Aves das florestas de restinga de Itanhaém/Mongaguá-SP

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Atualidades Ornitológicas On-line Nº 153 - Janeiro/Fevereiro 2010 - www.ao.com.br 50 1 Bruno Lima No litoral médio do Estado de São Paulo, a área de Itanha- ém/Mongaguá foi recentemente considerada como uma área impor- tante para a conservação das aves no Brasil (Bencke et al., 2006). Ela engloba a extensa planície arenosa localizada entre a rodovia Pa- dre Manuel da Nóbrega (SP-55) e as encostas baixas adjacentes não protegidas pelo Parque Estadual da Serra do Mar sob as coordenadas: 24º06'S, 46º45'W. (Figura 1) Os municípios de Itanhaém/Mongaguá estão localizados na Região Metropolitana da Baixada Santista -SP, que engloba oito cidades: Ber- tioga, Guarujá, Santos, São Vicente, Praia Grande, Mongaguá, Itanha- ém e Peruíbe, onde originalmente esta vegetação estendia-se por um 2 território de aproximadamente 423 km . Da totalidade das florestas de restinga originalmente existentes na Ba- ixada Santista restam, com estrutura fisionômica e composição florísti- 2 ca preservadas, aproximadamente 22% (90km ) (Guedes et. al, 2006). Essa parte da planície litorânea paulista ainda apresenta remanes- centes significativos de floresta de restinga, cujo dossel atinge até 20 m de altura nos trechos menos alterados (Buzzetti, 1996). Entretanto, o conhecimento sobre sua avifauna ainda é escasso, res- tringindo-se a um resumo publicado por Buzzetti (1996) no V Con- gresso Brasileiro de Ornitologia. Com a finalidade de divulgar o conhecimento qualitativo da avifau- na dessas florestas de restinga, foram realizadas visitas à região, entre março de 2006 e maio de 2009. Os registros de aves basearam-se em observações visuais, feitas com o auxílio de binóculos Zeiss 10 X 50, além de identificação de vo- calizações, registradas com um gravador Sony TCM-5000 EV, equi- pado com um microfone Azden ECZ-660. Foram feitas observações durante todos os períodos do dia, incluindo observações noturnas. Foram registradas 262 espécies de aves durante os levantamentos con- duzidos no presente estudo (Figura 2). Estão compreendidas neste con- junto, desde espécies com populações localmente reduzidas até algumas que aparentemente apenas mais recentemente colonizaram a região. Foram encontradas 12 espécies ameaçadas: Crypturellus noctiva- gus, Aburria jacutinga, Leucopternis lacernulatus (Figura 3), Touit melanonotus, Amazona brasiliensis (Figura 4), Myrmotherula minor, Platyrinchus leucoryphus (Figura 6), Carpornis melanocephalus (Fi- gura 5), Procnias nudicollis, Tangara peruviana (Figura 7), Sporophi- la frontalis e Sporophila falcirostris. Além disso, 12 fazem parte da categoria de quase-ameaçado: Tinamus so- litarius, Triclaria malachitacea, Ramphodon naevius, Baillonius bailloni , Dysthamnus stictotoraxm, Myrmotherula unicolor (Figura 8), Merulaxis ater, Scytalopus indigoticus (Figura 9), Hemitriccus orbitatus, Phylloscar- tes paulista, Cyanocorax caeruleus (Figura 10) e Thraupis cyanoptera. As restingas da região também abrigam a população mais setentrio- nal de Amazona brasiliensis (papagaio-de-cara-roxa), psitacídeo seri- amente ameaçado, atualmente restrito a estreita faixa costeira entre Mongaguá e o litoral sul do Paraná (Martuscelli, 1995). Em citação de Buzzetti (1996), haviam pelo menos 80 indivíduos em Itanhaém em meados da década de 1990. Em censos realizados ma- is recentemente (2006-2009), foram encontrados 128 indivíduos, que habitam desde as restingas do Rio Aguapeú, em Mongaguá, até Peruí- be. A espécie reproduz-se nas proximidades do Rio Preto, em Itanha- ém, onde também há um conhecido local de repouso coletivo. A avifauna das florestas de restinga de Itanhaém/Mongaguá, Estado de São Paulo, Brasil Figura 1. Mapa do Estado de São Paulo, localizando a Região Metropolitana da Baixada Santista. Em verde, a área de estudo. Figura 3. Entre os gaviões, destaca-se o ameaçado gavião-pombo-pequeno (Foto: Rafael Bessa). 9 771981 887003 3 5 1 0 0 ISSN 1981-8874

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Atualidades Ornitológicas On-line Nº 153 - Janeiro/Fevereiro 2010 - www.ao.com.br50

1Bruno Lima

No litoral médio do Estado de São Paulo, a área de Itanha-ém/Mongaguá foi recentemente considerada como uma área impor-tante para a conservação das aves no Brasil (Bencke et al., 2006).

Ela engloba a extensa planície arenosa localizada entre a rodovia Pa-dre Manuel da Nóbrega (SP-55) e as encostas baixas adjacentes não protegidas pelo Parque Estadual da Serra do Mar sob as coordenadas: 24º06'S, 46º45'W. (Figura 1)

Os municípios de Itanhaém/Mongaguá estão localizados na Região Metropolitana da Baixada Santista -SP, que engloba oito cidades: Ber-tioga, Guarujá, Santos, São Vicente, Praia Grande, Mongaguá, Itanha-ém e Peruíbe, onde originalmente esta vegetação estendia-se por um

2território de aproximadamente 423 km .Da totalidade das florestas de restinga originalmente existentes na Ba-

ixada Santista restam, com estrutura fisionômica e composição florísti-2ca preservadas, aproximadamente 22% (90km ) (Guedes et. al, 2006).

Essa parte da planície litorânea paulista ainda apresenta remanes-centes significativos de floresta de restinga, cujo dossel atinge até 20 m de altura nos trechos menos alterados (Buzzetti, 1996).

Entretanto, o conhecimento sobre sua avifauna ainda é escasso, res-tringindo-se a um resumo publicado por Buzzetti (1996) no V Con-gresso Brasileiro de Ornitologia.

Com a finalidade de divulgar o conhecimento qualitativo da avifau-na dessas florestas de restinga, foram realizadas visitas à região, entre março de 2006 e maio de 2009.

Os registros de aves basearam-se em observações visuais, feitas com o auxílio de binóculos Zeiss 10 X 50, além de identificação de vo-calizações, registradas com um gravador Sony TCM-5000 EV, equi-pado com um microfone Azden ECZ-660. Foram feitas observações durante todos os períodos do dia, incluindo observações noturnas.

Foram registradas 262 espécies de aves durante os levantamentos con-duzidos no presente estudo (Figura 2). Estão compreendidas neste con-junto, desde espécies com populações localmente reduzidas até algumas que aparentemente apenas mais recentemente colonizaram a região.

Foram encontradas 12 espécies ameaçadas: Crypturellus noctiva-gus, Aburria jacutinga, Leucopternis lacernulatus (Figura 3), Touit melanonotus, Amazona brasiliensis (Figura 4), Myrmotherula minor, Platyrinchus leucoryphus (Figura 6), Carpornis melanocephalus (Fi-gura 5), Procnias nudicollis, Tangara peruviana (Figura 7), Sporophi-la frontalis e Sporophila falcirostris.

Além disso, 12 fazem parte da categoria de quase-ameaçado:Tinamus so-litarius, Triclaria malachitacea, Ramphodon naevius, Baillonius bailloni, Dysthamnus stictotoraxm, Myrmotherula unicolor (Figura 8), Merulaxis ater, Scytalopus indigoticus (Figura 9), Hemitriccus orbitatus, Phylloscar-tes paulista, Cyanocorax caeruleus (Figura 10) e Thraupis cyanoptera.

As restingas da região também abrigam a população mais setentrio-nal de Amazona brasiliensis (papagaio-de-cara-roxa), psitacídeo seri-amente ameaçado, atualmente restrito a estreita faixa costeira entre Mongaguá e o litoral sul do Paraná (Martuscelli, 1995).

Em citação de Buzzetti (1996), haviam pelo menos 80 indivíduos em Itanhaém em meados da década de 1990. Em censos realizados ma-is recentemente (2006-2009), foram encontrados 128 indivíduos, que habitam desde as restingas do Rio Aguapeú, em Mongaguá, até Peruí-be. A espécie reproduz-se nas proximidades do Rio Preto, em Itanha-ém, onde também há um conhecido local de repouso coletivo.

A avifauna das florestas de restinga de Itanhaém/Mongaguá, Estado de São Paulo, Brasil

Figura 1. Mapa do Estado de São Paulo, localizando a Região Metropolitana da Baixada Santista. Em verde, a área de estudo.

Figura 3. Entre os gaviões, destaca-se o ameaçado gavião-pombo-pequeno (Foto: Rafael Bessa).

9 771981 887003 35100

ISSN 1981-8874

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Figura 2. Lista das aves das florestas de restinga de Itanhaém/Mongaguá-SP

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Am: espécies ameaçadas de extinção, de acordo com a BirdLife International( )

NT: espécies quase-ameaçadas(near threatened), de acordo com a IUCN( )

* : espécies incomuns para o litoral de São Paulo** : primeiro registro documentado para o Estado de São PauloE: provável escape ou soltura de cativeiroR: registrado por Buzzetti (1996)

http://www.birdlife.org/datazone/species/index.html

http://www.iucnredlist.org/static/categories_criteria_3_1

Figura 4. A região é o limite setentrional do papagaio-de-cara-roxa (Foto: Robson Silva & Silva).

Figura 5. O sabiá-pimenta é um Cotingídeo ameaçado, que tem nas matas da região um importante refúgio (Foto: Rafael Bessa).

Figura 6. Raro, o patinho-grande habita o sub-bosque das matas de restinga (Foto: Rafael Bessa).

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Neste local também foi realizado o primeiro registro documentado do gavião-de-rabo-barrado (Buteo albonotatus) (Figura 11) para o Estado de São Paulo, fotografado em 14/05/2009. Essa espécie já foi avistada anteriormente por alguns pesquisadores, mas ainda permane-cia sem registros documentados.

Segundo consta na “Lista das Aves do Estado de São Paulo” (CEO, versão 15/01/2009), o registro dessa espécie em São Carlos é questio-nado por Willis & Oniki (2003), que consideram poder tratar-se de Bu-teo albicaudatus. Há entretanto registros mais recentes na Ilha do Car-doso (Martusceli, Olmos & Galetti 2001), na Casa da Bocaina (Serra da Bocaina), Itapetininga e Morro Grande (CEO), Brotas em 2005 e 2006 (Marco Granzinolli, Ornitobr). Há uma comunicação pessoal de Fabio Olmos na Billings e outra em Pilar do Sul-SP, além da mais recente ob-servação no Parque do Ibirapuera em São Paulo-SP, em 08/08/2009 (Fernando Igor, com.pess).Um registro documentado é, portanto, de in-teresse para a confirmação definitiva da ocorrência dessa espécie no es-tado, o que já é esperado por sua distribuição geográfica conhecida.

Trata-se de uma área de extrema importância, principalmente devi-do à presença de populações de 11 espécies de aves ameaçadas, inclu-indo endemismos (ou quase endemismos) das florestas de baixada. A maioria dessas aves ocorre em poucas áreas protegidas na Mata Atlân-tica devido à exclusão sistemática das matas de baixada das unidades de conservação existentes (Aleixo & Galetti, 1997).

No entanto, apesar de as formações florestais de restingas serem pro-tegidas por diversos diplomas legais, em parte por serem consideradas Áreas de Preservação Permanente (APPs) pelo Código Florestal (Lei Federal nº 4.771) e pela Resolução nº 303/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), essa proteção, não constitui, por só uma garantia de proteção desse ecossistema, o qual deve ser preservado por meio da criação de reservas e unidades de conservação, públicas e privadas, de forma a assegurar sua perpetuação (Sampaio et al., 2005).

AgradecimentosMuitos pesquisadores me ajudaram e contribuíram para o conheci-

mento da avifauna desta região: Antônio Silveira, André de Luca, Car-los Gussoni, Carlos Aulicino, Fábio Olmos, Fábio Schunck, Lafaiete Alarcon, Luiz Fernando de A. Figueiredo, Rafael Bessa, Robson Silva & Silva e Tatiana Pongiluppi.

Referências BibliográficasAleixo, A. & Galetti (1997) The conservation of the avifauna in a lowland Atlantic Fo-

rest in south-east Brazil. Bird Conservation International, 7: 235-261Bencke, G.A., Maurício, Develey & Goerck (2006) Áreas Importantes para

a Conservação das aves no Brasil: parte I - estados do domínio da Mata Atlântica. São Paulo: SAVE Brasil.

Buzzetti, D.R.C. (1996) Aves de floresta de restinga em Itanhaém, litoral sul do Estado de São Paulo, Brasil. Resumos do V Congresso Brasileiro de Ornitologia, Campinas, p.17.

Guedes, D., Barbosa, Martins (2006). Composição florística e estrutura fitosso-ciológica de dois fragmentos d floresta de restinga no Município de Bertioga, SP, Brasil. ACTA Botânica Brasílica, vol 20 (2): 299-311.

Martuscelli, P. (1995) Ecology and conservation of the Red-tailed Amazon Amazona bra-siliensis in southeastern Brazil. Bird Conserv. Internat. 5:405-420.

Sampaio, D, Souza, Oliveira, Souza-Paula, Rodrigues (2005). Árvores da Restinga – Guia de Identificação. Editora Neotrópica. São Paulo-SP.

1. Rua Teixeira de Freitas, 05, apt.13. Bairro: Campo GrandeCEP:11075-720. Santos-SP

e-mail: [email protected]

M.

G.N. P.F. J.M.

M.L. E.S.

V.C. A.A. J. R.R.

Figura 7. A saíra-sapucaia é um ameaçado habitante das restingas da região (Foto: Públio Penha)

Figura 8. A choquinha-cinzenta pode ser ouvida com freqüência no sub-bosque (Foto:Rafael Bessa).

Figura 9. O discreto macuquinho ainda é comum na região (Foto: Alexandre Faitarone).

Figura 10. A gralha-azul é um típico habitante das matas de restinga (Foto: Robson Silva & Silva).

Figura 11. Primeiro registro documentado de gavião-de-rabo-barrado para o Estado de São Paulo. Foto: Robson Silva & Silva.