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VIII Congresso Brasileiro de Engenharia Química em Iniciação Científica 27 a 30 de julho de 2009

Uberlândia, Minas Gerais, Brasil

AVALIAÇÃO DO TRATAMENTO DE ÁGUA RESIDUÁRIA SINTÉTICA EM REATOR UASB SEGUIDO DE FILTRO PREENCHIDO COM SOLO NATURAL (SIMULANDO A

TÉCNICA DE DISPOSIÇÃO DE EFLUENTES NO SOLO)

1 Amanda Fernandes Barbosa, 2 Tânia Mara Rizzato, 3 Flavio Bentes Freire

1 Aluna de Iniciação Científica PIC/UEM/CTC, discente do curso de Tecnologia em Meio Ambiente 2 Técnica do Laboratório de Poluição e Saneamento do Centro de Tecnologia da UEM 3 Professor adjunto do Centro de Tecnologia da Universidade Estadual de Maringá - UEM

1,2,3 Universidade Estadual de Maringá. Av. Ângelo Moreira da Fonseca, 1800, Campus Regional de Umuarama, Umuarama – PR, CEP 87506-370

e-mail: [email protected]

RESUMO - Esse trabalho analisou o tratamento de uma água residuária sintética através de um reator UASB seguido de filtro preenchido com solo para simular a técnica de disposição de efluentes no solo. Para comparação, foi utilizado também um filtro preenchido com areia. O monitoramento do sistema foi realizado pelos seguintes parâmetros: pH, alcalinidade, ácidos voláteis, DQO, e nitrogênio Kjeldahl. Os resultados comprovaram um ótimo desempenho do reator UASB, e também que a retenção da matéria orgânica no filtro com solo natural foi quase total. A remoção de nitrogênio nos filtros foi bastante similar, ultrapassando os 80%. É possível concluir que a disposição no solo pode apresentar vantagens em relação ao descarte nos cursos de água, como por exemplo, fornecer nutrientes e matéria orgânica ao solo, o que é essencial para o desenvolvimento das atividades de agricultura.

Palavras-Chave: reator UASB, disposição no solo, água residuária sintética.

INTRODUÇÃO

Durante séculos a preocupação com as questões ambientais mereceu pouca, ou nenhuma atenção, talvez em decorrência da cobiça econômica e os benefícios ocasionados pelo desenvolvimento industrial e urbano. Ainda hoje muitos problemas persistem, mesmo com o grande avanço das políticas de proteção ambiental e da conseqüente conscientização sobre essa causa, que tornaram “lugar comum” à afirmação de que desenvolvimento e preservação devem caminhar lado a lado.

É inegável que o desenvolvimento apresentado pela civilização moderna trouxe consigo uma série de contribuições à sociedade. Avanços nas ciências dos materiais, na medicina, na agricultura, na indústria, e em vários outros setores, proporcionaram um bem-estar às populações. No entanto pode-se, vincular a esse progresso uma enorme lista de pontos desfavoráveis.

Os sistemas que compõem o saneamento básico, ou seja, o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, a limpeza pública e a drenagem urbana, são interferentes importantes e essenciais em qualquer análise de desenvolvimento humano. Quando funcionam de maneira eficiente e integrada, eles proporcionam vários benefícios ao meio-ambiente e às pessoas, dentre elas a diminuição da mortalidade,

diminuição da incidência de doenças de veiculação hídrica, preservação da flora e da fauna, menores gastos com despesas médicas e aumento da produtividade no trabalho.

Na prática, entretanto, é difícil um funcionamento integrado e eficiente entre os sistemas, principalmente em países “em desenvolvimento”. Sem dúvida a análise dessa questão é extremamente complexa e multidisciplinar, mais é possível afirmar categoricamente que o crescimento urbano é um dos grandes “vilões” do sistema de saneamento. A explosão demográfica, causada pelos elevados índice de natalidade e também pelo êxodo rural, proporciona um crescimento acentuado das populações.

De 1970 até o ano de 2000, por exemplo, a população brasileira, praticamente dobrou, com a porcentagem de população urbana crescendo de 55,9% para 81,1%, respectivamente (IBGE). Em geral esse crescimento é desordenado, sem planejamento, direcionado para as periferias dos grandes centros e para cidades de médio porte, e sem obediência às regulamentações urbanas (como áreas de proteção de mananciais, de encostas, de margens dos rios, dentre outros). Por trás desse fenômeno existem, obviamente, complexas questões políticas e socioeconômicas mais que certamente ajudam a compor a estrutura precária atual, culminando com um

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enorme déficit mundial relacionado o saneamento básico.

Em locais destituídos de sistemas de saneamento básico as pessoas vivem em condições insalubres, sem a promoção adequada de hábitos de higiene. Essas regiões tornam-se extremamente vulneráveis e favoráveis à proliferação de doenças.

A comunidade científica está diretamente envolvida neste contexto, estudando, desenvolvendo e viabilizando para minimizar os impactos ao meio ambiente, causadas pelas mais diversas formas de poluição. Mesmo em um país em desenvolvimento como o Brasil, onde a isso se soma uma série de outros agravantes e carências, muito se tem evoluído em relação ao tratamento dos poluentes, por exemplo. É essencial também que as tecnologias desenvolvidas pelos centros de pesquisa sejam efetivamente implementadas nas cidades. No que se refere ao tratamento de esgoto sanitário, ou outro efluente, é fundamental que as configurações de tratamento sejam eficientes, e preferencialmente de baixo custo.

Os processos biológicos anaeróbios envolvendo reatores com biomassa imobilizada se encaixam adequadamente nesses requisitos, por possibilitarem a retenção de biomassa dentro do sistema, aumentando a relação entre o tempo de retenção celular (θc) e o tempo de detenção hidráulica (TDH).

Uma das configurações mais difundidas de reatores anaeróbios de alta taxa é o reator UASB (“Upflow Anaerobic Sludge Blanket”). Esses reatores são efetivos para o tratamento de inúmeras águas residuárias e o bom desempenho está plenamente documentado na literatura (Van Haandel e Lettinga, 1994). Os reatores anaeróbios de alta taxa são indicados para o tratamento secundário, pois além da remoção de sólidos suspensos, também proporcionam remoção de parte dos sólidos dissolvidos presentes nos efluentes.

É importante salientar, entretanto, que em escala real, dificilmente uma única unidade de tratamento cumprirá os restritos níveis de descarga exigidos pelas legislações, sendo necessário o desenvolvimento de sistemas, geralmente com várias unidades. Diante dessa necessidade, é comum verificar a associação de duas ou mais configurações para o tratamento de efluentes, tanto na literatura científica, quanto nas diversas estações de tratamento de efluentes em funcionamento. As associações mais comuns são entre reatores biológicos, e também entre reatores biológicos e processos físico-químicos.

A norma brasileira NBR 9648 (ABNT, 1986), que se refere ao estudo de concepção de sistemas de esgoto sanitário, se refere a “corpo receptor” como sendo qualquer coleção de água natural ou solo que recebe o lançamento de

esgoto em seu estágio final. No entanto, a maioria absoluta dos sistemas públicos de esgoto sanitário do Brasil se caracteriza pelo descarte dos efluentes (tratados ou não) em cursos de água. O mesmo é feito com aqueles efluentes industriais que não podem ser lançados na rede pública de esgoto.

Apesar de ser uma técnica permitida por norma, o lançamento do esgoto no solo ainda é visto com enormes desconfianças no Brasil, ao ponto dessa alternativa ficar restrita a sistemas individuais de tratamento de esgotos, como nos sumidouros e valas de infiltração, por exemplo, que são unidades destinadas a receber o efluente dos tanques sépticos e infiltrá-los no solo seguindo alguns critérios normativos.

A infiltração no solo pode apresentar uma série de vantagens em relação ao descarte nos cursos de água, dentre as quais: além da disposição final, o solo também é, ao mesmo tempo, uma unidade de tratamento, em virtude de sua propriedade de “filtro natural”; o tratamento e o descarte podem ser feitos próximo ao local de geração; há uma evidente preservação dos cursos de água; é possível fornecer nutrientes e matéria orgânica ao solo, o que é essencial para o desenvolvimento das atividades de agricultura. As vantagens vinculadas a essa técnica partem do princípio de que o gerenciamento do efluente foi criterioso e bem executado, e que esse efluente já tenha passado previamente por outras unidades de tratamento, apresentando já uma considerável redução de poluentes e de microrganismos (se for o caso). Caso contrário haverá contaminação do solo e da água subterrânea e evidentes prejuízos à saúde pública.

Diante do exposto, esse trabalho tem a finalidade de analisar o tratamento de uma água residuária sintética através de um reator UASB seguido de um filtro preenchido com solo natural.

MATERIAL E MÉTODOS

Água Residuária

A água residuária utilizada em todos os

experimentos da pesquisa, baseada em Nery (2001), foi escolhida em função da simplicidade para a preparação de grandes volumes. Na sua composição original, ela teve como ponto de partida a solução utilizada para determinação de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), proposta pelo Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 2005), era constituída por nutrientes e três fontes de carbono: glicose, acetato de amônia e metanol. Com pequenas modificações, tais como a introdução de glicose como única fonte de carbono, a água residuária será baseada na descrição mostrada na Tabela 1.

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Zaiat (1999) utilizou este mesmo efluente sintético para dois experimentos: avaliação de transferência de massa externa e dos parâmetros cinéticos intrínsecos; e também para testes de desempenho, em um reator anaeróbio horizontal de leito fixo. Freire et al. (2008) utilizou a água residuária sintética para análise da fluidodinâmica de um reator anaeróbio de leito fluidificado.

Os valores apresentados na referida Tabela são baseados em uma concentração de glicose de 1000 mg.L-1, e Demanda Química de Oxigênio (DQO) também da ordem de 1000 mg.L-1. Para concentrações de DQO diferentes da estipulada, bastava acrescentar os reagentes na proporção

Tabela 1 – Componentes da água residuária sintética.

Composto Concentração

(mg/L)

Glicose 1000

Uréia 62,5

Sulfato de níquel 0,5

Sulfato ferroso 2,5

Cloreto férrico 0,25

Cloreto de cobalto 0,04

Óxido de selênio 0,035

Fosfato de potássio mono-

básico

42,5

Fosfato de potássio dibásico 10,85

Fosfato de sódio dibásico 16,7

Bicarbonato de sódio 1000

A escolha de uma água residuária sintética

se deve principalmente ao grande controle das propriedades da solução, e da facilidade de preparação. A manutenção das principais propriedades, tais como a quantidade de matéria orgânica, são importantes para investigações de caráter preliminar. Além disso, os efluentes reais freqüentemente podem conter substâncias extremamente tóxicas e microrganismos de caráter patogênico, o que pode apresentar um risco para os pesquisadores envolvidos.

Geralmente em pesquisas envolvendo reatores biológicos nem sempre é possível utilizar efluentes reais, devido à dificuldade de se coletar “in loco”, ocasionada pelos mais variados motivos, dentre eles: a distância e o custo de transporte, o elevado volume requerido, as restrições de acesso impostas pelas indústrias ou até mesmo o desconhecimento da origem deste efluente. Para isso, também é requisito a existência de instalações adequadas para armazenamento desses volumes. Assim, a utilização de efluentes reais está prevista para trabalhos futuros, na

medida em que se tenha infraestrutura apropriada para tal.

Reator UASB

O reator UASB, conforme esquema

apresentado na Figura 1, com volume de aproximadamente 1,0 litro, 55 cm de altura e 4,8 cm de diâmetro interno, foi construído em acrílico. Do mesmo material foi construído o separador de fases, semelhante a um “funil” invertido. O reator era dotado de três amostradores ao longo da altura, para amostragem da biomassa.

Figura 1 – Esquema do reator UASB utilizado na pesquisa.

Para que ocorresse maior velocidade na

partida do UASB, foi realizado um processo de inoculação (bastante usual em pesquisas envolvendo tratamento anaeróbio de efluentes) com lodo anaeróbio proveniente de reator UASB da Estação de Tratamento de Esgotos da cidade de Umuarama (PR), administrada pela companhia de saneamento do Paraná (SANEPAR).

Unidades de Filtração

A unidade de filtração, apresentada na

Figura 2 consistiu em um reservatório elevado, dois filtros funcionando em paralelo, e os reservatórios de saída.

No reservatório elevado foi armazenada a água residuária sintética (saída do UASB) que era distribuída aos filtros. Portanto, os dois filtros foram submetidos às mesmas condições de entrada. O transporte do líquido se deu através de mangueiras de silicone (por gravidade), e registros com ajuste fino foram utilizados para que fossem aplicadas as taxas pré-determinadas. A

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água residuária sintética filtrada foi depositada em reservatórios inferiores (um reservatório para cada filtro), para posteriores análises de laboratório.

Os filtros tinham cerca de 50 cm de altura e 10 cm de diâmetro. O filtro A foi preenchido com areia e o filtro B foi preenchido com solo predominantemente argiloso, coletado no campus da UEM, na cidade de Maringá. Como ainda são poucos os estudos relacionados com disposição no solo, a utilização do Filtro A, preenchido com areia, serviu estritamente como “padrão de comparação” com o desempenho do filtro B, uma vez que a areia é um material bastante usual em estudos de saneamento. Já no Filtro B, preenchido com solo natural, a idéia central foi simular o lançamento de efluentes no solo, em virtude da dificuldade de controle e monitoramento “in loco” dos fenômenos envolvidos.

Figura 2 – Esquema com o sistema de filtros utilizados na pesquisa.

Procedimento Experimental

Antes da realização efetiva da rotina

experimental, amostras do solo coletado foram levadas a um laboratório especializado (Solo Fértil, localizado em Umuarama – PR) para análises textural e de macro e micro nutrientes, e também foi realizada análise granulométrica em amostra da areia utilizada no filtro A. Foi prevista inicialmente a preparação da água residuária sintética com uma DQO de 500 mg/L. Ela era armazenada em um reservatório e transportada para o reator UASB através de bomba dosadora solenóide Prominent. Inicialmente a alimentação do reator foi feita com vazões extremamente

reduzidas, para que ocorresse adaptação da biomassa (lodo de inóculo) ao substrato fornecido. Após passar pelo UASB, a água residuária era coletada em um reservatório de saída.

Obtida uma quantidade considerável de água residuária sintética (tratada), esta foi transportada (manualmente) até o reservatório elevado do sistema de filtros. Assim, os dois filtros tiveram funcionamento simultâneo, com as mesmas condições operacionais de entrada. Como já mencionado anteriormente, a alimentação dos filtros se deu por gravidade, e as taxas de aplicação foram determinadas por registros de ajuste fino, nunca ultrapassando uma vazão de 800 ml/dia, que corresponde a uma taxa de aplicação superficial (TAS) de 100L/m2.dia.

Convêm salientar que, em virtude da dinâmica peculiar desse tipo de experimento, a carga orgânica e os tempos de detenção hidráulica no reator UASB foram sendo estipulados de acordo os resultados obtidos nas análises iniciais de monitoramento. O principal critério para ajuste das condições de entrada (do UASB) era o de proporcionar um efluente com DQO entre 100 e 150 mg/L, para ser então submetido a unidade de filtros. Essa faixa de valores é usualmente encontrada nas (ainda escassas) regulamentações de descarte de efluentes. Segundo Hespanhol (2003), os critérios para reuso agrícola, por exemplo, são distintos dos estabelecidos para descarte em corpos de água. Para o solo, inclusive, é atrativo que o efluente ainda seja dotado de níveis razoáveis de matéria orgânica e de nutrientes,

As análises físico-químicas foram realizadas em amostras coletadas na entrada e na saída de do UASB e na saída dos filtros, para que se verificasse não só a eficiência global do sistema, mas também o desempenho individual destas. O monitoramento do desempenho do sistema foi realizado pelos seguintes parâmetros físico-químicos: pH, alcalinidade, ácidos voláteis, DQO. A partir do 1000 dia de operação do sistema, foi possível também realizar análises de nitrogênio total Kjeldahl (NTK).

A freqüência de análises foi de duas vezes por semana. As análises foram realizadas no Laboratório de Poluição e Saneamento do CTC/UEM. As metodologias de análises e procedimentos necessários para coleta e preservação das amostras obedeceram aos padrões descritos no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 2005).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Reator UASB

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Os dados obtidos para desempenho do UASB em termos de concentração de DQO no afluente e no efluente são apresentados na Figura 3.

0

100

200

300

400

500

600

700

800

0 20 40 60 80 100 120 140 160

Tempo (dias)

DQO (mg/L)

afluente

efluente Figura 3- Variação temporal dos valores de DQO afluente e efluente no UASB.

No período de operação, foi obtida uma DQO afluente média de 632,5 mg/L com desvio padrão de 100,9 mg/L. Como já salientado anteriormente, não houve uma preocupação em se manter valores muito similares na DQO de entrada. Em razão das ótimas condições de controle provenientes da utilização de uma água residuária sintética, a variação na entrada foi proposital, seguindo o critério de proporcionar no UASB um efluente com concentração de DQO próxima aos 100 mg/L. A DQO efluente média para o mesmo período foi de 122,0 mg/L, bem próxima aos valores desejados, com um desvio padrão de 52,3 mg/L.

Nos primeiros 30 dias de operação do UASB, a DQO efluente apresentou valores bem baixos, em função da rápida partida e do ótimo desempenho do reator. No entanto, esses valores não eram interessantes para o propósito principal da pesquisa, uma vez que diferem das condições usuais atingidas no tratamento secundário de esgotos e também das condições previstas para as unidades de filtração. A partir de então foi necessária uma intervenção para a “piora” no desempenho, caracterizada pelo aumento na DQO afluente (subiu para valores próximos a 700 mg/L) e também pela retirada de um volume (cerca de 100 mL) de biomassa do interior do UASB.

Na Figura 4 é apresentada a eficiência de remoção de DQO para o reator UASB, durante o período de funcionamento.

0

20

40

60

80

100

120

0 20 40 60 80 100 120 140 160

Tempo (dias)

Eficiên

cia remoção DQO (mg/L)

Figura 4 - Variação temporal da eficiência de remoção de DQO no UASB.

A eficiência média de remoção de DQO foi de 81,5%, em concordância com os valores usuais de remoção apresentados na literatura para reatores UASB tratando esgoto sanitário (CAMPOS, 1999; CHERNICHARO, 1997; METCALF e EDDY, 2003).

A Tabela 2 apresenta os valores médios obtidos no monitoramento de desempenho do UASB para os seguintes parâmetros: pH, alcalinidade total, ácidos voláteis e NTK. Tabela 2 – Valores médios obtidos para alguns parâmetros de monitoramento do UASB.

PARÂMETRO UASB

afluente efluente

pH 7,2 8,0

alcalinidade total (mg/L) 373,6 448,4

ácidos voláteis (mg/L) 145,1 71,3

NTK (mg/L) 10,6 22,5

A alcalinidade total média no afluente foi de

373,6 mg/L, valor bem próximo ao apresentado em Freire et al. (2008), que utilizou a mesma água residuária sintética para a realização de estudos em um reator de leito fluidificado. A alcalinidade total efluente ao UASB foi de 448,4 mg/L, mostrando que houve um incremento de alcalinidade após a passagem pelo reator.

A geração de alcalinidade ao longo do processo anaeróbio é um bom indício de estabilidade. Os valores no efluente maiores que no afluente representam que a remoção de ácidos voláteis do sistema foi efetiva. Nos fundamentos da digestão anaeróbia há complexas reações bioquímicas, algumas delas com geração e outras com consumo de ácidos. Nos reatores, o acúmulo de ácidos orgânicos voláteis indica um desbalanceamento entre as velocidades de consumo de matéria orgânica, realizado pelos diferentes tipos de bactérias. A “harmonia” entre esse consumo de matéria orgânica, por sinal, é

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responsável pelo desempenho adequado do sistema de tratamento anaeróbio. Quando a concentração de ácidos voláteis se torna muito elevada, ou melhor, quando não existe mais efeito tampão devido à ausência de alcalinidade a bicarbonato, há probabilidade de ocorrência de problemas graves com o sistema de tratamento, devido à diminuição do pH (SPEECE, 1996).

A geração de alcalinidade também foi verificada analisando-se os valores de pH, uma vez que o pH afluente médio foi de 7,2 e o pH efluente médio foi de 8,0. Conforme já mencionado, houve consumo de ácidos voláteis dentro do UASB e geração de alcalinidade. A concentração média de ácidos voláteis no afluente foi de 145,1 mg/L e no efluente foi de 71,3 mg/L. Todos os parâmetros de monitoramento do reator que foram descritos até este momento, ou seja, a remoção de matéria orgânica (em termos de DQO), a alcalinidade, o pH e a concentração de ácidos voláteis, demonstraram que o sistema se manteve estável nas condições operacionais aplicadas.

Não houve remoção de nitrogênio total Kjeldahl no UASB. Pelo contrário, em relação à concentração afluente média (10,6 mg/L), houve um aumento de concentração de NTK no efluente do reator (22,5 mg/L). É bem provável que a concentração de nitrogênio afluente se deva exclusivamente à uréia (CH4N2O), presente na composição da água residuária sintética, e que o aumento na concentração efluente seja causado por reações de geração de nitrogênio, possivelmente sob a forma de nitrogênio amoniacal, durante a digestão anaeróbia. De certa forma esse comportamento já era esperado, uma vez que a remoção biológica de nitrogênio envolva inicialmente a nitrificação, em condições aeróbias, e posteriormente a desnitrificação, em condições anóxicas, ou seja, sem a presença de oxigênio livre, sendo todo o oxigênio necessário proveniente das moléculas de nitrato (METCALF e EDDY, 2003).

Unidades de Filtração

Quanto aos resultados obtidos nas

unidades de filtração, a análise granulométrica na amostra de areia (utilizada no filtro A) indicou uma areia média, com diâmetros situados entre 0,2 e 0,6 mm, e o solo utilizado, apresentou pH de 5,83, a textura resultou em 63,9 g/kg de argila, 10 g/kg de silte e 26,1 g/kg de areia, sendo caracterizado como predominantemente argiloso. Em relação aos macro nutrientes, estão apresentados na Tabela 3.

Tabela 3 – Valores obtidos na análise química do solo de macro nutrientes.

Macro Nutrientes Fósforo (F) 4,50 mg/dm3

Carbono (C) 4,48 g/dm3 Alumínio (Al3+) 0,00 cmol/dm3 Acidez potencial (H+ + Al3+)

3,97 cmol/dm3

Cálcio (Ca2+) 4,25 cmol/dm3 Magnésio ( Mg2+) 1,38 cmol/dm3 Potássio ( K+) 0,38 cmol/dm3

Os resultados da análise de micro

nutriente apresentam-se na Tabela 4.

Tabela 4 – Valores obtidos na análise química do solo de micro nutrientes.

Micro Nutrientes Ferro (Fe) 56,40 mg/dm3 Cobre (Cu) 6,31 mg/dm3 Manganês (Mn) 16,70 mg/dm3 Zinco (Zn) 5,47 mg/dm3 Boro (B) 0,12 mg/dm3 Enxofre (S) 8,81 mg/dm3

Na Figura 5 são apresentados os

resultados relacionados a DQO nos filtros A e B.

020406080100120140160180200

0 20 40 60 80 100 120 140 160

Tempo (dias)

DQO (mg/L)

afluente

efluente FILTRO A

efluente FILTRO B

Figura 5 – Variação temporal da DQO afluente e efluente obtida nas unidades de filtração em areia (Filtro A) e em solo natural (Filtro B).

A DQO média afluente aos filtros foi de 147,8 mg/L e a efluente foi de 59,9 mg/L no filtro de areia e 12,4 mg/L no filtro de solo natural. No que diz respeito à remoção de DQO, no período de funcionamento das unidades o filtro B (com solo natural) sempre apresentou um desempenho superior ao filtro A (com areia), que pode ser constatado ao se analisarem os resultados obtidos para eficiência de remoção (Figura 6).

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0102030405060708090100

0 20 40 60 80 100 120 140 160

Tempo (dias)

DQO (mg/L)

FILTRO A

FILTRO B

Figura 6 – Variação temporal da eficiência de remoção de DQO nas unidades de filtração em areia (Filtro A) e em solo natural (Filtro B).

A eficiência média de remoção de DQO no Filtro A foi de 58,8%, e no Filtro B de 91,3%, configurando uma evidência clara da potencialidade do solo em receber efluentes tratados. Em relação ao desempenho inferior do Filtro A, é provável que a granulometria escolhida não tenha sido efetiva na remoção da matéria orgânica mais finamente dissolvida.

A Tabela 5 apresenta os valores médios obtidos nas unidades de filtração relacionados com o monitoramento do pH, da alcalinidade total, dos ácidos voláteis e do NTK.

Tabela 5 – Valores médios obtidos no monitoramento para alguns parâmetros de monitoramento das unidades de filtração.

PARÂMETRO FILTRO A FILTRO B

afluente efluente afluente efluente

pH 8,0 7,6 8,0 6,6 alcalinidade total

(mg/L) 448,4 366,6 448,4 134,4

ácidos voláteis (mg/L)

71,3 54,2 71,3 27,4

NTK (mg/L) 22,5 3,2 22,5 3,5

Em geral, além da DQO, o Filtro B

apresentou remoções maiores para compostos ácidos e para substâncias alcalinas, o que pode ser confirmado ao se observar os valores médios efluentes de ácidos voláteis e alcalinidade, respectivamente. O menor valor de pH no efluente do Filtro B (6,6) em relação ao filtro A (7,6) está possivelmente relacionado com uma remoção de alcalinidade muito mais efetiva neste mesmo filtro (de 448,4 mg/L para 134,4 mg/L). É de conhecimento que a alcalinidade provoca o efeito tampão, ou seja, a capacidade de manutenção dos valores de pH. Não existindo mais alcalinidade suficiente (em virtude dos compostos alcalinos ficarem retidos no filtro), há tendência de queda nos valores de pH.

Apesar de proporcionar uma remoção bem superior de DQO em relação ao Filtro A, a remoção de NTK no filtro B (84,4%) foi bastante próxima à verificada no Filtro A (85,8%). Assim, contatou-se nesta pesquisa que o filtro com solo natural apresentou elevadas remoções de nitrogênio e de matéria orgânica (em termos de DQO). Além da retenção física no meio filtrante, pode também ter ocorrido no solo reações parciais de nitrificação e de desnitrificação, que seriam confirmadas mediante análises das formas oxidadas de nitrogênio.

A retenção física pode ser bastante interessante para a agricultura, por exemplo, uma vez que substâncias como o Nitrogênio são essenciais para o desenvolvimento dessa atividade. Hespanhol (2003) ratifica que os padrões de lançamento neste caso poderiam ser menos restritivos que aqueles determinados para descarte em corpos d’água.

Talvez um dos motivos para a escassez de estudos envolvendo a disposição de efluentes tratados no solo esteja na complexidade de se executarem pesquisas “in loco”. O monitoramento do processo é bastante complexo, uma vez que a amostragem nas camadas subterrâneas fica praticamente impossibilitada sem que ocorram alterações de sua estrutura.

Sabe-se que a utilização de filtros preenchidos com solo natural para simular o que aconteceria em escala real acaba simplificando o problema, mas permite uma boa análise do comportamento destes solos quando submetidos ao lançamento de efluentes tratados.

CONCLUSÕES

É possível dizer que, no experimento específico, ou seja, nas condições operacionais que foram implementadas para esta pesquisa, uma profundidade de 40 cm de solo removeu praticamente toda a matéria orgânica e cerca de 85% do nitrogênio remanescentes da água residuária.

Os resultados indicam a grande potencialidade do descarte no solo de efluentes tratados. Além de ser uma alternativa em relação ao descarte em cursos de água, a utilização criteriosa de efluentes tratados no solo pode ter efeitos positivos para a recarga de aqüíferos e para a agricultura.

É necessário, entretanto, que se tenha um rigoroso controle das características qualitativas do efluente, principalmente no que diz respeito a microrganismos patogênicos (como os ovos de helmintos) e a compostos tóxicos, como os metais pesados. Os avanços só se tornarão realidade com a participação efetiva da comunidade científica.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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