amaro dos Santos

Simone de Araújo Góes Assis

Sonia Lucia Lucena Sousa de Andrade

Walquiria Leão Rego

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apResentação

No contexto de complexidade da ação governamental no Brasil, de arranjos fe-

derativos e articulação intersetorial na gestão e operação dos programas sociais,

de volume de recursos e de profissionalização do setor público, as atividades de

levantamento e organização de dados e produção de estudos e pesquisas de ava-

liação são fatores críticos para garantir – potencialmente – maior efetividade à Po-

lítica Social. Informação e conhecimento, sistematizados de forma prática e ope-

racional, atualizados no tempo e referidos nos domínios territoriais adequados

e com escopo abrangente e multidisciplinar constituem-se em insumos básicos

para a tomada de decisão técnico-política em qualquer momento do ciclo de vida

ou maturação de uma política ou programa social. Dados, indicadores, estudos e

pesquisas de campo são fundamentais no levantamento de evidências empíricas

na formulação de uma estratégia de superação ou mitigação de uma problemática

social específica, no planejamento de um arranjo operativo que permita colocá-

-la em ação, na coordenação de um conjunto escolhido de agentes públicos, de

instituições privadas ou do terceiro setor, no monitoramento das atividades plane-

jadas, e, enfim, na avaliação dos resultados e esforços empreendidos.

No Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a produção de

informação e conhecimento para aprimoramento do desenho e gestão de políti-

cas e programas tem sido uma atividade permanente desde sua criação em 2004,

com a instituição de uma unidade de monitoramento e avaliação com status de

Secretaria Nacional: a Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI). Em

parceria com as secretarias finalísticas deste Ministério, a SAGI tem produzido um

conjunto considerável de pesquisas e estudos avaliativos que contribuem para

conhecer melhor os diversos públicos-alvo das políticas de desenvolvimento so-

cial, os desafios da implementação dos programas, os resultados e impactos dos

serviços e ações.

Este livro é, nesse sentido, mais uma contribuição para Avaliação de Políticas e

Programas do MDS. Mais especificamente, trata-se de uma publicação, organiza-

da em cinco volumes temáticos, com estudos produzidos no âmbito de edital de

fomento à pesquisa – Edital nº 36/2010 – do Conselho Nacional de Desenvolvi-

mento Científico e Tecnológico (CNPq) por um conjunto amplo de pesquisadores

de diversas instituições, de norte a sul do País.

Com diferentes perspectivas disciplinares, modelos teórico-conceituais e estraté-

gias de pesquisa, os autores dedicam-se a diferentes temáticas e problemáticas das

políticas e programas do Ministério, trazendo também suas interfaces com outras

políticas sociais em educação, saúde e trabalho. é uma boa amostra da abordagem

multidisciplinar e multi-métodos de produção de estudos avaliativos adotados pela

SAGI em seus dez anos. Neste sentido, é oportuno registrar nessa introdução alguns

princípios epistêmicos, aspectos conceituais e metodológicos sobre o que se enten-

de por Avaliação, e como ela vem se estruturando na Secretaria.

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Avaliação de Políticas Públicas tem recebido as mais diferentes definições na lite-

ratura especializada, segundo os diversos modelos conceituais, paradigmas teóri-

cos e linhas de pesquisa da Ciência Política, Ciências Sociais, Economia e Adminis-

tração Pública, tomando a avaliação em perspectiva mais geral como componente

integrante da Análise de Políticas Públicas, como instrumento de Sistemas de Mo-

nitoramento e Avaliação de programas governamentais ou, em uma concepção

mais restrita, avaliação como um tipo particular de investigação empírica acerca

de programas e projetos sociais, como as avaliações de impacto experimental

ou quasi-experimental. Em uma definição mais pragmática e aplicada ao campo

da Gestão Pública, Avaliação refere-se ao conjunto de procedimentos técnicos

para produzir informação e conhecimento para desenho ex-ante, implementação

e validação ex-post de programas e projetos sociais, por meio das diferentes abor-

dagens metodológicas da Pesquisa Social, com a finalidade de garantir o cum-

primento dos objetivos dos programas e projetos (eficácia), seus impactos mais

abrangentes em outras dimensões sociais, para além dos públicos-alvo atendidos

(efetividade), e a custos condizentes com a escala e complexidade da intervenção

(eficiência).

Nesta definição, Avaliação não é entendida tão somente como uma investigação

com métodos validados cientificamente para analisar diferentes aspectos sobre

um programa – o que se constituiria em uma investigação de cunho acadêmico –,

mas um levantamento consistente, sistemático e replicável de dados, informações

e conhecimentos para aprimoramento da intervenção programática, versando so-

bre características essenciais do contexto de atuação, os públicos-alvo, o desenho,

os arranjos de implementação, os custos de operação, os resultados de curto pra-

zo, os impactos sociais e de mais longo prazo de um programa. Enfim, na definição

aqui advogada, Avaliação tem o objetivo de produzir evidências, compilar dados

e sistematizar estudos que contribuam para o aperfeiçoamento dos programas e

projetos sociais e a consecução de seus objetivos.

Avaliações que, de fato, têm uso efetivo na intervenção são desenhadas confor-

me as demandas de informação e conhecimento ao longo do ciclo de maturida-

de do programa ou projeto social. Podem ser de natureza diagnóstica – Avaliação

Diagnóstica –, apoiada em fontes de dados já existentes, produzidas pelo IBGE,

nos registros e cadastro públicos dos ministérios, para permitir um rápido dimen-

sionamento e caracterização da questão social a ser objeto de intervenção. Para

a formulação de programa ou projeto de mitigação ou equacionamento da pro-

blemática social identificada, em geral, são necessários novos esforços de levan-

tamentos de campo – para o aprofundamento do diagnóstico das condições de

vida, contexto econômico, restrições ambientais, capacidade de gestão e oferta

de serviços – e de compilação de estudos já realizados na temática, abordando

determinantes da problemática em questão e eventuais programas e projetos já

idealizados, que constituem o que se denomina Avaliação de Desenho. Definidos

os públicos a atender e os arranjos operacionais do programa ou projeto social, é

preciso colocá-lo em ação, realizando as atividades planejadas, acompanhando

sua execução mediante indicadores de gestão e de monitoramento, e identifican-

do problemas na oferta, na regularidade e na qualidade dos serviços por meio de

pesquisas de Avaliação da Implementação.

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Reconhecidos e, tanto quanto possível, sanados os desafios da implementação, as

demandas de informação e conhecimento voltam-se para a Avaliação de Resulta-

dos e Impactos do programa ou projeto social. Trata-se de momento de investiga-

ção mais exaustiva sobre os diversos componentes de uma intervenção, abordan-

do não apenas o cumprimento dos seus objetivos, mas seu desenho, seus arranjos

operacionais, seus impactos sociais mais abrangentes – no tempo e no território

– e sobre a capacidade de inovação e redesenho frente ao contexto dinâmico em

que operam os programas e projetos. Cabe nesse momento avaliar se a interven-

ção programática formulada conseguiu provocar mudanças na realidade social

que a originou, considerando naturalmente a complexidade do seu desenho e dos

arranjos operacionais, além da criticidade da questão social enfrentada. Identificar

o momento adequado de avaliações dessa natureza é um misto de técnica, política

e arte: avaliações precoces podem colocar a perder a legitimidade de um progra-

ma e projeto meritório que ainda não teve tempo de se estruturar; avaliações tar-

dias podem comprometer recursos e esforços que poderiam ser usados de forma

mais eficiente e eficaz na mitigação da problemática social em questão. Enfim, se

o programa e projeto produzem resultados e impactos, é necessário analisar os

custos envolvidos na operacionalização de suas atividades, equipamento e pes-

soal – Avaliação Custo-Efetividade. o custo-efetividade das intervenções, isto é, o

valor gasto para produzir unidades de resultados e impactos em um período de

tempo e território específicos, é certamente uma informação fundamental para

avaliar a sustentabilidade dos programas e projetos no futuro e em outros con-

textos. Ademais tais avaliações, se bem realizadas – com contabilidade precisa de

custos e vetor abrangente de indicadores de resultados – fornecem parâmetros

cruciais para comparar diferentes intervenções sociais e informar gestores nas de-

cisões técnicas e políticas acerca da continuidade, descontinuidade e expansão

de programas e projetos.

Em uma perspectiva metodológica, os esforços de Avaliação podem se estruturar

em quatro tipos de produtos mais gerais, com maior ou menor aderência e espe-

cificidade ao problema social ou intervenção programática desenhada: Estudos

Avaliativos – análises com base em dados secundários ou compilação de artigos

e trabalhos já realizados anteriormente na temática, com maior ou menor abran-

gência; Pesquisas de avaliação – levantamentos primários, quali ou quantitativos,

desenhadas com objetivos de produção de evidências mais específicas necessá-

rias ao aprimoramento da intervenção; Meta-avaliações – recensões sobre estudos

avaliativos, pesquisas e experiências nacionais, subnacionais e internacionais de

programas e projetos implementados; Relatórios-síntese de Avaliação e portais

Web com informação mais sumária, na forma de indicadores em geral, para comu-

nicação mais objetiva acerca de aspectos do diagnóstico, implementação e resul-

tados do programa e projetos.

As pesquisas de campo podem ser mais estruturadas, como as enquetes quanti-

tativas com marco amostral probabilístico – necessárias para produção de indica-

dores de dimensionamento de públicos-alvo ou inferência representativa quan-

to aos resultados dos programas – ou com amostras intencionais – mais rápidas,

menos custosas, mas com limitado poder de generalização dos seus resultados.

Podem ser menos estruturadas, mais exploratórias, de cunho qualitativo, como

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grupos de discussão ou entrevistas em profundidade, dirigidas a usuários e be-

neficiários de programas e projetos, assim como aos gestores e técnicos encar-

regados da operacionalização dos serviços. São especialmente importantes para

identificar questões latentes acerca da implementação dos programas, não ante-

cipados quando de seu desenho. um tipo particular de instrumento estruturado,

as pesquisas com delineamento quasi-experimental – também denominadas de

avaliação de impacto – certamente são importantes instrumentos de avaliação de

programas, mas pelo tempo, recursos e conflitos éticos que estes levantamentos

envolvem, têm uso muito mais dirigido para a análise do mérito e da contribuição

específica das intervenções, para fins de prestação de contas a agentes financia-

dores do programa ou projeto.

Não existe um método ou estratégia “padrão-ouro” para a produção de uma Ava-

liação. o melhor método é o que produz as evidências que respondem de forma

consistente às demandas requeridas, ao tempo de serem utilizadas para decisões

na Gestão Pública. Informação precisa mas produzida a custos e tempo não con-

dizentes com a tempestividade da gestão ou informação rapidamente produzida

mas não consistente nem robusta em termos metodológicos certamente não se

prestam a orientar decisões cruciais acerca dos rumos de um programa ou projeto

social. Perspectiva multidisciplinar de investigação, triangulação de métodos e de

sujeitos entrevistados, esforços combinados de avaliação interna – com gestores

e técnicos que conhecem os problemas e as atividades do programa e projeto – e

de avaliação externa – com pesquisadores especializados e apoio de equipe de

campo – é que garantem a credibilidade e robustez necessárias ao aprimoramento

da gestão e do desenho das intervenções programáticas.

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Por fim, mas não menos importante: a efetividade das Avaliações não pode ser

medida pelo número de sugestões e recomendações aportadas nas pesquisas e

estudos avaliativos nos programas e projetos. Avaliações produzem informação e

conhecimento que, desde que devidamente estruturados e disseminados, podem

e devem ser usados para interferir cotidianamente na ação do gestor estratégico

e do técnico na ponta, cujo registro formal é difícil de realizar. Ademais, e fun-

damentalmente, programas e projetos sociais são empreendimentos complexos,

seja em termos de contexto político-institucional e escala, seja em arranjos de

implementação e pessoal técnico envolvido. A introdução de inovações, redese-

nho de processos, descontinuidade de atividades, contratação de novos agentes

e serviços – típicas recomendações derivadas de avaliações de implementação

− cumprem um calendário que deve compatibilizar a agenda de prioridades de

correção de problemas com as janelas de oportunidades de mudanças, sem o risco

de interrupção das atividades para os públicos atendidos.

os estudos resultantes do referido edital do CNPq aqui compilados – assim como

outros produzidos por consultores, empresas contratadas ou pela equipe SAGI

– guardam similitude com algumas das tipologias e classificações aqui apresen-

tadas. Mas o mais importante é a contribuição substantiva que aportam para o

debate sobre as políticas e programas do Ministério.

A SAGI agradece o empenho dos pesquisadores, a participação dos técnicos e ges-

tores do MDS que se envolveram ao longo da execução dos projetos, e a compe-

tência do Departamento de Avaliação na condução de todo o processo de gestão

do Edital, que culminou com a organização dessa relevante publicação.

Boa leitura!

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sUmÁRio

MoNIToRAMENTo E AvALIAção DE PRoGRAMAS: uMA

CoMPILAção CoNCEITuAL E METoDoLÓGICA PARA

oRIENTAR A PRoDução DE CoNHECIMENTo APLICADo

PARA APRIMoRAMENTo DA GESTão PúBLICA

Paulo de Martino Jannuzzi

A PESQuISA APLICADA ÀS PoLÍTICAS PúBLICAS E A PoSSI-

BILIDADE DE CoNSTRução DE uMA AGENDA ESTRATéGI-

CA DE AvALIAção ENTRE ACADEMIA E GovERNoJúnia QuirogaAlexandro Rodrigues PintoRenata Mirandola BichirRenato Francisco dos Santos de Paula

EDITAL Nº 36/2010: o DESAFIoMariomar AlmeidaRenata Gracioso BorgesMarcelo Gonçalves valleRoberto Camargos AntunesJosiane B. Santos

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PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA: PERSPECTIvAS A PARTIR Do oLHAR DE GÊNERo E

DA DIvERSIDADE SoCIoCuLTuRAL DE PovoS E CoMuNIDADES TRADICIoNAISMarcelo Cardona RochaTeresa Sacchet kátia Favilla

1. PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA: uMA ANÁLISE DoS ASPECToS SoCIoDEMo-

GRÁFICoS E DAS RoTINAS DE CRIANçAS NoS CoNTExToS uRBANo E RIBEIRI-

NHo AMAzÔNICo

2. o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E AS RELAçÕES DE GÊNERo E GERAção

NA AGRICuLTuRA FAMILIAR Do SEMIÁRIDo Do NoRDESTE

3. o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA NA voz DAS PESCADoRAS ARTESANAIS Do

LIToRAL DE PERNAMBuCo.

4. ESTRATéGIAS DE ENFRENTAMENTo DA FoME E CoNSTRuçÕES DE GÊ-

NERo: o CoTIDIANo DAS QuEBRADEIRAS DE CoCo BABAçu DA REGIão DoS

CoCAIS- MA

5. SEGuRANçA ALIMENTAR E ACESSo AoS PRoGRAMAS DE DESENvoL-

vIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME DE CoMuNIDADES QuILoMBoLAS Do

ESTADo Do RIo GRANDE Do SuL.

6. Do PoNTo DE vISTA DAS CRIANçAS: uMA AvALIAção Do PRoGRAMA

BoLSA FAMÍLIA

7. o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o ACESSo À EDuCAção ESCoLAR EM

CoMuNIDADES INDÍGENAS kAINGANG E GuARANI No PARANÁ

8. MuLHER E TRABALHo No PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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264

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temas tRansveRsais

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monitoRamento e avaliação de PROGRAMAS: UMA COMPILAÇÃO CONCEITUAL E METODOLÓGICA PARA ORIENTAR A PRODUÇÃO de conHecimento aplicado paRa APRIMORAMENTO DA GESTÃO PÚBLICA1

Paulo de Martino Jannuzzi2

1 ESTE TExTo é vERSão REvISADA DE ouTRo PRoDuzIDo CoMo MATERIAL DE REFERÊNCIA BÁSICA PARA

CuRSoS DE AvALIAção DE PRoGRAMAS SoCIAIS DA ESCoLA IBERoAMERICANA DE ADMINISTRAção E PoLÍTICAS PúBLICAS,

oFERECIDoS NA ESCoLA NACIoNAL DE PoLÍTICAS PúBLICAS DESDE 2009, PuBLICADo EM DuAS PARTES (JANNuzzI

2011A E 2011B). A REPRoDução DoS MESMoS DE FoRMA INTEGRADA E REvISADA NESSA CoLETâNEA JuSTIFICA-SE PELA

oPoRTuNIDADE DE DISSEMINAR uMA CoMPILAção úTIL DE ASPECToS HISTÓRICoS, CoNCEITuAIS E METoDoLÓGICoS

ACERCA DE MoNIToRAMENTo E AvALIAção DE PRoGRAMAS No PAÍS JuNTo À CoMuNIDADE ACADÊMICA BRASILEIRA,

INCITADA A PARTICIPAR MAIS DIRETAMENTE DA PRoDução DE CoNHECIMENTo PARA AS PoLÍTICAS E PRoGRAMAS Do

MINISTéRIo DE DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME, PELoS EDITAIS DE FoMENTo À PESQuISA Do CNPQ.

2 PRoFESSoR DA ESCoLA NACIoNAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS Do INSTITuTo BRASILEIRo DE GEoGRAFIA

E ESTATÍSTICA, PESQuISADoR Do CNPQ No PRoJETo PQ “INFoRMAção ESTATÍSTICA E SISTEMAS DE MoNIToRAMENTo

E AvALIAção DE PoLÍTICAS E PRoGRAMAS SoCIAIS No BRASIL E AMéRICA LATINA”. ATuALMENTE ExERCE A FuNção DE

SECRETÁRIo DE AvALIAção E GESTão DA INFoRMAção (SAGI) Do MINISTéRIo DE DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE

À FoME (MDS).

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intRodUção

A crescente atuação do Estado Brasileiro na promoção de políticas sociais, em es-

pecial a partir da Constituição Federal de 1988, tem sido acompanhada, com algu-

ma defasagem, pelo aprimoramento da capacidade de formulação e avaliação de

programas públicos no país. De modo geral, os estudos de avaliação de demandas

sociais, os diagnósticos propositivos para intervenções específicas, os sistemas de

indicadores de monitoramento e as pesquisas de avaliação de programas vêm se

tornando mais consistentes e presentes no cotidiano dos gestores públicos, ainda

que em um ritmo menos veloz que o necessário e de forma bastante desigual

pelas esferas de governo e regiões do país. Em que pesem os avanços na capaci-

dade de gestão de programas, ainda são expressivos os contrastes que se podem

observar, por exemplo, no acompanhamento dos programas nas áreas da saúde

e da qualificação profissional, ou entre equipes de gestores do governo federal e

técnicos de prefeituras de pequenos municípios no interior do país.

Há mesmo quem diga – nos círculos acadêmicos e nas diferentes esferas da admi-

nistração pública – que não é por falta de estudos, diagnósticos e indicadores que

os programas sociais não conseguem alcançar os resultados e impactos esperados

no Brasil. Afinal, é fato que centros de pesquisa, universidades, empresas de con-

sultoria e equipes de técnicos do setor público têm produzido, de forma sistemá-

tica ou por meio de projetos contratados, um amplo conjunto de trabalhos, artigos

e estudos sobre diferentes aspectos da realidade social, referidos direta ou indire-

tamente ao contexto de operação dos vários programas públicos. Entretanto tam-

bém é verdade que muitos desses trabalhos, mesmo os contratados para subsidiar

a formulação de programas específicos, acabam se revelando como diagnósticos

descritivos bastante gerais, aplicáveis a diferentes programas sociais, com contri-

buições certamente relevantes, mas desprovidas de informações mais particulares

e “customizadas” para formatação de ações públicas mais dirigidas, no grau que se

requer atualmente. Nos diagnósticos contratados pelo setor público, contribuem

para isso, sem dúvida, as imprecisões ou lacunas dos termos de referência – que

espelham, muitas vezes, a falta de clareza dos objetivos e natureza do programa

público a ser implementado, fato decorrente, por sua vez, das deficiências de for-

mação do gestor público – e a exiguidade de tempo e recursos para realização

de levantamentos de campo específicos. Nesse contexto, acabam se justificando

estudos diagnósticos mais gerais, baseados em trabalhos anteriores e em fontes

de dados e pesquisas já disponíveis.

Também é preciso reconhecer as limitações das pesquisas de avaliação de pro-

gramas públicos como fontes de informação para readequação dos programas

existentes ou proposição de novos. Nas avaliações de impacto, as constatações

empíricas acerca da efetividade dos programas são, não raras vezes, ambíguas ou

pouco consistentes. Nos casos em que se adotam delineamentos metodológicos

quasi-experimentais, as condições para garantir a validade interna dos estudos

acabam por inviabilizar a apropriação e a generalização dos resultados para ava-

liações mais abrangentes dos programas3.

3 WoRTHERN ET AL., 2004.

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vários estudos avaliativos focados no processo de implementação dos programas

acabam tendo baixo poder de generalização devido às lacunas de conhecimento so-

bre as atividades desenvolvidas e o papel dos agentes institucionais envolvidos nos

programas, seja pelas limitações ou inexistência de sistemas de informações de mo-

nitoramento, seja pelas decisões metodológicas quanto às técnicas, amostras e aos

casos investigados, muitas vezes escolhidos mais em função dos prazos e recursos

disponíveis do que pelas perguntas as quais se quer responder. Avaliações voltadas

à análise da consistência teórica e do desenho lógico de programas – que poderiam

gerar conhecimento mais generalizável na área – são menos frequentes ou, pelo

menos, menos conhecidas do que outros tipos de estudos avaliativos no país.

Enfim, em que pesem os avanços na área, é preciso reconhecer que a insatisfação

com esses estudos ainda é mais frequente do que o desejável. Como já revelava

Cotta há mais de dez anos:

As metodologias de avaliação de programas sociais têm sido objeto de severas críticas. Basicamente, afirma-se que, na prática, as avaliações não subsidiam o processo decisório porque seus resultados são inconclusivos, inoportunos e irrelevantes. Inconclusivos em função das próprias limitações deste tipo de estudo, inoportunos devido à morosidade do processo avaliativo e irrelevantes porque não respondem às demandas informacionais de todos os agentes sociais afetos à intervenção.4

Situação semelhante parece ter passado os Estados unidos (EuA) nos anos 1970, a

julgar pelo relatório do General Accounting office, que, mobilizado por demanda do

Senado americano em 1974, constatou que as informações das pesquisas sociais e

estudos avaliativos financiados com recursos públicos não contribuíam para o de-

senho das políticas públicas, pela dispersão e fragmentação de temas investigados,

falta de coordenação e orientação do que era de interesse governamental investigar,

dificuldade de acesso e compreensão dos relatórios de pesquisas.5

Mesmo mais recentemente têm-se constatado limitações e problemas nos estu-

dos avaliativos de programas públicos nos EuA, às vezes com desdobramentos até

piores que os descritos por Cotta. De fato, como colocam Worthern et al. :

De vez em quando, uma “avaliação” mal concebida ou mal executada produz informações que, no melhor dos casos, seriam enganosas e, no pior, absolutamente falsas. Embora essas ocorrências sejam raras, podem causar problemas graves. Como geralmente tem ar de respeitabilidade, essas avaliações não costumam ser questionadas, e o resultado é que decisões importantes sobre programas e serviços essenciais baseiam-se inadvertidamente em informações falaciosas.6

4 CoTTA, 1998, P.118.

5 GAo, 1977.

6 WoRTHERN ET AL., 2004, P.44.

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Conspiram para a conformação de tais problemas, entre tantos fatores, a crença

desmesurada na capacidade de antecipação e implementação de programas por

parte de técnicos de alto escalão que, ao não incorporar a contribuição de agentes

envolvidos no trabalho, acabam por desenhar processos e rotinas que descon-

sideram as distintas realidades de operação dos programas. Esse tecnocratismo

ingênuo invariavelmente se esquece das dificuldades de articulação e colabora-

ção dos três níveis de governo ou de pastas sociais em uma mesma esfera e das

diferenças de capacidade de gestão e controle social país afora. Tão ou mais grave,

também desconsidera, na formulação dos programas, a heterogeneidade socioe-

conômica da população demandante, considerando-a como único público-alvo,

para o qual se deve disponibilizar um mesmo conjunto de serviços, de Norte a Sul,

do centro à periferia das cidades. Assim, com problemas nas fases iniciais do ciclo

de gestão de programas – no reconhecimento das questões sociais e no desenho

das intervenções idealizadas para mitigá-los – não se poderiam esperar resulta-

dos, de fato, impactantes.

Desconhecimento sobre o estágio de avaliabilidade dos programas é outro fator a

minar a credibilidade dos instrumentos de monitoramento e avaliação. A prematu-

ridade na encomenda de estudos avaliativos de resultados e impactos, quando se

sabe que o programa ainda se encontra em fase de implantação ou com problemas

de gestão; e a antecipação de avaliações externas, com natureza mais de auditoria

em detrimento de avaliações de caráter mais formativo, conduzidas internamente

e voltadas ao aprimoramento incremental do programa constituem-se problemas

mais frequentes do que se poderia esperar. São aportados volumes significativos

de recursos em pesquisas de avaliação, procurando garantir representatividade

amostral de resultados em nível nacional, esquecendo-se de estruturar painéis

ou sistemas de indicadores de monitoramento que – com todas as limitações de

cobertura, mas com a tempestividade devida – permitiriam identificar boa parte

dos problemas em tempo de serem corrigidos.

De fato, um dos achados sistemáticos das avaliações de programas realizadas pelo

Tribunal de Contas da união é a inexistência de sistemas de informação para o

acompanhamento das atividades dos programas. é ilustrativa, nesse sentido, a

constatação, reproduzida a seguir, acerca da avaliação do Programa Nacional Bi-

blioteca na Escola (PNBE), operado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Es-

colar (FNDE) do Ministério da Educação (MEC), com objetivo de distribuir acervo de

livros para formação de bibliotecas nas escolas.

o trabalho constatou que o FNDE tem mostrado grande eficácia operacional na distribuição dos acervos do Programa para as escolas beneficiadas. Foram atendidas 20 mil escolas em 1998 e 36 mil em 1999, com previsão de atendimento de 139 mil escolas em 2002.

Todavia, também se verificou que o PNBE não tem atividades de monitoramento e avaliação bem estruturadas. o MEC não dispõe de informações que permitam conhecer o nível de utilização dos acervos, bem como os problemas que podem estar afetando a efetividade do uso dos livros no desenvolvimento

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escolar dos alunos nas escolas beneficiadas. Tal fato é mais preocupante justamente no momento em que aumenta a escala de atendimento do Programa. (TCu, 2002, p.10).

Para isso contribui o estágio do conhecimento do campo aplicado de monitora-

mento e avaliação de programas no Brasil. Enquanto nos EuA e em países euro-

peus desenvolvidos a cultura de avaliação de programas já se encontra em estágio

maduro, depois de mais de três ou quatro décadas de desenvolvimento, com mar-

cos conceituais abrangentes e testados, com profissionais de formação multidisci-

plinar e com instituições especializadas, no Brasil, a institucionalização do campo

é bem mais recente.

Como comentam Worthern et al.7, a cultura de monitoramento e avaliação de

programas nos Estados unidos – assim como os instrumentos de planejamento e

programação orçamentária – começou a se fortalecer nos anos 1960 no Governo

Lyndon Johnson, quando da estruturação de vários programas sociais em nível

federal, no contexto do que se denominou Great Society, e da necessidade, por-

tanto, de garantir melhor gestão dos programas públicos naquele país. Rossi et al.8

identificam esforços sistemáticos em avaliação de programas sociais norte-ameri-

canos, já a partir da década de 1930, como desdobramento do papel crescente do

Estado americano no financiamento de serviços sociais (respondendo aos efeitos

da crise de 1929). A avaliação de programas, que se concentrava, inicialmente,

nas áreas de educação (sobretudo na investigação de programas de alfabetiza-

ção), de saúde pública (nas ações de combate à mortalidade por doenças infecto-

-parasitárias) e de qualificação profissional, passa, no pós-guerra, a abranger áreas

como prevenção da violência juvenil, planejamento familiar, nutrição, programas

habitacionais, desenvolvimento rural.

No entanto, nos anos 1960, o campo da avaliação de programas passa por uma alta

repentina e significativa, com a já mencionada ampliação dos programas sociais, e

também, como lembram Rossi et al.9, com o avanço e a disseminação das técnicas

aplicadas da pesquisa social, desenvolvidas nas universidades americanas.

Ao contrário do que se poderia imaginar, nas décadas seguintes, a ênfase na

desregulamentação e descentralização da prestação de serviços públicos e no

questionamento sobre a pertinência e o tamanho dos programas sociais nos go-

vernos republicanos conservadores, que assumiram o poder mais tarde, acabou

por valorizar a prática da avaliação, ao disseminar a cultura de monitoramento

e avaliação para governos estaduais, municipais e organizações não governa-

mentais. Afinal, mesmo um “estado regulador” requer instrumentos de medi-

ção de resultados para acompanhar a prestação dos serviços financiados com

recursos públicos, até para justificar, com alguma base técnica e transparência,

a descontinuidade de programas sociais “ineficazes” e redirecionar os gastos

para outras áreas (como para as despesas militares da Guerra do vietnã, no go-

verno Nixon, e para defesa militar no Governo Reagan). Respondendo a essas

7 WoRTHERN ET AL., 2004.

8 RoSSI ET AL., 2004.

9 RoSSI ET AL., 2004.

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demandas, comentam os autores que, nos anos 1970, são estruturados cursos

de pós-graduação, de natureza disciplinar e, mais tarde, multidisciplinar, com

forte ênfase em técnicas de pesquisa (quantitativas e qualitativas), abrindo a

possibilidade para criação de uma comunidade profissional de avaliadores.10

A avaliação de programas deixaria de ser preocupação apenas de cientistas so-

ciais, em temas de pesquisas acadêmicas nas universidades, ganhando projeção

e interesse na comunidade de gestores públicos como ferramenta para aprimora-

mento dos serviços públicos. Essa mudança qualitativa da produção e apropriação

de conhecimentos na área – que parece se processar neste momento no Brasil – é

muito bem registrada pela seguinte passagem de Rossi et al.:11

In its early years, evaluation was shaped mainly by the interests of social researchers. In later stages, however, the consumers of evatuation research exercised a significant influence on the filed. Evaluation in now sustained primarily by funding from policymakers, program planners, and administrators who use the findings and by the interests of general public and the clients of the programs evaluated. Evaluation results may not make front-page headlines, but they are often matters of intense concern to informed citizens, program sponsors, and decisionmakers, and those whose lives are affected, directly or indirectly, by the programs at issue.

No caso brasileiro, atualmente, parte significativa da avaliação de programas pú-

blicos tem sido realizada por equipes de centros de pesquisa e universidades,

com boa experiência em análise de macropolíticas, conjuntura social ou projetos

de pesquisa acadêmicos, mas, em geral, sem experiência na implementação real

de programas e sem reunir o conhecimento multidisciplinar requerido para a abor-

dagem dos problemas complexos em que os programas procuram atuar.12 Não há

10 vIDE, PoR ExEMPLo, AS PuBLICAçÕES, EvENToS E SITES DAS ASSoCIAçÕES PRoFISSIoNAIS ou ACADÊMICAS DE

AvALIAção NESSES PAÍSES, ENTRE oS QuAIS: AMERICAN EvALuATIoN ASSoCIATIoN (WWW.EvAL.oRG); CANADIAN EvALuATIoN

SoCIETy (WWW.EvALuATIoNCANADA.CA); EuRoPEAN EvALuATIoN SoCIETy (WWW.EuRoPEANEvALuATIoN.oRG); E SoCIETé

FRANçAISE D’EvALuATIoN (WWW.AFE.ASSo.FR).

11 RoSSI ET AL., 2004, P.9.

12 DE FATo, No BRASIL, oS TRABALHoS DE AvALIAção DE PRoGRAMAS PúBLICoS E SEuS AuToRES ENCoNTRAM-SE

DISPERSoS PELAS PRINCIPAIS ASSoCIAçÕES CIENTÍFICAS DISCIPLINARES, TAIS CoMo: ANPAD (ADMINISTRAção E ADMINISTRAção

PúBLICA); ANPEC (ECoNoMIA); ANPoCS (CIÊNCIAS SoCIAIS); ANPED (EDuCAção); ABEP (ESTuDoS PoPuLACIoNAIS); ABET (ESTuDoS Do

TRABALHo); ABRASCo (SAúDE CoLETIvA). vALE DESTACAR ALGuNS DoS PRINCIPAIS PERIÓDICoS EM QuE SE PoDE ENCoNTRAR ESTuDoS

AvALIATIvoS: REvISTA Do SERvIço PúBLICo; REvISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SoCIAIS; REvISTA DE ADMINISTRAção PúBLICA; REvISTA

São PAuLo EM PERSPECTIvA; TExToS DE DISCuSSão (IPEA); PLANEJAMENTo E PoLÍTICAS PúBLICAS; PESQuISA DE PLANEJAMENTo

ECoNÔMICo; TExTo DE DISCuSSão ENCE, ENTRE ouTRoS (ALGuNS DESSES PERIÓDICoS ESTão DISPoNÍvEIS No PoRTAL WWW.SCIELo.

BR. A PARTIR DoS ANoS 2000, FoRAM CRIADoS ESPAçoS MAIS MuLTIDISCIPLINARES PARA DISCuSSão E APRESENTAção DE ESTuDoS

DE AvALIAção DE PoLÍTICAS PúBLICAS, ENTRE ELES A ASSoCIAção BRASILEIRA DE AvALIAção EDuCACIoNAL (WWW.ABAvE.oRG.BR); A

REDE BRASILEIRA DE MoNIToRAMENTo E AvALIAção (HTTP://REDEBRASILEIRADEMEA.NING.CoM); o PoRTAL PoLÍTICAS PúBLICAS EM

FoCo (WWW.BoLETIM-FuNDAP.CEBRAP.oRG.BR), MANTIDo PELA FuNDAP E CEBRAP; o SÍTIo Do TRIBuNAL DE CoNTAS DA uNIão (WWW.

TCu.Gov.BR) E DA CoNTRoLADoRIA-GERAL DA uNIão (WWW.CGu.Gov.BR ), ALéM DoS FÓRuNS CRIADoS PELoS PRoGRAMAS DE PÓS-

GRADuAção LATo E STRICTo SENSu, ACADÊMICoS E PRoFISSIoNAIS, E DAS LINHAS DE PESQuISA NESSE SENTIDo EM PRoGRAMAS DE

PÓS-GRADuAção EM ADMINISTRAção PúBLICA, ECoNoMIA SoCIAL, SAúDE CoLETIvA, DIREITo ETC.

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dúvidas de que, em geral, essas avaliações de programas contam com equipes

competentes no emprego das boas práticas da pesquisa social e no uso rigoroso

de técnicas quantitativas e qualitativas de coleta e análise de dados. Como nas

pesquisas acadêmicas, é fundamental garantir o rigor metodológico nos estudos

avaliativos, para permitir conhecimento mais circunstanciado dos problemas, as

soluções idealizadas para mitigá-los e para conferir legitimidade técnica-científica

na avaliação da ação governamental. Mas, como já alertado em um dos primeiros

manuais abrangentes de avaliação de programas no início dos anos 1970, progra-

mas sociais são “objetos de pesquisa” inerentemente difíceis de serem tratados,

pelo ambiente muitas vezes inóspito e pouco colaborativo, pelo contexto político

menos ou mais favorável, pela natureza fugidia das perguntas e questões que o

avaliador deve responder, pela menor ou maior disponibilidade de dados, pelo

tempo e recursos disponíveis para conduzir análises mais consistentes.13 Em ma-

nuais mais recentes, como os já citados de Worthern et al. e Rossi et.al., recomen-

da-se que os estudos avaliativos sejam realizados por pesquisadores com conhe-

cimento técnico e metodológico apropriado à temática em questão, mas também

com experiência empírica anterior e, sobretudo, com desprendimento para inovar

e improvisar nas diversas circunstâncias e dificuldades que insistem em aparecer

no cotidiano prático da área. Não é incomum, pois, que estudos avaliativos realiza-

dos por “puristas metodológicos” cheguem a resultados já conhecidos do gestor

de programas, ou concluam – com ingênua assertividade – acerca da necessidade

de descontinuidade do programa avaliado, pela suposta baixa efetividade apura-

da, segundo suas escolhas metodológicas sobre o que investigar e como fazê-lo.

Essas considerações iniciais – um tanto extensas, mas necessárias para contex-

tualização e justificativa da discussão aqui pretendida – procuram situar o qua-

dro de deficiência de sistemas de monitoramento para acompanhar as ações e os

programas governamentais no Brasil e os frequentes problemas de especificação

de pesquisas de avaliação desses programas na gestão pública no país. Não é

tão comum encontrar, nos gabinetes e escritórios de gestores e técnicos do setor

público, especialmente em nível estadual e dos grandes municípios, sistemas de

monitoramento que permitam acompanhar, por meio de um conjunto consistente

e atualizado de indicadores, a ação governamental, desde a alocação do gasto

público ao impacto junto aos públicos beneficiários. Muitos são os exemplos de

pesquisas de avaliação que, mesmo motivadas por preocupação legítima e meri-

tória com a eficácia e efetividade do gasto público, revelam, infelizmente, resul-

tados triviais, metodologicamente questionáveis ou com baixa apropriação para

reformulação dos programas.

Este texto procura trazer alguma contribuição de natureza conceitual e metodoló-

gica para ajudar a “debelar os males” apontados anteriormente; isto é, para auxiliar

na estruturação de sistemas de monitoramento e na especificação de pesquisas

de avaliação que realmente se prestem ao objetivo de permitir o acompanhamen-

to contínuo e o efetivo aprimoramento da ação governamental e, portanto, da ges-

tão de programas.

13 WEISS, 1972.

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Inicia-se com uma exposição do Ciclo de Formulação e Avaliação de Políticas Pú-

blicas e Programas, para em seguida discutir como os sistemas de indicadores de

monitoramento e as pesquisas de avaliação podem e devem se integrar naquele.

Esse caminho escolhido parte da hipótese de que as dificuldades apontadas no

monitoramento e avaliação de programas no Brasil – e as frustrações daí decor-

rentes – são consequência, em boa medida, de desenvolvê-los seguindo modelos

e prescrições muito particulares e padronizados, sem a devida “customização” que

deveriam ter em função do estágio de maturidade dos programas – ou do momen-

to do “ciclo de vida” em que eles se encontram –, ou, ainda, de conduzi-los sem

uma análise prévia do grau de avaliabilidade dos programas e sem uma compre-

ensão de que essas atividades se integram a processos mais amplos, igualmente

importantes, da gestão de programas.

Forçando um pouco o argumento para torná-lo mais claro – ainda que em prejuízo

do reconhecimento do esforço meritório e do trabalho competente observado em

diversos setores da administração pública brasileira –, o fato é que as lacunas de

formação e o pouco domínio de conceitos e técnicas no campo de monitoramento

e avaliação, na comunidade de gestores, acabam trazendo problemas na especifi-

cação dos instrumentos de monitoramento e avaliação das ações governamentais.

Isso leva às conhecidas frustrações com resultados tão ansiosamente esperados e

aos questionamentos sobre a utilidade dos estudos.

Explicitando melhor a motivação para elaboração desse texto – agora sob o risco

de simplificar demais a natureza e minimizar o alcance dos estudos avaliativos

conduzidos por colegas pesquisadores nas universidades e centros de pesquisa

no país –, a abordagem marcadamente disciplinar da pesquisa aplicada no campo,

a sobrevalorização de algumas abordagens e modelos específicos de avaliação, o

desconhecimento do contexto de operação da ação pública e da forma com que

os resultados dos estudos podem ser usados mais efetivamente pelos gestores

são elementos que também contribuem para conformação de tal quadro. Este tex-

to procura, assim, em uma perspectiva modesta em substância, mas comprometida

em seu sentido público, colaborar para a melhoria na especificação da demanda

de instrumentos de monitoramento e pesquisa de avaliação por parte da comuni-

dade de gestores públicos e na estruturação dos serviços a serem oferecidos pela

comunidade de pesquisadores acadêmicos e profissionais.

Antes de passar a uma explicação mais detalhada de cada etapa desse ciclo, vale

formalizar dois termos citados correntemente no texto – políticas públicas e pro-

gramas. Isso é importante para circunstanciar os limites do campo de diálogo es-

tabelecido neste texto, já que avaliação de políticas públicas e avaliação de pro-

gramas públicos são termos muito imbricados, mas referem-se a contextos muito

diferentes (em amplitude) da análise da intervenção estatal.

Evitando entrar em uma discussão muito extensa sobre os diferentes significados

do termo – sistematizados em villanueva14 – política pública é, na definição de

Nascimento15, o conjunto de decisões tomadas por aqueles que detêm competên-

14 vILLANuEvA, 2006.

15 NASCIMENTo, 1991.

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cia legal para deliberar em nome da coletividade – as instituições de Estado – vi-

sando à solução de um problema ou ao redirecionamento de uma tendência, com

a intenção de orientar sua evolução para um fim estabelecido como o desejável.

Como esclarece Saravia, em

[...] uma perspectiva mais operacional, poderíamos dizer que ela [a política pública] é um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos.16

As decisões que conformam tal política pública – distributiva, redistributiva ou

regulatória, universal ou focalizada – assumem diferentes formatos: podem ser

enunciados de diretrizes estratégicas de governo, leis e decretos normativos,

que especificam de forma mais clara e operacional tais diretrizes, a criação de

organizações ou programas que vão conferir operacionalidade às diretrizes, leis

e normas.17

o programa público é, pois, um dos instrumentos operacionais das políticas pú-

blicas. Mais especificamente, trata-se de um conjunto sistêmico de ações pro-

gramadas e articuladas entre si, com objetivo de atender uma demanda pública

específica, encampada na agenda de prioridades do Estado ou governo quanto a

essas políticas. Assim, um programa social é um conjunto de atividades direcio-

nadas para solucionar um problema vivenciado pela sociedade, em seu conjunto

ou por grupos.18

Avaliação de políticas públicas, ou melhor, análise de políticas públicas, termo

preferido por owen19, é, pois, uma atividade muito mais ampla que a avaliação de

programas. Trata do contexto político-social de surgimento da política, dos ato-

res participantes. volta-se mais ao esclarecimento de seu processo de construção

do que da recomendação prática de como aprimorá-la, constituindo, na realida-

de, um campo de investigação mais propriamente acadêmico que a perspectiva

técnica-profissional em que se realiza a avaliação de programas. vale observar

que há Programas, inclusive, com escopo temático e escala de operação muito

mais abrangente que o usual, revelando-se mais como um guarda-chuva de outros

programas mais específicos. outros podem ser projetos de curto alcance, ou ativi-

dades que visam à produção de um produto ou serviço finalístico ou da área-meio.

A discussão aqui empreendida é suficientemente ampla para contemplar essas

modalidades.

16 SARAvIA, 2006, P.29.

17 vILLANuEvA, 2006.

18 RoSSI ET AL., 2004.

19 oWEN, 2007.

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25

O Ciclo de Políticas Públicas e Programas

Nos manuais clássicos de Ciência Política, o processo de formulação de políticas

públicas tem sido apresentado recorrentemente pelo ciclo de etapas sucessivas

(Policy Cycle), com mais ou menos estágios, como ilustrado no Diagrama 120. Em

que pesem as críticas de longa data quanto à forma simplificada com que esse

diagrama apresenta o processo político e sua própria veracidade empírica, a se-

paração em etapas se presta aos objetivos de evidenciar, ao longo do processo,

ênfases diferenciadas no planejamento, na operação ou avaliação dos programas.

Justifica-se ainda para fins didáticos e para orientar o recorte analítico na pesquisa

acadêmica na área.21

Nesse modelo, a primeira etapa – Definição da Agenda Política (Agenda-Setting)

– corresponde aos múltiplos caminhos e processos que culminam com o reconhe-

cimento de uma questão social como problema público e da necessidade da ação

governamental para sua solução; isto é, a legitimação da questão social na pauta

pública ou agenda das políticas públicas do país, em determinado momento. A

etapa seguinte – Formulação de Políticas e Programas (Policy Formulation) – refe-

re-se aos processos e atividades relacionados à construção de possíveis soluções,

encaminhamentos e programas para lidar com a questão recém-legitimada na

agenda. é preciso, então, em sequência – na Tomada de Decisão Técnica-Política

(Decision Making) –, escolher o rumo a seguir, de ação efetiva ou não, decidindo-se

por uma ou algumas das alternativas formuladas. A quarta etapa – Implementa-

ção de Políticas e Programas (Policy Implementation) – corresponde aos esforços

de execução da ação governamental, na alocação de recursos e desenvolvimento

dos processos previstos nas alternativas e programas escolhidos anteriormente.

Por fim, é preciso analisar se os esforços empreendidos estão atuando no sentido

esperado de solucionar o problema original – etapa de Avaliação das Políticas e

Programas (Policy Evaluation). é necessário avaliar se é preciso realizar mudanças

nos programas implementados para garantir sua efetividade; descontinuá-los, se o

problema deixou de compor a agenda; ou então adaptá-los a uma nova realidade,

reiniciando o ciclo.

é oportuno registrar que a avaliação, como etapa do ciclo, realiza-se após a imple-

mentação. Trata-se de um momento de natureza mais reflexiva para continuidade

ou não do programa. Distingue-se, portanto, das atividades de monitoramento e

avaliação, que se realizam mediante os sistemas de indicadores e as pesquisas de

avaliação, instrumentos investigativos que podem ser empregados a qualquer mo-

mento do ciclo, conforme discutido mais adiante. Denominar essa etapa decisiva

do ciclo como avaliação somativa talvez ajudasse a evitar o duplo sentido que o

termo assume na área.

20 CoMo APRESENTADo NoS vÁRIoS TExToS REuNIDoS NA vALIoSA CoLETâNEA SoBRE PoLÍTICAS PúBLICAS

oRGANIzADA PoR SARAvIA E FERRAREzI (2006), PuBLICADA PELA ENAP E DISPoNIBILIzADA EM SEu SÍTIo ELETRÔNICo

(WWW.ENAP.Gov.BR), o CICLo DE PoLÍTICAS PúBLICAS PoDE SER DESCRITo CoM uM NúMERo MAIoR ou MENoR

DE ETAPAS. DE MoDo GERAL, DISTINGuEM-SE PELo MENoS TRÊS MACRoETAPAS: FoRMuLAção (NA QuAL ESTARIA A

FoRMAção DA AGENDA), A IMPLEMENTAção E A AvALIAção. ESSA PuBLICAção, oRGANIzADA SEGuNDo AS ETAPAS Do

CICLo, TRAz ARTIGoS CLÁSSICoS QuE APRoFuNDAM A vASTA DISCuSSão ENvoLvIDA EM CADA uMA DELAS.

21 NASCIMENTo, 1991.

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A agenda política corresponde ao conjunto de assuntos e problemas que os ges-

tores públicos e a comunidade política entendem como mais relevantes em dado

momento e, não necessariamente, à lista de preocupações da sociedade ou des-

taques da imprensa.22 Afinal, o reconhecimento de uma questão social como pro-

blema de governo ou Estado não é um processo simples e imediato, que responde

automaticamente às estatísticas disponíveis, por mais reveladoras que sejam da

gravidade da questão, quando comparada a outros países ou a outros momentos

do passado. Não é a vontade de um técnico do setor público, um pesquisador aca-

dêmico ou governante eleito, portador de conhecimento empírico consistente da

realidade ou com uma visão ousada, que garante imediatamente sua incorporação

na agenda formal de governo. Como coloca Parada, “no toda idea entra a la agen-

da. No todos temas de la agenda se convierten em programas”.23

Quando existe a convicção de que um problema social precisa ser dominado po-

lítica e administrativamente, é que ele se transforma em uma questão pública.24

Se parece haver solução técnica viável e factível para determinada questão social,

essa entra mais facilmente na agenda. Afinal, a estrutura do setor público, pelos

mecanismos institucionais existentes e operantes, é um ambiente que “digere”

inovações a seu próprio tempo e estilo.25

22 JANN; WEGRICH, 2007.

23 PARADA, 2006, P.73.

24 FREy, 1997.

25 A RESISTÊNCIA À MuDANçA E À INCoRPoRAção DE INovAçÕES Não é PRoBLEMA SÓ No SEToR PúBLICo,

MAS TAMBéM NAS EMPRESAS PRIvADAS. oS MECANISMoS DE MoTIvAção, PRESSão E CoERção NESSAS úLTIMAS

ACABAM MoBILIzANDo MuDANçAS, ÀS vEzES A ELEvADoS CuSToS PESSoAIS E INSTITuCIoNAIS. No SEToR PúBLICo, oS

INSTRuMENToS PARA MoBILIzAção ENvoLvEM, EM TESE, MAIS CooRDENAção DE ESFoRçoS E CoNvENCIMENTo, ATé

PoRQuE AS RESISTÊNCIAS PoDEM SER BASTANTE LEGÍTIMAS. ou SEJA, NEM ToDA MuDANçA é NECESSARIAMENTE uMA

INovAção “PoSITIvA”. PARA o BEM ou PARA o MAL, São CoNHECIDoS oS CASoS EM QuE A RESISTÊNCIA DA BuRoCRACIA

PúBLICA ACABA REvERTENDo ou MINANDo PRoPoSTAS CoNSIDERADAS MuITo ouSADAS.

dIaGrama 1: o CICLo de PoLÍtICas e ProGramas PÚBLICos

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27

Há várias interpretações de como a agenda é construída. Em todas as perspectivas,

ela é entendida como um processo coletivo e conflituoso de definição, como as-

sinalam Howlett & Ramesh.26 vai sendo formada por meio de diferentes mecanis-

mos de pressão externa de grupos organizados em partidos políticos, sindicatos,

associações patronais, imprensa e outras instituições, pelas temáticas por eles en-

tendidas como relevantes; por iniciativa interna do governo e mobilização social

em função de compromissos assumidos nas eleições; pela atuação da burocracia

pública no encaminhamento das demandas setoriais etc.

os atores políticos se constituem em elementos catalisadores desse processo.

Eles são diversos e possuem características distintas: políticos e burocratas; em-

presários, trabalhadores/sindicatos, servidores públicos e os meios de comunica-

ção.27 Grandes empresários, individualmente ou por meio de seus lobbies (gru-

pos de pressão), encaminham suas demandas e pressionam os atores públicos,

nas decisões governamentais, em favor de seus interesses. outro ator político de

grande importância são os agentes internacionais, tais como o Fundo Monetário

Internacional (FMI), o Banco Mundial, a organização das Nações unidas (oNu), a

organização Mundial do Comércio (oMC) etc.; ou ainda os países com os quais o

Brasil mantém relações políticas. Esses atores podem afetar não apenas a econo-

mia, como também a política interna do país.28 Além desses, os meios de comuni-

cação são outros agentes importantes no processo – de modo especial, a televisão,

com difusão massificada em todas as camadas da população – pois dispõem de

recursos para influenciar a opinião pública na formação das demandas.29 Enfim,

as organizações políticas – partidos, sindicatos, grupos de interesse – são funda-

mentais para que as demandas entrem na agenda política do governo e para que,

uma vez nela presentes, possam se transformar em ações e programas concretos.

A amplitude da agenda política estaria condicionada também ao nível de desen-

volvimento econômico e tecnológico do país, já que tais fatores, ao viabilizar ga-

nhos crescentes de produtividade na economia, permitiriam o atendimento de de-

mandas de grupos de interesse organizados, pela ampliação da oferta, cobertura e

diversidade dos serviços sociais.30 o ritmo de constituição de tal agenda de bem-

-estar social seria potencializado, em contextos de maior liberdade e participação

política, com maior atuação de partidos políticos, sindicatos, imprensa e outros

grupos de interesse. os níveis de urbanização e envelhecimento populacional

também seriam outros condicionantes importantes para entender a formação da

agenda política, pela visibilidade e concretude que conferem aos problemas so-

ciais deles decorrentes.

26 HoWLETT & RAMESH, 2003.

27 RuA, 1998.

28 IDEM, IBIDEM.

29 FREy, 1997.

30 CAREy, 2006.

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Na etapa da formulação da política, os problemas, as propostas e demandas ex-

plicitadas na agenda transformam-se em leis, programas e propostas de ações.

Isto é, a formulação de política envolve a busca de possíveis soluções para as

questões priorizadas na agenda. Nesse momento, os elementos operacionais da

política em questão precisam ser evidenciados: diretrizes estratégicas, propos-

tas de leis, decretos normativos, programas e projetos. Em uma visão simpli-

ficada – e um tanto romântica e ingênua, como diria Charles Lindblom –, tais

programas e propostas seriam elaborados pelo emprego de técnicas gerais de

planejamento de projetos; conhecimentos setoriais específicos; análise de via-

bilidade política, de custo-benefício ou custo-efetividade das soluções; revisão

crítica de experiências anteriores e boas práticas identificadas. Essas tarefas são

conduzidas por técnicos do setor público, com maior ou menor participação de

consultores externos, seguindo orientações emanadas de gestores públicos no

topo da hierarquia.

Em função da natureza do problema e orientação geral de governo, os programas

propostos se classificariam em ações de cunho distributivo, redistributivo ou re-

gulamentório.31 Na realidade, essa fase não está tão desvinculada do cotidiano

da política ou tão isolada das influências das propostas dos grupos de interesse,

como se supõe. Muitas vezes, as propostas de encaminhamento de soluções che-

gam junto com as pressões para introduzir a questão na agenda formal de governo.

Se não, colocada a questão, há sempre atores com maior ou menor influência na

formatação dos possíveis programas e ações.32

Levantadas as diferentes alternativas para uma dada questão social, é preciso es-

colher qual deverá ser adotada. Enquanto que na definição da agenda política e

formulação de programas a participação de agentes não pertencentes ao governo

ou Estado desempenha papel central, a tomada de decisão envolve os gestores e

técnicos mais diretamente relacionados à política ou ao programa. Esse é o ônus

e o bônus do exercício da atividade pública. Isso não significa que outros agentes

e atores não estejam ativos no processo, de modo a influenciar a decisão em um

ou outro sentido, introduzindo – legitimamente em muitos casos – considerações

de ordem política em rotinas de cunho mais eminentemente técnico. Como bem

colocam Howlett & Ramesh:

These actors can and do, of course, engage in various kinds of lobbying activities aimed at persuading, encouraging, and sometimes even coercing authoritative office-houlders to adopt options of which they approve. However, unlike office-holders, those other actors have, at best, a voice in the decision-making process, but they do not have a vote per se.33

31 HoWLETT & RAMESH, 2003

32 JANN; WEGRICH, 2007.

33 HoWLETT & RAMESH, 2003, P.163.

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29

Chega então o momento da implementação dos programas, projetos e ações pontuais

ou mais abrangentes. A fase de Implementação é o momento em que a política públi-

ca começa a ser executada, em que os recursos alocados passam a se transformar em

ações capazes de agir e mudar certa realidade. Aqui, a política adquire uma concre-

tude objetiva maior e, por isso, começa a revelar mais explicitamente as dificuldades

de sua introdução e operação pelos agentes encarregados de “pôr a mão na massa”.34

Trata-se da gestão das ações para fazer uma política sair do papel e funcionar efetiva-

mente, compreendendo o conjunto de ações realizadas, por grupos ou atores de na-

tureza pública ou privada, para a consecução de objetivos definidos. Envolve progra-

mação de atividades, previsionamento de recursos financeiros, alocação de recursos

humanos, mobilização de agentes, interlocução com atores estratégicos, manejo dos

mecanismos que assegurem a governabilidade das atividades e correção de cursos,

caso se identifiquem obstáculos ou surpresas não antecipadas.

é na avaliação – ou melhor, na avaliação somativa – que são confrontados os resul-

tados esperados com os resultados alcançados. é o momento em que se dá um re-

torno à etapa inicial de formulação, com correções no plano de ação, caso seja uma

política de ordem contínua; ou quando se decide pelo encerramento da política. é

também uma etapa de verificação dos impactos desejados e indesejados. Trata-se

de verificar os efeitos obtidos para deduzir consequências indesejadas nas ações

e programas futuros. Como bem coloca Frey,35 a avaliação é imprescindível para o

desenvolvimento e a adaptação contínua das formas e dos instrumentos de ação

pública, o que pode ser denominado como a fase de “aprendizagem política”.

o ciclo de políticas públicas tal como descrito é, certamente, um modelo idealiza-

do, com aderência bastante limitada ao cotidiano verificado no Brasil ou em outros

países. Como bem observa Saravia, “o processo de política pública não possui uma

racionalidade manifesta. Não é uma ordenação tranquila na qual cada ator social

conhece e desempenha o papel esperado”.36 Pelo que sugere Lindblom,37 atuali-

zação da agenda, formulação de políticas e programas, implementação e avaliação

seriam estágios permanentes e concomitantes do processo político. A atualização

da agenda política e as inovações dos programas seriam, de fato, muito mais in-

crementais e contínuas do que gostariam os gestores públicos. Tampouco haveria,

segundo Parada, um momento de avaliação cabal das políticas e programas, sendo

“[...] más habitual que cambien o se combinen com outras. Se há llegado a decir

que lãs políticas públicas son imortables”.38

Boa parte da crítica feita a esse modelo se refere ao fato de ele sugerir que a

administração pública, seus gestores, os atores políticos e os técnicos atuem de

forma bastante sistemática e cooperativa, como se estivessem todos envolvidos

na resolução de um problema consensualmente percebido, empregando métodos

34 NASCIMENTo, 1991

35 FREy, 1997.

36 SARAvIA, 2006, P.29.

37 LINDBLoM, 2006.

38 PARADA, 2006, P.72.

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racionais e objetivos na busca da solução, de acordo com uma sequência linear

de etapas bem definidas. Como diria Lindblom,39 mais uma vez, o imperativo da

racionalidade técnica no processo, a análise exaustiva dos problemas, a busca de

soluções ótimas e a crença no poder revelador e conciliador do discurso técnico-

-científico – tão presentes nos órgãos de planejamento público – não seriam em-

piricamente constatáveis, nem factíveis e muito menos desejáveis.

Na realidade, a formulação de políticas configura-se como um processo que envol-

ve a interação de muitos agentes, com diferentes interesses. é marcada por apoios

entusiasmados de alguns, resistências legítimas ou não de outros. Está repleta de

avanços e retrocessos, com desdobramentos não necessariamente sequenciais e

não plenamente antecipáveis. Como observam Jann & Wegrich:

Policy process rarely features clear-cut beginnings and endings. At the same time, policies have always been constantly reviewed, controlled, modified and sometimes even terminated; policies are perpetually reformulated, implemented, evaluated and adapted. […] Moreover, policies do not develop in a vacuum, but are adopted in a crowded policy space that leaves little space for innovation […].40

Contudo, na visão de Howlett & Ramesh,41 esse modelo de representação tem a

grande virtude de facilitar o entendimento do processo complexo de interação

de diversos agentes, nos múltiplos estágios por que passa a formulação de políti-

cas públicas, oferecendo um marco metodológico geral para análises isoladas de

cada etapa do processo ou das relações de cada uma com as demais, à frente ou

à jusante. Esse modelo seria também suficientemente geral para ser aplicado no

entendimento do processo na maioria dos âmbitos e contextos de formulação de

políticas e programas – em nível federal, estadual, local e mesmo setorial.

Jann & Wegrich42 acrescentam ainda que o sucesso e a “resiliência” desse mode-

lo clássico às críticas de pesquisadores acadêmicos é que ele parece como um

modelo prescritivo ideal a ser adotado, em que gestores eleitos governam com

corpos burocráticos dotados de grande capacidade de diagnóstico de problemas,

com posturas ativas e inovadoras na formulação de programas, operando com ra-

cionalidade técnica na tomada de decisões, com controle efetivo das atividades

na implementação dos programas públicos e objetividade na avaliação desses.

Os sistemas de indicadores de monitoramento no Ciclo de Políticas e Programas

A preocupação com a construção de indicadores de monitoramento da ação go-

vernamental é tão ou mais antiga que a própria avaliação de programas públicos,

39 LINDBLoM, 2006.

40 JANN; WEGRICH, 2007, P.44-45.

41 HoWLETT & RAMESH, 2003.

42 JANN & WEGRICH, 2007.

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31

se forem consideradas as medidas de performance mais geral do setor pú-

blico baseadas na entrega de obras e produtos e na computação de indi-

cadores de custos de serviços, a partir da execução orçamentária. Como

registram Mcdavid e Hawthorn em livro que procura oferecer uma visão inte-

grada entre avaliação de programas e medição do desempenho governamental:

While we have tended to situate the beginnings of performance measures in the united States, in the 1960s, with the development of performance management systems such as programmed planned budgeting systems (PPBS) […] there is good evidence that performance measurement and reporting was well-developed in some American local governments early in the 20th century.43

os autores citam as iniciativas de alguns governos locais nos EuA, antes da 2ª

Guerra Mundial, na elaboração de relatórios com computação regular de medi-

das de eficiência dos serviços públicos então oferecidos, como a construção e

manutenção das ruas e rodovias, distribuição de água e recolhimento de lixo. os

produtos e serviços disponibilizados pelo setor público municipal eram bastante

simples e tangíveis, assim como a contabilização dos custos para sua produção.

Mas foi a introdução das técnicas de programação orçamentária por programas no

Governo kennedy que marcaria um momento de maior aprimoramento na medi-

ção do desempenho – expresso por indicadores de eficiência e efetividade – na

esfera federal americana. Ao propor a estruturação do orçamento segundo conjun-

to de atividades e programas afins – agora bem mais complexos que os oferecidos

pelos municípios na primeira metade do século xx – e não segundo as agências e

organizações que as executavam, esperava-se conseguir apurar resultados e cus-

tos mais consistentes dos serviços públicos disponibilizados e, portanto, medidas

de eficiência mais precisas.44

Em que pesem o fracasso na implementação do orçamento-programa – na vincula-

ção entre recursos-produtos ao nível de programas – e o contexto de crise fiscal do

Estado, comentam os autores que a orientação voltada à medição dos resultados

ganhou força nos anos 1970 e na década seguinte. os governos conservadores

desse período (em especial na Inglaterra, com Thatcher, e nos EuA, com Reagan)

imprimem reformas no setor público, que vieram a ser conhecidas como o movi-

mento da Nova Administração Pública, preconizando a adoção de instrumentos de

controle e gestão de resultados do setor privado.

Sem entrar na discussão acerca dos excessos, limitações e aspectos meritórios de

tal movimento – debate esse já empreendido no Brasil por vários autores, com

muito mais competência, autoridade e espaço do que o disponível para este tex-

to –, o legado de preocupação com a transparência e responsabilização pública

criou oportunidades para aprimoramento da gestão de programas, seja para a

43 MCDAvID; HAWTHoRN, 2006, P.283.

44 MCDAvID; HAWTHoRN, 2006.

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estruturação de sistemas de indicadores de monitoramento, seja para a realização

das pesquisas de avaliação. Neste tópico do texto, discute-se o primeiro desses

instrumentos de gestão: os sistemas de monitoramento.

o modelo idealizado de “ciclo de vida” de políticas e programas apresentado ante-

riormente é uma referência conceitual interessante para ilustrar como os sistemas

de indicadores de monitoramento podem ser estruturados e como as pesquisas

de avaliação podem ser especificadas de forma a potencializar seu emprego na

gestão dos programas. A proposta básica desta seção é mostrar a importância de

se dispor de indicadores relevantes e periodicamente atualizados para acompa-

nhar as atividades e a produção de serviços dos programas, que permitam corri-

gir desvios, reprogramar atividades ou mesmo especificar pesquisas de avaliação

para entender por que determinados processos não estão se encaminhando no

sentido idealizado originalmente.

Como discutido em texto anterior,45 as atividades de cada etapa do ciclo apoiam-se

em um conjunto específico de indicadores. Na definição da agenda, os indicadores

são recursos valiosos para dimensionar os problemas sociais, servindo como ins-

trumentos de advocacy e pressão de demandas sociais não satisfeitas. Indicadores

produzidos pelas instituições oficiais de estatísticas – sobretudos os computados

a partir de censos demográficos e pesquisas amostrais regulares – prestam-se bem

a esse papel, pela legitimidade que gozam perante diferentes públicos. No Brasil,

o relatório “Síntese de Indicadores Sociais”, publicado anualmente pelo IBGE, é

uma referência importante nesse sentido, provocando grande interesse na mídia

quando de sua divulgação.46 o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) compu-

tado para países, municípios, mulheres e negros é outro bom exemplo de como

uma medida simples pode mobilizar os veículos de comunicação e recolocar anu-

almente o debate sobre desigualdade social e os impactos das políticas públicas

na mídia e nas esferas de governo.47

Na elaboração dos diagnósticos para formulação de programas, os indicadores

são imprescindíveis para qualificar os públicos-alvo, localizá-los e retratá-los de

modo tão amplo e detalhado quanto possível. é preciso adequar as intervenções

às características e necessidades dos demandantes dos programas. De modo ge-

ral, na elaboração de diagnósticos socioeconômicos propositivos para programas

públicos, empregam-se indicadores de várias áreas temáticas analíticas ou de atu-

ação governamental. Para desenvolver programas no campo da educação básica,

por exemplo, é preciso conhecer não apenas as condições de acesso à escola, a

infraestrutura escolar, o desempenho dos alunos, mas também aspectos relacio-

nados às condições de vida dos estudantes, como moradia, nível de pobreza e

45 JANNuzzI (2005), DISPoNÍvEL PARA DoWNLoAD NA REvISTA Do SERvIço PúBLICo, v.56, N.2, EM WWW.

ENAP.Gov.BR. ouTRA REFERÊNCIA PARA APRoFuNDAMENTo NESSE CAMPo é JANNuzzI (2004).

46 ESSA PuBLICAção Do IBGE, ASSIM CoMo DIvERSAS ouTRAS DA INSTITuIção, ESTÁ DISPoNÍvEL PARA

DoWNLoAD EM WWW.IBGE.Gov.BR.

47 uMA DISCuSSão DoS LIMITES E PoTENCIALIDADES Do IDH PoDE SER vISTA EM GuIMARãES E JANNuzzI

(2005).

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33

renda familiar, acesso a serviços de saúde, escolaridade dos pais, fatores esses que

certamente podem afetar ou potencializar as ações programáticas específicas.48

Indicadores construídos a partir dos censos demográficos são particularmente

úteis nessa fase, pela amplitude do escopo temático investigado e pela possibi-

lidade de desagregação territorial ou por grupos sociodemográficos específicos.

o Censo Demográfico 2010 potencializará ainda mais essas duas características

– escopo e desagregabilidade –, constituindo-se em marco importante para reava-

liação das demandas sociais da população brasileira, nesse momento de amplia-

ção da estrutura de proteção social no país.

Na seleção de alternativas programáticas idealizadas para atender à questão pú-

blica colocada na agenda e eleger prioridades de intervenção, é preciso dispor de

indicadores que operacionalizem os critérios técnicos e políticos definidos. Indi-

cadores sintéticos, como o já citado Índice de Desenvolvimento Humano, o Índice

de Desenvolvimento da Educação Básica, o Índice da Pegada Humana (Footprint

Index) ou as classificações geradas por técnicas de análise multicritério podem ser

úteis para apoiar decisões nessa fase do ciclo,49 como discutido em Scandar et al.50

e Jannuzzi et al.51

Para acompanhar a implementação dos programas e, posteriormente, para ges-

tão, quando eles entrarem em plena operação, são necessários indicadores que

permitam acompanhar regularmente as ações programadas, do previsionamento e

alocação do gasto à produção dos serviços e, idealmente, aos eventuais resultados

e impactos esperados quando da idealização dos programas. São os indicadores

que estruturam processos formais de monitoramento, entendido, nas palavras de

Coutinho, como “um processo sistemático e contínuo que, produzindo informa-

ções sintéticas e em tempo eficaz, permite rápida avaliação situacional e a inter-

venção oportuna que confirma ou corrige as ações monitoradas”.52

Dispostos em painéis ou em sistemas informatizados, os indicadores de monitora-

mento devem ser atualizados com regularidade e tempestividade adequada à to-

mada de decisão. Idealmente, esses indicadores devem ser específicos e sensíveis

às ações programadas, a fim de se tornarem, de fato, úteis para inferir se o progra-

ma está sendo implantado conforme planejado ou para permitir as correções de

rumo (aspectos que só poderão ser comprovados mais precisamente por meio de

pesquisas de avaliação específicas, durante ou após a implantação).

48 uM BoM ExEMPLo DE INDICADoRES PARA DIAGNÓSTICoS DE PRoGRAMAS SEToRIAIS é DEMoNSTRADo

NA PuBLICAção “CoNSTRuINDo o DIAGNÓSTICo MuNICIPAL”, DISPoNÍvEL EM WWW.CEPAM.SP.Gov.BR. ouTRo ExEMPLo

DE DIAGNÓSTICo APoIADo EM INDICADoRES MuLTITEMÁTICoS é o DIAGNÓSTICo PARA PRoGRAMA DE QuALIFICAção

PRoFISSIoNAL Do ESTADo DE São PAuLo, DISPoNÍvEL EM WWW.EMPREGo.SP.Gov.BR.

49 No SÍTIo WWW.ANIPES.oRG.BR ESTÁ DISPoNÍvEL uM APLICATIvo (PRADIN) QuE PERMITE ENTENDER o

PoTENCIAL DA ANÁLISE MuLTICRITéRIo NA ToMADA DE DECISão EM PoLÍTICAS PúBLICAS.

50 SCANDAR ET AL., 2006.

51 JANNuzzI ET AL., 2009.

52 CouTINHo, 2001, P.11.

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Para isso, esses painéis ou sistemas de indicadores de monitoramento devem se

valer dos dados continuamente atualizados nos cadastros e registros administra-

dos pelos gestores e operadores envolvidos nos programas. Devem estar interli-

gados aos sistemas informatizados de gestão do programa, no qual são registrados

atendimentos prestados, informações dos agentes que o operam, características

dos beneficiários, processos intermediários, que produzirão os efeitos idealizados

pelo programa. Diferentemente do que se passa nas pesquisas de avaliação, na

estruturação de sistemas de monitoramento não se prevê levantamentos primá-

rios de dados. Pode ser necessário criar rotinas de coleta de dados que operem

fora dos círculos normais de produção de serviços dos programas, mas é preciso

fazer esforços para aproveitar as informações geradas no âmbito de operação co-

tidiana dos programas. A criação de mais uma rotina para registro de informação,

pelo beneficiário do programa ou pelo agente envolvido na implementação, pode

implicar atrasos indesejados e, pior, declarações mal preenchidas que acabam não

se prestando à sua finalidade original.

vale observar que, em geral, as informações compiladas e enviadas para atualização

dos registros de acompanhamento do Plano Plurianual, no Ministério do Planeja-

mento, orçamento e Gestão, são somente a ponta do iceberg de dados armazenados

em planilhas eletrônicas e gavetas nos escritórios da administração pública. Aliás, é

curioso que, nas médias e altas gerências do setor público – prefeituras, secretarias

de estados ou ministérios –, reclame-se de falta de informação para gestão em meio

a tanta informação continuamente produzida nas unidades de prestação de serviços

públicos (escolas, postos de saúde, delegacias, centros de referência da assistência

social, postos de intermediação de mão de obra, agências do INSS etc.). Para superar

esse paradoxo da “escassez na abundância”, é preciso aprimorar os processos de

gestão da informação nos escritórios em que se planejam e coordenam as políticas

e programas públicos. os fluxos de informação, os processos de tratamento, vali-

dação, classificação e, naturalmente, de armazenamento precisam ser pensados de

forma articulada, valendo-se de aplicativos e ferramentas de integração de dados (e

não dos custosos – em planejamento, tempo é dinheiro – sistemas informatizados

de 4ª, 5ª ou enésima geração propostos por consultorias experientes em automa-

ção de processos na iniciativa privada, mas pouco conhecedoras da complexidade

operacional da gestão de programas públicos).

é possível que algumas informações produzidas pelas agências estatísticas – no

caso brasileiro, o IBGE, o Datasus, o Inep, entre outros53 – possam ser úteis para

a construção de indicadores de monitoramento de programas, sobretudo de na-

tureza universal ou com público-alvo numeroso. Em geral, essas fontes proveem

informações para avaliações de políticas ou para um conjunto de políticas e ma-

croações governamentais – mais adequadas para composição de mapas estraté-

gicos da ação governamental – e não para os propósitos de monitoramento de

programas específicos, em função da escala territorial de desagregação dos dados

ou do tempo que levam para serem produzidas. Esse quadro pode mudar para

melhor com as transformações anunciadas nas pesquisas amostrais do IBGE para

53 AS PESQuISAS E DADoS DESTAS INSTITuIçÕES PoDEM SER CoNSuLTADAS, RESPECTIvAMENTE, EM WWW.

IBGE.Gov.BR, WWW.DATASuS.Gov.BR, WWW.INEP.Gov.BR. No PoRTAL WWW.ANIPES.oRG.BR, PoDEM SER ACESSADoS

SÍTIoS ELETRÔNICoS DE ÓRGãoS SuBNACIoNAIS DE ESTATÍSTICA No BRASIL.

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35

a década de 2010, com maior integração conceitual, maior possibilidade de in-

corporação de temas suplementares, ampliação e adensamento da amostra pelo

interior do país. Não só se poderá dispor de um escopo mais amplo de estatísticas

e indicadores sociais divulgados mais regularmente ao longo do ano, como tam-

bém referidos para domínios territoriais e grupos sociodemográficos bem mais

diversos. Aos indicadores mensais de emprego, hoje restritos às seis principais re-

giões metropolitanas, somar-se-ão muitos outros – educacionais, habitacionais, de

rendimentos etc. –, divulgados em base trimestral (semestral ou anual) para todos

os estados brasileiros. Mediante o emprego de métodos estatísticos avançados,

usando informação combinada dessas pesquisas com outras fontes de dados, pes-

quisadores de centros de análise de políticas públicas e universidades poderão

estimar indicadores sociais com bom grau de precisão para domínios territoriais

ainda mais específicos.54

De qualquer forma, as informações estatísticas mais gerais são úteis para que se

possam disponibilizar alguns indicadores de contexto socioeconômico no âmbito

do sistema de monitoramento. Afinal, todo sistema aberto, como são os programas

públicos, está sujeito aos efeitos de fatores externos, que podem potencializar ou

atenuar resultados. Sistemas de indicadores de monitoramento de programas de

qualificação profissional, por exemplo, devem dispor de indicadores de mercado

de trabalho e de produção econômica como informações de contexto, pelos im-

pactos que uma conjuntura econômica menos ou mais favorável podem ocasionar

na operação do programa.

Como alternativa ou complemento às pesquisas estatísticas oficiais, é possível

construir indicadores de contexto ou mesmo de monitoramento de programas, a

partir dos registros administrativos de programas de grande cobertura populacio-

nal, como o Cadastro único de Programas Sociais do Ministério de Desenvolvimen-

to Social e Combate à Fome; a Relação Anual de Informações Sociais e o Cadastro

Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho; e o Cadastro

Nacional de Informações Sociais do INSS/Ministério da Previdência. Naturalmen-

te, os registros de provimento e execução orçamentária do Sistema Integrado de

Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) também são importantes fon-

tes de informação para construção de indicadores de monitoramento (sobretudo

porque permitem computar indicadores de regularidade de repasse de recursos,

dimensão crucial para programas que envolvem diversas ações intermediárias

para viabilizar a consecução das atividades mais finalísticas). vale registrar que

os ministérios responsáveis pela gestão desses cadastros têm feito esforços im-

portantes com o objetivo de disponibilizar as informações neles depositadas para

pesquisadores e público em geral.55

54 vIDE, NESSE SENTIDo, o QuE AS AGÊNCIAS ESTATÍSTICAS AMERICANAS PRoDuzEM REGuLARMENTE,

ACESSANDo o PoRTAL WWW.FEDSTATS.Gov. o BuREAu oF LABoR STATISTICS GERA, PoR ExEMPLo, ESTIMATIvAS MENSAIS

DE TAxA DE DESEMPREGo PARA 372 ÁREAS METRoPoLITANAS E TAxAS ANuAIS PARA oS MAIS DE 3 MIL CoNDADoS E AS 50

MAIoRES CIDADES AMERICANAS. o BuREAu oF CENSuS, PoR SuA vEz, TRAz ANuALMENTE ESTIMATIvAS PoPuLACIoNAIS

PARA MAIS DE 20 MIL LoCALIDADES E INDICADoRES SoCIAIS REFERIDoS A MAIS DE 10 TEMÁTICAS – DE oCuPAção,

MoRADIA À EDuCAção – PARA MuNICÍPIoS ACIMA DE 65 MIL HABITANTES.

55 vIDE, NESSE SENTIDo, oS APLICATIvoS DA SENARC/MDS (WWW.MDS.Gov.BR), oS SISTEMAS DE CoNSuLTA

oN-LINE DA RAIS E Do CAGED No MTE (WWW.MTE.Gov.BR), E oS DADoS DA PREvIDÊNCIA NA FERRAMENTA INFoLoGo EM

WWW.DATAPREv.Gov.BR.

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um bom sistema de indicadores de monitoramento não é necessariamente com-

posto de grande quantidade de informação, mas uma rede em que a informação

foi selecionada de diferentes fontes e está organizada de forma sintetizada e mais

adequada ao uso analítico pelos diferentes gestores (Diagrama 2). é preciso en-

contrar um ponto de equilíbrio entre o “caos informacional”, potencialmente ge-

rado pela estruturação de sistemas de monitoramento construídos de baixo para

cima (em que participam inicialmente técnicos e gestores da base e depois de

níveis táticos e mais estratégicos), e a pobreza analítica das propostas desenvol-

vidas de cima para baixo. um sistema de indicadores de monitoramento não é

um sistema de gestão operacional do programa, que provê acesso aos incontáveis

registros diários e individuais de operação de convênios, prestação de serviços,

recursos transferidos, projetos e atividades concluídas. um sistema de monito-

ramento vale-se do(s) sistema(s) de gestão dos programas para buscar informa-

ções, integrá-las segundo unidades de referência comum (município, escola etc.),

sintetizá-las em indicadores e conferir-lhes significado analítico. Ao apresentar

informações sintetizadas na forma de indicadores, que podem ser analisados no

tempo, por regiões e públicos-alvo, ou comparados com metas esperadas, esses

sistemas permitem ao gestor avaliar se os diversos processos e inúmeras ativida-

des sob sua coordenação estão se “somando” no sentido preconizado. um sistema

de monitoramento não é, pois, um conjunto exaustivo de medidas desarticuladas,

mas uma seleção de indicadores de processos e ações mais importantes.

um sistema que não provê acesso orientado às centenas de indicadores dispo-

níveis talvez não se preste ao propósito de monitoramento (ainda que possa ser

útil como base de dados para estudos avaliativos a posteriori). Também não se

vale ao monitoramento um sistema em que a informação não está organizada se-

gundo o nível de relevância operacional-estratégica do gestor usuário. Ao gerente

de processos operacionais básicos, deve estar disponível a informação essencial

para o bom desempenho das atividades de seus coordenados. Ao gestor mais es-

tratégico, devem estar disponíveis indicadores que lhe permitam acompanhar os

macroprocessos segundo o modelo lógico do programa.

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37

DIAGRAMA 2: INTEGRAÇÃO DE INFORMAÇÕES DE DIFERENTES FONTES NA ESTRUTURAÇÃO DE UM SISTEMA DE INDICADORES DE monItoramento

Para um e para outro gestor, os indicadores devem ser os pertinentes à sua esfera

de decisão, ajustados à referência temporal e territorial que lhes compete e inte-

ressa. As novas ferramentas de integração de dados permitem construir painéis

de indicadores de forma “customizada”, possibilitando, inclusive, acesso a infor-

mação mais detalhada se assim o gestor o desejar. Podem-se construir painéis em

camadas “explicativas”, isto é, organizando indicadores segundo uma estrutura

nodal, em que um primeiro conjunto reduzido de indicadores estratégicos seja

acompanhado de um segundo conjunto mais amplo de indicadores mais específi-

cos, que ajudem a entender o comportamento e a evolução dos primeiros, e assim

por diante. Na realidade, trata-se de um sistema de monitoramento que reúne

informações sintéticas – para análise de tendências gerais das atividades estraté-

gicas – e informações analíticas – para entendimento mais aprofundado das ten-

dências observadas. A proposta de acompanhamento das metas de inclusão social

nos países da Comunidade Europeia segue essa lógica de estruturação, dispondo

os indicadores em três painéis articulados:56

Nível 1 – conjunto restrito de indicadores-chave (lead indicators) cobrindo as di-

mensões consideradas mais importantes para acompanhar a exclusão social.

Nível 2 – indicadores complementares em cada dimensão, que ajudam a interpre-

tar cada um dos indicadores-chave.

Nível 3 – indicadores que cada país-membro decidir incluir para acompanhar as

especificidades nacionais e que ajudem a entender aqueles dos níveis 1 e 2.

56 ATkINSoN ET AL., 2005.

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Tal proposta de organização vem com algumas premissas básicas para escolha de

indicadores que parece oportuno resgatar neste texto, pois podem ser úteis em

outras aplicações (Quadro 1). vale registrar que tal escolha deveria se orientar

também pela análise da aderência dos indicadores às propriedades de relevân-

cia social, validade de constructo, confiabilidade, periodicidade, sensibilidade às

mudanças, especificidades das ações programadas, como discutido em Jannuzzi.57

Quadro 1: PremIssas Para esCoLHa de IndICadores de monItoramento da InCLusão/eXCLusão soCIaL na ComunIdade euroPeIa

• o conjunto de indicadores não pode se pretender exaustivo e deve ser

equilibrado entre as dimensões da exclusão social (saúde, educação,

moradia etc.). um conjunto muito amplo de indicadores leva à perda de

objetividade, perda de transparência e credibilidade.

• os indicadores devem ter uma interpretação normativa claramente defi-

nida (Para monitorar a exclusão social a taxa de desemprego cumpre tal

requisito; já um indicador de produtividade do trabalho não).

• os indicadores devem ser mutuamente consistentes, isto é, não devem

sugerir tendências inconsistentes (indicadores de desigualdade como o

Índice de Gini e a Proporção de Massa Salarial Apropriada podem ter

comportamentos diferentes ao longo do tempo, já que medem aspectos

distributivos diferentes).

• os indicadores devem ser inteligíveis e acessíveis a toda a sociedade.

São preferíveis medidas simples, de fácil entendimento. Deve-se resistir

às simplificações indevidas (indicadores sintéticos).

Se o programa foi especificado segundo as boas práticas e técnicas de planeja-

mento de projetos, deve haver um desenho lógico de encadeamento de ativida-

des e etapas. Tal sistema deve conseguir oferecer evidências acerca da execução

do gasto, da produção, eficiência e qualidade dos serviços, do consumo e usufruto

por parte do público-alvo e, se possível, antecipar dimensões impactadas pelo

programa. Isto é, um bom sistema de monitoramento deve prover indicadores de

insumo, processo, resultado e possíveis impactos do programa. Exemplificando,

tal sistema deve permitir monitorar, simultaneamente: o dispêndio realizado por

algum tipo de unidade operacional prestadora de serviços ou subprojeto; o uso

dos recursos humanos, financeiros e físicos; a geração de produtos e a percepção

dos efeitos gerados pelos programas. Em Resende e Jannuzzi,58 é apresentado o

exemplo de Painel de Indicadores de Monitoramento do Plano de Desenvolvimen

57 JANNuzzI, 2005.

58 RESENDE; JANNuzzI, 2008.

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39

to da Educação (PDE) estruturado na lógica insumo-processo-resultado-impacto.

Na dimensão insumo, deu-se prioridade aos indicadores voltados para o financia-

mento da educação. Para a dimensão processo, foram definidos indicadores que

pudessem ser produzidos com certa regularidade e estivessem relacionados ao

processo de ensino-aprendizagem, como percentual de docentes com nível supe-

rior, percentual de alunos atendidos por turno integral, entre outros. Como medida

de resultados, os indicadores de proficiência da Prova Brasil, defasagem idade-sé-

rie e taxa de abandono. Como apontamentos de impactos potenciais, o ingresso

de jovens no ensino superior.59

os aplicativos voltados à disponibilização de indicadores da Secretaria de Avalia-

ção e Gestão da Informação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate

à Fome- como a MI-Social, DataSocial e Monib- são referências certamente úteis

para estruturação de sistemas de monitoramento de programas nessa perspectiva

processual, não apenas no âmbito do ministério, mas de outros setores da admi-

nistração pública.60

o documento “Guia metodológico para construção de indicadores do PPA”,61 ela-

borado pelo Ministério do Planejamento, orçamento e Gestão, é outra referência

importante para especificação de sistemas de indicadores de monitoramento de

programas, pela extensa revisão bibliográfica empreendida em sua elaboração;

pela preocupação em incorporar aspectos de propostas desenvolvidas em outros

estados e contextos do setor público brasileiro; pela experiência de mais de dez

anos na elaboração de planos plurianuais no governo federal; e pela preocupação

com clareza na exposição de conceitos, etapas e fontes de dados.

Em geral, há maior disponibilidade de indicadores de processos, que espelham

os esforços e produtos gerados nas ações programadas, para os quais há registros

formais e maior controle operacional pelos gestores. Ainda assim, em alguns casos,

é possível dispor, no painel de monitoramento, de indicadores de resultados e im-

pactos junto ao público-alvo dos programas, buscando informações nos registros

e cadastros públicos citados anteriormente. No caso do Sistema de Indicadores

de Monitoramento de Programas de Qualificação Profissional, ilustrado há pouco,

seria possível dispor de alguma medida de impacto do programa, com a integração

de informações cadastrais dos trabalhadores qualificados com os dados da Rais

ou mesmo do Cadúnico, mediante o uso do Número de Identificação do Trabalha-

dor ou do CPF (de fato, procedimentos análogos são usados correntemente pelo

Ministério do Desenvolvimento Social para fins de fiscalização na concessão de

benefícios do Programa Bolsa Família).

59 No REFERIDo TExTo, EMPREGou-SE o APLICATIvo MoNIT – DISPoNÍvEL EM WWW.ANIPES.oRG.BR – PARA

CoMPoR uM PAINEL SITuACIoNAL CoM GRÁFICoS DoS INDICADoRES ESCoLHIDoS PARA DuAS uNIDADES TERRIToRIAIS

DE INTERESSE DE MoNIToRAMENTo. uMA BREvE APRESENTAção Do APLICATIvo é ENCoNTRADA EM JANNuzI E MIRANDA

(2008), DISPoNÍvEL No BoLETIM DE ESTATÍSTICAS PúBLICAS N.4, No MESMo SITE.

60 CoNSuLTAR o “DICIoNÁRIo DE vARIÁvEIS, INDICADoRES E PRoGRAMAS SoCIAIS” No ENDEREço HTTP://

APLICACoES.MDS.Gov.BR/SAGI/DICIvIP. ESSE DICIoNÁRIo TAMBéM ESTÁ DISPoNÍvEL PARA DoWNLoAD EM WWW.MDS.

Gov.BR/SAGI.

61 MPo, 2009.

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Com o avanço da informatização no setor público brasileiro, é possível também

obter informações referidas a unidades de prestação de serviços muito específi-

cas (em tese, escolas, hospitais, postos policiais etc.), com boa periodicidade de

atualização (frequência escolar mensal, atendimentos ambulatoriais semanais

etc.), o que permitiria a construção de indicadores de monitoramento relaciona-

dos ao contexto de vivência dos beneficiários de programas e ao tempo adequado

de tomada de decisão. De fato, projetos sociais de alcance local têm recorrido à

busca periódica de informações nesses postos de prestação de serviços públi-

cos como estratégia de monitorar resultados e impactos de sua ação. Centros de

promoção de cursos de artesanato, atividades culturais e esportivas voltados à

reintegração social de jovens em comunidades muito violentas, projetos que vie-

ram a surgir com frequência nos últimos anos, pela ação direta de prefeituras ou

organizações filantrópicas, podem ter seus resultados e impactos inferidos pelo

eventual aumento das taxas de frequência à escola, diminuição dos atendimentos

ambulatoriais decorrentes de ferimentos ou das ocorrências policiais envolvendo

jovens, entre outras informações coletadas localmente.

Naturalmente, nos dois casos aqui exemplificados – programa de Qualificação

Profissional e projeto social de reintegração social de jovens – os indicadores cita-

dos podem estar sendo afetados por outros fatores (conjuntura mais favorável do

mercado de trabalho, no primeiro caso; policiamento mais ostensivo, no segundo)

e não propriamente pela excelência do programa ou projeto. Não seriam, pois,

exatamente indicadores de impacto, mas talvez indicações potenciais de impac-

to, que para efetiva atribuição ou vinculação causal com o programa ou projeto

requereriam uma pesquisa de avaliação específica. Diferentemente dessas últi-

mas, em que a investigação da atribuição de um efeito a um programa pode ser

uma questão a avaliar para inferência a posteriori; em sistemas de monitoramento,

assume-se a priori, acreditando-se na validade do desenho de implementação, a

vinculação de ações (e de seus indicadores) com os resultados (na forma como

podem ser medidos pelas informações geradas pelo programa e outras fontes se-

cundárias de baixo custo de aquisição).62

Indicadores de eficiência, produtividade na prestação dos serviços, de cobertura

de público-alvo, de qualidade de produtos ou satisfação dos beneficiários tam-

bém deveriam constar da matriz de indicadores de monitoramento. Em programas

de qualificação profissional, por exemplo, com base nos registros de operação de-

les próprios, é possível computar indicadores como custo de formação por aluno,

número médio de alunos formados por entidade credenciada, taxa de frequência

ou abandono de qualificandos.

Como já assinalado, um bom sistema de monitoramento deve permitir a análi-

se comparativa dos indicadores ao longo do tempo e para distintas unidades de

prestação dos serviços ou atendimento do programa, assim como em relação a

padrões normativos de referência. A análise da evolução dos indicadores, de seus

62 MCDAvID; HAWTHoRN, 2006.

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avanços, retrocessos e permanências permite identificar falhas operativas do pro-

grama, ainda que, em geral, não possibilite a explicação dessas. Esta aí uma dife-

rença básica entre os sistemas de monitoramento e as pesquisas de avaliação: os

primeiros, ao assumir que existe uma lógica de encadeamento de atividades, de-

lineiam comportamentos esperados aos indicadores; nas pesquisas de avaliação,

alertados pelos desvios não esperados na evolução dos indicadores, buscam-se as

explicações valendo-se dos métodos e técnicas da pesquisa social.63

No exemplo apresentado anteriormente, se um gestor precisar entender porque a

taxa de abandono de alunos em cursos de qualificação em dada localidade ou em

uma instituição está aumentando, talvez ele consiga alguma interpretação em seu

próprio sistema de monitoramento – se este for um sistema que dispõe de infor-

mações analíticas, além de sintéticas. Pode ser que haja indicadores de contexto

que mostrem forte aumento das vagas no mercado de trabalho regional (daí a

evasão). A extração de informações do sistema para um pacote estatístico ou apli-

cativo de mineração de dados pode permitir ao gestor refinar sua hipóteses, se ele

dispuser de conhecimento ou consultoria especializada no uso das ferramentas.64

ou talvez ele não tenha qualquer pista adicional e busque uma explicação com o

dirigente da instituição ou gestor responsável pela área. é o que Worthern et al.

classificam como avaliação informal, que ocorre “sempre que uma pessoa opta por

uma entre várias alternativas existentes, sem antes ter coletado evidência formal

do mérito relativo dessas alternativas”. Embora não sejam pautadas em procedi-

mentos sistemáticos, tais avaliações nem sempre “ocorrem no vácuo”: “A experi-

ência, o instinto, a generalização e o raciocínio podem, todos eles, influenciar o

resultado das avaliações informais, e qualquer desses fatores, ou todos eles, pode

ser a base de bons julgamentos.”.65

Se o seu conjunto de indicadores de monitoramento não lhe permite chegar a

explicações satisfatórias; se suas estratégias de visitação ou contato informal não

lhe agregam evidências convincentes; ou se o processo de evasão ganha dimen-

sões preocupantes em algumas áreas e não em outras: talvez seja o momento de

o gestor pensar em encomendar uma pesquisa de avaliação.

As pesquisas de avaliação no Ciclo de Políticas e Programas

o fato de se denominar avaliação a fase posterior à implementação de programas

no Ciclo de Políticas e Programas cria uma distinção artificial entre as atividades

de monitoramento, exercida com base nos sistemas de indicadores descritos no

tópico anterior, e as de realização de pesquisas de avaliação, que podem ser feitas

a qualquer momento do ciclo.

63 IDEM, IBIDEM.

64 uM PACoTE ESTATÍSTICo GRATuITo DE AMPLA DIFuSão é o EPI-INFo, DISPoNÍvEL EM WWW.LAMPADA.uERJ.

BR/, EM QuE SE PoDE ENCoNTRAR TAMBéM MATERIAL DE CoNSuLTA E TREINAMENTo. o WEkA, DISPoNÍvEL EM WWW.

CS.WAIkATo.AC.Nz/ML/WEkA, é uM APLICATIvo GRATuITo PARA MINERAção DE DADoS, ISTo é, DISPÕE DE RoTINAS PARA

ANÁLISE DESCRITIvA E ExPLoRATÓRIA DE DADoS.

65 WoRTHERN ET AL., 2004, P.38.

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Na realidade, monitoramento e avaliação de programas são termos cunhados para

designar procedimentos técnicos formais de acompanhamento de programas, fo-

cados na análise da eficiência, eficácia e efetividade, visando ao aprimoramento

da ação pública.66 Monitoramento e avaliação são processos analíticos organica-

mente articulados, que se complementam no tempo, com o propósito de subsidiar

o gestor público de informações mais sintéticas e tempestivas sobre a operação

do programa –resumidas em painéis ou sistemas de indicadores de monitoramen-

to – e informações mais analíticas sobre o funcionamento desse, levantadas nas

pesquisas de avaliação.

Como bem conceitua o documento do Tribunal de Contas da união:

o monitoramento e a avaliação dos programas de governo são ferramentas essenciais para a boa prática gerencial. A avaliação é um procedimento que deve ocorrer em todas as etapas permitindo ao gestor federal o acompanhamento das ações e sua revisão e redirecionamento quando necessário. Enquanto o monitoramento é uma atividade gerencial interna, que se realiza durante o período de execução e operação, a avaliação pode ser realizada antes ou durante a implementação, como ao concluir uma etapa ou projeto como um todo, ou mesmo algum tempo depois, devendo se preocupar com o impacto provocado pela intervenção pública em seus beneficiários.67

As tipologias clássicas usadas para classificar as pesquisas de avaliação acabam

também favorecendo alguma confusão, por exemplo, considerar monitoramento

como avaliação de processo. Esta última é aquela realizada quando se requer ava-

liar as atividades de implementação dos programas, a extensão de cobertura do

público-alvo atendido, a qualidade dos serviços oferecidos ou, ainda, entender as

dificuldades que estão “emperrando” a efetiva operação do programa, em contra-

posição à pesquisa de avaliação de resultados e impactos, realizada idealmente

depois de resolvidos os problemas de gestão, quando se requer, já na fase de ava-

liação do ciclo, uma resposta cabal às perguntas: o problema social que originou

o programa foi equacionado? Qual a contribuição desse programa para isso? o

programa deve continuar, ser expandido ou descontinuado?68

Cohen e Franco69 as classificam, respectivamente, como avaliações formativas e ava-

liações somativas. Estas últimas seriam avaliações do tipo ex-post, distintas das ava-

liações ex-ante, que se destinam a estudos de necessidade e viabilidade de criação

de um programa. Worthern et al.70 resgatam outra classificação clássica, diferencian-

do as pesquisas de avaliação segundo seus protagonistas. Tem, então, a avaliação

interna, conduzida pela equipe do programa; a avaliação externa, realizada por equi-

66 CoHEN; FRANCo, 2000.

67 TCu, 2006, P. 75.

68 CARvALHo, 2003.

69 CoHEN; FRANCo, 1994.

70 WoRTHERN ET AL., 2004.

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43

pe de consultores externos contratados; a avaliação mista, que prevê a interação dos

dois grupos; e a avaliação participativa, construída juntamente com os beneficiários

dos programas (que também contribuem para o planejamento).

Cada modalidade tem vantagens e limitações. Se a avaliação externa parece per-

mitir um olhar externo não enviesado e comprometido com a continuidade do pro-

grama, conferindo maior isenção à análise (supondo que os consultores são abso-

lutamente profissionais, não preocupados com as chances de contratação em uma

próxima demanda de avaliação); a avaliação interna, a mista e a participativa pare-

cem permitir aportes mais circunstanciados na análise dos processos e resultados,

além de facilitar a incorporação de melhorias na gestão do programa – objetivo

último da avaliação. Avaliações internas podem ser rápidas e baratas, ao contrário

das outras modalidades. As participativas podem viabilizar aprimoramentos mais

efetivos, pelo envolvimento dos beneficiários no sucesso do programa.

uma tipologia de pesquisas avaliativas particularmente interessante, diante de

sua aderência ao Ciclo de Políticas e Programas já exposto, é proposta por Rossi

et al.,71 como ilustrado no Diagrama 3. Para esses autores, os estudos avaliativos

deveriam compor um programa de investigação completo, seguindo a lógica im-

plícita do “ciclo de vida” dos programas. Antes de tudo, seria preciso analisar a

pertinência do programa na Agenda de Políticas Públicas (Needs Assessment), in-

vestigando se responde a uma demanda social efetivamente existente.

Se o programa existe para responder a uma demanda pública de fato, e não a

uma necessidade de autopreservação de uma estrutura organizacional criada em

algum momento do passado, deveria se investigar a teoria ou o modelo de inter-

venção em que o programa se assenta (Design Assessment). Afinal, este é o melhor

desenho lógico de intervenção, no quadro de relações institucionais prevalecente

entre as esferas de governo? E frente às distintas capacidades de gestão e contro-

le social pelo país afora? Respondidas essas questões, faria sentido, então, inves-

tigar o processo de implementação do programa (Program Process Assessment), e,

caso constatada a inexistência de graves problemas quanto à entrega dos serviços

ao público-alvo, faria sentido avaliar impactos e resultados do programa (Impact

Assessment). Ao final, tendo-se apurado que o programa é socialmente justificável,

conta com um desenho de implementação adequado, com procedimentos opera-

cionais bem estabelecidos e com resultados efetivamente comprovados, passar-

-se-ia para a Avaliação da Eficiência ou Custo-Efetividade (Efficiency Assessment),

para responder se o custo da operação do programa legitima-se pelos efeitos ob-

tidos e se é replicável para outras escalas de operação.

A proposta de Rossi et al.72 é certamente um avanço conceitual na forma de se en-

tender os diferentes focos dos estudos avaliativos, para além daquelas dicotomias

“avaliação de processos/avaliação de impactos”, “avaliação ex-ante/avaliação ex-

-post” etc. Ao propor ênfases avaliativas para cada etapa do “ciclo de vida” do

programa, os autores oferecem um plano de avaliação abrangente, orientando a

71 RoSSI ET AL., 2004.

72 RoSSI ET AL., 2004.

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especificação das pesquisas de avaliação segundo uma lógica de abordagem que

tenderia a garantir, a priori, resultados relevantes e úteis ao final do processo. Tal

proposta ajudaria a definir melhor a questão crucial para o sucesso de uma pes-

quisa de avaliação de programas: que aspectos do programa devem ser avaliados

e quais devem ser abordados posteriormente, em função do estágio de maturi-

dade do programa, para maximizar as chances de se obter informações úteis e

relevantes para seu aprimoramento no momento.

When developing the questions around which the plan for an evaluation will resolve, therefore, it is best for the evaluator to start at the bottom of the evaluation hierarchy [Avaliação da necessidade do programa] and consider first what is known and needs to be known about the most fundamental issues. When the assumptions that can be safely made are identified and the questions that must be answered are defined, then it is appropriate to move to the next level of hierarchy. ….

By keeping in mind the logical interdependencies between the levels in the evaluation hierarchy and the corresponding evaluation building blocks [técnicas e instrumentos apropriados da pesquisa social], the evaluator can focus the evaluation on the questions most appropriate to the program situation.73

Afinal, não caberia especificar uma pesquisa de avaliação de resultados e impac-

tos se há dúvidas com relação ao estágio de maturidade dos processos e das ações

previstas na implementação do programa ou, ainda, se existem suspeitas de que

o desenho de implementação padece de supostos não sustentáveis em sua estru-

tura lógica de intervenção. Não caberia proceder-se a investigações complexas de

Análise de Custo-Efetividade se não há certeza de que os resultados e impactos

gerados pelo programa são significativos. Enfim, evidências de baixa efetividade

do programa poderiam ser consequências menos de falhas no desenho ou da for-

ma como ele foi implementado e mais da própria inadequação da existência do

programa, como parece ser o caso dos programas voltados a oferecer experiência

de primeiro emprego para jovens.74

73 RoSSI ET AL., 2004, P.81.

74 MADEIRA, 2004.

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dIaGrama 3: IndICadores e as PesQuIsas de avaLIação no CICLo de PoLÍtICas e ProGramas

A hierarquia de focos avaliativos de Rossi et al.75 não implica que o gestor só possa

dispor de informações acerca da eficiência, da qualidade dos serviços, da cober-

tura de atendimento do público-alvo nas fases mais adiantadas do “ciclo de vida”

do programa. Pressupõe-se que há um sistema de indicadores de monitoramento

já estruturado que reúne informações indicativas nesse sentido. Pode até ser ne-

cessário encomendar pesquisas de avaliação de resultados e impactos ou estudos

mais aprofundados de avaliação da eficiência em estágios ainda incipientes da

implementação do programa, para responder a demandas externas de avaliação.

o que os autores defendem é que se organize um plano consistente de avaliação

em todas as etapas do “ciclo de vida” do programa, e que se resista à tentação

de “colocar a carroça antes dos bois”, encomendando pesquisas de avaliação de

forma precoce e desarticulada. é preciso ser diligente com o risco de produção de

resultados irrelevantes ou, pior, com a produção de resultados precipitados em

pretensa legitimidade científica.

Cada um desses tipos de estudos avaliativos requer uma abordagem metodológi-

ca e/ou disciplinar diferente. Estudos de viabilidade ou necessidade de programas

podem se valer de análises documentais comparativas, de recurso às técnicas de

análise econômica ou mesmo às análises institucionais típicos da Ciência Política.

Análise de desenhos lógicos de implementação envolve revisão de documentos

usados quando da formulação do programa, emprego das técnicas de planeja-

mento de projetos e de comparação com outros modelos de intervenção social

semelhantes em outros contextos e momentos.

75 RoSSI ET AL., 2006.

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A avaliação de processos pode requerer emprego de técnicas variadas de coleta

de informações usadas na pesquisa social. A avaliação de resultados e impactos,

por sua vez, pode demandar emprego de entrevistas com agentes institucionais,

grupos de discussão com beneficiários dos programas, pesquisas amostrais, deli-

neamentos quasi-experimentais ou estudos comparativos de casos.

A especificação do delineamento metodológico adequado aos objetivos da pes-

quisa de avaliação pretendida é, pois, aspecto crucial. A avaliação de programas é

um empreendimento técnico-científico de uso de métodos da pesquisa social para

investigar a situação, problemas e diferentes aspectos da gestão de um programa

público, ao longo de seu “ciclo de vida”, sua concepção ao usufruto dos produtos

e serviços por ele disponibilizado, considerando o contexto organizacional e polí-

tico em que ele se insere, com a finalidade última de informar as necessidades de

aprimoramento de suas ações, de modo a contribuir, juntamente com outros pro-

gramas, na melhoria das condições sociais da população. Como empreendimento

técnico-científico, tal como na condução de pesquisas acadêmicas, a escolha do

método depende dos objetivos específicos almejados pelo avaliador. A busca de

dados secundários, a observação e suas variantes – visitação, observação parti-

cipante etc. –, as entrevistas – semiestruturadas ou estruturadas –, os grupos de

discussão, as pesquisas de campo com questionários – com amostras probabilísti-

cas ou intencionais –, e os desenhos quasi-experimentais e não experimentais são

algumas das estratégias metodológicas mais empregadas no Brasil.

Cada técnica tem suas características, vantagens e limitações. os métodos quantitati-

vos, organizados sob a égide do modelo hipotético-dedutivo, como os levantamentos

amostrais e os experimentos, compreendem técnicas bastante estruturadas – desti-

nadas à investigação de problemas específicos –, voltadas ao dimensionamento de

quantidades ou da intensidade de relações entre variáveis, supondo distanciamen-

to do pesquisador quanto ao objeto investigado. os métodos qualitativos, baseados

no princípio da produção do conhecimento pela lógica indutiva, do particular para

o geral, como a observação, as entrevistas e os grupos de discussão, compreendem

técnicas pouco ou semiestruturadas, para investigar exploratoriamente problemas

complexos, pressupondo proximidade do pesquisador ao objeto avaliado.

Foge ao escopo deste trabalho detalhar prescrições metodológicas acerca do empre-

go de uma ou outra técnica, dada a complexidade de cada uma e pela disponibilidade

de manuais brasileiros de métodos e técnicas de pesquisa social, como os de Laville

e Dionne,76 Cano,77 Richardson et al.78 e Babbie79, entre outros. vale incluir nes-

sa lista, como importante material de referência para delineamento metodológico de

pesquisas de avaliação, o documento organizado pela Secretaria de Avaliação e Ges-

tão da Informação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.80 São

apresentados 18 estudos, em sua maioria pesquisas de avaliação de programas do

ministério nas áreas de assistência social, segurança alimentar e nutricional, e renda

76 LAvILLE; DIoNNE, 1999.

77 CANo, 2002.

78 RICHARDSoN ET AL., 2002.

79 BABBIE, 1999.

80 MDS, 2007. vIDE WWW.MDS.Gov.BR, MENu “INSTITuCIoNAL – SAGI”.

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da cidadania. Na exposição do estudo avaliativo de cada programa, são apresentados

as instituições e pesquisadores participantes, o período de realização, os objetivos da

avaliação, os aspectos metodológicos acerca das técnicas de coleta de dados empre-

gadas, as características da amostra e dos sujeitos entrevistados. As bases de dados

de algumas dessas pesquisas de avaliação foram disponibilizadas no Consórcio de

Informações Sociais da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências

Sociais (Anpocs), permitindo a pesquisadores e avaliadores buscar respostas prelimi-

nares para questões de outros programas similares.81

Esse material evidencia, na prática, como a natureza do programa, o estágio em

que ele se encontra, os objetivos de avaliação, a disponibilidade de tempo e de

recursos acabam orientando as decisões metodológicas acerca de instrumentos

e técnicas de pesquisa, o tamanho, intencionalidade ou não das amostras das

pesquisas de avaliação encomendadas pela Sagi. Ilustra-se como pesquisas de

avaliação de processo conduzidas para vários programas procuram garantir levan-

tamento de informações por meio de entrevistas semiestruturadas com agentes

públicos em diferentes posições da produção dos serviços (gestores municipais,

técnicos atendentes do público), em localidades intencionalmente selecionadas

(segundo tempo de implantação do programa, por exemplo). Percebe-se, contudo,

predominância de uso de questionários bastante estruturados, mesmo em estu-

dos avaliativos de natureza mais exploratória. Constata-se também que há pouco

emprego de grupos de discussão e não se utilizam ferramentas de análise estru-

turada de textos, mesmo nos estudos avaliativos que compreenderam mais de

uma centena de entrevistas. Worthen et al. reputam essas técnicas como avanços

metodológicos significativos nas abordagens qualitativas de avaliação.82

Grupos de discussão com equipes técnicas envolvidas nos programas e, sobretu-

do, com beneficiários desses permitem levantar rapidamente informações cruciais

para aprimoramento de procedimentos e ações dos programas e também para

captar dimensões de impacto não facilmente tangíveis. Exemplo ilustrativo da téc-

nica é descrito por Carvalho, na estratégia para avaliar os resultados e impactos

do programa Jovem Cidadão em São Paulo. Esse programa visava proporcionar aos

estudantes de 16 a 21 anos da rede pública estadual de Ensino Médio a primeira

oportunidade de experiência profissional no mercado de trabalho.

Por se tratar de um público composto por jovens, a técnica utilizada foi a de grupos de discussão, aplicando-se “dinâmicas que estimulam e facilitam a manifestação dos participantes, como simulações e jogos, tornando a pesquisa quase lúdica. Tais dinâmicas ajudam a atenuar dificuldades como inibição, timidez, desconfiança de determinados públicos. Isso é particularmente útil no caso de jovens, segmento que geralmente se caracteriza por falas lacônicas, em código, em especial diante de adultos” [...].83

81 vIDE WWW.NADD.PRP.uSP.BR/CIS.

82 WoRTHEN ET AL., 2004.

83 CARvALHo, 2003, P.189.

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A análise estruturada de textos é uma técnica usada para interpretar relatos de en-

trevistas ou de grupos de discussão de forma mais estruturada, tratando palavras,

frases, parágrafos como entidades empíricas, permitindo contabilizar frequências,

recorrências e relacionamentos entre ideias de um conjunto de textos e documen-

tos. No campo dos estudos de avaliação de programas, em especial nas pesquisas

de satisfação ou avaliação de impacto junto a beneficiários de programas sociais,

a técnica pode ser utilizada como recurso analítico para sistematizar, de forma

mais objetiva e padronizada, as manifestações, opiniões e críticas presentes nos

discursos dos entrevistados, e como estratégia metodológica para garantir maior

replicabilidade das avaliações em outros contextos territoriais e temporais.84

vale observar que as pesquisas de avaliação não implicam necessariamente o le-

vantamento de dados por meio de algumas das técnicas anteriormente relaciona-

das. os dados disponíveis nos registros operacionais do programa, o sistema de

indicadores de monitoramento, as pesquisas do IBGE e dados de outros órgãos

podem permitir fazer análises preliminares a baixo custo e tempo. o problema é

que, em geral, não têm a especificidade necessária para responder questões mais

particulares do gestor.

outras fontes úteis de informação secundária são os relatórios de avaliação de

programas do Tribunal de Contas da união (TCu) e os da Controladoria-geral da

união (CGu). os relatórios do primeiro,85 elaborados desde 1998, são organizados

em grandes tópicos, iniciando-se com a exposição dos objetivos da avaliação do

programa (seção “o que foi avaliado”), da justificativa para sua realização (“Por

que foi avaliado”), dos aspectos metodológicos da pesquisa avaliativa, explici-

tando métodos e técnicas de coleta e análise dos dados, as amostras e sujeitos

investigados (“Como se desenvolveu o trabalho), e uma breve apresentação do

programa (“Histórico do Programa”). os resultados (“o que o TCu encontrou”) são

apresentados em seções, organizadas segundo os objetivos da avaliação. Ao final,

sistematizam-se as sugestões de aprimoramento para o programa (“o que pode

ser feito para melhorar o programa”).

os relatórios de avaliação da execução dos programas federais, conduzidos pela

Controladoria-geral da união,86 na forma de sorteios sistemáticos de estados e

municípios desde 2003, são também fontes de informação muito interessantes

para avaliações preliminares de processo de implementação de programas públi-

cos. um exemplo nesse sentido é o de vieira,87 que empregou os relatórios da CGu

para identificar os problemas de gestão municipal do Programa de Assistência Far-

macêutica, em uma amostra de 597 municípios.

Não existe a priori um método universal, mais legítimo ou com maior “status cien-

tífico” para toda e qualquer pesquisa de avaliação, como não existe um único mé-

todo para as pesquisas acadêmicas. Como bem assinalado em um importante ma-

nual da Pesquisa Social Americana acerca da prática da pesquisa científica:

84 JANNuzzI 2011C.

85 vIDE WWW.TCu.Gov.BR, MENu “AvALIAção DE PRoGRAMAS DE GovERNo”.

86 vIDE WWW.CGu.Gov.BR, MENu “AuDIToRIA E FISCALIzAção”.

87 vIEIRA, 2008.

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49

1. It seems to us futile to argue whether or not a certain design is “scien-tific” […] It is not a case of scientific or not scientific, but rather one of good or less good design […]

2. The proof of the hypotheses is never definitive […]

3. There is no such thing as a single “correct” design. Different workers will come up with different designs favoring their own methodological and theoretical predispositions […]

4. All research design represents a compromise dictated by the many practical considerations that go into social research. None of us opera-tes except on limited time, money, and personnel budgets […] A research design must be practical.

5. A research design is not a highly specific plan to be followed without deviation, but rather a series of guideposts to keep one headed in the right direction [...].88

é estranho, pois, que ainda persista, em certas comunidades, o mito de que os de-

lineamentos experimentais ou quasi-experimentais constituem-se nos métodos

mais adequados e legítimos cientificamente para avaliação de impactos.

Esses desenhos metodológicos de avaliação são inspirados no formato clássico do

experimento nas Ciências Naturais. Tal modelo tem o objetivo de investigar a es-

trutura e intensidade de causalidade entre uma variável-efeito dependente e seus

fatores determinantes. Para isso, é preciso garantir o controle da situação experi-

mental em laboratório e o emprego de grupos tratamento (beneficiários de pro-

gramas) e controle (não beneficiários) escolhidos de forma aleatória. Nos desenhos

quasi-experimentais, uma das condições básicas que definem o experimento não é

verificada, em geral, a designação aleatória em grupos experimental e de controle.

Como ilustrado no Quadro 2 , o desenho visa avaliar a evolução dos dois grupos –

supostamente idênticos no começo do experimento –, ao longo de tempo, e cons-

tatar se ao final há evidências de que o primeiro mostrou melhor performance que

o segundo, em uma variável entendida como reveladora dos efeitos do programa.

Programa

O1 ----------------à O2 ------------------------------------------------

C1 ----------------à C2

Medida Medida

Pré-programa Pós-programa

O: Grupo de tratamento (beneficiário do programa).

C: Grupo de controle (similar ao outro grupo, mas não é beneficiário).

Grupos de indivíduos O e C definidos por designação aleatória.

Se O2 – O1 > C2 – C1,

ou se O1 = C1 e O2 > C2, então o programa produz impacto.

88 SuCHMAN IN MILLER, 1991, P.98.

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Na realidade, tal delineamento de pesquisa – experimental ou quasi-experimental

– é um dos métodos usados para avaliação de impacto, não necessariamente o

melhor ou mais factível. Nesse tipo de desenho avaliativo, há problemas éticos

(Como escolher e justificar quem vai ser beneficiário e quem vai ficar de fora do

programa?); operacionais (Como evitar a evasão dos beneficiários? Como garantir

que os efeitos medidos são apenas do programa em foco, em meio a um contexto

crescente de intervenções sociais?); metodológicos (o indicador empregado é a

melhor medida para captar a dimensão impactada? o que se supõe como dimen-

são impactada guarda, pelo desenho lógico do programa, vinculação estreita com

as ações e atividades desse? o impacto deve ser medido sobre os beneficiários ou

junto à comunidade a que pertencem?); e epistemológicos (Como os esforços de

garantia da validade interna do experimento conspiram contra a generalização dos

resultados? Como garantir que um programa bem avaliado em circunstâncias tão

artificiais possa repetir o êxito em situações normais?)89.

Ainda que todos esses problemas fossem contornáveis, restaria um de natureza

prática: se os efeitos potenciais do programa, tal como medidos em uma deter-

minada variável, não forem elevados – algo que o incrementalismo de Lindblom

sugeriria –, as amostras de beneficiários atendidos e do grupo controle teriam que

ser consideravelmente grandes para que os testes estatísticos possam ser aceitos

sem hesitação.90

A mitificação desse desenho na avaliação de programas se deve, em alguma me-

dida, pela origem dos estudos avaliativos centrados na investigação de programas

nas áreas de educação e saúde pública, como já mencionado, nas quais esses mo-

delos podem se viabilizar mais concretamente – pelas condições de simulação de

“laboratório” em salas de aula ou pela tradição dos ensaios de tratamento clínico

de doenças. A hegemonia circunstancial dos modelos quantitativos importados da

pesquisa em Ciências Naturais, no debate sobre a cientificidade dos métodos de

pesquisa a serem ensinados e adotados na pesquisa social americana nos anos

1960 – momento de expansão dos estudos avaliativos naquele país, como já men-

cionado – também é outro fator explicativo. Nesse contexto, como sugerem Wor-

thern et al., o livro Experimental and Quasi-Experimental Designs for Research,

escrito pelos psicólogos Donald Campbell e Julian Stanley, publicado em 1966,

acabou sendo adotado como o manual de referência metodológica da comuni-

dade de avaliadores que ora se formava. Afinal, apesar das advertências sobre as

dificuldades de replicação das condições de controle laboratorial no contexto de

operação dos programas sociais, “a elegância e a precisão do método experimen-

tal levaram a maioria dos avaliadores de programa a vê-lo como ideal”.91

89 WEISS, 1972; MoHR, 1995; CANo, 2002.

90 RoSSI ET AL., 2004.

91 WoRTHERN ET AL., 2004, P.116.

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51

As críticas que se seguiram nas décadas seguintes sobre aspectos éticos, factibi-

lidade operacional e poder de generalização dos resultados de desenhos expe-

rimentais – e suas aproximações quasi-experimentais –, seja na pesquisa acadê-

mica, seja na pesquisa de avaliação de programas, a incorporação de avaliadores

provenientes das várias disciplinas das Ciências Sociais – antropólogos, sociólo-

gos, comunicólogos etc. – e a formalização mais rigorosa de abordagens de investi-

gação mais qualitativas, mais adequadas aos problemas complexos e pouco estru-

turados da realidade social, acabaram por consolidar a percepção, na comunidade

de avaliadores nos EuA, de que os estudos avaliativos requerem certo ecletismo

metodológico, integrando métodos quantitativos e qualitativos.

Na verdade, a maioria dos avaliadores sérios começou a entender que as aborda-

gens quantitativas e naturalistas têm padrões metodológicos e rigor que são dife-

rentes, e não ausentes. A maioria dos avaliadores passou a aceitar a existência das

múltiplas realidades ou pelo menos das múltiplas percepções da realidade. Com

essa consciência e uma legitimidade maior, a avaliação qualitativa surgiu como

alternativa real – ou complemento – da abordagem quantitativa tradicional.92

Ainda assim, continuam os autores, alertando que o debate não está encerrado, na

medida em que:

Aqueles que preferem o uso exclusivo ou majoritário de métodos quantitativos

estão, em sua maior parte, aborrecidos com a aceitação dos estudos qualitativos

(apesar do fato de o trabalho quantitativo ainda manter sua posição como aborda-

gem dominante da avaliação e pesquisa [...] Esses críticos da avaliação qualitativa

queixam-se com frequência da subjetividade de muitos dos métodos e técnicas

qualitativos, mostrando a preocupação de que a avaliação tenha abandonado a

objetividade em favor de uma subjetividade exercida inabilmente.93

Dada a complexidade operacional, os contextos de implementação, os desenhos

institucionais e a diversidade de públicos-alvo dos programas públicos no Brasil,

não se pode definir uma técnica de investigação como melhor em qualquer situa-

ção. Muitos programas operam em contextos complexos, pouco estruturados para

abordagens quantitativas (e muito menos para desenhos quasi-experimentais).

Nessas situações, abordagens metodológicas menos estruturadas podem levantar

evidências mais relevantes e úteis para o aprimoramento dos programas. é possí-

vel que permitam a estruturação de questões mais específicas a investigar, para

aplicação posterior de desenhos quantitativos de pesquisa. Abordagens quantita-

tivas e qualitativas não são mutuamente excludentes em um projeto de pesquisa

ou avaliação. São complementares, compatíveis e conectáveis.

92 WoRTHERN ET AL., 2004, P.117.

93 IDEM, IBIDEM.

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Pluralismo metodológico, enfoques avaliativos mistos, triangulação de aborda-

gens investigativas,94 complementaridade de técnicas – são essas as perspectivas

da pesquisa de avaliação de programas partilhadas pelos autores das duas prin-

cipais referências bibliográficas aqui citadas – Worthern et al. e Rossi et al. Rigor

metodológico, capacidade de improvisação e maleabilidade técnica diante da

complexidade do objeto de estudo, estas são as prescrições generalizáveis para

qualquer equipe – necessariamente multidisciplinar – que queira encarar respon-

savelmente a pesquisa aplicada na avaliação de programas.

Considerações finais

A ampliação do gasto social no Brasil e a diversificação dos programas voltados a

atender às diversas demandas públicas vêm pressionando o setor público a me-

lhorar suas práticas de gestão. Nesse sentido, a preocupação com o aprimoramen-

to técnico na elaboração de diagnósticos e nas atividades de monitoramento e

avaliação de programas vem crescendo.95

Sistemas ou Sistemáticas de Monitoramento e Avaliação constituem-se em con-

junto de atividades – articuladas, sistêmicas e tecnicamente orientadas – de re-

gistro, produção, organização, acompanhamento e análise crítica de informações

geradas na Gestão de Políticas Públicas, para identificação de demandas sociais,

desenho, seleção, implementação e avaliação de soluções para as mesmas, com a

finalidade de subsidiar a tomada de decisão de técnicos e gestores envolvidos nas

diferentes etapas do ciclo de vida ou maturação das Políticas e seus Programas.

Estruturar melhor os sistemas de indicadores de monitoramento e especificar pes-

quisas de avaliação mais consistentes são desafios que precisam ser rapidamente

enfrentados nos três níveis de governo – federal, estadual e municipal –, sob pena

de estender, por mais tempo ainda, a superação das iniquidades sociais no país e

sob o risco de se perder a crença de que os programas públicos podem ser vetores

impactantes da mudança social no Brasil.

Este texto procurou mostrar que tais instrumentos precisam ser especificados, res-

pondendo às demandas de informação do gestor nas diferentes fases do “ciclo

de vida” do programa, de acordo com o estágio de maturidade desse. Não há uma

receita única, pronta e acabada para desenhar esses instrumentos. Existem expe-

riências, recomendações e boas práticas.

94 TRIANGuLAR SIGNIFICA ABoRDAR o oBJETo DE PESQuISA CoM TRÊS (ou MAIS) TéCNICAS DIFERENTES DE

INvESTIGAção, CoMo LINHAS Não PARALELAS NA FoRMA DE uM TRIâNGuLo CERCANDo o oBJETo DE PESQuISA Ao

CENTRo.

95 vALE REGISTRAR, NESSE SENTIDo, A PRoPoSTA DE REALIzAção DE CuRSoS DE GRADuAção E DE

ESPECIALIzAção EM GESTão PúBLICA A DISTâNCIA PELA uNIvERSIDADE ABERTA Do BRASIL, vINCuLADA Ao MINISTéRIo

DA EDuCAção (WWW.uAB.MEC.Gov.BR), E oPERADA PELAS uNIvERSIDADES E INSTITuToS FEDERAIS, INICIATIvA

FuNDAMENTAL PARA SE IMAGINAR ALGuMA PARCELA DoS 1,7 MILHão DE SERvIDoRES MuNICIPAIS CoM ENSINo MéDIo E

1,3 MILHão CoM ENSINo SuPERIoR CoNTABILIzADoS EM 2008 NoS MAIS DE 5.500 MuNICÍPIoS BRASILEIRoS.

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A PESQUISA APLICADA ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS e a possibilidade de constRUção de Uma AGENDA ESTRATÉGICA DE AVALIAÇÃO ENTRE ACADEMIA E GOVERNO

Júnia Quiroga1

Alexandro Rodrigues Pinto2

Renata Mirandola Bichir3

Renato Francisco dos Santos de Paula4

1 DouToRA EM DEMoGRAFIA PELo CENTRo DE DESENvoLvIMENTo E PLANEJAMENTo REGIoNAL DA

uNIvERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (CEDEPLAR/uFMG) E DIREToRA DE AvALIAção Do MINISTéRIo Do

DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME (MDS).

2 MESTRE EM FARMACoLoGIA CLÍNICA PELA uNIvERSIDADE FEDERAL Do CEARÁ (uFCE) E CooRDENADoR

GERAL DE AvALIAção DA DEMANDA Do MDS.

3 DouToRA EM CIÊNCIA PoLÍTICA PELo INSTITuTo DE ESTuDoS SoCIAIS E PoLÍTICoS DA uNIvERSIDADE

Do ESTADo Do RIo DE JANEIRo (IESP/uERJ) E PRoFESSoRA ADJuNTA DA uNIvERSIDADE DE São PAuLo (uSP). FoI

CooRDENADoRA GERAL DE AvALIAção DE RESuLTADoS E IMPACTo No MDS ENTRE 2011 E 2013.

4 DouToR EM SERvIço SoCIAL PELA PoNTIFÍCIA uNIvERSIDADE CATÓLICA DE São PAuLo (PuC-SP) E

CooRDENADoR Do CuRSo DE SERvIço SoCIAL DA uNIvERSIDADE FEDERAL DE GoIÁS (uFG). FoI CooRDENADoR-GERAL

DA ÁREA DE GESTão Do TRABALHo E EDuCAção PERMANENTE Do SISTEMA úNICo DE ASSISTÊNCIA SoCIAL (SuAS) ENTRE

2005 E 2009, ASSESSoR DA SECRETARIA NACIoNAL DE ASSISTÊNCIA SoCIAL (SNAS) Do MDS ENTRE 2009 E 2012 E vICE-

PRESIDENTE Do CoNSELHo NACIoNAL DE ASSISTÊNCIA SoCIAL (CNAS) ENTRE 2008 E 2012.

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intRodUção

Este artigo reflete sobre a construção da agenda de avaliação de políticas públicas

e, mais particularmente, sobre a experiência de definição conjunta de uma agenda

entre academia e governo materializada por uma seleção pública de propostas de

estudos e avaliação das ações do desenvolvimento social e combate à fome.

Conceitualmente, não há consenso estabelecido sobre o conceito de avaliação a

ser aplicado na análise de políticas públicas. Há, contudo, suficiente entendimen-

to de que a avaliação de políticas públicas diz respeito ao julgamento de valores

associados a distintas etapas do processo de produção de políticas públicas. Trevi-

san e van Bellen (2008) realizam uma revisão teórica sobre tal conceito bem como

dos avanços dessa prática avaliativa no Brasil. os autores citam Garcia (2001), que

cunhou um conceito abrangente pautado pelas contribuições de diversos autores:

Avaliação é uma operação na qual é julgado o valor de uma iniciativa organiza-

cional, a partir de um quadro referencial ou padrão comparativo previamente de-

finido. Pode ser considerada, também, como a operação de constatar a presença

ou a quantidade de um valor desejado nos resultados de uma ação empreendida

para obtê-lo, tendo como base um quadro referencial ou critérios de aceitabilida-

de pretendidos (Garcia (2001:31) apud Trevisan e van Bellen, 2008).

À luz desse conceito, o julgamento de valores deve ser associado a um quadro de

referência, e o seu resultado potencialmente leva à estimação da quantidade ou

qualidade de determinada ação ou política. No caso da produção acadêmica brasi-

leira na avaliação de políticas públicas, constata-se forte subordinação da agenda

de pesquisa à agenda política (Arretche, 2003).

Com efeito, embora a avaliação de políticas públicas não tenha trajetória conso-

lidada no país, e nem acúmulo teórico suficiente, avolumam experiências de ava-

liação advindas de estudos de caso ou análises pontuais de políticas específicas.

Longe de estar adequadamente sistematizado, esse conhecimento produzido tem

fortalecido a formação de avaliadores no país e, também, incitado debates impor-

tantes, sobretudo quanto aos efeitos das políticas, programas, serviços e ações.

Como estratégia de governo, a prática de avaliação tem crescido ao longo dos

anos. De maneira ainda tímida, porém crescente, formam parte das estruturas da

administração direta e indireta algumas unidades de avaliação e de estudos, em

geral pequenas, dedicadas a subsidiar gestores de políticas na construção e aper-

feiçoamento dos programas que integram as políticas específicas.

A experiência mais exitosa no âmbito da administração federal direta é a da Se-

cretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) que integra a estrutura do

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) desde 2004 e que

avalia e monitora políticas, programas, ações e serviços nas áreas de transferência

de renda, segurança alimentar e nutricional, assistência social e inclusão produti-

va, além de contribuir com a formação de gestores públicos e sociais e disseminar

conteúdo técnico.

Seguindo parâmetros internacionais que estimulam que a avaliação de programas

seja feita externamente à estrutura de implementação, muitas das pesquisas ava-

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liativas da SAGI se enquadram nesse modelo e derivam da contratação de insti-

tuições públicas ou privadas de pesquisa. Em outros casos, as avaliações da SAGI

utilizaram um modelo “misto”, com desenho metodológico interno – dialogado

com as secretarias finalísticas e as instituições contratadas – e execução externa.

Há ainda um terceiro conjunto de estudos que foram concebidos e conduzidos

diretamente pela equipe interna, notadamente é um caso recorrente nas pesqui-

sas de abordagem qualitativa. Envolvendo diferentes formas de contratação, bem

como arcabouços metodológicos, o longo dos anos, entre 2004 e março de 2014,

a SAGI contratou mais de 100 estudos de avaliação sobre as diversas políticas,

programas, serviços e ações do MDS.

Seguindo a legislação nacional e as orientações dos órgãos de controle, o proces-

so licitatório é muito empregado nas contratações realizadas. Com isso, zela-se

pelo erário público e a sua adequada utilização. Contribui-se, ainda, para a trans-

parência do Estado no sentido de que sejam garantidas as condições para a com-

petição aberta entre os proponentes. Contudo, a despeito das diversas qualidades

dos processos licitatórios para a contratação de estudos, os mesmos geram alguns

impasses à prática da avaliação. o principal impasse que cumpre mencionar é o

fato de que muitas universidades, talvez a maioria delas, sente-se inibida na par-

ticipação de processos licitatórios, ora porque sua estrutura interna não permite

que a candidatura ofereça preços suficientemente competitivos com o mercado

de institutos de pesquisa, já que o overhead pago às fundações universitárias au-

menta muito os seus orçamentos, ora por despreparo administrativo para esse tipo

de competição, ora por discordâncias filosóficas sobre o papel da universidade e

o entendimento de muitos acadêmicos de que as instituições públicas não de-

vem participar de processos licitatórios – os quais se adequariam às estruturas de

mercado – mas sim executar pesquisas por outras vias de financiamento e apoio.

Independentemente das razões da ausência recorrente das universidades nos

processos licitatórios, fato é que tal ausência representa potencial prejuízo à

construção de conhecimento sobre as políticas públicas. A identificação dessa au-

sência preocupou o Departamento de Avaliação do MDS, que buscou modos de

aproximar a academia da prática de avaliação dos programas, ações e serviços sob

a coordenação do Ministério.

um certo incômodo relativo à ausência de uma parceria na construção da agenda

de avaliação se somava à preocupação de que importantes questionamentos e

provocações apresentados em estudos ou originados nos debates acadêmicos so-

bre as políticas de desenvolvimento social pudessem não estar chegando até o ní-

vel federal, por falta de espaços formais de interlocução. A participação em encon-

tros, seminários e fóruns de debate tem sido recorrente para os gestores públicos,

e provoca o encontro com a academia, porém a falta sentida era do processo de

construção conjunta e do acompanhamento sistemático. Essa falta de porosidade

entre academia e gestão também era percebida no desenvolvimento e estudo de

tecnologias sociais voltadas para a promoção do desenvolvimento social.

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Assim, amparado por Termo de Cooperação firmado entre o MDS e o Ministério da

Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)5, o MDS propôs ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fundação pública vinculada ao

MCTI que tem por finalidade promover e fomentar o desenvolvimento científico e

tecnológico do país e contribuir na formulação das políticas nacionais de ciência

e tecnologia, a construção de um edital de seleção pública de estudos junto às

instituições públicas de ensino e pesquisa.

MATERIALIZAÇÃO DA COOPERAÇÃO: A CONCEPÇÃO DO EDITAL N.º 36/2010

uma das iniciativas resultantes da cooperação política, técnica e programática fir-

mada entre MDS e MCTI foi a celebração, em 2010, do Termo de Cooperação n.º

001/2010, entre o MDS e o CNPq. o acordo propiciou, por sua vez, o lançamento

pelo CNPq do Edital n.º 36/2010 destinado à seleção de projetos de pesquisa

sobre temas afetos ao MDS.

Por meio do apoio a projetos de pesquisa ancorados em universidades brasi-

leiras, o referido edital inaugurou uma nova abordagem no desenvolvimento

de estudos e pesquisas avaliativos sobre ações do MDS. Ao invés de especi-

ficar uma a ação a ser investigada, definir os parâmetros dessa investigação e

contratar uma empresa ou consultor para realizá-la, o Ministério propôs-se a

financiar iniciativas desenvolvidas pelo meio acadêmico, desde que eles se

enquadrassem em linhas temáticas prioritárias para a agenda social do gover-

no federal.

A ação possibilitou, ainda, a aproximação do MDS, representado pela SAGI, com as

universidades públicas, por meio da prospecção de pesquisas em desenvolvimen-

to nessas instituições sobre temas de interesse do Ministério.

o Edital foi publicado em setembro de 2010 e buscou conhecer e fomentar a

produção acadêmica a respeito das iniciativas recentes de proteção e desen-

volvimento social e combate à fome que pudessem oferecer recomendações

para melhorar ações, procedimentos ou técnicas, bem como identificar tecno-

logias sociais relacionadas ao desenvolvimento das políticas de transferência

de renda, segurança alimentar e nutricional e assistência social produzidos

pela academia brasileira.

os projetos propostos deveriam se enquadrar em ao menos um dos dezessete

subtemas agregados em cinco grandes temas:

5 PoRTARIA INTERMINISTERIAL No 261, DE 20 DE ABRIL DE 2009. INSTITuI TERMo DE CooPERAção ENTRE

o MINISTéRIo Do DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME E o MINISTéRIo DA CIÊNCIA E TECNoLoGIA PARA A

IMPLEMENTAção DE AçÕES INTEGRADAS CoM vISTAS Ao CoMPRoMISSo NACIoNAL PELo DESENvoLvIMENTo SoCIAL E

INCLuSão E TECNoLÓGICA DoS BENEFICIÁRIoS DoS PRoGRAMAS SoCIAIS Do GovERNo FEDERAL. PuBLICADA No Dou EM

22 DE ABRIL DE 2009.

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1. Assistência Social

1.1) Aspecto de implementação, financiamento e avaliação dos efeitos do Benefício de Prestação Continuada (BPC – LoAS) no Brasil;

1.2) o Sistema único de Assistência Social (SuAS) e sua implantação no contexto federativo do país.

2. Segurança Alimentar e Nutricional

2.1) Aspectos da implantação do SISAN (Câmaras intersetoriais, conse-lhos, conferências e planos) e sua institucionalização em estados e mu-nicípios;

2.2) o desenvolvimento de tecnologias para captação de água da chuva para produção e consumo de alimentos de subsistência das famílias no semiárido brasileiro;

2.3) Modelos de construção de cisternas para captação de água da chuva para consumo humano.

3. Bolsa Família – Estratégias para alívio e superação da pobreza

3.1) o Índice de Gestão Descentralizada (IGD) no aprimoramento da qua-lidade de gestão local do Bolsa Família;

3.2) As estratégias de acompanhamento familiar e de gestão das condicio-nalidades do Programa Bolsa Família;

3.3) Bancarização na ampliação do crédito, na aquisição de serviços e no uso de recursos financeiros pelas famílias beneficiárias.

4. Inclusão Produtiva

4.1) Formas de Gestão para Implantação de Centrais de Intermediação de Profissionais Autônomos;

4.2) Avaliar os efeitos da implantação de grandes investimentos sobre a população cadastrada: aspectos de inclusão produtiva.

5. Integração

5.1) Dinâmica demográfica e sua interrelação com políticas de desenvol-vimento social e combate à fome;

5.2) Analisar a integração entre serviços socioassistenciais, benefícios, transferência de renda e ações de segurança alimentar e nutricional na gestão local das políticas de desenvolvimento social e combate à fome;

5.3) Desenvolver e operacionalizar o conceito de territorialidade na promoção de ações integradas de desenvolvimento social;

5.4) os Recursos Humanos voltados às políticas de Desenvolvimento So-cial e Combate à Fome: segurança alimentar, assistência social, transfe-rência de renda e inclusão produtiva;

5.5) o acesso, a implementação e os efeitos dos programas, ações e servi-

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ços de Desenvolvimento Social e Combate à Fome entre povos e comuni-dades tradicionais;

5.6) o acesso, a implementação e os efeitos dos programas, ações e servi-ços de Desenvolvimento Social e Combate à Fome entre pessoas em situ-ação de rua e catadores de materiais recicláveis;

5.7) A dinâmica familiar, as relações de gênero e as políticas de Desenvol-

vimento Social e Combate à Fome.

os temas e subtemas foram definidos em uma série de reuniões do Grupo de Traba-

lho em Avaliação e Monitoramento (GTMA) do MDS. Destinado a formular anualmen-

te um plano de avaliação e monitoramento dos programas do MDS, o GTMA conta

com a participação de representantes de todas as secretarias do Ministério, bem

como do gabinete ministerial. Ao longo das reuniões, uma lista original de mais de

30 ideias originalmente apresentadas pelas diferentes unidades do MDS foi orga-

nizada em torno das prioridades que o Ministério vislumbrava naquele momento. A

priorização foi estabelecida com base em critérios de relevância para a ação política

e de insuficiência de conhecimento sobre o tema por parte da gestão.

o Edital foi destinado somente às instituições públicas de ensino e pesquisa, por

entender-se que os grupos de pesquisa dessas instituições tendem a ser mais

perenes. optou-se, ainda, pela aceitação de que o coordenador do projeto tivesse

formação mínima de mestrado, por entender que a exigência do nível de doutor

para a coordenação dos projetos era uma restrição que poderia inibir a participa-

ção de pesquisadores cujos estudos fossem relevantes para o objetivo pretendi-

do, a despeito de seu nível de formação.

Como a motivação do Edital foi a de provocar a aproximação entre a agenda de

pesquisa da academia e a agenda de avaliação do Ministério, exigiu-se como con-

trapartidas, além do tradicional relatório final de pesquisa, que os pesquisadores

pudessem ser convocados a reuniões e apresentações sobre as suas pesquisas ao

longo do processo de sua elaboração e que produzissem um artigo que poderia vir

a ser publicado pelo MDS.

Após o período regulamentar de publicação do Edital (45 dias), foram apresen-

tados 77 projetos oriundos de instituições de todas as grandes regiões do país.

Dentre os projetos apresentados, 39 foram selecionados para financiamento por

um comitê de cinco pareceristas especialistas nas diferentes temáticas abrangi-

das pelo edital, que foram escolhidos pelo CNPq a partir de sua plataforma de

pesquisadores de produtividade. os projetos selecionados são coordenados por

pesquisadores vinculados a 28 instituições públicas de ensino e pesquisa do país.

À época da elaboração do Edital, cogitou-se pontuar diferentemente os projetos

oriundos das Regiões Norte e Nordeste, com vistas a garantir maior acesso po-

tencial dos pesquisadores dessa região aos recursos. Embora a decisão final não

tenha sido essa, cumpre observar que 18 das 39 (portanto, 46%) propostas apro-

vadas são oriundas dessas regiões.

o prazo de execução dos projetos selecionados deveria ser igual ou inferior a seis

meses, prorrogáveis mediante a apresentação de justificativa pelo coordenador

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do projeto e aprovação pelo CNPq, não podendo exceder 12 meses. o valor má-

ximo de financiamento para cada projeto foi estipulado em R$ 60.000,00, dividi-

dos em custeio (até o limite máximo de 20% do total do financiamento) e bolsas

(modalidades “Iniciação Tecnológica e Industrial” - ITI nível A e “Desenvolvimento

Tecnológico e Industrial” - DTI níveis 1, 2 e 36). o montante de recursos de fato

executado foi de R$ 1.442.598,00, totalizando, portanto, o investimento médio de

R$36.989,70 por projeto.

FoRmato de acompanHamento dos estUdos

Conforme mencionado anteriormente, a parceria estabelecida gerou no MDS o de-

sejo de compartilhar o processo de elaboração e avanço dos projetos. Entendeu-

-se que isso seria positivo tanto para a gestão como para a academia, pois alimen-

taria a gestão com conhecimentos que viriam do acompanhamento e não só do

acesso a resultados finais e fortaleceria a qualidade dos projetos desenvolvidos

ao facilitar aos pesquisadores o acesso a um conjunto de dados e contatos com a

gestão que de outra forma seriam mais demorados.

Assim, o Departamento de Avaliação da SAGI/MDS delegou pares de técnicos para

serem interlocutores permanentes de cada projeto, de forma que os pesquisa-

dores tivessem acesso ágil à gestão. Além disso, o Departamento capitaneou a

realização de duas oficinas de acompanhamento intermediário dos projetos, uma

delas pouco após o início dos mesmos e a outra próxima à conclusão desses7.

Nessas ocasiões, os pesquisadores foram expostos, em plenária, a diversos siste-

mas de informação do MDS e a exposições sobre os programas e o então recém-

-lançado Plano Brasil Sem Miséria. Além disso, em um dia inteiro de ambas as ofici-

nas, os representantes dos projetos foram reunidos em discussões que ocorreram

simultaneamente em diferentes salas temáticas e expuseram os avanços de seus

projetos para os seus pares e para debatedores oriundos das diferentes unidades

da estrutura do MDS, de outros ministérios, e do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA).

o desenho das oficinas de acompanhamento foi reconhecido como proveitoso

tanto pelos participantes da academia como da gestão e, de fato, cumpriu o propó-

sito da aproximação das partes ao longo do processo. A apresentação do desenho

das pesquisas em estágio ainda inicial, na primeira oficina realizada, foi importan-

te para que os pesquisadores recebessem sugestões dos demais pesquisadores

de sua área temática e também de gestores do MDS, possibilitando importantes

desenvolvimentos teóricos e metodológicos. Por outro lado, a apresentação dos

resultados finais dos diversos estudos consolidou o êxito dessa experiência, indi-

cando a pertinência de sua continuidade.

o encerramento da segunda oficina se deu com uma reflexão sobre a experiência

do Edital por parte dos pesquisadores, do CNPq, do MCTI e do MDS. De forma ge-

6 À éPoCA DA ExECução DoS PRoJEToS, oS vALoRES DAS BoLSAS QuE PoDERIAM SER CoNTEMPLADAS

NoS PRoJEToS vARIAvAM ENTRE R$ 161,00 E R$ 3.169,37.

7 AMBAS AS oFICINAS FoRAM REALIzADAS EM BRASÍLIA. A PRIMEIRA DELAS oCoRREu EM 6 E 7 DE ABRIL DE

2011 E A SEGuNDA EM 29 E 30 DE NovEMBRo Do MESMo ANo.

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ral, avaliou-se positivamente a experiência, tendo sido valorizados os momentos

de encontro entre a academia e a gestão; as salas temáticas que fomentaram o

estabelecimento de redes entre os próprios pesquisadores, a exemplo de encon-

tros regionais que foram concebidos a partir da parceria estabelecida nas oficinas

de acompanhamento; e, com particular entusiasmo, os coordenadores com nível

de mestrado sentiram-se estimulados pelo fato de terem sido elegíveis ao Edital.

Houve, no entanto, críticas ao curto tempo de duração dos projetos; à dissonância

entre o tempo de duração das bolsas e o tempo de duração dos projetos, sendo o

primeiro mais curto que o segundo; e, finalmente, a algumas questões relativas ao

formato de desembolso dos valores.

ResUltados do edital

Talvez devido ao caráter inovador de muitos dos programas de desenvolvimento so-

cial sob a responsabilidade do MDS, que têm consolidação recente na agenda brasi-

leira de políticas públicas, percebemos com este edital o grande interesse que temas

como transferência de renda, inclusão produtiva, segurança alimentar e nutricional e

assistência social suscitam entre os acadêmicos. Entretanto, considerando as formas

de abordagem e enquadramento desses temas, percebemos também a pertinência

da avaliação realizada por Arretche (2003) há mais de dez anos atrás: boa parte da

agenda de estudos da academia continua bastante associada à agenda do governo.

Por outro lado, foram percebidas também algumas dissonâncias entre certos te-

mas e questões considerados cruciais para o aprimoramento e desenvolvimento

dos programas, políticas e serviços, por parte do governo, que não encontraram lu-

gar entre as pesquisas propostas pelos pesquisadores. Em sentido inverso, alguns

questionamentos trazidos nas pesquisas às vezes tendiam a refletir dimensões

não mais consideradas prioritárias na agenda do governo. Pode-se pensar, nesse

sentido, que o dinamismo dos processos decisórios e das transformações institu-

cionais dos programas nem sempre anda no mesmo compasso da agenda das pes-

quisas acadêmicas, colocando desafios para uma agenda conjunta de avaliações.

Ainda assim, considera-se que o esforço de retroalimentação das agendas é válido

e oportuno e, portanto, optou-se, em 2013, por repetir a experiência e empreender

a elaboração de um novo edital conjunto entre a SAGI/MDS e o CNPq/MCTI8. A boa

avaliação levou a um aumento dos recursos investidos e as críticas feitas à estrutura

anterior foram incorporadas. Assim, o prazo de realização dos projetos foi estendido

e aumentaram-se os limites dos valores dos novos projetos (limite de R$ 60 mil,

para projetos coordenados por mestre, e R$ 100 mil para projetos coordenados por

doutor). Ademais, a estrutura de acompanhamento dos estudos será mantida.

8 EM SETEMBRo DE 2013 A CooPERAção ENTRE o MDS E o MCTI MATERIALIzou-SE EM MAIS uM EDITAL PARA

A SELEção DE ESTuDoS PoR INTERMéDIo Do CNPQ. FoI LANçADA A CHAMADA MCTI-CNPQ/MDS – SAGI Nº 24/2013 CoM

o oBJETIvo DE FoMENTAR PRoJEToS DE PESQuISA RELATIvoS ÀS PoLÍTICAS DE PRoTEção DE PoPuLAçÕES vuLNERÁvEIS,

ASSIM CoMo RELATIvAS Ao DESENvoLvIMENTo SoCIAL E SEGuRANçA ALIMENTAR E NuTRICIoNAL. o MoNTANTE ToTAL

INvESTIDo NESSA CHAMADA FoI DE R$ 2.747.795,00, TENDo SIDo RECEBIDo uM ToTAL DE 292 PRoPoSTAS, ToTALIzANDo

uMA DEMANDA DE RECuRSoS EQuIvALENTE A R$ 21.460.730,10.

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Entende-se, portanto, que o fomento temático à pesquisa acadêmica pode ser um

estímulo importante para que o estabelecimento de uma estratégica de avaliação

se concretize na academia e no governo. Nesse sentido, este livro é mais uma

contribuição a esse esforço.

uma das contrapartidas ao financiamento foi a entrega de artigos com base nos

principais resultados das pesquisas realizadas. uma vez entregues, cada artigo foi

submetido a dois pareceristas vinculados à temática pertinente sendo, necessa-

riamente, um deles vinculado ao MDS e outro externo. os pareceristas externos

incluíam professores universitários, pesquisadores, ou especialistas. um total de

60 pareceristas contribuiu com a revisão dos artigos. Após a revisão dos autores

com base nos pareceres, avaliou-se a pertinência da publicação de cada artigo,

eventualmente retornando os artigos para os pareceristas.

os cinco volumes que integram esta publicação representam a entrega final dos

resultados do Edital n.º 36/2010. os projetos de pesquisa financiados deram ori-

gem aos 34 artigos que são apresentados neste livro, organizado em cinco seções

temáticas, sempre antecedidas por artigos institucionais que visam apresentar a

visão do MDS a respeito de temas transversais como gênero, raça, povos e comuni-

dades tradicionais, transferência de renda, assistência social, segurança alimentar

e nutricional e inclusão produtiva.

Este primeiro volume do livro reúne artigos institucionais elaborados por repre-

sentantes do MDS ressaltando a relevância dessa aproximação entre a agenda de

pesquisas da academia e os temas afetos ao desenvolvimento social e combate à

fome. Em primeiro lugar, o Secretário de Avaliação e Gestão da Informação, Paulo

Jannuzzi, apresenta a publicação e, em artigo subsequente, discute aspectos te-

óricos e metodológicos do monitoramento e avaliação de políticas públicas. Em

seguida, no presente artigo, os organizadores do livro – Júnia Quiroga, Alexandro

Pinto, Renata Bichir e Renato de Paula – discutem as oportunidades e os desafios

na construção de uma agenda de avaliação que combine de maneira estratégica

os olhares da academia e do governo. os principais desafios para a realização do

Edital que originou esta publicação são apresentados pelo CNPq, em artigo de

autoria de Mariomar Almeida e colegas.

Adicionalmente, esta primeira seção do livro reúne artigos abordando os chama-

dos “temas transversais”, que se referem a abordagens integrais e intersetoriais

das temáticas afetas ao desenvolvimento social, incluindo temas como gênero,

raça, povos e comunidades tradicionais, dinâmicas familiares, entre outras. o ar-

tigo elaborado pelo Secretário Executivo do MDS, Marcelo Cardona, em coautoria

com Teresa Sacchet e kátia Favilla, introduz essa discussão ao abordar os desafios

para a construção de políticas voltadas a povos e comunidades tradicionais, bem

como para a inserção de temas como gênero, raça e etnia na agenda das políticas

públicas, levando em consideração a contribuição dos artigos que compõem essa

seção temática. Em seguida temos oito artigos abordando essas temáticas trans-

versais, oriundos das pesquisas fomentadas pelo Edital, elaborados por autores

com distintas afiliações institucionais. Assim, os artigos de Afonso et. al. (uFPA) e

Pires (uFPB) contemplaram recortes geracionais, especificamente a infância, na

relação com o Programa Bolsa Família. o artigo de Favero e Santos (uNEB) discute a

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noção de território e a convivência com o Semiárido, sob a perspectiva de gênero.

Tal perspectiva é adotada também por Leitão e Inácio (uFRPE), Albuquerque et.

al. (IFMA/Campus Codó) e Silva (uEPA) que estudaram mulheres de comunidades

pesqueiras, quebradeiras de coco e ribeirinhas. Comunidades específicas foram

abordadas por Bairros e Neutzling (uFRGS), Faustino et. al. (uEM) em artigos que

se debruçaram, respectivamente sobre a insegurança alimentar em comunidades

quilombolas do Rio Grande do Sul e a condição dos indígenas no Estado do Paraná

sua situação escolar e o seu acesso ao Programa Bolsa Família.

Na segunda seção do livro são apresentados os artigos que abordam, sob diver-

sos ângulos e aspectos, os programas de transferência, em particular o Programa

Bolsa Família e suas múltiplas dimensões – processo de cadastramento, acompa-

nhamento de condicionalidades, formas de gestão local, entre outras. Na introdu-

ção desta seção, temos o artigo elaborado pelo Secretário Nacional de Renda de

Cidadania, Luis Henrique Paiva, em coautoria com a Secretaria Adjunta da Senarc,

Letícia Bartholo, discorrendo sobre a trajetória de dez anos de Programa Bolsa

Família, seus avanços e os desafios para o futuro, bem como sobre a perspectiva

adotada pelos autores que compõem essa seção temática. Esta segunda seção

reúne quatro artigos, que abordam a temática das condicionalidades – artigos de

Rogério Medeiros (uFPB) em coautoria com Nínive Machado (uFPB) e artigo de

Giselle Lavinas Monnerat (uERJ) com Juliana França Nogueira (uFF) –, as condicio-

nalidades e a gestão do Programa, por meio do Índice de Gestão Descentralizada

(IGD) – Maria ozanira da Silva e Silva (uFMA) e Maria virgínia Guilhon (uFMA) e

também o Cadastro único – artigo de Renato veloso (uERJ).

Temas relacionados à assistência social e às territorialidades são abordados na

terceira seção, a qual é introduzida por artigo elaborado pela Secretária Nacional

de Assistência Social, Denise Colin, em parceria com Juliana Fernandes e Renato

de Paula, discorrendo sobre os desafios atuais para a área. Na sequência, temos

dez artigos que abordam diversas dimensões das desigualdades sócio-territoriais

e da vulnerabilidade das famílias, além de abordarem distintas metodologias, polí-

ticas e estratégias no campo da assistência social. Novamente, estes artigos foram

elaborados por pesquisadores e professores oriundos de diferentes instituições:

Melazzo e Magaldi (uNESP); vaz e Avritzer (uFMG); Bazzi, Gaviolli, De Paula, et al

(uTFPR); Dedecca, Belik, Trovão e Souza(uNICAMP); oliveira e kassouf (ESALQ/

uSP); Magalhães, Ramos, Bodstein, et al (FIoCRuz); Montali, Garcia, Lima, et al (uNI-

CAMP); Paiva, Rocha, Carraro, et al (uFSC); Souza, Paiva, Cavalcante, et al (uFRN).

A quarta seção traz a discussão referente à temática da segurança alimentar e nu-

tricional, sendo introduzida pelas reflexões do secretário nacional da área, Arnoldo

Anacleto de Campos, acerca dos desafios atuais para a área e a contribuição dos

estudos apresentados. Esta seção reúne dez artigos que versam sobre o estado da

segurança alimentar e nutricional na população (vianna - uFPB) et. al.; Sperandio e

Priore (uFv); Florêncio – uFAL- et. al.); o desenvolvimento de tecnologias de capta-

ção de água para consumo humano (Pereira da Silva - IFBaiano); Batista; (uFERSA);

desenvolvimento de instrumentos de medição da insegurança alimentar e nutri-

cional (Gigante – uFPEL- et. al.); desenvolvimento de sistemas locais de segurança

alimentar e nutricional (kepple, Siliprandi – uNICAMP- e Meira - Secretaria Munici-

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pal de Ação Social de Rio Claro); Palmeira (uFCG) et. al.; Burlandy – uFF- et. al. e o

Programa de Aquisição de Alimentos (Cavalli – uFSC- et. al.).

Por fim, a quinta seção abarca os desafios da inclusão produtiva no Brasil, con-

forme a discussão apresentada pelo Secretário Extraordinário para Superação da

Extrema Pobreza, Tiago Falcão, e o ex-chefe de gabinete da SESEP, Ricardo karam.

Essa seção reúne artigos que discorrem sobre os desafios da qualificação profis-

sional e inclusão produtiva para a população de baixa renda – artigo de Eucidio

Pimenta Arruda (uFu) e Durcelina Ereni Pimenta Arruda –, os efeitos de programas

de capacitação na inclusão produtiva de jovens – Frida Marina Fischer (uSP) e An-

dréa Aparecida da Luz (uSP) – e uma avaliação de metodologias de capacitação

profissional associada a programas de transferência de renda – artigo elaborado

por Sibelle Diniz (uFMG), Elizabeth Filizzola (IASIN), Jacqueline E. Rutkowski (Ins-

tituto Sustentar), Thiago Araújo do Pinho (uFMG), Luisa F. Lima (uFMG), Patrícia

vargas (uFMG) e Roberto L. M. Monte-Mór (uFMG).

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ReFeRências

ARRETCHE, Marta. Dossiê agenda de pesquisa em políticas públicas. Revista Brasileira

de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 51, p. 7-9, fev. 2003.

TREVISAN, AP; VAN BELLEN, HM. Avaliação de políticas públicas: uma revisão teórica

de um campo em construção. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro 42 (3):

529-50 maio/jun. 2008.

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EDITAL nº 36/2010: O DESAFIO

Mariomar Almeida1

Renata Gracioso Borges2

Marcelo Gonçalves valle3

Roberto Camargos AntunesJosiane B. Santos4

1 BACHAREL EM SECRETARIADo PELA uFPE, MESTRE EM ExTENSão RuRAL E DESENvoLvIMENTo LoCAL PELA

uFRPE. ASSISTENTE EM C&T DA FuNDAJ/CNPQ - [email protected]

2 BACHAREL EM ADMINISTRAção PúBLICA, MESTRE E DouToRA EM PoLÍTICA PúBLICA DE ALIMENToS E

NuTRIção PELA uNESP. ANALISTA EM C&T Do CNPQ - [email protected]

3 BACHAREL EM CIÊNCIAS SoCIAIS, MESTRE E DouToR EM ECoNoMIA DA TECNoLoGIA PELA uNICAMP.

ANALISTA EM C&T Do CNPQ - [email protected]

4 BACHAREL EM ADMINISTRAção HoSPITALAR PELA uNEB. SECRETÁRIA DA CoAGR/CNPQ.

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intRodUção

o objetivo desse artigo é apresentar os desafios da construção e acompanhamen-

to do Edital nº 36/2010 – seleção pública de propostas de estudos e avaliação das

ações do desenvolvimento social e combate à fome, desenvolvido pelo Ministério

de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) por meio da Secretaria de

Avaliação e Gestão da Informação (SAGI), em parceria com o Ministério de Ciência,

Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi-

co e Tecnológico (CNPq).

o CNPq, criado em 1951, constitui-se em uma agência de fomento de pesquisa

científica e tecnológica e à formação de recursos humanos para a pesquisa no

país, sendo órgão vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. o

mesmo possui em sua história uma parceria com órgãos nacionais e internacio-

nais, gerindo os recursos para fomento de pesquisa diretamente ligada ao desen-

volvimento científico e tecnológico do país (BRASIL a).

A parceria do CNPq com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à

Fome, antigo Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar (MESA), teve início

em 2003, com a publicação do Edital nº 01/2003, o qual teve como proposta a

seleção pública para apoio a Projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

em Segurança Alimentar no Agronegócio (BRASIL b).

o MESA, criado em 2003, foi responsável pela implementação da Estratégia Fome

zero, política impulsionada pelo governo federal para assegurar o direito humano

à alimentação adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Tal

estratégia inseriu-se na promoção da soberania e segurança alimentar e nutricio-

nal buscando a inclusão social da população mais vulnerável à fome (BRASIL c).

Em 2004, o MESA foi incorporado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Com-

bate à Fome (MDS), que tem como missão “promover a inclusão social, a segurança

alimentar, a assistência integral e uma renda mínima de cidadania às famílias que

vivem em situação de pobreza” (BRASIL d).

Em 2007, o MCTI e o CNPq, em parceria com a Secretaria da Agricultura Familiar do

Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA) e a Secretaria Nacional de Se-

gurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Com-

bate à Fome (SESAN/MDS) lançaram o Edital nº 36/2007, o qual teve como foco o

desenvolvimento de tecnologias voltadas para a agricultura familiar.

Em 2008, dando continuidade à parceria CNPq e MDS, foi lançado o Edital nº 38/2008,

o qual teve por objetivo apoiar atividades de extensão, mediante a seleção de propos-

tas para projetos multidisciplinares que desenvolvam diagnósticos e planejamentos

territoriais por meio de ações de extensão universitária, visando à promoção de se-

gurança alimentar e desenvolvimento local em territórios prioritários no âmbito do

CoNSAD – Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local.

Atinente aos recursos financeiros, esse Edital teve um montante de R$ 3.000.000,00,

sendo 35% para as rubricas Capital e Custeio, além de 65% para a rubrica Bolsa

que, após o julgamento por um Comitê ad hoc composto por especialistas, reco-

mendou a contratação de um total de doze projetos.

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A proposta para o lançamento do Edital nº 36/2010 ocorreu no dia 29/02/2010,

com um montante de recursos no valor total de R$ 1.500.000,00 (um milhão e

quinhentos mil) apenas para as rubricas Custeio e Bolsa. o CNPq viu como um

desafio, pois além do recurso ser baixo, só atendia às rubricas citadas, estando o

Edital desprovido de recursos para capital.

A construção desse artigo busca elencar os resultados alcançados, além de pontu-

ar os aspectos positivos e negativos no desenvolvimento do projeto.

Busca ainda realizar uma análise da parceria realizada entre CNPq e MDS, tendo

como instrumento um edital de seleção pública, numa perspectiva de identificar

os fatores relevantes e possibilidades de futuras parcerias.

EDITAL Nº 36/2010

o Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq nº 36/2010 foi lançado em 23/09/2011, conforme

Diário oficial da união. Teve como objetivo apoiar estudos com a finalidade de tra-

zer elementos de avaliação que pudessem auxiliar na condução ou indicar ajustes

aos programas sociais conduzidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome, de acordo com cinco linhas temáticas (BRASIL e):

1. Assistência Social

2. Segurança Alimentar e Nutricional

3. Bolsa Família – Estratégias para alívio e superação da pobreza

5. Integração

Com relação aos objetivos específicos, o propósito do edital foi conhecer e fo-

mentar a produção acadêmica a respeito das iniciativas recentes de proteção e

desenvolvimento social e combate à fome que pudessem oferecer recomenda-

ções para melhorar ações, procedimentos ou técnicas; identificar as tecnologias

sociais relacionadas ao desenvolvimento das políticas de transferência de renda,

segurança alimentar e nutricional e assistência social produzidos pelas academias

brasileiras.

os projetos deveriam priorizar estudos e avaliações ligados à proteção e ao de-

senvolvimento social no âmbito de programas, ações, serviços do MDS, que se

enquadrassem nos temas e nas linhas de ações temáticas apresentadas.

o recurso global do edital foi de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil re-

ais), oriundos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),

Programa de trabalho: 08.121.1006.4923.0001 - Gestão da Política de Desenvol-

vimento Social e Combate à Fome, Ação orçamentária 4923 - Avaliação da política

de desenvolvimento social e combate à fome.

os projetos teriam o valor máximo de financiamento de até R$ 60.000,00 (sessen-

ta mil reais), sendo financiáveis itens de bolsa e custeio, sendo que não poderia

ser gasto mais de 20% do valor total solicitado em custeio. As propostas que não

atendessem a este critério seriam desclassificadas.

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os projetos desse edital tiveram vigência de doze meses, sem prorrogação, com

bolsas aprovadas para um período máximo de seis meses.

o julgamento do edital ocorreu no período de 30/11 a 02/12/2010, com cinco

especialistas nos temas abordados para julgar as 75 propostas apresentadas.

Consoante à habilitação para participação na pesquisa, exigiu-se que o proponen-

te do projeto tivesse título de mestre e/ou de doutor e vínculo celetista ou estatu-

tário com a instituição de execução do projeto. Ademais foi permitida a participa-

ção de pesquisadores aposentados, desde que os mesmos comprovassem manter

atividades acadêmico-científicas e encaminhassem declaração da instituição de

pesquisa ou de pesquisa e ensino concordando com a execução do projeto.

A contrapartida do proponente foi o envio do Relatório Final e a Prestação de Con-

tas ao CNPq e um artigo sobre a pesquisa ao MDS, com detalhamento de todas as

atividades desenvolvidas durante a execução do projeto e o registro de todas as

ocorrências que afetaram o seu desenvolvimento.

CONSTRUÇÃO DO EDITAL Nº 36/2010

A primeira reunião para discussão sobre a construção do citado edital ocorreu no

dia 29/02/2010, idealizando quem seriam seus proponentes, bolsistas e prazo

para desenvolvimento do projeto. Para melhor desempenho, os gestores deveriam

ler sobre o Programa Bolsa Família e Territórios da Cidadania.

o prazo do projeto foi bastante discutido, pois só haveria doze meses para ser de-

senvolvido sem prorrogação. o proponente teria no mínimo a titulação de Mestre,

não sendo vedada bolsa para pós-graduando que estivesse trabalhando com os

temas abordados no Edital.

Ainda nessa reunião, os gestores do MDS/SAGI ficaram responsáveis pelo envio do

escopo do Plano de Trabalho, do Termo de Referência e do Termo de Cooperação.

1. Itens ImPortantes Para Construção do edItaL

o primeiro passo foi construir o Termo de Referência para determinar os termos das

ações e embasar os seus objetivos e recursos. o segundo passo foi construir o Plano

de Trabalho para estabelecer objetivos e diretrizes para execução das ações e ativida-

des pretendidas. o terceiro momento foi a assinatura do Termo de Cooperação, que é

uma determinação jurídica que se concretiza entre as instituições parceiras, conforme

Portaria Interministerial MPoG/MF/CGu nº 127, de 29 de maio de 2008 (BRASIL f).

Com esses elementos em mãos, iniciou-se a construção de uma minuta do Edital,

que junto com uma Nota Técnica e uma Resolução Normativa, informavam o gestor

e o substituto do Edital. Tais documentos foram encaminhados à Instância Delibe-

rativa do CNPq, a DEx, que é composta pelo presidente e dois diretores.

Após a deliberação, a minuta do Edital e do Termo de Cooperação foram encami-

nhados à Procuradoria Jurídica para analise e diligência necessária para publica-

ção do Edital.

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o parecer jurídico questionou o tipo de edital proposto, não considerando que

esse atendia a missão da instituição de pesquisa em Ciência e Tecnologia. Além

disso, questionou o fato da exigência de titulação ser de mestre e não no mínimo

de doutor, como é de praxe.

Nesses casos, os gestores justificaram que com a nova demanda social solicitada

ao CNPq, outro tipo de necessidade emergia e diante disso, outros tipos de pro-

postas devem ser abarcadas, tal como o ocorrido em outros editais, entre eles:

• CT-Agro/CT-Hidro/MCT/CNPq nº 018/2005 - Seleção Pública de Propostas

para Apoio a Projetos de Tecnologias Sociais para Inclusão Social dos Cata-

dores de Materiais Recicláveis

• CT-AGRo/CT-HIDRo/MCT/CNPq - nº 019/2005 - Seleção Pública de Pro-

postas para Apoio a Projetos de Extensão e Disponibilização de Tecnolo-

gias para Inclusão Social

• MCT/CNPq/MDA/CT-Agro - nº 020/2005 - Seleção Pública de Propostas

para Apoio a Projetos de Geração e Disponibilização de Tecnologias de

Base Ecológica Apropriadas à Agricultura Familiar

• Edital MCT/CNPq/CT-Agronegócio/ MDA – Nº 23/2008 – Programa Intervi-

vência universitária

• MCT/MDS/CNPq Nº 038/2008 - Edital Josué de Castro: Promoção de Segu-

rança Alimentar e Nutricional em Territórios CoNSAD – Etapa 1 mobilização

e planejamento

• MCT/CNPq Nº 029/2009 - Seleção Pública de Propostas de Pesquisa, De-

senvolvimento Científico e Extensão Tecnológica para Inclusão Social.

Dessa forma, ratificou-se a conveniência da Instituição em celebrar o Edital nº

36/2010 com o MDS, que teve por objetivo apoiar estudos com a finalidade de

trazer elementos de avaliação que possam auxiliar na condução ou indicar ajustes

aos programas sociais conduzidos pelo Ministério de Desenvolvimento Social e

Combate à Fome. Também, justificou que a titulação mínima exigida de mestre não

impedia a participação de doutores.

Após análise por parte das consultoria/procuradoria jurídicas das duas institui-

ções sobre os Planos de Trabalho, Termo de Cooperação e o Edital final os mesmos

foram encaminhados para assinatura os dois primeiros foram assinados no dia

15/09/2010 e o Edital foi publicado no dia 23/09/2010, o qual ficou aberto 45

dias para receber propostas das academias.

2. JuLGamento e resuLtado

A seleção de membros para julgar esse Edital apresentou certas dificuldades, visto

que o período previsto para julgamento, de 30/11 a 03/12/2010, era concomi-

tante com o fechamento da avaliação das disciplinas universitárias e seleção de

candidatos para mestrado e doutorado.

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No dia 09/11/2010, um dia após a data limite para submissão das propostas, foi reali-

zado um levantamento da demanda e foram detectadas 75 (setenta e cinco) propostas.

os gráfi co 1 e 2 mostram as propostas por região geográfi ca, por Estado e por

tema.

GRáFICO 1: PERCENTUAL DE PROPOSTAS APRESENTADAS POR REGIÃO GEOGRáFICA.

Fonte: Elaboração dos autores.

GRáFICO 2: PERCENTUAL DE PROPOSTAS APRESENTADAS POR estado.

Fonte: Elaboração dos autores.

As regiões que mais apresentaram propostas foram o Nordeste e Sudeste, com

32% e 39% das propostas respectivamente. Com relação aos Estados, Minas Ge-

rais aparece, conforme Figura 2, com maior número de propostas.

A tabela 1 apresenta a distribuição temática da demanda apresentada no edital,

segundo a região do proponente.

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tabela 1: distribuição das propostas por tema e região, em números absolutos.

Temas Co NE N SE S Total

TEMA 1: Assistência Social - 1 1 2 2 6

TEMA 2: Segurança Alimentar e Nutricional - 7 - 4 11

TEMA 3: Bolsa Família – Estratégias para alívio e superação da pobreza 1 6 - 7 4 18

TEMA 4: Inclusão Produtiva 2 1 3 1 7

TEMA 5: Integração - 10 4 13 6 33

Total Global 3 24 6 29 13 75

Fonte: Elaboração dos autores.

Dentre as propostas apresentadas, 39 (trinta e nove) projetos foram aprovados,

com 216 bolsas, nas modalidades Desenvolvimento Tecnológico e Industrial (DTI)

em todos os níveis e Iniciação Tecnológica e Industrial (ITI), nível A.

os gráfi cos 3 e 4 apresentam características das propostas selecionadas.

Gráfi co 3: Percentual de Propostas selecionadas por região geográfi ca.

Fonte: Elaboração dos autores.

Gráfi co 4: Percentual de Propostas selecionadas por Estado.

Fonte: Elaboração dos autores.

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75

A tabela 2 descreve a distribuição temática segundo a região de origem dos pro-

jetos aprovados.

Tabela 2: Distribuição das propostas selecionadas por tema e região, em números

absolutos.

Temas Co NE N SE S Total

TEMA 1: Assistência Social - 1 1 1 3

TEMA 2: Segurança Alimentar e Nutricional - 3 - 1 - 4

TEMA 3: Bolsa Família – Estratégias para alívio e superação da pobreza - 3 - 4 2 9

TEMA 4: Inclusão Produtiva 1 - - 2 - 3

TEMA 5: Integração - 7 3 6 4 20

Total Global 1 14 4 13 7 39

Fonte: Elaboração dos autores.

o Nordeste se destacou no tema 5, contemplando sete proponentes; o Sudeste,

por seu turno, com seis projetos. Porém, o tema 3, no Sudeste sobressaiu-se com

quatro propostas. No total, o Nordeste teve 14 propostas aprovadas.

é de praxe após a publicação do resultado no site do CNPq, que os candidatos

não-contemplados, ou contemplados, recorram à decisão no período de dez dias.

Contudo, apenas onze proponentes solicitaram revisão, sendo que um já tinha

sua proposta aprovada. o embasamento das justificativas de reconsideração não

questionavam o mérito do julgamento, e na sua maioria foram desclassificados por

ultrapassar os 20% do valor da rubrica Custeio.

3. aComPanHamento dos ProJetos

o MDS se propôs a acompanhar os projetos de forma didática e parceira dos pes-

quisadores contemplados, de maneira técnica e criativa. os técnicos da SAGI/MDS

organizaram a I oficina de Debates, nos dias 6 e 7 de abril de 2011, com os propo-

nentes dos projetos. Compareceram ao evento 29 (vinte e quatro) coordenadores

dos projetos, além da presença do diretor da DABS e dos gestores do edital do CNPq.

No mesmo modelo da oficina anterior, ocorreu a IIª oficina, nos dias 29 e 30 de

novembro de 2011, contando com a presença de 31 (trinta e um) pesquisadores.

Nessas oficinas, os mesmos tiveram a oportunidade de discutir os seus trabalhos e

trocar experiências entre si, apresentando as metodologias utilizadas e resultados

parciais dos seus projetos, além de conhecerem ferramentas do MDS como: Cadú-

nico, MI Social e Censo SuAS.

conclUsão

o prazo de elaboração dos editais é de no mínimo de quatro meses, em função de

diversos trâmites internos. Ademais, em editais de convênios, que dependem da

liberação das Assessorias Jurídicas dos órgãos envolvidos, podem sofrer dilação.

Editais voltados para demanda de políticas sociais, nos formatos aqui apresenta-

dos, foram frutos das políticas implementadas a partir de 2003 - Edital MCT/CNPq/

MESA/CT - Agro nº 01/2003 –Seleção Pública de Propostas para Apoio a Projetos

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de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Segurança Alimentar no Agronegó-

cio, com o objetivo de:

expandir a produção do conhecimento básico e aplicado sobre Segurança Alimentar no âmbito do Agronegócio, contribuindo para a garantia do acesso ao alimento em quantidade, qualidade e regularidade suficientes para nutrir e manter a saúde da população, por intermédio do apoio a projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, executados por pesquisadores ou grupos de pesquisa atuantes no tema (BRASIL g).

A inclusão de proponentes com a titulação de mestre gerou nova oportunidade e

concorrência positiva no aperfeiçoamento dos projetos. Normalmente, o perfil do

proponente exigido nos editais é com a titulação de doutor.

A falta de adequada leitura dos editais é um dos grandes problemas para constru-

ção do projeto. Dessa forma mais de 50% das propostas apresentadas não foram

enquadradas nos termos do Edital e foram desclassificadas.

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77

Editas temáticos, tais como os aqui apresentados, não tem a avaliação de comitê

ad hoc, e são temas, na sua maioria, específicos, os quais necessitam da escolha

por comitê de especialistas.

Existe consenso entre os membros do comitê que em pesquisas na área social, há

necessidade de melhor fundamentação teórico-metodológica. Concordam entre-

tanto que editais estimulam o envolvimento entre a academia e a sociedade civil,

necessitando no entanto da participação dessa desde a elaboração do projeto até

sua conclusão.

é válido destacar a necessidade de investir em editais com essa abordagem; incluir

visitas dos gestores do CNPq à área dos projetos, além de desenvolver fóruns de

discussões entre os ministérios envolvidos, os gestores dos editais e os propo-

nentes sobre cada projeto contemplado, a exemplo feito pelo Edital nº 36/2010.

Esse formato de edital contribuiu para analisar e avaliar as políticas públicas sob

um olhar nem sempre percebido pelos gestores dos Ministérios, contribuindo as-

sim para a melhoria e o aperfeiçoamento destes e para o desenvolvimento de

novos programas.

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ReFeRências

BRASIL a - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Apresentação. Em: http://www.cnpq.br/cnpq/index.htm. Acesso em: 03/03/2012.

BRASIL b-. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Relatório de Gestão Institucional 2003. Em: http://www.cnpq.br/cnpq/docs/relato-

rio_gestao_2003.pdf. Acesso em: 09/03/2012.

BRASIL c - Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (MESA).

Cartilha para prefeituras. Em: http://www.fomezero.gov.br/publicacoes/publicacoes/

arquivos/cartilha_prefeito.pdf. Acesso em: 09/03/2012.

BRASIL d - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Sobre o

ministerio. Em: http://www.mds.gov.br/sobreoministerio. Acesso em: 09/03/2012.

Brasil e - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Edi-

tal MCT/MDS-SAGI/CNPq Nº 36/2010. Em: http://www.cnpq.br/editais/ct/2010/036.

htm. Acesso em: 09/03/2012.

Brasil f – Portaria Interministerial MPOG/MF/CGU nº 127, de 29 de maio de 2008. Em:

http://www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/downloads/Portaria_Convenio.pdf. Acesso

em: 13/03/2011.

Brasil g - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Edi-

tal MCT/CNPq/MESA/CT-Agro nº 01/2003. Em: http://www.cnpq.br/editais/ct/2003/

docs/01_ct-agro.pdf. Acesso em: 12/03/2012.

APÊNDICE – GLOSSÁRIOBancarização – Incentivo do governo para estimular população de baixa renda, por

meio de abertura de contas eletrônicas (COSTA, Fernando Nogueira da. Microcrédito

no Brasil. In: Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 175, abr. 2010.

Desenvolvimento Tecnológico e Industrial (DTI) – modalidade de bolsa de longa

duração utilizada pelo CNPq, com a finalidade de possibilitar o fortalecimento da

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equipe responsável pelo desenvolvimento de projeto de pesquisa, desenvolvi-

mento ou inovação, por meio da incorporação de profissional qualificado para a

execução de uma atividade específica (http://www.cnpq.br/normas/rn_10_015_

anexo1_dti.htm).

CadÚnico – O Cadastro Único para Programas Sociais é um instrumento de iden-

tificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda,

entendidas como aquelas com renda igual ou inferior a meio salário mínimo por

pessoa (per capita) ou renda familiar mensal de até três salários mínimos. Suas

informações podem ser utilizadas pelos governos federal, estaduais e municipais

para obter diagnóstico socioeconômico das famílias cadastradas, para desta forma,

possibilitar a análise das suas principais necessidades (http://www.mds.gov.br/

falemds/perguntas-frequentes/bolsa-familia/cadastro-unico/beneficiario/caduni-

co-inclusao).

Iniciação Tecnológica e Industrial (ITI) – Modalidade de bolsa de longa duração uti-

lizada pelo CNPq, com a finalidade de estimular o interesse para a pesquisa e o

desenvolvimento tecnológico em estudantes do nível médio e superior ou de gra-

duados em nível médio (http://www.cnpq.br/normas/rn_10_015_anexo1_iti.htm).

MI Social – A Matriz de Informação Social (MI Social) é uma ferramenta de gestão da

informação que reúne uma série de aplicativos que permitem monitorar os progra-

mas sociais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) por

meio de dados e indicadores gerenciais. Ela disponibiliza informações e indicadores

sociais específicos de estados, municípios e Distrito Federal, além de regiões espe-

ciais como o Semiárido, a Bacia do Rio São Francisco e os Territórios da Cidadania

(http://www.mds.gov.br/gestaodainformacao/gestao-da-informacao/tipos-de-ferra-

mentas/matriz-de-informacao-social).

Rede SUAS - A Rede SUAS, responsável pela operacionalização dos sistemas de in-

formação do SUAS, alinhada com as estratégias e objetivos do MDS, visa proporcio-

nar as melhores condições para o atendimento das metas da Política Nacional de

Assistência Social (PNAS) (http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/censo2011/auth/index.

php?faq=1).

79

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TEMAS TRANSvERSAIS

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PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: PERSPECTIVAS A PARTIR DO OLHAR DE GÊNERO E DA diveRsidade sociocUltURal de povos e comUnidades tRadicionais

Marcelo Cardona Rocha1

Teresa Sacchet2 kátia Favilla3

1 BACHAREL EM CIÊNCIAS CoNTÁBEIS PELA uNIvERSIDADE FEDERAL Do RIo GRANDE Do SuL (uFRGS) E

SECRETÁRIo ExECuTIvo Do MINISTéRIo Do DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME (MDS).

2 DouToRA EM CIÊNCIA PoLÍTICA PELA uNIvERSIDADE DE ESSEx – REINo uNIDo, ASSESSoRA DA SECRETARIA

ExECuTIvA Do MDS E PESQuISADoRA SÊNIoR Do NúCLEo DE PESQuISAS EM PoLITICAS PúBLICAS DA uNIvERSIDADE DE

São PAuLo (uSP).

3 ESPECIALISTA EM GESTão AMBIENTAL PELA uNIvERSIDADE DE BRASÍLIA, ASSESSoRA DA SECRETARIA

ExECuTIvA Do MDS.

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83

intRodUção

Esta seção discorre sobre os efeitos das políticas do Ministério do Desenvolvi-

mento Social e Combate à Fome (MDS), em particular do Programa Bolsa Família

(PBF), na experiência de vida das mulheres e de povos e comunidades tradicio-

nais. os oito artigos que a compõem apresentam resultados de pesquisas que,

partindo de diferentes questões teóricas e enfoques metodológicos, chegam

a conclusões similares. Sem negar os desafios necessários para aprofundar os

efeitos das políticas de proteção social frente aos objetivos a que elas se pro-

põem, há consenso sobre suas significativas contribuições para a superação da

pobreza e ampliação da cidadania de seus beneficiários.

As ações do MDS são voltadas para os grupos mais vulneráveis da população.

Políticas de assistência social, de transferência de renda, segurança alimentar e

nutricional e de inclusão produtiva urbana e rural têm como desafio criar polí-

ticas e serviços que atendam às necessidades destes segmentos, contribuindo

para maior acesso aos direitos e expansão de sua cidadania. Esta tarefa, porém,

requer compreender as desigualdades em suas especificidades. Assim, ao mes-

mo tempo em que o MDS desenha e implementa políticas gerais para atender os

socialmente vulneráveis, diminuir as disparidades sociais e superar a extrema

pobreza há o desafio para a construção de mecanismos específicos que possam

lidar adequadamente com as persistentes desigualdades regionais, de gênero,

raça e etnia dentre outras. Atingir este objetivo é uma tarefa complexa e implica

em fazer escolhas por opções às vezes controversas.

Nem sempre os direitos são acessados por aqueles que mais necessitam de-

les. Alguns grupos, dado sua condição de elevada vulnerabilidade, tornam-se

invisíveis ao Estado. A invisibilidade social pode ser consequência de inúmeros

fatores que vão desde a ausência de direitos sociais básicos, como acesso ao

registro civil de nascimento, que favorece o acesso às políticas públicas, até o

desconhecimento da existência de direitos. os povos indígenas e os povos e

comunidades tradicionais podem ser citados como grupos que, por diversos fa-

tores como distância dos seus territórios, dificuldades com a língua portuguesa,

preconceitos dos gestores públicos, se encontram em situação de grande vul-

nerabilidade e de desconhecimento de seus direitos. Alcançar esta população,

levando até ela uma rede de proteção social e serviços públicos que respondam

as suas necessidades, é um dos objetivos e ao mesmo tempo desafios do Estado

brasileiro. A eficácia das políticas do Estado vai depender de sua habilidade de

ir ao encontro desta população, de dialogar com a diversidade dos segmentos

sociais e as especificidades regionais, e de levar em conta as desigualdades de

gênero, raça e etnia, dentre outras.

A Busca Ativa é uma estratégia do Plano Brasil Sem Miséria4- BSM - cujo objetivo é

levar as políticas públicas àquelas famílias que se encontram em situação de gran-

4 o PLANo BRASIL SEM MISéRIA é uMA INICIATIvA Do GovERNo FEDERAL CooRDENADA PELo MDS QuE

PoR MEIo DE PARCERIAS CoM DIFERENTES MINISTéRIoS vISA ESTENDER oS BENEFÍCIoS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA

Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA A ToDoS oS MEMBRoS DA PoPuLAção EM SITuAção DE ExTREMA PoBREzA (EM ToRNo

DE DEzESSEIS MILHÕES DE PESSoAS), ENQuANTo Ao MESMo TEMPo oFERECE oPoRTuNIDADE DE SuPERAção DESTA

CoNDIção ATRAvéS DE INCLuSão PRoDuTIvA uRBANA E RuRAL E ACESSo A SERvIçoS PúBLICoS.

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de vulnerabilidade social e que possuem renda per capita de até R$ 70,00 (se-

tenta reais). Ela consiste na identificação e inserção pelo Estado de cidadãos que

ainda não acessam as políticas as quais têm direito, invertendo, desta forma, a

tradicional lógica de que os cidadãos procuram o Estado para serem atendidos.

Esta estratégia possibilita ao governo: a) Incluir as famílias pobres e extrema-

mente pobres no Cadastro único para Programas Sociais do Governo Federal

(Cadastro único); b) permitir o acesso de famílias elegíveis aos programas de

transferência de renda, como o PBF; c) propiciar acesso a serviços de assistên-

cia social, saúde, educação, dentre outros; d) orientar para inclusão produtiva,

por meio de capacitações, mediação de contratações, acesso aos instrumen-

tos de crédito, fomento para atividades produtivas e assistência técnica rural.

o Cadastro único é um cadastro público que auxilia o planejamento de polí-

ticas para inclusão social e econômica de famílias com renda total de até três

salários mínimos ou com renda per capta de até meio salário mínimo. os dados

coletados neste cadastro possibilitam um diagnóstico sócio econômico que

permite a construção de iniciativas específicas, as quais são postas em práti-

ca por meio da articulação de diferentes ministérios e secretarias de Estado,

bem como da parceria entre união, estados e municípios. Assim, por exemplo,

questões relativas aos problemas de povos e comunidades tradicionais - como

comunidades quilombolas, povos e comunidades de terreiro, ribeirinhos e ex-

trativistas - podem ser vistas em suas especificidades e atendidas por políticas

mais adequadas.

Este cadastro permite mapear os diferentes problemas e vulnerabilidades so-

ciais, favorecendo, além de uma gestão mais eficiente de recursos, o desenho

de políticas efetivas para atender necessidades específicas. A partir da iden-

tificação do público mais vulnerável e de sua inserção no Cadastro único são

planejadas ações tendo em vista considerar as diferenças e diminuir as desi-

gualdades sociais.

O PROTAGONISMO DAS MULHERES NO DESENHO DE políticas sociais

uma questão polêmica no debate sobre políticas de transferência de renda

condicionadas refere-se ao seu foco nas mulheres e as implicações disso para

as relações de gênero e autonomia feminina. Nos países que implementam

programas desta natureza há uma orientação para que o benefício seja pago

às mulheres. No Brasil, o PBF atende 13,8 milhões de famílias que vivem em

situação de pobreza e extrema pobreza, por intermédio da transferência direta

de renda que é acessada por meio de um cartão magnético. De acordo com

dados recentes da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc), 93%

da titularidade destes cartões está com as mulheres.

Pesquisas revelam que as mulheres tendem a gastar os recursos do benefício

em provisões e serviços que favorecem toda a família (FIALHo, 2007; MARIA-

No e CARLoTo, 2009). Esta informação é corroborada por artigos desta seção,

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como o de Albuquerque et al, que destacam que os recursos do PBF são pre-

dominantemente utilizados na compra de alimentos, no pagamento de contas

de serviços como água, luz e gás, na compra de material escolar, em transporte

e em remédios. São as mulheres também que, como destacado no artigo de

Favero e Santos nesta seção, se responsabilizam por assuntos relacionados a

atividades escolares das crianças e seu cuidado médico. Assim, parece racional

a decisão de repassar o recurso para quem melhor faz uso dele.

Estudos sobre esta política no Brasil e no mundo consideram as possibilidades,

os limites e os desafios de ter as mulheres como principais beneficiárias des-

tes programas. Se por um lado a transferência do benefício para as mulheres

é considerada um fator positivo, na medida em que contribui para a sua auto-

nomia econômica, fortalecendo a ingerência e poder de influência delas sobre

as decisões familiares, aumentando sua autoestima e status comunitário, por

outro, ela é vista como um meio de reforço de uma identidade feminina ligada

ao cuidado e a maternidade, que reproduz um modelo de relação de gênero

fundado na desigualdade.

uma das principais críticas é que o foco nas mulheres tem por base uma visão

naturalizada e tradicional do papel social das mulheres, relacionado à sua con-

dição de mãe, mas que as condições necessárias para o seu desenvolvimento

humano e empoderamento pessoal, econômico e político tendem a ser secun-

darizadas (MoLyNEux, 2009; JENSoN, 2009). Este debate é central em estudos

sobre estes programas a partir de uma perspectiva de gênero, e está presente

na maioria dos artigos desta seção que tratam do tópico, tendo sido evidencia-

do no de Celso Antonio Favero e Stella Rodrigues dos Santos.

Apesar da constatação sobre a possibilidade de naturalização dos papéis de

gênero, a maioria dos autores que utilizam uma perspectiva de gênero para

analisar o PBF não se opõem ao fato de que o benefício seja pago às mulheres,

já que, como demonstrado nas pesquisas, isso não apenas têm uma função

instrumental, senão que também favorece as mulheres. Entretanto, eles argu-

mentam que o valor pago é insuficiente para promover a autonomia econômica

delas e não permite mudanças significantes na sua condição de vida, sendo ne-

cessário para isso o planejamento de ações complementares especificamente

voltadas para e ampliação de sua autonomia e empoderamento.

As mulheres têm, sem dúvida, contribuído com as políticas de desenvolvimen-

to e inclusão social por intermédio do uso efetivo que fazem dos recursos re-

passados pelo PBF e da observação das suas condicionalidades, porém, deve

ser destacado que ações voltadas para a sua autonomia pessoal e econômica

não têm ficado fora do planejamento das políticas do governo federal e em

particular do MDS. No BSM, por exemplo, há um número de iniciativas neste

sentido. Programas de inclusão produtiva urbana e rural têm contribuído para

a capacitação técnica e profissional e para a entrada no mercado de trabalho

dos beneficiários do PBF. Iniciativas como o Programa Nacional de Acesso ao

Ensino Técnico e Emprego (PRoNATEC) e o Programa Mulheres Mil auxiliam na

formação profissional e intermediação para o trabalho destes beneficiários. o

primeiro - que segundo dados do SPP/Sistec de abril de 2013 já capacitou mais

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de 405 mil trabalhadores e tem média mensal de adesão de 23,4 mil alunos

– tem 66% de suas vagas ocupadas por mulheres, e o segundo foca exclusiva-

mente na capacitação profissional delas.

Para as mulheres pobres um grande desafio é como conciliar trabalho remune-

rado e participação social e política, com responsabilidades familiares, como

destacam artigos nesta seção como os de Maria do Rosário de Fátima Andrade

Leitão e Pedro Henrique Dias Inácio. A população de baixa renda tende a ter

acesso limitado a serviços públicos de cuidado para crianças de zero a cinco

anos.

No que diz respeito à política de creches foi recentemente criada pelo governo

federal a Ação Brasil Carinhoso, que além de aumentar os benefícios das famí-

lias que recebem o PBF, cria incentivo para a ampliação do número de vagas em

creches, por intermédio de um aumento no repasse de recursos. o programa

aumenta em 50% o valor do repasse do Fundo de Manutenção e Desenvol-

vimento da Educação Básica e de valorização dos Profissionais da Educação

(Fundeb) para creches públicas e conveniadas com as secretarias municipais

de Educação (creches confessionais, filantrópicas e comunitárias), por vaga am-

pliada para filhos de beneficiários do PBF em idade até 48 meses. Em 2012,

mais de 381 mil crianças com este perfil foram atendidas em 22,8mil creches.

Sobre as escolas em tempo integral, o Programa Mais Educação impulsionou

um aumento expressivo nesta modalidade de educação desde 2008. Segundo

dados do MEC enquanto em 2008 havia apenas 1.374 de escolas em tempo

integral, em 2013 elas somam 47.000 unidades. Além do aumento no número

de escolas, o cruzamento dos dados do Cadastro único e do Ministério da Edu-

cação (MEC) a partir de 2011 permitiu uma focalização desta política, condu-

zindo a expansão de escolas em tempo integral em áreas com maior incidência

de beneficiários do PBF. Em 2008 este público representava apenas 28% dos

beneficiários desta política em 2013, porém, eles somam 55%.

A expansão no número de creches e escolas em tempo integral além de con-

tribuir para a educação das crianças promove a autonomia das mulheres, na

medida em que cria incentivos para que as usuárias destes serviços se capaci-

tem profissionalmente e entrem ou ampliem sua participação no mercado de

trabalho. ou seja, nos últimos anos o governo tem intensificado a implementa-

ção de políticas que potencializam um aumento do nível de participação social,

econômica e política das mulheres.

outra questão importante, diz respeito à capacitação dos servidores da rede

socioassistencial. os papéis tradicionais de gênero e as relações de poder en-

tre homens e mulheres tendem a ser reafirmadas e reproduzidas no contato

da população com os serviços públicos, na medida em que há uma propensão

para que os servidores tenham visões de gênero compatíveis com os valores

de sua sociedade. o MDS, a partir de um planejamento conjunto com a Secre-

taria de Políticas para as Mulheres, passou a incluir tópicos de gênero na capa-

citação dos profissionais da rede Suas. os cursos introdutórios e de atualização

dos profissionais da redesocioassistencial agora incluem uma perspectiva de

gênero e módulos específicos, tendo em vista instruí-los em conceitos, prá-

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ticas e serviços relacionados ao tópico. Esta medida visa desconstruir visões

tradicionais sobre gênero e orientar políticas e iniciativas específicas voltadas

para as mulheres como aquelas relacionadas à violência de gênero. Neste sen-

tido, ela pode ser de grande relevância para aumentar a autonomia pessoal das

mulheres, particularmente dado que são elas que constituem o maior púbico

atendido por profissionais da rede socioassistencial.

No que diz respeito às políticas de inclusão produtiva rural existem iniciativas

específicas voltadas para o fortalecimento das mulheres e suas organizações.

Alguns exemplos são: a) No Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) está

previsto reserva de recursos para organizações constituídas por mulheres e

percentuais mínimos de participação de mulheres nas suas diferentes moda-

lidades (40% na modalidade compra e doação simultânea e 30% na moda-

lidade formação de estoques e incentivo a produção e ao consumo de leite);

b) As políticas de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) têm focado nas

necessidades específicas das mulheres, bem como aumentado o número de

extensionistas do sexo feminino. Estas iniciativas visam à construção da auto-

nomia das mulheres no campo que em sua maioria, embora contribuam de for-

ma significativa para a produção da família, têm acesso limitado aos recursos

provenientes da mesma.

Além das ações citadas acima o MDS tem buscado adotar um recorte transver-

sal de gênero em suas políticas públicas. Desde março de 2012, um Comitê de

Políticas para as Mulheres e de Gênero, coordenado pela Secretaria Executiva

do MDS, se reúne regularmente para discutir as políticas deste ministério a

partir de uma perspectiva que inclui as necessidades específicas das mulheres

e questões de gênero e para propor iniciativas no intuito de promover a cida-

dania das mulheres e a igualdade de gênero. Este comitê contribui também

para melhor articular políticas centrais e da Secretaria de Políticas para as Mu-

lheres às políticas do MDS.

diveRsidade sociocUltURal de povos e comUnidades tRadicionais: acesso e inseRção diFeRenciada em políticas públicas

Diversas pesquisas foram realizadas, dissertações e teses escritas sobre povos

indígenas e povos e comunidades tradicionais, entretanto, ainda há necessi-

dade de aprofundamento de estudos de efeitos produzidos por políticas pú-

blicas, sejam universais ou específicas, implementadas junto a estes segmen-

tos. Na presente seção deste livro, a parceria governo federal e universidades

produziu estudos neste sentido, avaliando políticas sociais junto aos povos

indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos da Amazônia, quebradeiras

de coco babaçu, pescadoras artesanais.

os estudos aqui apresentados trazem conclusões diversas e inferências sobre a atu-

ação governamental junto a estes segmentos, comum a eles, porém, é a interpreta-

ção sobre a relevância do acesso às políticas públicas, ainda que estas necessitem

de adequações às diversidades socioculturais de povos e comunidades tradicionais.

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Na pesquisa sobre segurança alimentar e nutricional em comunidades quilom-

bolas do Estado do Rio Grande do Sul, realizada por equipe de pesquisa da

universidade Federal deste estado, os resultados apontam, por exemplo, para

a necessidade de ampliação do acesso a programas de incentivo à produção

local de alimentos e do acesso a informações sobre educação alimentar. Além

de apresentar quadro de acesso a políticas públicas pelas comunidades estu-

dadas e demonstrar que, no momento da realização da coleta dos dados, havia

vulnerabilidades sociais mesmo dentre as famílias que acessavam programas e

políticas, como a Ação de Distribuição de Alimentos e o PBF.

Com relação às questões referentes ao PBF e à permanência das famílias em

situação de extrema pobreza, com a Ação Brasil Carinhoso e o Benefício para

a Superação da Extrema Pobreza todas as famílias que estão beneficiárias do

PBF recebem, quando necessário, complemento na transferência de renda ga-

rantindo pelo menos R$ 70,00 (setenta reais) per capita. Com estas duas ações

todas as famílias incluídas no PBF, pelo critério da renda, não mais estão em

situação de extrema pobreza, sendo necessárias outras ações para melhoria do

acesso às políticas públicas e inclusão produtiva.

Ainda no âmbito do BSM tem sido implementadas ações específicas, dentro

do escopo de atendimento universal às famílias em situação de extrema po-

breza, voltadas aos povos e comunidades tradicionais, como a construção de

chamadas públicas para a realização de serviços de assistência técnica e ex-

tensão rural direcionadas ao atendimento destes segmentos, respeitando suas

especificidades. Estas chamadas tem a particularidade de buscar construir não

somente com as famílias beneficiárias, mas também com as comunidades a

que elas pertencem, projetos que potencializem a sua vocação produtiva. Para

viabilizar os projetos, as famílias beneficiárias além de receberem a assistência

técnica recebem transferência de renda não reembolsável no valor máximo de

R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais) e o acesso a insumos para a produ-

ção, como sementes.

Ações como esta do BSM buscam em um primeiro momento garantir um au-

mento da segurança alimentar e nutricional destas famílias, provendo insumos

e assessoria técnica para iniciar ou potencializar a produção de alimentos, pri-

mordialmente. Em um segundo momento, a ação visa à inclusão destas famí-

lias como fornecedores de alimentos ou produtos, que poderão ser adquiridos

tanto em mercados locais como por meio de compras públicas, como é o caso

do PAA. Este programa tem potencializado ações de inclusão de povos e comu-

nidades tradicionais como fornecedores de produtos da agricultura familiar e

não somente como consumidores das cestas de alimentos fornecidas por meio

de parcerias entre o MDS, a Companhia Nacional de Abastecimento (CoNAB),

Fundação Nacional do Índio (FuNAI), Secretaria de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial (SEPPIR) e a Fundação Cultural Palmares (FCP).

Conforme demonstrado no artigo de Fernanda Souza de Bairros e Marilda Bor-

ges Neutzling, o governo federal ainda tem desafios a serem enfrentados tanto

no aperfeiçoamento de políticas públicas, como na construção de especificida-

des que atendam à sociodiversidade de povos indígenas e povos e comunida-

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des tradicionais e no direcionamento de ações para inclusão destes segmentos

em políticas e programas. os dados levantados no artigo poderão ser mais bem

avaliados em conjunto com os dados da pesquisa realizada em 2011/12 pelo

MDS - Avaliação da Situação de Segurança Alimentar e Nutricional em Comuni-

dades Quilombolas Tituladas - a ser brevemente lançada.

No artigo elaborado pela equipe de pesquisa do Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), com as quebradeiras de coco babaçu

da região dos cocais no Estado do Maranhão, há, assim como na pesquisa rea-

lizada pela universidade Estadual de Maringá, constatação pelas quebradeiras

de coco beneficiárias do PBF de que houve melhoria na qualidade de vida e no

acesso a bens e serviços. Relatam que antes do beneficio - não precisando este

tempo, podendo estar relacionado a situações vivenciadas por suas mães que

também quebravam coco - passavam muita necessidade, incluindo episódios

de fome pela ausência completa de alimentos.

Entre as quebradeiras é ainda mencionado como positivo a constância mensal

do recebimento do benefício, garantia de que não haverá “sustos” de ficarem

sem esta fonte de renda, desde que cumpridas as condicionalidades. Esta cons-

tância de recursos permitiu que estas fizessem mudanças na rotina de traba-

lho, podendo ficar ao menos um dia por semana sem realizar a quebra do coco.

Destacam, entretanto, que o benefício tem o caráter de “ajuda”, não sendo de-

pendentes deste, pois já realizavam seu trabalho e não deixaram de trabalhar

por estarem recebendo o benefício. Desta forma, há uma manutenção de sua

tradicionalidade ligada ao trabalho de quebra do coco e a relação com o acesso

e uso de recursos naturais, não sendo, portanto, o beneficio encarado como fator

desestruturador ou desagregador da sua organização cultural e socioeconômica.

o artigo fruto da pesquisa realizada por equipe da universidade Estadual de

Maringá (uEM) junto aos povos indígenas do Estado do Paraná das etnias kain-

gang e Guarani apresenta dados sobre os efeitos do PBF entre os indígenas,

especialmente no tocante à condicionalidade de educação integrante do Pro-

grama. o PBF é um programa de transferência condicionada de renda, possuin-

do duas condicionalidades a serem observadas pelas famílias beneficiárias. Há

condicionalidade de saúde, que se relaciona ao acompanhamento de saúde

realizado por crianças até sete anos de idade (acompanhamento vacinal, de

crescimento e desenvolvimento) e de gestantes e nutrizes (acompanhamento

pré-natal e das nutrizes).

No que concerne à educação, a condicionalidade é voltada ao acompanhamen-

to da frequência escolar de crianças, adolescentes e jovens com idade entre

seis e dezessete anos. Para as crianças e adolescentes entre seis e 15 anos,

há obrigatoriedade de pelo menos 85% de frequência escolar e para jovens

de 16 e 17 anos de frequência de 75%. o cumprimento das condicionalida-

des tem aferição periódica pelo Estado, assegurando, assim, a permanência

das crianças nas escolas e o seu acompanhamento médico, condições estas

centrais para o desenvolvimento social. o cumprimento das condicionalidades

permite ainda criar incentivos por intermédio da demanda por serviços para a

ampliação e melhoria no provimento das políticas públicas.

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A pesquisa desenvolvida entre os indígenas kaingang e Guarani do Estado do Pa-

raná apresenta um aumento da frequência escolar das crianças de famílias bene-

ficiárias, apresentando percentuais de cumprimento da condicionalidade de edu-

cação entre 63 e 77% das famílias beneficiárias, sendo possível verificar, ainda, a

diminuição da ausência escolar das crianças indígenas que antes acompanhavam

os pais em atividades de coleta, confecção e venda de produtos artesanais.

Em pesquisa sobre os impactos do PBF, realizada em 2009, pelo Instituto Inter-

nacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares5 e pela Datamétrica, constatou-

-se que frequência escolar entre crianças de famílias beneficiárias do PBF é 4,4%

pontos percentuais maior em comparação com crianças que não são de famílias

beneficiárias. Destacando ainda que a progressão de ano é 6% maior entre as

crianças do Programa (SAGI/MDS, 2010).

os dados sobre as pesquisas, tanto a de impacto do PBF quanto a realizada pela

uEM, demonstram que o Programa tem conseguido atingir um de seus objetivos

que é o de aumentar o nível de escolaridade das crianças das famílias beneficiá-

rias, provendo, desta forma, meios para quebra no ciclo intergeracional de pobreza.

A pesquisa realizada pela uEM constata que apesar das famílias beneficiárias do

PBF ainda se encontrarem em situação de vulnerabilidade social há um aumento

da possibilidade de aquisição de gêneros de primeira necessidade (como alimentos

e remédios), antes não acessados pela baixa renda das famílias ou até mesmo pela

inexistência de renda. Constata, ainda, que apesar de lentamente, há uma melhoria

do acesso destas populações a bens e políticas públicas, como saúde e educação.

Atualmente o MDS está em fase de contratação de estudo de caráter etnográfico

que realizará uma avaliação dos efeitos do Programa Bolsa Família especificamen-

te entre os povos indígenas. A pesquisa será realizada em sete Terras Indígenas e

busca concentrar informações sobre o acesso ao PBF, formas de saque, utilização

dos recursos, além de buscar informações sobre a organização socioeconomica

das comunidades, atividades produtivas, acesso a políticas públicas, segurança

alimentar e nutricional.

os estudos serão realizados em Terras Indígenas pertencentes a Distritos Sani-

tários Indígenas (DSEI), que estão também sendo avaliados em pesquisa sobre o

acompanhamento da condicionalidade de saúde entre os povos indígenas. o MDS

tem buscado, desta forma, concentrar informações sobre o acesso e adequação de

suas políticas públicas aos povos indígenas e às suas especificidades. Esta ação

soma-se aos esforços aqui representados nos artigos constantes desta seção re-

sultados de pesquisas sobre efeitos de políticas públicas, neste caso o PBF, sobre

mulheres e sobre segmentos diversos.

5 INTERNATIoNAL FooD PoLICy RESEARCH INSTITuTE (IFPRI)

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consideRaçÕes Finais

Fazendo uma análise das políticas do MDS no enfoque desta seção podemos con-

cluir que, embora existam ainda desafios para a superação da pobreza e cons-

trução da cidadania social dos grupos aqui considerados, houve avanços signi-

ficativos que nos permitem afirmar que estamos no rumo certo. Nos próximos

parágrafos, citamos alguns.

um dos mais significativos impactos do PBF foi a retirada de 22 milhões de pessoas

da extrema pobreza, representando uma conquista sem precedentes em um país

historicamente marcado pela extrema desigualdade de renda e exclusão social.

o PBF propiciou aos beneficiários uma ampliação do seu acesso a alimentos que

antes não eram consumidos, contribuindo para a segurança alimentar e nutricional

destes, bem como a compra de insumos como material escolar, remédios, etc., que

beneficiaram as crianças e a família como um todo, conforme grande parte dos

depoimentos apresentados nos estudos desta seção.

Possibilitou também a documentação de pessoas da cidade e do campo funda-

mental para o exercício da cidadania e acesso a vários direitos.

No que concerne à perspectiva de gênero, embora os artigos desta seção apontem

para desafios importantes no sentido de empoderamento das mulheres, eles re-

conhecem a contribuição do benefício em várias áreas. As mulheres se beneficia-

ram da transferência de renda tornando-se menos dependentes de seus maridos/

companheiros, melhorando sua autoestima e poder de ingerência sobre as deci-

sões familiares. Com o acesso a renda houve também um aumento no status social

delas. As beneficiárias alegam que os comerciantes locais passaram a focar nelas

como consumidoras, ofertando-as crédito para compras a prazo.

Estes são destaques apenas de um número de impactos positivos citados nos tex-

tos. A expectativa é que estes resultados somados a outros derivados de políticas

de inclusão produtiva urbana e rural e da iniciativa recente de ampliação da rede

de serviços públicos para a área de cuidado com as crianças irão fomentar uma

maior autonomia feminina.

Na perspectiva dos povos e comunidades tradicionais há nos estudos também

a constatação de que o PBF favoreceu o acesso a gêneros alimentícios, sem que

houvesse rompimento das atividades econômicas executadas por estes grupos.

os artigos também permitem concluir que em consequência do cumprimento das

condicionalidades, houve melhora significante na frequência escolar de filhos dos

beneficiárias do PBF, e no seu acompanhamento médico, o que constitui-se em

fator essencial para o desenvolvimento social das gerações futuras.

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As condicionalidades do PBF conduziram também a um aumento no acesso a po-

líticas públicas como de saúde e educação, na medida em que geraram maior de-

manda por estes serviços.

Em termos de desafios, ainda são muitas as iniciativas políticas necessárias para

o desenvolvimento pleno da cidadania dos beneficiários das políticas do MDS.

Dentre estas foram destacadas nos artigos a necessidade de aprofundamento de

estratégias de igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, e a amplia-

ção de equipamentos sociais.

Sobre a proposta de ampliação do número de vagas em creches, vale destacar,

porém, que a iniciativa do governo federal de ampliação do número de creches

públicas no país, bem como de ampliação de vagas naquelas já existentes, deve

em um curto período de tempo criar impactos positivos neste sentido.

é também destacado a importância de os beneficiários do PBF conhecer mais a

fundo o próprio Programa, reconhecendo-o como um direito de cidadania, poden-

do em contrapartida contribuir com seu aporte para o planejamento de ações do

programa.

Por fim, um desafio permanente posto é a necessidade de monitoramento e ava-

liação das políticas do governo. Assim, a realização de outras pesquisas sobre os

efeitos de políticas sociais do MDS para as mulheres e entre povos indígenas e po-

vos e comunidades tradicionais podem contribuir para aprofundar os resultados

dos estudos aqui apresentados, bem como elucidar novas questões, importantes

para a análise das políticas correntes e planejamento das ações futuras.

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PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DOS ASPECTOS SOCIODEMOGRÁFICOS E das Rotinas de cRianças nos conteXtos URBANO E RIBEIRINHO AMAZÔNICO

Tatiana Afonso - universidade Federal do Pará (uFPA)Maria Elizabeth Costa Araújo - universidade Federal do Pará (uFPA)Daniela Castro dos Reis - universidade Federal do Pará (uFPA)Simone Souza da Costa Silva - universidade Federal do Pará (uFPA)Fernando Augusto Ramos Pontes - universidade Federal do Pará (uFPA)

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intRodUção

os estudos sobre rotinas permitem identificar o modo como crianças e jovens de

diferentes contextos utilizam seu tempo avaliando tanto as atividades quanto os

ambientes e as companhias. A análise do uso do tempo mostra-se capaz de revelar

carências, dificuldades, assim como oportunidades de desenvolvimento e sociali-

zação (HuSToN; WRIGHT; MARQuIS; GREEN,1999; LARSoN; vERMA, 1999).

Cada atividade realizada em momentos específicos de tempo apresenta padrões

caracteristicamente distinguíveis de comportamento, em que o participante se

engaja por meio de regras, roteiro, papéis e objetivos em associação com diferen-

tes experiências emocionais e motivacionais (SIMIoNATo-Tozo; BIASoLI-ALvES,

1998). Exemplos de categorias fundamentais de atividade são: o trabalho domés-

tico, as tarefas escolares e o brincar (SILvA; PoNTES; SANToS; MALuSCHkE; MEN-

DES; REIS; SILvA, 2010).

os estudos sobre orçamento de tempo de crianças têm sido realizados principal-

mente em países desenvolvidos, como Estados unidos e alguns países europeus.

No Brasil, tais análises giram em torno das diferenças entre classes sociais. Car-

valho e Machado (2006) em ampla e aprofundada pesquisa, compararam o uso

do tempo de crianças das classes popular e média alta a partir de estudantes de

escola pública e particular de Porto Alegre – RS, mapeando as atividades realiza-

das pelas crianças quando não estão na sala de aula, traçando assim comparações

quanto ao gênero (entre meninos e meninas) e quanto aos diferentes grupos so-

ciais (classe popular e classe média alta).

As mesmas autoras ressaltaram o gênero como sendo “um dispositivo simbólico

e categórico, criado culturalmente, transformado historicamente e sustentado so-

cialmente, que interfere diretamente nos usos do tempo das crianças e na organi-

zação interna das famílias” (CARvALHo & MACHADo, 2006, pp.72). E sendo assim,

considera-se gênero como elemento importante nesta análise, somando-se a essa

o contexto cultural no qual a criança está inserida.

A diferença de gênero tende a ser maior na adolescência e particularmente en-

tre as famílias pobres, já que em muitos lugares, os pais valorizam o trabalho

doméstico das meninas e preocupam-se em investir mais nos meninos (CARvA-

LHo & MACHADo, 2006). Em estudos sobre populações ribeirinhas amazônicas

(SILvA & cols., 2010) o gênero é um fator que demarca quais são as atividades

desenvolvidas por cada membro familiar e nesse sentido, “as mulheres são res-

ponsáveis pelos cuidados domésticos e atividades executáveis dentro da casa, à

medida que o homem trabalha e realiza suas ocupações nos espaços exteriores”

(SILvA & cols., 2010, p. 348).

Associado ao gênero, tem-se o tempo destinado à escolaridade que na maioria

das informações sobre as atividades, agrega dados sobre quem está ou não está

frequentando a escola. Diversi, Filho e Morelli (1999) relataram que em comunida-

des pobres no Brasil, o dia escolar se resume em uma hora e meia, isso para que as

escolas possam acomodar de 4 a 5 grupos de estudantes por dia. outro dado de

pesquisa demonstra que em muitas populações em transição, os garotos frequen-

tam mais a escola do que as garotas (LARSoN; vERMA, 1999).

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Diferenças sobre as rotinas de crianças entre populações (industrializadas ou não,

presentes em contextos ecológicos diferenciados e com maior ou menor renda

per capita) podem ser medidas a partir da quantidade de tempo gasto com tarefas

diárias, como as escolares. As tarefas escolares são tidas como práticas culturais

que ressaltam as relações da família com a escola (CARvALHo, 2004). Esse tipo de

atividade é mais comum, no entanto, em contextos industrializados e acentuada-

mente mais frequentes, no caso brasileiro, em famílias que têm filhos em colégios

particulares, onde são reconhecidas por pais e professores como ocupação ade-

quada às crianças por se apresentar como um componente importante do proces-

so ensino- aprendizagem (CARvALHo, 2004).

Não apenas as tarefas escolares ensinam e direcionam a aquisição de habilidades

complexas para uma criança, mas o brincar e todas as atividades associadas a essa

importante categoria se apresenta como um meio pelo qual uma criança aprende e

interage com o mundo real, assim como com o universo cultural/simbólico no qual

está inserida (REIS, 2007). A brincadeira representa um fator de grande importância

no processo de desenvolvimento e de socialização da criança, proporcionando-lhe

novas descobertas a cada momento, refletindo assim, o contexto no qual está inse-

rida. Pesquisas apontam, no entanto, que a diminuição do espaço físico e temporal

destinado ao jogo, provocado pelo crescimento da indústria de brinquedos, pela

influência da televisão e de toda mídia eletrônica, se apresentam como elementos

indicadores de preocupações com a atividade lúdica (NETo, 1995).

Neto (1995) destaca inclusive que as alterações ocorridas na estrutura social e

econômica das sociedades, devidas ao processo de modernização e inovação tec-

nológica, geraram transformações nos hábitos cotidianos e na sua relação com os

fatores ecológicos. volpato (1999) afirma que as questões de tempo e de espaço

para o jogo, a brincadeira e o uso do próprio brinquedo é um problema essencial

das sociedades contemporâneas ou pós-industriais, entendendo que o uso do es-

paço, objetos de jogo e o tempo disponível para tal devam ser reconsiderados de

acordo com as mudanças e razões de mobilidade de cada população, seja no meio

urbano, nas periferias ou nas zonas rurais.

Numa leitura ecológica, aquilo que a criança faz, os papéis desempenhados pelas

pessoas ao seu redor e as relações marcadas pelas trocas afetivas, estruturam seus

microssistemas experenciados (BRoNFENBRENNER, 1996). Tais microssistemas

apontam de maneira indissociável para as características de ordem microssistê-

mica desses ambientes, ou seja, a composição familiar, características dos familia-

res, contextos que influenciam suas rotinas (escola, vizinhança, trabalho dos pais

dentre outros) e os aspectos de ordem macrossistêmica que se refere à educação,

pobreza, violência, oferta de trabalho, renda familiar e políticas públicas que vi-

sam garantir os direitos à alimentação, saúde, educação, moradia e trabalho aos

desfavorecidos economicamente.

Sobre o microssistema familiar, muito tem sido considerado pelas ciências sociais

e pela psicologia. Sabe-se que esse sistema vem sofrendo transformações impor-

tantes ao longo dos anos, no entanto, apresenta ainda uma rígida divisão sexual

dos papéis e atribuições a partir do isolamento da mulher no espaço doméstico-

-familiar e a socialização do trabalho dos homens. Nesse sentido, as mulheres

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passam ingressar na produção social, mas continuam responsáveis pela esfera

doméstica (LAvINAS, 1996; SANCHES, 2001).

Diante das possíveis configurações familiares, ganham destaque as monoparen-

tais femininas. Tal fenômeno cresce principalmente entre as famílias mais pobres

e está relacionado à menor capacidade de ganho das mulheres, provocada por

diversos fatores cujo principal vetor é a condição de gênero articulado à classe

e etnia (BuTTo, 1998; CARLoTo, 2005; LAvINAS, 1996). Segundo dados do Pes-

quisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) (1990) metade das mulheres

que trabalham está no setor informal, destituída de direitos previdenciários. Elas

trabalham majoritariamente em tempo parcial, contra apenas 15,5% dos homens.

Dentre os trabalhadores que desenvolvem atividades em seu próprio domicílio,

82,2% são mulheres, indicando que as oportunidades de multiplicar suas ativida-

des são restritas à possibilidade de compatibilização entre os limites do espaço e

as atividades domésticas (PNAD, 1990).

Segundo Sanches (2001), em pesquisa desenvolvida em regiões metropolitanas,

os lares mantidos por mulheres possuem renda familiar inferior aos lares onde

os homens são os principais contribuidores. Para a autora, nas famílias mantidas

por mulheres, encontram-se as maiores taxas de desemprego. Segundo dados

do Censo Demográfico de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE), aproximadamente 25% das famílias brasileiras são lideradas

por mulheres e esta não é apenas mais uma forma alternativa de família den-

tre tantas outras, já que a monoparentalidade pode ser uma dificuldade a mais

que sobrecarrega, em geral, a figura feminina (yuNES, GARCIA & ALBuQuERQuE,

2007). Para as autoras, isso sugere que as mulheres de classes de baixa renda

e no papel de provedoras enfrentam uma somatória de problemas e mudanças

que transcendem a questão da pobreza em si, sendo de extrema importância

a manutenção de políticas públicas que visam diminuir os efeitos da pobreza

sobre suas famílias.

Em relação às políticas públicas de ordem macrossistêmica, ganha destaque no

caso brasileiro o Programa Bolsa Família. Este programa surgiu a partir do Fome

zero com a expansão recente de programas de transferência de renda direta com

condicionalidade focalizado na população em situação de pobreza e de pobreza

extrema, contribuindo para uma ampla redistribuição de renda entre as famílias

e atuando diretamente no rendimento familiar. Para as famílias com rendimento

familiar per capita de até ¼ de salário mínimo, os rendimentos de outras fontes

(como o recebimento do Bolsa Família) representavam 28,0%, em 2009, do total

da renda familiar, ao passo que, em 1999, essa participação era de apenas 4,4%

(IBGE, 2010).

Diante deste cenário, reconhece-se a importância de equipes de pesquisas bra-

sileiras nas mais diversas áreas do conhecimento em participarem de trabalhos

que busquem maior entendimento sobre os impactos dos programas que visam à

redução da pobreza na vida da população. Este desafio exige técnicas e metodolo-

gias adequadas e refletem a parceria entre ciência e políticas públicas.

Não é de hoje que o conhecimento científico e as políticas públicas buscam de

maneira integrada respostas aos principais problemas socioeconômicos que im-

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pactam de forma negativa a promoção do desenvolvimento humano. Dentre os

teóricos interessados por esta relação, ganha destaque Ürie Bronfenbrenner, com

produções que desde o final da década de 70 vem auxiliando na geração de méto-

dos sensíveis à relação entre pessoas e instituições presentes nos contextos dos

quais fazem parte (BRoNFENBRENNER, 2011).

Bronfenbrenner (1979/1996) em sua obra destaca a importância das políticas pú-

blicas não apenas aos sujeitos em desenvolvimento, mas também aos pesquisa-

dores uma vez que serão tais políticas que apontarão os caminhos orientadores

de suas questões. E desse modo, pesquisadores de áreas diferenciadas buscam

construir procedimentos que tornem as ações governamentais mais eficazes nos

seus propósitos desenvolvimentistas.

Dos programas governamentais das últimas décadas no Brasil tem se destacado, de-

vido sua abrangência, o PBF, instituído em 2004 pela Lei 10.836, de 09 de janeiro de

2004, e regulamentado pelo Decreto nº 5.209/04, de 17 de Setembro de 2004. Foi

organizado a partir da aglutinação de outros programas sociais como o Bolsa Escola

vinculado ao Ministério da Educação; o Auxilio Gás do Ministério de Minas e Energia;

e o Cartão Alimentação do Ministério da Saúde. o PBF, portanto, surgiu como o pro-

grama que propõe uma ação inovadora de redução da pobreza ao longo da história

brasileira, tendo como meta, além da redução da pobreza econômica, promover a

permanência da criança na escola e o acompanhamento sistemático na saúde.

o PBF se apresenta como um programa de transferência direta de renda com con-

dicionalidades. Além de cumprir o critério de viver em condição de pobreza, a famí-

lia contemplada pelo programa deve garantir a frequência escolar mínima de 85%

para crianças entre 6 e 15 anos e de 75% para adolescentes entre 16 e 17 anos.

Somada a essa condicionalidade, o PBF exige ainda que as famílias acompanhem o

calendário vacinal e do crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7

anos e por fim, realize o pré-natal das gestantes e acompanhamento das nutrizes

na faixa etária de 14 a 44 anos. Nesse sentido, em longo prazo, espera-se que estas

famílias consigam romper com o ciclo de pobreza que se mantém por gerações.

A transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza. As condicionali-

dades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde

e assistência social. A gestão do PBF é descentralizada e compartilhada por união,

estados, Distrito Federal e municípios. os três entes federados trabalham em con-

junto para aperfeiçoar, ampliar e fiscalizar a execução do Programa. A lista de be-

neficiários é pública e pode ser acessada por qualquer cidadão.

Diante da abrangência do Programa e tendo em vista sua importância para as rotinas

familiares frente às condicionalidades estabelecidas, o presente trabalho teve por

objetivo principal descrever o orçamento de tempo de crianças atendidas pelo PBF

em contextos empobrecidos economicamente e distintos em suas ecologias: a peri-

feria urbana da capital do Pará e a região ribeirinha amazônica (PA). o foco foi com-

preender a distribuição das atividades diárias das crianças atendidas pelo Programa

em tais contextos, pois se acredita que o modo como estas crianças usam seu tempo

pode oferecer elementos indicadores de seu desenvolvimento ao longo do tempo.

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Entende-se que a caracterização dos contextos aliados à rotina das crianças per-

mitiu verificar: 1) o uso que as crianças fazem de seu tempo, 2) a diferença de

gênero no uso do tempo e 3) as diferenças do uso desse tempo em função das

características das populações.

mÉtodo

PartICIPantes

Participaram deste estudo 60 crianças (Participantes-Alvo), sendo 30 pertencen-

tes à população urbana (15 meninos e 15 meninas) e 30 pertencentes à Ilha do

Combu, região ribeirinha amazônica (16 meninas e 14 meninos).

CrItérIos de InCLusão

A escolha das famílias se deu pelos seguintes critérios: as crianças deveriam estar

cursando entre a 1ª e a 4ª série do ensino fundamental; ser aluno (a) matriculado

(a) regularmente nas escolas municipais escolhidas e ser beneficiário do PBF.

amBIente

Contexto urbano: periferia de Belém

A escolha pela unidade pedagógica, localizada no bairro do Condor, levou em con-

sideração a facilidade de acesso, assim como a parceria firmada com as instâncias

educativas referentes às coordenadorias locais e Secretaria Municipal de Ensino.

Esse contexto apresentou características dos bairros periféricos em que as casas

e a própria escola são construções em alvenaria e/ou madeira, marcados pelo em-

pobrecimento local e carente de alguns serviços eficientes, como exemplo, a se-

gurança. No entanto, possuía infraestrutura básica em relação ao saneamento am-

biental como coleta regular de lixo e água encanada. A escola selecionada foi uma

escola municipal de ensino infantil e fundamental, pioneira no bairro (inaugurada

em 1951) e sede da escola ribeirinha anexa. Possui 10 salas de aula, um labora-

tório de informática, quadra esportiva, local com mesas e cadeiras coberto onde

as crianças aguardam seus pais e uma biblioteca. Funciona em três turnos: uma

turma de educação infantil e as demais de ensino fundamental organizados em

ciclos de formação – C1 (3 anos) e C2 (2 anos). A coordenadoria não dispunha de

informações referentes ao número de crianças que recebiam o benefício do PBF.

Contexto ribeirinho amazônico

Realizou-se a pesquisa em uma comunidade localizada na Ilha do Combu, que dis-

ta aproximadamente 15 minutos da capital com acesso exclusivo por via fluvial, a

ilha é considerada como área de proteção ambiental, localizada à margem esquer-

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da do rio Guamá, com extensão de 15 km². A comunidade selecionada encontra-

-se às margens dos rios Piriquitaquara, Furo da Paciência e Furo de São Bendito,

caracterizada pelo peculiar estuário amazônico com fauna e flora diversificadas,

típicas da região.

As moradias são de madeira, cobertas com telhas de barro ou amianto, construídas

em palafitas e distante, aproximadamente 30 metros umas das outras. A energia

elétrica antes de julho de 2011 não existia. Não há tratamento de água, sendo que

a água potável é obtida em uma torneira pública, em Belém, e transportada em

baldes e embalagens plásticas até a comunidade. Em termos de infraestrutura, a

comunidade não possui espaços planejados para o lazer, sendo assim, as crianças

participam de todas as atividades presentes na comunidade, juntamente com seus

pais e demais familiares.

A escola pertencente à comunidade está localizada no igarapé Piriquitaquara, ca-

racterizada pelo estilo amazônico ribeirinho, construída em madeira sobre palafi-

tas. Composta por duas salas de aula, pátio, copa, banheiros e sala de coordena-

ção, além de uma área na parte externa, disponível para recreação quando o nível

do rio encontra-se baixo. Possui salas multisseriadas, sendo no período matutino

a educação infantil e o ciclo 1 e à tarde, o ciclo 2 que abrange crianças de 6 a 10

anos de idade. Durante as reuniões com a coordenação, os pesquisadores pude-

ram conhecer a rotina da escola e adquirir uma lista com os nomes das crianças,

obtendo ainda a informação de que todas recebiam o PBF.

ProCedImentos adotados na CoLeta dos dados

Inserção da equipe na escola da periferia urbana

Após a autorização da coordenação escolar, a equipe acordou com a escola os ho-

rários de coleta, que ocorreram no intervalo entre os horários das aulas, nos turnos

da manhã, intermediário e tarde. As abordagens aos responsáveis aconteceram no

pátio da escola, no momento em que estes buscavam ou deixavam os filhos. o

período de coleta correspondeu os meses entre abril e novembro de 2011.

Inserção da equipe no contexto ribeirinho amazônico

Primeiramente foram realizados contatos com a associação de moradores e a esco-

la, através dos quais se obteve uma lista com os nomes das crianças participantes.

A unidade pedagógica da ilha dispõe de serviço de condução fluvial das crianças

e jovens que frequentam tanto a própria unidade quanto escolas de ensino funda-

mental e médio de Belém. Por meio de um ofício, foi autorizada a viagem da equi-

pe de pesquisa junto aos dois barqueiros que percorrem as residências, levando

e trazendo as crianças da escola. Nesta oportunidade, foi possível a confecção de

um mapa dos igarapés e furos que compõem a ilha, onde foram identificadas as

casas dos participantes da pesquisa. A coleta dos dados ocorreu durante as visitas,

respeitando a disponibilidade dos moradores, no período entre outubro de 2010

e abril de 2011.

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Considerações éticas

A fim de resguardar os direitos dos participantes foi utilizado um Termo de Con-

sentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em que se esclarecia sobre a pesquisa

fornecendo o contato dos membros da equipe, caso houvesse necessidade de

maiores orientações. Submeteu-se a aprovação do TCLE (Desenvolvido pelo LED-

-Laboratório de Ecologia de Desenvolvimento) e da pesquisa pelo Comitê de ética

da universidade Federal do Pará, aprovado sob o número do protocolo (CAEE –

0146.0.073.000-11).

soBre os Instrumentos

Inventário Sociodemográfico (ISD)

utilizou-se inventário elaborado pelo grupo de pesquisa LEDH (que o utiliza desde

2006), no entanto, mudanças e inclusões de novos itens foram realizadas tendo

em vista o objetivo de investigar especificidades do PBF. o instrumento apresenta

os seguintes itens: identificação (nome, idade, gênero, parentesco, estado civil,

cidade de origem, número de uniões e ano da atual união); dados sobre o bene-

fício (titular do cartão, como conseguiu o cadastro, quanto tempo demorou para

receber, a quanto tempo é beneficiário do Programa, quem vai ao banco sacar o

benefício, valor do benefício e como gastou esse valor no mês anterior); orçamen-

to familiar (quantos e quais membros contribuem para o orçamento; responsável

pelo controle do dinheiro e número de famílias que sobrevivem do orçamento);

caracterização do domicílio (se a moradia é própria, tipo de construção, número de

cômodos, equipamentos e móveis, energia elétrica, abastecimento e tratamento

da água, destino do esgoto e do lixo familiar).

Inventário de Rotinas (IR)

o inventário de rotinas utilizado vem sendo aperfeiçoado pelo LEDH, sua aplica-

ção tem permitido descrever o modo de vida das populações ribeirinhas (SILvA

& cols., 2010). As entrevistas foram realizadas individualmente, solicitando ao

entrevistado que descrevesse a sequência de atividades típicas desenvolvidas, a

companhia e o local durante um dia da semana (segunda a sexta). o instrumento

foi apresentado na forma de tabela com a disposição gráfica da divisão de um dia

a partir das grandes categorias: tempo, atividade e companhia (anexo 2).

A categoria tempo abarcou a representação de todos os turnos: madrugada, ma-

nhã, tarde e noite, com seis horas cada um, sendo cada hora dividida em quatro

quadrantes menores que representam 15 minutos da hora referida, totalizando

24 horas de registro. os quadrantes eram preenchidos pelo aplicador seguindo a

ordem: um, dois, três e quatro, no sentido horário.

As categorias relacionadas às atividades e companhias foram geradas a priori, ten-

do em vista a experiência acumulada pelo grupo com pesquisa sobre rotinas com

população ribeirinha amazônica (SILVA e cols.,2010). A categoria atividade se subdi-

vidiu em subcategorias indicadas a partir de siglas, representando as atividades

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realizadas pelas crianças tais como: DA-dormir; H-higiene pessoal; A-alimentação;

D-deslocamento; E-escola, B-brincar; Tv-televisão, R-rádio; TD-tarefa doméstica;

DC-dever de casa; AP-atividades programadas; C0-conversar; L-leitura, FC-festa/

comemoração; ER-evento religioso e outros. Para orientação dos aplicadores dis-

ponibilizou-se uma legenda localizada ao final da folha de aplicação. Além das

subcategorias referentes às atividades, o instrumento contemplou ainda o registro

das companhias, com siglas para pai ou mãe, pais, irmãos, toda a família, avós,

parentes próximos, amigos e sozinho(a) (anexo 2).

pRocedimento de coleta e anÁlise dos dados

A aplicação dos dois instrumentos se deu por meio de entrevistas com os pais ou

responsáveis, individualmente, solicitando-se ao entrevistado que descrevesse a

sequência de atividades desenvolvidas, a companhia e o local onde eram realiza-

das tais ações durante um dia da semana (segunda a sexta). Solicitava-se, a fim de

padronizar as respostas, que relatassem sobre o dia anterior caso fosse um dia da

semana, do contrário, a sexta-feira.

os entrevistadores participaram de um treinamento prévio e as entrevistas ocor-

riam sempre na presença de dois desses, sendo um mais experiente (estudante da

pós-graduação) que conduzia a entrevista e o outro que realizava o preenchimen-

to dos protocolos (estudante da graduação).

os dados obtidos pelos instrumentos foram dispostos em planilhas no programa

Excell, sendo os dados filtrados e transformados em planilhas dinâmicas de ma-

neira que pudessem gerar dados por meio de estatística descritiva, utilizando a

técnica de descrição tabular e paramétrica.

As análises partiram primeiramente das informações obtidas a partir do ISD, consi-

derando os aspectos estruturais (organização das famílias e escolaridade) e aspec-

tos financeiros (renda geral e benefício- PBF), subdivididos em contextos urbano

e ribeirinho amazônico, a fim de comparação. Para este trabalho não foram utiliza-

das todas as informações contidas no inventário, selecionando-se as aquelas que

segundo a equipe estariam diretamente relacionadas às análises sobre rotinas. As

demais compõem um banco de dados para trabalhos futuros a serem realizados

pelo grupo de pesquisa - LEDH.

os dados de rotina foram agrupados conforme os contextos a partir das atividades

executadas pelas crianças urbanas e ribeirinhas em um dia da semana. organiza-

ram-se os dados conforme a variável gênero (feminino e masculino) e companhia

(sozinho, mãe, pai, avô/avó, irmãos, parentes próximos e amigos). Considerou-se

no ambiente escolar os amigos como as principais companhias.

os resultados se apresentam na forma de porcentagem para melhor compreensão,

o cálculo das porcentagens correspondentes a cada categoria se deu pela soma

dos minutos em que a criança permaneceu em uma determinada atividade, tendo

por base a soma dos minutos de um dia, ou seja, 1440 minutos (24 horas). Ressal-

ta-se o fato de que as porcentagens têm abrangência no limite desse estudo, sem

significância estatística.

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ResUltados e discUssão

ESTRUTURA FAMILIAR

Entrevistou-se 26 famílias no contexto urbano e 24 na comunidade do Combu. As

famílias urbanas eram compostas por no mínimo 2 e no máximo 10 pessoas, quan-

tidade não equivalente ao número de filhos, dada a presença na mesma residência

de parentes como avós, tios, primos, sobrinha, cunhada e padrasto.

Em relação às estruturas familiares encontradas, no contexto urbano, 50% apre-

sentavam estrutura nuclear, 38% eram monoparentais femininas e em 30% havia

a presença de tios e avós, principalmente quando se tinha mais de um filho, 23%

dos casos. Esses achados refletem o número cada vez maior de famílias monoparen-

tais femininas, o que se apresenta como preocupante, já que os dados estatísticos

oficiais do IBGE (2010) demonstram que são as mais pobres. A situação de pobreza

aliada ao arranjo familiar monoparental feminino favorece a presença de fatores de

risco ao desenvolvimento das crianças, uma vez que as mães acumulam atividades

do trabalho e cuidados aos filhos, necessitando de suporte familiar e social (SAN-

CHES, 2001; CoLE & CoLE, 2003; yuNES, GARCIA & ALBuQuERQuE, 2007).

Na comunidade ribeirinha, a quantidade de parentes em uma mesma residência

variou entre três e 13 pessoas, sendo identificados além do núcleo familiar, paren-

tes como avós, tios e primos. Nesse contexto, ressalta-se o fato de que 75% das

famílias apresentavam a estrutura nuclear, sendo a maioria numerosa com três ou

mais filhos (88%), o que se mostra de acordo com a estratégia de sobrevivência

desenvolvida pelos moradores em manterem-se próximos em famílias nucleares

e numerosas (SILvA, 2006).

esCoLarIdade dos PaIs

No contexto urbano houve um número maior de pais nos ensino fundamental e

médio, principalmente entre as mulheres. Registrou-se quatro pais e seis mães

com ensino fundamental incompleto e com o fundamental completo três pais e

três mães. Dentre os que chegaram ao ensino médio, quatro pais e oito mães e três

pais e nove mães não concluíram.

No contexto ribeirinho amazônico, os moradores tendem a abandonar a escola

durante o ensino fundamental, já que na ilha, o ensino é oferecido até a 4ª série.

Nesse sentido, 16 pais e 14 mães apresentaram ensino fundamental incompleto,

quatro mães e um pai com fundamental completo, cinco mães e um pai com ensi-

no médio incompleto e um pai analfabeto.

ASPECTOS FINANCEIROS

o número expressivo de pessoas compartilhando um mesmo domicílio pode in-

fluenciar na qualidade de vida destas, já que a renda reunida passa a ser dividida

em um orçamento comum a todos, satisfazendo ou não as necessidades de cada

membro. Em ambos os contextos, as famílias viviam em situação de forte empo-

brecimento e relataram ganhos inferiores ao salário mínimo (R$ 545,00). os valo-

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res declarados pelos participantes incluíram o próprio benefício, aposentadorias e

os ganhos formais e informais.

No contexto urbano, 46% das famílias investigadas relataram ganhos que aponta-

ram renda per capita de até ¼ do salário mínimo; 24% relataram viver com renda

de até ½ salário mínimo; 15% em torno de um salário e 15% não responderam.

No contexto ribeirinho amazônico 71% das famílias sobreviviam com renda de

até ¼ do salário mínimo; 21% com renda de até ½ salário mínimo e 8% não

responderam.

No que diz respeito ao benefício do PBF, as famílias relataram receber entre R$

60,00 e R$ 200,00. o gráfi co 1 demonstra a porcentagem de famílias que rece-

biam valores correspondentes aos seguintes intervalos: entre R$ 60,00 a 100,00

e entre R$101,00 a 200,00.

o valor em reais referente ao PBF recebido pelas famílias urbanas foi superior a R$

101,00 em 81% dos casos. Para 19% dos benefi ciários, o valor pago pelo gover-

no variou entre R$ 60,00 e R$100,00. Para os ribeirinhos, os intervalos adotados

benefi ciavam 50% das famílias respectivamente.

No contexto urbano, 50% das famílias que tinham dois fi lhos recebiam valores

referentes ao intervalo de R$ 101,00 a 200,00. Nesse mesmo intervalo de valores,

foram encontradas 23% de famílias com três fi lhos e 8% das famílias com um

fi lho. Em relação ao intervalo com menores valores pagos (R$ 60,00 a R$100,00)

surgiram 15% das famílias com um fi lho, no entanto, em 4% dos casos foram

encontradas famílias que apresentavam três fi lhos. o que demonstra o não cadas-

tramento de todos os fi lhos.

o mesmo ocorreu no contexto ribeirinho em que 4% das famílias com dois fi lhos

e 8% das famílias com três fi lhos recebiam os valores menores. As demais famílias

ribeirinhas apresentaram recebimentos com valores menores para famílias com

um fi lho e maiores com famílias com dois ou mais fi lhos. No entanto, não apenas

o número de fi lhos determina a quantia recebida, dependendo também da renda

familiar per capita, o número e a idade dos fi lhos.

Gráfi co 1 - Intervalos de valor do benefício em reais nos contextos urbano e ribeirinho (%)

Fonte: Elaboração LEDH.

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Sabe-se que o controle da renda perpassa pela estrutura familiar, e nesse sentido,

no contexto urbano, a mãe surgiu como a principal figura no controle dos gastos,

já que em 38% dos casos (famílias monoparentais femininas) ela era a única ou

a principal responsável pelos filhos. Diante desse cenário, surgem como apoios

importantes, avós e tios que passam a dividir os cuidados com as crianças, o con-

vívio e até mesmo o domicílio. Fato que em parte explica o índice de 35% de pa-

rentes assumindo o controle da renda familiar. Em relação às famílias ribeirinhas,

observa-se o controle compartilhado da renda entre os pais, aspecto que condiz

com a estrutura nuclear apresentada em 75% das famílias.

Aliado aos dados de quantia e controle dos gastos houve a necessidade de se

reconhecer o local em que as famílias receberam informações sobre o cadastro

do benefício PBF. Em 69% dos casos relacionados ao contexto urbano, as famí-

lias relataram que adquiriram o cadastro através dos Centros de Referência de

Assistência Social (CRAS), 11% por meio dos postos de saúde, em 8% dos casos

a própria escola informou; 4% a prefeitura e 8% outros locais. No contexto ribei-

rinho o CRAS não surgiu como o principal meio de se conseguir informação sobre

o cadastro, sendo citado em apenas 4% dos casos. Chama a atenção o número de

entrevistados que não deram respostas (29%), somado a outros locais (17%). os

locais que somados atingem 50% dos casos foram a escola e o posto de saúde.

Não apenas o local em que as famílias foram informadas sobre o cadastramento,

mas o tempo de espera até o recebimento apresenta-se como importante infor-

mação para compreensão da dinâmica do Programa. No contexto urbano, pouco

menos da metade das famílias entrevistadas (46%) esperaram até dois anos. De

dois a quatro anos foram encontradas 27% das famílias, no entanto, no intervalo

de 4 a 8 anos de espera foram encontradas 19% das famílias.

No contexto ribeirinho, a porcentagem de famílias que esperaram até 2 anos cai

para 29%, de 2 a 4 anos obteve-se 21% e de 4 a 8 anos 37%. Evidencia-se desse

modo, a dificuldade no recebimento do benefício por tais famílias e sendo assim,

os resultados apontam para a necessidade de maior agilidade ao repasse dos be-

nefícios para as famílias cadastradas.

Por fim, foi perguntado às famílias como foi gasto o valor referente ao benefício

no mês anterior à coleta, conforme gráfico 2. As respostas dadas indicam neces-

sidades diferenciadas entre os contextos; para as famílias da periferia urbana, o

principal destino do benefício foi o auxílio no pagamento das contas domésticas

como luz, aluguel, compras no mercado dentre outras, somada à categoria alimen-

to que foi significativamente citada. Na Ilha do Combu, no período em que foi rea-

lizada esta pesquisa, não havia energia elétrica disponível, e em comparação com

o contexto urbano, os moradores da Ilha também não pagavam aluguel, IPTu, gás e

serviço de água encanada. utilizavam os recursos da floresta como água, madeira,

peixes, camarões e frutos. Nesse sentido, as categorias mais citadas foram aquelas

relacionadas principalmente com vestuário e material escolar.

A categoria vestuário, material escolar e alimento (vestuário+material

escolar+alimento) se mostrou expressiva em ambos os contextos, com uma mar-

gem maior na porcentagem do contexto urbano, conforme gráfico 2.

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os dados apresentados até então, auxiliam na descrição das famílias participantes,

tendo em vista aspectos demográfi cos, escolares, habitacionais, sociais e aqueles

relacionados ao recebimento do benefício. A seguir serão apresentados os dados

coletados a partir do Inventário de Rotina em que se evidenciou a dinâmica das

famílias participantes.

dados de Rotina

atIvIdades reaLIzadas PeLas CrIanças durante a semana no ConteXto urBano

As meninas, moradoras da periferia urbana de Belém apresentaram 43% de seu

tempo ligado ao descanso, seguida por lazer (26,5%). Educação surgiu com 17,1%;

alimentação com 5,7%; higiene 4%, deslocamento 2,4% e evento religioso 1%.

Entre os meninos, as categorias com maiores porcentagens, foram descanso

(45,4%) seguida por lazer (22%). Educação surgiu com 16,5%; alimentação com

6,6%; higiene 5%, deslocamento 2,99% e evento religioso 1,04%. A realização

de tarefas domésticas não apareceu neste contexto (Gráfi co 3).

Gráfi co 2 - Como foi gasto o benefício no último mês nos dois contextos

Fonte: Elaboração LEDH.

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Pode-se concluir que as meninas passaram quase 70% do tempo em descanso e

envolvidas com brincadeiras. Já os meninos passaram maior tempo em descanso,

no entanto, o tempo para lazer foi menor e apresentaram pequeno decréscimo em

atividades relacionadas à educação.

A categoria educação foi subdividida em categorias menores, a saber: o tempo em

que a criança permanece na escola; o tempo que gasta com dever de casa e leitu-

ra. Sendo assim, as meninas passaram 91,87% do tempo gasto com educação em

atividades realizadas na escola, 6,5% em tarefas ligadas ao dever de casa e 1,63%

do tempo em atividade de leitura. os meninos, habitantes da periferia urbana,

gastaram 90,3% do tempo ligado à educação em atividades realizadas na escola e

9,7% com tarefas associadas ao dever de casa. Não foi citada atividade de leitura.

outra categoria relevante para esta análise refere-se ao tempo dedicado ao lazer,

que, para este trabalho, envolvia as seguintes atividades: brincadeiras diversas e jo-

gos infantis, assistir Tv e/ou DvD, conversar, jogar vídeo game ou usar o computador.

o tempo dedicado ao lazer representou mais de 20% para ambos os sexos, as

crianças passaram a maior parte do tempo com brincadeiras em geral, sendo que

as meninas brincavam durante 52,35% e os meninos, 49,21% do tempo; o tempo

destinado a assistir televisão, no contexto urbano, também foi relevante para am-

bos os sexos 39,79% e 36,59% para meninas e meninos, respectivamente.

Em associação ao orçamento do tempo gasto com educação pelas crianças benefi cia-

das, foi perguntado ainda se estas realizavam alguma atividade programada durante

a semana. Ao avaliar tais atividades, citada pelos responsáveis, observou-se que no

contexto urbano, a necessidade dos pais em auxiliar seus fi lhos nos estudos, gerou

a opção pelo reforço escolar. Neste contexto, o exercício de algumas programações

extracurriculares foi registrado em seis famílias: uma menina realizava aulas de balé

e outra, aulas de reforço em casa; dois meninos praticavam futebol e natação, sendo

que um desses frequentava aulas de violino, fl auta e aulas de reforço; os outros dois

realizavam aula de reforço, sendo que um também realizava aulas de música.

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Gráfi co 3. Categorias de atividade realizadas por meninas e meninos no contexto urbano em um dia da semana (%)

Fonte: Elaboração LED.

meninas meninos

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A categoria atividade programada mostrou-se signifi cativa, principalmente entre

os meninos; o tempo destinado ao uso do computador e DvD foi similar para me-

ninos e meninas. os comportamentos de conversar e participar de algum evento

festivo não apareceram neste contexto.

atIvIdades reaLIzadas PeLas CrIanças durante a semana no ConteXto rIBeIrInHo

De maneira geral as crianças no contexto ribeirinho amazônico passam a maior

parte de seu tempo, quando não estão dormindo ou descansando, em atividades

ligadas ao lazer e em atividades na escola. o gráfi co 3 apresenta a porcentagem

equivalente aos minutos correspondentes às categorias: descanso, lazer, alimenta-

ção, higiene, tarefa doméstica, deslocamento, evento religioso e outros.

As meninas descansam 40,40% do tempo, seguida por lazer com 22%, educação

surgiu com 19,9%, alimentação 5,6%, higiene 4,4%, tarefa doméstica 3,6%, deslo-

camento 2,4%, evento religioso 0,6% e outros 0,3%. os meninos, entretanto, pas-

saram 43% e 21% de seu tempo nas categorias descanso e lazer, respectivamente.

Em relação à categoria educação, os meninos gastaram 16,6% do tempo. Na catego-

ria tarefa doméstica, o percentual encontrado foi de 3,8%, os demais índices apre-

sentados foram: 6,3% em alimentação, 4,8% com higiene, 3,3% em deslocamento,

0,7% em eventos religiosos e 0,4% com outras atividades (Gráfi co 4).

meninas meninos

os meninos descansam mais e passam menos tempo em atividades ligadas à ca-

tegoria lazer e em atividades ligadas à categoria educação em comparação com as

meninas, conforme gráfi co 3.

A análise das subcategorias estabelecidas para a educação ressalta os seguintes

dados: no contexto ribeirinho amazônico as meninas gastaram 85,94% do tempo

com educação em atividades na escola, 13,4% com dever de casa e 0,66% leitura.

os meninos gastaram 97,3% do tempo ligado à educação com atividades realiza-

das na escola e 2,7% com dever de casa. A atividade leitura não foi citada.

Gráfi co 4. Categorias de atividade realizadas por meninas e meninos no contexto ribeirinho em um dia da semana (%)

Fonte: Elaboração LEDH.

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Em relação ao tempo dedicado ao lazer, as brincadeiras diversas fizeram parte de

73,49% do tempo dos meninos e de 61,91% do tempo das meninas ribeirinhas.

o tempo dedicado a Tv apareceu como o segundo tipo de lazer mais comum neste

contexto, sendo 33,72% do tempo das meninas e 25,44% do tempo dos meni-

nos. o comportamento de conversar apareceu principalmente no repertório das

meninas ribeirinhas (4,36%), em detrimento aos meninos que dedicaram 1,06%

do seu tempo para tal atividade.

Companhia durante as atividades no contexto urbano

As meninas do contexto urbano passavam 38,54% de seu tempo sozinhas,

16,04% com amigos, 12,78% com a mãe, 11,32% com irmãos, 7,22% mãe e ir-

mãos, 6,81% parentes próximos e 4,10% com a família. Já os meninos passavam

34,4% de seu tempo sozinhos e suas principais companhias foram: irmã(s)(ãos)

(22,4%), amigos (16,7%), mãe (9,9%), mãe e irmãos(ãs) 7%, parentes próximos

4,1%, família (3,7%) e 1,2% pai e mãe.

As meninas passavam mais tempo sozinhas, em comparação com os meninos; ami-

gos foi a segunda categoria mais citada que esteve relacionada ao tempo gasto no

ambiente escolar. Fora da escola, a mãe se mostrou a principal companhia seguido

por irmãos(ãs).

A principal companhia dos meninos foram os (as) irmãos (ãs), seguido por amigos,

e em terceiro, a mãe. Nesse sentido, o orçamento de tempo dos meninos quando

comparado ao das meninas evidencia maior disposição de compartilhamento das

atividades com outras crianças e jovens.

outro aspecto relevante destaca o pouco tempo compartilhado com o pai, bem

abaixo da categoria parentes próximos tanto para meninas, como meninos. Esse

dado mostra-se consonante a pesquisas que destacam que em poucas sociedades

os homens cuidam de suas crianças no dia-a-dia, e assim, continuam sendo consi-

derados, na sua maioria, pelos papéis que exercem fora do âmbito das interações

familiares (LEWIS & DESSEN,1999).

Companhia durante as atividades no contexto ribeirinho

No contexto ribeirinho, as meninas permaneceram sós em 49% de seu tempo,

16,7% com irmãos, amigos vêm em terceiro com 15,5% do tempo, parentes próxi-

mos 9,2%, 3,1% com o pai e a mãe e 2,2% a família. os meninos passavam 38,9%

de seu tempo a sós, 19,87% com irmãos (ãs), 17,04% com amigos, 11,46% pa-

rentes próximos, 7,59% mãe e 2,31% pai e mãe. observou-se desse modo, que

meninos e meninas ribeirinhas passavam a maior parte de seu tempo em compa-

nhia de outras crianças, principalmente irmãos. Esse dado condiz com trabalhos

realizados em populações tradicionais ribeirinhas (BAIA-SILvA, 2006) que aponta

a importância das relações estabelecidas entre os irmãos para o aprendizado e

desenvolvimento das crianças. Segundo Silva e cols. (2010) os filhos constituem

um subsistema separado, que realiza atividades particulares e passa grande parte

do tempo em conjunto, o que é uma característica da socialização local.

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conclUsão

As condicionalidades impostas pelo PBF visam em primeira instância amenizar a

extrema pobreza em que se desenvolvem as famílias, e buscam romper o ciclo de

pobreza e adoecimento das crianças a partir de medidas que impõem frequência

mínima na escola e acompanhamento do calendário vacinal. Como política públi-

ca, acarreta em mudanças sistêmicas nas vidas dessas famílias, principalmente

nas rotinas das crianças que passaram a frequentar assiduamente a escola. Porém,

ainda apresenta desafios, principalmente em relação a contextos ecológicos dis-

tintos, como no caso do contexto ribeirinho amazônico, onde apesar das famílias

receberem o benefício, essas ainda encontram-se distantes dos serviços médicos

e educacionais presentes nos centros urbanos.

Quanto às rotinas diárias das crianças beneficiárias, a pesquisa evidenciou ele-

mentos importantes para compreensão das estruturas e dinâmicas apresentadas.

Primeiramente, os arranjos familiares que conduziram a diferentes organizações

das rotinas das famílias: em ambos os contextos as famílias se mostraram nume-

rosas, com parentes morando junto ao núcleo pais/filhos e no caso ribeirinho,

destacou-se a presença de muitos irmãos. Tais arranjos mostraram-se ligados aos

contextos dos quais participavam, ressaltando as estratégias adotadas pelas famí-

lias na sobrevivência e no cuidado das crianças, em que se destacou o auxílio de

avós, tios e irmãos mais velhos.

outros elementos relevantes à compreensão das rotinas das crianças dizem res-

peito ainda aos arranjos familiares (famílias nucleares, monoparentais masculina

e feminina) e a escolaridade dos pais. No contexto urbano foram observadas famí-

lias nucleares e um número significativo de famílias monoparentais femininas, nú-

mero que corrobora com o IBGE (2010) que ressalta o crescente número de mães

assumindo sem a presença dos pais, os cuidados dos filhos, situação que requer

suporte social e amparo de políticas públicas, como o PBF. Em relação à escolari-

dade, esta variou do ensino fundamental incompleto ao ensino médio completo,

com maioria no ensino fundamental completo.

No caso das famílias ribeirinhas amazônicas houve prevalência de famílias nuclea-

res com muitos filhos. Isto se explica pelo fato de viverem em isolamento provoca-

do pela água, e sendo assim, tais famílias tendem a se manterem unidas, aspecto

que garante a vivência em meio à floresta. No entanto, esse isolamento dificulta

o acesso à educação e desse modo, a maioria dos pais entrevistados relataram

baixa escolaridade, sendo encontrado caso de analfabetismo e a maioria parou os

estudos no ensino fundamental.

A partir do panorama social apresentado, as rotinas infantis refletiram tanto as

diferenças contextuais quanto semelhanças, já que ambos se apresentam como

contextos empobrecidos. Em relação às categorias descanso e lazer, as crianças

urbanas apresentaram maior tempo gasto, com destaque à atividade assistir Tv.

Em comparação às crianças ribeirinhas, houve uma significativa redução nas ca-

tegorias descanso e lazer (que também foram as mais significativas) e surgiu a

categoria tarefa doméstica que não fora citada no contexto urbano e mostrou-se

ligada às rotinas das famílias na aquisição e preparo dos alimentos como a pesca,

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limpar o peixe, coleta e preparo do açaí, lavar roupas no rio, caçar, limpar a casa,

alimentar os irmãos mais novos, entre outras.

Em relação à categoria educação, pôde-se observar que o acompanhamento da

atividade escolar no domicílio pelos responsáveis ainda é um tempo praticamente

inexistente na rotina diária em ambos os contextos. Isso reflete diretamente as

possibilidades dos pais e/ou responsáveis acompanharem a realização das tarefas

escolares e aponta inclusive para questão da baixa escolaridade. Muitas famílias

ainda encontram-se despreparadas para esse acompanhamento, já que grande

parte dos pais desconhecem os conteúdos apresentados nas escolas e não dispõe

de tempo suficiente para o acompanhamento escolar dos filhos.

Tais tendências ganham maior agravo em comunidades vivendo afastadas, pouco

visíveis ao poder público, com famílias numerosas em que as crianças cuidam de

seus irmãos e não apresentam estrutura doméstica que favoreça a aprendizagem

escolar. Além dessas dificuldades, a análise das rotinas das crianças ribeirinhas

demonstrou a pouca oferta de atividades programadas nesse contexto relaciona-

das à música, artes e esporte, além do reforço escolar que fora citado no contexto

urbano apenas.

As rotinas apresentadas, da maneira que estão estruturadas, oferecem pouco ao

aprendizado escolar, situação que requer sintonia entre a família e a escola. No

entanto, ao compartilharem pouco tempo e atividades com seus filhos, os pais dei-

xam de promover laços importantes inclusive às adaptações no ambiente escolar

que passa a ser visto com pouca motivação e distante daquilo que é realizado fora

da escola.

Evidencia-se desse modo a importância de ações que favoreçam a interlocução

entre os membros familiares, tendo um olhar diferenciado às comunidades ribei-

rinhas amazônicas a partir de ações que reforcem, valorizem e adéquem serviços

segundo as características contextuais, apresentando desse modo ferramentas

para o rompimento do ciclo de pobreza. Diante dessa percepção social, e (ainda)

com pesquisas preliminares, principalmente no contexto amazônico, ressalta-se

a limitação desse trabalho que, apesar de ter sido executado no período de um

ano, ainda necessita de continuidade, já que pouco se sabe sobre as rotinas das

crianças que recebem PBF.

Falta muito a ser feito para que se possam obter dados concretos e amplos so-

bre as atividades diárias em contextos distintos, o que não reduz a necessidade

em estuda-los para que se possa garantir a efetividade dos direitos das crianças

amazônicas. Ressalta-se inclusive que a pesquisa foi feita em uma pequena co-

munidade ribeirinha, existindo uma grande população disposta em dezenas de

ilhas, vivendo às margens dos rios cuja rotina diária ainda é desconhecida e que,

portanto, precisa ser investigada.

As primeiras garantias para as mudanças desejáveis à garantia dos direitos à ali-

mentação, saúde e educação já foram dadas a partir do PBF. No entanto, apesar das

crianças beneficiadas apresentarem rotinas que contemple a frequência escolar,

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ainda não é o bastante. As famílias precisam ser orientadas e apoiadas para que

possam estruturar seus ambientes domésticos às atividades escolares para que,

desse modo, possam redirecionar as tendências desenvolvimentais apresentadas.

Para tanto, um passo possível aponta no sentido do reconhecimento da rotina das

crianças e especificidades contextuais, pensando em futuras adaptações entre

família-escola e inclusão escolar efetiva no processo educacional, caminho pelo

qual se pode reduzir o avanço dos ciclos de pobreza e miséria social.

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ANExO 1. INVENTáRIO SOCIODEMOGRáFICO

UniveRsidade FedeRal do paRÁ

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM TEORIA E PESQUISA DO COMPORTAMENTO

LABORATÓRIO DE ECOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

INVENTÁRIO BIOSÓCIODEMOGRÁFICO

I – DADOS GERAIS DA FAMÍLIA

1. Aplicador: _____________________________Data: ____/____/____ Família: nº. _____

___________________________________________________________________________

2. Questionário respondido por: mãe pai responsável

3. Comunidade: _____________________________________________________________

ii - composição FamiliaR

NoME STATuS FAMILIAR

IDADE ESTADoCIvIL

oCuPAção/LoCAL

ESCoLARID. LoCAL

DoCuMENTAção*

CN CI CPF CTPS TE CR

*CN = Certidão de Nascimento / CI = Carteira de Identidade / CPF = Cadastro de Pessoa

Física / CTPS = Carteira de Trabalho e Previdência Social / TE = Título de Eleitor / CR =

Carteira de Reservista

Há quanto tempo você mora na comunidade? ___________________________________

____________________________________________________________________________

Você tem mais algum parente que more na comunidade? Quem? ________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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___________________________________________________________________________

Quantas famílias moram na residência? _________________________________________

Cidade de origem:____________________________________________________________

Em que ano se casou na atual união:____________________________________________

Número de uniões: __________________________________________________________

Como você imagina que será a vida dos seus filhos daqui a dez anos? ______________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Por que você quer que seus filhos frequentem a escola? __________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

III – CARACTERÍSTICAS DO DOMICÍLIO

1. MORADIA: Própria ( ) Alugada ( ) Cedida ( ) OUTRA ________________________

___________________________________________________________________________

2. TIPO DE CONSTRUÇÃO: Alvenaria ( ) Madeira ( ) Taipa/Barro ( ) Mista ( ) Material

reaproveitado ( ) Outros___________________________________________

4. Nº DE CÔMODOS: ________________________________________________ 5. Quais:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________ ________________

6. EQUIPAMENTOS E MÓVEIS:

Geladeira ( ) Fogão ( ) Televisão ( ) Rádio ( ) Cama ( )

Outros: _____________________________________________________________________

7. ENERGIA ELÉTRICA: Relógio de controle próprio ( ) Gerador particular ( ) Im-

provisada (gato) ( ) Sem energia ( ) Relógio Comunitário ( ) Lamparina ( )

8. ABASTECIMENTO DE ÁGUA: Rede Pública (encanada) ( ) Poço ( ) Torneira Coletiva

( ) Barco de distribuição ( )

9. Recebe algum tipo de tratamento? S( ) N( )

10. Qual?___________________________________________________________________

11. DESTINO DO LIXO DOMICILIAR: Coleta ( ) Via Pública/ Corrente de água Natural

( ) Queimado ( ) Enterrado ( ) Outro________________________________________

12. DESTINO DO ESGOTO DOMICILIAR: Rede Pública ( ) Céu aberto ( ) Fossa ( ) Ou-

tro _________________________________________________________________________

13. Quais são as doenças mais frequentes na família?

____________________________________________________________________________

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14. Quais são os remédios utilizados? __________________________________________

___________________________________________________________________________

IV – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS

1. Renda Familiar Mensal: _____________________________________________________

2. Quais os membros que contribuem para o orçamento familiar: __________________

___________________________________________________________________________

3. Quem controla o dinheiro da família: ________________________________________

___________________________________________________________________________

4. Beneficiária de algum programa de transferência de renda? S( ) N( )

5. Qual(s)? _________________________________________________________________

6. Há quanto tempo? _________________________________________________________

7. Quem é o titular do cartão? _________________________________________________

___________________________________________________________________________

8. Quem vai ao banco receber o benefício? _____________________________________

___________________________________________________________________________

9. Qual o valor do benefício? ________________________________________________

9. Referente a quantas crianças?_____________________________________________

10. Como você gastou o benefício no mês passado? ______________________________

___________________________________________________________________________

11. Como você conseguiu o cadastro? __________________________________________

____________________________________________________________________________

12. Quanto tempo demorou para você receber o benefício? (tempo entre o cadastro e

o recebimento) ______________________________________________________________

____________________________________________________________________________

13. Atualmente você recebe (recebeu) a visita de técnicos ou profissionais de saúde/

educação? __________________________________________________________________

Observações:

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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Anexo 2. Protocolo de aplicação Inventário de Rotinas

HoRa atividade

da H a d dc b tv R td ap co l Fc eR oUtRo

MADRUGADA

00h-01h

01h-02h

02h-03h

03h-04h

04h-05h

05h-06h

manHã

06h-07h

07h-08h

08h-09h

09h-10h

10h-11h

11h-12h

taRde

12h-13h

13h-14h

14h-15h

15h-16h

16h-17h

17h-18h

noite

18h-19h

19h-20h

20h-21h

21h-22h

22h-23h

LEGENDASDA dormir, descansar ou acordar

B brincar

AP atividades programadas

S - sozinho

PP - parentes próximos

H higiene pessoal

TV televisão

CO Conversar

M - mãe

AM - amigos

A Alimentação

R rádio/DVD

L Leitura

P pai

D Deslocamento

TD tarefas domésticas

FC festa/comemoração

AV avó/avô

E Escola

DC dever de casa

ER evento religioso

I - irmãos

Atividades que a criança realiza normalmente, mas que não foram citadas:

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Anexo 3. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Projeto de Pesquisa: Dinâmica de famílias ribeirinhas e urbanas: o uso do tempo de

crianças atendidas pelo Programa Bolsa Família (PBF)

A presente pesquisa pretende analisar as dimensões econômicas e sociais do Progra-

ma Bolsa Família (PBF) sobre o uso do tempo de crianças atendidas pelo referido pro-

grama. As informações recolhidas serão utilizadas apenas para os objetivos do estudo

proposto, salvo em caso de participação em eventos acadêmicos.

Afirmo que é praticamente nula a existência de riscos para os sujeitos envolvidos,

seja de situação constrangedora ou de alteração do ambiente e do comportamento

destes. Os benefícios desta pesquisa para o participante serão resultantes da análise

que apontará sugestões para a problemática envolvida, no sentido de que possam

efetivamente melhorar a qualidade do Programa Bolsa Família.

Informo que apesar da possibilidade de risco nesta pesquisa ser quase inexistente,

caso haja danos provocados comprovadamente pela pesquisa, os participantes serão

amparados e/ ou reparados pela pesquisa.

Ressalto que os sujeitos envolvidos nesta investigação são livres para participar e/ ou

para retirar-se da pesquisa a qualquer momento, solicito apenas que seja avisada sua

desistência.

Pesquisadora responsável: Tatiana Afonso

Endereço: Travessa Mariz e Barros, 2715, AP. 1301, Ed. Torre de Itaúna – Marco. Belém/

PA Fone: (91) 3032-9594

consentimento livRe e esclaRecido

Declaro que li as informações acima sobre a pesquisa e que me sinto perfeitamente

esclarecido (a) sobre o conteúdo da mesma, assim como os seus riscos e benefícios.

Declaro ainda que, por minha livre vontade, aceito participar desta pesquisa, bem

como aceito a participação das crianças que se encontram sob minha responsabili-

dade.

Belém, _____ de ___________ de ______.

______________________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

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121

Anexo 4. Aprovação da Pesquisa pelo ComitÊ de Ética

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O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E AS RELAÇÕES DE GÊNERO E GERAÇÃO NA AGRICULTURA FAMILIAR do semiÁRido do noRdeste1

Celso Antonio Favero

Stella Rodrigues dos Santos

1 o ARTIGo é RESuLTADo DE PESQuISAS REALIzADAS CoM BASE No PRoJETo “A APRoPRIAção, o uSo E A

REPRESENTAção DAS PoLÍTICAS DE DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME PELoS AGRICuLToRES FAMILIARES Do

SEMIÁRIDo NoRDESTINo E oS DESLoCAMENToS NAS ESTRuTuRAS E NAS DINâMICAS FAMILIARES”, CoM FINANCIAMENTo

Do CNPQ, EDITAL MCT/CNPQ N. 036/2010. AS PESQuISAS FoRAM REALIzADAS PELo GRuPo DE PESQuISA TERRITÓRIoS,

HEGEMoNIAS, PERIFERIAS E AuSÊNCIAS” CoM A CoNTRIBuIção SIGNIFICATIvA DoS SEGuINTES ESTuDANTES Do DCH1 DA

uNEB (ToDoS BoLSISTAS ITI, Do CNPQ): ANA TERRA PAES MIRANDA DE oLIvEIRA, CARoLINE DuMAS oLIvEIRA, CARoLyNE

CAETANo SANToS Do RoSÁRIo, IÊDA CARvALHo MARTINS, JoSé SILvANo S. RIoS JúNIoR, LARISSA ELISIA CoSTA DoS

SANToS, LuANA FLoRA vEIGA SouTo, LuANNA MARTINS SANToS SouzA, MAIARA BATISTA DouRADo, PAuLA CoSTA

REzENDE E THAMIRES DE JESuS SANToS.

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intRodUção

Nas últimas décadas, o Semiárido do Nordeste do Brasil reapareceu no mapa como

“fronteira” ou lugar onde se revelam, de modos mais plenos, os encontros/desen-

contros entre a humanização e a desumanização, o interno e o externo, o ordinário

e o extraordinário (MARTINS, 2008, p. 9-10); é nesse Semiárido que o “homem

comum” (MARTINS, 2008), “simples” (IANNI, 1968), “ordinário” (CERTEAu, 1994) e

“sem qualidades” (MuSIL, 2006), na figura do agricultor familiar, ao mesmo tempo

em que se acomoda se rebela e produz efeitos sobre o “homem de qualidade”,

cuja expressão maior é, hoje, o Agente/Estado.

Neste trabalho, considerando esse contexto, a intenção é fazer um mapa dos en-

contros/desencontros entre esses personagens e, essencialmente, dos modos

como o agricultor familiar, apropriando-se e usando programas de políticas como

o Programa Bolsa Família (PBF), que o transformou de agricultor em “beneficiário”,

refaz as tramas do que constitui a sua vida ordinária, torna-se sujeito e produz

a “Convivência com o Semiárido”2. Destituído dessa sua qualidade, o agricultor/

beneficiário retorna como agricultor, afeta o “homem de qualidades”, tornando-

-se para ele “um perigo” e provocando a sua reação (MuSIL, 2006, p. 86). o Esta-

do, expressão do “homem de qualidades”, agente de transferência de dinheiros e

“sistema de peritos” (GIDDENS, 1991), e os agricultores familiares, “beneficiários”,

são, portanto, os sujeitos principais dessas tramas.

é, pois, pelas portas do PBF e da “Convivência com o Semiárido” que, neste traba-

lho, se faz a aproximação com o agricultor familiar e, através dele, com o Estado.

A “Convivência” constitui-se como uma fenda através da qual se encontram os

agricultores familiares envolvidos na produção do chão onde cultivam a sua vida;

a “Convivência” expressa, igualmente, as contradições entranhadas nas relações

do agricultor com outros personagens nos processos de produção desse chão;

mas, contraditoriamente, hoje, em meio às perturbações do novo tempo, tem-se a

impressão que essa mesma “Convivência” tende a ser um “fio da meada” perdido.

2 NAS úLTIMAS DéCADAS, A “CoNvIvÊNCIA CoM o SEMIÁRIDo” ToRNou-SE uM LEMA Ao REDoR Do QuAL SE

ARTICuLAM AToRES E PRoJEToS ACADÊMICoS, PoLÍTICoS, SoCIAIS, CuLTuRAIS E DE PRoDução DE vIDA. No ENTANTo,

AINDA ATuALMENTE, TRÊS ouTRAS LEITuRAS Do SEMIÁRIDo CoMPETEM CoM ESTA. NA PRIMEIRA, TRADICIoNAL, A REGIão

EMERGE CoMo uMA ESPéCIE DE CARICATuRA, oNDE A DISSIMuLAção E A TEATRALIzAção ToMAM o LuGAR DA REALIDADE,

TRANSFoRMANDo-A NuM SÍMBoLo QuE é FoNTE DE uMA PRoFuSão DE SENTIMENToS, vISÕES E CoMPREENSÕES, TAIS

CoMo MEDo, vERGoNHA, ESPANTo, INToLERâNCIA, HoRRoR; ESSA vISão é, AINDA, FoRTEMENTE vINCuLADA À DE

ExCLuSão SoCIAL, LuGAR DE CARÊNCIA E DE AuSÊNCIA DE DINâMICAS SoCIoECoNÔMICAS RELEvANTES, INIBINDo A

PERCEPção DE ExPRESSÕES CoMo A REvoLTA. CoMo REAção DAS ELITES MoDERNIzANTES CoNTRA ESSA vISão QuE ELA

CoNSIDERA “NEGATIvA”, NAS úLTIMAS DéCADAS, PRoDuzIu-SE ouTRA, CoMo uMA ESPéCIE DE CoNTRAPoNTo “PoSITIvo”,

QuE ABRE o SEMIÁRIDo PARA EMPREENDIMENToS ExTERNoS CoNSIDERADoS PoRTADoRES DA MoDERNIDADE, Do BEM

CoNTRA o MAL, DA RACIoNALIDADE CoNTRA A IRRACIoNALIDADE; NESSA PERSPECTIvA, PARA o DESENvoLvIMENTo

DA REGIão, SE REQuER uMA CoNSCIÊNCIA SoCIAL E PoLÍTICA EMPREENDEDoRA, QuE SERIA PRoDuzIDA PELA vIA DA

DISSEMINAção DE PRoJEToS CoM CARÁTER “QuASE” MISSIoNÁRIo E SALvADoR E DA INCLuSão DAS PoPuLAçÕES LoCAIS

Ao ESPÍRITo EMPREENDEDoR PELA vIA DA “CAPACITAção”. A TERCEIRA ABoRDAGEM, MAIS RECENTE, ENTENDE QuE o

EMPREENDEDoRISMo INSTITuIu A CoMPETIção Não APENAS ENTRE AToRES SoCIAIS E ECoNÔMICoS, MAS TAMBéM ENTRE

REGIÕES, DANDo oRIGEM A REGIÕES PRoDuToRAS DE RIQuEzAS E, Ao MESMo TEMPo, A REGIÕES CoNSuMIDoRAS DE

RIQuEzAS. MAS, DENTRo DESSA vISão, PARA ENFRENTAR ESSE DESEQuILÍBRIo REGIoNAL PRoDuzIDo PELA CoMPETIção,

QuE SERIA “NATuRAL” Ao CAPITAL, E EM NoME Do PRÓPRIo CAPITAL, o ESTADo ASSuME o PAPEL DE DISTRIBuIDoR

DE RIQuEzAS, GERANDo uM MAPA oNDE SE CoMBINAM REGIÕES PRoDuToRAS DE RIQuEzAS CoM REGIÕES DE

TRANSFERÊNCIA DE RECuRSoS, PRINCIPALMENTE DE RENDA. AS PoLÍTICAS PúBLICAS DE TRANSFERÊNCIA CoNDICIoNADA

DE RENDA SE ENQuADRAM PERFEITAMENTE NESSE MoDELo DE CRESCIMENTo ECoNÔMICo.

oPRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E AS RELAçÕES DE GÊNERo E GERAção NA AGRICuLTuRA FAMILIAR Do SEMIÁRIDo Do NoRDESTE

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o PBF, por sua vez, permite ingressar num sistema de produção de aparatos sim-

bólico-normativos que é, igualmente, um “sistema de peritos”, de modo que ele

é entendido, aqui, como “programa oficial” e, ao mesmo tempo, como mecanismo

de um sistema que só se realiza quando absorvido e refeito nas tramas da vida dos

seus “beneficiários”. Ele constitui-se, assim, do mesmo modo que a “Convivência”,

como espaço de produção de tensões e conflitos, como afirmação e negação, para

o que a transferência de dinheiro, as “condicionalidades” e os conselhos dos peri-

tos são os termos mais significativos.

Mas, se a agricultura familiar é o chão da pesquisa, os personagens que estão na

“porta” deste chão são famílias de agricultores “beneficiárias” do PBF. Mas, além

de ser o personagem que está na porta, e além de constituir-se como a unidade

básica desta investigação, a família aparece como um personagem que produz e

participa de redes sociais que envolvem, entre outras, figuras como a do “fazen-

deiro”, do dono do mercado e do Agente/Estado, principalmente o Estado do PBF.

A família é, ao mesmo tempo, uma unidade na interior da qual, principalmente nos

momentos de crise, as contradições e os conflitos tendem a colocar em evidência

as relações de gênero e gerações. Homens e mulheres, adultos, jovens e crianças:

as posições desses personagens no campo/família, além das suas disposições, tor-

nam-se problemas, objetos de disputas. é assim que, seguindo os trajetos dessas

famílias ou de alguns dos seus membros, torna-se possível identificar, inclusive, os

contornos dessas redes ou dos territórios que elas produzem. Semiárido, Agricul-

tura Familiar, Políticas Públicas de Transferência Condicionada de Renda e Gênero/

Geração são as chaves que permitem abrir as portas para a realização do estudo.

A agricultura familiar do Semiárido, chão/personagem da pesquisa, não é homo-

gênea e destituída de história. Nas últimas décadas, a ideia de “Convivência com

o Semiárido” tornou-se um novo modo de aproximação desse personagem/região,

da sua diversidade e da sua história; tornou-se, também, um lema ao redor do

qual se articularam projetos acadêmicos, políticos, sociais, econômicos, culturais

e de produção de vida; tornou-se, principalmente, arena para o enfrentamento de

outras designações do Semiárido, que transformaram a região na sua caricatura,

num modo de dissimulação e teatralização e em fonte de uma profusão de senti-

mentos, visões e compreensões, tais como medo, vergonha, espanto, intolerância,

horror. Transformada em sinônimo de irracionalidade, entre os anos 1970-2000

tornava-se legítima e necessária, em nome do seu desenvolvimento, a atração de

agentes externos portadores da modernidade e da racionalidade, e de projetos

com caráter “quase” missionário e salvador, que deram origem, primeiro, a terri-

tórios empreendedores e a territórios perdedores (HARvEy, 2006) e, mais recen-

temente, a territórios produtores de riquezas e outros consumidores de riquezas,

com o que se esvai a própria ideia de “Convivência com o Semiárido”.

Evidentemente, nenhuma dessas leituras do Semiárido é neutra. Elas pautam pro-

jetos, políticas, debates. Criam personagens e desqualificam outros. Produzem se-

miáridos e, igualmente, políticas para esses semiáridos. é nesse contexto, ainda,

que sujeitos sociais – indivíduos, grupos sociais e territórios – produzem trajetos

e deslocamentos, transformando o próprio “chão” da vida e as rotinas do seu co-

tidiano. Nesses trajetos que passam por “entre objetos cujas propriedades intera-

gem com as suas capacidades” (GIDDENS, 2003, p. 132), os agentes produzem os

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contornos dos seus territórios e, às vezes, os “desencaixes” (GIDDENS, 1991) ou

deslocamentos.

Para Giddens, destacam-se, atualmente, dois tipos de mecanismos de desencaixe

que estão “intrinsecamente envolvidos no desenvolvimento das instituições so-

ciais modernas”. o primeiro tipo ele denomina “fichas simbólicas”, que seriam os

“meios de intercâmbio que podem ser ‘circulados’ sem ter em vista as caracterís-

ticas específicas dos indivíduos ou grupos que lidam com eles em qualquer con-

juntura particular” (GIDDENS, 1991, p. 25). De acordo com este autor, apesar de

reconhecermos diversos tipos de fichas simbólicas, atualmente, a mais importante

é, sem sombra de dúvidas, o dinheiro, que “possibilita a realização de transações

entre agentes amplamente separados no tempo e no espaço”; e, principalmente,

na medida em que “dessocializa” relações sociais (IBID, p. 27). o segundo tipo de

mecanismo de “desencaixe” é constituído pelos “sistemas de peritos” ou de “ex-

celência técnica”, “que organizam grandes áreas dos ambientes material e social

em que vivemos hoje”, e que se impõem, em grande medida, por meio de crenças

que alicerçam vidas. Em comum com o dinheiro, os sistemas de peritos “removem

as relações sociais das imediações do contexto” (IBID, p. 31).

Ao se apropriarem do PBF - que se apresenta dinheiro e sistema de crenças que

alicerça vidas - e ao assimilá-lo como ingrediente extraordinário para a produção

da vida ordinária, portanto, os “beneficiários” agricultores familiares requalificam-

-no requalificando a própria realidade que constitui a sua vida-rotina. Com esse

ato desloca-se, por exemplo, o eixo que estruturava os modos de produção da

vida, que transitará do campo da “produção agropecuária” no estabelecimento

para o da produção/apropriação de dinheiros. Exceto em algumas áreas do Se-

miárido, como nas irrigadas, a qualidade “agricultor familiar” quase desapareceu

para reaparecer na identidade do “beneficiário” de políticas de assistência e do

consumidor. Mas, ao mesmo tempo, ela não aniquila o agricultor familiar que, na

sua rotina, modela a vida nos termos da agricultura familiar, transformada pela

presença/ação do Estado.

Falou-se durante muito tempo que o agricultor familiar é um personagem pluriati-

vo. Nas novas circunstâncias, ele se torna ainda mais complexo. Essa constatação

coloca, já de saída, um problema para os estudos sociológicos sobre a agricultura

familiar: o que é essa agricultura familiar? Quem é o agricultor familiar no Semiá-

rido do Nordeste?

Não é o caso, neste trabalho, de retomar o fio do debate teórico, frequentemen-

te bastante emotivo, sobre a agricultura familiar, mesmo porque já se dispõe de

material bastante razoável tratando disso (SABouRIN, 2009; WANDERLEy, 2009;

CAzELLA, BoNNAL e MALuF, 2009). Em contrapartida, em termos mais propria-

mente descritivos, para as finalidades deste trabalho, parte-se da ideia de que a

agricultura familiar no Semiárido não se constitui como um ente dessocializado

e deslocado das dinâmicas sociais, políticas e econômicas; que ela se produz no

encontro/desencontro com outros personagens e dinâmicas.

Eric Sabourin, por exemplo, ao introduzir os seus estudos sobre o problema, re-

toma a distinção feita por Eme e Laville entre “a economia mercantil capitalista

(a troca), a economia pública (associada à redistribuição do Estado) e a economia

oPRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E AS RELAçÕES DE GÊNERo E GERAção NA AGRICuLTuRA FAMILIAR Do SEMIÁRIDo Do NoRDESTE

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gratuita, não mercantil, ou não monetária, assimilada ao princípio da reciprocida-

de (SABouRIN, 2009, p. 258). Em seguida, como desdobramento dessas ideias,

o autor recupera o fio da discussão elaborada por odile Castel, que distingue os

motivos que estruturam cada um desses três regimes de economia:

o enriquecimento pessoal, por meio da maximização do lucro, motivo das atividades de troca capitalista; o compartilhamento, por meio da redistribuição praticada pelo Estado (serviços e auxílios públicos) ou por meio das atividades de proteção a bens e pessoas (seguros das associações e sociedades mutualistas); e a solidariedade econômica, realizada pela reciprocidade, motivo que fundamenta não só as atividades de ajuda mútua, como também as cooperativas e associações (SABouRIN, 2009, p. 259).

Com isso, Castel, e em seguida Sabourin, recolocam o problema da tensão entre as

situações objetivas postas pela economia e pela política e os interesses subjetivos

dos sujeitos sociais. Além disso, no seu trabalho, Sabourin situou na história a ten-

são entre os três regimes de economia para mostrar como, nos diversos territórios

do Semiárido brasileiro, os atores recombinam de modos originais essas econo-

mias para produzirem distintos sistemas de sociabilidade e distintas trajetórias.

Considerando essa trajetória que coloca em evidência as tensões entre as três eco-

nomias e, desse modo, as tensões entre personagens situados em campos distintos,

convém destacar que, a partir dos anos 1980, quando o Estado (economia pública)

tornou-se o agente principal para a produção desses territórios, criando, inclusive,

as condições para a expansão da economia mercantil e para o encolhimento da

economia gratuita (e das relações sociais de reciprocidade que acompanham essa

economia), os modos de sua presença passaram por grandes mudanças até che-

garmos ao Estado Assistente Social pautado por políticas públicas de transferência

condicionada de renda e, principalmente, pelo PBF. é, enfim, desse Estado, na sua

relação com o agricultor familiar “beneficiário” dessas políticas, que se trata neste

trabalho.

Para a produção deste trabalho, além de deslocamentos no plano teórico, foram

introduzidos outros no plano metodológico, que permitem a percepção da pro-

dução das políticas públicas nesse encontro/desencontro entre o Estado e os

“beneficiários”3. Para isso foi elaborada uma estratégia que permitiu ao investi-

gador fazer uma maior aproximação do agricultor que, de um jeito ou de outro,

sempre e silenciosamente, escapa às conformações estabelecidas pelos mecanis-

mos de dominação e de organização da vida social que lhe atribuem um lugar, um

papel e produtos a consumir. Entendeu-se, também, que o modo mais adequado

para apreender/sistematizar conhecimentos passa pela produção de mapas. Su-

põe-se, para isso, que

3 o AGRICuLToR é CoAuToR DESSAS PoLÍTICAS, o QuE o RETIRA Do CAMPo DoS BENEFICIÁRIoS (PASSIvoS)

E o RECoLoCA No DoS AGENTES (ATIvoS).

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todos os conceitos com que representamos a realidade e à volta dos quais construímos as diferentes ciências sociais e suas aplicações, a sociedade e o Estado, o indivíduo e a comunidade (...), todos estes conceitos têm uma contextura espacial, física e simbólica, que nos tem escapado pelo fato de nossos instrumentos analíticos estarem de costas viradas para ela, mas que, vemos agora, é a chave da compreensão das relações sociais de que se tece cada um destes conceitos (SANToS, B., 2000, p. 197).

os mapas servem, portanto, como matrizes das referências que localizam os con-

ceitos nos espaços. Isso não significa, como alerta o autor, que os mapas existem,

mas que são modos de representar, apreender e organizar o real; são “distorções

reguladas da realidade, distorções organizadas de territórios que criam ilusões

credíveis de correspondência” (IBID, p. 197).

Figura 1:

Fonte: http://www.seagri.ba.gov.br/mapa_baciadojacuipe.pdf

Para atender as demandas da produção de informações, primeiro, retomaram-se re-

sultados de investigações anteriores realizadas no mesmo território, e, em seguida,

concentrou-se a investigação em cinquenta famílias (50) de agricultores “benefici-

árias” do PBF, vinculadas a cinco comunidades localizadas em cinco municípios do

Território de Identidade Bacia do Jacuípe (TIBJ), localizado no semiárido da Bahia4.

Após a identificação das comunidades participantes, os pesquisadores, munidos

de técnicas artesanais, foram para as comunidades onde fizeram observação. Além

4 A DIvISão DA BAHIA EM TERRITÓRIoS DE IDENTIDADEFoI REALIzADA EM 2003, E, EM 2007, FoI INCoRPoRADA

PELo GovERNo NAS SuAS ESTRATéGIAS DE PLANEJAMENTo. vER: HTTP://WWW.SEPLAN.BA.Gov.BR/MAPA_TERRIToRIoS.

HTML.

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de ficarem durante três dias nas casas das famílias envolvidas na pesquisa, com

membros dessas famílias, visitaram feiras, postos de saúde, escolas, igrejas, com

a finalidade de conhecerem os trajetos e as redes de sociabilidade das famílias e

dos seus membros e de, a partir desses caminhos nos espaços/tempos, conhece-

rem deslocamentos sociais.

Não se pretende, no entanto, neste trabalho, fazer um mapeamento exaustivo das

continuidades/deslocamentos que afetam, atualmente, as relações de gênero e

geração na agricultura familiar do TIBJ. Pretende-se elaborar um conjunto de ma-

pas que permitam identificar esses movimentos, considerando, especificamente,

os sistemas e as estratégias familiares de produção de vida, os sistemas de dis-

tribuição das tarefas nas unidades familiares, as ações de produção de sociabili-

dades e os processos de reestruturação dos hábitos alimentares e dos cardápios

familiares.

Para a sua apresentação, o trabalho foi estruturado em duas partes, além desta in-

trodução, onde são apresentadas as linhas gerais das abordagens teórica e meto-

dológica que estruturaram o trabalho. Segue-se com a caracterização da agricultu-

ra familiar do TIBJ e dos “beneficiários” do PBF e, finalmente, com a apresentação

e análise dos resultados da pesquisa qualitativa.

CARACTERIZAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR, DAS POLÍTICAS PARA A AGRICULTURA FAMILIAR E DOS beneFiciaRios do pbF

Quais são as características principais da agricultura familiar do TIBJ? Quem são

os agricultores “beneficiários” do PBF? Quais são as características das políticas

públicas atualmente dominantes na agricultura familiar do Território? Que impor-

tância elas apresentam para a sustentabilidade dessa agricultura? Nesta parte do

trabalho, com base em dados secundários, são delineadas algumas dessas carac-

terísticas, o que favorecerá, para o próximo capítulo, o entendimento da relação

entre esses personagens e o Estado.

A AGRICULTURA FAMILIAR DO TIBJ

o TIBJ tem 10.954 km² e 233.682 habitantes segundo Censo Demográfico (IBGE, 2010).

Nos últimos vinte anos, perdeu populações de modo significativo: entre 1991 e 2000, a

população total do Território diminuiu em 13,9% e, entre 2000 e 2010, em 2,77%. Mas,

enquanto alguns municípios viveram processos intensos de evasão populacional, como

Gavião (-53,6%) e Capela do Alto Alegre (-48,7), em outros, como Pintadas (-0,61%)

e várzea do Poço (-2%), a evasão foi menos significativa. o fenômeno é parte de uma

tendência geral dos últimos vinte anos para todo o Semiárido do Nordeste.

o que mais chama a atenção, no entanto, nesse contexto, é a evasão de popula-

ções rurais. Apesar das dificuldades que se tem para distinguir, nessa região, o rural

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do urbano5, e considerando os dados das coletas feitas pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), percebe-se que a assimetria entre o rural e o urbano

no que se refere à evasão de populações é bastante evidente. Entre 1991 e 2007,

a população rural do Território diminuiu em 57,2%; chama a atenção, igualmente,

a mudança nas proporções entre população urbana e população rural: em 1991, a

população rural equivalia a 72% do total; em 2000, ela havia caído para 58%. Isso

significa, por um lado, que a evasão de populações rurais é maior que a urbana; por

outro, que parte dos que saem do campo podem ser reencontrados nas cidades da

própria região. Mas, foi exatamente no primeiro período (1991-2000) que a evasão

rural foi mais significativa no Território: em nove anos ela atingiu mais de 41%.

No panorama social, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome (MDS), em dezembro de 2008, o TIBJ detinha um dos

mais altos índices de pobreza de todo o Semiárido (78% das famílias eram con-

sideradas pobres) e um dos maiores índices de “beneficiários” do PBF (74% da

população, e 80% dos agricultores familiares eram beneficiárias do PBF)6. A taxa

de analfabetismo era de 32 %; a de abastecimento de água, 35,1% e a de esgota-

mento sanitário urbano, 30,6%.

um olhar para a estrutura fundiária do Território contribui para melhor entender

essa situação. De acordo com dados do Censo Agropecuário do IBGE, em 2006 o TIBJ

possuía 27.429 estabelecimentos rurais. Desses, mais da metade (51,5%) tinham

menos de 10 hectares e mais de 94% tinham até 100 ha.; 70 estabelecimentos

(0,25% do total) tinham mais de 1.000 ha7. Além disso, de acordo com o “Plano Ter-

ritorial de Desenvolvimento Sustentável” do TIBJ (CoDES, 2010), atualmente, mais

da metade das terras dos municípios da Bacia é devoluta e 105 imóveis do Território,

envolvendo 76.771,50 ha de terras (quase 8% do total das terras), são improdutivos.

A contribuição da agricultura familiar na produção de valor não mudou muito en-

tre 1990 e 2007. De acordo com dados do IBGE, em 2007, ela participava com

93% dos estabelecimentos, 54,6% da área8 e 66% do valor bruto. o valor mé-

dio anual bruto produzido por estabelecimento agropecuário era, então, de R$

5 JoSé ELI DA vEIGA (2004) PRoPÕE CoMo MoDELo PARA o ESTABELECIMENTo DA DISTINção ENTRE uRBANo

E RuRAL A CoMBINAção DE TRÊS vARIÁvEIS PRINCIPAIS: 1) o “GRAu DE ARTIFICIALIzAção DoS ECoSSISTEMAS”, QuE SERIA

DECoRRENTE DA Ação DA “ESPéCIE HuMANA”; E QuE, PARA A AMéRICA LATINA, SoMADAS AS ÁREAS ARTIFICIALIzADAS E

SEMI-ARTIFICIALIzADAS, Não uLTRAPASSA oS 38% (vEIGA, 2004: 39): 2) A DENSIDADE PoPuLACIoNAL, PARA o QuE ELE

INDICA ALGuNS PARâMETRoS, CoMo o DA oCDE PARA A uNIão EuRoPEIA, oNDE SE CoNSIDERA RuRAL uMA ÁREA CoM

MENoS DE 150 HABITANTES PoR kM²; 3) o GRAu DE DESENvoLvIMENTo RuRAL.

6 EM DEzEMBRo DE 2008, HAvIA 35.698 FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS; EM AGoSTo DE 2009, ESTE NúMERo SuBIu

PARA 37.985 (o QuE PRovoCA uM IMPACTo SIGNIFICATIvo NoS ÍNDICES RELATIvoS, CERTAMENTE).

7 SEGuNDo o QuE ESTABELECE A LEI 8.629/1993, PEQuENA PRoPRIEDADE é o ESTABELECIMENTo CoM

ATé QuATRo MÓDuLoS FISCAIS; PARA o SEMIÁRIDo Do NoRDESTE, o MÓDuLo FISCAL TEM ENTRE 25 E 35 HECTARES.

PoRTANTo, QuASE 95% DoS ESTABELECIMENToS RuRAIS Do TIBJ São PEQuENAS PRoPRIEDADES.

8 A ÁREA MéDIA DESSES ESTABELECIMENToS é DE 19,2 HECTARES E 51,5% Do ToTAL DoS ESTABELECIMENToS

TÊM MENoS DE 10 HECTARES.

oPRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E AS RELAçÕES DE GÊNERo E GERAção NA AGRICuLTuRA FAMILIAR Do SEMIÁRIDo Do NoRDESTE

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1.101,81 (com valor médio mensal de R$ 91,81)9, ou seja, valores que indicam a

insustentabilidade das famílias quando pensada unicamente a partir da produção

no estabelecimento.

Essas informações permitem a elaboração de um perfil socioeconômico para a

agricultura familiar do Território, onde se conjugam: 1) consideráveis perdas de

populações; 2) amplo predomínio da agricultora familiar; 3) persistência de uma

produção agropecuária de baixa produtividade, relativamente pouco extensa, uti-

lizadora de tecnologias bastante simples e voltada essencialmente para a subsis-

tência; 4) situação generalizada de pobreza; 5) diversidade de situações vividas

pelas populações e, principalmente, diversidade de situações de pobreza, marca-

das por diferentes combinações de formas de carências materiais desdobradas em

uma multiplicidade de planos ou de âmbitos de vida.

POLíTICAS PúBLICAS qUE AFETAM A AGRICULTURA FAMILIAR DO tIBJ

Hoje, três conjuntos/tipos de políticas afetam mais diretamente, cada um de seu

modo, a agricultura familiar do TIBJ: as políticas de desenvolvimento (e de com-

bate à pobreza), de previdência e de assistência social. Mas, para os fins deste

trabalho, limitamo-nos a esboçar linhas gerais de políticas que influenciam mais

profundamente nos modos de produção de vida na agricultura familiar da região.

uma das maiores fontes de transferência de dinheiro para o TIBJ são as aposenta-

dorias. Em 2008 havia 38.971 benefícios previdenciários (aposentadorias e pen-

sões) no TIBJ; desse total, mais de 81% eram rurais. o total de recursos transfe-

ridos pela previdência nesse ano, para o Território foi de R$ 200.396.411,00, ou

seja, mais que o total das transferências municipais. Alguns casos aparecem como

singulares. Por exemplo, o município de Serra Preta, que tinha 15.039 habitantes

em 2007, contava com 4.164 benefícios previdenciários (28% ou 1/3 da popula-

ção; ou um benefício para cada 3,6 pessoas). Para o conjunto do Território, havia

um benefício para cada 6,1 habitantes. Mais curioso, ainda, fica quando compa-

ramos a população rural do Território e o número de benefícios previdenciários:

31.645 benefícios para 125.546 habitantes, ou seja, um benefício para 3,96 ha-

bitantes10. Entende-se, com isso, a importância que tem essa política para a eco-

nomia daquela população e, igualmente, os efeitos que ela produz em termos da

aglutinação da população em torno de idosos.

9 CoNFoRME DADoS DA SEI/SEAGRI, CoNSIDERANDo o CoNJuNTo DA PRoDução AGRoPECuÁRIA Do

TERRITÓRIo CoM BASE EM SéRIES HISTÓRICAS PoR PRoDuTo, oBTEMoS AS SEGuINTES INFoRMAçÕES: 1) CoNSIDERANDo

oS PRINCIPAIS PRoDuToS, A PRoDução DE 2008 é, APRoxIMADAMENTE, A MESMA DE 1990; 2) EM 2000 HouvE uM

GRANDE SALTo EM TERMoS DE ÁREA PLANTADA E DE PRoDuTo (No CASo Do FEIJão), A PRoDução FoI QuASE SEIS

vEzES MAIoR QuE A DE 1995); EM SEGuIDA, INICIA-SE uMA CuRvA DECLINANTE ATINGINDo, EM 2007, PATAMAR PRÓxIMo

Ao DE 1990; 3) A SéRIE HISTÓRICA é MARCADA PoR GRANDES oSCILAçÕES PARA A MAIoR PARTE DoS PRoDuToS E,

CoNSIDERANDo ToDo o PERÍoDo, PELA PERMANÊNCIA. MAS, FINALMENTE, CoNSIDERANDo o vALoR MéDIo PRoDuzIDo

PoR ESTABELECIMENTo DA AGRICuLTuRA FAMILIAR, SENTE-SE A NECESSIDADE DE CoNHECER AS ouTRAS FoNTES DE

RENDA DESSAS FAMÍLIAS E EM QuE PRoPoRçÕES MéDIAS ELAS São CoMBINADAS.

10 uMA DAS ExPLICAçÕES PARA ESSA SINGuLARIDADE é QuE oS BENEFICIÁRIoS DE APoSENTADoRIA RuRAL

NEM SEMPRE São HABITANTES DE ESPAçoS RuRAIS.

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o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRoNAF) é o prin-

cipal instrumento de Política de Desenvolvimento para a agricultura familiar brasi-

leira. No TIBJ, em 2008, ele injetou em torno de R$ 8.316.000,00 para 2.715 con-

tratos (média de R$ 3.063,00 por contrato); menos de 10% dos estabelecimentos

familiares do Território foram inseridos no programa. Isso significa, entre outras

coisas, que, considerando o número de contratos e a média de valor alocado por

contrato, do ponto de vista do Estado, a política pública de incentivo à agricultu-

ra familiar, pelo menos neste Território, não é uma política potencializadora do

crescimento econômico ou do desenvolvimento rural11. A maior parte (em torno

de 90%) das famílias de agricultores do Território não é reconhecida por este

instrumento de política.

Ainda nos anos 1980, a agricultura familiar do Semiárido foi incluída numa gran-

de diversidade de programas de “desenvolvimento rural” e “combate à pobreza”.

Desde o final dos anos 1980, num processo de descentralização, os estados nor-

destinos emergiram como os principais propositores/gestores desses programas.

Na Bahia, a gama de programas que se situam nesse campo é relativamente larga

e envolve, entre outros, os seguintes: Sertão Produtivo, Garantia Safra, Produzir,

Semeando, Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e Água Para Todos12.

Considerando as informações disponíveis a respeito do desempenho desses pro-

gramas para o período 2007-2010, constata-se que: mesmo tomados no seu con-

junto, eles atingem cerca de 10% das famílias de agricultores do Território, o que

coincide com os dados do PRoNAF; a quantidade de recursos transferidos foi pou-

co significativa, de modo que, por exemplo, entre 2006-2010, o Produzir, que é o

programa mais importante para a agricultura familiar do Território considerando

o número de beneficiários e as quantias de benefícios, envolveu 3.417 famílias

(cerca de 10% dos agricultores familiares do TIBJ) e R$ 5.156.239,24, média de R$

1.509,00 por família (para cinco anos).

AS POLíTICAS DE ASSISTêNCIA SOCIAL E AS FAMíLIAS ASSISTIDAS

De acordo com dados do Cadastro único do MDS, entre 2007 e 2010, considerando

o número de beneficiários do PBF, local de moradia (urbano e rural), gênero e frequ-

ência à escola, houve no TIBJ uma relativa estabilidade para essas variáveis. Apesar

dessa estabilidade, dois pontos chamam a atenção. Primeiro, em 2010, quando a

população era de 233.682 habitantes (IBGE, Censo de 2010), o número de benefici-

ários era de 50.889, sendo que aproximadamente 22% da população eram benefi-

ciários do programa, sendo que 38% são de origem urbana e 62% são rurais.

Com relação à inclusão dos beneficiários no mercado de trabalho, considerando

o total de declarantes (menos os que declararam que não trabalham e os aposen-

tados), o número de trabalhadores sobe de 5.457 em 2007 para 6.703 em 2008,

11 CoNSIDERANDo oS DADoS DE uMA PESQuISA DE CAMPo, DE 450 FAMÍLIAS ENTREvISTADAS, 20,8 AFIRMARAM

QuE, EM ALGuM MoMENTo, FIzERAM FINANCIAMENTo vIA PRoNAF, E APENAS 4 FAMÍLIAS RECEBERAM FINANCIAMENTo vIA

ouTRoS PRoGRAMAS. DAS 450 FAMÍLIAS, APENAS 11% RECEBERAM ASSISTÊNCIA TéCNICA EM ALGuM MoMENTo.

12 EMBoRA SEJAM GERIDoS PELo ESTADo/BAHIA, GRANDE PARTE DoS RECuRSoS ALoCADoS é FEDERAL.

oPRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E AS RELAçÕES DE GÊNERo E GERAção NA AGRICuLTuRA FAMILIAR Do SEMIÁRIDo Do NoRDESTE

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desce para 6.051 em 2009 e sobe novamente para 6.338 em 2010. Finalmente, de

todos os que se declararam “trabalhadores”, mais de 90% são rurais, o que indica,

pelo menos, o caráter distinto do trabalho rural13.

No que tange à situação da casa dos beneficiários do PBF, considerando o período

2007-2010 verifica-se, primeiro, a diminuição do número de declarantes que mo-

ram em domicílio próprio e, na mesma proporção, inversamente, o crescimento do

número dos que moram em domicílios não próprios; segundo, cresce o número de

casas de tijolo/alvenaria e, nas mesmas proporções, diminui o número de casas de

taipa e adobe; terceiro, cresce significativamente o número de casas cujo tipo de

construção é situado entre “outros” (cresce em quase 236%).

As situações relativas ao abastecimento/tratamento de água, iluminação e esgo-

tamento sanitário são as que mais chamam a atenção nesse campo. Com relação à

água (rede pública, poço e outros), verifica-se um pequeno crescimento no núme-

ro das casas que dispõem de abastecimento via rede pública, passando de 36,3%

em 2007 para 42,4% em 2010 (63,7% em 2007 e 57,6% em 2010 situavam-se

fora da rede pública)14. Nos quatro anos, em torno de 1/3 dos cadastrados se situ-

aram entre “outros”, termo que pode envolver os que dispõem de cisternas para

captação de águas de chuvas15. Mas, em todos esses casos, trata-se da disponibili-

dade de água para o consumo humano. Para o consumo animal e para a produção

agrícola, a situação é muito mais precária. São raros no Território os agricultores

familiares que dispõem desse tipo de água, o que afeta de modo considerável a

produção agropecuária das famílias16.

Com relação ao tratamento da água (cloração, fervura, filtração, sem tratamento e

outros), houve pequenas oscilações ao longo dos quatro anos. A cloração – passou

de 9,1% em 2007 para 8,8% em 2010 - é feita, em geral, em águas de cisternas

(captadas de chuvas); a utilização da fervura passou de 3,4% para 2,4%; a utili-

zação da filtração (que é feita, em geral, em filtros simples de barro) passou de

66,8% para 73%; a não utilização de tratamentos caiu de 18,6% para 13%, que é

um número ainda bastante significativo. Em 2010, cerca de 1/6 dos beneficiários

do PBF no TIBJ consumiam água sem qualquer tipo de tratamento ou se situava

em “outros”.

13 SE CADA DoMICÍLIo TEM, EM MéDIA, 4,5 MoRADoRES, o NúMERo DE FAMÍLIAS “BENEFICIÁRIAS” Do PBF

No TIBJ é DE CERCA DE 10.000. o NúMERo DoS BENEFICIÁRIoS INSERIDoS No MERCADo DE TRABALHo vARIou ENTRE

5.457, EM 2007, E 6.703, EM 2008. PoDE-SE DEDuzIR, PoRTANTo, QuE 3/5 DAS FAMÍLIAS TÊM PELo MENoS uM MEMBRo

INSERIDo No MERCADo DE TRABALHo E 2/5 DAS FAMÍLIAS ESTão FoRA DESSE MERCADo (Não TRABALHAM). ESSES DADoS

REMETEM, CERTAMENTE, Ao QuE SE DEFINE, No TIBJ, CoMo “TRABALHo”.

14 DISPoR DE ABASTECIMENTo DE ÁGuA vIA REDE PúBLICA Não SIGNIFICA, SEMPRE, QuE A ÁGuA CHEGA ATé A

CASA; EM MuIToS CASoS, ELA SE ENCoNTRA DISPoNÍvEL EM CHAFARIzES CoLETIvoS.

15 CoNFoRME DECLARAção FEITA EM 2010, PELo SECRETÁRIo DE AGRICuLTuRA DE uM DoS MuNICÍPIoS Do

TIBJ, EM ToRNo DE DuAS MIL FAMÍLIAS Do SEu MuNICÍPIo Não DISPuNHAM NAQuELE MoMENTo DE QuALQuER SISTEMA

DE ARMAzENAMENTo DE ÁGuA, MESMo CISTERNAS ou CAIxAS.

16 . CoNvéM LEMBRAR QuE, NuMA PERSPECTIvA HISTÓRICA, o SIGNIFICADo DA Não DISPoNIBILIDADE DE ÁGuA

PARA o CoNSuMo ANIMAL TEM uMA DIMENSão MuITo MAIS AGRESSIvA HoJE Do QuE, DIGAMoS, TRINTA ANoS ATRÁS.

o DESLoCAMENTo ou A CIRCuLAção DE ANIMAIS PARA AGuADAS, PoR ExEMPLo, ERA ALGo CoMuM, o QuE HoJE Não é

MAIS (IMPEDIMENToS SANITÁRIoS, FECHAMENTo DE AGuADAS, A DISPoNIBILIDADE DA “AJuDA” ou DA Mão DE oBRA DA

CRIANçA, ETC.).

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133

Em 2010, de acordo com os dados do Cadúnico, mais de 70% dos beneficiários

do PBF tinham acesso à rede pública de energia elétrica (em contrapartida, cerca

de 30% das residências continuam excluídas). Mas, se cresceu o acesso à rede

de energia elétrica, o mesmo não se verifica com relação à rede de saneamento

básico, principalmente no que se refere aos sistemas de esgotamento sanitário17.

Nos quatro anos (2007-2010) permaneceu relativamente estável e muito baixo o

número das moradias que dispunham de acesso a redes públicas de esgotamento

sanitário: em 2010, atingia apenas 27,5% (esse número se refere, provavelmente,

aos moradores de cidades). Pior ainda, mais de 45% não dispunham de qualquer

sistema de esgotamento ou se situavam em “outros”; enquanto isso, 23,5% dispu-

nham unicamente de fossa rudimentar.

Em síntese, as Políticas de Desenvolvimento Rural e de Combate à Pobreza, in-

cluindo o PRoNAF, são seletivas e excludentes: apenas 10% dos agricultores fa-

miliares do Território acessam efetivamente essas políticas. Além disso, de modo

geral, os que acessam o PRoNAF são os mesmos que acessam as políticas estadu-

ais de desenvolvimento e combate à pobreza.

Trabalho e Previdência são os instrumentos que mais injetam dinheiros nas famí-

lias. A importância da Assistência Social, particularmente do PBF, para a agricultura

familiar do Território tem origem menos na quantidade de dinheiro transferido

para cada família e mais na sua qualidade e no grau da sua universalidade: o di-

nheiro chega como “uma benção”, carrega consigo um sistema de crenças (o que

remete ao “sistema de peritos”) e condições, privilegia o vínculo com a mulher e as

crianças, insere a família (principalmente a mulher e as crianças) em novas redes

de sociabilidade e de controle político (principalmente as Secretarias Municipais

de Assistência Social). o dinheiro do PBF é um dinheiro diferente, produz novos

circuitos e afeta as estruturas de posições e de disposições dos membros da casa.

o PBF não atua como saneador de precariedades, mas, essencialmente, como me-

canismo para o deslocamento do centro do sistema de precariedades, que vai da

comida para as condições de humanidade. Por um lado, efetivamente, coloca-se

mais quantidade e variedade de comida na mesa das famílias; por outro, no en-

tanto, as situações estruturantes (acesso à terra, à água, ao saneamento básico, às

tecnologias para a produção agropecuária, ao financiamento...) não foram altera-

das. No dia-a-dia, as famílias precisam continuar inventando modos de produzir a

sua vida (buscar diárias em fazendas vizinhas, migrar para terras distantes, fazer

coleta e artesanato, adquirir sementes e plantar na parca terra cuja titularidade é,

muitas vezes, de outros...). Nos períodos de estiagem, cada vez mais frequentes (a

natureza parece mais desequilibrada) e longos, essa precariedade manifesta-se

ainda mais evidente, principalmente quando se tem que buscar, em lugares não

muito próximos, a água para beber; ou quando se tem que esperar a chegada do

carro pipa da prefeitura, com as suas condições.

17 o ACESSo À ENERGIA ELéTRICA CoNTRIBuI DE FoRMA MAIS SIGNIFICATIvA PARA A INCLuSão NoS MERCADoS

CoMo CoNSuMIDoRES, o QuE SE ADEQuA MAIS CLARAMENTE AoS INTERESSES EMBuTIDoS NoS NovoS SISTEMAS DE

PoLÍTICAS.

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As condicionalidades embutidas no PBF escondem, além disso, por trás da comida,

a necessidade de ajustamento à regulação de quem domina, desumaniza. A pro-

dução da “Convivência com o Semiárido”, pelo menos na perspectiva do Estado,

torna-se mito, coisa do passado, substituída pela ideia da necessidade de convi-

vência com o mercado (como consumidor e não como produtor).

DOS DESLOCAMENTOS NA AGRICULTURA FAMILIAR DO TIBJ

o PBF foi inventado pelo Estado com a intenção de inserir famílias nas redes de

consumo. Mas, ao mesmo tempo, ele produz deslocamentos nas estruturas e nos

modos de viver das populações situadas abaixo da linha da pobreza. Neste, mer-

gulhando no miúdo da vida, procura-se identificar essas continuidades e mudan-

ças no contexto da vida-rotina das famílias, provavelmente; poucas delas imagina-

das pelos produtores do programa ou mesmo passíveis de identificação quando

se considera a partir da dimensão normativa. A imersão dos pesquisadores na vida

rotina dos “beneficiários” permite uma melhor apreensão dos modos como esses

personagens desorganizam/reorganizam a sua realidade (as suas relações com os

objetos que os cercam, as suas ações no mundo, as relações com outros persona-

gens e, inclusive, os modos como produzem as representações sociais).

Quatro portas permitem a imersão dos pesquisadores nessa realidade: a das estra-

tégias/ações de produção da vida, a da distribuição das tarefas entre os membros

da casa, a das redes de sociabilidade e a dos cardápios/hábitos alimentares. é

importante relembrar, ainda, que nesta parte do trabalho se lida com informações

qualitativas produzidas no contato com 50 famílias de agricultores familiares “be-

neficiárias” do PBF. Além disso, considerando essas famílias como unidades pri-

meiras da investigação, o foco se dirigiu para as relações entre os seus membros e,

essencialmente, para as relações de gênero e geração: como elas são reconstruídas

(ou não) a partir da apropriação e do uso, na unidade familiar, do dinheiro do PBF.

SOBRE OS SISTEMAS FAMILIARES DE PRODUÇÃO DE VIDA

Nas últimas décadas, o TIBJ tornou-se um “território do dinheiro” (SANToS, M.,

1999); o dinheiro, a mais importante das “fichas simbólicas” (GIDDENS, 1991),

tornou-se o sujeito principal na produção do Território e da agricultura familiar no

Território. Além disso, a agricultura, que se fazia quase exclusivamente na articu-

lação entre as economias gratuita e mercantil, viu a economia pública (o Estado

“sistema de peritos”) tornar-se hegemônica nos processos de sua produção. Além

de o dinheiro assumir o lugar das gentes e das coisas, o dinheiro público substituiu

outros dinheiros, inclusive o do trabalho, alçando o Estado ao centro do campo da

produção da vida.

Durante a realização da pesquisa, percebeu-se que, considerando a região e os

seus personagens centrais, o entendimento dos deslocamentos nos sistemas e

nos modos de produção da vida passa, primeiro, pela decifração do termo “traba-

lho” e, em seguida, dos lugares/trabalhos dos membros da casa. Para o agricultor

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familiar do TIBJ, as atividades que contribuem para a produção da vida são plurais,

e o trabalho é uma delas. Além da palavra “trabalho”, para identificar essas ativi-

dades, fala-se de “labuta”, “lida-lida”, “ajuda”, “adjutório”, “macacada”, “venda de

diárias”, “bicos” e “assalariamento”. Aparentemente, elas se referem a um mesmo

objeto (ações de produção de vida); no entanto, elas designam diferentes posições

sociais e formas de estruturar relações, de modo que se pode agrupá-las em três

conjuntos de sentido: 1) o trabalho como dito (ação produtiva “do homem” reali-

zada no estabelecimento e que resulta em “produtos” para o consumo e/ou para a

venda); 2) a “ajuda”, a “lida-lida” ou a “labuta” (as ações “das mulheres” e/ou “das

crianças”, e, também, as ações repetitivas, mesmo quando realizadas por homens,

como a de buscar água ou alimentar animais); 3) a “venda de diárias” a “macacada”,

o “dia de macaco” e o assalariamento (atividades realizadas fora do estabelecimen-

to, mediadas por terceiros e que têm a finalidade de produzir dinheiro).

Tradicionalmente, na região, o “trabalho” é atribuição do homem; mulheres e crian-

ças “ajudam”. Mesmo no interior do estabelecimento (do sítio), o filho homem só

“trabalha” quando é “liberado” pelo pai e/ou pela lei (as condicionalidades do

PBF); ou quando casa: “desde os doze anos, eles ficam na angústia de quando po-

derão trabalhar”, dizia um agricultor de Pintadas. Só casa o homem que já trabalha,

de modo que todo homem casado trabalha. Com a liberação para o trabalho, o

filho/homem pode, também, trabalhar fora – “macacada”, “dia de macaco”, “venda

de diárias”, “assalariamento” – para ganhar o seu dinheiro (frequentemente, isso

se faz nas fazendas de café, laranja e cana do Sudeste).

Portanto, a ação do homem, além de ser ação “produtiva” (produz alimentos e

dinheiro), cria o próprio homem (se torna homem pelo trabalho); extensivamente,

cria a mulher e a criança como os que ajudam (excluídos do campo do trabalho).

A ação da mulher pode ser reconhecida em alguns casos como trabalho: quando

não há homem na casa. Mas, essencialmente, o trabalho produz o homem e, nega-

tivamente, a mulher e a criança, de modo que não é o trabalho que caracteriza a

mulher e a criança, mas a ajuda, que é a negação do trabalho.

Esse modo tradicional de representar a produção dos indivíduos e da sociedade

permanece na região, apesar de encontrarmos alguns sinais que apontam para o

seu rompimento, tanto no âmbito das falas quanto da própria prática, como nos

casos de grupos de mulheres que se associam para produzirem. Dois mecanis-

mos contribuem, sobremaneira, para essa ruptura: a monetarização dos modos

de produzir a vida (a chegada dos dinheiros de políticas públicas e a expansão

do “trabalho assalariado”) e a “presença” das “condicionalidades” do PBF. Por um

lado, não é mais só o trabalho (atributo do homem) que dá acesso ao dinheiro, de

modo que o dinheiro deixa de ser coisa só de homem; por outro, com as crenças

embutidas nos requerimentos das condicionalidades, a criança já não ajuda, ela

estuda. o campo da ajuda encolhe: o jovem (homem) passa diretamente do “estu-

dar” para o “trabalhar”, sem passar pela fase da ajuda; a jovem (mulher); intercala

ajuda e estudo na preparação para o casamento. Além disso, hoje, entre os jovens,

é quase unânime a voz que diz que o trabalho é um dos meios de obter dinheiro

(o trabalho produz dinheiro). Poucos jovens homens consideram a possibilidade

de trabalhar na própria roça.

oPRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E AS RELAçÕES DE GÊNERo E GERAção NA AGRICuLTuRA FAMILIAR Do SEMIÁRIDo Do NoRDESTE

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Com essa monetarização das relações, com a quase universalização do PBF na agri-

cultura familiar e com o adensamento das relações entre agricultores, o Estado e

o mercado, são reestruturados os sistemas e os modos de produzir a vida. Essas

mudanças se revelam na tensão entre trabalho e dinheiro e se desdobram nas re-

lações entre os dinheiros de transferências públicas e dinheiros do trabalho; elas

se revelam, igualmente, nas relações entre os sistemas significativos/normativos

(Estado) e a vida-rotina dos agricultores.

Mas, ao mesmo tempo, salta aos olhos a naturalização que vem se estruturando

nos modos de cumprimento das condicionalidades do PBF, sob a responsabili-

dade da mulher. Quase sempre sozinhas, as mulheres respondem pelas decisões

de levar os filhos ao posto de saúde, pelo acompanhamento do calendário de

vacinação, pelo controle do cartão de vacina e da matricula escolar, mesmo nos

casos em que contam com a presença do marido/companheiro na casa. Apenas

em um dos casos, entre os cinquenta estudados, se afirmou que o homem divide

essas tarefas. A responsabilização da mulher é acrescida, ainda, em decorrência,

por exemplo, da ausência de um cônjuge (marido ou companheiro), cujos motivos

envolvem desde a busca, por este, de trabalho em outras regiões do país, passan-

do por separações conjugais de fato, ou pela inexistência de vínculos conjugais

(mães solteiras).

Essa naturalização da responsabilidade pelas condicionalidades produz, pelo me-

nos, dois efeitos. o primeiro remete à restauração - que está subjacente na for-

mulação do Programa - do papel atribuído à mulher na “reprodução” da vida, nos

“cuidados” com os filhos, na administração das coisas da casa, fixando e essencia-

lizando a mulher a partir das funções biológicas. A restauração desse papel foi far-

tamente verificada em conversas com agentes governamentais locais – assistentes

sociais, agentes de saúde, diretoras de escolas e professores -, quando inquiridos

sobre o cumprimento das condicionalidades. o segundo ponto se refere ao con-

senso que se estabeleceu sobre a legitimidade da preferência das mulheres pelo

Programa. Entende-se, nas comunidades visitadas, que o acompanhamento do ca-

lendário de vacinas e da vida escolar é um atributo “natural” da mulher, que cuida

melhor da casa e sabe melhor das necessidades.

Em síntese, com a apropriação de dinheiros e de crenças embutidas nas políticas

públicas, particularmente nas condicionalidades, os agricultores familiares do TIBJ

reestruturaram os modos tradicionais de produzir a vida: 1) o dinheiro tornou-se a

“ficha simbólica” e o personagem principal, subordinando a ele o próprio trabalho;

2) o trabalho no sentido estrito mantém-se como atribuição do homem; 3) o traba-

lho no sentido largo (combinação de uma multiplicidade de atividades incluindo

a ajuda) torna-se uma atribuição do adulto e exclui a criança/adolescente (divisão

por idade); 4) o cuidado da casa e de tudo que isso implica (condicionalidades)

é atribuição quase exclusiva da mulher; 5) o sistema de produção de vida, que

resultava da tensão entre as economias gratuita e mercantil, estrutura-se hoje na

combinação/descombinação de três economias, com a hegemonia da economia

pública e do seu dinheiro; 6) o Estado “sistema de peritos” torna-se a ficha simbó-

lica mais importante para a definição, na agricultura familiar do Território, do que é

certo e errado, justo e injusto; 7) com a apropriação dos dinheiros dos programas

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de políticas públicas, principalmente do PBF, com as suas condicionalidades, foi

reajustada para cima a escala de inserção das famílias na sociedade/mercado; 8)

na nova escala de inserção, a contribuição solicitada de cada uma das economias

para a produção da vida foi requalificada; 9) o dinheiro do PBF se torna central na

nova escala de inserção social: o fortalecimento do consumo de bens e serviços no

mercado; 10) adultos e crianças, mulheres e homens: as suas posições e funções

nas estruturas dos sistemas de produção de vida foram alteradas, dando origem a

novas tensões entre eles.

A DISTRIBUIÇÃO DE TAREFAS NAS UNIDADES FAMILIARES

Dessa monetarização das relações sociais e das estratégias de produção de vida

decorrem mudanças nas estruturas de posições dos indivíduos nas unidades fa-

miliares e na distribuição das tarefas em, pelo menos, três campos: 1) desvincula-

-se a criança/adolescente dos ambientes da produção de alimentos/bens e da

produção de renda/dinheiros para situá-lo na escola (condicionalidade); 2) com

relação à produção de alimentos/bens para a unidade familiar e a produção de

renda/dinheiro para o acesso ao mercado de bens e alimentos, o eixo forte ten-

de a deslocar-se do primeiro para o segundo (produção de renda/dinheiros)18; 3)

opõem-se as diversas formas de produção/acesso ao dinheiro, dando origem aos

diversos dinheiros: o dinheiro que resulta diretamente do trabalho, o dinheiro do

PBF, o dinheiro dos bicos, o dinheiro das aposentadorias/pensões, o dinheiro do

jovem. Com essas mudanças que estabelecem o primado do dinheiro, enquanto

alguns dinheiros são vinculados ao homem, outros são da mulher e outros dos

jovens. Essas diferenças entre os dinheiros dos indivíduos se manifestam, essen-

cialmente, no seu uso: quem decide sobre o seu uso e em que é usado. Mas, se

produção/apropriação de renda/dinheiros torna-se estruturante nos modos de

produzir a vida, a economia gratuita não desaparece, mas se refaz nas novas cir-

cunstâncias, ganhando novos sentidos. Essas mudanças nos sistemas de produção

de vida repercutem nas estruturas de distribuição de tarefas entre os membros

das unidades familiares, dando origem a novas combinações/descombinações.

No que diz respeito à divisão sexual do trabalho no âmbito das unidades familia-

res, aos homens cabe, ainda hoje, a responsabilidade pelas atividades ditas “pro-

dutivas”: trabalhar, vender, trocar, comprar, decidir sobre o que produzir e o que

comprar; à mulher cabe cuidar da casa, dos filhos, dos pequenos animais, da horta,

do artesanato feito “nas horas vagas”, buscar ajuda de parentes e vizinhos, provi-

denciar água para o consumo; aos filhos cabe estudar; aos jovens cabe preparar-se

para o casamento (emancipação). ou seja, as tarefas da mulher são vinculadas aos

usos e ao consumo da família. Essa divisão de tarefas é portadora de um caráter

valorativo, que repercute, por exemplo, pelo menos no plano da representação,

em maior ou menor autoestima. Esta continuidade na divisão sexual das tarefas

legitima o homem no exercício do controle e da gestão dos recursos financeiros

18 A ECoNoMIA GRATuITA ou ECoNoMIA Do DoM (ESTABELECIDA NA RELAção CoM vIzINHoS E PARENTES),

EMBoRA IMPoRTANTE PARA A PRoDução/REPRoDução DAS FAMÍLIAS NA REGIão, SEMPRE FoI CoNSIDERADA CoMo uMA

FoRMA CoMPLEMENTAR DE oBTENção DE MEIoS DE vIDA.

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gerados na família e vincula o homem à produção, seja no estabelecimento ou fora

dele: “se não tiver trabalho por aqui, eu vou sair pelo mundo”. A mulher não sai

para o mundo, repete as atividades de sempre.

Mas, com o PBF, abriu-se para a mulher um novo campo de atividades, sem alterar

significativamente o anterior: ela é a responsável junto ao Estado, responsabili-

dade que envolve a realização das condicionalidades do programa. Em uma das

rodas de conversa, foi emblemática a fala de uma das mulheres: “a mulher trabalha

na casa e na roça também, enquanto o homem faz serviços fora ou presta diária

na terra de outras pessoas”. A mulher sempre foi para a roça, sempre “ajudou” o

homem no seu trabalho na roça; mas, atualmente, quando aumenta o tempo do

homem fora da própria roça, aumenta o tempo da mulher na roça, onde ela assu-

me, frequentemente, a direção da atividade.

Na fala da mulher está em jogo o “fora” e o “dentro”, como demarcadores de lu-

gares e de posições que homem e mulher ocupam na distribuição das tarefas no

âmbito da unidade familiar. Por um lado, o trabalho “dentro” é assumido majori-

tariamente pelas mulheres e aquele realizado “fora” é atribuído ao homem; por

outro, está em andamento um processo de redefinição sobre o que é dentro e

o que é fora, de modo que o fora que se concentrava na roça se torna cada vez

mais o fora do estabelecimento. Além disso, quanto mais se desloca a atividade

do homem para fora do estabelecimento, mais ele carrega consigo o conteúdo do

termo trabalho: trabalhar é uma atividade feita fora: “o homem trabalha quando

arranja serviços”. A ação da mulher na roça, que antes era própria do homem, é

desqualificada.

Contribui para a produção/reprodução dessa desigualdade de gênero o desencon-

tro entre as políticas de desenvolvimento rural, como o PRoNAF, vinculado princi-

palmente ao homem (são raras as mulheres no Território que acessam o PRoNAF),

e as políticas de assistência social, como o PBF, explicitamente vinculado à mulher.

Essa divisão – com raízes nas estratégias ideológicas e normativas do Estado e

que envolvem, na ponta de baixo, os seus agentes extensionistas e de assistência

social – contribui significativamente para a demarcação e a naturalização dessa

divisão sexual das atividades na família. o Estado ganha substância enquanto “sis-

tema de peritos”.

Essa assimetria nas relações de gênero nos sistemas de distribuição das tarefas

nas unidades familiares se reproduz nas relações entre gerações. Na distribuição

das tarefas nas unidades familiares referentes aos filhos e filhas, se reproduz o

mesmo padrão verificado na relação entre o pai e a mãe. Se, por um lado, a ajuda

das crianças e dos adolescentes foi transformada em trabalho e substituída pela

escola (condicionalidade), por outro, as expectativas que se tem com relação ao

menino e à menina diferem. Na convivência diária com muitas famílias percebeu-

-se que as meninas dividem o seu tempo ajudando a mãe nos afazeres domésticos

e na dedicação aos estudos; enquanto isso, alguns dos filhos mais velhos acom-

panham o pai em atividades da roça. Mas, em geral, eles não vão para a roça para

não perderem aula: “eles gostam de estudar, não perdem aula e querem continuar

estudando pra mudar de vida”. Curiosa é a fala dos meninos com relação às cole-

gas na Escola Família Agrícola de Jabuticaba: “há disciplinas como zootecnia, que

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as meninas não têm jeito para laçar um garrote”; um deles acrescenta: “só conheci

na escola uma única menina que sabia ordenhar”; e outro: “as meninas preferem

arrumar os quartos e limpar a escola”. A inscrição da ordem masculina nos dis-

cursos interdita tacitamente a inserção das meninas em determinadas atividades

destinadas para os homens. Enfim, durante a pesquisa foi possível perceber a for-

ça expressiva com que as famílias projetam o futuro dos filhos a partir da crença

na escola e no ganhar dinheiro. é com base nessas crenças que, muitas vezes, os

filhos são poupados do envolvimento com afazeres domésticos ou de trabalho na

roça. Pais e mães justificam o esforço que fazem para que os filhos estudem: “(...)

quero que eles tenham um futuro que infelizmente não consegui conquistar”.

TRAJETOS E REDES DE SOCIABILIDADES DAS FAMíLIAS

Em quase todas as famílias que participaram da pesquisa, a mulher detém o “car-

tão” do PBF, o que lhe dá o acesso ao dinheiro e à definição do seu destino e a

torna reconhecida pelo Estado e no mercado. A posse do cartão afeta profunda-

mente as suas rotinas e os seus trajetos, requalificando e alargando a sua rede

de relações. Na pesquisa, acompanhando trajetos de mulheres e homens, jovens

e crianças, foi possível identificar as “estações” (GIDDENS, 2003) ou os lugares

no trajeto onde se adensam o tempo/espaço da realização da vida. Além da casa,

posto de saúde, escola, feira, mercado, casa lotérica, banco, igreja e vizinhança são

paradas obrigatórias onde se materializam a apropriação e os usos do PBF pelas

famílias, com a mulher protagonizando as ações. Mas, cada membro da família tem

as suas próprias estações. Seguindo as suas trajetórias e observando onde param

e o que fazem nessas paradas, pode-se dimensionar o que são, para esses perso-

nagens, as suas redes de sociabilidade.

A forte presença de mulheres nas rodas de conversa realizadas ao longo das pes-

quisas, mesmo quando se teve o cuidado de convidar a comunidade, indica que

é consenso na região que PBF se liga à mulher. Provocadas a falarem sobre o as-

sunto, as mulheres, por unanimidade, concordaram em afirmar que cabe a elas a

apropriação e o uso do dinheiro, pois, de acordo com as suas representações, elas

sabem dar melhor destino ao dinheiro, que é destinado ao atendimento do que

elas consideram as principais necessidades da casa. é um dinheiro para a casa e,

portanto, deve ser gerido por elas. Ao serem provocadas pela pergunta: “(...) e se

fosse o homem o que recebesse o dinheiro?”, a resposta começa com risos e com

uma exclamação que faz coro: “hum... ficava metade no meio do caminho;” outras

diziam: “todo não chegava em casa”; outra: “a mulher é que sabe o que precisa

dentro de casa”.

Essa unanimidade forma redes sociais, estabelece vínculos e, principalmente,

altera a posição da mulher na sociedade. Ela afeta a própria autoestima da mu-

lher. A sua disposição para participar de encontros referentes ao PBF, chegando a

enunciar iniciativas e/ou promessas de rompimento de relação de subordinação

ao homem/marido, foi bem traduzido pela resposta de uma delas, quando a ami-

ga lhe perguntava com quem havia deixado “os meninos”: “Ah! Deixei com ele e

disse que tinha uma reunião do ‘Fome zero’, e que ele tomasse conta dos meninos

porque eu não sabia que horas ia voltar”. A fala, acompanhada de expressão de

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contentamento e risos, indica um misto de vitória e dúvida. Atitudes assim foram

verificadas em muitas comunidades, apontando para mudanças na rotina das be-

neficiárias do programa, que possibilitam ampliar as suas redes de relações, já que

agora elas andam por outros caminhos e demoram em outras estações, para além

das estações tradicionais da mulher local: a casa, os vizinhos e a igreja.

Mas, a despeito desses deslocamentos nas rotinas e nos trajetos que tornam as

mulheres visíveis no comércio, nas filas das casas lotéricas e em estações que

se tornaram obrigatórias para os beneficiários do Programa, e apesar de se ter

instituído e legitimado a ideia de que o recebimento do beneficio deve ser feito

“preferencialmente” por mulheres, na pesquisa ficou nítida a impressão de que

tudo isso é ainda insuficiente para produzir deslocamentos mais profundos nas

relações hierárquicas de subordinação homem-mulher e, sobretudo, quando se re-

fere à participação na esfera pública. Ficou visível que se reforça com o Programa, na

prática e nas representações, o lugar/papel tradicional da mulher de cuidar da casa.

Produz-se uma espécie de desencontro entre o alargamento “físico” dos trajetos e

a manutenção da ideia de que o lugar da mulher é a casa. Se, por um lado, é quase

nula a presença de mulheres em organização sociais tradicionais (associações co-

munitárias, sindicatos, cooperativas) e que se situam para além dos trajetos “obriga-

tórios”, por outro, elas criam e ingressam em novas redes, e se encontram com mais

frequência com pessoas que antes não faziam parte das suas redes.

Esses novos trajetos e paragens complexificam o seu território, abrindo o leque das

sociabilidades advindas dos conteúdos novos de informações que são obrigadas a

adquirir para atender às novas demandas do ser mulher, como a de ser responsável

pela administração do cartão do PBF. Acompanhando mulheres nos seus trajetos,

foi possível observar, por exemplo, para além das relações de mercado, o estabele-

cimento “espontâneo” de uma rede de “entre ajuda” e solidariedade que funciona,

por exemplo, quando convém esclarecer dúvidas sobre os locais próprios para tirar

a documentação ou sobre exigências do Programa e, ainda, para facilitar estratégias

de acesso a locais e pessoas mais indicadas para resolver problemas.

Nas comunidades locais, o PBF estabeleceu-se como espaço de apoio mútuo, rom-

pendo com a sua formalidade, que exclui relações de horizontalidade19. os encon-

tros se refazem em lugares tradicionais, como nas rodas de “cata/quebra de licuri”,

ou em lugares novos, como postos de saúde.

Certeza e medo – medo por que não é um direito, é uma espécie de dádiva e é

incerta – se misturam refazendo a vida da mulher. Se, por um lado, o dinheiro do

Programa é certo (quantidade certa), contraditoriamente, é produtor de medo (a

sua chegada é incerta). “Todo final de mês o medo bate”; por quê? “Medo de botar

o cartão e não sair dinheiro; com que vou pagar as dívidas?” os relatos expressam

o caráter dessa vida precária, dessa nova precariedade, não mais necessariamente

da falta de comida, mas de uma vida sujeita a determinações incontroláveis, cada

19 o PBF é BASEADo EM RELAçÕES vERTICAIS TENDo NoS ExTREMoS o ESTADo E A FAMÍLIA/INDIvÍDuo,

MEDIADo PoR uM SISTEMA TéCNICo E PELAS CoNDICIoNALIDADES, QuE TRANSFoRMAM o BENEFICIÁRIo EM oBJEToS

DE CoNTRoLE.

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vez mais fluídas e modeladas por programas que embutem incerteza, inconstân-

cia, imprevisibilidade. Institui-se um modo de vida que exige autorização do outro.

“Hoje tem, amanhã não se sabe”. é assim também com o trabalho: não é “fixo” e

nem “certo”. Daí os dias vividos sob-riscos e medos. Fragmentação, instabilidade,

incerteza e fé (rezam muito) integram o cotidiano das famílias e afetam, sobre-

maneira, a mulher na condição de responsável pela casa, educação e saúde dos

filhos, com o dinheiro “certo”, mas “incerto”.

desLoCamentos nos HáBItos aLImentares e nos CardáPIos

Embora a presença de produtos como o feijão, a farinha de mandioca, o feijão de

corda e o fubá de milho, tradicionais produtos agrícolas das famílias, sejam consu-

midos quase todos os dias em quase todas as famílias pesquisadas, é em termos

de continuidade/descontinuidade de hábitos alimentares, inscrita, inclusive, numa

ordem geracional, que se expressam algumas exigências, antes ausentes, agora

“naturalizadas”. Chamam a atenção, nas rodas de conversa, os conflitos de mães

com relação a exigências de filhos pela inserção de alguns elementos no cardápio

diário, marcando um ponto de clivagem na mudança de hábitos e de gosto:

[...] na mesa tem cuscuz e café, e o menino pergunta: cadê a manteiga? Não tem manteiga, não. Então eu não quero; é assim que eles respondem. A gente nunca teve manteiga e nunca reclamou; agora não, eles não comem o cuscuz sem manteiga. vocês lembram? Era cuscuz seco [...].

o grupo confirma com entusiasmo e relata episódios semelhantes para confirmar:

“hoje está tudo mudado”. Desses relatos pode-se inferir que, hoje, a decisão sobre

o que consumir é pautada cada vez mais pela geração que experimenta o viver

numa organização social definida pelo dinheiro e pela escola (merenda escolar),

principalmente o dinheiro da economia pública, que traça contornos nas relações

e nas dinâmicas sociais do TIBJ. No plano simbólico, nomes de alimentos antes

comuns, a exemplo do “bengo” (animal parecido com o sariguê), “fufuta” (milho

torrado, pisado no pilão, misturado com rapadura e cessado na peneira), “rabo

seco” (mistura de farinha, pimenta e sal), dentre outros, são pronunciados pelas

mulheres (nas rodas de conversa) como acidentes de vida cercados de um antes

e um depois. é com certo constrangimento e como memória que os nomes desses

alimentos aparecem nas conversas, diferente do modo como se referem aos ali-

mentos adquiridos no mercado.

Durante as visitas, saltava aos olhos a presença marcante da bolacha, exibida em

vasilhames para os pesquisadores e saboreada por crianças, numa expressão de

detentora de um gosto de prestígio social, contrastando, no entanto, com as condi-

ções precárias de vida. Dados quantificados com base em questionário resultante

de uma pesquisa anterior indicam que mais da metade dos produtos alimenta-

res consumidos pelas famílias são obtidos por meio da compra e não mais da

produção direta. Produtos até recentemente considerados estranhos, como pão,

macarrão, embutidos industrializados, produtos enlatados, frutas, como a maçã e

a uva, ingressaram no cardápio das famílias; enquanto isso, produtos de consumo

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tradicional, como feijão, farinha de mandioca e milho são adquiridos no mercado,

o que sugere a precariedade da produção no próprio estabelecimento.

Essa combinação de produtos tradicionais com novos e, também, a presença cres-

cente de produtos adquiridos no mercado são indícios de uma continuidade/des-

continuidade nos hábitos alimentares, favorecendo uma disposição de gosto por

produtos produzidos fora do domicílio. Isso decorre em grande medida, da tendên-

cia para a monetarização das relações sociais e dos sistemas produtivos, articulada

com a tendência de urbanização de hábitos, para o que contribui de modo significa-

tivo o ingresso das crianças na escola e, principalmente, em escolas localizadas na

cidade. Essa disposição para a mudança dos hábitos alimentares é reforçada, ainda,

pelo acesso à televisão, presente em quase todos os domicílios pesquisados.

Com relação aos hábitos alimentares, chamou a atenção, nas pesquisas, o pequeno

peso relativo do consumo de aves e porco. Há não muito tempo, criar e consumir

galinha, e também porco, era algo quase inerente ao ser agricultor familiar na re-

gião. Além de diminuir a produção desses animais, no mercado, a preferência recai

sobre outras carnes, consideradas mais nobres, inclusive embutidos. Nas rodas de

conversas ouviu-se muito falar do pão e do macarrão, dando a impressão de que

são alimentos de todos os dias. Durante uma visita, perguntou-se a um grupo de

crianças: “se chegasse alguém na escola e dissesse: hoje vocês poderão escolher

entre feijão e macarrão, o que vocês escolheriam?” A resposta veio na forma de um

grito: “macarrão!”. Com relação ao feijão e ao arroz, que se acreditava estarem em

todas as mesas da população do Território, mais de 30% das respostas a um ques-

tionário (foram entrevistadas 450 famílias) mencionaram estes produtos entre os

de pouco ou nenhum consumo. Estaria em marcha na região, ao que parece, um

processo de produção de novos padrões alimentares, formador de novos palada-

res, que exclui o que é da roça, principalmente por ser da roça.

Essa percepção não é um atributo exclusivo desta pesquisa. Em um dos municí-

pios do Território, por exemplo, a Secretaria da Agricultura desenvolve um pro-

grama visando a interferir nesse processo. Dentre as atividades do programa, são

realizadas oficinas com a finalidade de desenvolver tecnologias para o aproveita-

mento de produtos da região e de interferir no cenário das representações, produ-

zindo novos nomes para determinados alimentos, frutas e legumes da região. Por

exemplo, com relação ao umbu, fruta típica da região, aprende-se a fazer “conser-

va”, que é renomeada e chamada “azeitona do sertão”. Azeitona é um símbolo do

mundo urbano.

Entende-se que há distintas maneiras de formar hábitos; e que a formação de

hábitos se vincula às condições materiais dos sujeitos sociais que os produzem;

e que estes sujeitos sociais se inserem em contextos (estruturas de tempos e es-

paços) determinados. Assim, por exemplo, nas circunstâncias atuais da agricultura

familiar do TIBJ, o PBF constitui-se como elemento estruturante. o dinheiro do

Estado e a voz do Estado (dos seus peritos) que são assimilados pelas famílias com

a mediação das condicionalidades, são portadores de uma enorme capacidade de

determinação: colocam no centro do cenário a mulher, a criança e a compra (de ali-

mentos). Esse poder de interferência é acrescido na medida em que a criança vai

para a escola, na cidade, onde recebe uma merenda que inclui, invariavelmente,

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produtos industrializados; enquanto isso, a mulher vai para o Posto de Saúde, onde re-

cebe formação sobre hábitos alimentares. ora, a mulher é a encarregada de, ouvindo as

crianças, colocar a comida na mesa. Estudo realizado em 2008 pelo Instituto Brasileiro

de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) (Repercussões do Programa Bolsa Família na

Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas chega a conclusões simi-

lares às que se chegou neste trabalho: indica-se, por exemplo, que a dieta de 55% das

famílias do PBF é composta por alimentos de maior densidade calórica e menor valor

nutritivo; acrescenta-se, no mesmo estudo, que 21% dos beneficiários do PBF, cerca

de 2,3 milhões de famílias ou 11,5 milhões de pessoas, se encontram em situação de

insegurança alimentar grave; e que 34% dos beneficiários, ou 3,8 milhões de famílias,

ou, ainda, 18,9 milhões de pessoas, estão em situação moderada (IBASE, 2008).

conclUsão

No TIBJ, a relação dos agricultores familiares com o Estado tornou-se estruturante

nos modos de produção de sua vida. Não se trata, no entanto, de qualquer Esta-

do, mas do Estado do PBF, um Estado que controla, pela via deste programa, dois

poderosos mecanismos de “desencaixe”: as “fichas simbólicas”, particularmente o

dinheiro, e o “sistema de peritos”, ou seja, a capacidade de produzir crenças pela

disseminação de aparatos simbólicos e normativos.

os agricultores familiares, ao se apropriarem do PBF, assimilando-o na produção

do seu cotidiano, requalificam-se requalificando a própria realidade vivida. o PBF,

na sua efetividade, deixa de ser, assim, apenas o programa formal, para tornar-se

também um ingrediente nas estratégias de produção de vida de uma população. é,

portanto, do encontro/desencontro entre esses dois personagens que emergem as

principais expressões de deslocamentos na realidade dessa população.

Neste trabalho, fixando o olhar neste espaço, e através de pesquisas qualitativas,

procurou-se cartografar expressões desses deslocamentos. Iniciou-se traçando al-

guns dos contornos do Território e do que caracteriza um dos seus personagens

centrais, o agricultor familiar. Ambos - Território e agricultores familiares - foram

qualificados como realidades situadas na fronteira da produção do humano, ou

onde a desumanização se encontra/rompe com as perspectivas de produção do

humano. A precariedade é o termo que permite ingressar nesse contexto e identi-

ficar, por um lado, o Território como território do dinheiro e, por outro, a agricultura

familiar como uma realidade que se constitui na entreface entre as economias

mercantil, pública e gratuita e onde a economia pública torna-se o agente/ingre-

diente principal para a produção da vida. Mas, para além dos deslocamentos nas

estruturas da realidade, o que interessou neste trabalho foi identificar as mudan-

ças produzidas no âmbito das relações de gênero e geração na agricultura familiar.

A família e, mais especificamente, a família “beneficiário” do PBF foi tomada como a

unidade que estrutura a investigação. olhando para a família foram abertas quatro

portas que, conforme nosso entendimento, permitiriam o mergulho dos investiga-

dores na realidade dos agricultores: a dos modos/estratégias de produção de vida,

a da distribuição das tarefas na unidade familiar, a dos trajetos dos membros da

família dando origem aos seus territórios e a dos cardápios/hábitos alimentares.

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Situados nesse contexto, como conclusão do trabalho, pode-se alinhavar pelo me-

nos quatro grupos de considerações (que não esgotam a análise dos resultados

da pesquisa, mas abrem portas para estudos futuros) ou ganchos que permitem

identificar deslocamentos nas relações de gênero e geração na agricultura familiar

do TIBJ:

1) A situação de precariedade – traço marcante na vida dessa população – ganha

novos conteúdos e significados. Na agricultura familiar do TIBJ, tradicionalmente,

a precariedade se manifesta nas estruturas fundiárias, nos sistemas de produção

agropecuária, nos sistemas de tecnologias adotadas, nas relações dos agricultores

com os “compradores de diárias” e agenciadores de mão de obra, no sistema de

financiamento da produção e nas estruturas de moradia das famílias. Essa preca-

riedade se desdobra, mais recentemente, com a disseminação pelo Estado/siste-

ma de peritos da crença na superioridade do habitus urbano, com a substituição

de políticas de desenvolvimento por políticas de assistência (de baixo grau de

institucionalidade e pautadas pela transferência de mínimos existenciais), com a

incapacidade das famílias de assegurarem a permanência das novas gerações no

campo (e a reprodução da própria agricultura familiar), com a crescente necessida-

de de produzir/apropriar-se de mais e mais dinheiros para garantir a sobrevivência

e com a criação de um clima de medo, um medo abstrato, “quase sem objeto”,

inqualificado. é possível afirmar, nessas circunstâncias, que um dos traços mais

marcantes da nova realidade da agricultura familiar do TIBJ consiste na combina-

ção de um forte sentimento de insegurança, medo e fluidez.

2) No campo da produção da vida, as três economias se reconfiguram e se re-

estruturam as relações entre elas. o campo da produção da vida na agricultura

familiar no TIBJ envolve estratégias onde se combinam/descombinam traços das

três economias: mercantil, pública e gratuita. Mas, olhando numa perspectiva his-

tórica, é possível afirmar que a configuração de cada uma dessas economias e,

também, as estruturas e dinâmicas de relações entre elas passaram por grandes

transformações.

os agricultores familiares continuam produzindo alimentos e uma diversidade

de tipos de bens nos seus próprios estabelecimentos; eles continuam venden-

do produtos da roça e da sua arte e comprando nos mercados; eles continuam

vendendo diárias (que, também, continuam sendo chamados “dias de macaco”)

e assalariando-se em regiões distantes para completar a renda e/ou para mudar

de vida; entre vizinhos e parentes, eles continuam trocando e/ou doando ajudas,

trabalho e coisas.

Mas, com a monetarização das relações, cresce a tendência em substituir a pro-

dução e a doação de alimentos e bens pela produção e doação de dinheiro. Além

disso, se, por um lado, o lugar da produção de dinheiros tende a se deslocar do

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interior do estabelecimento para fora (cresce a importância da venda de força

de trabalho), por outro, com o crescimento relativo da importância da economia

pública pautada na transferência de dinheiros, as estratégias de produção de di-

nheiros tendem a buscar um ponto de equilíbrio na relação com estratégias de

apropriação de dinheiros.

3) Com as mudanças nas posições (estruturas) e nas disposições (estruturantes)

nas relações entre as economias, mudam igualmente as posições/disposições dos

membros da família na unidade familiar. Essas mudanças podem ser apanhadas

a partir de uma grande diversidade de pontos de vista. No entanto, é no contexto

das relações de gênero e geração que essas mudanças são mais visíveis. Na media

em que o dinheiro se transforma em produtor de posições/disposições (monetari-

zação), em que a apropriação de dinheiros (economia pública) se legitima e deslo-

ca (simbolicamente) para segundo plano as estratégias de produção de dinheiros

(economia mercantil), e em que a mulher é alçada como o agente principal na

apropriação de dinheiros (de transferências), alteram-se de uma só vez as posi-

ções/disposições dos membros da casa. A mulher deixa de ser aquela que apenas

ajuda para tornar-se portadora de um cartão que lhe permite o ingresso (limitado,

certamente, aos mínimos desses dinheiros) nos mercados e, também, nos sistemas

políticos; por conta das condicionalidades dos sistemas de transferência/apropria-

ção de dinheiros, os filhos deixam a roça para se tornarem estudantes. Na escola

aprendem a “urbanidade” que inclui, por exemplo, hábitos alimentares e de rela-

cionamento com as coisas do mercado. Indo para casa, essa criança passa a ditar

novos hábitos, que produzem novos paladares. Nascem uma nova mulher e uma

nova criança; mas, a “nova” é tão nova quanto precária, apesar de a precariedade,

agora, não residir mais na pobreza de comida, mas na pobreza da desumanização:

para legitimar o poder de quem o tem, ela é destituída pelo sistema de peritos da

sua qualidade; nasce o “homem sem qualidade”, de Robert MuSIL (2006).

4) Produz-se, enfim, um deslocamento que não é, provavelmente, um verdadeiro

deslocamento, pelo menos se considerado da perspectiva do Estado: da “Convi-

vência com o Semiárido” para as rotinas do consumo. Nos tempos – não distantes

- da efervescência dos movimentos sociais e do seu reconhecimento como inter-

locutores do Estado para a produção do desenvolvimento rural, a “Convivência

com o Semiárido” era o lugar da agregação e de um projeto que se propunha a

romper com séculos de dominação sobre as populações do Semiárido. Tendia-se,

pelo menos no discurso e através de alguns instrumentos de políticas, a fortalecer

a produção nos estabelecimentos de agricultura familiar ou a inserir o agricultor

no mercado, fortalecendo a sua qualidade de produtor. os novos modelos de polí-

ticas que propõem transformar os pobres em consumidores anulam a própria ideia

de “Convivência com o Semiárido”, transformando-a, pelo menos na perspectiva

do Estado, em um novo mito.

oPRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E AS RELAçÕES DE GÊNERo E GERAção NA AGRICuLTuRA FAMILIAR Do SEMIÁRIDo Do NoRDESTE

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oPRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E AS RELAçÕES DE GÊNERo E GERAção NA AGRICuLTuRA FAMILIAR Do SEMIÁRIDo Do NoRDESTE

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O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA VOZ DAS pescadoRas aRtesanais do litoRal de PERNAMBUCO.

Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão1

Pedro Henrique Dias Inácio2

“Denunciei a fomecomo fl agelo fabricado pelos homens,contra outros homens”.Josué de Castro (1980)

1 DouToRA uNIvERSIDAD CoMPLuTENSE DE MADRID. LÍDER Do GRuPo DE PESQuISA DESENvoLvIMENTo E

SoCIEDADE CNPQ/uFRPE E PARTICIPANTE Do NAvI - NúCLEo DE ANTRoPoLoGIA AuDIovISuAL E ESTuDoS DE IMAGEM DA

uNIvERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – uFSC.

2 MESTRE EM HISTÓRIA, BoLSISTA DE ExTENSão Do CNPQ (ExP-3), PARTICIPANTE Do GRuPo DE PESQuISA

DESENvoLvIMENTo E SoCIEDADE DESDE MARço DE 2011.

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149o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA NA voz DAS PESCADoRAS ARTESANAIS Do LIToRAL DE PERNAMBuCo.

intRodUção

o artigo aborda o discurso das pescadoras sobre os impactos do Programa Bolsa Fa-

mília (PBF) na vida destas trabalhadoras da pesca artesanal no litoral de Pernambu-

co, um tema pouco pesquisado. o texto busca visibilizar o discurso por elas constru-

ído sobre a transferência de renda a partir de suas narrativas. Ao mesmo tempo esta

pesquisa dá continuidade a outras experiências de trabalhos acadêmicos resultan-

tes de vários projetos de pesquisa e extensão universitária, desenvolvidos no Grupo

de Pesquisa Desenvolvimento e Sociedade CNPq/uFRPE3 atuante desde 2002.

A pesquisa ancorada na perspectiva dos Direitos Humanos cuja declaração advêm

de 1948, consiste num instrumento que reconhece o direito de liberdade e igual-

dade entre homens e mulheres e, em outros documentos que foram criados neste

processo de construção de equidade de gênero.

o tema gênero e pesca aqui considerado na perspectiva de transversalidade de

raça e classe social está relacionado ao conceito de patriarcado4, que nos dá subsí-

dios que possibilitam compreendê-lo a partir das desigualdades entre feminino e

masculino. Desigualdades que são historicamente construídas e legitimadas pela

sociedade.

Em todo o processo de pesquisa, o recorte de gênero5 esteve presente, conside-

rando que as mulheres são priorizadas no PBF como sendo a responsável legal e

preferencial para o recebimento do benefício. Além disso, as mulheres pescadoras

vivenciaram durante várias décadas, a precarização do trabalho e a exclusão de di-

reitos sociais. Até o ano de 1979, as Colônias de Pescadores eram controladas pela

Marinha de Guerra, e como esta instituição não aceitava mulheres em seu quadro

de trabalhadores, as pescadoras não podiam ser atores sociais na instituição que

representavam os trabalhadores da cadeia produtiva da pesca. A partir de 1979, as

pescadoras solteiras6 puderam obter seu reconhecimento profissional, mas depen-

dem até hoje, assim como os homens, que o/a presidente de colônia e mais duas

testemunhas atestem que são profissionais da pesca. Apesar de seus papéis ativos

na atividade da pesca, as mulheres são, muitas vezes, consideradas ajudantes ou

companheiras de pescadores, o que revela as dificuldades de reconhecimento de

sua profissionalização na colônia de pescadores e nas instituições7 que validam sua

posição de trabalhadora socialmente reconhecida na cadeia produtiva da pesca.

3 oS PRoJEToS ENvoLvEM oRGANIzAçÕES Não GovERNAMENTAIS E ÓRGãoS PúBLICoS, CoMo MINISTéRIo

DA PESCA E AQuICuLTuRA (MPA), MINISTéRIo Do DESENvoLvIMENTo AGRÁRIo (MDA), SECRETARIA DE PoLÍTICAS PARA AS

MuLHERES (SPM) E CoNSELHo NACIoNAL DE DESENvoLvIMENTo CIENTÍFICo E TECNoLÓGICo (CNPQ).

4 PARA APRoFuNDAR o TEMA vER (SAFFIoTI, 2004).

5 PARA APRoFuNDAR o CoNHECIMENTo SoBRE ESTuDoS DE GÊNERo (HEILBoRND E SoRJ:1999)

6 NA CoNSTITuIção 1988 AS PESCADoRAS TIvERAM ACESSo Ao REGISTRo GERAL DA PESCA E

CoNSEQuENTEMENTE AoS DIREIToS SoCIAIS.

7 No DIAGNÓSTICo ELABoRADo No PRoJETo “AçÕES PARA CoNSoLIDAR A TRANSvERSALIDADE DE GÊNERo

NAS PoLÍTICAS PúBLICAS PARA A PESCA E AQuICuLTuRA Do MPA”, vERIFICou-SE NAS ENTREvISTAS REALIzADAS CoM

PESCADoRAS DE PERNAMBuCo, CEARÁ, PARAÍBA E PARÁ A ExISTÊNCIA DE QuEIxAS EM RELAção Ao INSTITuTo NACIoNAL

DE SEGuRANçA SoCIAL, MINISTéRIo Do TRABALHo E, ALGuMAS vEzES, Ao MINISTéRIo DE PESCA E AQuICuLTuRA.

CoNvÊNIo MPA/078/2009.

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o aporte teórico sobre gênero está fundamentado entre outros/as autores/as em

(LEITão, 2010), (MANESCHy et al, 1995), (SoRJ, 2010); representações sociais (MoS-

CovICI, 2009), análise de discurso (FouCAuLT, 1987) e sobre o Programa Bolsa

Família algumas leituras que subsidiaram os debates se concentraram nas seguin-

tes obras: (SuÁREz e LIBARDoNI, 2007; CuNHA, 2009; vIEIRA, 2009; PAES-SouSA,

2009; MAGALHãES, 2009; MENEzES, 2010; ANNAND, 2010; SAMPAIo, 2010; ANA-

NIAS, 2010; ABRAMo, 2010; SILvA, BRANDão e DALT, 2009; MELo e DuARTE, 2010;

GALvão, 2008; CALDEIRA, 2008; LuCAS e HoFF, 2008; kLEIN, 2007 e CRuz, 2010).

Ao iniciarmos a pesquisa “Relações de Gênero e Políticas de Desenvolvimento

Social e Combate à Fome: Diagnóstico e avaliação na pesca artesanal do litoral

de Pernambuco”, não imaginávamos que registraríamos as seguintes afirmações,

sobre os impactos do Programa Bolsa Família, na vida das pescadoras artesanais

do litoral de Pernambuco:

“Antes nem pegava em dinheiro...”8

“Melhorou muita coisa...”9

“Agora tenho um dinheiro certo todo mês”10

“Agora a gente tem o que comer...”11

“Antes era na maré, só comia ostra e sururu, agora posso comer carne e galinha”12

“No inverno ajuda muito, depois disso (do benefício) eu não me preocupo, tenho o alimento da minha família”13

“os homens não sabem das necessidades da mulher”14

“Porque a mulher sabe administrar melhor que o homem”15

“o homem gasta com cachaça”16

“Agora nas festas pode comprar roupa e levar presente”17

8 Para efeito de notação e arquivamento, as entrevistas obedecem a seguinte formação/

chamada: quest (Prefixo) + nÚmero geraL + abreviatura de LocaLidade. quest88sJ

9 QuEST25ITA

10 QuEST87SJ; QuEST85SJ

11 QuEST95SER;

12 QuEST36TEJu

13 QuEST75IGA

14 QuEST67CARNE

15 quest60carne

16 QuEST72CARNE; QuEST61CARNE

17 QuEST41TEJu

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Estes relatos impactantes são ainda muito mais contundentes do que a informa-

ção que nos influenciou a trabalhar nesta temática e nos candidatarmos ao edi-

tal. A sensibilização para ouvir as pescadoras sobre a política de transferência de

renda aconteceu a partir de conversa informal na sede da Colônia z-10 com uma

pescadora de Itapissuma que nos confidenciou que utilizaria os recursos do PBF

para pagar as mensalidades do curso de flauta para a filha que havia sido aprovada

no Conservatório Pernambucano de Música. Esta primeira narrativa nos motivou

a conhecer este Programa de transferência de renda a partir da narrativa das pes-

cadoras.

A partir desta introdução, informamos que neste texto sobre o Programa Bolsa Fa-

mília, resultado da pesquisa, “Relações de Gênero e Políticas de Desenvolvimento

Social e Combate à Fome: Diagnóstico e avaliação na pesca artesanal do litoral de

Pernambuco”, nossa atenção estará focada em alguns subtemas que se destacam

no discurso das pescadoras, anteriormente citado. Em síntese, nos 10 enunciados

acima mencionados são relevantes as questões que envolvem: 1) acessibilidade

ao recurso financeiro e a segurança do recebimento mensal de um benefício eco-

nômico; 2) a presença e evidência do fomento à segurança alimentar destas famí-

lias; 3) as questões que identificam as representações sociais sobre as relações de

gênero, a partir da entrega do beneficio diretamente as mulheres.

mÉtodo

As atividades foram iniciadas com o debate sobre a elaboração do instrumento de

pesquisa coletivamente construído e a coleta no Banco de Teses da Capes, sobre

teses e dissertações relacionadas ao Programa Bolsa Família.

Na coleta de dados no Banco de Teses/Dissertações da CAPES, foram encontra-

das 09 teses e 99 dissertações. Foram encontrados os dados quantitativos nas

seguintes áreas: 14 trabalhos nas Ciências Sociais; 27 no Serviço Social; 45 nas

Ciências Sociais Aplicadas; 11 na Saúde; 2 em Demografia e 9 em outras áreas. As

dissertações e teses foram elaboradas em Instituições de Ensino Superior, contan-

do 79 nas Públicas e 29 nas privadas. No que se refere à produção bibliográfica na

Pós-Graduação por Região tem-se: 3 na Região Norte; 28 na Região Nordeste; 47

na Região Nordeste; 21 na Região Sul e 9 na Região Centro-oeste. Quanto a abran-

gência territorial das pesquisas 43 abordam o Programa numa dimensão nacional,

os outros estudos 65 realizam estudos de casos, deste segundo grupo 04 sobre

Pernambuco e metade, 02, sobre Recife. (LEITão e GoMES, 2011).

As etapas seguintes, abaixo citadas, foram consideradas imprescindíveis no pro-

cesso de execução do projeto, entre elas: nivelamento do conhecimento sobre o

PBF, que foi priorizado para que toda a equipe18 se apropriasse

18 PARTICIPARAM Do DEBATE: MARIA Do RoSÁRIo DE FÁTIMA ANDRADE LEITão,ANDERSoN oLIvEIRA DE LIMA,

CLAuDIA MARIA DE LIMA, CLoDoALDo DE SouzA CAvALCANTE NETo, DIMAS BRASILEIRo vERAS, FERNANDo ANTÔNIo

BARRoS DuARTE BARRoS JR, FRANCISCo ASSIS DE ANDRADE CoSTA, JuLIANA GoMES DE MoRAES, PEDRo HENRIQuE

DIAS INÁCIo, PEDRo LANGSCH, PHELIPPo DE oLIvEIRA CoRDEIRo vANDERLEI, IÊDA LITWAk, IvAN PEREIRA LEITão, MARIA

SoLANGE DA SILvA, JúLIA xAvIER SouTo.

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA NA voz DAS PESCADoRAS ARTESANAIS Do LIToRAL DE PERNAMBuCo.

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da temática necessária à realização de todas as fases do projeto de pesquisa que

envolveu a elaboração/aplicação do instrumento de pesquisa e sistematização

dos dados. As reuniões aconteceram de forma periódica, cuja produção resultou

na formação de um “Caderno de Discussões” onde os textos trabalhados no grupo

de estudo envolveram as seguintes temáticas: transferência de renda, condiciona-

lidades, combate a pobreza, desigualdade, inclusão social, cidadania, educação,

trabalho Infantil, políticas de desenvolvimento social, educação, trabalho infantil,

gênero e empoderamento.

As reuniões periódicas do grupo de estudo, possibilitou nos debruçarmos sobre

publicações que esclarecessem objetivos, condicionalidades, modos de execução

do Programa e também a posição crítica dos/as autores/as, reflexões sobre a efe-

tividade do programa de transferência de renda e os impactos no cotidiano das

beneficiárias.

A pesquisa é fundamentalmente qualitativa, por objetivarmos conhecer o discurso

das pescadoras sobre o PBF, em suas especificidades e particularidades. o roteiro

estruturado das entrevistas foi elaborado a partir de uma chuva de ideias com a

participação de todos/as que fazem parte do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento

e Sociedade CNPq/uFRPE. Foram sistematizadas 88 entrevistas respondidas por

pescadoras que recebem benefícios do Programa. Entrevistas realizadas em 11

localidades de 10 municípios do litoral de Pernambuco. As comunidades são: 1)

Brasília Teimosa, 2) olinda, 3) Pau Amarelo,4) Carne de vaca, 5) Tejucupapo, 6)

Itamaracá, 7) Igaraçu, 8) São José da Coroa Grande, 9) Serrambi , 10) Jaboatão dos

Guararapes, 11) Abreu e Lima.

o conjunto das respostas nos possibilitará escrever diversos artigos sobre os te-

mas abordados nas entrevistas realizadas com pescadoras residentes no litoral

pernambucano, considerando que são 32 questões sobre: 1) utilização dos recur-

sos do Programa Bolsa Família, 2) possibilidade de mudança na dinâmica familiar

com o advento desta transferência de renda diretamente para as mulheres, 3) as

condições de moradia, 4) acesso à saúde e educação, 5) alimentação e 6) pesca

artesanal. Importante ressaltar que estas questões buscaram incluir as diretrizes

dos objetivos do Desenvolvimento do Milênio (oDM).

Também denominados “8 Jeitos de Mudar o Mundo”, o documento consiste num con-

junto de metas pactuadas pelos governos dos 191 países-membros da oNu, com-

promisso estabelecido durante a Cúpula do Milênio, em setembro de 2000 na cidade

de Nova york, com o propósito de contribuir na construção de um mundo mais justo,

solidário e sustentável. os objetivos priorizam os problemas considerados cruciais

nas áreas de saúde, renda, educação e sustentabilidade, que devem ser debelados

pelas nações até 2015. Resumidamente os 8 objetivos incluem as seguintes metas:

1. Reduzir pela metade o número de pessoas que vivem na miséria e passam fome.

2. Garantir a educação básica de qualidade para todos.

3. Fomentar a igualdade entre os sexos e mais autonomia para as mulhe-res. Dois terços dos analfabetos são mulheres.

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4. Reduzir a mortalidade infantil.

5. Melhorar a saúde materna.

6. Combater epidemias e doenças.

7. Garantir a sustentabilidade ambiental.

8. Estabelecer parcerias mundiais para o desenvolvimento.

Consideramos necessário abordar nas entrevistas os seis primeiros objetivos de

Desenvolvimento do Milênio, com perguntas sobre as temáticas: renda, educa-

ção saúde, empoderamento, alimentação, lazer e trabalho. Esta inserção temática

foi feita por considerarmos que estão inclusos na proposta de atuação do PBF a

transferência de renda com condicionalidades na área de educação e saúde, que

garante a titularidade do recebimento do beneficio prioritariamente às mulheres

e envolve obrigatoriedade de frequência escolar; do acompanhamento médico no

crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 07 anos, acompanha-

mento no pré-natal, da saúde do bebê, da saúde das mulheres com idade entre

16 e 44 anos e de vacinação materna e infantil.

A realização das entrevistas nas 11 comunidades acima citadas foi efetuada pela

equipe de colaboradores/as que atuam no Grupo de Pesquisa Desenvolvimento e

Sociedade CNPq/uFRPE. A equipe é composta principalmente por mestres, mes-

trandos/as e graduandos/as, nestas visitas as Colônias de Pescadores/as contou

com a participação de líderes do movimento social Articulação de Mulheres Pes-

cadoras de Pernambuco19, elas indicaram e contribuíram no agendamento com as

comunidades a serem visitadas. Considerou-se necessária esta mediação para que

a relação entre os diferentes atores sociais envolvidos, pesquisadores e pesquisa-

das, apresentasse um clima de confiança que possibilitasse respostas significati-

vas a algumas questões tão pessoais.

Para isso, faz-se importante ressaltar qual o conceito de mediação/moderação es-

tabelecido nesta prática:

Moderação compreende a “condução de processo de discussão” cujo objetivo é promover a participação ativa de todos os integrantes do grupo na construção final do produto. Através de uma discussão objetiva e equilibrada (regulada e

19 A EQuIPE Do GRuPo DE PESQuISA DESENvoLvIMENTo E SoCIEDADE CNPQ/uFRPE DESENvoLvE CoM

A ARTICuLAção DE MuLHERES PESCADoRAS DE PERNAMBuCo o PRoJETo GÊNERo, RAçA E PESCA: PRoDução E

ARTICuLAção DAS PESCADoRAS DE PERNAMBuCo/MDA/FADuRPE/uFRPE. DITo PRoJETo REALIzou 21 oFICINAS

ITINERANTES PARA AS MuLHERES NAS CoLÔNIAS DE PESCADoRES Do ESTADo E uMA I FEIRA DE ECoNoMIA SoLIDÁRIA DA

PESCA ARTESANAL EM PERNAMBuCo. AS PESCADoRAS DA ARTICuLAção QuE NoS ACoMPANHARAM NA CoLETA DE DADoS

São: CICERA ESTEvão BATISTA (CoLÔNIA z-07 EM RIo FoRMoSo), ENILDE LIMA oLIvEIRA (CoLÔNIA z- 09 EM São JoSé

DA CoRoA GRANDE), JoSEFA FERREIRA DA SILvA (AMuPESPA No CABo DE SANTo AGoSTINHo),LINDoMAR RoDRIGuES DE

BARRoS (CoLÔNIA z- 09 EM São JoSé DA CoRoA GRANDE), MARIA APARECIDA SANTANA (CoLÔNIA z- 25 EM JABoATão

DoS GuARARAPES), MARIA DAS NEvES DoS SANToS (CoLÔNIA z- 18 EM LAGoA Do CARRo), JoANA MouSINHo (CoLÔNIA z-

10 EM ITAPISSuMA), NATéRCIA MIGNAC DA SILvA (CoLÔNIA z-1 EM BRASÍLIA TEIMoSA), vERA LúCIA MARIA DA CoNCEIção

(CoLÔNIA z – 14 EM GoIANA).

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA NA voz DAS PESCADoRAS ARTESANAIS Do LIToRAL DE PERNAMBuCo.

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dentro de “limites justos”) procura-se criar um ambiente de confiança facilitando a comunicação entre os integrantes do grupo, orientando suas reflexões em direção aos objetivos deste para que se chegue aos resultados esperados. é importante que fomente a criatividade colaboração para um resultado de efeito expressivo. (CoLETTE, 2010, p.14).

Importante comentar que na primeira comunidade visitada, Jaboatão dos Guara-

rapes, os dados foram coletados utilizando o instrumento metodológico, grupo

focal, mas foram realizadas entrevistas individuais nas outras 10 comunidades.

A decisão por esta mudança na aplicação do instrumental metodológico se deve

ao fato de que pesquisar sobre o PBF inicialmente gerava, entre as beneficiadas,

certa apreensão sobre as possíveis consequências das respostas20, assim alguns

entraves à comunicação poderiam gerar lacunas ou distorções na coleta de dados.

Consideramos que o período de seis meses para a coleta de dados da pesquisa,

não nos proporcionaria a certeza de que este diálogo mediado, entre diferentes

atores sociais, poderia abrir espaço para troca de saberes, a partir de instrumentos

da metodologia participativa, com a qual estamos acostumadas a trabalhar.

Isso nos levou a um impasse, diminuir o número de comunidades, ou entrevistar

de forma individualizada. Decidimos pela segunda opção, considerando que terí-

amos uma amostra mais consistente ouvindo relatos de pescadoras de diferentes

localidades, distribuídas na Região Metropolitana do Município de Recife, no lito-

ral norte e sul do Estado.

Neste contexto, as entrevistas possibilitaram levantar dados entre outros aspectos

sobre: 1) histórico e usos: coletamos dados sobre a temporalidade de recebimento

do benefício, gasto/uso do benefício e percepções sobre as mudanças de vida de-

pois do recebimento do benefício; 2) mulher e convivência: averiguamos a titulari-

dade e responsabilidade do gasto do benefício, a relação de empoderamento das

mulheres no uso dos recursos da transferência de renda, a relação de convivência

em casa com filhos e ou parentes a partir do recebimento e gestão do PBF; 3) saú-

de: conhecemos o acesso às diferentes instituições de saúde, clínicas, ambulância,

realização de exames pré-natal, vacinação, recebimento de visitas de agentes de

saúde e agenciamento de serviços nas instituições de saúde, serviços odontológi-

cos, realização de atividades físicas e lazer; 4) alimentação: descobrimos a impor-

tância do PBF na segurança alimentar; 5) educação: identificamos a percepção das

mulheres sobre aprendizado e interesse das crianças na escola e a contribuição

do benefício na melhoria da educação; 6) políticas públicas: coletamos dados re-

lacionados ao acompanhamento e disponibilidade das prefeituras sobre políticas

de prevenção ao trabalho infantil, acesso das entrevistadas a outros programas

sociais e sobre suspensão ou cancelamento do benefício; 7) políticas de pesca:

20 AS INSEGuRANçAS DAS PESCADoRAS EM FALAR PuBLICAMENTE SoBRE o BENEFÍCIo PoSSIvELMENTE

SE DEvE Ao PouCo CoNHECIMENTo QuE TEM SoBRE oS MECANISMoS DE FuNCIoNAMENTo Do PBF. SoBRE A FoRMA

CoMo ELAS SE APRoPRIAM Do PRoGRAMA (suÁreZ e Libardoni, 2007, P. 139) comentam que: a APRoPRIAção Do

PRoGRAMA PELAS BENEFICIÁRIAS SE RESTRINGE Ao RECEBIMENTo DE uM DINHEIRo FIxo, QuE PoSSIBILITA o MELHoR

CuMPRIMENTo DE SuA RESPoNSABILIDADE DE CuIDAR DAS CRIANçAS. RECEBER o BENEFÍCIo SIGNIFICA, PARA ELAS,

CuIDAR MELHoR DAS CRIANçAS E, FREQuENTEMENTE, CuIDAR DE MAIS CRIANçAS E, PoRTANTo, FoRTALECER SEu PAPEL

CENTRAL DE MATERNAGEM E DE CoESão Do GRuPo DoMéSTICo DE QuE São RESPoNSÁvEIS.

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155

conhecemos as demandas das mulheres sobre políticas públicas para a pesca, a

existência ou não de políticas locais de incentivo as atividades da pesca, além de

comentários gerais sobre o Programa Bolsa Família.

A VOZ DAS PESCADORAS SOBRE O PROGRAMA BOLSA Família

“Mais grave ainda que a fome aguda e total, devido às suas repercussões sociais e econômicas, é o fenômeno da fome crônica ou parcial, que corrói silenciosamente inúmeras populações do mundo”. Josué de Castro (1980)

renda e CIdadanIa

Figura 1. Fotojornalista Juliana Leitão. Itapissuma/PE

As afirmações “agora tenho um dinheiro certo todo mês”; “antes nem pegava em

dinheiro...”,“melhorou muita coisa...”, são algumas das respostas à pergunta sobre

“qual a principal diferença encontrada na vida da pescadora antes e depois de

receber o beneficio do Programa Bolsa Família?”.

Sobre o Programa Bolsa Família (CuNHA, 2009, p. 324) chama a atenção para o

debate internacional relacionado à redução da miséria e da fome, discussão que

identifica como parâmetros fundamentais no processo de erradicação da pobreza

e da redução da desigualdade as políticas sociais de transferência de renda.

(PAES-SouSA, 2009, p.389) atribui ao Programa a importância semelhante a outras

três políticas sociais, implantadas na segunda metade do século xx: a extensão do

direito previdenciário aos trabalhadores rurais não-contribuintes, nos anos 60; a

implantação do Sistema único de Saúde (SuS), a partir de 1988; e a ampliação da

cobertura do ensino básico, nos anos 90.

Magalhães destaca a necessidade de planejamento de ações de proteção social;

da inserção das famílias em diversos serviços; do estabelecimento do perfil e grau

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA NA voz DAS PESCADoRAS ARTESANAIS Do LIToRAL DE PERNAMBuCo.

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de vulnerabilidade social das famílias; do subsídio a análise de casos complexos,

como os de alta vulnerabilidade. (MAGALHãES, 2009, p.418)

Nas entrevistas respondidas pelas pescadoras artesanais de Pernambuco, se evi-

dencia a carência econômica e a condição de vulnerabilidade social em que vi-

vem, tendo em vista os padrões de rentabilidade do trabalho da pesca artesanal,

onde, segundo seus relatos, atingem uma média de R$ 150,0021 por mês, com

rendas obtidas da venda dos produtos na maré.

Neste contexto, a presença do benefício advindo do Programa Bolsa Família na

composição do orçamento familiar, com acréscimos de recursos econômicos da

transferência de renda variável entre R$ 32,00 e R$ 198,0022, consiste numa im-

portante fonte de ingresso econômico para a manutenção da família.

é importante destacar que existe mercado para os mariscos e crustáceos durante

todo o ano nos bares, restaurantes e supermercados em todo litoral pernambuca-

no, mas a venda não é realizada diretamente pelas pescadoras23, o que dificulta a

geração de renda suficiente para o sustento de uma família, com a coleta, benefi-

ciamento e comercialização destes produtos da pesca artesanal. No verão, a pre-

sença de turistas nas praias permite um aumento dos ganhos na venda direta ao

consumidor, no inverno o produto diminui por causa das chuvas24 e as pescadoras

estão mais dependentes da figura do “atravessador”.

As narrativas das pescadoras são repletas de informações sobre as mudanças an-

tes e depois do recebimento do benefício, sempre relacionado à obtenção de uma

renda fixa e segura. Segundo elas antes de receberem os recursos do, qualquer

fenômeno que limitasse os turistas e consequentemente o consumo dos pesca-

dos, impactava diretamente na manutenção familiar e na geração de renda das

pescadoras artesanais.

21 IMPoRTANTE CoNSIDERAR QuE MuITAS vENDEM A ATRAvESSADoRES ou TRoCAM PoR ouTRoS PRoDuToS

NECESSÁRIoS Ao BENEFICIAMENTo, PoR ExEMPLo, SAL E CARvão. TAMBéM é IMPoRTANTE MENCIoNAR QuE o PRoDuTo

MESMo PRoDuTo (SIRI, CARANGuEJo, ARATu) oBTÊM PREçoS MAIS CoMPETITIvoS No LIToRAL SuL, CoNSIDERANDo QuE

No LIToRAL NoRTE E REGIão METRoPoLITANA Do MuNICÍPIo DE RECIFE SEuS PREçoS São ACHATADoS PELA PRESENçA

DE MAIoR PoLuIção AMBIENTAL.

22 vALoRES REFERENTES Ao ANo DE 2011.

23 PARA TER uMA IDEIA CoNCRETA DA DEFASAGEM ENTRE PREçoS DE MERCADo E oS PoR ELAS PRATICADoS,

EM SITuAção DE DISTANCIAMENTo ENTRE A PESCADoRA E o CoNSuMIDoR FINAL, vAMoS RELATAR uMA SITuAção vIvIDA

PELA EQuIPE DE TRABALHo EM ABRIL DE 2009, QuANDo NA PRIMEIRA vISITA A CoMuNIDADE DE BRASÍLIA TEIMoSA PARA

INICIAR uM PRoJETo DA SPM/BR, AS PESCADoRAS oFERECERAM 6 QuILoS DE SIRI BENEFICIADo, PoR uM ToTAL DE R$18,00

DEzoITo REAIS, vALE RESSALTAR QuE o PREço DE uM QuILo NoS SuPERMERCADoS ERA DE APRoxIMADAMENTE R$15,00.

ouTRA SITuAção vIvENCIADA EM FoRTALEzA NA PRAIA Do MuCuRIPE, uM PESCADoR ESTAvA CoM uM PEIxE FRESCo

GRANDE E QuERIA vENDER PoR R$ 60,00 SESSENTA REAIS, oS FEIRANTES SÓ QuERIAM PAGAR R$ 43,00 QuARENTA E TRÊS

REAIS, No RESTAuRANTE EM FRENTE A FEIRA Do PEIxE NÓS HAvÍAMoS CoNSuMIDo NAQuELA SEMANA uMA PEIxADA CoM

APENAS uMA PoSTA DE PEIxE PoR ESTE vALoR. vALE RESSALTAR QuE o PRoDuTo PERECÍvEL oS/AS ToRNAM MuITo MAIS

vuLNERÁvEIS A ESTES ATRAvESSADoRES.

24 AFASTAM-SE TuRISTAS E vERANISTAS E A SITuAção SE AGRAvA No PERÍoDo ENTRE DE ABRIL E AGoSTo,

QuANDo AS PRECIPITAçÕES PLuvIoMéTRICAS CoNTRIBuEM NA BAIxA SALINIDADE DAS zoNAS ESTuARINAS, EM MuITAS

ÁREAS é PRATICAMENTE IMPoSSÍvEL ExTRAIR QuALQuER TIPo DE MoLuSCo DuRANTE ESTES MESES, MESMo PARA A

SuBSISTÊNCIA.

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157

Tomando por base estes relatos, consideramos que um dos maiores problemas

citados pelas pescadoras, e requisitado como ação para a implementação de polí-

ticas públicas para as mulheres trabalhadoras da cadeia produtiva da pesca, situa-

-se a manutenção dos estoques pesqueiros e a possibilidade de garantia de renda

num fluxo mais constante, sem tanta variação sazonal, o que depende da conser-

vação ambiental, da reprodução das espécies e de um comercio justo.

seGurança aLImentar

A fome se revelou espontaneamente aos meus olhos nos mangues do Capibaribe, nos bairros miseráveis do Recife - Afogados, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite. Esta foi a minha Sorbonne. Josué de Castro (2007)

Figura 2 e 3. Fotojornalista Juliana Leitão

I Feira de Economia Solidária da Pesca Artesanal

As respostas das mulheres a primeira pergunta da entrevista encontravam-se, sobre-

tudo, relacionadas às novas possibilidades de poder aquisitivo oferecido pelo Pro-

grama. As questões possibilitavam as seguintes alternativas: a) compra de alimen-

tos; b) compra de vestuário; c) compra eletrodomésticos; d) investimento em algum

curso profissionalizante; e) pagar contas (água, luz aluguel); outros/gastos? Quais?

os relatos das pescadoras, majoritariamente estão relacionados à segurança ali-

mentar, elas expressam os seguintes enunciados: “Agora a gente tem o que co-

mer...”; “Antes era na maré, só comia ostra e sururu, agora posso comer carne e ga-

linha”; “no inverno ajuda muito, depois disso (do benefício) eu não me preocupo,

tenho o alimento da minha família”, também são respostas a indagação sobre qual

a principal diferença encontrada na vida da pescadora antes e depois de receber

o beneficio do Programa Bolsa Família.

As narrativas por elas relatadas indicam problemas, considerados por elas como

relevantes, consiste no caráter “incerto” e “inseguro” dos rendimentos no trabalho

na pesca, por isso os impactos do PBF são tão visibilizados no discurso das traba-

lhadoras da cadeia produtiva da pesca no litoral pernambucano.

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA NA voz DAS PESCADoRAS ARTESANAIS Do LIToRAL DE PERNAMBuCo.

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Apesar do Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA, ter propiciado o fortaleci-

mento da agricultura familiar e contribuído na segurança alimentar de milhares de

agricultores no país, direcionando os produtos comprados pelo governo federal para

as creches e escolas municipais e estaduais, além de hospitais e demais instituições

públicas que oferecem alimentos aos usuários, sendo considerado um dos mais exi-

tosos programas de consolidação do desenvolvimento social brasileiro, importante

ressaltar que os produtos da pesca são parcialmente excluídos deste Programa.

Entre as comunidades estudadas, o município de Jaboatão dos Guararapes atual-

mente adquire alimentos produzidos pelos pescadores, sobretudo, peixes de água

salgada. No entanto, a incorporação de moluscos - mariscos, ostras, camarões e

demais frutos do mar, que podem ser coletados e beneficiados pelas mulheres

pescadoras, ainda não são suficientemente aceitos na dieta como alimentação co-

tidiana, principalmente em escolas e hospitais.

outro entrave ao ingresso das pescadoras no PAA, consiste na forma em que elas

geralmente realizam o beneficiamento do pescado, a maioria não tem acesso a

áreas impermeabilizadas por azulejos, balcão e cubas de inox, não atendendo as

condições de manuseio estabelecidas pela vigilância sanitária. Esta situação gera

as indagações: como resolver este impasse entre condições das pescadoras e as

exigências sanitárias da segurança alimentar? Quais serão os encaminhamentos

para solucionar estas questões estruturais?

José Graziano Silva relaciona a solução para a fome à gestão participativa e equi-

líbrio ambiental, portanto, há importância em definir a questão social como ele-

mento estruturador do governo. o autor também destaca que se faz necessária a

multiplicação de mecanismos de compras e vendas diretas para reduzir custos e

que é necessário se debruçar sobre os pressupostos relacionados ao de desenvol-

vimento local. (SILvA, 2004, p. 13-15).

Neste contexto, as pescadoras de Pernambuco desempenham suas atividades a

partir de economia familiar, geralmente praticando o extrativismo sem nenhum

planejamento econômico e ambiental, numa sociedade regida pelo mercado e

pela competitividade. Será que neste contexto, a cooperação, o comércio justo,

a Economia Solidária, são algumas alternativas viáveis a estas trabalhadoras? ou

seja, priorizar a cooperação, a gestão coletiva em detrimento da competição, do

individualismo e da precarização das condições de trabalho destas pescadoras

geralmente marginalizadas de outros possibilidades de emprego e renda, além da

manutenção da cultura gerada na pesca artesanal.

A Economia Solidária, segundo oLIvEIRA e vERARDo, se apresenta como:

[...] perspectiva de desenvolvimento econômico e social baseado em novos valores culturais e em novas práticas de trabalho e de relação social. o desenvolvimento não se restringe ao crescimento econômico e deve abranger as relações entre as pessoas, a organização do trabalho, resgatar a dimensão humana na produção, na comercialização e no consumo. Deve rever as transformações sofridas no mundo do trabalho recuperando a relação entre trabalho e tempo livre e a questão socioambiental. Estamos falando de

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desenvolvimento que envolve o social, o cultural, o político e o afetivo a partir do local, do espaço territorial e também no sentido mais geral, estamos falando de desenvolvimento sustentável (oLIvEIRA e vERARDo, 2007, p. 08).

Estas questões acima suscitadas, embora não possa ser aprofundada neste artigo,

o será em outras publicações. Tema relacionado à cooperação, ao comércio justo e

a Economia Solidária que podem ser resumidas na letra da música PRESERvANDo

A vIDA25, cujas compositoras são as pescadoras Maria das Neves, Glorinha, Ana

Lúcia e Carminha:

os rios com água Eu preciso Seu doutor Não privatize Não mate os peixes Não sobrevivo Sou pescador

é preciso apelar para a consciência Muitas coisas tão fazendo para existência E permanência de peixes, rios e lagos Parte do mar já foi privatizado Lutamos contra. é violência, está errado.

Lutamos contra o desenvolvimento insustentável Que mata os peixes e privatiza os nossos lagos. E o velho Chico está sendo violado. Nós não queremos Más ele está sendo rasgado o que queremos é nosso rio preservado viva a vida e o meio ambiente!

A finalização deste projeto apoiado pelo MDS/CNPq, previa um evento com as

pescadoras, assim elaboramos juntamente com 26 pescadoras envolvidas na pes-

quisa, a I Feira de Economia Solidária da Pesca Artesanal em Pernambuco. Evento

realizado entre dias 25 e 26 de novembro de 2011 no local conhecido como Pátio

do Carmo no bairro de Santo Antônio, de Recife-PE.

25 oFICINA REALIzADA No PRoJETo GÊNERo, RAçA E PESCA: PRoDução E ARTICuLAção DAS PESCADoRAS DE

PERNAMBuCo/ MDA/FADuRPE/uFRPE. LETRA E MúSICA ELABoRADA NA oFICINA SoBRE MEIo AMBIENTE NA CoLÔNIA DE

PESCADoRES z – 13, JAToBÁ, EM 27DE JANEIRo 2011.

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA NA voz DAS PESCADoRAS ARTESANAIS Do LIToRAL DE PERNAMBuCo.

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As pescadoras classificaram a participação na feira como boa e ótima. Nas suas nar-

rativas o evento trouxe conhecimento e experiências para novos trabalhos e novos

projetos, em alguns casos, retorno financeiro significativo, o que fica evidente na

fala de Natércia Mignac -“Ótima! Por que trocamos conhecimentos, lidamos direto

com o consumidor, provamos e conhecemos os produtos das companheiras”.

RELAÇÕES DE GêNERO

Figura 4.FotojornalistaJuliana Leitão. Itapissuma/PE

No que se refere às relações de gênero, foram realizadas duas perguntas, uma

sobre o recebimento do benefício proveniente do PBF ser pago diretamente as

mulheres e, a segunda questionava se o benefício entregue as mulheres provocou

alguma mudança de convivência familiar, algum conflito e, se havia ocorrido mu-

danças nas relações familiares com o acesso a esta transferência de renda.

Apesar de serem praticamente unânimes em responder que não existem conflitos

relacionados à titularidade do benefício, algumas respostas são bem expressivas

sobre as vantagens que elas enumeram ao serem sujeitos neste processo, entre

as respostas se destacam: “os homens não sabem das necessidades da mulher”;

“porque a mulher sabe administrar melhor que o homem”; “o homem gasta com

cachaça”; “agora nas festas pode comprar roupa e levar presente”.

Na cadeia produtiva da pesca é notória a situação precária de legitimação das

mulheres como profissionais da pesca artesanal, isto se evidencia nos espaços de

poder e participação política. Por exemplo: nas 11 Colônias de Pescadores pesqui-

sadas no litoral de Pernambuco, apenas uma Colônias é presidida por mulheres.

vale ressaltar que no total de 31 Colônias de Pescadores em Pernambuco, apenas

cinco26 são presididas por mulheres, e se trata de avanços recentes porque quatro

delas foram eleitas no século xxI.

No que se refere à participação das mulheres nos movimentos sociais da pesca ar-

26 ITAPISSuMA, PoNTA DE PEDRAS, ATAPuz, São JoSé DA CoRoA GRANDE E TAMANDARé.

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tesanal, (MANESCHy, ALENCAR e NASCIMENTo, 1995, p. 82) afirma que “rever, ques-

tionar e criticar o padrão de relações de gênero e o papel secundário das atribuições

femininas é, portanto, tocar em visões de mundo e em atitudes muito arraigadas”.

As autoras questionam a invisibilidade da pescadora na cadeia produtiva da pes-

ca, considerando que elas geralmente aprenderam a arte de pescar com suas mães

e, geralmente são elas quem transmite o conhecimento e a familiaridade com a

atividade pesqueira as novas gerações, na medida em que necessitam levá-los

muitas vezes as suas atividades laborais, na ausência de creches nestas comuni-

dades. (MANESCHy, 1995, p. 86).

A fragilidade social das mulheres profissionais desta cadeia produtiva tem influen-

ciado nas decisões das pescadoras em se organizarem em movimentos sociais de

resistência. o que representa uma mudança de paradigma em relação à imagem

criada historicamente das pescadoras, que geralmente é compartilhada inclusive

por elas mesmas, como “ajudantes” ou “dependentes”, atribuindo-lhes menor va-

lor. Elas atuam em regime de economia familiar, realizando, na maioria das vezes,

as atividades de tecer redes, beneficiar o pescado, catar mariscos, coletar e culti-

var algas, pescar nos mangues e algumas vezes comercializar o produto nas praias.

Pese a esta intensa participação laboral, este trabalho muitas vezes é caracteriza-

do na condição de “ajuda”.

Isto porque o conceito de gênero socialmente construído naturaliza a materni-

dade e o cuidado nas atividades de reprodução social, como ações inerentes as

mulheres27. Sobre o tema SoRJ (2010:57), afirma que “as desigualdades e dife-

renças de gênero repousam sobre uma norma social que associa o feminino à

domesticidade e que se expressa na divisão sexual do trabalho, atribuindo prio-

ritariamente às mulheres a responsabilidade com os cuidados da família”. Para a

autora, cuidado é:

(...) um termo usado para referir-se a um conjunto de atividades diversificadas envolvidas no cuidado dos outros e pode assumir a forma de trabalho não pago, dedicado aos membros da família, ou de trabalho pago feito para outros. Concretamente essas atividades incluem cuidar das crianças, idosos, doentes, deficientes, bem como realizar tarefas domésticas como limpar, arrumar, lavar, passar, cozinhar etc. (SoRJ, 2010, p.58)

Relacionado à sobrecarga nas mulheres de atribuições que envolvem as ativida-

des de reprodução social, SuÁREz e LIBARDoNI, na pesquisa sobre o Impacto do

Programa Bolsa Família: Mudanças e Continuidades na Condição Social das Mulhe-

res , explicam que:

o cumprimento das condicionalidades envolve

27 NuMA REuNIão EM ITAPISSuMA EM 11 DE MARço DE 2009, FoI SoLICITADo A uM GRuPo DE

APRoxIMADAMENTE 100 MuLHERES, QuE ELAS SE APRESENTASSEM, ELAS SE IDENTIFICARAM CoM o NoME, o ENDEREço

DE oNDE RESIDIAM E A QuANTIDADE DE FILHoS E NEToS. uMA MuLHER SE IDENTIFICou CoM NoME E ENDEREço

E CoMPLEMENTou AFIRMANDo NuNCA HAvER TIPo FILHoS. Não FoI SuGERIDo ESTE TIPo DE INFoRMAção NA

APRESENTAção.

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA NA voz DAS PESCADoRAS ARTESANAIS Do LIToRAL DE PERNAMBuCo.

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principalmente as mulheres que recebem o benefício, em virtude da figura do marido ou companheiro estar ausente em muitos deles. Além disso, a presença do cônjuge, na maioria dos grupos domésticos, não influi muito quanto ao cumprimento das condicionalidades porque a postura da mãe pesa mais do que a do pai na tomada de decisões referentes à educação, saúde e tudo que tenha a ver com os filhos. Sozinhas ou acompanhadas, a feminilidade das mulheres entrevistadas se firma na maternagem, entendida como o desempenho do papel de cuidar de crianças, seja na qualidade de mãe, seja na de mãe substituta. (SuÁREz e LIBARDoNI, 2007, p.124 ).

Neste contexto a teoria das representações sociais, nos instrumentaliza a compre-

ender o lugar que é atribuído às mulheres na pesca artesanal. Moscovici afirma

que todas as pessoas enxergam o que as convenções, a cultura, a memória social

e histórica permitem ver, e que não estaremos nunca livres de todos os preconcei-

tos. (MoSCovICI, 2009, p.40)

Pensar, refletir, debater sobre o lugar das mulheres como sujeitos sociais na pesca

artesanal brasileira, nos conduz a reflexões teóricas que dialoga com a imagem

socialmente construída e a possibilidade de discurso legitimado numa sociedade

que cristaliza as desigualdades sociais. Moscovici afirma que:

De modo geral, minhas observações provam que dar nome a uma pessoa ou coisa é precipitá-la (como uma solução química é precipitada) e que as características daí resultantes são tríplices: a) uma vez nomeada, a pessoa ou coisa pode ser descrita e adquire certas características, tendências etc.; b) a pessoa, ou coisa, torna-se distinta de outras pessoas ou objetos, através dessas características e tendências; c) a pessoa ou coisa torna-se o objeto de uma convenção entre os que adotam e partilham a mesma convenção (MoSCovICI, 2009, p.67).

Sobre o discurso e legitimidade, FouCAuLT destaca que:

En toda sociedad la producción del discurso está a la vez controlada, seleccionada y redistribuida por cierto número de procedimientos, que tienen por función conjurar los poderes y peligros, dominar el acontecimiento aleatorio y esquivar su pesada y temible materialidad (1987:11).

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No diálogo com os autores acima citados, resgatamos a letra da música28, que se

constitui em palavra de ordem no cotidiano de luta do movimento social Articu-

lação das Pescadoras de Pernambuco e que atribui à mulher um espaço de poder,

geralmente invisibilizado nas relações de gênero e trabalho na pesca artesanal de

Pernambuco:

Agora chegou a vez de mostrar mulher pescadora também chega lá. Norte ao Sul do nosso país, estamos aqui, só porque Deus quis. Mulher pescadora tem valor, e os nossos direitos não é um favor.

Para mudar a sociedade, do jeito que a gente quer Participando sem medo de ser mulher. Sem a mulher a pesca sai pela metade. Participando sem medo de ser mulher Buscamos junto direito de igualdade. Participando sem medo de ser mulher Pra preservar meio ambiente, do jeito que a gente quer. Participando sem medo de ser mulher Pra fazer a pesca boa, do jeito que a gente quer. Participando sem medo de ser mulher.

Nesta música, cuja letra está adaptada, é relevante a concepção de que a pescado-

ra conseguirá se projetar na sociedade, que elas têm valor e que a conquista dos

direitos não é uma dádiva. o texto relaciona a mudança de acessibilidade das mu-

lheres aos direitos sociais ao exercício da cidadania, à participação e à construção

da igualdade de gênero.

3. CONCLUSÃO

Apesar de algumas dificuldades em se trabalhar com entrevistas elaboradas a par-

tir de perguntas abertas, a pesquisa possibilitou conhecer vários aspectos da vida

das pescadoras do litoral pernambucano e os impactos que a transferência de

renda do Programa Bolsa Família apresenta em suas vidas.

28 A LETRA DA MúSICA CANTADA PELAS PESCADoRAS NoS MoMENToS DE ExALTAção DA LuTA DAS

MuLHERES PELoS DIREIToS SoCIAIS INICIA A PARTIR DE ANALoGIA A CoMPoSIção DE: BENITo DI PAuLAMuLHER

BRASILEIRA.

AGoRA CHEGou A vEz, vou CANTAR

MuLHER BRASILEIRA EM PRIMEIRo LuGAR

AGoRA CHEGou A vEz, vou CANTAR

MuLHER BRASILEIRA EM PRIMEIRo LuGAR

NoRTE A SuL Do MEu BRASIL

CAMINHA SAMBANDo QuEM Não vIu

MuLHER DE vERDADE, SIM, SENHoR

MuLHER BRASILEIRA é FEITA DE AMoR

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA NA voz DAS PESCADoRAS ARTESANAIS Do LIToRAL DE PERNAMBuCo.

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Nas suas narrativas ficou evidenciada a condição de exclusão social deste grupo so-

cial, habitantes, muitas vezes, em localidades sem infraestrutura, com dificuldades

na rentabilidade do trabalho da pesca. No entanto, ao ouvir as pescadoras sobre o

recebimento do benefício, com condicionalidades, são evidenciados alguns traços

de como o impacto do recebimento do benefício é marcante e importante para as

comunidades e famílias das pescadoras beneficiárias, principalmente na alimenta-

ção, na vida escolar das crianças e na saúde de gestantes e recém-nascidos.

As pescadoras insistiram que existe uma demanda por creches, o que é eviden-

ciado na presença das crianças muitas vezes com as mães nas atividades laborais,

nos turnos em que não estão na escola. Também foi sinalizado pelas pescadoras

que não existe onde deixá-las com segurança e ainda foi apontada que muitas

contam com o beneficio para pagar reforço escolar.

No que se refere ao conjunto dos dados, percebemos que apesar das três dife-

rentes sub-regiões do litoral ter características bem específicas, ou seja, maior

incidência de atividade turística no sul, maior possibilidades de comercialização

do pescado na região metropolitana e maior caráter de subsistência no norte, as

famílias pescadoras apresentam problemas, demandas e um perfil bem semelhan-

te quanto ao recebimento e usos do benefício, cujo valor médio de recebimento

está situado ao redor de R$ 90,00 (noventa reais).

De modo geral o benefício garante às famílias maior rendimento do que teriam

numa intensificação, com as atuais condições, da extração e comercialização dos

produtos da pesca, principalmente durante o inverno.

No que se refere à alimentação um dos pontos mais importantes da pesquisa, foi

evidenciado que a maioria das entrevistadas relatou sobre mudanças positivas na

dieta alimentar, ao informar sobre as possibilidades de consumir maior variedade

e quantidade de alimentos e a inclusão de outras formas de proteínas, além de

vegetais, frutas e alguns alimentos industrializados.

Quanto a rotina alimentar, as entrevistadas responderam que preparam as

refeições frequentemente em casa e que a merenda escolar geralmente não

substitui uma alimentação principal. No entanto, em algumas famílias a me-

renda possui um destaque diferente, muitas vezes substituindo o desjejum,

almoço ou jantar.

Assim destacamos o papel preponderante do benefício na compra de alimentos. No

conjunto de ações relacionadas ao uso do recurso financeiro, havia também citações

dispersas relacionadas a outros gastos, essencialmente, com “transporte e desloca-

mento”, tanto dos filhos, quanto das próprias pescadoras – mesmo para ir receber

o benefício no centro da cidade, além de “material escolar”, “remédios”, “óculos”.

No caso do deslocamento percebemos o quanto o isolamento de algumas comu-

nidades dificulta o acesso das famílias a melhores condições de aquisição de ali-

mentos e gasto do benefício29. Do mesmo modo, ter acesso a hospitais e realizar

exames, representa custos de deslocamentos a ser realizado pelas famílias.

29 PoR ExEMPLo, NA LoCALIDADE “CARNE DE vACA” IR E voLTAR PARA o CENTRo DE GoIANA CuSTA R$ 8,00

(oITo REAIS), ou CERCA DE 10% Do vALoR MéDIo DE RECEBIMENTo Do BENEFÍCIo.

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Quanto à habitação, na sistematização dos dados do perfil das beneficiárias, a

grande maioria das entrevistadas não paga aluguel, embora as condições de mui-

tas moradias sejam bastante precárias e não tenham o acesso à água tratada e ao

saneamento.

No que diz respeito à família e ao lugar da mulher neste deslocamento de titularidade,

elas afirmam, majoritariamente, que são as responsáveis pelo gasto do benefício e,

que não se apresentaram conflitos em casa devido ao recebimento do mesmo. Tam-

bém aplaudem a centralidade do pagamento nas mulheres, fundamentalmente pelo

compromisso das mulheres com as necessidades domésticas e foram recorrentes as

afirmações de que “os homens gastam com bebidas”. Sobre as relações familiares,

44 entrevistadas relataram que até houve melhoras gerais nos relacionamentos. Esta

respostas são ratificadas no texto publicado por SuÁREz e LIBARDoNI ao afirmar que:

Não é tão claro que em toda parte o Programa tenha favorecido a capacidade das mulheres de tomar decisões e de negociar seu status na estrutura hierarquizada por gênero do âmbito doméstico. A dificuldade radica em que, diferente do prestígio outorgado à maternagem, não existe na cultura portada por essas famílias a ideia de que mulheres devem ter liberdade de tomar decisões e, ainda menos, de alterar as posições na hierarquia de gênero. (SuÁREz e LIBARDoNI, 2007, p. 146).

o que nos conduz a reflexões sobre as relações de gênero, são muitas controver-

sas, e opiniões sobre o Programa Bolsa Família no que diz respeito ao lugar da

mulher a partir do deslocamento da sua situação de coadjuvante para a posição

de titular do beneficio. Esta mudança vem a empoderar ou cristalizar ainda mais

os papeis femininos que a resumem ao espaço socialmente construído e naturali-

zado de cuidadora da família?

Sobre o tema, é relevante o posicionamento de SuÁREz e LIBARDoNI ao indicar que:

Há fortes indícios de que o benefício vem gerando inquietudes e novas percepções sobre si mesmas nas mulheres, e, teoricamente, também nos homens, já que a mudança de um ator social necessariamente tem repercussões nos outros. Essa mudança na subjetividade individual, em si mesma, é já um grande ganho. (SuÁREz e LIBARDoNI, 2007, p. 147).

Finalizamos com a síntese dos principais problemas apontados pelas entrevista-

das em relação à questão do trabalho na pesca: 1 – Baixa produtividade/remune-

ração do trabalho; 2 – Dificuldades de manutenção das atividades da pesca du-

rante todo o ano; 3 – Precarização do trabalho e necessidades de outros trabalhos

complementares ao da pesca; 4 – demanda de formação profissional e aprendiza-

gem; 6 – Parcerias entre instituições públicas nas diferentes instancias – Federal,

Estadual, Municipal, na busca de soluções à problemática por elas apresentada.

De modo geral, vale ressaltar que as entrevistadas referiram-se aos custos com os

filhos como principais responsáveis pelo gasto do benefício.

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA NA voz DAS PESCADoRAS ARTESANAIS Do LIToRAL DE PERNAMBuCo.

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ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DA FOME E CONSTRUÇÕES DE GÊNERO: O COTIDIANO DAS QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU DA REGIÃO dos cocais- ma

Erika Felipe de Albuquerque - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Maranhão – IFMA/campus Codó.

Martina Ahlert - universidade de Brasília (uNB).

Tatiane dos Santos Duarte - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA/campus Codó.

Marineide Bezerra Ferreira - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA/campus Codó.

Joana Etiene Lima e Silva - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA/campus Codó.

Anderson Pereira Bezerra - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA/campus Codó.

Atalicio Gomes de Sousa Moreira - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-nologia do Maranhão/ IFMA - Campus Codó.

Eliana Silva Teles - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ma-ranhão/IFMA - Campus Codó. 

Emanuelly karoline de Souza - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecno-logia do Maranhão/IFMA - Campus Codó. 

khety Elane Holanda de oliveira - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-

nologia do Maranhão/IFMA - Campus Codó.

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171

intRodUção

A atividade do extrativismo do coco de babaçu é tradicionalmente ligada ao traba-

lho feminino no estado do Maranhão. Segundo Barbosa (2006), aproximadamente

10,3 milhões de hectares são ocupados por babaçuais neste estado, somando cer-

ca de 400 mil famílias vivendo da economia do babaçu. Na cidade de Codó, região

dos cocais, estima-se intensa participação das mulheres na quebra do coco.

A análise da atividade do extrativismo do coco de babaçu, segundo autores como

Rego e Andrade (2006) e Barbosa (2006), não pode prescindir de uma discussão

sobre a forte presença das mulheres no desempenho desta prática. Nesse sentido

é importante ter clareza de que não se está falando de mulheres abstratas, mas

daquelas provenientes de famílias de baixa renda e muitas delas auto identifica-

das como pardas e negras, especialmente no estado do Maranhão. o município de

Codó alcança Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0558 (PNuD, 2008),

tem uma população estimada em 118.038 habitantes (CENSo, 2010) e cerca de

50% de sua população se autodeclarou negra. Parte da população tem como fonte

de renda a atividade oriunda da agricultura, pecuária e da quebra do coco babaçu.

Durante os anos 1950, do século xx, passam a existir as primeiras mobilizações na

luta pela possibilidade de manter a atividade da quebra de coco no estado do Ma-

ranhão, especialmente em virtude de leis sobre o uso da terra e o acesso aos ba-

baçuais (como, por exemplo, a lei conhecida como Lei Sarney de 1969). Em 1990

foi criada Associação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Ba-

baçu (AMIQCB) que integra os estados de Tocantins, Maranhão, Piauí e Pará. Essas

mobilizações impulsionaram a organização das quebradeiras de coco babaçu. Na

cidade de Codó, as “quebradeiras de coco” constituíram associações, sendo estas

organizações coletivas uma das formas de relação destas mulheres com o Estado.

Para além dessa relação, esta pesquisa procurou pensar em outra forma de relação

destas mulheres com o Estado: aquela dada a partir do recebimento do benefício

do Programa Bolsa Família (PBF)1. As mulheres identificadas como “quebradeiras

de coco” formam parte do público ao qual se destina o Programa. No município de

Codó, cerca de 18.894 famílias são atendidas pelo Programa (MDS, 2011). Neste

sentido, este projeto procurou avaliar o impacto do recebimento do benefício do

PBF na constituição da rotina destas mulheres, de sua identidade e de seus mo-

delos familiares, considerando que o benefício está vinculado, prioritariamente,

às mulheres/mães. Sendo também o recebimento do benefício, por parte deste

público, um momento interessante para perceber como um elemento externo e

provindo de uma relação com o governo ingressa num cotidiano marcado por ca-

racterísticas de gênero e classe.

1 o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA é uM PRoGRAMA DE TRANSFERÊNCIA CoNDICIoNADA DE RENDA QuE

TEvE INÍCIo No BRASIL NA PRIMEIRA GESTão Do PRESIDENTE LuIS INÁCIo LuLA DA SILvA, No ANo DE 2003, TENDo

CoNTINuIDADE No GovERNo DA ENTão PRESIDENTE DILMA RouSSEFF. A PARTIR Do PBF, FAMÍLIAS CoM RENDA MENSAL DE

ATé 140 REAIS PER CAPITA, ATRAvéS Do CADASTRo úNICo, PoDEM RECEBER o BENEFÍCIo DE R$ 32 ATé R$ 306 MENSAIS,

DE ACoRDo A ExISTÊNCIA/NúMERo DE FILHoS. (MDS, 2011). o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA INTEGRA o PRoGRAMA FoME

zERo, MARCADo PoR DIFERENTES MEDIDA (ESTRuTuRAIS E EMERGENCIAIS) DE CoMBATE À FoME No BRASIL E, PoR ESTA

vIA, DE ENFRENTAMENTo DA PoBREzA.

ESTRATéGIAS DE ENFRENTAMENTo DA FoME E CoNSTRuçÕES DE GÊNERo: o CoTIDIANo DAS QuEBRADEIRAS DE CoCo BABAçu DA REGIão DoS CoCAIS MA

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mÉtodo

o estudo teve como sujeitas da pesquisa doze (12) quebradeiras de coco vin-

culadas às associações de quebradeiras de coco babaçu da cidade de Codó/MA,

as quais foram acompanhadas em seu cotidiano doméstico, laboral e associati-

vo. Diante dessa perspectiva, a metodologia adotada considerou duas dimensões

analíticas: a dimensão histórica e cultural (de classe e de gênero) que delineou o

perfil identitário do grupo e a dimensão social do trabalho - marcado pelas repre-

sentações do capitalismo na base da organização comunitária e campesina das

quebradeiras de coco babaçu e suas representações geracionais.

Desta forma, procurou-se apreender os sistemas de representação e de classifica-

ção do universo de pesquisa bem como as lógicas e as práticas do cotidiano das

quebradeiras de coco babaçu de Codó/MA através da observação participante, da

construção de diários de campo, da aplicação de questionários socioeconômicos

e da condução de entrevistas semi-estruturadas.

A aplicação de questionários, como um dos procedimentos metodológicos ado-

tados para a coleta de dados, teve como meta traçar o perfil socioeconômico das

quebradeiras de coco babaçu vinculadas às associações de quebradeiras de coco

do município de Codó/MA2.

o questionário foi formado por perguntas fechadas que abrangeram questões fun-

damentais como perfil pessoal e familiar (idade, estado civil, religião, casamentos,

quantidade de filhos, idade dos filhos, residência); trajetória de trabalho (tempo na

“quebra de coco”, outras atividades laborais paralelas, experiências de trabalho an-

teriores, envolvimento geracional na atividade da quebra de coco); participação na

associação (tempo de participação, cargos desempenhados, participação em grupo

semelhante anteriormente); participação em programas governamentais (de quais

programas participaram, participação no Programa Bolsa Família, participação em

outras iniciativas estatais de combate à fome); e orçamento familiar (renda dos

membros da família, renda proveniente da quebra de coco, outras fontes de renda).3

Esta pesquisa adotou também como procedimento metodológico para coleta de

dados a realização de entrevistas semi-estruturadas com as doze mulheres que-

bradeiras de coco escolhidas4 para serem acompanhadas pela equipe do projeto

2 AS ASSoCIAçÕES ACoMPANHADAS DuRANTE A PESQuISA FoRAM: ASSoCIAção DAS QuEBRADEIRAS

E QuEBRADoRES DE CoCo BABAçu Do BAIRRo NovA JERuSALéM, CoM 362 ASSoCIADAS (oS) E A ASSoCIAção Do

BENEFICIAMENTo Do CoCo BABAçu Do BAIRRo PoRAQuER CoM 280 ASSoCIADAS (oS).

3 ESTE LEvANTAMENTo INICIAL DEvERIA CoNTEMPLAR ToDAS AS MuLHERES PERTENCENTES ÀS DuAS

ASSoCIAçÕES DE “QuEBRADEIRAS DE CoCo” QuE DEFINEM o uNIvERSo DA PESQuISA. ToDAvIA, AS ATIvIDADES

REALIzADAS PELA ASSoCIAção Não São FREQÜENTADAS PoR ToDAS AS QuEBRADEIRAS DE CoCo ASSoCIADAS. PoR ISSo,

ADoTou-SE CoMo PARâMETRo A APLICAção DE 50 QuESTIoNÁRIoS EM CADA uMA DAS ASSoCIAçÕES, ToTALIzANDo,

PoIS, 100 QuESTIoNÁRIoS vÁLIDoS PARA ANÁLISE.

4 A ESCoLHA DAS DozE MuLHERES A SEREM ACoMPANHADAS SE DEu ATRAvéS DA INDICAção DAS

PRESIDENTES DAS ASSoCIAçÕES. PEDIMoS PARA QuE AS PRESIDENTES CoNSIDERASSEM, ALéM Do RECEBIMENTo Do PBF,

QuE AS MuLHERES INDICADAS TIvESSEM AS SEGuINTES CARACTERÍSTICAS: INCLuISSEM MuLHERES CASADAS, SoLTEIRAS,

DIvoRCIADAS, vIúvAS; CoM CoMPoSIção FAMILIAR vARIADA (TANTo AS QuE MoRASSEM CoM SEuS CoMPANHEIRoS

E FILHoS, CoMo AS QuE TIvESSEM ouTRoS ARRANJoS FAMILIARES); TANTo TIvESSEM A QuEBRA DE CoCo CoMo úNICA

ATIvIDADE GERADoRA DE RENDA CoMo QuEBRASSEM CoCo E TIvESSEM ouTRA ATIvIDADE GERADoRA DE RENDA E, QuE

FoSSEM DE IDADES DIvERSIFICADAS.

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173

em seu cotidiano doméstico, laboral e associativo, e com as duas presidentes das

AQCB´s da cidade. Para tal, dois roteiros compostos por um esquema pré-definido

de perguntas não fechadas5 foram elaborados para cada um destes grupos6.

MARCO TEóRICO-CONCEITUAL

Para entender os cotidianos e as relações nas quais se envolvem as quebradeiras

de coco de babaçu da cidade de Codó, sujeitas desta pesquisa, foi considerada a

articulação entre as categorias de gênero e classe.

As categorias de gênero e classe são pensadas no âmbito desta pesquisa de for-

ma dialética e não estanques entre si. Retomando Aguiar (2007, p.83), podemos

auferir que as hierarquias sociais “fazem parte do senso comum das pessoas e das

formas como elas se classificam ou classificam as outras.” Para o autor, as formas

de discriminação e de preconceito estão vinculadas, portanto, aos modos como as

pessoas classificam-se.

Para Aguiar (2007, p.83), a noção de classe vincula-se a posse do capital, quando

a   detenção   ou   ausência   do   capital define   o   pertencimento   do indivíduo a uma de-

terminada classe. é neste sentido que o autor considera que “as classes sociais são

realidades objetivas decorrentes de posições que os sujeitos ocupam na esfera

produtiva.” Segundo Thompson (1987, p.9), as classes são “um fenômeno históri-

co, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconec-

tados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência.”

Já para Bourdieu (1996, p.26-27) “classes sociais não existem. [...]. o que existe é um

espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo

em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como  algo que se trata de

fazer.” Todavia, para o sociólogo francês as classes são objetivamente relacionadas

à posição social segundo o conjunto dos recursos econômicos, sociais, culturais e

simbólicos utilizados pelos agentes para conservar sua posição, a própria estrutura

do capital e a trajetória social do agente indicada ao longo dos eixos espaciais.

o conceito de raça7, sociologicamente, é uma construção social que opera na vida

social, pois, os seres humanos se pensam e se classificam enquanto diferentes.

Logo, a cor de uma pessoa está associada a um significado simbólico. Deste modo,

5 A oPção PELo RoTEIRo DE PERGuNTAS Não FECHADAS TEM CoMo vANTAGEM oBTER INFoRMAçÕES

ENuNCIADAS DE FoRMA MAIS LIvRE, uMA vEz QuE, PoSSuI CARÁTER SITuACIoNAL, NA FoRMA DE DIÁLoGo LIvRE QuANDo

AS RESPoSTAS Não São CoNDICIoNADAS A uMA PADRoNIzAção DE ALTERNATIvAS. o RoTEIRo DE PERGuNTAS Não

FECHADAS PERMITE Ao ENTREvISTADoR ADEQuAR o ScrIPt A uMA LINGuAGEM MAIS INTELIGÍvEL PARA o ENTREvISTADo

FACILITANDo o ToM DE CoLoQuIALIDADE. DESTE MoDo, PRoCuRou-SE ABRIR ESPAço PARA o ENTREvISTADo SENTIR-SE

RESPEITADo, QuALQuER QuE SEJA o SEu “CAPITAL CuLTuRAL”, INIBINDo TANTo QuANTo PoSSÍvEL o “MoNoPÓLIo DA

PALAvRA” PoR PARTE Do ENTREvISTADoR (BouRDIEu, 1999).

6 o PRIMEIRo RoTEIRo DE ENTREvISTAS ELABoRADo PARA AS DozE QuEBRADEIRAS DE CoCo ABRANGEu

CINCo EIxoS ANALÍTICoS – TRAJETÓRIA, PERFIL E DINâMICA FAMILIAR; TRAJETÓRIA NA QuEBRA Do CoCo; BoLSA FAMÍLIA:

uSoS E REPRESENTAçÕES SoBRE o PRoGRAMA; FoME, ESTRATéGIAS E PoLÍTICAS; GÊNERo – CoNTENDo TRINTA E oITo

PERGuNTAS No ToTAL. o SEGuNDo RoTEIRo, ELABoRADo PARA AS PRESIDENTES DAS AQCB´S ABRANGEu TRÊS EIxoS

ANALÍTICoS – TRAJETÓRIA, PERFIL E DINâMICA FAMILIAR, A QuEBRA DE CoCo EM CoDÓ, A ASSoCIAção – CoNTENDo

QuARENTA E TRÊS PERGuNTAS No ToTAL. 7 EMBoRA A CATEGoRIA RAçA TENHA SIDo APoNTADA PARA ANÁLISE Não oBTIvEMoS DADoS SuFICIENTES

PARA DISCuTI-LA.

ESTRATéGIAS DE ENFRENTAMENTo DA FoME E CoNSTRuçÕES DE GÊNERo: o CoTIDIANo DAS QuEBRADEIRAS DE CoCo BABAçu DA REGIão DoS CoCAIS MA

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a raça e a cor funcionam como um critério relevante na ocupação de posições

sociais na estrutura de classes, ou seja, como mecanismo criador de desvantagens

no acesso ao mercado de trabalho e outros setores da sociedade (AGuIAR, 2005).

o autor destaca-se, por sua vez, que raça não é pensada como uma categoria bio-

lógica, relacionada ao material genético de cada indivíduo, mas é pensada como

uma categoria social, construída historicamente e que estrutura desigualdades

existentes na sociedade brasileira.

No Brasil, a fronteira entre raça e classe é muito tênue. Pode-se, portanto, afirmar

que no país a pobreza tem cor. A “raça” ou “cor” é uma entre as muitas represen-

tações do universo social que orientam os critérios empregados para enfatizar e

legitimar outras divisões da sociedade que nutrem as relações de poder de muitos

e contraditórios modos. Logo, raça e classe se relacionam e são conceitos essen-

ciais para se pensar as hierarquias sociais (MELo, 2005).

outra categoria fundamental acerca das hierarquias sociais é a de gênero. o concei-

to de gênero foi introduzido como categoria útil de análise pelos estudos feministas

para interpretar as relações entre homens e mulheres. Tal categoria designaria sig-

nificados simbólicos e sociais associados ao sexo. Permitindo, assim, entender que

certas atividades vinculadas ao feminino não eram uma atribuição “natural”, mas

sim, uma construção sociocultural, por isso mesmo, sexo e gênero seriam categorias

diferenciadas (NICHoLSoN, 2000). ora, as funções associadas às mulheres como

maternidade e o cuidado do lar eram entendidas como atribuições “naturais” do

sexo feminino. A categoria gênero pretende, pois, entender na relação entre homens

e mulheres os signos que estruturam assimetrias e desigualdades entre os sexos.

Assim, gênero vem à baila para dizer que as relações entre homens e mulheres não

podem ser explicadas apenas no terreno da natureza e da biologização, pois,

Gênero é a organização social da diferença sexual. Mas isso não significa que o

gênero reflita ou produza diferenças físicas fixas e naturais entre mulheres e ho-

mens; mais propriamente, o gênero é o conhecimento que estabelece significados

para diferenças corporais. [...] Não podemos ver as diferenças sexuais a não ser

como uma função de nosso conhecimento sobre o corpo, e esse conhecimento

não é puro, não pode ser isolado de sua implicação num amplo espectro de con-

textos discursivos (NICHoLSoN, 2000, p. 2).

Nesse mesmo sentido, para Grossi (s/d, p.4), o conceito gênero (gender) tem como

origem social “as identidades subjetivas” versus a determinação biológica dife-

rencial dos sexos. A autora diz que o gênero considera o indivíduo na relação, logo,

é uma categoria usada para pensar as relações sociais que envolvem homens e mulheres, relações historicamente determinadas e expressas pelos diferentes discursos sociais sobre a diferença sexual. Gênero serve, portanto, para determinar tudo que é social, cultural e historicamente determinado. No entanto, como veremos, nenhum indivíduo existe sem relações sociais, isto desde que se nasce. Portanto, sempre que estamos referindo-nos ao sexo, já estamos agindo de acordo com o gênero associado ao sexo daquele indivíduo com o qual estamos interagindo (GRoSSI, s/d, p. 5).

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outra definição trazida por Grossi (s/d) para significar as relações entre homens e

mulheres são os papéis de gênero que seriam “Tudo aquilo que é associado ao sexo

biológico fêmea ou macho” (GRoSSI, s/d, p.76). Por fim, Grossi (s/d) traz à ideia de

identidade de gênero: a sexualidade, os papéis de gênero e o significado social da

reprodução para os indivíduos em uma determinada cultura. Assim, se o sexo ilus-

tra a diferença biológica entre homens e mulheres, o gênero remete à construção

cultural coletiva dos atributos de masculinidade e feminilidade (papéis sexuais) e a

identidade de gênero é a categoria pertinente para pensar o lugar do indivíduo no

interior de uma cultura determinada. Contudo, gênero não é pensado apenas como

uma categoria relacional e social, mas também como uma categoria que supõe hie-

rarquias entre pólos, com os homens ocupando posições de maior poder.

ora, classe, raça e gênero são categorias que devem ser pensadas em relação e

não como uma soma de discriminações/desigualdades/assimetrias que perpas-

sam a vida das quebradeiras de coco babaçu da região de Codó/MA. Se gênero,

classe e raça acionam hierarquias de poder e signos “naturalizados”, são também

categorias úteis para analisar identidades e relações entre os agentes sociais. Esta

perspectiva ora adotada considera que atributos morais e sociológicos (por exem-

plo, ser mulher e pobre) são representações por meio das quais os indivíduos

são classificados nos espaços sociais, segundo critérios culturais. Contudo, vale

destacar que a questão racial ultrapassa a questão da classe e que, apesar de se

reforçarem mutuamente, estas possuem dinâmicas independentes.

Todavia, privilegiou-se analisar estas mulheres no discurso e na ação, procurando

entender como elas se envolvem nos “negócios humanos” do mundo do trabalho,

em certos espaços tidos como privados (o cotidiano do lar e da família) e nas

esferas tidas como públicas (na associação, em reuniões com políticos) desprivi-

legiando a acepção de mulheres, pobres, analfabetas e sofredoras. Procurou-se,

portanto, através do exercício de relativização, conferir positividade às suas vidas

apontando como elas negociam representações e como constroem relações de

gênero e a identidade de quebradeira de coco nas redes de relações mais amplas

e diversificadas nas quais elas interagem, para além do desempenho de papéis

sociais estigmatizados.

Portanto, o artigo aborda: o perfil socioeconômico das quebradeiras de coco em

Codó; a entrada das mulheres na quebra de coco e transmissão do saber; a dinâmi-

ca do trabalho; as relações familiares e de gênero implicadas em seu fazer laboral;

a construção de sua identidade - como se vêem/sentem; analisa o Bolsa Família

e os modelos e dinâmicas familiares das quebradeiras de coco beneficiadas pelo

programa; o impacto do Bolsa Família entre as mulheres acompanhadas; e apre-

senta o olhar das quebradeiras sobre o programa, sua lógica de funcionamento,

limites e possibilidades.

as QueBradeIras de CoCo BaBaçu em Codó

As quebradeiras de coco babaçu, abordadas por esta pesquisa, estão localizadas

no espaço geográfico maranhense, da área denominada região dos cocais, locali-

zada entre o cerrado e a mata dos cocais. A região dos cocais é composta pelos

municípios de Alto Alegre do Maranhão, Coroatá, Timbiras, Peritoró e Codó. Sua

ESTRATéGIAS DE ENFRENTAMENTo DA FoME E CoNSTRuçÕES DE GÊNERo: o CoTIDIANo DAS QuEBRADEIRAS DE CoCo BABAçu DA REGIão DoS CoCAIS MA

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principal caracterização se dá, em termos de cobertura vegetal, pela intensa pre-

sença das palmeiras nestes territórios. Em Codó, cuja área territorial corresponde

a 4.361,318 km², prevalece a Floresta aberta ou de babaçu tanto na área urbana

quanto na área rural do município. (PDP - CoDÓ, 2006).

o perfil socioeconômico das quebradeiras de coco do município de Codó é aqui

apresentado por meio dos dados coletados através da aplicação dos questionários

entre as 100 mulheres que freqüentavam as associações neste município. Traz,

portanto, uma descrição a respeito de seu perfil pessoal e familiar; de sua trajetó-

ria de trabalho; de sua participação na associação; de sua participação em progra-

mas governamentais e de seu orçamento familiar.

Em relação ao local de origem, das referidas mulheres, podemos verificar que hou-

ve um deslocamento significativo (48%) do local de nascimento, interior de Codó,

para a cidade. Este deslocamento pode estar associado à procura por acesso de

alguns serviços básicos como saúde, educação e trabalho. vale ressaltar que as

mulheres, apesar de terem migrado do interior, zona rural, para residirem na zona

urbana da cidade, ainda mantém uma ligação intensa com o campo, haja vista,

deslocar-se para a zona rural “mato”, em sua grande maioria, diuturnamente para

a coleta do coco babaçu.

As mulheres contempladas pelos questionários estão, em sua maioria, na faixa

etária entre 41 e 60 anos (54%), são casadas (57%), católicas (92%), têm pouco

estudo (56%) não sabem ler nem escrever ou só sabem assinar o nome e a maio-

ria delas declarou-se parda (69%). Elas têm em média quatro filhos vivos e 76%

delas afirmam estarem seus filhos, em idade escolar, frequentando as instituições

de ensino. organizam-se em suas residências com um agregado de pessoas, arran-

jo familiar (65%) para além do que se considera núcleo familiar (mãe, cônjuge/

companheiro e filhos (as).

Quanto aos indicadores referentes às condições de moradia, verificou-se que 68%

dos domicílios apresentam características urbanas - considerando-se a proximida-

de a comércios, postos de saúde, farmácias, correios, etc.; e que 72% dos domi-

cílios foram apresentados como próprios de alvenaria, com ou sem revestimento,

desobrigando as famílias das despesas com aluguel. Contudo, estes domicílios,

em sua maioria, não têm escritura, pois os terrenos em que foram construídas as

residências são oriundos de doações e ainda não foram legalizados.

As residências das mulheres apresentam ter água encanada (94%), iluminação

(94%) e banheiro ou sanitário (56%) com escoamento feito através de fossa sép-

tica (42%). Elas afirmam, em sua grande maioria, terem seu lixo coletado pela rede

pública (73%) e terem pavimentação ou calçamento em frente aos seus domicí-

lios (41%), em oposição a 69% que afirmaram não ter pavimentação/calçamento

total (41%) ou parcial (18%).

Diante dos dados coletados sobre trabalho e renda obtivemos o seguinte perfil

das quebradeiras de coco babaçu associadas: cerca de 80% das mulheres exer-

cem atualmente a atividade de quebra. Para as que não estão exercendo tal ativi-

dade, merecem destaque as citações para os motivos do afastamento desta ativi-

dade relacionadas, em sua maioria, a doenças e acidentes oriundos da atividade

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da quebra de coco. vale ressaltar que, cerca de 60% das mulheres mencionam

estar há mais de trinta anos na atividade de quebra de coco babaçu.

Dos 76% das mulheres que afirmam quebrar coco atualmente, 37(trinta e sete)

delas disseram ter como única fonte de renda esta atividade e 39(trinta e nove)

dizem também tirar o sustento da família de outras atividades, em especial da

atividade de roça/lavoura. A atividade da roça/lavoura, por sua vez, é realizada por

todos os membros da família. Este trabalho ocorre em territórios ocupados por ter-

ceiros, em sua grande maioria, cabendo uma divisão na produção para pagamento

do uso das terras para o plantio, seja de feijão, legumes, frutas, verdura ou arroz,

o chamado arrendamento. Sendo o arroz e o feijão os plantios mais comuns. o

trabalho na roça/lavoura se caracteriza como uma atividade de subsistência con-

tribuindo para a alimentação da família durante o ano.

Muitas mulheres apontam o trabalho do cônjuge/companheiros, filhos (as), como

complementares a renda da família. Dentre os 73% das mulheres que afirmaram

não ser a sua atividade a única renda da família, houve 52(cinquenta e duas) ci-

tações para a complementação da renda familiar pelo cônjuge/marido e 29 (vinte

e nove) citações para complementação da renda familiar oriunda do trabalho dos

filhos (as). Contudo, o trabalho das mulheres seja na quebra, seja em outras ativi-

dades, está sempre presente nos gastos familiares diários.

Mais da metade das mulheres entrevistadas (69%) afirmaram receber o beneficio

do Bolsa Família, sendo administrado (67%) por elas mesmas, e tendo como des-

tino, prioritário, a compra de alimentos. o fato delas destinarem o recurso, priorita-

riamente, para a alimentação, demonstra a necessidade mais urgente das famílias,

cujo indicativo se cruza com o de recebimento de alimentos, uma vez que 71%

afirmam receber ou já ter recebido alimentos de alguma entidade – igreja, asso-

ciação, CRAS e apontam especialmente a CoNAB, cuja frequência na entrega dos

alimentos é regular, mas insuficiente.

A participação política em outras entidades coletivas é de apenas 26% das mu-

lheres, Contudo, todas as mulheres contempladas pelos questionários são asso-

ciadas das AQCB’s há pelo menos um ano (56%) - o que resguarda sua identidade

como quebradeiras de coco babaçu e lhe permite o acesso aos benefícios vindos

através das associações.

a entrada das muLHeres na QueBra do CoCo e a transmIssão do saBer

os dados coletados através da aplicação dos questionários expressam, de modo ge-

ral, que as quebradeiras de coco do município de Codó, residem com um agregado

de pessoas, cujo trabalho que se destaca como fonte de renda familiar advém da

quebra do coco babaçu, da atividade da roça/lavoura, da atividade de subsistência

e, ou de trabalhos precários e informais realizado por elas ou por algum familiar.

Muitas quebradeiras relataram que se deslocaram, ainda criança, para a zona ur-

bana como forma de enfrentamento à pobreza e à fome e que foi por volta dos

oito anos de idade que tiveram suas primeiras experiências com a quebra do coco

atividade que passou a acompanhá-las durante quase toda a vida.

ESTRATéGIAS DE ENFRENTAMENTo DA FoME E CoNSTRuçÕES DE GÊNERo: o CoTIDIANo DAS QuEBRADEIRAS DE CoCo BABAçu DA REGIão DoS CoCAIS MA

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As doze quebradeiras de coco8, acompanhadas durante a pesquisa, referenciam

a aprendizagem da técnica de quebrar coco às suas mães, avós e irmãs. Trata-se,

pois, de um conhecimento tradicional que é transmitido de geração em geração,

frequentemente, entre mulheres. Todavia, muitos homens no universo desta pes-

quisa falaram que também quebram coco e que seus pais também quebravam. o

conhecimento da quebra de coco é transmitido de pais para filhos a despeito de

muitas filhas de quebradeiras não saberem quebrar coco.

Neste sentido, Gorete afirma que as jovens de sua idade que moram na cidade

de Codó, filhas de quebradeiras de coco, não sabem quebrar ou não “sobem no

caminhão”, pois “tem vergonha” e “preferem ter vida fácil”. Segundo Gorete, estas

jovens apenas se vinculam às associações para “garantir os direitos da aposenta-

doria” como trabalhadoras rurais. Ela diz que só futuro dirá sobre a continuidade

da tradição da quebra de coco na região, já que, nos dias atuais as jovens preferem

exercer outras atividades laborais.

Neste mesmo sentido, Efigênia falou que tem “muitas moças” na associação que não

sabem quebrar coco, não tem a quebra como trabalho, mas se associam. As mulhe-

res que “quebram mesmo” são bem poucas e, geralmente, são mais velhas. Segundo

Efigênia, poucas jovens são “quebradeiras mesmo”. Ela expressava em suas palavras

que ser quebradeira de coco requer ter a quebra como trabalho diário e não ape-

nas como meio de obter benefícios (Diário de campo 31, 18/05/2011). Dona Ana

relatou que “muitos filhos de quebradeiras têm vergonha delas e que muitas vezes

nem dizem que a mãe quebra coco” (Extrato de diário de campo 05, 11/04/2011).

outra questão que se relaciona com a falta de jovens na quebra de coco pode ser

explicada pelo exemplo de Gorete que apesar de afirmar de “gostar do mato” e

de quebrar coco, pretende “se formar” para ter futuro melhor, pois, o dinheiro que

ganha com a quebra de coco não supre as necessidades básicas de sua família.

Deste modo, o futuro que Gorete vislumbra – ter uma vida melhor – não será, se-

gundo ela, através da atividade da quebra de coco. Talvez por isso, a despeito das

doze quebradeiras de coco (bem como as demais) dizer que também ensinaram

a seus filhos (homens e mulheres) a técnica da quebra de coco (exceto Gorete,

Socorro e Marta, pois, têm filhos ainda pequenos) os filhos destas mulheres prefe-

rem ter outra atividade laboral. os filhos de Rosa, Rita e Efigênia, por exemplo, vão

quebrar coco e fazer roça, mas não realizam estas atividades com exclusividade.

Já os filhos de Rosalina, Nazaré, Teodora, Generosa, Delfina não quebram coco. os

filhos de Jesus sabem quebrar coco, mas trabalham em “firma” [empresa] com isso,

somente as mulheres quebram coco.

Do mesmo modo, elas ressaltam a importância dos estudos como meio de “ser

alguém”, “ter um futuro diferente” a fim de não passar privações, não ter que en-

frentar a fome. Por isso mesmo, compreendem o seu lugar social: de mulheres e

pobres. Como ressaltado por Roseli numa reunião na AQCB do Poraquer: “eu quero

8 GoRETE, EFIGÊNIA, RoSA, RITA, NAzARé, TEoDoRA, GENERoSA, DELFINA, RoSALINA, MARTA, SoCoRRo,

JESuS São oS NoMES FICTÍCIoS DAS DozE QuEBRADEIRAS ACoMPANHADAS DuRANTE A PESQuISA. oS ouTRoS NoMES

REFEREM-SE ÀS PRESIDENTES DAS ASSoCIAçÕES, MARIDoS/CoMPANHEIRoS ou FILHoS (AS) DAS QuEBRADEIRAS.

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que meus filhos estudem pra ser alguém na vida que eu não fui”. Dona Ana retru-

ca: “e você não é alguém na vida?”. Roseli responde: “sou sim, mas hoje em dia só

é alguém quem tem estudo” (Extrato de diário de campo 05, 11/04/2011). ora, a

quebradeira de coco, mulher, mãe, pobre e sem estudo “não é ninguém” (Diário de

campo 05, 11/04/2011). Por isso, Roseli quer que seus filhos estudem para “ser

alguém” o que significa ter melhores condições de vida, não passar fome e ter um

trabalho digno e valorizado.

De todo modo, elas valorizam a quebra de coco, pois sempre falam do orgulho

e de como gostam de ser quebradeira de coco e de estar no mato, pois, foi este

aprendizado que tiveram. Durante a quebra de coco com Rita, o local de quebra foi

referenciado como o “escritório” deles: “tô aqui limpando nosso escritório” (Extra-

to do diário de campo 74, 17/08/2011)

Em uma visita a casa de Rita, Desidério já havia feito esta comparação com a equi-

pe. Segundo ele, as ferramentas de roçar eram a sua lapiseira. ou seja, valorizam

o aprendizado tradicional que obtém, mas, consideram que “ter estudo” possibili-

taria que seus filhos não passassem pelos mesmos “aperreios” que elas passaram.

Por isso mesmo, estas mulheres se mudaram para a cidade a fim de que os filhos

continuassem a estudar. Todavia, este entendimento de que a escolaridade permi-

te acessar um futuro melhor não se constituiu num “projeto de ascensão” como

vislumbrado pelas classes médias. Entende-se, portanto, que no contexto desta

pesquisa, “ter estudo” possibilita que indivíduos cujas famílias são marcadas pela

pobreza tenham mais oportunidade na vida. Percebemos que em algumas falas,

mais oportunidade na vida é não quebrar coco. Para as quebradeiras de coco,

como não tiveram estudo, “o jeito foi ir pra quebra”, Então, é por meio do estudo

que seus filhos podem “ser alguém”.

o traBaLHo das QueBradeIras de CoCo

A dinâmica da atividade entre as quebradeiras de coco babaçu consiste numa roti-

na diária de ida para a “mata”, onde existem as palmeiras, e de retorno para a casa

onde, empreendem as atividades rotineiras do lar – cuidar dos filhos e de se pre-

pararem novamente para o outro dia na quebra. Também nos tempos de plantio e

colheita, deslocam-se para a roça.

A rotina diária do trabalho nos babaçuais e de aproveitamento do coco está as-

sociada há uma espécie de ritual específico traçado pelas quebradeiras, sendo

seguido rigorosamente durante todos os dias em que saem de suas casas rumo

à mata para desenvolverem a atividade da quebra. “[...]quando dá quatro e meia

a gente já ta acordado aí começa logo a fazer as coisa de dentro de casa quando

dá cinco hora aí já começa a amola machada[amolar o machado], e a arrumando

sacola e bota panela e aí é que a gente vai. ( JESuS, entrevista, 15/08/2011).

Ao chegarem ao babaçual relatam que,

escolhem o local para a quebra e começam a limpá-lo com facão, cortando e afastando o mato. o local onde Dona Martinha e Dona Jesus quebram coco é chamado por elas de rancharia. Depois de escolhido a rancharia elas deixam seus utensílios no local escolhido para arranchar-se. Pega somente

ESTRATéGIAS DE ENFRENTAMENTo DA FoME E CoNSTRuçÕES DE GÊNERo: o CoTIDIANo DAS QuEBRADEIRAS DE CoCo BABAçu DA REGIão DoS CoCAIS MA

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o saco de nylon com as ferramentas de trabalho – machado, cacete e facão – e começamos a selecionar e coletar o coco babaçu. (Extrato do diário de campo 54, 02/07/2011).

Assim, após deixar a casa organizada partem para a avenida para pegar o caminhão,

cedido ela prefeitura, para chegarem ao “mato”. Chegando ao local escolhido, de

acordo com a quantidade de coco existente, preparam o terreno onde vão ficar du-

rante aquele dia. Esta rotina por sua vez, traz consigo uma “incerteza”, posto que

“não há um local especifico pra coletar. Muitas vezes as quebradeiras se “dividem

nas áreas de coleta em equipe de 2, 3 pessoas” (Extrato do diário de campo 16,

04/05/2011). Relatam que cada uma colhe e quebra seu coco, sendo que em algu-

mas situações quebram coletivamente e dividem o “apurado” do dia entre si.

Nas áreas de coleta preparam sua alimentação9, quebram o coco e fazem o carvão

com as cascas, separadas minuciosamente em montes. Conseguem separar, ao fim

do dia, cerca de cinco a oito quilos de amêndoa que são vendidos na volta para a

cidade por cerca de R$1,20, abaixo do preço estabelecido pelo governo (R$1,46).

Algumas vezes, fabricam o azeite, que demanda mais trabalho, contudo vendem

por um “preço melhor” e utilizam, em sua maioria o carvão para cozinharem em

suas casas, o que ajuda a economizar com as despesas com o gás de cozinha.

o trabalho dispensado com a quebra de coco é expresso por Efigênia como uma

obrigação, logo que ingressa como atividade imprescindível para a manutenção da

casa, embora esta não a considere como uma profissão como as demais. Embora

de pouca rentabilidade, as mulheres a mantêm como a atividade principal na vida

diária, haja vista que, se apropriam do babaçual seja em seu uso direto para a ali-

mentação ou sua preparação, no caso do azeite e carvão, seja indiretamente, com

a venda dos produtos gerando dinheiro (moeda) que será também utilizado, em

sua maior parte, para compra de alimentos.

A ocupação em outros trabalhos as impossibilita de irem quebrar. De modo que,

têm quebradeira que mesmo trabalhando a semana em outros serviços mantém a

rotina de quebra aos sábados, pois para ela dá para tirar o “da festa e o da feira de

domingo, ai já economiza.” (GoRETE, entrevista, 23/08/2011).

A quebra do coco não se configura para elas um fardo pesado. Segundo as que-

bradeiras as conversas realizadas durante a quebra e as descontrações coletivas

amenizam os esforços despendidos por elas durante a realização de seu ofício.

Ressaltam, sobretudo, a disponibilidade de tempo e a liberdade que ganham para

realizarem outras tarefas cotidianas.

Expressam que a atividade principal da mulher é a quebra e a do homem a roça ou

lavoura. Embora as duas atividades sejam acessadas pelos dois de acordo com as

9 DuRANTE AS ATIvIDADES DE QuEBRA AS MuLHERES TAMBéM PRECISAM ALIMENTAR-SE, E ESSA ALIMENTAção

vARIA DE ACoRDo CoM A QuANTIA EM DINHEIRo QuE ELAS DISPÕEM No MoMENTo. ASSIM LEoCÁDIA DISSE QuE “PRA

SE ALIMENTAREM No CAMPo SE LEvA FARINHA, ToMATE, LIMão, MAS QuE TEM DIAS QuE QuANDo Não DÁ PARA LEvAR o

ToMATE o CHIBé é FEITo SEM ToMATE MESMo”. (ExTRATo DE DIÁRIo 5, 11/05/2011).

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181

necessidades mais urgentes da casa. Desta forma, mulher também roça e alguns

homens também participam das atividades de quebra do coco. De modo que, a pro-

dução social da existência implica por sua vez na participação dos dois gêneros.

RELAÇÕES FAMILIARES E DE GêNERO

A despeito da importância do homem provedor no universo desta pesquisa, das

doze mulheres acompanhadas, cinco delas não possuíam marido/companheiro/

homem em casa (Nazaré, Efigênia, Rosalina, Gorete, Generosa). Algumas delas (Na-

zaré, Rosalina, Generosa, Efigênia) passaram situações difíceis com seus maridos

e hoje não querem ter um companheiro. Alegam que estão “véa” [velhas] ou que

não tem mais paciência para homem. Todavia, destaca-se em suas falas a impor-

tância do homem provedor, do homem que deve trabalhar e do homem que dá o

sustento.

Nazaré apontou que “quem não tem homem ganha ajuda”, pois, no contexto cul-

tural no qual vive o homem deve provir o “local do consumo”. Rosa conta que

após ser largada com dois filhos, “foi arranjar outro para ajudar a criar os filhos”.

Como ressaltou Nazaré se o homem não trabalha, não ajuda e atrapalha a mulher.

Nesse sentido, Jesus contou que, depois que seu marido a “largou” ficou sozinha

com seis filhos para criar. Ela fala que para sustentar seus filhos ela já passou por

muito sofrimento, inclusive de ter que ficar com homens para que estes a ajudasse

no sustento de sua família. Assim, Jesus afirmou: “ou eu fazia isso ou meus filho

morria de fome” (Extrato do diário de campo 54, 02/07/2011). Ela considera que

“foi errada”, mas que nunca “fez pouco” da cara das esposas dos homens com os

quais ficava, pois essas sequer sabiam que ela era amante deles (Extrato do diário

de campo 54, 02/07/2011).

Ainda sobre as relações entre afins vale dizer que estas mulheres se casaram jo-

vens, em média, antes dos 18 anos. Todavia, é expressivo o número de relações

amorosas que elas possuem ao longo da vida, pois, “ter um homem” significa tanto

ter um marido para provir a casa quanto ter um parceiro sexual. Por isso, como

disse Ana, após o falecimento de seu primeiro marido não “esperou muito” para

arranjar outro companheiro, pois, não “espero nem os vivos imagine o que tinha

morrido” (Extrato do diário de campo 42, 03/06/2011).

No universo desta pesquisa marca-se também a preeminência do pai ou da mãe

como figura de autoridade. Jesus foi obrigada a se casar depois de “ficar perdida”.

Rita buscou no casamento uma forma de se libertar da mãe. Jesus disse a filha

Gorete que ela deveria cuidar da vida após a separação. Mas, também são os pais

que conferem a estas mulheres solidariedade e ajuda nos momentos difíceis. Na-

zaré foi ajudada pela mãe quando vivia um casamento infeliz, no qual passava

fome. Socorro mora com o pai que a ajuda com as crianças. Rosa quando “vivia

só” morava com os pais, assim como Jesus. Rosalina diz que depois que sua mãe

morreu “foi que eu fui sofrer”, por isso, “quem quer saber o que é bom fique sem

mãe” (Entrevista, 06/08/2011). Como dito, a despeito da importância do homem,

as relações de sangue se sobrepõem as relações contratuais de casamento. A rela-

ção mãe e filho é a preferencial entre as quebradeiras de coco, pois, nesta há um

contrato moral, como ressaltou Rosalina: “o filho deve se curvar à mãe”.

ESTRATéGIAS DE ENFRENTAMENTo DA FoME E CoNSTRuçÕES DE GÊNERo: o CoTIDIANo DAS QuEBRADEIRAS DE CoCo BABAçu DA REGIão DoS CoCAIS MA

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Entretanto, mesmo que a figura masculina seja entendida como provedor, Teodora,

Rita, Socorro e Rosa narram relações de gênero marcadas por parcerias, compa-

nheirismo e divisões de tarefa. Elas não negam a importância do homem provedor,

mas ressaltam a necessidade de se unir para enfrentar a vida cotidiana adversa.

Deste modo, estabelecem relações de parceira com seus maridos: enquanto So-

corro está na rua, o marido cuida da casa, Teodora montou uma quitanda por que

seu marido não podia mais trabalhar na roça por problemas de saúde, os filhos de

Rosa fazem o serviço da casa e seu marido também ajuda, mesmo quando ela está

em casa, Rita e Desidério, 41 anos de casamento, lutam juntos pelo bem estar da

família. Nesse sentido, segundo Ahlert (2008, p.22-23).

Na bibliografia sobre grupos populares é recorrente que a figura dos homens seja associada ao provimento do sustento da casa, revelando a figura do homem provedor - configurado como uma presença ambígua (zALuAR, 1985; SARTI, 1996, entre outros). Tal ambigüidade estaria relacionada com a instabilidade em corresponder com tal papel, devido às condições impostas da desigualdade social brasileira. o interessante na figura do provedor é sua força, apesar de sua realização plena ser rara e um tanto dotada de idealismo (FoNSECA, 1995; BRITES, 2000).

outra questão é que para elas casar requer “ter papel” e não apenas assumir pu-

blicamente uma relação conjugal e iniciar uma fase de co-residência (FoNSECA,

2005, p. 40). Deste modo, as mulheres que são “junta” não se consideram casadas

(Socorro, Rosa). Algumas falam que não são solteiras, mas não são casadas (Naza-

ré). Jesus, por exemplo, mora com um companheiro, mas se diz solteira. Fato é que,

ao longo da pesquisa, pode-se perceber que algumas quebradeiras de coco falam

que são solteiras, mesmo morando com um companheiro.

ou seja, para elas ser solteira possibilita ter acesso a programas do governo, obter

crédito e, no futuro, obter a aposentadoria rural. Todavia, há uma razão simbólica

contida nesta razão prática: como o casamento só é válido “no papel”, elas se

dizem solteiras, pois, trata-se de uma categoria que possibilita quando “largadas”

não ser separadas ou desquitadas. Suspeita-se, neste sentido, que estas mulheres

se importam com o estado civil de desquitada ou separada (legalmente no papel),

a despeito de narrarem como seus companheiros a “largaram” e como elas arran-

jaram logo outro companheiro.

Destaca-se ainda que as mulheres (Rosa, Jesus, Efigênia, Socorro, Generosa, Rosa-

lina, Nazaré, Gorete) explicitaram as infidelidades masculinas bem como relações

violentas, possessivas e ciumentas (Nazaré, Generosa). E que há homens que agri-

dem suas companheiras (Rosalina, Marta). A despeito dos relatos sobre violência

doméstica (Jesus, Rosalina, Marta, Nazaré) elas se manifestaram e se posicionaram

contrariamente à dominação masculina (especialmente Marta em relação ao seu

pai). Estas mulheres que relataram casos de violência doméstica romperam com

seus companheiros agressores, a despeito da violência física, psicológica e simbó-

lica que sofreram durante o casamento.

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183

Deste modo, a figura do homem provedor e da autoridade e a dominação mascu-

lina podem ser lidas como ideais extremamente poderosos, mas não são vividas

de maneira absoluta ou estável na vida cotidiana destas mulheres. Se tais ideias

existem enquanto modelos, na realidade podem ser negociados, abrindo espaço,

portanto, para a agência feminina. Por isso mesmo, considerou-se analisar as rela-

ções entre homens e mulheres no universo desta pesquisa na relação e não ape-

nas a partir da concepção de que homens subordinam as mulheres. os dados aqui

apresentados apontam que há um contexto cultural de dominação masculina, mas

que estas mulheres não respondem “apaticamente a uma dominação masculina”.

(AHLERT, 2008, p. 23), pois, ao passo que há reforço das hierarquias de gênero, há

espaço para a agência feminina.

Como se vêem/sentem

No roteiro da entrevista realizada com as doze quebradeiras de coco foi pergunta-

do se elas gostavam de ser mulher, todas responderam que gostavam, mas as res-

postas foram diferenciadas. Generosa disse que gosta de “ser muié, [...] Ah porque

é... sei lá minha vida é tranquila né” (Entrevista, 05/07/2011). Para Rosa a mulher

que não tem marido, os homens sempre “qué dizer alguma pilera né, mais quem

tem vai viver mior” (Entrevista, 06/07/2011). Socorro diz que “sempre gostei des-

sa parte de ser mulher” (Entrevista, 26/07/2011). Para ela, a mulher que tem curso

e certificado “hoje em dia pra emprego ta tendo um pouco mais de facilidade” de

conseguir emprego” Entrevista, 26/07/2011). Rita diz que “pela uma parte é bom

né” ser mulher: ser mãe e “aconselhar seus filhos” (Entrevista, 27/07/2011). Efigê-

nia disse que gosta de ser mulher, mas que “agora eu já to uma velha, mais eu gos-

to, agora já to mesmo no restinho mais ainda serve[...]” (Entrevista, 04/08/2011).

Mesmo se considerando velha, “sei lá porque é [bom ser mulher] (risos). Porque eu

acho que é bom mesmo num é” (Entrevista, 04/08/2011).

Rosalina disse que “é bom a gente ser muié [risos]”. Perguntada se era melhor do

que ser homem, ela respondeu: “de home eu num sei não, mas de muié e bom

ser muié. Muié se arruma mio, a muié é mais calma, muié tem mais paciência, a

muié é mais tanquila, a muié é mais carinhosa a muié é tudo. Né não?” (Entrevista

06/08/2011). Delfina disse que é bom ser mulher, mas que “mulher passa cada

uma”, mas, “só na hora de ter um filho”, por que segundo ela, “é ruim demais” parir

(Entrevista, 18/08/2011). Nazaré diz que é bom ser mulher por que a mulher sem-

pre é ajudada e o homem não “porque é home” (Entrevista, 19/08/2011). Gorete

diz que “as oportunidades pras mulheres são bem melhores agora né”, além disso,

“ta bom ser mulher agora alguns anos atrás não era bom não, a mulher depen-

dia muito do homem, hoje não hoje a mulher é mais independente dela própria”

(Entrevista, 23/08/2011). Teodora diz que “ser mulher é ótimo”, mas que “só ter

mulher e não ter homem nada feito. Então tem que ser os dois homem e mulher”

(Entrevista, 05/09/2011). Jesus diz que é bom ser mulher por que tem serviço,

mas “viver sozinha” trabalhando para sustentar os filhos é a parte ruim. Todavia,

para um homem viver sozinho é mais difícil, segundo ela. Dona Marta diz que não

sabe por quê ser mulher é bom.

ESTRATéGIAS DE ENFRENTAMENTo DA FoME E CoNSTRuçÕES DE GÊNERo: o CoTIDIANo DAS QuEBRADEIRAS DE CoCo BABAçu DA REGIão DoS CoCAIS MA

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Ser mulher neste contexto também se inscreve nos corpos destas quebradeiras

que vão para o mato trabalhar na quebra de coco, atividade vinculada ao feminino.

Logo, as marcas físicas que este trabalho inscreve em seus corpos denotam o dia-

-a-dia “difícil” que estas mulheres enfrentam. Todas possuem cicatrizes pelo cor-

po, especialmente nas mãos ressaltando como a quebra de coco marca seus cor-

pos. outra questão relacionada aos corpos destas mulheres quebradeiras de coco

são as linhas de expressão, as peles enrugadas, as mãos ásperas, os pés rachados,

o aspecto de maior idade do que possuem. Marcas que também expressam o “tra-

balho duro” que possuem. Em sua maioria, são mulheres que aos 50 anos se consi-

deram “véa” [velha] (Generosa, Efigênia, Rosalina), não mais atraentes e dispostas

a relacionamentos afetivos e sexuais.

Ainda sobre como o trabalho da quebra de coco marca os corpos destas mulheres,

vamos a um relato de Gorete. Ela diz que as pessoas não acreditam que ela é que-

bradeira de coco babaçu. Gorete conta que quando estudava no IFMA – Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão -, um dos motoristas não

acreditava que ela era quebradeira de coco. Somente acreditou nela no dia que a

viu em cima do caminhão juntamente com as demais quebradeiras de coco. Para

ela, “acho que é bem pela minha aparência” (Entrevista, 23/08/2011), pois, as

pessoas pensam que as quebradeiras são velhas, com a pele enrugada, maltrata-

das pelo trabalho no sol. Gorete concorda que “tem, muitas quebradeiras de coco

não cuida, não se cuida entendeu? Pelo fato de quebrar coco acha que deve se

desleixar, e eu não apesar de quebrar coco eu sempre me mantive bem cuidada”

(Entrevista, 23/08/2011).

vale dizer que, no universo desta pesquisa, as mulheres gostam de conversar sobre

sexualidade, sexo e os parceiros que tiveram. A jocosidade e as conversas “salientes”

são freqüentes nos espaços e no cotidiano destas mulheres. Fonseca (s/d) ressalta

que o humor, as brincadeiras e os comentários sobre as relações conjugais e sexuais

estão presentes no cotidiano das classes populares. Segundo Fonseca (s/d, p. 16)

As famílias ‘populares’ definem-se justamente pelo estilo jocoso de tratar os assuntos mais prementes da vida social. E é essa jocosidade que, pela cumplicidade tácita da risada coletiva, age sub-repticiamente para transformar os diversos assuntos e as diversas regras (sejam elas oriundas dos grupos dominantes, dos ‘bons proletários’, ou dos homens) numa expressão própria aos grupos populares.

As quebradeiras de coco narram também doenças relacionadas ao seu trabalho

como dores nas costas, na coluna e nos joelhos. Delfina além destes sintomas

apresenta pernas inchadas fruto de uma diabete. Efigênia disse que já está can-

sada desta vida. Elas reclamam do cansaço e da “vida corrida” que levam, pois, o

trajeto até o local de quebra de coco, frequentemente, é penoso. Teodora também

enfrenta alguns problemas de saúde, mas, ela continua a quebrar coco a despeito

da “vista” está ruim, por conta de problema de “nervoso”, ela diz que não usa

óculos, pois, “na hora que boto ele me dá aquela gastura eu fico ruim de mais e a

minha gastrite vem daqui eu to no remédio controlado com um monte de remédio

a lhe eu disse que não ia depender disso” (Entrevista, 05/09/ 2011).

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Por fim, ressalta-se que a mesma atividade difícil, dura e penosa da quebra de coco

que imprime marcas físicas nos corpos destas mulheres e ocasiona doenças é a

mesma que as permite “se governar”. o trabalho não valorizado, que não lhes dá

dignidade, reifica seu lugar social de mulheres pobres e escraviza seus corpos (ve-

lhice, cicatrizes, doenças) é o que lhes dá liberdade, pois, no mato “ninguém manda”,

não há horários, nem patrão. Assim expressa Marta: “Sou mais ante ir pro mato [...]

por que lá eu me governo quebro meus cocos do jeito que eu quero, faço carvão ai

pronto [...] por que eu não gosto que ninguém me manda (Entrevista, 16/08/2011).

é o ambiente que elas percorrem de forma perceptiva (INGoLD, 2000) diariamente

a fim de exercer um conhecimento tradicional, transmitido de geração em geração,

é porque a gente se interte e faz modo da historia é o que a gente sabe fazer tem que quebra coco minha família quebra coco e mora tudo no interior e só sabem fazer isso porque ninguém estudou mesmo. A eu gosto de fazer o meu serviço quebrar coco e ele fazer a roça dele (TEoDoRA, entrevista, 05/07/2011).

Trata-se do território que dá, sobretudo, significado as identidades de gênero e de

quebradeira de coco destas mulheres. Desta forma, podemos identificar uma positi-

vidade na agência entre as relações familiares e de gênero de doze quebradeiras de

coco da região de Codó/MA considerando que se “há uma separação que serve de

referência para identificar ‘ser mulher’ e ‘ser homem’ nesse campo vivencial, as rela-

ções que lá se estabelecem são tão flexíveis quanto complexas” (BARBoSA, 2006, p.

55). Do mesmo modo, marca que as relações de gênero devem privilegiar, para além

da situação de dependência e de opressão feminina, as agências femininas marcadas

tanto por situações de maior vulnerabilidade quanto situações de maior privilégio.

Nesse sentido, o território da quebra de coco expressa, sobretudo, “relações de gêne-

ro e de significados que se estabelecem em seu meio social” (BARBoSA, 2006, p. 35).

MODELOS E DINâMICAS FAMILIARES DAS MULHERES qUEBRADEIRAS DE COCO BENEFICIADAS PELO PBF EM CODó

o Programa Bolsa Família (PBF) possui uma concepção de família que espraia a

noção de pai-mãe e filhos, incluindo as famílias sem filhos. No que tange às famí-

lias com a presença de crianças ou adolescentes, o que mais chamou a atenção da

equipe de pesquisa é a plasticidade de tal concepção, já que, diante do cenário

pesquisado, permite que sejam contemplados diversos arranjos e modelos de fa-

mília como beneficiárias. Essa diversidade que marca os arranjos familiares aponta

para a ideia de família como uma noção construída historicamente (ARIÈS, 1981) e,

portanto, não universal ou pré-determinada (HERITIER, 1989). Contudo, ainda que

reconhecendo o caráter de construção cultural da família, e, portanto de ficção,

como diria Bourdieu (1997), é necessário entender que a família é uma ficção mui-

to poderosa, na medida em que emana dos sujeitos e define sua própria prática10.

10 CoMo AFIRMA BouRDIEu, A CoNCEPção MoDERNA DE FAMÍLIA FAz CoM QuE SE ENTENDA QuE “A uNIDADE

DoMéSTICA é CoNCEBIDA CoMo uM AGENTE ATIvo, DoTADo DE voNTADE, CAPAz DE PENSAMENTo, DE SENTIMENTo E

DE Ação E APoIADo EM uM CoNJuNTo DE PRESSuPoSToS CoGNITIvoS E DE PRESCRIçÕES NoRMATIvAS QuE DIzEM

RESPEITo À vERDADEIRA MANEIRA DE vIvER AS RELAçÕES DoMéSTICAS: uNIvERSo No QuAL ESTão SuSPENSAS AS LEIS

CoRRIQuEIRAS Do MuNDo ECoNÔMICo, A FAMÍLIA é o LuGAR DA CoNFIANçA E DA DoAção” (BouRDIEu, 1997, P. 126)

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Nas falas das quebradeiras de coco é possível perceber algumas características

muito similares aquilo que Bourdieu (1997) denominou como características das

famílias modernas. Neste sentido, o uso que as quebradeiras de coco babaçu de

Codó fazem do benefício do Bolsa Família remete exatamente ao âmbito da casa

(o autor destaca a moradia conjunta como traço da família moderna) e também à

importância do cuidado com os filhos. Esta semelhança, contudo, como destacou

Fonseca (2004; 2006) pesquisando famílias de baixa renda no Brasil, não pode

sugerir que se compartilhe de apenas uma noção correta de família. A autora mos-

tra como os modelos de família podem se desviar da noção de família nuclear

(pai-mãe e filhos) e demonstra como, no seu universo de pesquisa, apareciam ca-

racterísticas importantes de outras possibilidades de família. Entre elas a autora

destaca a força do laço de sangue, de forma que as relações entre consangüíneos

se sobrepõem em importância àquelas de aliança por intermédio de casamento.

Além disso, mostra que o cuidado com as crianças pode ser socializado entre dife-

rentes casas, dependendo do momento da vida das pessoas.

A composição das famílias das quebradeiras de coco é variada e nela se destacam

os filhos e netos de criação. A bibliografia da antropologia destaca esta prática de

“circulação de crianças11” (FoNSECA, 2004) como “uma prática familiar, velha de

muitas gerações, em que crianças transitam entre as casas de avós, madrinhas,

vizinhas, e “pais verdadeiros”. Dessa forma as crianças podem ter diversas mães

sem nunca passar por um tribunal” (FoNSECA, 2004, p.9).

A prática da criação de filhos (não biológicos) e netos, assim como uma maior fra-

gilidade dos laços de consangüinidade (a pensar pelo número de casamentos e

uniões) (FoNSECA, 2002; 2004) faz com que sejam as mulheres, seja na posição

de mães ou de avós, as pessoas que arcam com os maiores cuidados com as crian-

ças e adolescentes. Estas características refletem na forma com que se configura

o cenário da distribuição do benefício do PBF entre as quebradeiras de coco en-

trevistadas:

Quadro 1 - Distribuição do Programa Bolsa Família entre as Quebradeiras de Coco

Nome: Por quem recebe:Dona Generosa 2 netosDona Delfina 1 neta Dona Socorro 3 filhos Dona Rita 1 netoDona Jesus 2 netos (e sua nora que mora com ela recebe pelo filho) Gorete 1 filhoMarta 2 filhos e 1 sobrinhaTeodora Benefício básicoEfigênia Benefício básico Nazaré Benefício básicoRosa 3 filhosRosalina Não recebe, quem recebe é sua filha que mora em sua casa com o neto.

Fonte: Projeto MDS/CNPq 036/2010

Entre as quebradeiras, contudo, existem diferentes histórias que levaram à criação

de filhos e netos e, diante disso, diferentes formas de se apropriar do dinheiro

do benefício. Dona Delfina, por exemplo, recebe o benefício por uma neta de 10

11 “CIRCuLAção DE CRIANçAS, ou SEJA, o GRANDE NúMERo DE CRIANçAS QuE PASSA PARTE DA INFâNCIA E

JuvENTuDE EM CASAS QuE Não A DE SEuS GENIToRES” (FoNSECA, 2006, P.14).

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anos de idade. A menina é filha de uma filha de Delfina, que mora em Brasília.

Delfina diz que a menina está com ela desde “molinha”, ou seja, desde pequena,

porque nasceu em Codó e passou a viver com a avó quando tinha três anos de

idade. Delfina ainda diz que não recebe nenhuma ajuda financeira da filha para

cuidar da neta, apenas a renda do Bolsa Família (cujo cartão está no nome da avó).

Delfina explica que a filha não consegue lhe ajudar porque tem uma nova família

na cidade de Brasília.

os casos de migração de familiares, especialmente em busca de emprego, para ci-

dades como Brasília, Goiânia e São Paulo, são muito recorrentes na cidade de Codó.

Durante a pesquisa de campo e em conversas com outros moradores, foi possível

perceber que praticamente toda família possui algum membro migrante. Entre as

quebradeiras pesquisadas, a migração não apareceu apenas no caso de Dona Delfi-

na. Dona Marta, por exemplo, além de seus próprios filhos biológicos, cria filhos de

uma irmã que faleceu e de outra irmã que migrou para trabalhar fora do estado do

Maranhão.

Rita fez o cadastro para receber o Bolsa Família em um momento em que tinha um

filho menor de dezoito anos e também um neto que residia com ela, ou seja, que ela

criava. o neto voltou a residir com a mãe depois de um tempo. Contudo, para não

alterar o cadastro, as duas mulheres acordaram com a permanência do menino no

cadastro e, portanto no cartão da avó. o filho de Rita fez dezoito anos e ela ficou re-

cebendo apenas pelo neto e o benefício básico. Ela e a filha dividem o valor do be-

nefício que Rita recebe, ficando cerca de 70% para ela e cerca de 30% para a filha.

Sobre a divisão do dinheiro, outra situação interessante apareceu em campo. No

pátio da casa de Dona Jesus residem diversas pessoas, entre elas sua filha Go-

rete, com seu próprio filho (que recebe o benefício), mas também Micaela, sua

filha mais velha. um dos filhos de Micaela é criado por dona Jesus desde que

nasceu e outro criado pela própria Micaela. o cartão do PBF em nome de dona

Jesus contempla estes dois netos. Como recebe o benefício dos dois, ela divide o

valor, ficando com a metade e dando a outra parte para Micaela. o cartão está no

nome de dona Jesus porque quando fez o cadastro para o Programa, Micaela tinha

migrado para trabalhar, junto com o marido, no estado de Minas Gerais e os netos

estavam com dona Jesus.

Diante destes aspectos podemos perceber que a configuração da distribuição do

benefício do Bolsa Família – quando pensamos especialmente a relação entre o

‘nome que está no cartão’ e ‘por quem se recebe’ - tem a ver com diversos fatores

que influenciam, em determinado momento, o arranjo familiar. Assim, a migração,

as dificuldades financeiras, etc., são elementos que influenciam diretamente na

configuração da distribuição do benefício porque são elementos que também

definem as famílias em determinados momentos. Como estes aspectos não são

determinados ou fixados sem possibilidades de mudança – pelo contrário, são

sazonais – quando se alteram, exigem que as pessoas façam pequenos ajustes

na distribuição do dinheiro proveniente do Programa Bolsa Família. Estes ajustes

são internos à própria família e costumam ser negociados entre as mulheres. Em

alguns casos, como pudemos ver, não chegam ao conhecimento do CRAS ou da

Secretaria de Assistência Social.

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Neste sentido, as dinâmicas familiares particulares, imprimem formas de lidar com

o Bolsa Família que não estavam previstas na lógica do Programa Social (mas, que

são passíveis de serem feitas dentro de sua estrutura). Pensando no impacto so-

bre as dinâmicas familiares, não é possível medir, a partir dos dados resultantes

da pesquisa, se o recebimento do benefício tem diminuído, ou não, os casos de

migração, por exemplo. o que se pode dizer, a partir de uma fala de Nazaré12 é que

algumas mudanças que eram comuns entre as famílias – especialmente envolven-

do deslocamentos para o interior para as colheitas – têm sido repensadas sob a

ótica da manutenção das Condicionalidades.

De maneira geral, a utilização do dinheiro apresenta finalidades semelhantes en-

tre as quebradeiras pesquisadas. Em um primeiro lugar, quando não se consegue

outra forma de renda ou aquisição de alimentos, o dinheiro proveniente do PBF

serve para comprar comida. Tal situação foi apontada por várias quebradeiras. A

utilidade primeira do dinheiro que entra na casa, pelo menos aquele por intermé-

dio das mulheres, é a alimentação. Ainda que destaquem esta finalidade primeira,

ela apareceu ‘sozinha’ em poucas respostas. ou seja, como as quebradeiras con-

tinuaram com outras fontes de renda, afinal, nunca pararam de quebrar coco ou

fazer roça, o dinheiro do benefício espraia-se para além da alimentação. Neste

sentido, é apontado como sendo utilizado, principalmente com duas finalidades:

pagar contas domésticas como água, luz, gás; e para auxiliar nas despesas com

as crianças e adolescentes, principalmente as relativas à escola. Contudo, apesar

destas duas recorrências mais constantes, é possível destacar que o destino do

dinheiro proveniente do benefício depende da necessidade da família naquele

momento do mês, momento no qual acessam o benefício.

o uso do dinheiro proveniente do Programa Bolsa Família está condicionado à si-

tuação de vida da família no momento do seu recebimento. Esta forma de repasse

garante, portanto, que as mulheres encontrem algum grau de liberdade na sua

utilização (podem usar para o que estiverem precisando mais naquele momento).

Diante das dificuldades financeiras que marcam o cotidiano das interlocutoras,

contudo, a possibilidade de manipulação deste dinheiro contempla normalmente

as mesmas finalidades.

os destinos mais apontados pelas interlocutoras da pesquisa foram a alimentação,

o pagamento de contas como água e luz, a compra do gás, gastos com material

escolar e uniforme, roupas e calçados para os filhos. Em menor grau apareceram

compras de eletrodomésticos e melhorias na casa. Pensando a relação entre a fa-

mília e a utilização do benefício, foi possível notar que a família é a unidade básica

a partir da qual se pensa o uso deste dinheiro.

12 REToMANDo A FALA DE NAzARé: “[...] SE oS PAIS NuM TIvER INCENTIvANDo ELES, Não é ToDoS QuE SE

INTERESSA PRA ESTuDAR Não. E AÍ Eu SEMPRE To ALI PRA ELES ESTuDAR E NuNCA LEvEI ASSIM PRo INTERIoR [...] SE ELES

FALTASSE NA ESCoLA, uNS DEz DIA, QuINzE DIA, AÍ JÁ, AÍ IA SAIR Do PRoGRAMA, AÍ vEIo ESSA AJuDA PRA GENTE, AÍ JÁ DÁ

PRA AJuDAR, AJuDAvA ELES, Né, No MATERIAL, NA FARDA” (NAzARé, ENTREvISTA, 19/08/2011).

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GêNERO, CASA, CRIANÇA E O BOLSA FAMíLIA

o Programa Bolsa Família, na sua estrutura, toma as mulheres como prioritárias no

que concerne ao repasse do benefício. Neste sentido, na maioria dos casos, são os

nomes das mães ou avós que figuram nos cartões do Programa. Pensando neste

elemento cabe explanar sobre como as quebradeiras percebem esta vinculação

entre as mulheres e o benefício do PBF. Esta discussão é amplamente arraigada,

já que em torno da mesma surgem diversas opiniões e afirmações, tanto no senso

comum, quanto no meio acadêmico.

As colocações acerca deste debate normalmente são dicotômicas. Alguns ques-

tionam esta vinculação, afirmando que ela recoloca a mulher numa situação de

subordinação no ambiente doméstico, fazendo novamente uma ligação entre sua

identidade e o papel de mãe (e, portanto, seu papel tradicional) e deixando as mu-

lheres mais afastadas do mercado de trabalho13 (ver MEyER, 2005; kLEIN, 2005).

outros debates sobre este vínculo, pelo contrário, mostram como o benefício re-

cebido pelo PBF empodera mulheres na formação de associações e iniciativas nos

espaços próximos às suas residências.

Alguns cientistas sociais, que pesquisaram famílias de baixa renda, destacaram

que a relação entre o casal era marcada por uma complementaridade (ver SARTI,

1996, zALuAR, 1985). Concluía-se que havia uma posição estrutural de homem

e outra de mulher (de marido/esposa). Aos homens pertencia o mundo do que é

público, enquanto às mulheres, o domínio era o privado.

As próprias Ciências Sociais passam a questionar estas dicotomias como constitu-

tivas da realidade, as entendendo como um reflexo de categorias do pesquisador,

que, quando aplicadas aos grupos pesquisados, privilegiavam os espaços onde os

homens estavam presentes (STRATHERN, 2006). As quebradeiras de coco babaçu

de Codó, como apontado acima, destacam a importância de seu papel de mães e

do cuidado da casa. Contudo, não possuem seu cotidiano marcado pela presença

no ambiente doméstico, pelo contrário, deslocam-se diariamente para o trabalho.

A partir destas características de suas vidas, assim como a partir dos dados sobre

gênero que serão trazidos abaixo, as interlocutoras desta pesquisa podem ajudar

a repensar algumas destas dicotomias que têm marcado as análises sobre o PBF e

sobre as relações de gênero.

Nas entrevistas as mulheres selecionadas foram inquiridas sobre a prioridade

dada às mulheres no repasse do benefício. Foram perguntadas se o cartão do PBF

deveria estar no nome da mulher ou do homem. Apenas Teodora disse que “tanto

faz” se o cartão estiver com o nome da mulher ou do homem. Garantiu que era

13 EM ouTRo ESPAço, DAGMAR MEyER E CARIN kLEIN APoNTAM PARA ouTRo ENFoQuE INSTIGANTE DoS

PRoGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA NA ÁREA DA EDuCAção E SAúDE QuE PoSSuEM AS MuLHERES CoMo

“AGENTES PRIoRITÁRIAS DE SuA IMPLEMENTAção” (kLEIN, 2005, P. 31). AS AuToRAS REMETEM À CoNSTITuIção DE uM

DETERMINADo TIPo DE MATERNIDADE QuE ASSoCIA “MuLHER” Ao STATuS DE “MãE”, REFoRçANDo AS HIERARQuIAS DE

GÊNERo QuE PoSTuLAM SEu ESPAço CoMo o DA CASA (Não oFERECENDo ACESSo Ao MERCADo DE TRABALHo) E o Do

CuIDADo DoS FILHoS

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indiferente porque seu marido sempre sabia “fazer a feira” ou pagar as contas que

chegavam a casa. o restante das quebradeiras disse que é melhor que o cartão es-

teja no nome da mãe/mulher. Para Socorro, é a mulher quem sabe quais são as prio-

ridades da casa, e, por isso, cabe a ela receber e administrar o dinheiro do benefício:

Equipe: E ai se fosse no nome do seu marido, a senhora acha que ia ter problema?

Socorro: Não, não iria ter porque ele sabe da necessidade dos filhos, né? Ele sabe, até quando ele tá aqui que ele faz algum bico, a metade, 60%, 70 é pra dentro de casa, pros meninos. Aí, nos sempre assim, colocamos os meninos na prioridade, pra nós, adultos, já fica em segundo plano entendeu? Assim, criança que eles gostam muito de sair, assim, pro os lugar, festinha, algum lugar ai. Tem que mais roupa para sair do que nos. Ai nós se preocupa mais com eles do que com a gente (Entrevista, 26/07/2011).

De maneira semelhante à fala de Socorro, para dona Generosa, além de serem as

mulheres que sabem o que está faltando dentro de casa, são elas que têm os filhos

como prioridade, não gastam dinheiro “com festa”:

Equipe: Então, conta como assim, o homem não sabe o que faz?

Generosa: Sabe não, você vê, você compra direito, eles não compra as coisas direito pra casa, e sendo a mulher é melhor, é muito melhor ser pago pra mãe do que pro pai.

[...]

Generosa: é verdade, às vezes num sabe tudo que falta dentro de casa, às vezes quer sobrar um pouquinho pra ir pra festa, pra sair na rua e tomar uma cerveja, e mulher não. Eu mesmo gosto de tomar uma cerveja, mas os luxo assim... Digo é 2,50 uma cerveja, 2,50 eu compro de feijão e fico comendo a semana todinha, a menina mamãe como é isso, a senhora faz isso... Eu minha filha, num gasto não. E o homem não ele quer saber disso né, quer saber que ta brincando. (Entrevista, 05/07/2011).

Portanto, para as quebradeiras entrevistadas, conhecer as despesas da casa, saber

o que comprar e “como” comprar é uma característica das mulheres. Esse conhe-

cimento do mundo doméstico se soma a outro elemento que também funciona

como legitimador dentro dos argumentos das quebradeiras para se posicionar so-

bre o vínculo entre as mulheres e o benefício: a mulher é quem tem os filhos como

prioridade.

As mulheres, na constatação das quebradeiras entrevistadas, estão mais familiari-

zadas com o ambiente doméstico, sendo que conhecer e cuidar bem da casa são

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elementos que ajudam a definir sua identidade. Contudo, como bem mostra Clau-

dia Fonseca, o universo feminino não se encerra no doméstico como um espaço

separado do mundo da rua (FoNSECA, 2004). As quebradeiras, ao valorizarem o

doméstico e também trabalharem ‘fora’ de casa, borram as fronteiras da dicotomia

que toma o mundo do doméstico como separado do mundo do público. o que as

diferencia dos homens não é que elas não circulem amplamente fora do domés-

tico, mas, é que, diferentemente deles, elas sabem das prioridades da casa e não

utilizam o dinheiro para festas e bebida alcoólica:

As quebradeiras dizem conhecer casos de homens que gastam o dinheiro do bene-

fício com “festa” e “bebida”, contudo, diferente dos argumentos do senso comum

(que tendem a generalizar e condenar tais comportamentos), o fato de algumas

pessoas não saberem se utilizar do benefício (para a casa e para os filhos, que são

gastos legitimados por elas) não invalida o Programa Bolsa Família. Pelo contrário,

destaca como elas são merecedoras do repasse, já que o utilizam com responsabili-

dade. Na entrevista com Dona Rita, ela e seu marido14, apresentam outro elemento

que ainda não tinha aparecido nas entrevistas (mas, é comentado no dia-a-dia na

cidade): os casos de violência doméstica envolvendo o dinheiro do repasse.

Seu Desidério: Às vezes o homem e vai bebe tudo de cana, ai ás vezes não tem de comprar o que comer.

Dona Rita: (risos) Aí fica difícil é mesmo.

Equipe: é seu Desidério?

Dona Rita: é, como a gente já viu muita coisa assim mesmo é do jeito que ele tá falando.

Seu Desidério: Tem, acontece, tem acontecido.

Dona Rita: Até briga o homem batendo na mulher por causa disso (Entrevista, 27/07/2011).

Em campo pode-se ver que existem casos em que, apesar do cartão estar no nome

da mulher, quem retira o dinheiro do benefício pode ser outro membro da família.

Dona Marta menciona que teve uma situação em que não se sentia bem e seu

marido teve que buscar o benéfico para ela: “Ele recebeu, só que do jeito que eu

faço ele faz certinho. Ele trouxe o dinheiro, do jeito que ele pegou lá ele trouxe pra

mim, não gastou não. Quando ele vendia meus cocos ele não gastava um centavo

ele trazia tudinho” (MARTA, entrevista, 16/08/2011). Marta ressaltou o fato de ser

esporádico, já que, se fosse todos os meses, “não ia dar certo não”. Em um sentido

semelhante, quando perguntada sobre o nome da pessoa que deveria constar no

cartão, dona Rosa disse que, apesar de estar no seu nome, quem retirava o dinhei-

ro e trazia para casa era o seu marido:

14 EM DIvERSAS ENTREvISTAS AS QuEBRADEIRAS Não ESTIvERAM SozINHAS CoM A EQuIPE DA PESQuISA. ISSo

ACoNTECEu PoRQuE HAvIA MAIS PESSoAS NAS CASAS E ELAS CoSTuMAvAM CoNvERSAR E PARTICIPAR, INCLuSIvE, DAS

ENTREvISTAS.

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Dona Rosa identifica o benefício do Bolsa Família como uma contribuição feminina

dentro do orçamento familiar. Isto fica evidente ao comparar com a principal ocu-

pação masculina, a roça. Como afirmou, para ela o homem tem a roça e a mulher

também precisa de uma renda.

Estas afirmações das quebradeiras, sobre a mulher como prioritária no recebimen-

to do benefício, vão construindo imagens distintas do que seriam os homens e as

mulheres. Falando sobre as diferenças entre homens e mulheres, pensando tam-

bém em relação ao mercado de trabalho, dona Nazaré acredita que

Nazaré: Por que a mulher sempre as pessoa, eles, como é que quero dizer assim sobre a ajuda, sempre eles se, deixa pensar aqui... A mulher tem mais facilidade de receber ajuda, assim tudo por tudo, porque se ela tá, ela num tem o dinheiro, precisa do, assim alguma coisa pra fazer, porque assim ela no pode fazer, assim que ela nu sabe fazer, tem muitos homem que se oferece, uns é com interesse outros sem interesse.

Equipe: E a senhora acha que as pessoas não fazem isso por homem?

Nazaré: é, e também ajuda porque se eu fosse um homem, na situação que eu já venho e até onde eu tô, se eu fosse um homem ninguém ajudava.

Equipe: Mas, porque a senhora acha que ninguém ajudaria?

Nazaré: é porque é homem.

Equipe: Ah é.

Nazaré: é e se diz se é homem é que homem trabalha por qualquer serviço, né? Todo serviço ele pode trabalhar e mulher não, não é todo serviço que ela pode trabalhar. Ela num pode cortar um pau pra fazer um carvão assim daqueles pau grosso né, home não, homem pode fazer. Ela num derruba, ela num broca, o que ela faz da roça é coivarar, capinar tem delas que até planta. E aí o homem é muito difícil pra achar assim uma pessoa pra ajudar e a mulher sempre mais fácil (Entrevista, 19/08/2011).

Mulheres e homens são, portanto, diferentes. Mulheres tendem a privilegiar a casa

e a conhecer melhor o funcionamento da rotina doméstica. Colocam os filhos em

primeiro lugar, antes até delas mesmas. Tendem a contar com uma rede de apoio

e ajuda (como disse Nazaré) maior que os homens, pois são vistas como poden-

do cumprir alguns trabalhos enquanto os homens podem fazer qualquer tipo de

serviço. A roça e os trabalhos mais duros ligados a ela são vistos como espaços

masculinos - isto, muito embora várias quebradeiras de coco também trabalhem

na roça. o benefício do Programa Bolsa Família, portanto, figura como uma contri-

buição feminina dentro do espaço doméstico.

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os homens, por sua vez, são menos responsáveis. Tendem a gastar dinheiro com

sua diversão, em festas e com bebidas alcoólicas. Mesmo que os maridos delas

possam ir buscar o benefício pelas mesmas, e isso acontecer sem problemas (ou

seja, lhes entregarem o dinheiro), é preciso manter os olhos sempre abertos, por

que homem “é bicho enrolado”. Elas fazem essa vigilância, mas, reconhecem que

tem outras famílias onde existem casos de violência doméstica por causa do be-

nefício ou onde o marido gasta o dinheiro do mesmo com sua própria diversão.

Dona Rosalina, por sua vez, acrescenta mais um elemento para pensar essa dis-

tinção entre homens e mulheres. Para ela, existe um caso em que o benefício não

deveria estar no nome da mãe: quando a mãe tem um comportamento parecido

com aquele esperado do homem

Por que a mãe ou a que seje, assim porque tem muitos pais irresponsáveis, tem muitos pais irresponsáveis, mas também tem muitas mães que são irresponsáveis, então a gente tem que caça uma vó que tem responsabilidade, entrega pra elas, como velha entendi mais. Tem muitas mãe miserável, eu conheço muie ai que recebe e tora na cana. Pai, isso ai é pros fie (filhos) se alimentar, pras crianças, porque nós, na idade que eu to, vocês não por que é essa dali, nos temos que olha pra esses ai num é não? (RoSALINA, entrevista, 06/08/2011).

A fala de dona Rosalina tem bastante reflexo no universo pesquisado, já que mui-

tas avós quebradeiras de coco são as pessoas que criam seus netos. Das doze

interlocutoras entrevistadas, 05 delas recebem o benefício porque são as respon-

sáveis por seus netos. Receber o PBF por crianças que são filhos “de criação” é

uma constante. As avós, no processo do envelhecimento, com a possibilidade de

melhoria de vida por causa do ganho da aposentadoria (que algumas recebem

como trabalhadoras rurais) e porque ficam mais circunscritas à cidade (já que as

gerações mais novas migram para outros Estados), se apresentam como alternati-

va para o cuidado das crianças.

Quando se analisa estas ponderações sobre gênero, pensando-as de forma relacio-

nada ao uso do benefício e aos arranjos e dinâmicas familiares, pode-se perceber

que a dicotomia entre público e privado não se sustenta. Em primeiro lugar porque,

apesar de se orgulharem de serem as conhecedoras e administradoras de suas ca-

sas e de colocarem os filhos e netos como prioridade, as interlocutoras de pesquisa

são sujeitos determinados por várias facetas: além de serem mães e donas de casa,

são quebradeiras de coco, tem um envolvimento político a partir das associações,

correm atrás de melhorar suas condições fazendo o cadastro do PBF. Constituem

suas casas como um ambiente privado, mas não como oposto do público, já que a

casa é um espaço de fluxo constante de pessoas, especialmente de crianças. Além

disso, a casa é a unidade básica a partir da qual se colocam diante da relação com o

Estado. é possível concluir, portanto, que as quebradeiras, enquanto mulheres vêem

como positiva a vinculação entre o benefício e a prioridade das mulheres para seu

recebimento. Questionam a associação entre o status de mãe e a casa como papéis

tradicionais que as aprisionam (pura e simplesmente), mostrando, a partir de suas

experiências de vida, que não cabem em pólos opostos e dicotômicos.

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Dito isso, cabe pensar ainda como as quebradeiras, na sua relação com o benefício

do Programa Bolsa Família, questionam outra dicotomia, a que busca classificar esta

experiência como assistencialismo ou direito (AHLERT, 2008b). Para isto, serão apre-

sentadas algumas questões sobre impactos que as quebradeiras identificam que o

PBF causou nas suas trajetórias, assim como suas representações sobre o Programa.

conclUsão

Existem diferentes formas de medir ou tentar perceber o impacto de um progra-

ma social nas experiências de vida do público ao qual o programa se destina. Em

primeiro lugar buscar-se-á tratar de como as interlocutoras percebem, ou não

percebem, uma mudança na melhoria das suas condições de vida por causa do

recebimento do benefício. Quando questionadas sobre esta melhoria, algumas

delas falavam do passado para confirmar uma mudança no presente. Dona So-

corro ressaltou a importância no benefício no pagamento das despesas da casa e

disse “lembro quando era criança, minha mãe tinha que quebrar não sei quantos

quilos de coco babaçu pra comprar alguma coisa pra gente” (Extrato de diário de

campo 34, 24/05/11). Em consonância com o que afirmou Dona Socorro, Nazaré e

Generosa disseram que

Equipe: Mas, porque a senhora acha que num passa mais dificuldade igual, então?

Nazaré: Por causa dessa ajuda do, do Bolsa, assim, da Bolsa Família é só uma vez que vem no mês e o meu é só no final do mês. [...] Mas, aquela fome que eu passava, que a gente já passou muita necessidade mesmo, tinha vez que a gente tinha vontade de botar uma farinha na boca e num tinha ás vezes. Hoje já tem, a gente tem, também tem, tem, tem... (Entrevista, 19/08/11).

Equipe: Então esse Bolsa família é bom, é?

Generosa: é bom demais, Ave Maria, é uma ajuda muito grande que o governo mandou pra gente, o presidente.

Equipe: E aí, antes do Bolsa Família como é que era?

Generosa: A gente passava, porque passava mesmo né, mas ele chegou melhorou a vida da gente demais. Ai eu peguei esses neto meu e a aposentadoria, ai melhorou mais ainda.

Equipe: é?

Generosa: é, porque nem casa nós tinha, pra morar, e não tinha nada dentro de casa, não tinha nadinha, só as rede dos meu filho, a depois disso vocês tão vendo como tão minha coisinhas (Entrevista, 18/08/11).

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A melhoria das condições de vida aparece quando se compara a situação atual

com uma situação do passado, pode ser da infância, em relação à mãe que tam-

bém quebrava coco (como disse Socorro) ou aos momentos em que se passava

fome ou se tinha uma casa muito mais simples. Diversas vezes, essa mudança é

dita mencionando uma relação entre a mulher e os filhos (com seus pedidos e

necessidades):

Equipe: E mudou como a vida de vocês em receber esse dinheiro?

Dona Rita: Melhorou, melhorou por que às vezes a gente num tinha nem dez centavos pra comprar o lápis o fie da gente ficava pedindo, sem a gente ter (Entrevista, 26/07/11).

Antes a gente passava mais dificuldades, ai às vezes quando minha filha adoecia, pra mim comprar um remédio era maior dificuldade, hoje não. Às vezes, eu já com as outras despesas, já fica mais fácil, quando tem o dinheiro do Bolsa Família já fica mais fácil pra gente, que é 166 (reais) que eu recebo deles. Ai eles compra o material da escola, quando tá de férias é mais só pra parte da alimentação (SoCoRRo, entrevista, 26/07/11).

Alguns pedidos das crianças, que ‘agora’ podem ser contemplados, diante das di-

ficuldades financeiras das condições de vida de suas próprias infâncias, podem

até ser considerados uma espécie de luxo. “Hoje eles já dizem assim ‘mamãe eu

quero roupa assim tal’, eu já compro. Hoje já tem assim praticamente um luxo pra

eles, porque antes, quando eu era criança não tinha esse luxo assim, hoje eles já

têm. Aí, eu sempre falo a gente tem que dar valor no que a gente tem (SoCoRRo,

entrevista, 26/07/11).

A partir destas considerações pode-se concluir que o benefício do Programa Bolsa

Família é percebido pelas quebradeiras de coco como tendo um impacto positivo,

no sentido de que reconhecem a melhoria de suas condições de vida quando pen-

sam em relação às suas próprias trajetórias (sua infância) e também quando falam

sobre sua vida como mães e avós antes do PBF. Neste sentido e em consonância

com suas falas sobre as finalidades nas quais empregam o uso do dinheiro, uma

grande vantagem deste período (em que recebem o benefício) é poder comprar

utilidades que seus filhos necessitam, assim como dar-lhes um pouco de “luxo” ou

mesmo uma comida diferente daquela que é a comum em épocas de maior aperto

econômico. Dar aos filhos algumas “regalias” que não possuíram em suas infâncias

aparece como algo que as deixa satisfeitas como mães e como avós.

Além disso, outros elementos foram destacados como positivos e tem relação com

o formato do Programa Bolsa Família. Neste sentido, foram mencionadas qualida-

des do Programa que remetem à constância e ao fato do benefício ser em dinheiro.

São variadas as estratégias utilizadas pelas quebradeiras de coco para combater a

fome e manter suas vidas. A quebra do coco babaçu tem uma lógica muito peculiar

quando se pensa na relação entre tempo e trabalho já que a quebra garante uma

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pequena quantidade de dinheiro no final de cada dia de trabalho. outros locais

e iniciativas as quais as quebradeiras recorrem para receber proventos, como ali-

mentos, e mesmo o trabalho na roça, não são formas estáveis de acessar recursos.

Neste sentido, a constância do repasse do Bolsa Família, desde que cumpridas as

Condicionalidades, é um elemento indicado como positivo pelas quebradeiras.

Além disso, também aparecem menções de positividade ao Programa porque, ao

invés de distribuir alimentos, roupas ou mesmo gerar alimentos como as roças, é

uma forma das quebradeiras terem acesso a dinheiro (enquanto moeda).

Nenhuma das quebradeiras de coco pesquisadas parou de quebrar coco babaçu

quando passou a receber o PBF. Para as mulheres selecionadas, o benefício não é

visto como única fonte de renda, mas como uma das fontes.

Apesar de continuarem quebrando coco, as interlocutoras de pesquisa percebe-

ram outro elemento considerado positivo e criado a partir do recebimento do be-

nefício é a ‘flexibilização’ de suas rotinas de trabalho:

Rosalina: Era ruim porque eu tinha que quebrar o coco todo dia pra dar comida pros fie (filhos). Todo dia eu levantava quatro hora da madrugada, ajeitava a comida pros menino, lavava roupa, ajeitava tudo Quando era seis hora eu ia pro carro, aí ia quebra coco. Quando era de tarde, de noite, eu chegava aí, pra eles come. Aí deixava a comidinha pra eles almoçar. Quando eu chegava ia comprar pra jantar e deixar pros outros dias pra deixar pra eles, pra mim ir pro serviço. Era assim.

Rosalina: E naquele tempo se eu dissesse ‘hoje eu num vou pro’.[...] Hoje, é domingo, é sábado. Hoje eu quebrei o coco que só deu pra fazer a despesa de sábado. Domingo eu tinha que sair brincando por aqui assim, lá pros Monte videl, quebrar meu coco, pra de tarde eu comer, cansei de fazer isso (Entrevista, 06/08/2011).

Pode-se concluir que as quebradeiras acessadas na pesquisa reconhecem um im-

pacto positivo do Bolsa Família, como dito acima, em relação às suas trajetórias e

aos momentos anteriores ao recebimento do benefício. um elemento muito im-

portante para perceber este impacto positivo foi a possibilidade de uma mudança

em suas rotinas de trabalho. o benefício permitiu que, com algum dinheiro, elas

pudessem ficar algum dia da semana sem fazer a quebra do coco. Em épocas de

maior dificuldade financeira, ou como chamam, de maior “precisão”, as quebradei-

ras costumam dizer que “quebra coco sábado pra ter o que comer no domingo”. A

constância do repasse do benefício permite uma ‘flexibilização’ desta rotina base-

ada na “precisão”.

Nos trechos das entrevistas acima citadas é possível notar que a categoria mais

usada pelas interlocutoras para se referir ao benefício do Programa Bolsa Família

é a categoria “ajuda”. Enquanto categoria ‘nativa’, a “ajuda” é dada pelo governo

aos mais pobres e isto é visto, pelas quebradeiras de coco, como uma responsa-

bilidade do Estado. utilizar a categoria “ajuda” para descrever um programa social

pode ser uma faca de dois gumes, afinal, muitos não considerariam, como papel

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do Estado, “ajudar” as pessoas, mas, oportunizar que tenham seus direitos garanti-

dos. Neste cenário mais amplo, o Bolsa Família enquanto “ajuda” seria visto como

meramente ‘assistencialista’, numa oposição clara em relação a o que poderia ser

considerada uma efetivação dos direitos.

Do ponto de vista de perceber a “ajuda” como uma categoria êmica, outros pes-

quisadores já apontavam que a perspectiva de separação entre ajuda e direito não

costuma encontrar muito reflexo na experiência de vida dos sujeitos (SARTI, 1996).

Analisando a fala de diferentes lideranças envolvidas no Programa Fome zero na

cidade de Porto Alegre, Ahlert (2008a, 2008b) destaca como a categoria “ajuda”

era utilizada pra descrever atividades que estavam ligadas à política institucional.

utilizar-se da categoria “ajuda”, portanto, não excluiria a possibilidade de ver esta

“ajuda” também enquanto uma efetivação de direitos.

Dentre as poucas críticas que as quebradeiras fazem ao Programa (que incluem a

demora entre o cadastro e o recebimento do benefício e a distância dos CRAS) o

fato de pessoas que “não precisarem” estarem recebendo aparece com freqüên-

cia. A solução para estas situações, tal como apontou Gorete, é a fiscalização, é

“procurar quem realmente necessita”:

Destas críticas cabe destacar alguns elementos. Em primeiro lugar, questionam o

poder público nos atos de fiscalização das famílias que recebem o Bolsa Família.

Elas não vêem, que os funcionários dos CRAS estejam fazendo as visitas domici-

liares. Elas notam uma relação entre este mau funcionamento e a lentidão nos ca-

dastros, dando a entender que não tem clareza de que existe um número limitado

de benefícios disponíveis ao município.

Em suas falas, as quebradeiras reconhecem que precisaram de uma orientação

inicial para ficar sabendo sobre o PBF. ocupando esta função de comunicar estas

informações, aparecem lideranças sociais, funcionários de outros programas como

o PETI, pessoas ligadas a candidatos políticos e funcionários do CRAS. Na mesma

medida que reconhecem como estas pessoas foram importantes para acessarem

o Programa, as quebradeiras percebem que existem outras pessoas que ainda não

conhecem o Bolsa Família.

Identificam que tem pessoas - e indicam os moradores da área rural, que tem maior

dificuldade em acessar estas informações – que são ainda mais pobres que elas e

que nem sequer ficam sabendo do Programa (uma espécie de mais vulnerável en-

tre os vulneráveis). Existem, portanto, diferentes tipos de ‘pessoas’ que podem ser

identificadas nas suas narrativas: aquelas pessoas que recebem e não precisam,

aquelas que precisariam muito, mas, não ficam sabendo como fazer o Bolsa Famí-

lia, tem outras pessoas que procuraram fazer o cadastro, mas, sem saber a exata

explicação, nunca conseguiram o benefício e tem outro grupo, que são mulheres

que não batalharam o bastante para conseguir:

o que é interessante ressaltar é que, se por um lado, se podia ouvir que “o Bolsa

Família todo mundo tem”, com maior conhecimento do universo de pesquisa é

possível dizer que existe toda uma categorização das pessoas. Esta categorização

as classifica de acordo com terem ou não o benefício e sobre as formas que se

utilizaram para acessá-lo. As quebradeiras que são beneficias mostram nas suas

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narrativas que elas não são como aquelas que não sabem, não são como as que

recebem e não merecem e também não são como aquelas que esperam sem bus-

car seus direitos. Pelo contrário, destacam um papel de agência, uma “luta” para a

conquista do mesmo.

Estas destacam a própria agência no processo de “conseguir” o benefício, ou seja,

fazer o cadastro e continuar se informando sobre ele para enfim, receber o dinhei-

ro. Mas, além disso, suas falas comportam ainda uma concepção de aprendizado

sobre o Programa Bolsa Família. Algumas quebradeiras disseram que tiveram algu-

mas dificuldades iniciais com o PBF, especialmente porque consideraram existir

uma demora entre o seu cadastramento e o recebimento. Às vezes, diante das

situações de bloqueio do benefício, elas procuram ajuda, mas, não encontram as

respostas que procuravam.

Em outros momentos, o caráter de aprendizado sobre o Programa aparece. Como

por exemplo, Dona Delfina disse que não sabia que precisava pesar a criança (ou

seja, que não sabia da existência da Condicionalidades na saúde), mas, que depois

que ficou sabendo, não deixou mais de cumprir com a mesma. Dona Socorro tam-

bém falou sobre a importância de fazer o recadastramento: “Porque sempre assim,

eles pedem pra gente atualizar os dados eu sempre vou, pra não ter nenhum pro-

blema de eu não receber depois” (SoCoRRo, entrevista, 26/07/2011).

o caráter de luta e esta característica de aprendizado ajudam a expandir (ou mes-

mo explodir) o conceito de “ajuda” tal como o senso comum e a mídia costumam

entendê-lo, ou seja, associado ao assistencialismo e, portanto, à passividade dos

pobres e ao pouco desejo de mudança da política pública ou social. Neste caso, a

“ajuda” existe, mas, de nada adiantaria se elas não “corressem atrás” e batalhas-

sem pelo seu cadastro. As quebradeiras criticam sim as mulheres que não fazem

o mesmo, mas, ao mesmo tempo, reconhecem que existem outras mulheres que

não tem o acesso às informações que elas possuem. Assim, a forma com que elas

se relacionam com o Programa – lutando para melhorar suas vidas – é a forma com

que elas também lidam com o seu cotidiano – buscando variadas iniciativas para

melhorar as condições de vida em suas casas.

Desta forma, na análise do encontro do Programa Bolsa Família com suas vidas, pu-

deram ser percebidas algumas recorrências. Para as quebradeiras de coco da cida-

de de Codó, o Programa Bolsa Família deve ser pensado na perspectiva das outras

relações políticas da cidade. Não porque as mulheres não o reconheçam como um

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Programa Federal, mas, porque com o atendimento sendo de responsabilidade do

município, é nele que elas “lutam” para conseguir seu cadastro e seu benefício.

No âmbito do município e pensando especialmente no âmbito da atividade da

quebra de coco, não existem canais institucionalizados de comunicação com

o Estado (com a prefeitura). o que as quebradeiras alcançam dos seus pedi-

dos para os políticos locais, são elementos baseados em trocas (votos) e em

promessas – e não em garantias com qualquer forma de estabilidade. o Bolsa

Família é entendido, ou valorizado, em contraposição a este cenário, porque

é reconhecido como um programa que tem constância (todo o mês o dinheiro

está lá, “sem susto”).

Elas questionam ainda outras leituras simplistas sobre o recebimento benefício

do Programa Bolsa Família. Questionam, em primeiro lugar, aquelas afirmações de

que dependem do Programa para viverem. Em diferentes falas deixaram mostrar

que antes do Programa “A gente passava, porque passava mesmo né[...].” (GENE-

RoSA, entrevista, 18/08/2011), ou seja, que antes do PBF elas buscavam outras

formas de prover o sustento de suas casas. Assim como continuam se dedicando a

diferentes atividades, incluindo a quebra do coco.

Assim, o que o benefício permitiu foi uma redução em sua jornada excessiva de

trabalho tendo mais tempo para se dedicaram a outras atividades rotineiras. Tam-

bém, como possibilidade de comprar material escolar, produtos de higiene e al-

gum “luxo” para os filhos. A constância do Programa as afastou do medo de ficar

sem nenhum recurso para comprar comida, por exemplo.

Importante constatar que estas conclusões estão todas condicionadas a leituras

de diferentes temporalidades. o impacto do benefício é pensando analisando

suas próprias trajetórias de vida, assim como os momentos anteriores ao recebi-

mento do benefício. Dentre os impactos ou as mudanças que o PBF traz, uma delas

é a possibilidade de mudar a rotina da quebra – quando se quebra coco em um dia

para ter dinheiro para comer no próximo. o benefício sendo em dinheiro, permi-

tem que elas lidem com as necessidades que surgem nos diferentes momentos do

mês, de acordo com a “precisão” mais imediata da família. A relação com tempo e o

trabalho é pensada de maneira diferenciada a partir do recebimento do benefício.

As quebradeiras de coco - nas formas com que acessam o Programa recebem o be-

nefício e o utilizam -, mostram a importância de um olhar cuidadoso para a relação

entre o Programa Social e o público-alvo deste Programa.

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SEGURANÇA ALIMENTAR E ACESSO AOS PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL e combate à Fome de comUnidades QUILOMBOLAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Fernanda Souza de Bairros1

Marilda Borges Neutzling1

1 PRoGRAMA DE PÓS-GRADuAção EM EPIDEMIoLoGIA – uNIvERSIDADE FEDERAL Do RIo GRANDE Do SuL

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203

intRodUção

As desigualdades e as iniquidades raciais têm sido evidenciadas por diversos es-

tudos e nos mais variados campos da vida social como educação, saúde e eco-

nomia (IPEA, 2008, PAIxão, 2011) As iniquidades raciais em saúde são expressas

pelos diferenciais nos riscos de viver, adoecer e de morrer, originados de condi-

ções heterogêneas de existência e de acesso a bens e serviços. As diferenças são

consideradas iníquas se ocorrem em função de escolhas limitadas, acesso restrito

a recursos (alimentação, moradia, serviços de saúde etc.) e exposição a fatores

prejudiciais, por conta de injustiças (SILvA 2002, LuCHESE 2003).

Conforme valente (2002), o direito à alimentação é um direito humano básico,

sem uma alimentação adequada, tanto do ponto de vista de quantidade como

de qualidade, não há o direito à vida e não há o direito à humanidade. As atuais

políticas e programas voltadas ao desenvolvimento social e combate a fome reco-

nhecem que em algumas populações a vulnerabilidade social é maior, e prioriza

em suas ações povos e comunidades tradicionais como indígenas, quilombolas,

comunidade de terreiro, ribeirinhos entre outras.

Comunidades quilombolas, sujeitos de pesquisa deste estudo, são grupos étnico-

-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, do-

tados de relações territoriais específicas e com ancestralidade negra relacionada

com a resistência à opressão histórica sofrida, conforme Decreto nº 4887 (BRASIL,

2003). um levantamento realizado pela Fundação Cultural Palmares do Ministé-

rio da Cultura, mapeou no Brasil 3.524 comunidades quilombolas e até início do

ano de 2012, 1820 comunidades haviam sido certificadas. Dentre as comunida-

des com certificação expedidas, 86 estão localizadas no estado do Rio Grande do

Sul, totalizando aproximadamente 3101 famílias (BRASILb,2012). Trata-se de um

contingente humano considerável para o qual não existem informações sistemati-

zadas sobre sua atual situação alimentar e nutricional.

Portanto, a identificação e o perfil quantitativo das famílias quilombolas benefi-

ciadas por programas de segurança alimentar e nutricional e expostas a maiores

riscos nutricionais (com insegurança alimentar), é elemento importante na formu-

lação, avaliação e monitoramento da Política Nacional de Segurança Alimentar

instituída no Decreto Nº 7272 (BRASILc, 2010). Apesar da carência de informações

específicas sobre a situação alimentar e nutricional de comunidades quilombolas,

estatísticas mostram que a população negra em geral encontra-se em maior vul-

nerabilidade social comparando-se com população branca. A Pesquisa Nacional

por Amostra de Domicílios 2004 (IBGE, 2006) que utilizou pela primeira vez a Es-

cala Brasileira de Insegurança Alimentar, revelou que 13.921 milhões de pessoas

passavam fome no Brasil e que a insegurança alimentar era visível e reforçava a

desigualdade econômica entre raças. No Brasil, 11,5% da população negra apre-

sentava situação de insegurança alimentar grave; entre os brancos o percentual

caia para 4,1%. Além disso, a população que vivia em domicílios com garantia

de acesso aos alimentos em termos qualitativos e quantitativos era 71,9% de

brancos e 47,7% de negros. As diferenças na proporção de insegurança alimentar

grave (os que realmente passavam fome) de acordo com a cor da pele se repro-

duziram em todos os estados brasileiros, sendo que a região sul foi uma das que

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apresentaram maior magnitude do problema. Em 2006, a Pesquisa Nacional de

Demografia e Saúde também revelou a cor da pele como um indicador importante

de insegurança alimentar. Na região sul observou-se uma prevalência duas vezes

superior de insegurança alimentar grave em domicílio onde residiam mulheres de

raça/cor negra, comparativamente àqueles onde as entrevistadas eram de raça/

cor brancas (BRASIL, 2008). Por último, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domi-

cílios 2009 apontou que a insegurança alimentar moderada e grave na população

brasileira em geral vêm diminuindo, porém a prevalência dessa insegurança na

população negra é quase três vezes (18,6%) maior do que aquela verificada entre

a população branca (7,7%) (IBGE, 2010).

Dessa forma, estudo sobre o acesso aos programas de desenvolvimento social e

combate à fome, e as prevalências de insegurança alimentar e nutricional das famí-

lias residentes em comunidades quilombolas no estado do Rio Grande do Sul jus-

tifica-se pela magnitude dos problemas decorrentes da insegurança alimentar, au-

sência de dados sobre comunidades quilombolas e pela possibilidade de fornecer

elementos importantes para a elaboração, avaliação e monitoramento de programas

e ações de desenvolvimento social e combate a fome ajustadas a realidade local.

Esta pesquisa tem como objetivo avaliar o acesso aos programas de desenvolvimento

social e combate à fome e a prevalência de insegurança alimentar e nutricional das

famílias residentes em comunidades quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul.

mÉtodo

Foi realizado um estudo transversal de base populacional, incluindo uma amostra

representativa de famílias quilombolas do estado do Rio Grande do Sul. A popula-

ção de estudo foi composta por famílias localizadas em 22 comunidades quilom-

bolas rurais e urbanas no estado (Quadro 1).

Quadro 1. Comunidades quilombolas sorteadas para amostra, Rio Grande do Sul, 2011.

Município Comunidade quilombola Nº de Famílias Amostra

1. Arroio do Tigre Sítio novo 28 19

2. Canoas Chácara das Rosas 32 21

3. Gravataí Manoel Barbosa 34 23

4. osório Morro alto 160 107

5. Porto Alegre Alpes 61 41

6. Porto Alegre Areal – Guaranha 78 52

7.Turuçu Mutuca 21 14

8. Taquara Paredão 54 36

9. viamão Cantão das Lombas 26 17

10. Cachoeira do Sul Cambará 46 31

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205

11. Canguçu Passo do Lourenço 44 29

12. Canguçu Favila 20 13

13. Canguçu Maçambique 42 28

14. Canguçu Estância da Figueira 10 7

15. Cristal Serrinha do Cristal 47 31

16. Formigueiro Passos do Brum 36 24

17. Jaguarão Madeira 19 13

18. Pelotas Algodão 70 47

19. São Lourenço do Sul vila do Torrão (Cantagalo) 23 15

20. São Lourenço do Sul Monjolo (Serrinha) 16 11

21. Pedras Altas várzea dos Baianos 27 18

22. Nova Palma Rincão do Santo Inácio 54 36

Total   948 634

A amostra foi estimada levando-se em consideração a prevalência de insegurança

alimentar moderada e grave na população negra do estado Rio Grande do Sul,

que segundo a PNAD 2009, foi de 9,5 %. Estabeleceu-se (no software epiInfo) um

erro aceitável de 3 pontos percentuais, efeito de delineamento de 1,5, nível de

confiança de 95% e poder estatístico de 80%, totalizando 576 famílias. Ao final

houve um acréscimo de 10% para perdas e recusas. Dessa forma a amostra calcu-

lada foi de 634 famílias. o processo de amostragem deu-se em duas etapas: para

seleção dos quilombos utilizou-se amostragem com probabilidade proporcional

ao tamanho. o número de famílias em cada quilombo do Rio Grande do Sul difere

entre 4 e 275, neste sentido atribui-se um peso (ou probabilidade) a cada qui-

lombo proporcional ao número de famílias. Assim, um quilombo com 100 famílias

teve 10 vezes mais chance de ser incluído do que um quilombo com 10 famílias.

o cálculo do número de famílias a serem entrevistadas em cada comunidade qui-

lombola também se deu através da amostragem com probabilidade proporcional

ao tamanho. Posteriormente de posse da lista de todas as famílias residentes em

cada comunidade realizava-se uma amostragem aleatória para seleção das famí-

lias a serem entrevistadas.

o levantamento de dados foi realizado entre os meses de maio e outubro de 2011

por meio de entrevistas domiciliares diretas com um membro responsável pela fa-

mília, utilizando-se questionários padronizados, pré-codificados e pré-testados. o

questionário, com 120 questões, abordava diversos aspectos: condições demográ-

ficas, socioeconômicas segundo critérios da Associação Brasileira de Empresas de

Pesquisa (ABEP) (2012), acesso ao Programa Bolsa Família, Programa de Aquisição

de Alimentos e Distribuição de Cestas a Grupos Específicos, Segurança Alimentar

e Nutricional, (Segall-Corrêa e cols, 2003) entre outros. As condições de segurança

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alimentar (SA) e os diferentes graus de insegurança alimentar foram classificados

segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) (Segall-Corrêa e cols,

2003), validada para a realidade brasileira e aplicada da PNAD 2009. Coletou-

-se ainda, medidas de peso, altura e circunferência da cintura nos respondentes

do estudo. o estado nutricional dos responsáveis pelos domicílios foi avaliado

através do cálculo de índice de massa corporal, respeitando as diferenças de clas-

sificação por faixa etária preconizados pela oMS (WHo, 1995): Adultos (IMC <

18,5 baixo peso, entre 18,5 e 24,99 eutrofia, de 25 a 29,99 sobrepeso e >= a 30

obesidade) e idosos ( IMC < 22,0 baixo peso, entre 22,0 e 27,0 eutrofia e > 27,00

sobrepeso). Quanto a circunferência da cintura a oMS (WHo, 2000), define como

risco aumentado para doenças cardiovasculares medida da cintura >= 94 cm para

homens e >= 80cm para mulheres. A circunferência da cintura permite identificar a

localização da gordura corporal, já que excesso de adiposidade abdominal em in-

divíduos adultos tem relação direta com o risco de morbimortalidade por doenças

cardiovasculares. os questionários, depois de revisados, codificados e revisados

novamente, foram digitados no programa EpiData versão 3.1. Todas as análises

estatísticas foram realizadas no software SPSS versão 18.0.

Antes de sua execução o projeto foi submetido ao Comitê de ética em Pesquisa

da universidade Federal do Rio Grande do Sul, e aprovado através do protocolo

20041. os trabalhos iniciaram-se após apresentação e anuência da pesquisa por

lideranças de cada comunidade quilombola.

ResUltado

Foram entrevistadas 588 famílias, a taxa de perdas e recusas foi de aproximada-

mente 7%, não excedendo o valor estipulado aceitável (10%). A maioria dos en-

trevistados era do sexo feminino (65,1%), estado civil casada ou em união estável

(57,8%) e da raça/cor negra (89,2%). o desemprego foi relatado por 13,7% dos

participantes.

A Tabela 1 mostra que o excesso de peso (sobrepeso + obesidade) esteve presente

em aproximadamente 60% dos entrevistados. Mais da metade (55,4%) dos res-

pondentes tinham adiposidade abdominal e um conseqüente risco elevado para

doenças cardiovasculares

Tabela 1 – Características demográficas, socioeconômicas e nutricionais dos responsáveis pelos domicílios situados em comunidades quilombolas, Rio Grande do Sul, 2011

variável N %

Sexo

Masculino 205 34,9

Feminino 383 65,1

Idade

18 – 39 anos 248 42,2

40 – 59 anos 221 37,6

> = 60 anos 119 20,2

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207

Estado civil

Casados ou com união estável 339 57,8

viúvos 62 29,0

Separados/ divorciados 23 3,9

Solteiros 62 10,6

Cor da pele

Preta 283 65,1

Parda 142 24,1

Branca 56 9,5

outra (amarela e indígena) 7 1,2

Trabalhando

Trabalhando 289 49,4

Desempregado 80 13,7

Aposentado/pensionista 96 16,4

Dona de casa 120 20,5

Índice de massa corporal

Baixo peso 27 4,9

Eutrófico 198 36,2

Sobrepeso 191 34,9

obesidade 131 23,9

Excesso de adiposidade abdominal*

Sim 302 55,4

Não 243 44,6

* Número máximo de valores ignorados = 43 (Excesso de adiposidade abdominal)

Em relação às variáveis socioeconômicas, a maioria das famílias encontravam-se

na classe econômica C (48,2%), e um percentual considerável nas classes D e E

(47,7%). Do total, 27,9% das famílias quilombolas foram classificadas na cate-

goria de segurança alimentar, predominando, assim, a condição de insegurança

alimentar (72,1%), com percentuais de 24,5% e 14,2% para as formas moderada

e grave respectivamente (Tabela2).

Tabela 2 – Características socioeconômicas e de segurança alimentar das famílias residentes em comunidades quilombolas, Rio Grande do Sul, 2011

variável N %

Classe socioeconômica

A 0 0

B 24 4,1

C 283 48,2

D 209 35,6

E 71 12,1

Nível de (in) segurança alimentar *

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Segurança alimentar 154 27,9

Insegurança alimentar leve 184 33,4

Insegurança alimentar moderada 135 24,5

Insegurança alimentar grave 78 14,2 * Número máximo de ignorados = 37 (Nível de (in)segurança alimentar)

No que se refere às condições de moradia, verifica-se que a maioria dos entrevis-

tados morava em casas de tijolos (61,6%), possuíam energia elétrica (96,9%) e

utilizavam o poço ou nascente como abastecimento de água (44,8%). o lixo era

queimado ou enterrado em 42,7% dos domicílios, e a fossa era utilizada para o

destino das fezes em 70,2% das residências (Tabela3). Salienta-se que não se

levou em consideração a regularidade/irregularidade da energia elétrica.

Tabela 3 – Condições de moradia das famílias residentes em comunidades quilombolas. Rio Grande do Sul, 2011

variável N %

Tipo de casa

Tijolo 362 61,6

Madeira 149 25,3

Mista 63 10,7

outros (barro, taipa, material reaproveitado) 14 2,4

Energia Elétrica

Sim 570 96,9

Não 18 3,1

Abastecimento de água

Rede pública 181 30,9

Poço ou nascente 245 41,8

Cacimba 132 22,5

outros 28 4,8

Tratamento de água

Sem filtração 521 88,8

Filtração 11 1,9

Fervura 46 7,8

Cloração 09 1,5

Lixo

Coletado 318 54,4

Queimado/enterrado 250 42,7

Céu aberto 03 0,5

Coletado e enterrado 14 2,4

Destino das fezes*

Sistema de esgoto 117 20,0

Fossa 410 70,2

Céu aberto 57 9,8

* Número máximo de ignorados = 04 (Destino das fezes)

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209

A Tabela 4 apresenta o acesso das famílias quilombolas aos programas de com-

bate à fome. A maioria dos entrevistados já ouviram falar no Programa Bolsa Fa-

mília (98%), porém apenas 57% conheciam as condicionalidades do programa. o

percentual de famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família e distribuição de

cestas era de aproximadamente 59% e 62% respectivamente. A inclusão no pro-

grama de aquisição de alimentos foi referida por apenas 1,7% das famílias, sendo

que a maioria (63,8%) desconhecia do totalmente o programa.

Tabela 4 – Acesso das famílias residentes em comunidades quilombolas aos programas de segurança alimentar e combate à fome. Rio Grande do Sul, 2011

variável N %

Já ouviu falar em PBF*

Sim 576 98,0

Não 12 2,0

Conhecia as condicionalidades do PBF

Sim 329 57,0

Não 248 43,0

Recebe PBF

Sim 227 58,6

Não 336 41,6

Já recebeu cesta de alimentos

Sim 363 61,9

Não 223 38,1

Recebeu cesta de alimentos nos últimos 30 dias***

Sim 88 21,6

Não 319 78,4

Participa do PAA

Nem sabe o que é 368 63,8

Não 199 34,5

Sim 10 1,7

* PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

** PRoGRAMA DE AQuISIção DE ALIMENToS

*** NúMERo MÁxIMo DE vALoRES IGNoRADoS = 181 (RECEBEu CESTA DE ALIMENToS NoS úLTIMoS 30 DIAS)

A associação de (In)Segurança Alimentar com os indicadores sócio-demográficos

são descritas na Tabela 5. A classe econômica foi a única variável que apresentou

associação estatisticamente significativa (p-valor <0,05) com o desfecho, 63% das

pessoas com insegurança alimentar grave e moderada estão nas classes econômi-

cas de menor poder aquisitivo (D +E), assim como a maioria dos indivíduos com

segurança alimentar e insegurança alimentar leve pertencem as classes econô-

micas B e C. Apesar da variável sexo não ter apresentado diferença significativa

na análise bivariada, foi possível perceber uma tendência de maior insegurança

alimentar nos domicílios chefiados por mulheres.

o estado nutricional dos responsáveis pelas famílias não apresentou associação

significativa com a condição de segurança/insegurança alimentar dos domicílios

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quilombolas. o excesso de peso (sobrepeso e obesidade) e adiposidade abdomi-

nal são verificados em mais da metade dos entrevistados, independente da sua

condição de segurança/insegurança alimentar.

Tabela 5 – Prevalência de (In) Segurança Alimentar segundo características demográficas, socioeconômicas e nutricionais de famílias quilombolas, Rio Grande do Sul, 2011

variável Total

Segurança Alimentar e Insegurança Alimentar leve

N (%)

Insegurança Alimentar moderada e grave

N (%)

p-valor

Sexo 0,061

Masculino 192 128 (37,9) 64 (30,0)

Feminino 259 210 (62,1) 149 (70,0)

Idade 0,376

18 – 39 anos 238 148 (43,8) 90 (42,3)

40 – 59 anos 210 122 (36,1) 88 (41,3)

> = 60 anos 103 68 (20,1) 35 (16,4)

Estado Civil 0,840

Casados ou com união estável 323 195 (57,7) 128 (60,1)

viúvos 54 33 (9,8) 21 (9,9)

Separados/ divorciados 23 16 (4,7) 07 (3,3)

Solteiros 151 94 (27,8) 57 (26,8)

Trabalhando 0,116

Trabalhando 273 176 (54,2) 97 (45,8)

Desempregado 78 39 (11,6) 39 (18,4)

Aposentado/pensionista 79 51 (15,2) 28 (13,2)

Dona de casa 118 70 (20,8) 48 (22,6)

Classe Econômica 0,000

Classes B e C 283 204 (60,5) 79 (37,1)

Classes D e E 342 133 (39,5) 134 (62,9)

Índice de Massa Corporal 0,584

Baixo Peso 25 17 (5,4) 08 (4,0)

Eutrófico 182 111 (35,1) 71 (35,3)

Sobrepeso 183 116 (36,7) 67 (33,3)

obesidade 127 72 (22,8) 55 (27,4)

Excesso de adiposidade abdominal 0,343

Sim 289 171 (54,5) 118 (58,7)

Não 226 143 (45,5) 83 (41,3)

A tabela 6 mostra que as prevalências de insegurança alimentar eram maiores

(56%) naquelas famílias que recebiam os Programas Bolsa Família e Cestas de

alimentos (p<0,05). Devido o baixo percentual (1,7%) de famílias que participa-

ram do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), não se analisou por nível de

insegurança alimentar.

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211

Tabela 6 – Prevalência de (In) Segurança Alimentar segundo estado nutricional e acesso de famílias quilombolas aos programas de desenvolvimento social e combate a fome, Rio Grande do Sul, 2011

variável Total

Segurança Alimentar e Insegurança Alimentar leve

N (%)

Insegurança Alimentar moderada e grave

N (%)

p-valor

Recebe PBF 0,000

Sim 226 109 (33,0) 117 (56,0)

Não 313 221 (67,0) 92 (44,0)

Já recebeu cesta de alimentos 0,036

Sim 339 220 (65,1) 119 (56,1)

Não 211 118 (34,9) 93 (43,9)

Recebeu cesta de alimentos nos últimos 30 dias 0,378

Sim 81 49 (20,0) 32 (23,9)

Não 298 196 (80,0) 102 (76,1)

discUssão

um aspecto a ser destacado nesse estudo é que a amostra pode ser considerada

representativa das comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul,

tendo em vista o cuidado metodológico na seleção da amostra, o alto percentual

de indivíduos entrevistados e o baixo índice de perdas e recusas. outro aspecto

positivo foi à padronização dos métodos de coleta de dados, incluindo o rigoroso

treinamento dos entrevistadores e o controle de qualidade durante todo o perí-

odo do trabalho de campo. Ressalta-se que esta investigação é inédita no estado

do Rio Grande do Sul, uma vez que ainda não havia sido realizada nenhuma pes-

quisa de base populacional que contemplasse a caracterização sócio-demográfica,

segurança alimentar, acesso a programas de combate a fome e estado nutricional

dos responsáveis pelos domicílios de famílias pertencentes a comunidades rema-

nescentes de quilombos.

Algumas limitações também precisam ser consideradas. As diferenças entre os

métodos para avaliar segurança/insegurança alimentar podem ter prejudicado a

comparação com outros estudos sobre o assunto. Estudos internacionais (Ramsey,

2011; Willows, 2011), não utilizaram a EBIA para avaliar segurança alimentar e

sim outros instrumentos desenvolvidos especificamente para seus países. Existe

também a possibilidade do viés de causalidade reversa: por se tratar de um estu-

do transversal não é possível estabelecer relações de causalidade entre acesso a

programas de combate a fome, segurança alimentar e avaliação nutricional. En-

tretanto este tipo de estudo é possível para verificar associação entre as variáveis

independentes e desfecho.

Nosso estudo mostrou que cerca de metade (47,7%) dos entrevistados residen-

tes em comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul pertencia a

classes sociais de menores níveis socioeconômicos (classes D+E), eram do sexo

feminino (65,1%) e de cor de pele preta e parda (89,2%). Resultados similares

foram verificados no inquérito denominado “Chamada Nutricional Quilombola”

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(BRASIL, 2007), que entrevistou famílias de 2941 crianças quilombolas menores

de cinco anos de idade em 22 unidades da federação. Apesar das condições de

vida precárias das famílias quilombolas avaliadas neste estudo, observa-se que as

condições de moradia são superiores as encontradas no estudo Chamada Nutri-

cional Quilombola em 2006, onde a cobertura de luz elétrica era de 79,73% e o

esgotamento sanitário de vala ou a céu aberto era de (45,9%). o abastecimento

de água em poço ou nascente foi semelhante nos dois estudos (BRASIL, 2007).

observou-se nas comunidades quilombolas do RS uma prevalência de baixo peso de

4,9% e 58,8% de so brepeso/obesidade, o que evidencia o processo de transição nu-

tricional vivenciado no país, independente do nível socioeconômico, como observado

por Monteiro et al. (2004). Drenowsky (2009) enfatiza que a pobreza e a obesidade es-

tão intimamente ligadas. os resultados encontrados em nosso estudo mostram maior

prevalência de excesso de peso entre adultos quilombolas do que aquelas encontra-

das pela PoF 2008-2009, tanto para homens quanto para mulheres.

verificou-se que grande parte (70%) dos domicílios de comunidades quilombolas

do estado do Rio Grande do Sul apresenta algum grau de insegurança alimentar.

Essa prevalência é bem superior àquelas relatadas em trabalhos internacionais

acerca de povos e comunidades tradicionais. Estudo de Ramsey (2012) e cola-

boradores com adultos australianos residentes em zonas urbanas desfavoreci-

das, constatou que aproximadamente um quarto (25%) das famílias apresentava

algum grau de insegurança alimentar. No Canadá estatísticas nacionais (Willson,

2011) mostraram que cerca de 30% da população aborígene (grupos economi-

camente marginalizados) experimentou algum grau de insegurança alimentar. Por

outro lado, estudos brasileiros (vianna, 2008; Favaro, 2007), utilizando a EBIA tem

verificado prevalências semelhantes. Em 2008, vianna, estudando 14 municípios

do estado da Paraíba constatou 52,5% de prevalência de insegurança alimentar

e Favaro (2007) avaliando comunidades indígenas de Teréna-MT verificou que

75,5% das famílias apresentavam algum grau de insegurança alimentar.

Chama atenção a prevalência de insegurança alimentar grave encontrada em nos-

so estudo: 14,2%. Gubert e colaboradores (2010) analisando dados da PNAD

(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2004 observaram que a região com

a maior ocorrência de insegurança alimentar grave foi a Região Nordeste, onde

a prevalência média foi de 14,5%, contra 3,6% na Região Sul, a de menor pre-

valência. Comparando esses resultados com os encontrados na PNAD 2009 para

população negra do Rio Grande do Sul (9,5%), observa-se que as comunidades

quilombolas apresentam maior vulnerabilidade em relação a população negra em

geral, que já se encontra em desvantagem comparando com a população branca.

Esse achado provavelmente se justifica não só pela pobreza das comunidades qui-

lombolas, onde cerca de metade das famílias encontram-se nas classes sociais de

menor poder aquisitivo (D+E), mas também pela exposição ao racismo. Diversos

autores apontam que o racismo tem consequências nocivas na vida da população

e que a variável raça/cor em estudos é uma categoria importante para definir as

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populações, pois as diferenças fenotípicas que de fato existem entre elas, podem

acarretar uma distribuição diferencial dos direitos. Além disso, indicadores do

acesso da população a bens e serviços essenciais, como moradia, saneamento e

educação também estão intimamente ligados à pobreza, a fome e a desigualdade

social. (Monteiro, 1995.)

No presente estudo observou-se que a única variável socioeconômica e demo-

gráfica significativamente associada com insegurança alimentar foi a classe social

(medida pela posse de determinados bens). Nas classes D e E (mais pobres) a pre-

valência de insegurança alimentar foi de 62,9%, quase o dobro daquela verificada

nas classes B e C (37,1%) . Essa grande diferença observada nas prevalências de

insegurança alimentar segundo nível socioeconômico sugere diferentes contex-

tos de estratégias de sobrevivência no próprio grupo que poderiam ser melhor

exploradas. Analisando resultados da PNAD 2004, Marin-Leon e colaboradores

(2009) chegam a conclusões semelhantes: condições socioeconômicas mais pre-

cárias estão associadas à insegurança alimentar nos domicílios, sendo essa situa-

ção agravada naqueles chefiados por mulheres e onde residem pessoas de raça/

cor auto-referida como negra. A ausência de bens identifica, entre os pobres, a

população mais vulnerável à insegurança alimentar e pode se constituir em indi-

cador complementar, sobretudo em estudos locais, onde há escassez de recur sos

técnicos para coleta de dados e análises mais sofisticadas.

Quanto a participação em programas de combate à fome constata-se que a inse-

gurança alimentar foi maior naquelas famílias pertencentes aos programas Bolsa

Família e Cesta de Alimentos. Corroborando a hipótese de que esses programas

estão realmente direcionados às famílias mais necessitadas. Da mesma forma, em

2010, Lignani e colaboradores, estudando uma amostra de 5000 domicílios com

representatividade nacional constataram que famílias classificadas como tendo

segurança alimentar foram menos dependentes dos benefícios do Programa Bolsa

Família. Ao contrário do encontrado neste estudo, o estudo de Segall-Corrêa e cols.

(2008) analisando dados de 112.716 domicílios brasileiros (PNAD 2004), conclui

que os resultados obtidos em seu estudo indicavam associação positiva da trans-

ferência de renda, com a segurança alimentar, independentemente do efeito de

outras condições.

Com base nos resultados obtidos é possível verificar que 2/3 das famílias perten-

centes a comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul tem acesso

aos programas de Combate à Fome “Bolsa Família” e “Distribuição de Cestas de

Alimentos” e que o PAA é quase inexistente ou desconhecido pela ampla maioria

das famílias. observou-se que apenas metade (56%) das famílias com inseguran-

ça alimentar moderada ou grave já tinha recebido os programas Bolsa família ou

Cesta de Alimentos e que daqueles que recebiam a grande maioria (70%) tinha in-

segurança alimentar. ou seja, embora ainda pouco abrangente o maior acesso aos

programas de combate à fome nas comunidades quilombolas estão direcionados

ás populações mais vulneráveis.

SEGuRANçA ALIMENTAR E ACESSo AoS PRoGRAMAS DE DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME DE CoMuNIDADES QuILoMBoLAS Do ESTADo Do RIo GRANDE Do SuL.

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conclUsão

Este estudo identificou uma elevada prevalência de insegurança alimentar entre

as comunidades quilombolas do RS, o que chama por ação imediata, aumentando,

por exemplo, o acesso e divulgação dos programas de combate à fome nessas po-

pulações. Além disso seria importante a implementação de políticas sociais e de

saúde que visam a promoção da igualdade racial, garantindo a melhoria no acesso

aos bens, serviços e programas para todos os segmentos população. Importante

reforçar que o racismo constitui uma carga adicional para os grupos não dominan-

tes, e a discriminação individual e institucional causa não só impactos negativos

na vida e saúde deste segmento populacional, como também violação dos direitos

humanos básicos. As desigualdades raciais no Brasil configuram-se como um fe-

nômeno complexo, constituindo-se em um enorme desafio para governos e para

a sociedade em geral.

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do ponto de vista das cRianças:UMA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA Família1

Flávia F. Pires (universidade Federal da Paraíba/university of Sheffield)

1 AGRADECIMENToS DEvEM SER PRESTADoS AoS CATINGuEIRENSES, CRIANçAS E ADuLToS, QuE

GENERoSAMENTE PARTICIPARAM DA PESQuISA; À EQuIPE QuE ENFRENTou oS DESAFIoS Do CAMPo CoM vALENTIA E, Ao

CNPQ/MDS, PoR ToRNAR PoSSÍvEL ESSE REvIGoRANTE ExERCÍCIo DE PESQuISA CoLETIvA.

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219

intRodUção

Se a antropologia pauta-se desde Malinowski em captar o ponto de vista nativo2,

a ideia aqui é entender o Programa Bolsa Família (PBF), seus efeitos na vida dos

cidadãos, a partir do ponto de vista das crianças, esses sujeitos que constante-

mente são silenciados nas pesquisas, a despeito da sua crescente importância na

vida social das famílias na contemporaneidade, como salienta Manuel Sarmento

(2008). Fazemos com as crianças o que Suarez et al (2006) e Rego (2008) fazem

com as mulheres: “a partir de[las]” - para usar uma expressão do professor otávio

velho (NoGuEIRA & PIRES 2010, PIRES & NoGuEIRA 2011)-, tentamos compre-

ender o funcionamento e os efeitos do PBF3. Isso quer dizer que the voices of

children should not be confined to childish concerns, como afirma Allison James

(2007:267), mas também que as crianças não são apenas um meio pelo qual aces-

samos uma realidade mais abrangente. Nesse sentido, situamo-nos entre os estu-

dos que recentemente no Brasil vem tomando as crianças como sujeitos e interlo-

cutores da pesquisa sem, no entanto, excluir os adultos, a partir de uma inspiração

nos trabalhos de Christina Toren (1999).

o PBF é um programa de transferência mensal de renda condicionada que surgiu

em 2003 e foi sancionado em 2004, a partir da unificação de uma série de progra-

mas sociais. Quando da pesquisa, o direito ao benefício, que varia entre R$ 32 a R$

306, era das famílias com renda per capita de, no máximo, R$140,00. Com menos

de uma década de implantação, o PBF é responsável, junto com outros programas

de transferência de renda, por 21% na queda na desigualdade no Brasil (1995-

2004). Junto com o Benefício de Prestação Continuada foi responsável por 28%

da redução do índice Gini no mesmo período. o PBF também contribuiu para a

entrada massiva das classes D e E no mercado consumidor e a queda da pobreza

extrema de 12% em 2003 para 4,8% em 2008 (IPEA, 2010). o custo do programa

é de cerca de 0,4% do PIB nacional (R$1,4 bilhão em março 2011), ou seja, consi-

derado baixo, tendo em vista seus impactos macroeconômicos e sociais (SoARES

et al, 2006). Como afirmam Medeiros et al (2007, p. 21): “o lado positivo dos pro-

gramas analisados é indiscutível. Seus impactos sobre pobreza e desigualdade são

visíveis”. (PIRES 2009; MEDEIRoS et al 2007; LAvINAS e BARBoSA 2000).

Embora houvesse por parte da academia, no início de sua implantação, uma rea-

ção à exigência de condicionalidades que parecem ferir os direitos humanos (zIM-

MERMAM 2006; SILvA 2007; DINIz 2007); frente aos resultados positivos parece-

-nos que hoje o debate em torno do PBF volta-se para o seu aperfeiçoamento e as

estratégias para lidar com o objetivo último do programa: a quebra do círculo in-

tergeracional da pobreza e criação de uma cultura cidadã, que parecem ainda estar

2 EMBoRA A IDEIA DE CAPTAR o PoNTo DE vISTA NATIvo SEJA CoNTRovERSA PARA FAvRET-SAADA (2005),

GEERTz (2002) AFIRMA SuA vALIDADE.

3 IDEIA PARECIDA Ao “A PARTIR DE” DE oTÁvIo vELHo PoDE SER ENCoNTRADA EM FEIToSA (2010), QuANDo

LANçA Mão Do PENSAMENTo DE GREGoRy BATESoN: “ou AINDA, No DIzER DE GREGoRy BATESoN (APuD STAR; RuHLEDER,

1995, P.4), “o QuE PoDE SER ESTuDADo é SEMPRE A RELAção DE uM INFINITo REGRESSo DE RELACIoNAMENToS, NuNCA

uMA ‘CoISA’”. EM ouTRAS PALAvRAS, o QuE SE DEvE ESTuDAR Não São AS CoISAS “EM SI”, MAS AS CoISAS “ENTRE SI”.

MAIS IMPoRTANTE QuE AS CoISAS “NELAS MESMAS”, São SuAS RELAçÕES, SuAS ASSoCIAçÕES.” (FEIToSA, 2010, P.13).

Do PoNTo DE vISTA DAS CRIANçAS:uMA AvALIAção Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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distantes de serem alcançadas. Por isso, vemos crescer os estudos sobre: avaliação4;

o empoderamento feminino e a conseqüente reestruturação do poder e status dos

membros familiares (REGo 2008, SuÁREz et AL 2006; PIRES 2009); a escola e os

entraves para uma escolarização de qualidade (MoNNERAT et AL 2007); a precária

rede de assistência à saúde (SILvA 2007); o trabalho infantil, dentre outros.

Este artigo tem como objetivo apresentar alguns dos resultados do projeto de

pesquisa “Do Ponto De vista Das Crianças: o acesso, a implementação e os efeitos

do Programa Bolsa Família no semiárido nordestino” desenvolvido em breves seis

meses durante o ano de 2011 na universidade Federal da Paraíba (uFPB), sob

coordenação da professora Flávia Ferreira Pires, com a equipe de pesquisadores

composta por Patrícia oliveira Santana dos Santos, Fernando Antonio Dornelas

Belmont Neri, Edilma Nascimento Sousa, Christina Glayds Nogueira Mingarelli, Da-

niela oliveira Silveira, Christiane Rocha Falcão. Aqui nos deteremos a realizar uma

avaliação do PBF, levando em conta a opinião e a voz das crianças catingueirenses.

No entanto, a pesquisa sobre os efeitos no PBF na região do semiárido está sen-

do realizada desde o ano de 2009 e, por isso, esse artigo beneficia-se de dados

produzidos em outros momentos através de outros recortes de pesquisa que, por

exemplo, privilegiaram a voz das mulheres, normalmente mães, através do uso de

entrevistas como técnica de pesquisa (PIRES, 2009). Embora, para esse artigo res-

tringiremos o foco para alguns efeitos não esperados do PBF observados durante

a pesquisa de campo.

Embora breve, a pesquisa propiciou um sem número de importantes debates,

que pela profundidade ainda não puderam ser totalmente analisados. o aprofun-

damento de algumas das questões que serão aqui levantadas faz-se essencial e

está sendo elaborado a medida em que os pesquisadores concluem seus estudos.

Patrícia oliveira está dando prosseguimento à pesquisa no Programa de Pós-Gra-

duação em Antropologia (uFPB), no curso do mestrado, dedicando-se a compreen-

der as consequências das condicionalidades, cuja punição apenas incide sobre as

famílias com crianças em idade escolar, tema o qual também foi debatido na sua

monografia de fim de curso (Santos, 2011). Jéssica Silva (2011) dedicou sua mono-

grafia de fim de curso a entender a profundidade das mudanças sociais como re-

sultado da expansão do consumo, principalmente infantil, propiciado pelo bene-

fício. Edilma do Nascimento Souza (2011) e George Ardilles Silva Jardim (2010a)

nas suas monografias de fim de curso dedicaram-se à dinâmica familiar geracional

no que diz respeito a escolarização das crianças mais jovens, em detrimento das

gerações anteriores. Além desses, Antonio Silva (2011), Silva e Pires (2011), Ben-

jamin 2010, Pires et al (2011), Fernando Neri (2011), Silva Jardim (2010b) são

apenas alguns estudos realizados pelo nosso grupo de pesquisa CRIAS (Criança:

Sociedade e Cultura) e dialogam intensamente com a pesquisa aqui apresentada.

Nesse sentido, o texto aqui apresentado tem como objetivo cental realizar uma

avaliação do PBF na cidade de Catingueira, Paraíba, a partir das crianças. Para

isso, lançaremos mão de alguns dados empíricos considerados relevantes pelos

4 EM 2009, o CNPQ JuNTo CoM o MINISTéRIo Do DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME/MDS,

LANçou EDITAL ESPECÍFICo PARA PESQuISAS DE AvALIAção DE PoLÍTICAS PúBLICAS No vALoR ToTAL DE R$ 1,5 MILHão,

PELo QuAL ESSA PESQuISA FoI BENEFICIADA.

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próprios nativos quando o assunto é o programa. Em primeiro lugar, dedicaremos

atenção à expansão do consumo como efeito do programa; em segundo lugar, ana-

lisaremos o papel da condicionalidade escolar na manutenção do benefício. Para

concluir, discutiremos as consequências do aumento do consumo e da imposição

da frequência escolar para a população estudada.

mÉtodo

usamos como técnica de pesquisa a observação participante, na medida em que

cada pesquisador ficou “hospedado” na casa de uma família beneficiada, ali re-

alizando suas refeições, as pernoites e, mesmo com as limitações impostas pelo

tempo rápido da pesquisa (5 dias), vivenciando o cotidiano familiar. Além disso,

a equipe realizou “oficinas de Pesquisa” que funcionaram por dois dias, em dois

turnos e aconteceram em uma das escolas da cidade, em duas salas de aula ade-

quadamente preparadas, durante as férias escolares. As oficinas de Pesquisa con-

sistiram em 6 grupos focais de aproximadamente 1 hora e 30 minutos, com crian-

ças de 06 a 08 anos (2 grupos), 09 a 10 anos (2 grupos), e 11 a 12 anos (2 grupos),

e desenhos e redações temáticas. Foi solicitado às crianças que desenhassem ou

escrevessem sobre o Programa Bolsa Família e uma vez terminada a atividade, as

crianças apresentaram suas obras para os colegas e os pesquisadores5. As ativida-

des nas “oficinas de Pesquisa” eram estruturadas da seguinte forma: boas vindas;

solicitação do consentimento das crianças em participar da pesquisa, pedido de

autorização para uso dos desenhos, redações e depoimentos; apresentação de

cada participante através de uma brincadeira; rodada de perguntas (grupo focal

propriamente dito); pausa para lanche; produção de desenhos e redações; socia-

lização dos desenhos e redações; e finalmente a despedida com uma brincadeira.

As perguntas versavam sobre o entendimento e avaliação do PBF, acesso ou não

a bens de consumo e serviços infantis e familiares, empoderamento feminino e

infantil, percepções de classe social, trabalho e escola.

vários acontecimentos sensibilizariam a equipe, como quando Júlio César, de 07

anos de idade, que ao invés de devorar o seu sanduíche, como as outras crianças

faziam, preferiu guardá-lo para levar para sua avó. As precárias condições de vida

das famílias “hospedeiras”, que em alguns casos não dispunham de água enca-

nada e saneamento básico, levando a pesquisadora a apreciar a água que sai da

torneira na pia da sua cozinha não mais como regra, mas como uma excepcionali-

dade. o envolvimento afetivo criado entre pesquisadores e as crianças das casas

onde moraram, especialmente em uma casa chefiada pelo pai, cuja mãe estava

5 RECoRRA A PIRES (20011A: 31-62) PARA uMA DISCuSSão SoBRE o uSo DA TéCNICA Do DESENHo E DA

REDAção, SEMPRE ALIADo A uMA CoNvERSAção SoBRE oS MESMoS CoM SEuS AuToRES, DE FoRMA QuE o DESENHo

SIRvA CoMo MoTE PARA o DIÁLoGo ENTRE o PESQuISADoR E AS CRIANçAS E AS CRIANçAS ENTRE SI. é PRECISo ESCLARECER

QuE AS REDAçÕES DAS CRIANçAS FoRAM EDITADAS E CoRRIGIDAS A FIM DE FACILITAR A CoMPREENSão Do LEIToR.

Do PoNTo DE vISTA DAS CRIANçAS:uMA AvALIAção Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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ausente. As negociações entre pesquisadores e nativos foram constantes e objeto

de intensas discussões no grupo de pesquisa; e poderiam ser objeto de um artigo,

tamanha a fecundidade desses debates, no entanto, apresento apenas dois rá-

pidos episódios. Alguns catingueirenses ficaram receosos com a nossa presença,

associando-nos aos “fiscais de governo” que vinham destituí-los de seu direito ao

benefício. Esse medo nos fala da precariedade histórica da garantia dos direitos

sociais, que são entendidos como se pudessem, ao sabor de qualquer evento, se-

rem revogados. outro evento diz respeito a ajuda de custo que os pesquisadores

deram às famílias, como forma de recompensá-los pela gentileza em nos receber.

No entanto, o dinheiro foi rapidamente isento de seu teor mercantilista na medi-

da em que foi usado para comprar “gentilezas” para o próprio pesquisador, como

bolo, refrigerante, presentes, etc., num estonteamente exemplo do segundo movi-

mento exigido pela dádiva, segundo Marcel Mauss (1974) .

Catingueira, o município escolhido para a realização da pesquisa, é uma cidade

pequena, com 4.812 habitantes segundo o CENSo 2010, IDHM de 0,56 segundo

PNuD 2000, localizada no semiárido do estado da Paraíba, no Alto-Sertão; cuja

população, com raízes camponesas, divide-se entre a zona urbana e a zona rural,

chamada de “sítios”. um contingente populacional estimado de 2.992 pessoas,

ou seja, 62% da população6 é beneficiário do Programa (foram beneficiadas 813

famílias no mês de setembro de 2011), junte-se a isso a baixa monetização da

região, e temos a constatação de que os efeitos do PBF podem ser ali mais facil-

mente observados, em comparação às cidades de médio e grande porte, aspecto

também ressaltado pelo Sumário Executivo da Avaliação de Impacto do PBF (CE-

DEPLAR/uFMG e SAGI/MDS, 2007). Do total de 1.190 famílias cadastradas, 1.151

contam com renda per capita mensal de até 1/2 salário mínimo, o que as caracte-

riza como extremamente pobres. Do ponto de vista da economia local, as famílias

sobrevivem através da agricultura de subsistência, pequenos comércios, empre-

gos na prefeitura e benefícios, como o PBF e as aposentadorias.

Imagem 1: Mapa de Catingueira.

6 CALCuLADo A PARTIR DA MéDIA DE PESSoAS PoR DoMICÍLIo (CENSo IBGE 2010) (3,68), Do NúMERo DE

HABITANTES E DE FAMÍLIAS BENEFICIADAS.

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ResUltados e discUssão

Concentramos nosso foco na questão do consumo e da escola, na medida em que

são temas relevantes do ponto de vista das crianças quando o assunto em pauta

é o PBF. Se de um lado é o Programa que garante o acesso a bens de consumo, de

outro, é a escola que garante a sua continuidade.

o acesso ao dinheiro, representando pelo cartão do benefício, a ida ao banco ou a

casa lotérica e o próprio dinheiro (moedas e notas) são constantes dos desenhos

das crianças, a exemplo de:

Imagem 2: Indo retirar o dinheiro na Caixa, o cartão dentro da bolsa da mãe, de Estefania, 10 anos

Imagem 3: Eu indo para lotérica tirar o dinheiro, de Denilson, 9 anos de idade

Do PoNTo DE vISTA DAS CRIANçAS:uMA AvALIAção Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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Embora o dinheiro seja endereçado pelo governo às mães, foi observado que elas

priorizam as crianças no momento das compras, como veremos com maiores deta-

lhes a seguir, mas, também transferem diretamente parte do dinheiro às crianças.

Não é incomum que a criança tenha a senha de acesso ao recurso e esteja habi-

litada pela mãe a retirá-lo, como mostra a Imagem 2, na qual lê-se: “Eu desenhei

eu indo para lotérica tirar o dinheiro”. Quanto aos valores, as mães geralmente

repassam de R$0,25 a R$2,00/R$5,00 para as crianças pequenas e até R$15,00/

R$20,00 para os adolescentes. Isto funciona como incentivo à escolarização e é

uma forma de fazer justiça para com aquela criança que vem se esforçando nos

estudos. As crianças, por sua vez, entendem que esse dinheiro pertence à mãe ou

à família, embora reivindiquem parte dele, como escreve Silvana (12 anos) na sua

redação:

E aí, quem deveria receber o Bolsa Família, a mãe ou as crianças? No caso a mãe quem deve receber, mas também tem que dá um dinheirinho aos filhos.

De maneira sintética poderíamos afirmar que, como as mães de família, as crianças

também priorizam o consumo de alimentos (Pires 2010a, 2010b; Benjamin 2010;

Silva, J. 2011). Há dois conceitos nativos que ajudaram-nos a entender os gastos

com as e das crianças: os brebotos (brebotes) e burigangas, ou seja, comidas de

criança. os brebotos seriam: bala, pelota ou pirulito, chocolate, chiclete, etc; as bu-

rigangas seriam pastel, sanduíche, coxinha, salgadinho e pipoca industrializados,

refrigerante, lanches no colégio ou na rua etc. os adolescentes acrescentam aos

brebotos e burigangas, compras ligadas ao vestuário, artigos de higiene e beleza

e gastos com diversão (internet). Quando perguntado sobre o destino do dinheiro

do PBF que a mãe lhe dá, Sebastião, (11 anos) confirma:

Sebastião: Eu compro o que eu quero. Pesquisadora Flávia: você compra o que? Sebastião: Besteiras que criança gosta. Pesquisadora Flávia: Tipo o quê? Sebastião: Pipoca, balinha...

é importante lembrar, todavia, que no caso de famílias extremamente pobres, para

as quais o benefício é a única fonte de renda, seu emprego se dá quase que ex-

clusivamente na alimentação familiar. De fato, Duarte, Sampaio & Sampaio (2009)

estimaram que 88% das transferências foram utilizadas por famílias rurais na

compra de alimentos7. Correa (2008) constata que houve aumento do consumo de

todos os gêneros alimentícios como consequência do PBF. Como deixa evidente a

redação de Francisco (11 anos):

Este cartão serve para tirar o dinheiro do Bolsa Família para a gente comprar o nosso pão de cada dia [...].

Chama a atenção o fato de que é esse dinheiro que garante a alimentação familiar,

7 oS DADoS São RELATIvoS À PESQuISA DE CAMPo REALIzADA PELA uNIvERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBuCo

EM 2005, CoM 838 FAMÍLIAS DE AGRICuLToRES FAMILIARES DE 32 MuNICÍPIoS DoS ESTADoS DE PERNAMBuCo, CEARÁ E

SERGIPE (DuARTE, SAMPAIo & SAMPAIo, 2009).

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a compra dos alimentos básicos, chamados de “o grosso”, no caso das famílias

extremamente pobres; enfatizando sua importância para a garantia da segurança

alimentar dos beneficiados. Sem dúvida, Paloma (11 anos) está certa quando es-

creve que: o Programa Bolsa Família serve para aqueles que não têm o que comer.

No grupo focal, Nildo (11 anos), apregoa:

Pesquisadora Flávia: E o que mudou na sua vida depois do Bolsa Família? Nildo: Hoje ficou melhor. Pesquisadora Flávia: Ficou melhor foi? Por que? Nildo: Por que dá pra comprar as coisas de comer. Pesquisadora Flávia: Dê um exemplo do que vocês compram que não compravam antes? Nildo: um bocado de coisa. Pesquisadora Flávia: Bolacha recheada? Nildo: Não. Comida. Pesquisadora Flávia: Que tipo de comida? Nildo: Arroz, feijão, macarrão, carne.

Segundo Correia (2008), quanto mais dependente do benefício a família é, mais

significativo é o aumento do consumo de cereais, açucares, feijões e carnes, nes-

ta ordem, enfatizando a necessidade de ações de educação sobre segurança ali-

mentar para garantir o consumo de alimentos saudáveis. o que, segundo nossa

experiência, mostra-se um tema complexo, pelas seguintes razões, discutidas

alhures: “Em se tratando de comunidades que viviam abaixo da linha da pobre-

za, em que as mães conviviam com o desgosto de não ter o que dar de comer

aos filhos, o PBF contribui enormemente para o sentimento de dever cumprido

materno, já que agora podem, além de garantir a subsistência, ceder aos praze-

res de consumo infantis. Além disso, é muito difícil que uma mãe, que tenha o

dinheiro, negue um pedido alimentar de seu filho tendo em vista a longa história

de privações alimentares, sobretudo, quando ela era criança” (PIRES 2010a:8).

Ao lado disso, pesam também os primeiros casos constatados em Catingueira

de obesidade infantil, mas, que são geralmente vistos, pelas famílias, segundo

o entendimento de que ser gordo é bonito e saudável, como é comum da região

sertaneja.

Em se tratando de famílias pobres, ou seja, que contam com outra fonte de ren-

da além do PBF, o dinheiro é empregado de formas variadíssimas. No que diz

respeito à alimentação, enquanto as famílias extremamente pobres compram o

“grosso”, as famílias pobres podem, com o benefício, diversificar sua dieta, com-

prando mais carne, ovos, verduras, legumes, frutas. Na sua redação, Jordânia (9

anos), exemplifica:

Todo mundo precisa do Bolsa Família para se alimentar bem, senão nossa mãe não compra frutas e legumes e muitas coisas boas e legais.

Além disso, o dinheiro possibilita o pagamento de contas mensais (água, aluguel,

eletricidade); de despesas com a farmácia; do parcelamento de bens, como eletrodo-

Do PoNTo DE vISTA DAS CRIANçAS:uMA AvALIAção Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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mésticos e motos8; investimentos no incremento da renda familiar, como a compra

de gêneros para serem revendidos e até a doação do dízimo da igreja evangélica e a

oferta na igreja católica. Por fim, observamos que algumas famílias poupam parte do

recurso, com fins ao planejamento da compra de um bem de valor elevado, como um

terreno ou o material de construção para a casa própria, ou um bem ainda indefinido9.

Às vezes, as crianças e os adolescentes não gastam o dinheiro no decorrer de alguns

dias ou meses, poupando-o para comprar algum bem de maior valor, como uma peça

de vestuário que a mãe não queira lhe oferecer, uma bicicleta, um celular, etc. Existe

em algumas casas o hábito de utilizar o “porquinho” como forma de poupança.10 vale

destacar, como faz Rego (2008), que a constância do recebimento, o que possibilita o

planejamento familiar, é um aspecto muito ressaltado pelas famílias beneficiadas e,

segundo Hanlon et al (2010), essencial para que as transferências de renda sejam de

fato políticas de desenvolvimento e não apenas assistencialistas.

Na sua redação, Emanuela (11 anos) discorre sobre esses empregos variados do

benefício:

o Programa Bolsa Família é muito importante primeiramente porque ajuda nas despesas da casa, a comprar material escolar, roupas, calçados, merenda escolar, comprar pipoca, balas no dia-a-dia. Ajuda a cuidar dos pais e das crianças, ajuda a pagar água, luz, supermercado, reforço escolar e etc...

Se o benefício é da família, por que as crianças são priorizadas? é uma pergunta

importante a ser respondida. Em que pese a crescente importância das crianças

na vida familiar, como já destacado, a população local parece lançar mão da his-

toricidade das políticas sociais a fim de dotar ao benefício seu destino. Embora

os gastos com o benefício do PBF não sejam tutelados pelo governo - o que re-

presenta, segundo Lavinas & Barbosa (2000), um avanço em relação aos outros

programas sociais no Brasil, como o vale-Gás, o Fome-zero etc. -, o PBF parece ter

sido assimilado a partir da prioridade às crianças, parcialmente explicado pela sua

semelhança com o Programa Bolsa Escola (PBE). Parece-nos então que, do ponto

de vista nativo, o PBF é entendido como uma continuidade do seu antecessor, o

PBE, e nesse sentido, é importante lembrar que o PBE constituía-se em um recurso

destinado exclusivamente às crianças. Além disso, o PBF utiliza-se da condiciona-

lidade escolar como forma de garantia do benefício, o que acaba por enfatizar o

8 QuE ALéM DE MEIo DE TRANSPoRTE FAMILIAR MuITo vALoRIzADo NA REGIão, São uSADAS CoM MEIoS DE

GERAção DE RENDA, ATRAvéS, PoR ExEMPLo, Do ESCoAMENTo DE PRoDução AGRÍCoLA, vENDAS DE PoRTA A PoRTA,

DENTRE ouTRoS.

9 MAS QuE Não SE ENGANE o LEIToR CoM A ILuSão DE QuE o BENEFÍCIo é MAIoR QuE AS NECESSIDADES DAS

FAMÍLIAS; AS PouCAS FAMÍLIAS QuE PouPAM CHAMAM A ATENção PELA PLANIFICAção oTIMIzADA DAS SuAS DESPESAS.

ALIÁS, AS CRIANçAS AvALIARAM PoSITIvAMENTE o PBF, MAS SuGERIRAM o AuMENTo DoS vALoRES RECEBIDoS, CoMo

FoRMA DE APERFEIçoAMENTo DA PoLÍTICA, ASSuNTo Ao QuAL NoS DETEREMoS EM MoMENTo oPoRTuNo.

10 GERALMENTE, é NA FESTA Do PADRoEIRo DA CIDADE QuE A CRIANçA QuEBRA o “PoRQuINHo” PARA GASTAR

o DINHEIRo CoM DIvERSÕES E ALIMENToS QuE SÓ ESTão DISPoNÍvEIS NA CIDADE NESTE PERÍoDo, CoMo ALGoDão

DoCE E o PARQuE DE DIvERSÕES.

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papel das crianças e dos adolescentes no recebimento do dinheiro11. é sobre isso

que discorremos agora.

Associada a expansão das possibilidades de consumo, o PBF traz como prerrogati-

va fundamental a escola, como primeiro compromisso das crianças. Em consonân-

cia com os ideais modernos (ARIÈS 1981), para o PBF lugar de criança é na escola.

Isso se dá através da condicionalidade escolar, que obriga as crianças de 6 a 15

anos de idade a uma freqüência escolar mínima de 85% da carga horária e aos

adolescentes de 16 e 17 anos de idade a uma freqüência escolar mínima de 75%

da carga horária.

Embora a escola já estivesse presente no município para a geração das mães, a

valorização dos estudos por parte da família, principalmente das meninas, não era

largamente observada. Somava-se, para a geração das avós, todavia, a escassez de

escolas no município o que representava um duplo impedimento à escolarização:

escassez de escolas e falta de valorização dos estudos por parte da família. Para as

crianças dos sítios, principalmente os grandes deslocamentos necessários para se

chegar à escola mais próxima eram suficientes para inviabilizar o estudo formal. A

falta de incentivo das famílias foi mais observada no caso das mulheres, que ou-

viam de seus pais que mulher não precisava aprender a ler e escrever, alardeando

os perigos morais da atividade, já que com essa habilidade elas podiam “escrever

cartas para os namorados”. Embora mesmo no caso dos homens, poucas foram as

famílias entrevistadas em que os pais incentivavam a escolarização.

Hoje o acesso à escolarização é entendido como completamente diferente dos

tempos das avós/avôs e das mães/pais, ressaltando-se a facilidade de acesso à

escola e à escolarização e os avanços alcançados. uma mãe (40 anos) de dois

adolescentes, quando entrevistada, nos afirmou que sempre aconselha seus filhos

a estudarem, dizendo-lhes:

[...] estudem! Porque hoje é muito fácil, o governo até paga para vocês estudarem.

Do ponto de vista do MDS, espera-se que a obrigatoriedade da freqüência escolar

como forma de garantir o recebimento do benefício seja capaz de motivar as fa-

mílias a mandarem suas crianças para a escola, mesmo no caso daquelas famílias

que não valorizam os estudos, evitando que as crianças sejam assimiladas preco-

cemente e precariamente ao mercado de trabalho. Com olhos no futuro, espera-se

que uma vez na escola, às crianças seja garantida uma melhor empregabilidade

11 vALE A PENA PENSAR TAMBéM SoBRE A MuDANçA DE STATuS DoS MEMBRoS FAMILIARES CoMo uM

PRoCESSo MAIS ABRANGENTE, EM QuE PARECE PESAR uMA CRESCENTE IMPoRTâNCIA DADAS ÀS CRIANçAS EM DETRIMENTo

DA PRIoRIDADE MASCuLINA, QuE ERA ENDEREçADA Ao MARIDo/ PAI. ISSo é oBSERvÁvEL NAS REFEIçÕES FAMILIARES, EM

QuE ouTRoRA o MARIDo ERA o PRIMEIRo A SER SERvIDo PELA ESPoSA, o QuE PARECE ESTAR SE INvERTENDo NoS DIAS

DE HoJE, EM FuNção DA PRIoRIzAção DAS CRIANçAS.

Do PoNTo DE vISTA DAS CRIANçAS:uMA AvALIAção Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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quando na idade adulta; assim replicando a ideia de que lugar de criança é na es-

cola para as próximas gerações, e rompendo, por fim, o círculo vicioso da pobreza

que vem afetando várias gerações de famílias pobres, que pode ser pensada a

partir da formulação:

Imagem 4 – Ciclo Intergeracional da Pobreza

(ELABoRAção DA AuToRA)

As famílias priorizam o consumo infantil e realizam o repasse financeiro direto

para a criança na medida em que entendem que a condicionalidade escolar é a

que, de fato, conta para o recebimento do benefício, enquanto as condicionali-

dades ligadas à saúde são mais entendidas como direito, na medida em que não

resultam em punição (suspensões ou cortes). o controle da freqüência escolar é

bastante rígido e, de fato, leva à suspensão e ao corte do benefício, ao passo que

no município ninguém tem conhecimento de benefícios suspensos em função do

não cumprimento das condicionalidades da saúde. Entretanto, crianças e adultos

conhecem pessoas que tiveram seu benefício suspenso ou cortado em função do

não comparecimento ao colégio ou por erro no envio dos dados municipais esco-

lares (PIRES 2011b).

Na cidade pesquisada, a relação do PBF com a escola é tão evidente que uma

criança (Demerson, 10 anos) chegou a dizer que o dinheiro do PBF passava pela

professora: o governo tira o dinheiro do banco, o banco manda para professora.

uma menina de 10 anos de idade, Fabiola, quando solicitada que desenhasse so-

bre o PBF desenhou de fato a escola do Bolsa Família, como podemos apreciar:

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Imagem 5: Escola do Bolsa Família, de Fabiola, 10 anos

uma vez que associam o benefício à escola, quando perguntadas de quem é o

benefício, as crianças não hesitam em requerê-lo. Nildo e Paloma, ambos com 11

anos de idade, concordam quando foram perguntados De quem é o benefício?:

Nildo: Eu digo que é a criança que recebe. Pesquisadora Patrícia: Por quê? Nildo: Porque ela estuda. Paloma: Se é ela que estuda aí tem que receber. Nildo: é porque ela tem que receber se é ela que está estudando.

Para isso, as crianças lançam mão da linguagem dos direitos, porque entendem que

é o estudo que garante o benefício. Em foco, Lucas (11 anos) e Silvana (12 anos):

Lucas: é importante o Bolsa Família. Pesquisadora Patrícia: Porque tu acha que é importante? Lucas: Porque eles devem dá, por que nós estudamos. Silvana: Nós estudamos e temos o direito de receber. Pesquisadora Flávia: Então, toda criança que estuda tem o direito de receber? Silvana: Tem.

um dos problemas dos Programas de Transferência Condicionada de Renda (PTCR),

como o PBF, é a necessidade de comprovação da pobreza familiar, o que segundo

Suplicy (2007), leva a estigmatização do pobre. A ideia de uma renda básica da

cidadania, como ocorre no Alaska, uSA em que todos os cidadãos, independente

Do PoNTo DE vISTA DAS CRIANçAS:uMA AvALIAção Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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da renda comprovada, recebem uma porcentagem do PIB, tem como fim prevenir

esse estigma. Todavia, em Catingueira, para as crianças, essa estigmatização não

ocorre. Já que, segundo elas, o recebimento do PBF está condicionado à freqüên-

cia escolar e não à renda da família. Para elas, não importa se a família é rica ou

pobre12, desde que tenha crianças na escola, o recebimento do benefício deveria

ser garantido. De forma que, para as crianças, o programa não estigmatiza o pobre.

veja o extrato do grupo focal em que falam Lucas (11 anos) e Nildo (11 anos):

Pesquisadora Patrícia: E tem alguém rico aqui em Catingueira que recebe o Bolsa Família? Lucas: Tem. Pesquisadora Patrícia: Tem? Lucas: Eu acho que tem. Pesquisadora Patrícia: Porque tu acha que tem? Lucas: Eu acho que tem. Porque as que filhas dele13 estudam, aí tem que receber também. Nildo: Agora não receba14?

Se é a frequência escolar que garante o benefício, logo, entende-se que as famílias

sem criança em idade escolar não deveriam receber. Nathanaelly (10 anos) escreve:

[...] Para as mães poderem receber o Bolsa Família todas as mães devem ter crianças, se não tiverem crianças não podem receber.

Isso leva-nos a curiosa constatação de que a punição prevista no programa incide

apenas sobre as famílias com crianças em idade escolar. Em outras palavras, as

famílias sem crianças em idade escolar não estão sujeitas à suspensão ou corte do

benefício, uma vez que não se submetem à condicionalidade escolar. Esta consi-

deração atiça o debate em torno da legitimidade do caráter punitivo do direito à

escola, agora de um outro ponto de vista – já que a punição é prerrogativa apenas

de um tipo de família. Aqui temos uma oportunidade para pensar a legitimidade

das condicionalidades e o debate em torno dos direitos humanos e de cidadania

que elas suscitam (zIMMERMAM 2006; SILvA 2007; DINIz 2007). As condicionali-

dades são, de fato, sujeitas à controversas, afinal, o acesso à escola é um direito.

Além disso, concordo com Hanlon et al (2010) quando afirmam que os pobres

querem ver seus filhos escolarizados, mas lhes faltam dinheiro para garantir esse

sonho: transporte escolar, uniforme, calçados, material escolar resultam em des-

pesas. os autores afirmam que não há nenhuma evidência de que as condiciona-

lidades de fato funcionem (:131). Segundo eles, é acesso ao dinheiro que permite

que as famílias enviem seus filhos para a escola, tornando a condicionalidade

12 EMBoRA Não SEJA o TEMA Do ARTIGo, FoRAM INTERESSANTÍSSIMAS AS CoNCEITuALIzAçÕES DAS CRIANçAS

SoBRE RIQuEzA E PoBREzA, oS PoBRES SENDo CARACTERIzADoS CoMo AQuELES QuE Não TEM oNDE ToMAR BANHo,

TÊM QuE IMPLoRAR PoR CoMIDA ou PEGAR No LIxo, Não TÊM CASA (MoRAM NA RuA) ou FAMÍLIA. oS RICoS, São oS

CoMERCIANTES NA SuA MAIoRIA, QuE PoDEM CoNSuMIR TuDo o QuE QuISEREM.

13 REFERINDo-SE Ao DoNo Do MAIoR ESTABELECIMENTo CoMERCIAL DA CIDADE.

14 INTERJEIção QuE, APRoxIMADAMENTE, QuER DIzER: “CoMo Não RECEBERIA?”

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231

desnecessária. Todavia, sendo uma condicionalidade que incide apenas em um

tipo de família, aquelas com crianças em idade escolar, o debate em torno desse

aspecto do Programa merece um esforço de pesquisa ainda mais detalhado.

conclUsÕes e limitaçÕes da anÁlise

Nesse artigo realizamos uma breve apresentação de alguns dos resultados da pes-

quisa “Do Ponto De vista Das Crianças: o acesso, a implementação e os efeitos do

Programa Bolsa Família no semiárido nordestino”, focando o ponto de vista das

crianças, embora a presença dos adultos se faz evidente em inúmeros momentos

através da fala direta ou de considerações gerais; e enfatizando alguns aspectos

do consumo e da frequência escolar como dois temas importantes no que diz res-

peito ao PBF. Nesse sentido, o artigo trata sobretudo dos efeitos do PBF.

Sabendo que o recebimento do PBF é direito das crianças e sabedora de que

são elas quem “trabalham15”, ou seja, estudam pela manutenção do benefício, as

crianças estão em condições de negociar, principalmente com a mãe, detentora

do direito ao recebimento do benefício, suas necessidades e seus pequenos lu-

xos, sob a ameaça de não ir à escola. Nestes casos em que a criança não queira ir

ao colégio ocorre uma negociação entre mãe e filho(a). os termos da negociação

podem ser dinheiro, um pedaço maior de carne, a liberação das atividades domés-

ticas a que a criança é responsável, a escolha do prato a ser preparado, um ovo

no cuscuz, uma peça de vestuário, liberdade para ir à lan-house ou visitar amigos,

dentre outros. Se esses mimos não são suficientes, a mãe, por sua vez, ressalta

a necessidade da freqüência escolar visando o recebimento do benefício, colo-

cando a responsabilidade do sustento familiar e da própria criança, nas mãos do

aluno. A ameaça, no sentido de “se você não for à escola vai faltar o alimento para

todos, especialmente para você”, parece ser o suficiente para convencer a criança

da necessidade de frequentar o colégio. observamos, então, uma responsabiliza-

ção da criança pela manutenção do benefício. Responsabilidade a qual ela tem

conhecimento e abraça.16

Como foi dito, mesmo não sendo a elas claramente direcionado, as crianças re-

querem parte do benefício da família, em um claro exercício político. os membros

familiares, notadamente a mãe, reconhecem a legitimidade nesse pleito, uma vez

que estudar é entendido como trabalho pesado, cansativo. Na verdade, parece-nos

15 No CoNTExTo ESTuDADo, A ESCoLA PoDE TER APENAS ToMADo o LuGAR Do TRABALHo, NA MEDIDA EM

QuE A ATITuDE DA CRIANçA FRENTE A SuA RESPoNSABILIDADE CoM A FREQÜÊNCIA ESCoLAR é DA MESMA NATuREzA

DA SuA RESPoNSABILIDADE CoM o TRABALHo PRoPRIAMENTE DITo. JÁ QuE MESMo CoMPLETAMENTE DESAPoNTADAS

E DESINTERESSADAS PELoS ESTuDoS, AS CRIANçAS CoNTINuAM FREQuENTANDo o CoLéGIo. TEMEMoS QuE A ESCoLA

SEJA ENTENDIDA PELAS CRIANçAS CoMo uMA NovA FoRMA DE TRABALHo E, o QuE é PIoR, TRABALHo FoRçADo. MAS

ESSA é MAIS uMA HIPÓTESE DE PESQuISA A QuAL PLANEJAMoS NoS DEDICAR (PIRES, 2011B).

16 Ao MESMo TEMPo, A NEGoCIAção EM ToRNo DA IDA À ESCoLA TAMBéM REvELA PADRÕES DE DEPENDÊNCIA

DA GERAção MAIS vELHA EM RELAção ÀS GERAçÕES MAIS NovAS, o QuE PARECE SER LARGAMENTE NEGLIGENCIADo NoS

ESTuDoS SoCIo-ANTRoPoLÓGICoS QuE TENDEM A ENFATIzAR JuSTAMENTE o CoNTRÁRIo, MAS FoI RESSALTADo PoR

ALGuNS AuToRES CoMo FoRTES (1938) E SCHILDkRouT (1978).

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que é justamente por que a escola é entendida como trabalho pelos membros

familiares que, por isso, está sujeito à recompensa. Dessa forma, a elas parecem

ser reconhecidos direitos individuais à riqueza familiar porque entende-se que as

crianças são essenciais para a sua produção; reverberando as ideias do economista

norueguês Jens Qvrotrup (2008) quando afirma que o Estado e a sociedade devem

reconhecer que estudar é a forma de participação das crianças na divisão social

do trabalho nas economias nacionais das sociedades contemporâneas e, portanto,

elas têm direito legítimo a gozar da riqueza da nação, por exemplo, exigindo boas

escolas, adaptação das cidades às suas necessidades, que sejam ouvidas sobre

políticas públicas que as afetam diretamente e naquelas que dizem respeito à

sociedade de modo geral, etc. Nesse sentido, esse exercício político das crian-

ças refere-se, no curto prazo, ao atendimento de demandas imediatas, advindas

da possibilidade de aquisição de novos bens de consumo pelas famílias e pelas

crianças mesmas. Entretanto, não temos condições ainda de vislumbrar a quebra

no círculo vicioso da pobreza em função de um reposicionamento do lugar da

escola para as crianças e os adultos. Embora seja verdadeiro que as crianças estão

na escola, o que as estatísticas mostram, isso não garante que elas estejam sendo

educadas ou que conseguirão realmente quebrar o círculo vicioso da pobreza. Na

verdade, tememos pelo estado precário das escolas e da educação públicas.

Muitos são os campos de investigação abertos por essa pesquisa, apontamos al-

guns ao longo deste texto, como a necessidade de aprofundar o debate em torno

da educação como dever e do acesso à saúde como direito; as consequências da

punição das condicionalidades incidir apenas sobre famílias com crianças em ida-

de escolar; a escola como nova forma de trabalho forçado, dentre outros. Ademais,

esperamos ter mostrado com esse texto a importância de incluir as crianças nas

nossas pesquisas, como sujeitos e interlocutores legítimos. o conhecimento que

as crianças têm do PBF é acurado e crítico. Se elas são afetadas pelas políticas

sociais, nada mais coerente que ouvi-las.

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O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E O ACESSO à edUcação escolaR em comUnidades INDÍGENAS KAINGANG E GUARANI NO PARANÁ

Rosângela Célia Faustino - universidade Estadual de Maringá (uEM)Maria Simone Jacomini Novak - universidade Estadual de Maringá (uEM)keros Gustavo Mileski - uEM - universidade Estdual de Maringá (uEM)Paulo Caldas Ribeiro Ramon - universidade Estadual de Maringá (uEM)vanessa de Souza Lança - universidade Estadual de Maringá (uEM)Mariana Mendonça Bernardino - universidade Estadual de Maringá (uEM)

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intRodUção

o Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações - LAEE / Laboratório de Ar-

queologia, Etnologia e Etno-História, desde 1997, desenvolve projetos junto aos

povos indígenas no Paraná. Com característica interdisciplinar, abrange pesqui-

sadores de diferentes áreas do conhecimento por meio de pesquisas qualitati-

vo-quantitavivas, bibliográfico-documentais e de campo, bem como projetos de

extensão, sociais e pedagógicos em diferentes Terras Indígenas (Tis) no Paraná.

A população indígena no Estado está estimada em mais de 25.000 (vinte e cinco mil

pessoas) sendo que destas, cerca de 15.000 (quinze mil, vive em Terras Indígenas e

os demais nas cidades (BRASIL, 2011; ISA, 2008). o Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE), no documento Tendências Demográficas: uma análise dos indí-

genas, informa serem 32.000 os indígenas do estado. Tal divergência possivelmente

seja oriunda de categorizações, pois a Fundação Nacional do Índio (FuNAI) trabalha

com dados dos indígenas residentes nas TIs, enquanto o ISA e o IBGE contabilizam

indígenas autodeclarados, incluindo os que não residem permanentemente nas TIs.

Esta população abrange três etnias diferentes, os Guarani, os kaingang e os xetá,

vivendo em 30 TIs, demarcadas, rtomadas ou em processo de demarcação. A Funai

se mantém como órgão do Governo Federal responsável pelas políticas públicas

indigenistas principalmente voltadas à questão de terras. A partir da implemen-

tação da Lei n.º 8.080, de 1990 (BRASIL, 1990) a Fundação Nacional da Saúde

(FuNASA) foi responsabilizada pela saúde indígena até meados de 2011, quando

reformulações estruturais resultaram na criação do Secretaria Especial de Saúde

Indígena (SESAI), também responsável pela saúde, mas implementada pelo Asso-

ciação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM)1.

A pesquisa foi desenvolvida em duas TIs kaingang do vale do rio Ivaí e duas TIs

Guarani Nhandewa, no Norte do Paraná. A população total abrangida está estima-

da em cerca de 2.427 (duas mil quatrocentas e vinte e sete) pessoas. os indígenas

habitantes da TI Ivaí, no município de Manoel Ribas - PR, e TI Faxinal, no município

de Cândido de Abreu - PR, são da etnia kaingang, cujo somatório da população

é de cerca de 2.039 (duas mil e trinta e nove) pessoas, todos falantes da língua

indígena kaingang, sendo que jovens e adultos têm maior domínio da língua por-

tuguesa do que crianças e idosos. o uso da norma culta da língua portuguesa, oral

e escrita é praticamente inexistente, inclusive entre os que frequentam a escola.

o povo kaingang pertence ao tronco linguístico Jê2, sendo referido também como

Jê do Sul, e é o mais numeroso povo indígena do Brasil Meridional, incluindo-se

entre as cinco etnias com maior contingente populacional no Brasil na atualidade

e sendo também um dos maiores grupos falantes da língua indígena no Brasil.

1 A ASSoCIAção PAuLISTA PARA o DESENvoLvIMENTo DA MEDICINA (SPDM), ENTIDADE PRIvADA SEM FINS

LuCRATIvoS, ExECuTA AçÕES CoMPLEMENTARES, GozANDo DA CoNDIção DE CERTIFICADo DE ENTIDADE BENEFICENTE

DE ASSISTÊNCIA SoCIAL (CEBAS), vENCEDoRA DE CHAMAMENTo PúBLICo, EDITAL Nº 01/2011, PRoPoSTo PELo MINISTéRIo

PúBLICo FEDERAL EM FACE DE MINISTéRIo DA SAúDE – SECRETARIA ESPECIAL DE SAúDE INDÍGENA. DISPoNÍvEL EM

<HTTP://CCR6.PGR.MPF.Gov.BR/ATuACAo-Do-MPF/ACAo-CIvIL-PuBLIvA/DoCS_CLASSIFICACAo_TEMATICA/ACAo-CIvIL-

PuBLICA-PR-DF-DE-05-DE-ouTuBRo-DE-2011> ACESSo: 05 DE DEzEMBRo DE 2012.

2 CoNFoRME QuADRo DE AyRoN RoDRIGuES FAzEM PARTE Do GRuPo MACRo-JÊ oS GRuPoS xAvANTE,

kAyAPÓ, TIMBIRA, PANARÁ xAkRIABÁ, xERENTE, kAINGANG, PANARÁ, kARAJÁ, kARIRI, MAxACALI .

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o ACESSo À EDuCAção ESCoLAR EM CoMuNIDADES INDÍGENAS kAINGANG E GuARANI No PARANÁ

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Os Kaigang vivem em áreas demarcadas, as Terras Indígenas (TIs), distribuídas nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, havendo ainda aqueles que vivem fora das terras, nas periferias de centros urbanos ou em zonas rurais destes estados. No Paraná há aldeias urbanas sendo criadas por grupos antes dispersos, que agora, com os direitos adquiridos a partir da Consti-tuição de 1988, buscam uma reorganização sociocultural e espacial.

Os Guarani Nhandewa pertencem aos grupos Tupi-Guarani, do tronco linguísti-co Tupi3. Foram praticamente dizimados, devido à expropriação e ocupação das

terras da região do Norte do Paraná por companhias exploradoras de capital pri-

vado. Nesse processo perderam a língua indígena como língua materna. Apenas

alguns poucos velhos são falantes da língua guarani e os professores indígenas

trabalham em sua revitalização via escola. Atualmente, os Guarani que habitam o Norte do Paraná ocupam duas terras já demarcados, a TI Laranjinha, localizada no município de Santa Amélia-PR e a TI Pinhalzinho, localizada no município de

Tomazina - PR, lutam para recuperar uma parte (TI Iwy Porã), antiga extensão da TI Laranjinha da qual foram expulsos nos de 1960 por fazendeiros da região. os

grupos habitantes das TIs Laranjinha e Pinhalzinho somam aproximadamente 388

(trezentos e oitenta e oito) pessoas, que vivem de pequenas roças familiares, pro-

dução de artesanato e empregos temporários. Do ponto de vista da cultura, vários

grupos familiares lutam pela revitalização das práticas religiosas e linguísticas.

De forma geral, as terras que lhes foram determinadas, além de não ser suficiente

para prover o sustento de todos por meio de roças familiares, tem o solo desgas-

tado, apresentando baixa produtividade. o artesanato, importante fonte de renda

das famílias, encontra-se em condição reduzida, devido ao desflorestamento que

destruiu as matérias-primas (taquara, sementes, penas, cipós, fibras). os municí-

pios nos quais estão inseridas as TIs oferecem poucas oportunidades de trabalho.

Manoel Ribas possui um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,729, o IDH

de Cândido de Abreu é de 0,666, o de Tomazina é de 0,716 e o de Santa Amélia,

0,711, segundo dados do IBGE (2010). Estes estão entre os municípios do Estado

com mais baixo IDH, ou seja: maior pobreza e menores condições de renda. Nes-

sas condições, a situação é mais grave para os indígenas que sofrem preconceito

tendo dificuldade de qualificação profissional, domínio da língua portuguesa oral

e escrita na norma culta, falta de documentação completa e acesso aos meios de

transporte adequados.

OBJETIVOS

o objetivo principal da presente pesquisa foi identificar e analisar o impacto da

política de distribuição de renda na melhoria do acesso a escola; compreender as

relações contidas na política de transferência de renda; levantar os usos, os bene-

3 DE ACoRDo CoM o LINGÜISTA ARyoN DALL’IGNA RoDRIGuES, oS NHANDEWA, kAIoWA E MByA FALAM

DIALEToS Do IDIoMA GuARANI, FAMÍLIA LINGÜÍSTICA TuPI-GuARANI, TRoNCo LINGÜÍSTICo TuPI. NESTE RoL SE

INCLuIRIAM TAMBéM oS PovoS CHIRIGuANo, GuARANI-ñANDEvA (CHACo PARAGuAIo), ACHE, GuARAyoS E IzozEñoS,

HABITANTES DA BoLÍvIA E PARAGuAI. uMA vARIANTE Do GuARANI é FALADA PELA PoPuLAção (PRovAvELMENTE 90%)

Não INDÍGENA Do PARAGuAI, PAÍS BILÍNGÜE GuARANI/ESPANHoL (ALMEIDA & MuRA, 2003).

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fícios e as particularidades encontradas no Programa Bolsa Família direcionadas

aos indígenas “aldeadas” no Estado do Paraná. Sobretudo, neste artigo buscou-se

discutir a situação das comunidades indígenas e apresentar dados coletados ao

longo do desenvolvimento do projeto.

mÉtodo

Após seleção e nivelamento da equipe de pesquisa foram realizados levantamen-

tos, estudos teóricos e documentais sobre a questão indígena no Paraná e sobre o

Programa Bolsa Família (PBF). Na sequência foram realizadas visitas às TIs e reuni-

ões comunitárias para explicação dos objetivos da pesquisa e solicitação de Termo

de Anuência dos caciques e lideranças comunitárias.

Foram feitas visitas ao posto da Funai para apresentação do projeto aos técnicos

responsáveis pelas TIs envolvidas e comunicação sobre o pedido de autorização

da pesquisa. Em visitas às unidades de saúde e escolas situadas nas TIs, enfer-

meiros, equipes pedagógicas, professores, agentes indígenas de saúde e demais

servidores que atuam nas instituições foi informado sobre a pesquisa a ser desen-

volvida e solicitado o apoio dos entes governamentais.

os instrumentos de coleta de dados (questionário estruturado e roteiro de entre-

vistas dirigidas) foram elaborados e testados entre famílias indígenas beneficiá-

rias nas TIs após os Termos de Anuência.

o questionário foi composto de 21 questões e contemplou identificação da TI,

etnia, residência, número de filhos e dependentes, frequência à escola, uso da

língua indígena, atividade principal e outras questões socioeconômicas e educati-

vas. Com base nos levantamentos (Tabela 3), foi possível realizar um planejamento

do número de questionários a serem aplicados. o questionário foi testado pri-

meiramente na TI Faxinal e Laranjinha, e após os ajustes necessários, aplicado às

demais TIs em um período de seis meses, com visitas semanais. Foram realizados

levantamentos em bases de dados e sites governamentais (FuNASA, Dia a Dia da

Educação-PR). Em seguida procedeu-se à sistematização e análise dos dados no

LAEE / Laboratório de Pesquisa, com vistas à criação de um banco de dados e à

elaboração de relatórios.

Tabela 1 – Número de famílias nas TIs estimando-se o número a ser pesquisado

Famílias

Terra Indígena: Famílias/Funasa Cadastradas Beneficiárias

Faxinal 156 22

Ivaí 308 274 251

Laranjinha 51 61 40

Pinhalzinho 57 29 20

Fonte: Dados coletados no site do MDS (fev. de 2011) e Funasa (fev. de 2011).

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o trabalho de campo realizou também um levantamento documental em livros de

matrícula das unidades escolares situadas nas TIs, abrangendo entrevista com a

equipe pedagógica e direção das escolas. A pesquisa de campo extrapolou o âm-

bito das TIs e estendeu-se aos principais locais de comércio frequentados pelos

indígenas nos municípios do entorno, para um levantamento dos produtos consu-

midos pelas famílias beneficiárias do Programa.

As informações coletadas em campo foram sistematizados e passaram a compor

um banco de dados, utilizando-se o programa Microsoft Access 2010. A elabora-

ção de um quadro geral revela o trabalho realizado. Das 431 famílias kaingang

cadastradas no Cadúnico recebem o benefício, ao todo, 347 famílias, das quais

foram entrevistadas 210 famílias. Das 87 famílias Guarani cadastradas, apenas 50

são beneficiárias. Ao todo, foram entrevistadas 49 famílias.

Tabela 4 – Número de famílias beneficiárias por TI

Famílias

Terra Indígena Famílias/Funasa Cadastradas Beneficiárias Entrevistadas

Faxinal 156 145 101 66

Ivaí 316 286 246 144

Laranjinha 51 58 28 25

Pinhalzinho 57 29 22 24 Dados coletados no site do MDS (Nov. 2011) e dados da pesquisa de campo (2011).

Buscou-se confrontar dados e observar se há perda do benefício por parte de

famílias indígenas e assim elencar elementos que pudessem apontar a relação

entre a condicionalidade (de frequência às escolas) e os movimentos (mobilidade

social), trabalho no artesanato e empregos temporários destas populações.

ResUltados e discUssão

OS KAINGANG DAS TIS FAxINAL E IVAí

Sobre a presença dos grupos kaingang no vale do Ivaí, Mota (2003) evidencia que

está relacionada com a expansão das fazendas de gado nos Campos Gerais e na

região de Guarapuava - PR, ocorrida desde o início do século xIx. Este processo

impeliu os kaingang a se instalarem nas matas das serras do vale do rio Ivaí, onde

passaram a sofrer a pressão das populações não índias que lá habitavam. A partir

do século xIx, os registros históricos disponíveis documentam a estratégia reivin-

dicatória para manutenção de seus territórios junto ao Estado.

Mota (2009) assim descreve o processo migratório ocorrido nos séculos xIx e xx,

de mineiros, nordestinos e paulistas para o Estado do Paraná, como uma clara ex-

pansão capitalista com o intuito de explorar as terras férteis do Norte e oeste

paranaense:

A frente cafeicultora no Paraná pode ser vista como uma frente capitalista competitiva, e não como uma “frente pioneira”, pois admitindo que pioneiro é o que vai adiante,

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é o que abre caminho, o lavrador e o pequeno proprietário são pioneiros; na estrutura em estudo, porém, não coube ao lavrador a decisão de migrar: os fluxos foram determinados pelo movimento do capital, ou seja, a frente capitalista, ao fazer a prévia ocupação dos espaços “vazios” por grandes propriedades, antes que lá chegassem os lavradores e os pequenos proprietários, cumpriu o pioneirismo (MoTA 2009 p. 52)

Na ocupação, limpeza (derrubada da mata, extermínio ou expulsão das populações

que habitavam os territórios paranaenses) e venda da terra a proprietários priva-

dos, houve uma série de conflitos com os grupos indígenas, que não aceitavam

passivamente a perda de seu espaço de sobrevivência, ou seja, seus territórios.

Conforme Tommasino e Fernandes, em texto elaborado para o Instituto Socio-

ambiental (ISA, 2003), evidencia-se que o contato dos indígenas kaingang com

a sociedade envolvente efetivou-se no século xIx, quando os primeiros chefes

políticos tradicionais, sem ter outras saídas, fizeram algumas alianças com os con-

quistadores e ficaram conhecidos como capitães. os autores afirmam que esses

capitães foram fundamentais na pacificação dos demais grupos arredios vencidos

e aldeados entre 1840 e 1930.

os conflitos e as estratégias de negociação levaram o Poder Público a atender

parte das reivindicações dos grupos kaingang. o Governo do Paraná decretou, por

meio da Lei n.º 853/1909, que uma porção de terras na margem direita do rio

Ivaí ficaria reservada aos indígenas. o art. 1º da citada lei assim determinava: “o

governo do Estado fará medir e demarcar as áreas de terras reservadas em tempos

aos índios, em vários pontos do Estado, por decreto do executivo” (MoTA, 2003, p.

93); entretanto, os estudos de Mota e Novak (2010) sobre a questão territorial no

Estado do Paraná apontam que estes mesmos territórios sofreram nova alteração

em 1949, devido a um acordo entre a união e o Governo do Estado, da qual resul-

tou outra redução significativa dos territórios indígenas em quase todo o Paraná.

Essa demarcação deu origem às TIs Ivaí e Faxinal, localizadas na região central do

Estado do Paraná, mais precisamente, nos municípios de Manoel Ribas e Cândido

de Abreu, respectivamente. A primeira, com uma área de 7.306 hectares e uma

população estimada de 1.420 (um mil quatrocentos e vinte) pessoas, composta

por 308 (trezentas e oito) famílias (FuNASA, 2010), teve a sua homologação e re-

gularização em 1991; e a TI Faxinal, que possui uma área de 2.043 hectares e um

população estimada de 619 pessoas, divididas em 156 famílias (FuNASA, 2010),

também teve sua homologação e regularização em 1991.

Tradicionalmente, os kaingang viviam da caça, pesca e coleta e faziam um com-

plexo manejo ecológico de seus territórios, de forma que a alimentação era farta

o ano todo. Para tanto, tinham um amplo conhecimento sobre a sazonalidade. Co-

nheciam as florestas, os animais, os rios e diferentes tipos de peixes, elaboravam

armadilhas de pesca (a mais conhecida é o pari), e a quantidade de peixes adqui-

ridos era suficiente para alimentar um grupo familiar extenso. Conheciam diver-

sos tipos de abelhas e seus hábitos, tinham sofisticadas técnicas de encontrar as

colmeias e retirar o mel.

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o ACESSo À EDuCAção ESCoLAR EM CoMuNIDADES INDÍGENAS kAINGANG E GuARANI No PARANÁ

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Quando a gente sai pescar observa na beira do rio ou banhado as abelhas sentadas, aí uma voa e volta sentando no mesmo lugar. Quando uma voa reto, plainando as asas para subir ela irá para onde está o enxame então ficamos sabendo onde tem o mel. (relato do professor indígena Alexandre krenkag Farias, TI Faxinal).

Em relação ao pinhão, uma das principais fontes tradicionais de alimento dos

grupos no Paraná, os kaingang tinham sofisticadas formas de coleta, preparação

(sopa, farofa, bolo, pinhão sapecado, etc.) e conservação.

o pinhão é um dos principais alimentos dos kaingang. Chegando seu tempo vamos ao mato, limpamos embaixo do pé, aí cortamos uma árvore comprida pegamos feixes de taquara e uma taquara bem comprida. Com a árvore comprida fazemos uma escora no pé de pinhão e vamos fazendo um tipo de argola com as taquaras e amarrando bem firme no pinheiro e no pau da árvore cortada até chegar lá em cima. uma pessoa que está em baixo alcança a taquara comprida que ele vai usar para bater nas cabeças de pinhão. Quando estas estiverem no chão aqueles que estão embaixo vão empilhando. Quando termina a coleta todos pegam uns paus de mais ou menos 50 centímetros e vão batendo até partir no meio. os que ficam do lado vão escolhendo o pinhão e pondo nos balaios. (Relato do cacique Pedro Rej Rej Lucas, TI Faxinal).

Nas roças familiares – de toco - cultivavam milho, feijão, batata-doce, abóboras,

mandioca e outros vegetais. Após a colheita, os restos destas roças atraíam ani-

mais (pacas, catetos, tatus, codornas, jaús, nambus, jacus e outros), que eram ca-

çados em armadilhas por eles elaboradas. Com o aldeamento esses processos de

trabalho coletivo repleto de regras sociais, se perderam em grande parte, devido à

restrição da terra e destruição da fauna circundante.

A organização kaingang permitia-lhes uma existência autônoma, e seus conhe-

cimentos, em todas as áreas, garantiam-lhes o enfrentamento e as soluções de

todos os problemas.

Quando a criança indígena ficava doente, os parentes mais próximos falavam para os mais velhos da família. Sem dizer nada, o velho levantava, saía e ia ao mato buscar o remédio. Às vezes ele preparava o remédio na mata mesmo ou trazia em brotinhos, já amarrados na mão. Chegando a casa colocava na água ou aplicava direto onde estava a dor. os velhos não contam para todo mundo os nomes dos remédios e nem para quais doenças servem, pois se contarem o remédio perde a força e não cura mais. Chega uma hora que a pessoa velha vai contar para a pessoa certa e só para ele, dando conselho para não contar para os outros. (relato do professor indígena Alexandre krenkag Farias, TI Faxinal)

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245

Inúmeros são os relatos orais, a literatura e os documentos que evidenciam o

conhecimento dos povos indígenas e capacidade de viver com autonomia. Parte

desse material foi sistematizada por estudiosos da área, tais como Mota (1998,

2003, 2009), Tommasino (1995), Fernandes, R.C. (2003), Fernandes, L. (1941) en-

tre outros, no entanto grande parte de todo esse conhecimento foi inviabilizado

pela destruição ambiental, que poluiu rios e dizimou muitas espécies animais e

vegetais colocando os indígenas para viverem na dependência do poder público.

os GuaranI das tIs LaranJInHa e PInHaLzInHo

os Guarani dividem-se em três grupos: os Nhandewa, os kaiowa e os M’bya. A

procedência do grupo Nhandewa do Paraná é diversificada. MoTA (2003), ToM-

MASINo (1995) e ALMEIDA (1981) demonstram que os grupos possuem antece-

dentes relacionados: 1) com remanescentes dos grupos reduzidos pelos jesuítas,

nas missões, nos séculos xvI e xvII, os quais, depois da destruição destas, ficaram

dispersos nas florestas da região; 2) com os kaiowa, que foram trazidos por fun-

cionários do Império para a Província do Paraná a partir de 1852, sendo alocados

nos aldeamentos de São Pedro de Alcântara e Santo Inácio; 3) com os Nhandewa

originários do Mato Grosso e Paraguai, que tentavam chegar ao litoral e acabaram

fixando-se ali; e 4) com os Guarani dos vários grupos que foram aldeados por

Curt Nimuendaju no Posto Indígena Araribá, no Estado de São Paulo, nos anos de

1912/1913 e trazidos para a TI Laranjinha - PR no período de 1930 e 1940.

As terras demarcadas para os Guarani, com as invasões de fazendeiros, passaram

por um processo de redimensionamento, demonstrando que as terras reservadas

pelo governo às populações indígenas no início do século xx sofreram contínuas

diminuições (MoTA 2003). As TIs Laranjinha e Pinhalzinho situam-se às margens

do Rio das Cinzas e do Laranjinha. o território (Tekohá) ocupado por essa etnia

é fundamental para sua forma de organização, o (Teko). Almeida e Mura (2003)

afirmam que o Tekohá (a terra, mato, campo, águas, animais e plantas) é o lu-

gar físico onde se realiza a vida guarani, sendo esse o lugar/espaço das relações

familiares, atividades religiosas e de trabalho. Tradicionalmente, o Tekohá deve

ser um lugar que reúna condições físicas (geográficas e ecológicas) e estratégicas

que permitam compor, a partir da relação entre famílias extensas, uma unidade

político-religioso-territorial.

Com o aldeamento, segundo Almeida e Mura (2003), houve uma interrupção da

continuidade territorial na qual se dava a organização sociocultural Guarani, pois

agora estão reunidos em uma pequena parcela de terra cujo entorno está total-

mente devastado. Assim, os Guarani das TIs Laranjinha e Pinhalzinho não podem

mais viver como seus antepassados, quando manejavam extensas áreas para a

execução de suas atividades agrícolas, utilização do sistema de rotação de roças

– manejo ecológico – para a produção de alimentos, a caça e coleta. Na impossi-

bilidade de reproduzir seu sistema de reciprocidade, deixaram de usar sua língua

materna e, junto com ela, boa parte de seus conhecimentos e tradições.

Com relação aos indígenas da TI Laranjinha (cerca de 234 pessoas), que vivem em uma área restrita de 284 (duzentos e oitenta e quatro) hectares – a cidade mais próxima é Santa Amélia, um pequeno município de quatro mil habitantes, com

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o ACESSo À EDuCAção ESCoLAR EM CoMuNIDADES INDÍGENAS kAINGANG E GuARANI No PARANÁ

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um dos piores IDHs do estado, oferecendo, assim, reduzidas oportunidades de tra-balho e renda a seus habitantes. Já a TI Pinhalzinho tem uma população de habitan-tes e 57 famílias, com uma área demarcada de 593 (quinhentos e noventa e três) ha, nas proximidades da cidade de Tomazina – PR, que também tem um baixo IDH. Desta forma, os indígenas Guarani vivem muitas dificuldades, que geram tensões constantes, causadas principalmente pela disputa dos poucos empregos existentes na área e pelo acesso às roças, que não são suficientes para todas as famílias.

Nestas TIs, cerca de 50% das famílias (aquelas cujos membros têm um emprego com remuneração fixa ou aposentadoria) têm alimentação diária e melhores condições de vida; mas as famílias que dependem exclusivamente dos recursos oferecidos pela terra enfrentam uma situação de muita pobreza e privações, pois ainda que consigam produzir os alimentos básicos (arroz, feijão, mandioca, abóboras), quando recebem as sementes a tempo de fazer o plantio nas devidas estações, não têm como comprar os demais produtos que precisam (óleo, café, açúcar, sabão, roupas, calçados, etc.).

É drástica a devastação ambiental produziu grande desgaste do solo e não exis-tem no entorno dessas terras áreas de matas nativas preservadas, com exceção de alguns poucos hectares preservados dentro da própria aldeia. Com a floresta destruída, as espécies da flora utilizadas para artesanato e medicamento desa-pareceram. Na pequena mata (cerca de dez alqueires) preservada na TI vivem alguns animais, como tatu, porco-do-mato, capivara e jaguatirica, alguns pássa-ros, cuja caça é regulamentada e cada vez mais escassa, porém suas carnes são as fontes de proteína de algumas famílias.

A devastação ambiental do entorno acabou com os animais sagrados com os quais os antigos rezadores se comunicavam nos sonhos para receber informa-ções, avisos e ensinamentos. Com a perda da língua, ocorrida gradativamente desde meados de 1940 (FAUSTINO 2006), os valores sagrados, transmitidos por meio da palavra foram sendo substituídos por novos valores, veiculados pela lín-gua portuguesa, pelos meios de comunicação de massa (rádio e televisão), alte-rando sobremaneira sua forma de ver e entender o mundo.

Estes elementos, somados às dificuldades de subsistência, cada vez mais têm le-vado, principalmente os jovens, a sofrerem pela falta de perspectivas de futuro, que para eles se apresenta muito incerto. Conforme demonstra um estudo reali-zado sobre os jovens indígenas,

o forte desejo de consumo de produtos industrializados, estimulado pela mídia que chega cada vez mais aos jovens indígenas por meio de rádios e televisão; disputas internas, adultérios, brigas por motivos torpes, espancamentos, agressões e outras manifestações de violências crônicas geradas pela falta de perspectivas, pelo alcoolismo, grassam as aldeias em seu cotidiano, tornando as pessoas, os jovens particularmente, vulneráveis às alternativas “fáceis” e ilícitas para ganhar dinheiro, ou às “difíceis” como é o caso de muitos que, por falta de uma escolarização mais ampla, de acesso a informações, aceitarem condições de trabalho desumanas beirando à escravidão (CIMI, 2007, p. 25).

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As dificuldades de sobrevivência enfrentadas pelos grupos, além de ter-lhes causado, em muitas situações, a perda da língua, têm promovido o rompimento dos laços familiares e grupais, afetando as formas nativas de transmissão dos conhecimentos da cultura. Neste sentido, considera-se de suma importância o apoio institucional do governo e das universidades para o fortalecimento das lu-tas indígenas. Assim, consideramos fundamentais, entre as políticas públicas, as políticas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família, objeto da análise subsequente.

POLíTICAS PúBLICAS E POPULAÇÕES INDíGENAS

No decorrer da história do Brasil, diferentes políticas indigenistas responderam à

situação das populações indígenas, ora visando à guerra, tendo o indígena como

inimigo do projeto colonizador, ora buscando a aculturação e integração deste à

sociedade envolvente por meio da conversão religiosa e da utilização de sua força

de trabalho.

Por orientações dos organismos internacionais como a oIT – organização do Tra-

balho (Convenção 107 de 1957 e Convenção 169 de 1989), a legislação brasileira

reconheceu os indígenas como cidadãos, tendo sido estas populações incluídas

nas políticas públicas desenvolvidas a partir do final dos anos de 1980, no contex-

to das políticas de inclusão social, respeito e reconhecimento à diferença.

A década de 1970 representou o início de um período de crise estrutural da socie-

dade capitalista, exigindo do sistema reformas para combater o desemprego e a

pobreza estrema de grandes contingentes populacionais em diferentes partes do

mundo. os chamados “anos de ouro do Capital”, oriundos da produção industrial

do período do Pós-Guerra (1948-1973), haviam chegado ao fim, e com eles ruiu o

estado de bem-estar social4. Nesse período as economias centrais (EuA e Inglater-

ra) adotaram e implementaram reformas neoliberais, como tentativa de salvaguar-

dar a ordem do sistema. é inerente a essa lógica neoliberal, como marcam Mathis,

Nascimento e Gomes (2010, p.11),

[...] cortar gastos e desativar programas sociais na perspectiva dos direitos e criar “novos” programas seguindo o princípio da seletividade e da focalização das ações públicas nos segmentos mais necessitados da população, uma vez que a diminuição da pobreza absoluta constitui também uma condição de estabilidade econômica e política.

De acordo com Faustino (2006, p. 131), os documentos emanados dos organismos

internacionais evidenciam que as populações indígenas estão entre as mais po-

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o ACESSo À EDuCAção ESCoLAR EM CoMuNIDADES INDÍGENAS kAINGANG E GuARANI No PARANÁ

4 o ESTADo Do BEM-ESTAR SoCIAL (WELFARE STATE), BASEADo NAS IDEIAS DE JoHN MAyNARD kEyNES

(1883-1946), CoNSTITuIu-SE DE uMA SéRIE DE MEDIDAS ToMADAS PARA A REvITALIzAção Do CAPITALISMo. PARA

ISTo FoI NECESSÁRIo uM FoRTE INvESTIMENTo ESTATAL NA ECoNoMIA, INCENTIvANDo AS INDúSTRIAS DE BASE E DE

TRANSFoRMAção, o DESENvoLvIMENTo DE PoLÍTICAS PúBLICAS, A PERMISSão DA SINDICALIzAção, o ATENDIMENTo

ÀS REIvINDICAçÕES TRABALHISTAS PoR MEIo DA ELABoRAção DE LEGISLAçÕES PRoTEToRAS Do TRABALHo LIvRE.

ACREDITAvAM oS PENSADoRES DEFENSoRES DESSA INTERvENção QuE CoM o INCENTIvo Ao CoNSuMo SE ESTIMuLA A

PRoDução. (FAuSTINo, 2006; NETTo E BRAz, 2007).

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bres do mundo. Esta conclusão também está presente em alguns documentos da

política educacional dos anos de 1990, voltada à educação intercultural e às estra-

tégias do Banco Mundial, da organização das Nações unidas, da organização das

Nações unidas para a Educação Ciência e Cultura (unesco) e outros, para justificar

a necessidade de intervenção e investimentos (decorrentes de empréstimos) que

visam atacar e aliviar a pobreza extrema no contexto atual. Nesse momento foram

estimulados projetos de desenvolvimento destinados aos grupos vulneráveis e

inclusão desses grupos nas demais políticas públicas.

Ao apresentarem uma revisão das concepções de necessidade e renda mínima,

Mathis, Nascimento e Gomes (2010) salientam a contribuição de Marx, pensador

do século xIx que, juntamente com Engels, formulou o materialismo histórico,

analisou o processo de expropriação/privatização da terra e exploração capita-

lista que leva à miséria de grandes contingentes humanos em todas as partes do

mundo. A partir desse referencial os autores mostram a preocupação do sistema

capitalista, representado por organismos internacionais como o Banco Mundial,

no início dos anos 1990 e ao longo das duas últimas décadas, é aliviar a pobreza

extrema através de programas que ampliem o acesso dos pobres aos serviços bá-

sicos de infraestrutura e criem condições para a geração de renda familiar.

No Brasil, país periférico do sistema (ARRIGHI, 1997), as políticas de redistribuição

de renda se justificam pelos altos índices de concentração de renda. Em um breve

percurso de Gini (medida variável de 0 a 1 que calcula a distribuição de renda: quan-

to mais próxima a 0, menor a concentração de renda), podemos observar na tabela

abaixo como esse índice se configura ao longo das décadas finais do século xx.

Tabela 2 – Coeficiente de Gini brasileiro

1970 1980 1988 1989 19900,574 0,590 0,600 0,630 0,610

Fonte IBGE 2011

Dados de 2009 trazem um coeficiente de Gini de 0,518 (IBGE, 2010). Já o Paraná

possuia um Gini Estatal de 0,770 no ano de 2006. Assim, comparado a outros paí-

ses, o Brasil está entre os dez países que mais acumulam renda, e na esfera estatal

o Paraná apresenta um coeficiente alto de concentração de renda.

Tabela 3 – Coeficiente de Gini paranaense

1985 1995 20060,749 0,741 0,770

Fonte: IBGE 2006

Ao descreverem os processos econômicos contemporâneos na América Latina,

Baer & Maloney (1997) abordam a origem da política neoliberal no final dos anos

de 1970, no Chile, ampliada pela classe dominante e seus representantes para

todo o continente latino americano ao longo das últimas quatro décadas, con-

sistindo basicamente em uma primazia do setor privado no manejo de recursos

públicos. Sob a vigência desta política econômica, a despeito de seu discurso de

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inclusão social e de reconhecimento da diversidade cultural (FAuSTINo, 2006),

para BAER & MALIoNEy (1997, p. 49), a concentração de renda se mostra alta:

Esses padrões se intensificaram no primeiro centenário após a independência na terceira década do século xIx. o sistema de latifúndio expandiu-se às custas das comunidades nativas, e assim os benefícios do boom nas exportações de bens primários, na segunda metade do século, foram em sua maioria concentrados em um pequeno número de proprietários de latifúndios e investidores estrangeiros, nas áreas de minas, utilidades públicas e agricultura.

Após a Constituição de 1988, seguindo as diretrizes internacionais que já aponta-

vam para programas de transferência de renda como forma de combater a pobreza

e a vulnerabilidade de grupos e famílias de baixa renda, as políticas de proteção

social no Brasil, como apontam vaintsman et al. (2009), iniciaram um processo que

culminaria na criação do PBF e em uma política de assistência social pautada em

direitos.

Conforme Silva (2007), a origem do Bolsa Família ocorreu antes de 2004, ano de

sua oficialização. No estudo desta política pode-se destacar, em 1991, o início dos

debates sobre as dificuldades das famílias que vivem em extrema pobreza para

manter as crianças nas escolas, buscando, por meio de uma política compensató-

ria (remuneração direta), uma política estruturante (manutenção da escolaridade

infantil) diretamente ligada à educação. De acordo com SILvA (2007, p. 1.434),

As famílias extremamente pobres, com renda per capita mensal de até R$ 60,00, independentemente de sua composição, e as famílias consideradas pobres, com renda per capita mensal de entre R$ 50,01 e R$ 120,00, desde que possuam gestantes, ou nutrizes, ou crianças e adolescentes entre zero a quinze anos. o primeiro grupo de famílias recebe um benefício fixo no valor de R$ 50,00, podendo receber mais R$15,00 por cada filho de até quinze anos de idade, até três filhos, totalizando o benefício mensal em até R$95,00 por família. As famílias consideradas pobres recebem uma transferência monetária variável de até R$ 45,00, sendo R$15,00 mensais por cada filho de até quinze anos de idade. Ressalta-se que o Bolsa Família vem ampliando seu público alvo, incluindo o atendimento de famílias sem filhos, como o caso dos quilombolas, famílias indígenas e moradores de rua. (SILvA 2007, p.1434)

Campos (2003), ao destacar a origem do Programa, salienta que estava em estudo

desde 1987, na universidade de Brasília, e em 1995, no mandato do então gover-

nador do Distrito Federal Cristovam Buarque (1995-1999), foram implementados

os programas Bolsa Escola e Poupança-Escola, sendo que este último se caracte-

rizava da seguinte forma:

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o ACESSo À EDuCAção ESCoLAR EM CoMuNIDADES INDÍGENAS kAINGANG E GuARANI No PARANÁ

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Cada família cadastrada recebia um salário mínimo mensal; em troca, deveria garantir a matrícula e a freqüência de seus filhos entre 7 e 14 anos na escola. Ao final de cada ano, as crianças aprovadas recebiam um salário mínimo, que era depositado na Poupança Escola. Ao final da 4ª e da 8ª séries, o aluno podia sacar parte dos recursos acumulados e, ao final do ensino médio, o restante (CAMPoS, 2003 p.187).

Concomitantemente a este projeto, o município de Campinas - SP, em caráter ex-

perimental, implementou um programa de transferência de renda, inicialmente

com dois objetivos básicos. o primeiro deles visava ao combate direto à pobreza,

para assim reduzir o ciclo intergeracional; e o segundo consistia da condicionali-

dade de frequência à escola e a programas de saúde, acreditando-se que assim

haveria uma melhoria na qualidade de vida e na instrução dos futuros cidadãos.

A partir dos anos 2000 ampliaram-se os debates sobre a criação de programas de

proteção social, com aumento dos recursos investidos e introdução dos programas

de transferência de renda com condicionalidades do Governo Federal. Já nos pri-

meiros anos do governo de Luiz Inacio Lula da Silva,

A unificação dos programas federais de transferência de renda no Bolsa Família (exceto o PETI neste momento) foi um dos primeiros passos para a racionalização da gestão dos programas contra a fome e a pobreza, o que viabilizaria sua expansão nacional. Por sua vez, a formação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em janeiro de 2004, criou as condições organizacionais para a integração ou articulação entre os diferentes programas assistenciais. (vAINTSMAN et al., 2009, p.736).

originando-se nestas iniciativas, a Lei 10.836, de 2004, instituiiu o PBF como uma

ação unificada de distribuição de renda. Sobre este assunto, kerstnetzky (2009,

p.73) evidencia que o complemento de renda representado pelos benefícios é

essencial para o alívio das várias privações, das quais a mais crítica é a subnutri-

ção infantil, sobretudo porque pode atingir as capacidades intelectuais da criança,

apresentando-se, ao longo do ciclo da vida, como baixo desempenho escolar e

baixa capacidade para o exercício de muitas outras potencialidades humanas.

Com uma maior cobertura e maiores investimentos, o programa Bolsa Família tor-

nou-se o “carro chefe” da política de proteção social do Governo Lula, incluindo a

população mais pobre e vulnerável ao sistema de proteção e ao mercado de consu-

mo popular e acirrando o debate público (principalmente pela imprensa e partidos

conservadores) sobre o caráter assistencialista e eleitoreiro dessa política; mas o

enfoque no combate à pobreza e inclusão dos mais pobres em uma política de pro-

teção social, de certo modo, de acordo com vaintsman et al. (2009), deixou em se-

gundo plano as disputas ideológicas envolvendo “focalização versus universalismo”

dando espaço para a ampliação e sucesso do programa governamental. é necessário

acrescentar, de acordo com os pesquisadores, que a atuação de órgãos multilaterais,

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principalmente a do Banco Mundial, teve influência tanto no financiamento como

na difusão de experiências em eventos internacionais sobre as políticas adotadas.

Sobre o impacto dessa nova política de assistência social, um de seus efeitos foi:

[...] o significado social, político e simbólico de inclusão de um amplo segmento populacional a um sistema público de assistência social por meio da criação de mecanismos de provisão de benefícios e de serviços fora dos padrões tradicionais do assistencialismo/clientelismo. Não se trata apenas de acesso ao consumo via transferência de renda, mas da criação de bases institucionais e organizacionais para a incorporação dos segmentos sociais mais pobres e vulneráveis a um sistema de proteção, em que benefício assistencial não significa assistencialismo, mas direito. Ainda que as relações particularistas permaneçam um fenômeno longe de ter desaparecido da esfera pública, sobretudo na área da assistência social, a construção do SuAS e a institucionalização do Programa Bolsa Família como meio de segurança de renda criaram um campo de ação universalista para a área da proteção social (vAINTSMAN, 2009, p. 739).

Em relaçção ao acesso à escola, os estudos são quantitativos e poucas são as re-

flexões e discussões teóricas que contribuem para uma compreensão ampla do

assunto. Com relação às populações indígenas os estudos são ainda mais raros.

A revisão bibliográfica5 não identificou trabalhos sobre a temática do Programa

Bolsa Família entre indígenas no Estado do Paraná. Encontrou-se um estudo sobre

os Terena no Mato Grosso do Sul, de Fávaro et al. (2007), no qual os autores des-

tacam o grande auxílio do Programa para os índios aldeados na TI de Buriti - MS,

principalmente no que tange à alimentação, fato muito similar e até certa medida

genérico em relação a populações não indígenas, mas não necessariamente idên-

tico. Diante da condicionalidade imposta, os autores destacam o impacto inicial na

educação em confluência com as tradições indígenas.

Em Mato Grosso do Sul, ainda, foram ressaltadas as dificuldades de indígenas em cumprirem as condicionalidades escolares, seja pelos problemas de chuvas que isolam as escolas das áreas onde moram, seja pelos rituais de iniciação das crianças na vida adulta [...]. Em entrevistas semi-estruturadas com gestores, foram expressas dificuldades nas questões referentes ao acompanhamento do cumprimento das condicionalidades, como nos municípios de Mato Grosso do Sul, com famílias que migram (nômades). Essa dificuldade revela o problema da intensa mobilidade espacial das famílias de baixa renda (BRASIL, 2008, p.192).

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o ACESSo À EDuCAção ESCoLAR EM CoMuNIDADES INDÍGENAS kAINGANG E GuARANI No PARANÁ

5 o LEvANTAMENTo FoI REALIzADo NoS PERIÓDICoS INDExADoS À BASE DE DADoS Do PoRTAL WEBQuALIS,

DISPoNÍvEL No ENDEREço vIRTuAL <HTTP://QuALIS.CAPES.Gov.BR/WEBQuALIS/CoNSuLTA/PERIoDICoS>. oS DADoS

REToRNADoS FoRAM oRGANIzADoS E SISTEMATIzADoS uM BANCo DE DADoS QuE CoMPÕE o ATuAL ACERvo Do LAEE.

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No Paraná, coforme a situação apresentada nesse texto, as populações indígenas

vivenciam inúmeras dificuldades. Entre os kaingang, um dos problemas são as

grandes distâncas percorridas pelas famílias em busca da matéria prima e, poste-

riormente na viagem aos municípios maiores, para sua comercialização acarretan-

do longos períodos de ausência que levava a muitas faltas na escola. Não obstante,

a pesquisa evidenciou que, embora a situação permaneça – pois, como o artesana-

to é uma das principais fontes de renda das famílias e a matéria-prima (Bambusa

vulgaris) está cada vez mais difícil de ser encontrada no entorno, as famílas se

ausentam da TI em busca do produto – porém, a condicionalidade do Programa

tem proporcionado maior conscientização das mães e busca de novas estratégias

para conciliar o trabalho no artesanato e a permanência das crianças na escola

indígena. outras questões que interferem na codicionalidade da permanência das

crianças na escola indígena são as saídas da família em busca de alguma atividade

remunerada nas cidades, os conflitos internos das facções, as expulsões, a falta de

terra para as roças familiares e de insumos (sementes, ferramentas) e insentivos

para que todos possam trabalhar na própria TI, a desestruturação familiar e o alco-

olismo. Estes são alguns dos problemas identificados que podem interferir direta-

mente nas condicionalidades para participação das famílias indígenas na política

de transferência de renda proposta pelo Programa Bolsa Família no Paraná.

A situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar das populações indí-

genas contribui para que 86% das famílias indígenas inscritas no Cadastro único

para programas sociais seja beneficiada com o Bolsa Família, segundo dados apre-

sentados por Carvalho et al. (2008):

Cumpre destacar que o Cadastro único de Programas Sociais do Governo Federal se constitui em instrumento de coleta de dados e informações com o objetivo de identificar as famílias com renda mensal per capita de até meio salário mínimo. Nesse sentido, a inserção de famílias na base nacional não significa, necessariamente, sua inclusão no PBF, uma vez que o programa beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal per capita de R$ 60,01 a 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal per capita de até R$ 60,00).Em média, cerca de 86% das famílias indígenas cadastradas recebem o benefício do PBF, significando que um alto percentual atende aos critérios de pobreza e extrema pobreza acima mencionados. o valor médio do benefício pago a essas famílias é de cerca de R$ 87,42 (oitenta e sete reais e quarenta e dois centavos) mensais, valor considerado alto se comparado à média nacional de R$ 75,38 (setenta e cinco reais e trinta e oito centavos) (CARvALHo et al., 2008, p. 61, grifos nossos).

Apresentando dados de 2008, Carvalho et al. (2008, p. 62) apontam que o total

de famílias indígenas cadastradas no Cadúnico e no Bolsa Família no Brasil é de

62.178, as famílias que são efetivamente beneficiárias são em número de 53.513

e o valor em reais que é repassado a estas famílias é R$ 4.678.163,00. Sobre o

estado do Paraná os autores mostram que existiam, até aquele momento, 2.479

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famílias indígenas cadastradas, das quais 1.875 eram beneficiárias do Programa,

sendo o valor em reais repassado de R$ 162.218,00.

o gráfico abaixo revela que, nas quatro TIs pesquisadas, a grande maioria dos be-

neficiários recebe o recurso regularmente. Isto pode estar relacionado ao fato de

o Programa garantir uma renda mínima e assim ter possibilitado uma nova organi-

zação das atividades de trabalho no artesanato. Na TI Ivaí identificou-se que mes-

mo antes do Bolsa Família existia uma organização de mães kaingang do mesmo

grupo familiar em um sistema semelhante ao mutirão, para a produção do arte-

sanato (FAuSTINo 2006), porém, atualmente, algumas mulheres têm se reunido

em grupos de quinze ou vinte, sendo que umas ficam responsáveis pela busca

da matéria-prima, outras pela confecção e outras pela venda do artesanato, o que

acarreta menos tempo de ausência à escola dos filhos, os quais as acompanham.

Se este sistema pode parecer muito simples para os não índios, é muito complexo

em um grupo de mulheres kaingang do Ivaí e demandou muito emprenho pois

exige profundas mudanças na organização sociocultural nativa no que se refere à

forma de trabalho, divisão e apropriação de seus resultados.

Tem sido cumprida a condicionalidade de frequência escolar, uma vez que o regis-

tro da presença nas escolas é feito diariamente pelos professores e acompanhado

pela equipe pedagógica, pela direção escolar, pelos caciques das Tis, pelos téc-

nicos da FuNAI, pelos Núcleos Regionais de Educação e Secretaria de Estado da

Educação.

Fonte: Banco de dados sistematizado a partir dos dados coletados na pesquisa de campo (2011).

Como um dos objetivos, a pesquisa focalizou também a disseminação das políti-

cas públicas no interior das TIs. Nas duas TIs kaingang predominam o uso da lín-

gua kaingang e a organização sociocultural tradicional nativa (ToMMASINo, 1995;

FERNANDES, 2003; MoTA, 2009; FAuSTINo, 2006), ao nível de exclusão (MoTA et

al., 2003), e grande parte da população adulta tem baixo índice de escolaridade

(FAuSTINo, 2011), o que dificulta a compreensão e acesso a informações. Nesse

sentido, os técnicos da FuNAI e as direções das escolas têm feito um trabalho

junto às lideranças e famílias para melhor acesso das comunidades ao Programa

Bolsa Família.

A pesquisa evidenciou que 38 famílias kaingang não souberam responder a ori-

gem de seu benefício. Para conseguirem a documentação e o cadastramento con-

taram com o apoio de assistentes sociais e para matricularem e manterem as crian-

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o ACESSo À EDuCAção ESCoLAR EM CoMuNIDADES INDÍGENAS kAINGANG E GuARANI No PARANÁ

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ças na escola tiveram a ajuda de professores, da equipe pedagógica, da direção e

das lideranças. Na TI Faxinal, onde ainda existe o escritório da FuNAI, o trabalho da

instituição contribui para a disseminação do Programa no interior da comunidade,

a providência de documentos e o encaminhamento de famílias a serem atendidas

pela assistência social.

Em relação ao número de dependentes, a pesquisa contou com os registros das

escolas e da unidade de saúde e de informações provenientes de famílias que

responderam ao questionário, chegando aos seguintes resultados:

Fonte: Banco de dados sistematizado a partir dos dados coletados na pesquisa de campo (2011).

Na análise sobre os produtos adquiridos com a renda do Programa Bolsa Famí-

lia, destacamos que na cidade de Manoel Ribas - PR os comerciantes financiam o

deslocamento dos indígenas da aldeia para a cidade para realizar suas compras

nos mercados, o que acarreta certa dependência; porém, pela distância e dificul-

dades de acesso a outros centros urbanos, aos kaingang não restam alternativas.

observou-se, durante as pesquisas de campo, que o percurso (cerca de 10 km)

é realizado mais de 17 vezes ao longo do dia em períodos do recebimento do

benefício. Esse transporte é feito por caminhões de porte médio, modelo F-2000,

que transporta os indígenas na carroceria. os caminhões saem dos mercados com

destino à aldeia, e lá chegando, o transporte é organizado por um indígena (contra-

tado pelos comerciantes), que também tem a incumbência de traduzir as informa-

ções para os kaingang sobre a organização para compra e entrega da mercadoria.

Ao chegar à cidade, muitos vão para estabelecimentos como farmácias e lojas de

confecções, mas a grande maioria adquire gêneros alimentícios nos mercados que

financiam o transporte.

Na TI Faxinal o transporte também é realizado por um caminhão, mas este é de

propriedade da comunidade, adquirido em um projeto realizado pelo LAEE/uEM,

com verbas do Programa Fome zero em 2007, e faz o percurso cidade-aldeia no

máximo duas vezes ao dia.

Quanto ao uso do recurso do Bolsa Família, citamos o relato de um comerciante da

cidade de Manoel Ribas-PR:

[...] as compras aumentaram com o Bolsa Família, os kaingang compram comida: arroz, feijão, dorso (carcaça do frango). Meu caminhão faz muitas viagens para a aldeia, em média umas 12 a 17 viagens, dependendo do dia; a gente acaba dando carona para muitos índios que vêm comprar. Não ligo

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se eles vêm para comprar no meu ou em outro mercado. [...] também compram chinelos. que atualmente é o calçado dos índios. Agora no frio compram cobertor [...] parcelo na folha de caderno um cobertor de 60,00 a 90,00 em até 6 vezes. [...], Quando compram vem toda a família [...] antes do Bolsa Família era só o dinheiro do aposentado, daí ficava difícil para eles; mas agora tem os dois, o dinheiro dos aposentados, que nunca deixam de ajudar a família, e dos que recebem Bolsa Família.” (depoimento coletado com comerciante, dono de um supermercado em Manoel Ribas. Março de 2011 – Diário de Campo. Paulo Caldas Ribeiro Ramon, s/p.)

os coeficientes e índices econômicos supracitados, como também o relato cole-

tado em campo, confirmam que a situação econômica dos indígenas no Paraná é

de extrema pobreza. Por exemplo, na TI Ivaí, de uma população de 1.420 pessoas

apenas 2% têm renda fixa (salário de professores, de motoristas, de agentes de

saúde e aposentadorias (MoTA et al., 2003). A terra é pouco produtiva e as semen-

tes nem sempre chegam no período certo para o plantio.

Com a redução dos territórios de manejo, houve mudanças nas tradições, no tra-

balho e na forma das moradias. Atualmente as casas indígenas são feitas de al-

venaria, financiadas por programas governamentais. Devido à falta de madeiras

e sapé, raramente se vê uma casa tradicional nas Terras Indígenas no Paraná. Há

também uma proibição da FuNASA em relação às construções de madeira com o

argumento de que favorecem a maior proliferação de parasitos e doenças respira-

tórias. Além de a lenha ser escassa, nas casas de alvenaria não se pode mais fazer

o fogo no interior, e assim os kaingang vão perdendo sua forma tradicional de

aquecimento e passam a necessitar de gás, agasalhos e cobertores.

Com a criação de animais domésticos (porcos, galinhas, cavalos) na Terra Indígena,

sem o manejo adequado, houve a proliferação de parasitoses, o que gerou a ne-

cessidade de usarem calçados e fármacos que nem sempre estão disponíveis nas

unidades de saúde (MoTA, et al, 2003)

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Figuras 1 a 4: Indígenas trabalhando no artesanato

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Figura 5. Criança indígena que tem material escolar fazendo tarefa em casa

Figura 6. Chinelos adquiridos com o recurso do Bolsa Familia, deixados na porta da escola indígena.

Pesquisas realizadas nas mesmas TIs em períodos anteriores (FAuSTINo, 2006)

revelaram que um dos maiores problemas da ausência de crianças à escola ocorria

em períodos de inverno rigoroso, devido à falta de roupas de frio e, principalmen-

te, à falta de calçados. os trajetos apresentam buracos que em períodos de chuva

dificultam a chegada das crianças à escola. os pais cujos filhos andavam descal-

ços declararam sentir vergonha diante das professoras não índias, de médicos,

dentistas, enfermeiros e outros profissionais que trabalham nas TIs, bem como de

autoridades como prefeito e vereadores, pois sempre eram orientados sobre a ne-

cessidade de as crianças andarem calçadas para evitar parasitos e acidentes com

resíduos depositados nos trajetos. Assim justificavam que não mandavam os filhos

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para a escola para não expô-los à vergonha diante dos não índios, que andam com

roupas e calçados.

é importante ressaltar que durante muito tempo os kaingang e Guarani resisti-

ram à oferta de educação escolar, porém, ao perderem grande parte das formas

tradicionais de vida - como caça, pesca, coleta, rituais etc. - aceitaram e passaram

a reivindicá-la, e esta hoje se transformou em uma necessidade tanto para acessa-

rem os conhecimentos técnicos de que necessitam e alimentação para as criança

como para buscarem novas alternativas de vida.

os dados coletados nas escolas e unidades de saúde ajudaram a elaborar um qua-

dro da situação da frequência escolar nas escolas das TIs Faxinal e Pinhalzinho.

Com os dados possíveis de inferir, encontramos no Pinhalzinho (tabela 6), nas

séries iniciais do Ensino Fundamental, uma situação de 16 alunos matriculados

em 1989, enquanto a população totalizava 80 pessoas. os dados de matrícula

seguem em declínio, com evidência acentuada em 2005, quando havia apenas

oito crianças matriculadas na escola da comunidade; mas um novo crescimento

do número de matriculados vem se mostrando a partir de 2007. Grande parte dos

acontecimentos que levaram à diminuição do número de escolares na década de

1990 deveu-se tanto à transferência para as escolas da cidade (utilizando o mes-

mo transporte destinado aos jovens do Ensino Médio), pelo descrédito na qualida-

de da escola indígena, quanto a mudanças das famílias para outras TIs motivadas

por conflitos políticos internos.

Tabela 4 - Número de alunos matriculados e população na TI Pinhalzinho

Ano Número de alunos matriculados População

1988 Dados não disponíveis Dados não disponíveis

1989 16 80

1998 11 88

2000 15 Dados não disponíveis

2001 13 Dados não disponíveis

2002 12 Dados não disponíveis

2003 12 Dados não disponíveis

2004 10 Dados não disponíveis

2005 8 Dados não disponíveis

2006 9 Dados não disponíveis

2007 12 Dados não disponíveis

2008 17 Dados não disponíveis

2010 Dados não disponíveis 155

2011 Dados não disponíveis 154

2012 Dados não disponíveis 154 Fonte: Dados coletados na Escola da TI Secretaria Municipal de Manoel Ribas PR e dados da Funasa (2010) e ISA (2008).

Na tabela com os dados coletados na TI Faxinal (tabela 7), em que a administração

da FuNAI era feita por técnicos comprometidos com a melhoria das condições

de vida da comunidade indígena, principalmente pelo senhor Dário Moura e a

senhora Tereza Schactae (por iniciativa pessoal instituíram a Pastoral da Criança,

horta comunitária, sopão, etc., para ajudar na nutrição infantil), mas também pelo

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cacique, que permaneceu por quinze anos no poder, acompanhando as famílias e

orientando para que mandassem seus filhos para a escola, foi registrado o cresci-

mento contínuo de matrículas nos anos de 2000, e essa relação está também para

o crescimento da população.

é importante ressaltar que, apesar de atualmente o acesso à educação escolar ser

uma realidade nas TIs, devido às políticas públicas de inclusão social (FAuSTINo,

2006), a escola ainda não atinge a todos, assim como os resultados obtidos por

meio da educação (FAuSTINo, 2011) por si sós não garantirão sucesso no acesso a

bens e serviços e na revitalização dos modos de vida tradicionais. Neste contexto,

a renda mínima alcançada com o PBF mostrou-se de suma relevância para a me-

lhoria das condições de vida dos indígenas no Paraná.

Tabela 5 - Número de alunos matriculados e população na TI Faxinal

Ano Número de alunos matriculados População

2002 64 Dados não coletados.

2005 106 442

2008 190 511

2010 214 576

2011 213 576 Fonte: Dados coletados na Secretaria Municipal de Manoel Ribas-PR e dados da Funasa (2010).

conclUsão

Procurou-se neste trabalho evidenciar que, em períodos anteriores à expropriação

das TIs, os kaingang e Guarani, assim como as demais etnias existentes no Brasil,

tinham nas suas organizações socioculturais a garantia da sobrevivência com abun-

dância de alimentos e saúde, sem dependência. Tais organizações se alteraram dras-

ticamente com a colonização exploratória e a venda de suas terras, pela destruição

do meio ambiente, poluição dos rios e do solo e redução dos territórios tradicionais,

passando os indígenas a viver, em grande parte, na dependência do Poder Público.

As atuais políticas públicas, como o PBF, embora não os tenham tirado da depen-

dência, têm possibilitado o acesso aos gêneros de primeiras necessidades, como

alimentos, e uma maior permanência e aprendizagem das crianças na escola, pois

77,27% delas, como se evidenciou na TI Faxinal, e 63,89, como se observou na

TI Ivaí, cumprem a condicionalidade da frequência escolar e por isso continuam a

receber o benefício. Esses dados demonstram diminuição da ausência escolar de

crianças que acompanhavam os pais na coleta de matérias-primas, na confecção e

venda de artesanato por longos períodos no ano.

Esta política federal, associada a outras iniciativas estaduais e municipais - como

a merenda escolar, a casa da família indígena, o leite das crianças, o material es-

colar, a formação de professores indígenas em magistério específico, a reforma e

ampliação das escolas, a elaboração de materiais didáticos diferenciados e outras

o PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o ACESSo À EDuCAção ESCoLAR EM CoMuNIDADES INDÍGENAS kAINGANG E GuARANI No PARANÁ

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-, embora lentamente, tem proporcionado a estas populações um melhor acesso a

bens e serviços como educação e saúde.

Pôde-se também evidenciar algumas relações contidas no próprio interesse do

comércio das cidades do entorno em valorizar mais a presença indígena na cida-

de, uma vez que esta representa incremento nas vendas. Em pesquisas anterio-

res (FAuSTINo, 2006) ficou demonstrado que os indígenas perambulavam pelas

cidades vendendo ou trocando seu artesanato por alimentos, com pouquíssimas

possibilidades de adquirir roupas e calçados, tendo os grupos de viver de doa-

ções e auxílios particulares raros devido o baixo IDH dos municípios do entorno.

o acesso a alimentos de qualidade, em quantidades suficientes e adequadas à

cultura alimentar, ainda é um obstáculo a ser ultrapassado por essa população.

é importante lembrar que o significado da produção de alimentos na cultura dos

Terena, conforme demonstra o estudo apresentado, vai além da manutenção do

corpo e faz parte do modo de ser Terena (FÁvARo et al. 2003). Nesse sentido, a

garantia da terra, tantas vezes reivindicada pelas lideranças, bem como ações de

inclusão e a participação comunitária, devem ser priorizadas a fim de que possam

promover a segurança alimentar e nutricional com maior autonomia aos grupos

étnicos.

Consideramos serem necessários estudos das questões sócio-históricas, econô-

micas, linguísticas e culturais de cada grupo indígena para que possamos ter uma

melhor compreensão sobre o papel da escola e o pleno acesso a ela para as co-

munidades em um momento em que não podem mais praticar, na totalidade, suas

formas de vida tradicionais.

Em relação aos kaingang e Guarani no Paraná, destacamos a importância de as

pesquisas levarem em consideração o papel das lideranças e das instituições so-

ciais que com elas interagem, como a Funai, a Funasa, as prefeituras municipais, as

Secretarias de Estado, a SEED - que é encarregada da gestão da educação escolar

nas TIs - e as universidades, quando atuam na captação de recursos para pesquisa

e/ou intervenções sociais, pois ações coordenadas resultam em conquistas mais

duradouras para as comunidades.

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MULHER E TRABALHO NO PROGRAMA BOLSA Família

Lana Claudia Macedo da Silva1/universidade Estadual do Pará (uEPA)

1 AGRADEço A LEITuRA ATENTA Do PRoF. João LuIz DA SILvA LoPES. SuAS oBSERvAçÕES CuIDADoSAS

CoNTRIBuÍRAM PARA o REFINAMENTo Do MATERIAL oRA APRESENTADo.

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intRodUção e mÉtodo

o texto propõe examinar o efeito do maior programa de transferência de renda

do mundo, o Programa Bolsa Família (PBF), relacionado às categorias trabalho e

família. o PBF integra o núcleo de estratégia do governo federal no enfrentamento

à pobreza, por meio da transferência de renda aos grupos mais pobres da popula-

ção. Nesse sentido, é interesse deste estudo analisar a quantidade e qualidade do

acesso ao mercado de trabalho entre as mulheres beneficiárias em comparação às

não beneficiárias do Programa.

Embora o PBF não seja direcionado para a integração das mulheres ao mercado de

trabalho, essa análise é possível na medida em que, suas ações têm a mulher como

principal beneficiária.

o estudo compara essas categorias analíticas em uma das capitais daquela que é

a maior região brasileira em termos territoriais e, ao mesmo tempo, a mais escassa

quanto aos índices populacionais. Em uma relação inversa a extensão territorial, o

último Censo Demográfico (2010) aponta a região Norte como a segunda menos

povoada (15.864.454), à frente apenas da Região Centro-oeste (14.058.094).

A Região Norte apresenta o segundo pior percentual no Índice de Desenvolvi-

mento Humano (0,75), do país. A despeito disso, é a que recebe o segundo maior

(19,41%) investimento do governo federal no que diz respeito aos programas de

transferência de renda social, mormente, o PBF, segundo dados da Pesquisa Na-

cional por Amostra de Domicilio (2006). A Região ainda apresenta poucos estudos

sobre os impactos dos programas sociais de combate à pobreza.

A Amazônia, tão alardeada nas campanhas ambientalistas, representa um modo de

vida peculiar, por permitir a aproximação entre natureza e cultura. Essa visão român-

tica é alvo de inúmeras controvérsias entre governo, instituições públicas e privadas,

pesquisadores e população local. A visão idílica da região se espraia para a metró-

pole de Belém, considerada “portão de entrada da Amazônia”, lugar onde “começa

a Amazônia”, portanto, a “capital da Amazônia”. Mais do que slogans aproximando

a cidade ao espaço natural com claros propósitos turísticos (CoSTA, 2006), essas

denominações expressam o imaginário social que acompanha a região e seus habi-

tantes, trazida pelos primeiros viajantes a aportarem na Amazônia no século xvI. o

processo de urbanização de Belém, entre os séculos xvII e xIx, sugere uma cidade

“de costas” para aquela que seria sua maior riqueza natural, a fauna e flora.

A pesquisa possui caráter quantitativo e qualitativo. o aspecto quantitativo do

estudo está presente na leitura dos dados mensuráveis elaborados em formato de

tabelas e gráficos. Esse formato permitiu maior visualização dos dados coletados

em campo.

o caráter qualitativo da pesquisa está presente em todas as fases da pesquisa,

desde a elaboração, passando pela execução e análise do material. Adotou-se a

concepção de pesquisa qualitativa trabalhada por Chizzotti:

MuLHER E TRABALHo No PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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“A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. o conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. o objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações”. (CHIzzoTTI, 2003, p. 79).

Nas ciências sociais a abordagem qualitativa de pesquisa possui espaço privilegiado

por acreditar que essa leitura converge para a expressão dos sujeitos socialmente

construídos, por meio da interpretação dos fenômenos segundo seu contexto e, da

compreensão das falas e simbologias, nem sempre explícitas em um primeiro olhar.

Quanto às técnicas de coleta de dados adotadas trabalhou-se o questionário se-

mi-estruturado, a observação, o diário de campo e a entrevista semi-estruturada. o

questionário contemplou questões pré-elaboradas versando sobre diferentes as-

pectos da vida familiar e trabalhistas dessas mulheres: identificação, informações

gerais sobre os filhos, cuidados com as crianças, distribuição das tarefas domés-

ticas, despesas domésticas, benefício social e situação de trabalho da depoente.

Antes da aplicação dos questionários realizou-se o pré-teste visando verificar a

pertinência do questionário elaborado para a coleta, assim como, sua adequação

aos objetivos da pesquisa e quanto à objetividade das perguntas e dos proce-

dimentos previstos. Esse primeiro teste foi realizado com dez questionários. So-

mente após a verificação e adequação do instrumento às necessidades do campo

procedeu-se a aplicação dos 40 questionários restantes.

A entrevista semi-estruturada com a amostra de 10 mulheres provedoras do do-

micílio, representado 20% das mulheres pesquisadas. utilizou-se roteiro previa-

mente estabelecido permitindo o diálogo em outras direções conforme a intera-

ção pesquisador e interlocutor. As mulheres foram entrevistadas separadamente,

segundo os locais e horários de sua conveniência. o roteiro constou de perguntas

abertas discorrendo sobre as seguintes categorias: trabalho, filhos, educação, ati-

vidade doméstica, família e políticas públicas. Acrescenta-se, porém, que a finali-

dade do roteiro não é estabelecer limites à entrevista, ao contrário, as perguntas

possuíam caráter aberto permitindo a inclusão de questionamentos outros que

porventura não constassem no roteiro, obedecendo ao próprio fluxo da conversa.

Assim, a entrevistada foi conduzida a falar sobre determinados assuntos pertinen-

tes ao trabalho por meio de perguntas estabelecidas no roteiro.

MULHER NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Diversos países da América Latina a partir dos anos 90 passam a receber políticas

de combate à pobreza. São programas direcionados aos segmentos pobres da po-

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pulação e tem seu benefício condicionado às exigências que devem ser cumpridas

pelo indivíduo e pela família beneficiada. As condicionalidades dizem respeito às

áreas da educação e saúde. No campo da educação, as famílias têm a obrigação

de manter crianças e adolescentes na escola de 06 a 15 anos com freqüência de

no mínimo 85% das aulas por mês. Na área da saúde, as crianças menores de 7

anos que recebe o beneficio assume o compromisso de acompanhar o cartão de

vacinação, além do crescimento e desenvolvimento. As mulheres na faixa de 14 a

44 anos também devem fazer o acompanhamento e, se gestantes ou nutrizes (lac-

tantes), devem realizar o pré-natal e o acompanhamento da sua saúde e do bebê.

o principal objetivo do PBF é a superação da pobreza no seu grau mais extremo,

tendo como eixos principais:

Diminuição imediata da pobreza, por meio da transferência direta de renda às famílias; Reforço do direito de acesso das famílias aos serviços básicos nas áreas de saúde, educação e assistência social, por meio das condicionalidades, o que contribui para as famílias romperem o ciclo da pobreza entre gerações; Integração com outras ações e programas dos governos, nas suas três esferas, e da sociedade para apoiar as famílias a superarem a situação de vulnerabilidade e pobreza”. (MDS, 2009, p. 04).

Abramo (2005) considera que o questionamento acerca da abordagem da ques-

tão de gênero nas Políticas Públicas brasileira é necessário por dois motivos: em

primeiro lugar, pelo fato das desigualdades e a discriminação de gênero serem

problemas que dizem respeito á maioria da população brasileira, pois neste caso

não estamos falando de grupos específicos da população, ou de minorias, mas,

sim da ampla maioria da sociedade brasileira, visto que, a população brasileira é

constituída em mais da metade por mulheres. o segundo motivo está relacionado

ao fato de que todos os indicadores sociais (educação, emprego trabalho, moradia

dentre outros) mostram existir uma ampla desvantagem das mulheres em relação

aos homens, especialmente quando se analisa a inserção da mulher no merca-

do de trabalho (SANCHES, 2009; oIT, 2007, 2010; GoLDENBERG, 2000; BoRGES,

2007; BRuSCHINI, 1998, uNIFEM, 2004).

Acrescento a esses dois aspectos um terceiro: embora o PBF não seja um programa

direcionado às mulheres, ele acaba por assumir esse papel. Segundo Lima e Silva

(2010) no ano de 2009, a quase totalidade das famílias atendidas (92,0%) dos

responsáveis legais pelo programa eram mulheres, portanto, não se pode analisar

o programa sem perceber a peculiaridade de gênero e a importância que a mulher

assume na família. A opção por priorizar as mulheres como beneficiarias do PBF

encontra respaldo em estudos que afirmam que elas tendem a investir o benefi-

cio na família e nos filhos, enquanto os homens tendem a destinar parte desses

recursos para si próprios (FIALHo, 2007; MARIANo & CARLoTo, 2009, 2011). Tais

análises reafirmam a maternidade como sendo um dos pilares da identidade femi-

nina, enaltecendo a capacidade de “altruísmo” das mães. Impressiona o fato dessa

relação entre essa visão maternal e as políticas públicas de combate à pobreza

MuLHER E TRABALHo No PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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terem gerado pouco debate em âmbito acadêmico, visto que, as mulheres cada

vez mais estão sendo orientadas para o mercado de trabalho.

Não é novidade afirmar que mesmo diante da nova conjuntura no mundo do tra-

balho, as mulheres continuam ganhando menos que os homens, e, por sua vez, as

mulheres negras recebem menos que as pardas e estas menos que as brancas, re-

velando a interseccionalidade entre as categorias gênero, raça e classe. o relatório

Igualdade no trabalho: enfrentando os Desafios lançado pela organização Interna-

cional do Trabalho (oIT, 2007) apresenta os principais aspectos da discriminação

no mercado de trabalho em contexto brasileiro nos últimos dez anos e pondera:

“Neste cenário de mudanças, talvez as de maior significado para o futuro sejam a presença definitiva e crescente das mulheres em busca de oportunidades profissionais e a intensificação da discussão sobre a desigualdade racial no país, que se instala na agenda pública, trazendo à tona dados irrefutáveis sobre a discriminação da população negra no trabalho, sofrida com dupla intensidade pelas mulheres negras”. (oIT, 2007, p. 01).

Ainda segundo a oIT (2007) desde 1995, ocorre o aumento da ocupação feminina

em 2,1% ao ano em comparação à masculina. Contudo, o aparente progresso ocul-

ta uma situação de discriminação, pois as mulheres permanecem voltadas para

as atividades consideradas de âmbito feminino, tais como, os serviços sociais e o

trabalho doméstico.

“o Rio e a Barca: onde tudo começou... Esse rio é minha rua Minha e tua, mururé Piso no peito da lua Deito no chão da maré” (Música: Esse rio é minha rua. Letra: Paulo André Barata e Ruy Barata)

Para além da musicalidade paraense que canta e encanta os nascidos na terra, os

versos acima traduzem a geografia local. A simbiose entre o rio e a rua expressa

o cotidiano de uma comunidade que tem o rio como local de trabalho e sociabi-

lidade. A vivência com as águas está presente desde os primeiros passos, onde

aprendem a nadar, a pescar, a navegar e, principalmente relacionar-se com o meio

circundante.

Assim é o lócus deste estudo, a vila da Barca, uma das maiores áreas palafíticas

da Região Metropolitana de Belém, as proximidades do centro da cidade. Trata-se

de um bairro periférico, localizado em uma área nobre, com uma área territorial de

2.317 km², segundo dados da prefeitura (PMB, 2003).

Não há consenso quanto ao período de nascimento da vila. Furtado e Santana

(1974) fazem referência a década de 40, versão contestada por outros estudiosos.

vilar (2008), Farias Junior (2006) e Santos et al (2010) apontam a década de 1940

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como marco no processo de ocupação da vila da Barca. Diogo (2010) sugere os

anos de 1920, a partir de depoimentos de antigos moradores da localidade, bem

como, de extensa pesquisa bibliográfica baseada em jornais locais, romances e

artigos científicos.

Controvérsias a parte, todos parecem concordar com a origem do nome vila da

Barca”, conforme reportagem extraída do jornal “o Estado do Pará”:

“Ninguém, poderia nascer com um destino tão bom e tão humano, como aquela Barca enorme guardando o característico das Caravelas históricas, construídas no Pará, com madeiras paraenses e pelos operários. Aquela coisa nascia com alma, trazia como as criaturas o seu destino e teria de cumpri-lo, com a mesma paciência dos predestinados, o mesmo ar inexorável. Chegou ir a Portugal. Levava em seu bojo rapazes engajados para essa acidentada viagem. Mas, seria, o seu destino. Em qualquer parte onde ficasse tinha de ser cumprida a sua sorte. Seria uma vila, com homens pobres trabalhando, com mulheres e filhos. A baia a engoliu, a lama da beirada a chupou. o rio compreendia o porque daquela volta: a barca seria a companheira das marés das águas subindo, macias e lânguidas, como se fosse uma amante enchendo-a de carícias. E talvez contassem histórias. A barca deveria ter muitas histórias para contar. Jogada na beirada além do curro velho, ficou esperando pelo seu futuro” (PEREIRA, 7/10/1941).

Pesquisadores, habitantes locais e romancistas acreditam estar relacionada a uma

embarcação de origem portuguesa, apreendida pela Capitania dos Portos e que

teria naufragado ou encalhado na área, servindo como moradia a sua tripulação.

Embora tal embarcação nunca tenha sido encontrada, a história parece ter sido

contada e recontada de geração em geração entre seus habitantes, como se con-

tam as narrativas mitológicas da Amazônia.

Também é ponto facultativo entre estudiosos e poetas a formação humilde da vila.

Trecho da reportagem “os recantos que Belém não conta a ninguém”, descreve

essa gente:

“outros foram chegando. Aquela gente expulsa da Penitenciária, vinda de outros logares. E, essa gente, uns restos de flagelados, pacientes, cosidos nos sofrimentos mais amplos das torturas incríveis, ficaram pensando. Nessa vila da Barca as mulheres perderam o seu verdadeiro sentido do “porque vieram ao mundo”. Não é o trabalho que lhes tirou esse sentido. é a luta pela vida. é o modo e as conseqüências desses trabalhos. vivem no trabalho desde os seis anos. São as ‘socorros’ das fábricas de tecidos, meninas que “servem” os as operários maduros e limpam alguma coisa ou as ‘escolhedeiras’ das uzinas de beneficiamento.

MuLHER E TRABALHo No PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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São levadas desde criancinhas pelos pais e vão aos poucos entrando na existência. Desde criancinhas conhecem todas as amarguras, não chegam a pensar na vida. E, talvez, não saibamos descobrir a alma dessa gente, o custo da falta desse conhecimento. Perguntando, responderão prontamente – Praque? A vida do subúrbio está cheia de ‘Praquês’. os pais? onde encontrá-los? Na fábrica de tecidos, nas usinas de beneficiamento, nos curtumes? Não sabem”. (PEREIRA, 1941, p.01)

um documentário produzido no ano de 1964 também trata a respeito dos primei-

ros moradores da vila:

“A maior parte dos habitantes da vila da Barca vive do trabalho nas feiras que abastecem diariamente os bairros pobres de Belém. os produtos vendidos nas feiras, principalmente frutas nativas, são adquiridos nos barcos que vem do interior. Comprando em pequenas quantidades, individualmente e sem depósitos, além de pagarem preços já elevados, os feirantes conseguem somente uma pequena margem de lucro”. (vILA DA BARCA, 1964, s/p)

Trata-se, portanto de “intermediários” responsáveis por adquirir os produtos com

os “atravessadores”, estes sim, fazem o transporte de gêneros alimentícios do in-

terior para abastecer a cidade. Revelando o contínuo campo-cidade e a relação

de dependência desta aos produtos vindos da região insular. A proximidade da

vila à maior feira aberta da América Latina, o mercado do ver-o-peso, constitui um

aspecto facilitador dessa relação.

Quanto ao aspecto populacional da vila, Furtado e Santana (1974) chamam a aten-

ção para a renda dos moradores, que oscilava na faixa de um salário mínimo e,

as atividades encontradas: ajudante de pedreiro, lavadeira, vendedor ambulante,

jornaleiro, peixeiro, balconista de mercearia, empregada doméstica, servente de

obras, carregador e outras relacionadas à construção civil.

Mais de trinta anos se passaram após os primeiros escritos acadêmicos sobre a

vila e seus habitantes sem que nenhum estudo fosse produzido. é, na primeira

década do século xxI que a vila da Barca volta a despertar o interesse acadêmico,

talvez motivado pelos programas sociais que ali se instalaram nos últimos anos,

como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Em 2003, a vila da Barca possuía mais de 4 mil pessoas residindo em sua maioria

em área de estivas2. o levantamento sócio econômico realizado pela PMB, por

meio da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), no período de julho a agosto

de 2003, verificou que a maioria da população que aí reside possui baixo poder

aquisitivo em decorrência de uma série de fatores como: a baixa escolaridade e,

2 DENoMINAção uTILIzADA PARA CARACTERIzAR AS PRINCIPAIS vIAS DE CIRCuLAção DoS MoRADoRES DAS

ÁREAS DE BAIxADAS, oNDE o ACESSo é EFETIvADo PoR MEIo DE PoNTES (ESTIvAS) CoNSTRuÍDAS EM MADEIRA SoBRE AS

ÁREAS ALAGADAS.

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por conseguinte, a precariedade no acesso ao mercado de trabalho formal. A prin-

cipal fonte de renda dos moradores da área está quase que em sua maioria vincu-

lada ao setor informal de trabalho. Grande parte dos moradores está desemprega-

da; outros vivem de trabalhos esporádicos, o que intensifica a vulnerabilidade da

maioria das famílias.

Segundo Silva, M. (2006), o número de trabalhadores com carteira assinada é

insignificante; são poucos os aposentados e pensionistas. A principal atividade

econômica na comunidade é o comércio, sendo comum a venda de ovos, peixes

e enlatados e gêneros alimentícios da região como o açaí, o tacacá, a farinha de

mandioca, as frutas regionais (cupuaçu, bacuri, taperebá, murici, etc...). A mão-de-

-obra autônoma é constituída por carpinteiros, pedreiros, encanadores, emprega-

das domésticas e uma ínfima quantidade de pescadores que ainda sobrevivem do

rio. Segundo Branco:

“Desde o início de sua ocupação, o espaço da vila da Barca esteve associado ao estigma de pobreza, violência, prostituição etc. Sendo que residentes de fora desta área sempre tiveram uma visão equivocada desta realidade. A violência urbana, na área, é igual ou inferior aos demais bairros de Belém, apesar do estereótipo pejorativo, construído ao longo dos anos acerca deste lugar. os moradores da área são penalizados por esta situação e acabam sofrendo diversas discriminações”. (BRANCo, 2009, p. 104).

Como dito antes, a vila da Barca faz parte do Programa de Aceleração do Cresci-

mento (PAC) implementado pelo governo federal. o projeto foi pensado para 736

famílias, embora na vila da Barca existam 4.000 famílias. Até o ano de 2004 foram

remanejadas 136 famílias. Há um decreto federal que obriga a entrega dos apar-

tamentos pela prefeitura de Belém até 2012. Representantes da Associação dos

Moradores da vila da Barda falam a respeito do “choque social”, pois os moradores

nas palafitas não pagavam luz, água, IPTu, DARF, PARF, além dos reparos, lajotas e

outros consertos e coleta de lixo que era inexistente nas palafitas.

Localmente os moradores diferenciam à área de palafitas chamando de “vila velha”

e a área onde estão construídos os apartamentos chamando de “vila Nova”. Em vi-

sitas à área podem-se perceber muitos contrastes entre a propaganda de governo e

a realidade enfrentada pelos moradores da área. Contudo, recomendam-se pesqui-

sas sobre o assunto que visualizem as mudanças sócio-ambientais ocorridas após

o PAC, como essa ação está modificando o contexto e a vida dos moradores da vila.

PERFIL DAS MULHERES PESQUISADAS

A faixa etária das mulheres pesquisadas compreende desde os 24 até os 86 anos,

revelando a diversidade geracional. Esse aspecto apresenta-se como positivo, pois

favorece diferentes gerações falando sobre o tema em questão. Contudo, percebe-

-se que entre as mulheres que recebem o benefício o maior percentual está na

faixa etária de 25 a 35 anos (10), enquanto que entre as que não recebem o be-

MuLHER E TRABALHo No PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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nefício há uma predominância na faixa de 35 a 44 anos (9). Esse fato pode ser

justificado dada a idade reprodutiva das mulheres pesquisadas, visto que, o BF é

direcionado às famílias, em situação de pobreza extrema, com crianças e adoles-

centes em idade escolar.

Quanto à escolaridade das mulheres pesquisadas na vila da Barca, nota-se a pre-

valência das mulheres com ensino fundamental incompleto tanto entre as bene-

ficiárias quanto entre as que não recebem o benefício do PBF, 17 e 10 respectiva-

mente. Em seguida, entre as mulheres que completaram o ensino médio o número

se equivale entre as que recebem o PBF e as que não recebem (7). o fundamental

completo foi informado por duas (2) mulheres entre as beneficiárias e mesmo nú-

mero entre as não beneficiárias. Entre as que não completaram o ensino médio

uma (1) recebe o PBF e duas (2) não são beneficiárias. uma das mulheres que

recebe o PBF declarou nunca ter estudado, no outro extremo do quadro, uma das

mulheres beneficiárias possui o ensino superior incompleto.

o dado referente a baixa escolaridade das moradoras da vila da Barca é recorren-

te em outros estudos sobre a localidade. Farias Júnior (2006) em dissertação de

mestrado apresentada à universidade Federal do Pará buscou compreender “o

fracasso escolar e a realidade educacional da vila da Barca” provenientes do pro-

cesso de exclusão social em que seus moradores se encontram. o autor, morador

das palafitas e, portanto, legítimo representante da vila considera que:

“Analfabetismo, não acesso à escola, reprovação, repetência, defasagem nos estudos e evasão, ainda que permaneçam vigorantes nesta localidade, já enfrentam uma certa resistência por parte daqueles que pareciam “predestinados” ao insucesso escolar. Já começam a perceber que, embora as condições para se estudar permaneçam difíceis, eles podem mudar o rumo do que parecia “predestinado” e da própria história que vivenciam”. (FARIAS JúNIoR, 2006, p. 212-3).

outros estudos apontam que 80% dos responsáveis legais pelo PBF não possuem

ensino fundamental completo, sendo que as regiões Sul e Sudeste possuem o

menor número de analfabetos, enquanto as regiões Norte e Nordeste apresentam

os piores índices de escolarização (CoNSTANzI & FAGuNDES, 2010).

Neste estudo, o percentual de mulheres beneficiárias pelo programa que não con-

cluíram o ensino fundamental é bastante significativo ao representar mais da me-

tade das mulheres pesquisadas nessa situação. uma visão geral do quadro sugere

que as mulheres que recebem o benefício são aquelas que tiveram menos acesso

e oportunidades de estudo, pois quase dois terços dessas mulheres (71,4%) pos-

suem no máximo o ensino fundamental.

No que concerne a naturalidade, a maioria das mulheres são oriundas da capital

paraense, tanto entre as que recebem o beneficio (18) quanto entre as que não

recebem (14). Em seguida, aparecem as provenientes do interior do Estado do

Pará, oito (8) entre as beneficiárias e cinco (5) entre as que não beneficiárias. E, por

fim, as que migraram de outros Estados como o Amazonas e outras regiões como o

Nordeste (Ceará, Recife e Maranhão), duas (2) entre as que recebem PBF e três (3)

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entre as que não recebem. Em outras palavras, 92,9% das mulheres beneficiárias

são provenientes do Estado do Pará, enquanto que entre as que não recebem o

beneficio esse percentual é de 86,3%.

A raça/etnia foi outro elemento presente nos questionários. optou-se pela auto-

-classificação e as respostas foram: predominantemente a raça/etnia parda, com

vinte e três (23) entre as beneficiárias e dezenove (19) entre as não beneficiárias,

em seguida vem a branca: três (3) entre as beneficiárias e uma (1) entre as que não

recebem o benefício. Entre as que responderam negra duas (2) estão as benefici-

árias do PBF e, igualmente, duas (2) entre as não beneficiárias. Destaque-se que, a

categoria “parda” apresenta outras subcategorias, como por exemplo, a morena, a

morena clara e a cor de jambo.

No que tange a interseccionalidade entre as categorias gênero, classe e raça, nota-

-se a predominância da cor “parda” no município em estudo. A miscigenação do

povo brasileiro constitui um processo de “embranquecimento” da nação visando

o gradativo desaparecimento do negro. Nesse sentido, Belém reproduz o cenário

de desigualdade encontrado a nível nacional.

Em relação à situação conjugal atual das entrevistadas, obtiveram-se os seguintes

resultados: treze (13) mulheres declararam viver em união estável entre as bene-

ficiárias, enquanto que oito (8) encontram-se em mesma situação conjugal entre

as não beneficiárias. o número de solteiras entre as não beneficiárias equivale ao

número das que vivem em união estável (8), entre o grupo das beneficiárias as

solteiras também representam esse número. As viúvas perfazem quatro (4) entre

as beneficiárias e as não beneficiárias. E, por fim, as casadas estão em menor grupo

entre as beneficiárias (3) e, também, entre as não beneficiárias (1).

Entre as beneficiárias doze (12) se declararam solteiras ou viúvas, portanto, não

contam com a presença masculina, enquanto que entre as não beneficiárias esse

percentual se eleva para dezesseis (16). Nas ciências sociais esse modelo de fa-

mília é denominado de “família chefiada por mulher” e apresenta um quadro de

complexidade e ambigüidade.

outro elemento considerado revelador do modo de vida dessas mulheres diz res-

peito aos filhos. os dados mostram que doze (12) mulheres tem entre 2 a 3 filhos

entre as que recebem o PBF, e entre as que não recebem, esse número sofre um

acréscimo alcançando quatorze (14) mulheres. Entre as beneficiárias o número de

mulheres que tem acima de 4 filhos chega a treze (13), no grupo das não benefi-

ciárias esse dado está bem abaixo com quatro (4) mulheres. E, entre as mulheres

que possuem somente um filho, entre as beneficiárias representa apenas uma (1)

mulher e as não beneficiárias somam duas (2) mulheres. A média de filhos por

mulher está em 3,1 filho para cada mulher pesquisada na vila da Barca.

O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E A PARTICIPAÇÃO DAS mUlHeRes no meRcado de tRabalHo

Como dito no início do texto, a categoria trabalho servirá de embasamento para

analisar a inserção e participação das mulheres beneficiárias, ou não, do Programa

MuLHER E TRABALHo No PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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Bolsa Família no mercado de trabalho. Entre as mulheres pesquisadas, dezesseis

(16) beneficiárias desempenham alguma ocupação ou atividade, entre as não be-

neficiárias esse percentual sofre ligeira queda perfazendo quatorze (14) mulheres.

Por outro lado, doze (12) mulheres beneficiárias não trabalham, enquanto que no

grupo das não beneficiárias esse número cai para oito (8). Em termos compara-

tivos, o dado mostra que na vila da Barca, embora o maior número de mulheres

trabalhe, esse número é maior entre aquelas que não recebem o beneficio do go-

verno (63,6%) em contraposição as beneficiárias (57,1%). outro número revela-

dor, diz respeito a duas (2) beneficiárias que nunca exerceram nenhuma atividade

remunerada, enquanto que no outro pólo, das mulheres não beneficiárias todas

trabalham.

Contudo, afirmar que essas mulheres não trabalham em função do benefício que

recebem constitui uma análise superficial do fenômeno. Igualmente, não se con-

corda com a análise empreendida por Sorj e Fontes em estudo comparativo nas

Regiões Nordeste e Sudeste sobre a articulação entre trabalho e família, as autoras

consideram que:

“o efeito negativo na quantidade e na qualidade do trabalho das mulheres é maior no Nordeste do que no Sudeste, provavelmente porque no Nordeste os recursos monetários do Bolsa Família rendem mais do que no Sudeste e, por isso, desestimulam a inserção das mulheres em trabalhos menos precários”. (SoRJ e FoNTES, 2010, p. 71).

Embora nosso estudo seja na Região Norte é possível traçar alguns paralelos entre

a pesquisa supracitada, tendo em vista que, a Região Norte e Nordeste apresentam

os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, aproximando-se em

relação a alguns aspectos sociais e econômicos. Nota-se que, ambas as regiões há

falta de políticas públicas direcionadas para essas mulheres no que compete ao

campo do trabalho. A baixa escolaridade associada à falta de qualificação profis-

sional impulsiona essas mulheres para atividades de baixo status social, com par-

cos rendimentos e expostas a condições de trabalho marcadas pela precariedade.

Há que se considerar também, a ausência de creches para atender aos filhos des-

sas mulheres, pois na condição de mães, a creche e pré-escola constituem condi-

ção si ne qua non para que essas mulheres possam trabalhar e ter onde deixar sua

prole em segurança. Contudo, dados do MEC (2010) apontam que somente 5,4%

das crianças de zero a três anos estão matriculadas em creche públicas no municí-

pio de Belém, que contabilizam 56 creches.

Como o mercado formal exige tempo e dedicação maior, não somente para en-

trada, mas, sobretudo, para permanência neste setor, é pouco provável que as

mulheres nessas condições tenham dificultado seu acesso ao mercado formal.

Comumente, essas mulheres estão situadas em atividades exercidas em âmbito

doméstico (lavadeira, cozinheira, vendedora de gêneros alimentícios, pequenos

comerciantes, etc..).

Entre as mulheres que exercem alguma atividade laboral, a categoria “autônoma”

foi citada por dez (10) mulheres beneficiárias e sete (7) não beneficiárias do PBF.

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Nessa categoria estão: jogo do bicho, confecção de arranjos para noivas, manicu-

re, vendedora de açaí, vendedora de tacacá e, principalmente, pequenos comércios

comumente denominados de “tabernas”. o alto percentual de trabalhadoras nessa

ocupação revela o baixo acesso e participação dessas mulheres no mercado formal.

o serviço doméstico foi igualmente citado tanto pelas quatro beneficiárias (4)

quanto pelas quatro não beneficiárias (4), considerado a porta de entrada no

mercado de trabalho urbano para mulheres migrantes de pouca ou nenhuma es-

colaridade. Para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2005), o

trabalho doméstico em 2005 abrangia cerca de 6,7 milhões de pessoas, entre as

quais, 93,2% eram mulheres, representando cerca de 16,9% do total do emprego

feminino.

De acordo com Sanches o trabalho doméstico constitui uma das ocupações mais

marcadas pela precariedade dos vínculos e pelo não cumprimento da legislação

do trabalho:

“o trabalho doméstico é classificado como parte da economia informal. Mais do que por uma correspondência direta com os diferentes conceitos de informalidade, essa modalidade de ocupação parece estar assim classificada pela dificuldade em incluí-la nas definições correntes do trabalho e do mercado de trabalho, pois estas ainda não incorporam a esfera da reprodução como criadora de valor. Não é, pois, a precariedade (real) do trabalho doméstico que o define como informal, mas o lugar que ocupa na concepção tradicional do que é uma atividade econômica”. (SANCHES, 2009, p.884).

Nesse sentido, as meninas e mulheres que migram do espaço rural para o urbano,

sem escolaridade e em busca de melhores condições de vida são fortes candida-

tas a compor o quadro de empregadas domésticas nas grandes cidades brasileiras.

o fato de o trabalho doméstico acontecer em âmbito privado e por ser uma prática

naturalizada, isto é, aceita cultural e socialmente, dificulta a percepção da mesma

como um problema social.

Não raro, nas camadas sociais menos favorecidas o ingresso das mulheres no mer-

cado de trabalho ocorre desde a infância. Nessa fase inicial da vida, o trabalho

consiste em uma “ajuda” ao grupo doméstico caracterizando uma situação de

trabalho infantil. os dados ratificam a situação de trabalho infanto-juvenil onde

quase a metade das mulheres, isto é, 46,4% das mulheres beneficiárias do PBF

iniciaram suas atividades laborais antes dos 18 anos de idade, enquanto que para

as mulheres não beneficiárias esse percentual se eleva para 72,7%, sendo que

dessas, 13,6% afirmaram ter começado a trabalhar antes dos 10 anos de idade. o

exercício de uma ocupação em idade escolar compromete a escolaridade dessas

mulheres e colocam em risco toda a trajetória desses sujeitos que tendem a re-

produzir o modelo de exclusão vivenciado por suas famílias, com o agravante aos

aspectos de gênero, raça/etnia e classe.

Quanto ao rendimento mensal, entre as beneficiárias 46,4% recebem de ½ a 1

MuLHER E TRABALHo No PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

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salário mínimo (SM) e entre as não beneficiárias há ligeiro acréscimo de 68,2%.

Entre as beneficiárias somente 3,6% recebem 2 SM, enquanto entre as não bene-

ficiárias 13,6% recebem entre 2 a 3 salários. Ainda nesse aspecto, entre as bene-

ficiárias sete (7) mulheres começaram a trabalhar após os 30 anos, no grupo das

mulheres não beneficiarias esse dado é inexistente.

A renda familiar das mulheres beneficiárias também suscita informações preciosas

para este estudo, 83,7% recebem menos de 1 salário mínimo3, sendo que 40,5%

recebem menos de ½ salário, entre as não beneficiárias nenhum grupo familiar

recebe menos de ½ salário, em compensação 54,0% recebem 1 salário mínimo.

os números são reveladores da situação de precariedade em que, principalmente,

as mulheres beneficiárias do programa se encontram, pois 96,4% recebem até 1

salário mínimo, coadunando com as expectativas do Programa de atender as famí-

lias que se encontram em situação de extrema pobreza, recebendo até R$120,00

per capita.

conclUsão

Sob a ótica de gênero, considera-se que o Programa Bolsa Família possui caráter

paradoxal. Se um lado confere certa autonomia às mulheres beneficiárias na me-

dida em que elas passam a assumir o poder de compra e consumo; por outro lado,

o programa navega no sentido contrário da politização da naturalização do vínculo

existente entre o sexo feminino e as atividades de âmbito doméstico.

No que tange ao acesso ao mercado de trabalho e à qualidade desse trabalho,

ambos os grupos de mulheres encontram-se em situação precária de acesso ao

mercado de trabalho dada a baixa escolaridade e qualificação. Contudo, entre o

grupo das beneficiárias a situação é agravada dada a alta inserção no mercado de

trabalho informal.

Considera-se que, a menor participação no trabalho formal das mulheres benefici-

árias ocorre em função da ausência de políticas públicas direcionadas para essas

mulheres no que compete ao campo do trabalho, pois como a maioria possui o

ensino fundamental incompleto, sua inserção ao mercado de trabalho se dá de

3 o SALÁRIo MÍNIMo CoRRESPoNDE A R$545,00 (QuINHENToS E QuARENTA E CINCo REAIS) No ANo DA

PESQuISA (2011).

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maneira precária submetida a atividades de baixo status social, com menor ren-

dimento salarial e expostas a condições de trabalho marcadas pela precariedade

conforme observado em outro estudo sobre as condições de trabalho das agentes

comunitárias de saúde no município de Ananindeua, região metropolitana de Be-

lém (SILvA, L., 2011).

outro dado recorrente diz respeito à ausência de equipamentos públicos para

atender aos filhos dessas mulheres, pois como a maior parte dessas mulheres são

mães, a creche e pré-escola constituem condição si ne qua non para que essas

mulheres possam trabalhar, tendo onde deixar seus filhos em segurança e sob

cuidados de profissionais especializados.

Para que o Programa Bolsa Família alcance seus propósitos, isto é, minimizar os

efeitos e romper o círculo vicioso da pobreza seria importante que paralelo a essas

ações houvesse uma política de formação e qualificação direcionadas às mulhe-

res para inserção ao mercado de trabalho e, não somente, de transferência de

renda como é corrente nos programas governamentais. Contudo, o estilo de vida

urbano-ribeirinho precisa ser reconhecido e respeitado como um modo de vida

peculiar que busca a harmonia entre ambos os espaços. Acredita-se que as políti-

cas devem ser pensadas para e a partir dessas mulheres, contemplando suas reais

necessidades, daí a importância de estudos que venham compreender o modo de

vida dessas comunidades. o estudo ora apresentado revela que as mulheres têm

os pequenos comércios como principal atividade, pois permite ao mesmo tempo,

a conciliação entre as atividades de reprodução e de produção. Nesse sentido,

cursos como: empreendedorismo, manipulação de alimentos e técnicas de venda

pode auxiliar para que elas aprimorem suas atividades laborais, contribuindo para

que as mesmas se projetem enquanto mulheres produtivas.

Reitera-se a importância do Programa Bolsa Família para a maior autonomia das

mulheres no que diz respeito a aquisição e administração do benefício. Contudo,

a maneira como o programa está implementado no município de Belém confere à

mulher o estatuto de esposa e mãe, reforçando as funções maternais e de cuidado;

em oposição à mulher trabalhadora. Assim, o PBF reproduz o dualismo clássico que

associa o espaço doméstico e privado à figura feminina, privando-a da conquista

de sua cidadania, pensada enquanto ser de direitos e deveres.

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