AZIZ AB´SÁBER _ A QUEM INTERESSA A TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO

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Artigo publicado por Ab'Saber, tratando de um tema polêmio: O projeto de transposição do Rio São Francisco.

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  • Aziz AbSber: a quem interessa a transposio do So Francisco?

    22 de maro de 2011

    Por Aziz AbSber

    Gegrafo, professor e escritor

    No Envolverde

    compreensvel que em um pas de dimenses to grandiosas, no contexto da

    tropicalidade, surjam muitas ideias e propostas incompletas para atenuar ou procurar

    resolver problemas de regies crticas. Entretanto, impossvel tolerar propostas

    demaggicas de pseudotcnicos no preparados para prever os mltiplos impactos

    sociais, econmicos e ecolgicos de projetos teimosamente enfatizados.

    Nesse sentido, bons projetos so todos aqueles que possam atender s expectativas de

    todas as classes sociais regionais, de modo equilibrado e justo, longe de favorecer apenas

    alguns especuladores contumazes.

    Nas discusses que ora se travam sobre a questo da transposio de guas do So

    Francisco para o setor norte do Nordeste Seco, existem alguns argumentos to fantasiosos

    e mentirosos que merecem ser corrigidos em primeiro lugar. Referimo-nos ao fato de que

    a transposio das guas resolveria os grandes problemas sociais existentes na regio

    semirida do Brasil.

    Trata-se de um argumento completamente infeliz lanado por algum que sabe de

    antemo que os brasileiros extra-nordestinos desconhecem a realidade dos espaos

    fsicos, sociais, ecolgicos e polticos do grande Nordeste do Pas, onde se encontra a

    regio semirida mais povoada do mundo.

    O Nordeste Seco, delimitado pelo espao at onde se estendem as caatingas e os rios

    intermitentes, sazonrios e exoreicos (que chegam ao mar), abrange um espao

    fisiogrfico socioambiental da ordem de 750.000 quilmetros quadrados, enquanto a rea

    que pretensamente receber grandes benefcios abrange dois projetos lineares que somam

    apenas alguns milhares de quilmetros nas bacias do rio Jaguaribe (Cear) e

    Piranhas/Au, no Rio Grande do Norte. Portanto, dizer que o projeto de transposio de

    guas do So Francisco para alm Araripe vai resolver problemas do espao total do

    semirido brasileiro no passa de uma distoro falaciosa.

    Um problema essencial na discusso das questes envolvidas no projeto de transposio

    de guas do So Francisco para os rios do Cear e Rio Grande do Norte diz respeito ao

    equilbrio que deveria ser mantido entre as guas que seriam obrigatrias para as

    importantssimas hidreltricas j implantadas no mdio/baixo vale do rio Paulo Afonso,

    Itaparica e Xing.

  • Devendo ser registrado que as barragens ali implantadas so fatos pontuais, mas a energia

    ali produzida, e transmitida para todo o Nordeste, constitui um tipo de planejamento da

    mais alta relevncia para o espao total da regio.

    Segue-se na ordem dos tratamentos exigidos pela ideia de transpor guas do So

    Francisco para alm Araripe a questo essencial a ser feita para polticos, tcnicos

    acoplados e demagogos: a quem vai servir a transposio das guas?

    Os vazanteiros que fazem horticultura no leito dos rios que cortam que perdem

    fluxo durante o ano-sero os primeiros a ser totalmente prejudicados. Mas os tcnicos

    insensveis diro com enfado: A cultura de vazante j era. Sem ao menos dar qualquer

    prioridade para a realocao dos heris que abastecem as feiras dos sertes. A eles se

    deve conceder a prioridade maior em relao aos espaos irrigveis que viessem a ser

    identificados e implantados. De imediato, porm, sero os fazendeiros pecuaristas da

    beira alta e colinas sertanejas que tero gua disponvel para o gado, nos cinco ou seis

    meses que os rios da regio no correm.

    Um projeto inteligente e vivel sobre transposio de guas, captao e utilizao de

    guas da estao chuvosa e multiplicao de poos ou cisternas tem que envolver

    obrigatoriamente conhecimento sobre a dinmica climtica regional do Nordeste. No caso

    de projetos de transposio de guas, h de ter conscincia que o perodo de maior

    necessidade ser aquele que os rios sertanejos intermitentes perdem correnteza por cinco

    a sete meses.

    Trata-se, porm, do mesmo perodo que o rio So Francisco torna-se menos volumoso e

    mais esqulido. Entretanto, nesta poca do ano que haver maior necessidade de

    reservas do mesmo para hidreltricas regionais. A afoiteza com que se est pressionando

    o governo para se conceder grandes verbas para incio das obras de transposio das guas

    do So Francisco ter consequncias imediatas para os especuladores de todos os naipes.

    O risco final que, atravessando acidentes geogrficos considerveis, como a elevao

    da escarpa sul da Chapada do Araripe com grande gasto de energia!-, a transposio

    acabe por significar apenas um canal tmido de gua, de duvidosa validade econmica e

    interesse social, de grande custo, e que acabaria, sobretudo, por movimentar o mercado

    especulativo, da terra e da poltica.

    No fim, tudo apareceria como o movimento geral de transformar todo o espao em

    mercadoria.

    *Aziz AbSber gegrafo, professor e escritor. Professor-Doutor em Geografia Fsica

    (USP), ganhador do prmio Cincia e Meio Ambiente da Unesco, tambm foi presidente

    da SBPC e do Condephaat e diretor do Instituto de Geografia da USP.