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Raul Lino em Cascais, Portugal

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    A perspectiva das coisas. Raul Lino em Cascais Ru i JoRge gaRc i a Ramos

    (...) Um homem deveria aprender a detectar e a ob-servar mais a luz que atravessa interiormente a sua mente como um raio do que o brilho do firmamento de bardos e sbios. (...)

    Ralph Waldo Emerson, A confiana em Si, 1841

    O regresso terra e a formao do jovem Raul Lino

    As casas ocupam um lugar central na actividade de Raul Lino (1878-1974).Depois de ter estudado em Inglaterra e na Alema-

    nha entre 1890 e 1897, Lino regressa a Portugal, onde trabalha no armazm de produtos para casa e cons-truo do pai at comear a realizar os seus primeiros projectos como arquitecto. Neste tempo viaja por Por-tugal e faz longas caminhadas, s ou acompanhado, seguindo os ensinamentos do seu mestre Albrecht Haupt (figs.1 a 4). Com o prazer de aprofundar a sua reflexo, nestas jornadas formativas, desenha e escre-ve sobre a populao, a paisagem e os edifcios1. Dos seus registos destaca-se, mais do que a reproduo ou a descrio, a consolidao de um pensamento. O caminhar a pensar, ou wandern2, o vaguear sem pressa, onde se caminha por amor meditao e ao caminhar, d sentido sua empatia com a natureza para a descoberta do sentido de vida. O aprofunda-mento desta experincia vai permitir-lhe elaborar a ideia de um genuno regresso terra e, ao identi-ficar (e diagnosticar) a cultura portuguesa campesina como ideia-fora, rejeitar a urbe e o seu sentido de progresso moderno. Em 1899 apresenta uma proposta para o pavilho da

    Exposio Universal de Paris de 1900. Trata-se de um projecto peculiar no meio artstico portugus moldado pelo gosto francs e beauxartiano. O pavilho mistura trechos de arquitectura de vrias pocas e de vrios lo-cais portugueses, combinados numa composio har-moniosa, onde se pressente a influncia das viagens

    por Portugal e da sua formao3. A sua proposta no aceite, mas chama sobre si grande ateno. O incio da sua vida profissional marcado pela ar-

    ticulao entre o estudo, a prtica e a crtica arquitec-tnica que, ao manter-se ao longo da sua vida, vai de-finir, singularmente, a sua obra. O sentido global que o termo obra deve adquirir no estudo da produo de Lino revela no s teoria e prtica como insepar-

    The perspective of things. Raul Lino in Cascais

    Returning home and Raul Linos early training; the setting for an intellectual and architectural orientation; the picturesque and the transformation of domestic space; synthesis of a particular way of doing architecture and distortion of an ideal are the main topics addressed in this article.

    1 | Local???, armazm do pai de Raul Lino [Jos Lino], fotografia de ????, c. 1900.

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    veis, mas tambm um local de experimentao e joie de vivre, alm do desenho arquitectnico. Este espao substantivo da sua actividade permite que nele con-fluam arquitectura, teatro, literatura, ensaios/teoria/crtica, msica, decorao, paisagismo, artes grficas e aplicadas, cuja comum fragmentao acadmica di-ficulta a sua interpretao. Trata-se de uma invulgar atitude multidisciplinar, que no permite separar fa-brica e discorso, num entendimento da arquitectura e das outras artes como artefacto cultural, onde natu-reza e homem esto intimamente associados ao seu mais importante elo: a casa4.

    A circunstncia para um programa intelectual e arquitectnico

    Em 1897, quando Raul Lino chega a Portugal em 1897 a Europa vivia o dilema da experincia moder-na nas diferentes narrativas arquitectnicas que lhe davam forma. Como salienta Pedro Vieira de Almei-da no seu estudo sobre Lino, do qual este trabalho devedor, no (...) ano da fundao da Secesso Vie-nense [1897-1920], um ano depois de Victor Horta ter construdo a Maison du Peuple [1896-1898], um ano antes de, em Glasgow, Rennie Mackintosh construir a Escola de Arte [1896-1899], ou de, em Amsterdam, Berlage levantar o edifcio da Bolsa [1896-1903] (...)5, Portugal permanece um pas agrrio e com problemas pr-industriais, num quadro sociocultural inerte, po-

    larizado entre a cidade e a serra6. Esta situao ser para o jovem Lino uma oportunidade de levar a cabo os seus ideais, sem se confrontar, contudo, com a re-alidade sociolgica do pas, marcada pela pobreza e pelo subdesenvolvimento.Poder interrogar-se se outras opes teriam sido

    possveis. Pedro Viera de Almeida salienta que, se podemos hoje considerar outros caminhos, no claro que no seu tempo e nestas circunstncias ou-tras hipteses fossem possveis. Em 1900 discutiam-se as diferentes possibilidades conduzidas pelos movimentos modernistas que propunham conciliar o mundo da mquina com o da arte. O progresso era, para uns, centrado na fora da razo, nas pos-sibilidades abertas pela tcnica e pela cincia para a resoluo dos problemas do Homem, na nova condio social e urbana7; para outros, centrado na identidade cultural como forma de qualificao da sua existncia, reconhecendo na tradio a garantia de continuidade, mas tambm de regenerao do presente liberto do peso da mquina8. Em Portu-gal, esta controvrsia tem seu fulcro entre Raul Lino e Ventura Terra (1866-1919) que, ao debaterem o problema da habitao e a sua soluo tipolgica, defendem duas ideias de modernidade e duas vias para a definir em arquitectura9. neste confronto que Lino vai defender um progra-

    ma intelectual e arquitectnico, adequado sua inter-pretao do contexto nacional e europeu. Na viragem para o sculo XX, contra a massificao e a industria-

    2 | arraiolos, casa da sempre Noiva, planta executada por albrecht Haupt, 1896.

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    lizao da habitao, prope a casa individual, o que lhe permite rejeitar o que designa como insuportveis revivalismos, opondo-se assim mera adopo de estilos importados, sobretudo de influncia francesa (onde inclui Terra). Assim, Raul Lino formula uma alternativa arquitectnica assente em invariantes lo-cais (mas tambm nos seus referentes internacionais), identificadas atravs da anlise e da teorizao publi-cadas10, numa tentativa de qualificar o habitar, com pragmatismo, face aos meios e condies existentes em Portugal (fig. 5).Este programa de Lino ajusta-se ao meio cultural

    onde se move, bem expresso no espao geogrfico Lisboa-Sintra-Cascais, e sintetiza, em arquitectura, o debate sobre a identidade portuguesa que inquietava os meios intelectuais desde o final do sculo XIX11. A identidade tema vulgar nas publicaes da po-ca, onde, contra a vontade de alguns colunistas, de estampar imediatamente modelos arquitectnicos nacionais a seguir, levantam-se vozes, mais avisadas mas sem fora de concretizao ou, quando se con-cretizam, sem amplitude de meios, propondo o estudo methodico dos tipos arquitectnicos portugueses para se substituir (...) s divulgaes literrias, s syntheses audaciosas, s afirmaes dogmticas (...)12.Assim, o debate sobre uma identidade portuguesa,

    ao denunciar em arquitectura a arbitrariedade dos estrangeirismos por falta de adeso realidade na-cional, vai permitir descobrir, valorizar e propor, em continuidade, a preservao dos valores singulares da cultura, do habitar, da construo e da paisagem. Este amplo debate, comum a toda a Europa, inicialmente definido no centro da primeira modernidade, na tran-sio do sculo XIX para o sculo XX, vai ser rapida-mente apropriado pelo progressivo endurecimento da questo nacionalista em Portugal13, que ter um nome e uma traduo: Casa Portuguesa.A designao Casa Portuguesa, enquanto tipo ar-

    quitectnico, impertinente, ao mostrar-se como um aglomerado impreciso e banalizado de solues, que na poca rejeitado repetidamente por Raul Lino. Jos-Augusto Frana, no artigo sobre Raul Lino e a

    gerao de 90, ao estabelecer uma completa contex-tualizao deste problema apontando as principais linhas de influncia no campo da arte, da msica e da literatura, bem como os artigos e trabalhos de ndole etnogrfica , esclarece que (...) a Casa Portuguesa era ento um sintoma (...)14.A ideia nacionalista que progressivamente se apo-

    dera, depois da dcada de 1920, do ideal de casa de Raul Lino totalizante, aspecto significativo que ir configurar um entendimento arquitectnico estranho e incmodo ao seu programa15. Este aspecto por ele sublinhado, repetidamente, na sua obra terica, ao rejeitar a rigidez da tipificao arquitectnica a que as suas propostas so sujeitas ou, ainda, ao ignorar a parca investigao etnolgica, conduzida na po-ca, para a definio formal de construes tpicas e regionais. Pretende afastar-se, assim, desse sentido tipificador, nacionalista e totalizante, considerado perturbador da sua ideia de cultura e de cultura na-tiva. Para Lino, esta define-se primordialmente pela sua capacidade de se alterar para acolher uma obra maior recm-chegada. A defesa desta ideia de cul-tura centra-se na possibilidade vital de modificao contempornea dos elementos formais de uma arqui-tectura e da sua actualizao. Este princpio constitui a originalidade na arquitectura de qualquer povo, isto , de acordo com Lino, a subordinao de um cdigo arquitectnico (do gtico ao moderno) (...) s condi-es do clima e da paisagem, natureza dos materiais empregados, flora, concepo religiosa, histria, poesia, ao temperamento e psicologia dos artistas, em cada regio (...)16.As suas casas, por isto, no pretendem reproduzir

    um tipo e uma poca histrica, at porque ele sabe que essa reproduo, alm de no existir, no satisfaz as necessidades da vida contempornea. Pretendem, an-tes, evocar um certo ambiente caseiro tradicional, uma slida domesticidade da casa, que conotamos com o nosso passado familiar e com a imagem que temos dessa casa primitiva, supostamente originria. (...) De certo modo, isto ser ainda equivalente a falar de uma lgica metonmica, segundo a qual um simples vestgio

    3 | Hannover, Die Rennissance in italien, folhas do caderno de Raul Lino, [c. 1893-1896].

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    do passado mais significativo do que uma suposta recuperao da sua integralidade (a qual, na verdade, nunca h -de ser mais do que um logro). (...)17.Outro aspecto frequentemente no considerado no

    debate sobre a cultura nativa e, consequentemente, sobre a portugalidade o facto de Lino se deslumbrar, pelo menos em determinados momentos da sua ju-ventude, pelo brilho da arquitectura europeia, muito especialmente dos movimentos modernistas Arts and Crafts e Secesso Vienense. A sua arquitectura de (...) plantas civilizadas mesmo nas habitaes mais sim-ples (...) est imbuda da (...) lio de bom gosto (...), que captou da revista The Studio e de outras, como a revista secessionista Ver Sacrum, que preenchem a sua biblioteca18. Esta observao expressa na carta dirigida a Pedro Vieira de Almeida, aps a realizao da exposio de 1970, confirma a passagem, signifi-cativa em arquitectura, entre a experincia europeia captada e a procura de um equivalente na arquitectu-ra portuguesa19. A sua obra de juventude (at 1918), na qual se destacam a Casa do Cipreste, em Sintra, e as casas Monsalvat e de Santa Maria, em Cascais20, disso exemplo.

    O picturesque e a transformao do espao domstico

    As novas prticas sociais que caracterizam a pas-sagem de sculo encontram na arquitectura doms-

    tica uma precisa traduo. Ser na casa unifamiliar burguesa, ainda marcada pela matriz oitocentista, que surge a necessidade de adequao dos dispositi-vos espaciais s novas maquinarias e confortos, conduzindo, assim, uma lenta, mas irreversvel, reformulao do habitar. Posteriormente, esta ex-perincia restrita ser considerada pelo Movimento Moderno em arquitectura, alargando-a a outros ti-pos, das casas em banda habitao colectiva em altura. Mas se o espao da casa se altera, tambm o processo de fazer arquitectura sofre vastas transfor-maes. Raquel Henriques da Silva fala da incerteza disciplinar, tecnolgica e das representaes sociais para caracterizar a redefinio profissional com que os arquitectos tm que lidar21.A obra de juventude de Lino no vai ignorar estas

    circunstncias, encontrando no espao privilegiado de Lisboa-Sintra-Cascais, entre rio-montanha-mar, o seu principal cenrio. Neste territrio inscreve-se tambm o crculo de amizades de Lino que, ao serem os primeiros clientes, ter-lhe-o permitido afirmar o seu programa intelectual e arquitectnico. Disto so exemplo as casas situadas na Rua do Calhariz, em Cascais (Monte Estoril), que podem ser interpretadas como um discreto manifesto dos seus ideais em ar-quitectura. A projecta de raiz, em 1901, 1903 e 1904, a Casa Monsalvat, a Vila Tnger, a Casa Batalha Reis e, mais tarde, em 1919, a Casa Schalk. Este conjunto de casas na Rua do Calhariz, ao qual ser importante acrescentar a Casa de Santa Maria, de 1903, tambm

    4 | cascais, casa Jorge oNeill/Torre de so Patrcio/casa de Verdades de Faria, Principais Pormenores de cantaria, desenhos de Raul Lino, 1919.

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    situada em Cascais, enuncia um mtodo de trabalho, onde j se destaca o interesse pelo processo de alte-rar e adicionar novas partes a construes existentes e, sobretudo, a definio de um vocabulrio formal e espacial, trabalhado ao longo da sua obra, nomeada-mente na presente em Cascais. Mas a singularidade destas casas e da sua obra re-

    alizada durante a juventude, at 191822, encontra-se tambm na contraproposta que oferece casa co-mummente edificada em Cascais: o chalet.No incio do sculo, Cascais distingue-se como local

    de prtica balnear e de veraneio, fenmeno consolida-do pela primeira vaga de construo da residncia bur-guesa, na sequncia de uma prtica j instituda pela aristocracia23. Aps a ocupao pela elite aristocrata, a linha de Cascais ir consecutivamente adequar-se aos tempos modernos com a construo de um outro tipo de edificao designado chalet, onde sobressai, entre diferenas, um extico ar de famlia marcada-mente picturesque24. Se a primeira casa da aristocracia a ocupar esta zona balnear reproduz totalmente a sua residncia principal (geralmente urbana), isto , no pretende oferecer uma alternativa espacial e organi-zativa, a casa que se sucede, o chalet da burguesia, define-se pela diferena. Caber ao chalet ser a outra casa que, em alternativa residncia principal, ir aprofundar um novo estilo de vida, onde a ateno ao corpo saudvel, ao lazer no espao domstico e ao contacto com o meio natural, por exemplo, surgem como novas tradues de preocupaes higienistas anteriores. A arquitectura da casa mobiliza-se, as-sim, para uma nova conscincia burguesa, que j no

    pretende mais uma casa, mas uma casa diferente. A diferena a alavanca para a escolha do chalet, no s como mero mecanismo de representao social, mas agora tambm como imagem de outros padres de vida uniformizados e identificados pela moda, tal como se passava l fora, nas outras estncias de vi-legiatura. Esta casa rejeita o rigor dos estilos antigos para afirmar a novidade que, numa atitude revivalista e, por vezes, provinciana, encontra no extico chalet o modelo de eleio. O chalet, casa popular alpina que entrou no ima-

    ginrio burgus desde a descoberta naturalista dos Alpes no sculo XVIII, o motivo para uma ruptu-ra formal, que rapidamente aportuguesada, trans-formando-se numa mistura insuportvel de sinais. No exterior, ao lado da vontade de novidade, tem a pretenso de exibir uma ideia pessoal de tradio (como herana antiga, s recentemente descoberta pela burguesia) com a justaposio de trechos com diferentes origens; misturam-se elementos alpinos, como o telhado acentuadamente inclinado e a de-corao em madeira, com elementos portugueses de diversos estilos conotados, por exemplo, com a casa minhota ou com a casa alentejana. Mas no interior a casa assume a sua hibridez, ao ser con-sequente com uma mudana de comportamentos em curso, numa progressiva actualizao do espao domstico25. Na passagem para o sculo XX, o seu espao interior incorpora elementos modernos, no sentido em que responde a novos paradigmas con-dicionadores do projecto, como a reduo de rea e consequente minimizao dos dispositivos espa-

    5 | Raul Lino, a casa Portuguesa, comissariado-geral da exposio de sevilha, 1929, pp. 8-9.

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    ciais, ou a novas exigncias de uso domstico para a eficcia e simplicidade. Aspectos traduzidos, por exemplo, na preocupao com o desperdcio de es-pao, na organizao dos servios, na maior fluidez da compartimentao, ou, ainda, na necessidade de outras frmulas de segregao espacial. Este sentido da mudana observado nesta casa,

    silenciosamente precursora da transformao con-sagrada no Movimento Moderno, no evita o desor-denamento das urbanizaes, a delapidao da tra-dio construtiva, a imagem catica das fachadas e, sobretudo, a destruio da paisagem local. Estes as-pectos, largamente debatidos nos peridicos da po-ca, sustentam a argumentao de arquitectos como Raul Lino ou, mais tarde, Cristino da Silva26, que, tal como Ramalho Ortigo, lutam contra a banalidade da construo dos chalets exticos nessa (...) delirante epidemia de que esto combalidos os construtores con-temporneos (...) entre Lisboa e Cascais27. neste cenrio revivalista e de debate, por vezes

    exaltado, que se confrontam mudanas nas condi-es da encomenda e na prtica da arquitectura. Em Cascais, Lino vai propor uma casa onde rejeita mais o modelo formal do chalet, e o seu sentido de objecto de consumo, do que os seus valores originrios (ade-quao, conforto, acolhimento, relao com o meio, etc.), elaborada entre a ideia de cultura portuguesa campesina e a sua lio de bom-gosto recolhida da experincia internacional modernista28. Ser ain-da significativo notar que a concretizao em arqui-tectura desta ideia-fora campesina acontece predo-minantemente em espao citadino, no litoral mais urbano e povoado, e no no interior rural.A casa, na obra de juventude de Lino, assim um

    eclectismo que recolhe a sua influncia e arte de fa-zer, no da casa alpina e da sua traduo francesa, mas da English free architecture lida atravs da sua formao e erudio. Isso no a impede, tal como as casas de C. F. A. Voysey (1857-1941), entre outros arquitectos assinalados no seu esplio29, de ser tradi-cional e moderna.

    A condensao de um particular modo de fazer arquitectura

    Em 1901, Raul Lino projecta a Casa Monsalvat para a famlia Rey Colao (uma oferta de terreno e de cons-truo da duquesa de Palmela) e, em 1902, inicia a Casa de Santa Maria para a famlia ONeill (oferta de Jorge ONeill sua filha Maria Thereza), depois su-cessivamente alterada e aumentada (1914 e 1918)30. Estes dois projectos, como j referimos, situados em Cascais e realizados nos primeiros anos do sculo XX, podem condensar um modo de fazer arquitectura, posteriormente aprofundado por Lino ao longo da sua vasta obra: Monsalvat introduz aspectos morfolgicos sucessivamente repetidos na sua narrativa arquitec-tnica; e Santa Maria revela um trabalho centrado na variao desses aspectos formais, atitude considera-

    da indispensvel convenincia da obra, produzindo uma concretizao singular e irrepetvel. Repetio e variao (tal como outros pares hom-

    logos, permanncia e ruptura, harmonia e dissonn-cia, ou ainda tradio e inovao) podem sintetizar, na anlise arquitectnica, uma tenso vital de projec-to, que em Lino revela a unidade da sua obra com os ideais defendidos por escrito nos pareceres oficiais, conferncias, ensaios, artigos e livros31. As mudanas em curso na arquitectura na transio

    de sculo permitem aceitar a repetio e a variao como tpicos significativos na redefinio do projecto que, deixando em aberto diversas hipteses, debatem, por exemplo, os modos de fazer herdados e os ter-mos da modernidade. Lino, para quem a presena do passado indissocivel da sua leitura do presente, ao posicionar-se neste debate finissecular, dissocia-se da ideia moderna maquinista como possibilidade de afirmar os seus ideais, ou seja, de afirmar outro en-tendimento de moderno, onde tradio e cultura esto no centro da criao arquitectnica na resposta aos problemas do seu tempo. A sua posio defronta, por exemplo, a questo da originalidade na arquitectura, o que lhe permite reflectir sobre o descentramento au-tor-obra, com a inevitvel impessoalidade da criao, produto da industrializao, e valorizar a artesania da construo como capacidade para sustentar a forma32; ou, ainda, o problema da repetio como reelabora-o de conhecimentos e de experincias que, no tem-po longo, se aperfeioam, afastando-se da primazia da velocidade e da novidade. Convm esclarecer que repetio e variao no se

    referem srie e normalizao, que determinar o Moderno e a habitao em altura, mas antes possi-bilidade de diagnosticar e responder a um conjunto de problemas presentes na casa unifamiliar e, espe-cialmente, no chalet, bloqueadores, segundo Lino, da adequao entre espao e habitar, no lugar e na circunstncia da sua juventude. Estes problemas le-vam-no a condensar um conjunto de preocupaes arquitectnicas traduzidas num kit compositivo33, su-cessivamente repetido e sujeito a variaes ao longo da sua obra34. Verificar a recorrncia do seu olhar so-bre a tradio construtiva, da sua ateno ao lugar, do seu trabalho minucioso de collage (na obra de raiz e na interveno sobre o existente), ou da adopo de invariantes na conformao dos espaos e suas articu-laes o acesso sinuoso, a sala octogonal, a conti-nuidade com o exterior atravs de varandas, terraos e alpendres, a identificao e a concordncia do vo-lume com a funo ou a verticalidade da chamin , tudo orquestrado num agglutinative plan35, deixa cla-ro, no s a sua tenacidade, como o aprofundamen-to, projecto aps projecto, de uma paleta temtica e compositiva. A persistncia destes factores ao longo da sua obra, numa estrutura de repeties e variaes, revela uma das possveis chaves de interpretao do seu trabalho que, articulando intimamente prtica e sntese terica, define os alicerces de uma metodo-logia de desenho o que no pode ser confundido

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    com a defesa de um qualquer tipo arquitectnico (a casa)36. Em conjunto, estes factores podem assim clarificar uma teoria, (...) estreitamente vinculada prtica, poesis quotidiana do arquitcto (...)37 e escrita que, reafirmando um modo prprio de pen-sar e fazer arquitectura, sublinham, simultaneamente, um modo de ser. No se poder ignorar que estes tpicos, ao promo-

    verem uma resposta ao problema da casa nos anos de 1900, segundo Lino, esto igualmente a preparar o que acontecer depois de 1918, com a edio do seu primeiro livro, A Nossa Casa, que, para alm da teorizao de uma prtica e de se envolver numa rede de outros seus ensaios e conferncias (que no deba-teremos agora), permitir a divulgao bem sucedida (isto , massificada) das suas ilustraes de casas. Mas se esta edio marca, antes de mais, o incio do seu desfasamento com o momento o fim de uma cultura europeia da nostalgia , a cpia generalizada das suas ilustraes como modelos de casas, segui-damente aplicados a todos os sectores da construo civil (fig. 6), foi determinada por uma atitude, invo-luntria e culturalmente moderna, que prope uma arquitectura, em linguagem hbrida (conservadora por fora e moderna por dentro), como imagem repro-dutvel e acessvel a todos38. Nas casas de Monsalvat e de Santa Maria observa-

    se a conformao do seu programa intelectual e ar-quitectnico, possibilitando no s a observao da sua tenso nestes projectos, como entender a sua re-petio e variao em outros trabalhos at aos anos de 1970. O lugar para onde o projecto concebido e onde se implanta uma das preocupaes arqui-tectnicas de Lino, o que ganha especial significado

    na conduo de cada uma das solues das casas de Monsalvat e de Santa Maria. Se a ateno prestada ao lugar uma constante na criao em Lino, tambm , simultaneamente, a possibilidade de encontrar uma resposta particular, que se traduz numa soluo pro-jectual para um lugar concreto. Mesmo quando, entre 1934-1936, trabalha sobre o problema da habitao social39, onde a repetio fundamental para os ob-jectivos pretendidos, considera sempre a possibilida-de de incorporar tcnicas construtivas regionais, que aproximem a construo e a casa das prticas cultu-rais locais40. A primazia dada por Lino ao lugar como fulcro e ponto de partida do trabalho do arquitecto e do desenho da casa era, em 1900, invulgar. A Casa Monsalvat ocupa uma parcela de terreno in-

    distinta na Rua do Calhariz. A banalidade deste lugar, um lote entre outros, parece adequar-se proposta de uma volumetria autocontida, onde a casa no espera nada do espao envolvente, cabendo-lhe a definio de um modo de vida e de um lugar para habitar. As-sim, a ideia de lugar aqui, antes de mais, definida a partir da casa, como estrutura espacial organizada enquanto cenrio da vida domstica. Esta intima rela-o, orgnica, entre espao e vida aponta, em 1900, o sentido moderno da obra de Lino. Convm esclarecer que Monsalvat no um pro-

    jecto virtuoso; pelo contrrio, um projecto morfo-tipologicamente convencional, a par da experincia arquitectnica internacional da sua poca, o que lhe permite estabelecer padres espao-vida capazes de responder s exigncias modernas do programa do-mstico. Mas precisamente por isto que invulgar no contexto portugus de 1900. A sua convenciona-lidade ter permitido elaborar um conjunto de espa-os e articulaes que, atravs de um mtodo de tra-balho, sero retomadas, como repetio e variao, em outros projectos. Na mesma rua da Casa Mon-salvat, como j referido, Lino ir projectar as casas Tnger (1903), Batalha Reis (1904), Schalk (1919) e ainda, um pouco mais distante, a Casa Silva Go-mes (1902)41. Neste conjunto vai explorar os mesmos princpios e repetir temas formais que no incio da sua actividade definem uma paleta compositiva. Um destes princpios, determinante do projecto de Mon-salvat, refere-se reduo da rea da casa e con-sequente simplificao das relaes espaciais, o que lhe permite questionar a matriz oitocentista da or-ganizao domstica e propor uma alternativa ao chalet. A concentrao/simplificao trabalhada em planta atravs da organizao de grandes reas funcionais, baseada no agglutinative plan presente na casa de campo inglesa. A planta adquire recortes, mas, simultaneamente, apresenta formas geomtri-cas regulares agregadoras de espaos e de funes. a partir destas reas agregadoras que se ordenam os principais compartimentos da casa cozinha, copa, sala de jantar, salo, sala de estudo e quartos, situ-ados no piso superior , analisando com preciso as suas principais rotinas para uma maior comodi-dade e eficincia domstica. A racionalidade para

    6 | esquisso para casa tipo portuguesa, desenho do mestre-construtor carolino Ramos, [c. 1940].

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    que tende esta distribuio tem, igualmente, uma traduo na fragmentao da construo erguida. A autonomia volumtrica e compositiva, de acordo com o programa e sublinhada pelos telhados, define a organizao das fachadas. Tambm a adopo do agglutinative plan vem per-

    mitir que as passagens entre as reas agregadoras, ou os compartimentos, sejam entendidas como espaos de transio, temtica essencial nas casas de Lino42. Assim, adequao, conforto, acolhimento, abertura natureza, como j referimos, encontram nos espa-os de transio a sua mais cuidadosa expresso. So exemplo deste trabalho, em Monsalvat, dispositivos espaciais como o trio, onde pousa o ultimo lano da escada de acesso ao piso superior, com a lareira e com um banco encastrado, ou o pequeno recanto de passagem para o salo, ou ainda a estreita ligao cozinha, situaes diversamente caracterizadas com variaes de p-direito, de revestimento e de luz. Mas

    na Casa do Cipreste (1907-1913, Sintra) que se en-contra o mais excepcional e invulgar espao de transi-o entre salas e corredor, definido por Lino como um atrium aberto sobre a paisagem. uma longa janela horizontal, que recorda, com o seu caixilho quadricu-lado em madeira, as varandas encerradas presentes na arquitectura popular43.Mas o trio tambm o verdadeiro elemento agluti-

    nador da casa. Em Monsalvat o trio o elemento de coeso, no s formal, mas simultaneamente funcio-nal, colocando ao dispor um novo espao para uma diferente vida em casa. A Casa Monsalvat pode assim ser sintetizada pelo

    espao central do trio que, para alm de articular to-das as circulaes horizontais e verticais da casa, liga, de uma forma inovadora e pragmtica, o refeitrio e o salo. Este aspecto, por si s, no seria signifi-cativo se, ao estabelecer esta ligao, Raul Lino no convocasse uma fluidez inesperada entre espaos de estar e de circulao, entre acesso secundrio lateral e zonas de servio, entre interior e exterior atravs do acesso principal indirecto, capaz de transformar um trio central num lugar informal de permanncia e de movimento, que corta com os sistemas tradicionais de segregao dos espaos domsticos. Quando a habita-o burguesa era ainda marcada pela formalidade de uma organizao segregada, esta casa j apontava as transformaes seguintes que o programa domstico sofreria. Atravs dela pode identificar-se o interesse sobre as reas mnimas na habitao ou a confluncia no trio central dos distintos espaos sociais at sala comum actual. Tambm outras casas projectadas por Lino na

    rea de Cascais, como as casas Batalha Reis (1904) e Schalk (1919) j referidas, ou, ainda, as casas Rodri-go Peixoto (1919) e Carlos Cruz Carreira Silva (1921),

    7 | cascais, casa Batalha Reis, planta do piso 1, imagem parcial, 1904.

    8 | cascais, casa montsalvat, planta do planta do piso 1, 1901.

    9 | cascais, casa shalk, planta do piso 1, 1919.

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    mas tambm as casas Carlos Champalimaud (1922) e Joaquim Pedroso (1923), apesar da sua maior dimen-so, adoptam o mesmo princpio de organizao, a partir do central living hall, como proposta de orga-nizao domstica, que no alheia experincia da english country house44. J na Casa Batalha Reis, tambm na Rua do Ca-

    lhariz, faz-se notar outra influncia inglesa atravs da verticalidade dos alados, no registada noutros projectos, e que partilha, neste aspecto, semelhanas com o chalet da famlia Palmela (1873), do arqui-tecto ingls Thomas Henry Wyatt (1807-1880), ou, ainda, com a casa de Vero dos marqueses do Faial (1896), de Jos Luiz Monteiro (1848-1942).

    Contudo, a casa de campo inglesa e a sua infor-malidade domstica, influente na Europa e exemplo da reformulao do habitar em continuidade com a tradio, especialmente observada por Lino atra-vs da obra de arquitectos como Voisey, Baillie Scott, Behrens ou Muthesius45. Apesar dos diferentes desenvolvimentos entre as

    casas referidas, a sua organizao preserva a impor-tncia atribuda compartimentao, como suporte coerente e eficaz da suas relaes funcionais e espa-ciais. Neste sentido prestada ateno, por exemplo, ordenao da entrada de servio, despensas, cozi-nha, copa, sala de jantar; ou da entrada principal, trio, zonas sociais, cuja orientao atende exposi-

    10 e 11 | cascais, esquissos da casa montsalvat, publicados em a construo moderna, Lisboa, 1901, ano ii, n. 28, executados por Raul Lino, in catlogo da exposio Raul Lino, Lisboa, Fundao calouste gulbenkian, 1970, p. 135.

    12 | cascais, casa Fortunato abecassis, ampliao, pormenores, executados por Raul Lino, 1916.

  • monumentos 31 115DOSSI

    o solar, paisagem e sua possibilidade de exten-so sobre o exterior. Tal como afirma Julius Posener (1904-1996), (...) as razes do funcionalismo esto em Inglaterra (...),46 tambm o funcionalismo latente nestes projectos tem a mesma raiz, tornando-se num problema central na obra de Lino.Outro aspecto presente na paleta de Lino refere-se

    continuidade interior-exterior. A relao da casa com o exterior, de acordo com os preceitos higienistas, ser o sonho desenvolvido pela arquitectura do sculo XX com a implementao de diversos dispositivos espa-ciais tradicionais ou da sua reinveno (por exemplo, a varanda, o terrao, o alpendre; ou a cobertura jar-dim, o terrao ptio, a janela horizontal e a parede de vidro). Em Monsalvat, Lino utiliza uma grande varanda circular, com uma cobertura cnica, como prolongamento do refeitrio. Trata-se de um espao de mediao da vida domstica com o exterior e, si-multaneamente, um volume com forte identidade na imagem da casa. Tambm o salo surge com um volume cbico, com uma cobertura piramidal, para conjuntamente marcarem a composio assimtrica da fachada principal onde, como j referimos, a forma corresponde funo. entre estes dois volumes que se define o percurso sinuoso de acesso porta princi-pal. Esta , por sua vez, assinalada com um pequeno corpo vertical, conferindo ao percurso de acesso uma caracterizao prpria na ritualizao da passagem

    para o interior da casa, onde se alcana o trio central. O percurso sinuoso e indirecto, associado ao controlo da luz e aos aspectos psicolgicos espao/tempo, recorrentemente utilizado por Lino nos exemplos re-feridos, mas na Casa do Cipreste, em Sintra, que este dispositivo espacial levado mais longe.Tal como no tratamento da varanda coberta ou

    do salo, Lino vai configurar compartimentos com geometrias singulares e fortemente identitrias no desenho da planta e da casa. Noutros projectos en-contram-se espaos elpticos, octogonais e quadran-gulares, muito longos ou interceptados entre si, subli-nhando momentos especiais da casa, como a relao com o exterior, a abertura paisagem, ou a transio entre espaos. A singularidade destas formas auto-re-ferentes regista-se, por exemplo, nas casas de Voysey, que recupera da tradio da manor house medieval a bay window como local de conforto domstico, so-luo corrente observada dcadas depois, nas casas de Breuer ou de Siza, onde a excepo da geometria vinca determinados espaos no conjunto edificao. Mas, um dos aspectos que melhor revela a Casa

    de Monsalvat como condensao de um mtodo de trabalho verifica-se no afastamento do seu processo de projecto de uma prtica acadmica do desenho. O conhecimento de esquissos do projecto desta casa possvel atravs do material grfico publicado em diversos peridicos da poca, nomeadamente em A

    13 | cascais, casa Jorge oNeill/Torre de so Patrcio/casa de Verdades de Faria, ampliao, pormenores, executados por Raul Lino, 1919.

  • monumentos 31 dossiDOSSI116

    Construco Moderna47. Entre os elementos normal-mente utilizados nestas publicaes, como a planta e os alados, este projecto apresentado com dois esquissos: um do seu principal espao interior, o trio central, outro do conjunto exterior (figs. 7 e 8). Do es-tudo dos peridicos de arquitectura entre 1900 e 1970 constata-se o carcter indito, na sua poca, da pu-blicao deste tipo de desenhos48. Este facto permite reforar, uma outra vez, a importncia do desenho em Lino, no s como forma de comunicao das suas ideias, mas tambm como instrumento de pesquisa da soluo projectual49.O esquisso do trio valoriza o espao interior da ha-

    bitao, como aspecto essencial na concepo da casa. No sendo novo este aspecto, por exemplo, na obra de Terra, com uma valorizao cenogrfica de escadas, ga-lerias e trios, este desenho de Lino promove uma leitu-ra tridimensional do espao estritamente ligada a uma ideia de habitar. A precisa organizao proposta, com o mobilirio e os percursos entre compartimentos assina-lados no pavimento, descreve uma noo de acolhimen-to domstico como preocupao presente na casa desde a sua concepo. Este aspecto invulgarmente moderno no processo de projecto e no estudo do espao50. Mas se o desenho do trio informa uma nova pers-

    pectiva do habitar, o desenho do exterior da Casa Monsalvat assinala a deslocao de uma ideia da casa monumental, como factor de representao cultural e diferenciador socioeconmico, para uma valoriza-

    o da adequao entre funo e edificado, numa proposta atenta a um novo conjunto de valores. Este desenho, com a sua autonomia de volumes, apresenta um conjunto aglutinador de corpos edificados, onde sobressai a unidade conferida pela linha dos beirais, pelas paredes lisas rebocadas, pelos vos pequenos e pelo uso dos mesmos materiais; so aspectos vulga-res na arquitectura vernacular portuguesa que, apro-priados por Lino numa deslocao de conceitos en-tre contextos diferentes, emergem na casa burguesa, reformulando o seu iderio, em contraproposta aos estrangeirismos debatidos na poca51.No seu conjunto, estas ideias e a sua realizao ar-

    quitectnica so precursoras de um processo mais vas-to de transformao dos modos de habitar que condu-zir casa moderna e casa de hoje, como se sabe, caminho no percorrido por Lino. Mas no incio do sculo necessrio atribuir a estas ideias um significa-do inovador e constatar a disponibilidade de Lino para debater estes aspectos e confrontar a sua modernidade, factos geralmente negligenciados na histria da arqui-tectura cannica, excessivamente atenta aos sistemas estilsticos e decorativos que revestem as fachadas. Na Casa de Santa Maria, a soluo projectual de

    Lino, embora no repetindo os elementos formais da sua paleta, anteriormente referidos, mantm coern-cia com o seu programa intelectual e arquitectnico, aprofundando singularmente temas que lhe so caros, como a relao com o lugar, a reduo do espao ou

    14 | cascais, casa de santa maria, ampliao, pormenores, executados por Raul Lino, 1918.

  • monumentos 31 117DOSSI

    a adequao da soluo ao programa. Contudo, este projecto, iniciado em 1902 e sucessivamente acres-centado e alterado por Lino at depois de 1918, torna evidente uma outra preocupao que ir acompanhar a sua obra: o tempo. A noo de tempo importante para Lino, poden-

    do ser observada quer no projecto, onde os desenhos acumulam registos de diferentes momentos e fases do processo de trabalho, quer na caracterizao do espa-o, onde a deslocao do habitante reveladora de percursos arquitectnicos detalhados ou, ainda, onde o espao e a luz convidam pausa e contempla-o. O tempo, entre movimento e pausa, permite ao habitante uma apropriao fortemente identitria do espao domstico52. Esta experincia interiorizada pelo jovem Lino atravs da citada ideia de caminhar a pensar. Estes factores, observados na sua obra, assumem maior relevo na conformao de projectos como a Casa de Santa Maria (e tambm no Cipreste). A noo de tempo permite ainda a Lino lidar com

    o problema da tradio e da histria, referncias es-senciais para a coerncia e densidade dos seus idais. Assim, a interpretao da tradio e da histria so para Lino parte de um nico sentido, que definem o seu influxo criador e determinam, desta forma, a sua atitude projectual. Sem detalharmos este tpico,

    torna-se essencial referir que, se a sua presena de-terminante nos projectos de raiz, na interveno so-bre as construes existentes que a sua posio ganha maior relevo, nomeadamente nas alteraes a obras suas e nas intervenes em edifcios de valor patrimo-nial (figs. 9 a 11).Raul Lino chamado a intervir sobre diversas

    construes existentes para as ajustar a outros usos, trabalho realizado com aces pontuais que reflec-tem um apurado estudo do carcter da constru-o e da possibilidade da adio de novos trechos lhe trazer, em continuidade, novos valores espaciais ou condies de funcionamento. Esta interveno predominantemente por adio de novas partes que, requalificando o existente, perfazem uma nova totalidade. Disto exemplo, no universo estudado, a interveno na Casa Fortunato Abecassis (1916) onde, atravs da reconstituio do seu processo de trabalho, possvel entender como a colocao de uma nova escada satisfaz uma nova funcionalidade do servio domstico (engomados), ou como a in-sero de um alpendre com banco na sua fachada permite outro relacionamento dos seus habitantes com o exterior.Na Casa de Santa Maria regista-se, igualmen-

    te, este processo de adio ao corpo inicialmente construdo, onde se destaca, em 1914, entre outros elementos, um terrao em continuidade da sala e o aumento parcial do piso trreo, a norte, e a constru-o de uma cozinha com chamin, a sul53. Mas neste projecto colocada uma diferente questo quando, em 1918, para responder a novos aspectos do pro-grama e aos seus novos habitantes, anexada casa original uma completa unidade formal, ou seja, anexada uma nova casa. Esta deciso parte da obser-vao do limite imposto ao desenho da casa inicial (j muito modificada) e sua localizao extrema, levando Lino a definir no s um novo volume, com autonomia formal e compositiva da fachada, mas tambm um elo entre estes dois tempos da sua inter-veno (fig. 12). relevante que esta deciso de no continuar a transformar a construo de raiz permita aceitar a adio de um novo tempo e de uma nova construo, que ter implicaes na transformao global da casa e do lugar, aspecto que em Lino aceite de forma transparente no projecto. Esta posi-o consolida a sua ideia de tempo. De certa manei-ra, ao conciliar na sua obra diferentes tempos, est a afirmar a sua ideia de arquitectura e o seu entendi-mento da modernidade, quer em oposio a outros arquitectos, como Ventura Terra, quer na crtica s campanhas de valorizao patrimonial conduzi-das pelos Monumentos Nacionais (escritas enquanto seu funcionrio)54, na sua estratgia de interveno nos palcios nacionais (1939), no arranjo interior da Embaixada de Portugal em Berlim (1941), ou ainda na interveno directa junto dos responsveis pelas obras em curso em edifcios classificados, durante o seu curto mandato como director da DGEMN (1949). Estes aspectos, coerentes com o seu programa inte-

    15 | cascais, casa de santa maria, ampliao, planta da soluo inicial, executada por Raul Lino, 1918.

  • monumentos 31 dossiDOSSI118

    lectual e arquitectnico, permitem entender a sua in-terveno por collage em obras como a Casa de Santa Maria, ou a Casa Jorge ONeill (Torre de So Patrcio, e, actualmente, Verdades de Faria), onde fragmentos ou runas de construes antigas coexistem, articu-ladamente, com novas partes, que reutiliza e desloca em conjunto para obter um novo sentido adequado a uma casa.Mas retomando a Casa de Santa Maria, o seu pro-

    jecto inicial , inversamente a Monsalvat, um apro-fundamento de solues particulares, ditadas pela conformao tambm particular ao lugar onde se implanta: uma estreita lngua de terreno escarpado e mar a dentro, em frente da Torre de So Sebastio. Esta condio extrema da sua localizao e do seu programa de casa de Vero parece impor uma soluo projectual geomtrica de (...) simplicidade arcadiana (...)55. A casa descreve-se atravs da sua planta, orga-nizada a partir de dois espaos quadrangulares, des-tinados s zonas sociais, unidos por um corpo longo de servios com um corredor; este conjunto forma entre si um ptio exterior, para onde toda a casa se volta, protegida do vento e abrindo-se para a frente de mar (figs. 13 e 14). A soluo adoptada em 1902 de grande racionalidade, economia de meios e depu-rao formal. De facto, Lino est a propor uma casa

    de pequena dimenso, o que para ele, como explica em 1934 na sua conferncia no Brasil, no pode ser entendido como perda de dignidade ou como sinal de falta de conforto56. Pelo contrrio, nesta casa, ao aprofundar, no contexto da passagem para o sculo XX, a possibilidade de habitar em espaos pequenos, est no s a propor uma outra forma de relaciona-mento com a vida ao ar livre, nomeadamente aten-dendo ao valor da permanncia junto do mar, mas, sobretudo, a possibilidade de uma outra forma de vida. O problema da reduo da casa burguesa, j referido em Monsalvat, constante na obra de Lino. As situaes onde este aspecto no possvel de ser contemplado, ou ignorado, parecem corromper o seu iderio, sendo o seu projecto de menor pertinn-cia, como acontece, por exemplo, nas casas Ernesto Seixas (1918), Champalimaud (1922), ou, ainda, nas casas geminadas Manuel J. Oliveira (1919).Este trabalho sobre a reduo das condies neces-

    srias de habitabilidade permite a Lino aproximar-se do problema da casa mnima, como acontece com a casa do capito Joviano Lopes (1934), na Parede, onde as limitaes impostas no o impedem de ex-plorar a relao do interior com o exterior (alpendre e prgula), a utilizao do trio na organizao da planta, ou a disposio funcional dos servios. A este exerccio no estranha a sua participao, na mes-ma poca, no programa nacional das Casas Econmi-cas e a construo, em 1920, da sua casa de frias, prottipo de habitao mnima, nas Azenhas do Mar. Este projecto, posteriormente publicado (1933) como Casita Beira-mar57, apresentado na referida confe-rncia do Brasil (1934) como exemplo da dignidade do habitar numa casa pequena, revela a proximidade de algumas experincias modernas das dcadas pos-

    16 | casa de santa maria, fachadas principal, laterais e posterior, planta do rs-do-cho, cortes e planta do primeiro andar com indicao das coberturas, executados por Raul Lino, 1902, in catlogo da exposio Raul Lino, Lisboa, Fundao calouste gulbenkian, 1970, p. 127.

    17 | casa de santa maria, fotografia com apontamentos, da autoria de..., c. 1902.

  • monumentos 31 119DOSSI

    teriores, nomeadamente a casa de frias de Keil do Amaral (1910-1975), em 1939, no Rodzio ou, ainda no mesmo local, de Adelino Nunes (1903-1948) e de Faria da Costa (1906-1971)58 (fig. 15).

    A desvirtuao de um idea

    Nas duas primeiras dcadas do sculo XX, a obra de Lino definida pela interpretao do lugar, pelo programa e pelo aprofundamento do seu kit composi-tivo, sustentando uma pertinente soluo projectual, da qual as casas de Monsalvat e Santa Maria podem ser exemplo. Contudo, este registo observado na rea de Cascais ir ser acomodadamente repetido nos anos de 1920, atingindo a saturao formal nos anos de 1930. Estas casas, entre as quais destacamos a da Marinha (1922), a Joaquim Pedroso (1923) e, mais tarde, a Arnaldo Monteiro (1933), a Antnio Jervis Pinto Basto (1935), a Joo Silva Bastos (1935-1937) e a Antnio Sousa Monteiro (1953) documentam este esgotamento, com a consequente deteriorao da uti-lizao da sua paleta compositiva. Esta ultima dcada caracteriza-se pela rigidez do desenho da habitao que, sendo mais pequena e econmica, perde recorte,

    delimitando-se em planta a um quadrado e em volu-me a um cubo. Esta alterao, observada sobre este conjunto de casas, deve-se, entre outros motivos, progressiva mudana das condies de execuo da obra e, em especial, da construo da parede. Como referido por diversos autores, a passagem da parede espessa de pedra, para a parede fina de construo mista, de alvenaria de tijolo e pedra, e tambm beto, em associao com um novo tipo de encomenda e tempo de execuo, tem consequncias significativas no projecto de Lino59 (figs. 16 e 17).Esta dificuldade em actualizar a sua tradio cons-

    trutiva ou, por outras palavras, ao no aprofundar a tenso entre tradio e inovao, um tpico da cul-tura moderna no sculo XX, ser particularmente sentida no final da sua carreira, por exemplo, face necessidade de usar caixilhos de alumnio60, que o levam a abandonar, depois de um primeiro estudo, o projecto para a Casa Jaime Celestino Costa (1970), em Cascais. Neste projecto reencontra-se o vigor das primeiras obras, onde se destaca a articulao entre telhados, de extensas guas, volumes e programa do-mstico, jogos que criam a iluso da verdadeira altura da edificao. Alis, ser no jogo entre paredes, lisas e desornamentadas, recortadas pela presena de dife-rentes chamins e vos tradicionais, que surge uma janela diferente, mais longa, que marca a vontade de horizontalidade de toda a composio. Ser tambm a horizontalidade a caracterizar o desenho do alpen-dre em todo o alado sul da casa que, retomando a paleta compositiva articulada em juventude, assegura a abertura do interior e a sua relao com a natureza.

    Rui Jorge Garcia RamosarquitectoFaculdade de arquitectura da universidade do Portoimagens: 1 a 3, 5: arquivo Familiar Raul Lino; 4, 7 a 20: Fundao calouste gulbenkian; 6: arquivo Rui Ramos.

    N O T A S

    1 * Este trabalho foi desenvolvido no mbito do projecto de investigao Arqui-

    tectura entre Tempos e Variaes, elaborado pelo grupo Atlas da Casa, no Centro

    de Estudos de Arquitectura e Urbanismo da Faculdade de Arquitectura da Uni-

    versidade do Porto (CEAU/FCT FAUP). O seu ttulo segue o nome da exposi-

    o A Perspectiva das Coisas. A Natureza-morta na Europa (2010), que decorria

    na Fundao Calouste Gulbenkian no momento da investigao conduzida na

    Coleco Raul Lino.

    A preocupao com a sua formao, nomeadamente no campo do desenho e

    das artes, constante. No Inverno de 1911-1912 passa seis meses em Berlim,

    onde estuda artes decorativas, artes grficas e desenho do nu. Ainda durante

    a sua estadia alem participa em peas de teatro encenadas por Max Reinhardt

    e assiste aos bailados russos da Companhia Diaghtlev, recebendo, mais tarde,

    quando a companhia veio a Portugal, alguns bailarinos em sua casa, com es-

    cndalo da burguesia lisboeta. Arquivo Fundao Calouste Gulbenkian FCG

    (Servio de Belas-Artes), Pasta Exposies Diversas, 1968/68/70 ED 8, Raul

    LINO, Calendrio da minha carreira desde os seus remotos antecedentes mais

    importantes, Lisboa, Outubro/1969, 30 p. [dactiloscrito]. Este texto serviu de

    base publicao Raul Lino visto por ele prprio na Vida Mundial de 1969.2 Otto Friedrich BOLLNOW Hombre y Espacio. Barcelona: Labor, 1969. Pedro

    Vieira de ALMEIDA Raul Lino, Arquitecto Moderno. Raul Lino: Exposio Re-

    trospectiva da sua Obra. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1970, pp. 115-188.3 Arquivo FCG (Servio de Belas-Artes), Pasta Exposies Diversas, 1968/68/70

    ED 8, Raul LINO, Calendrio da minha carreira desde os seus remotos antece-

    dentes mais importantes, Lisboa, Outubro/1969, 30 p. [dactiloscrito].

    18 | azenhas do mar, casita Beira-mar, fachadas e plantas, executadas por Raul Lino, 1933, in Raul Lino, a casa Portuguesa, comissariado-geral da exposio de sevilha, 1929.

  • monumentos 31 dossiDOSSI120

    4 Howard BURNS Una nueva arquitectura. In Guido BELTRAMINI (ed.); Ho-

    ward BURNS (ed.) Palladio. Barcelona: Fundacin la Caixa; Turner, 2009,

    pp. 183-197.5 Pedro Vieira de ALMEIDA Raul Lino, Arquitecto Moderno. Raul Lino: Ex-

    posio Retrospectiva da sua Obra, pp. 124-125.6 Esta inrcia manter-se-, sob diferentes aspectos, at ao final da dcada de ses-

    senta do sculo XX. Paulo PEREIRA 2000 Anos de Arte em Portugal. Lisboa:

    Temas e Debates e Autores, 1999, p. 319.7 Tiago SARAIVA Ciencia y Ciudad. Madrid y Lisboa, 1851-1900. Madrid:

    Ayuntamiento de Madrid; rea de las Artes, 2005.8 David LOWENTHAL The Past is a Foreign Country. 1985. Cambridge: Cam-

    bridge University Press, 1997.9 Rui Jorge Garcia RAMOS Disponibilidade moderna na arquitectura doms-

    tica de Raul Lino e Ventura Terra na abertura do sculo XX. In Marieta D

    MESQUITA (ed.) Revista de Arquitectura. Lisboa: Faculdade de Arquitectura

    da Universidade Tcnica de Lisboa, 2010, no prelo.10 Entre outras publicaes, destaca-se o seu estudo sobre a arquitectura portuguesa,

    popular e erudita, A Casa Portuguesa, cuidadosamente documentado com foto-

    grafias: Raul LINO A Casa Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa,

    1929 [Edio do Comissariado-Geral da Exposio Portuguesa de Sevilha].11 Jos-Augusto FRANA Raul Lino, Arquitecto da Gerao de 90. Raul Lino:

    Exposio Retrospectiva da sua Obra, pp. 73-114; Joo LEAL Etnografias Por-

    tuguesas (1870-1970): Cultura Popular e Identidade Nacional. Lisboa: D. Qui-

    xote, 2000; Rute FIGUEIREDO Arquitectura e Discurso Crtico em Portugal

    (1893-1918). Lisboa: Colibri, 2007.12 Jos PESSANHA Fachadas de estylisao tradicionalista. Architecto, sr. Raul

    Lino. A Construo Moderna, 1903, n. 102, p. 139.13 Esta progressiva apropriao conduz tambm no final da primeira dcada do

    sculo XX, como refere Joo Leal, a um apaziguamento do debate sobre a iden-

    tidade e sobre o consenso da possibilidade de uma casa portuguesa no quadro

    de uma arquitectura regional. Esta aceitao implcita, muito vincada pelo es-

    morecimento da crtica arquitectnica e da sua teorizao, permitir s geraes

    seguintes aceitarem o Moderno e o estilo portugus como alternativas possveis.

    Joo LEAL Ob. cit., p. 117.14 Jos-Augusto FRANA Raul Lino, Arquitecto da Gerao de 90. Raul Lino:

    Exposio Retrospectiva da sua Obra.15 A apropriao e a desvirtuao do ideal de casa portuguesa por parte de Salazar

    estabelece-se no paradoxo da poltica do esprito nos anos de 1930 e de 1940,

    e do fomento econmico em simultneo com a defesa da vivncia familiar e ru-

    ral, deixando Lino num lugar conceptualmente incmodo face sua crescente

    crtica ao Moderno em arquitectura. Paulo PEREIRA O Patrimnio como ide-

    ologia: as intervenes no patrimnio edificado. Leituras: Revista da Biblioteca

    Nacional. Lisboa: Biblioteca Nacional de Lisboa, 2004, n. 14-15, pp. 27-45.16 Ramalho ORTIGO O Culto da Arte em Portugal. Lisboa: Antnio Maria

    Pereira Livreiro-Editor, 1896, p. 147.17 Joo Paulo de SOUSA Memria e futuro. Bolg da Literatura, 9 Junho 2008,

    a propsito da publicao de Campo Santo, de W. G. Sebald, [2008]. Joseph

    RYKWERT La Casa de Adn en el Paraso. 1972. Barcelona: Gustavo Gili,

    1999; R. D. DRIPPS The First House: Myth, Paradigm, and Task of Architec-

    ture. Cambridge: MIT Press, 1997.18 Arquivo FCG (Servio de Belas-Artes), Pasta Exposies Diversas, 1968/68/70 ED

    8, Raul Lino, Carta dactilografada a Pedro Vieira de Almeida, assinada, II/1970.19 Rui Jorge Garcia RAMOS Ler a viagem como passagem para o projecto: a

    lio da casa Turca em Le Corbusier. Ler Le Corbusier. Porto: Centro de Estudos

    Arnaldo Arajo, 2010, no prelo.20 Na Coleco de Desenhos de Arquitectura Raul Lino da FCG, so referidos

    cinquenta e dois projectos em Cascais. Este nmero corresponde a vinte oito

    projectos de raiz para casas e dezasseis intervenes em projectos de casas

    existentes (recuperao, modificao, arranjo interior), totalizando quarenta e

    quatro intervenes. Os desenhos originais da Casa Silva Gomes, para alm de

    alados aguarelados (que no constam da referida coleco), e da Vila Tnger

    no se conhecem nem foram publicados. Desconhecem-se tambm os dese-

    nhos originais da Casa Monsalvat, que contudo foram publicados em diversos

    peridicos da poca. Podem assim, em Cascais, identificar-se quarenta e sete

    intervenes em casas. As outras referncias em Cascais, presentes na Coleco

    Raul Lino, dizem respeito a um hotel, intervenes em lojas, pavilhes, anexos

    e equipamentos para o espao pblico. Da lista de todas as obras de Raul Lino

    em Cascais, a Cmara Municipal de Cascais localizou dezasseis edifcios e inter-

    venes, independentemente do seu estado de conservao.21 Raquel Henriques da SILVA Ventura Terra em contexto. In Ana Isabel RIBEI-

    RO (coord.) Miguel Ventura Terra: a Arquitectura Enquanto Projecto de Vida.

    Esposende: Cmara Municipal de Esposende, 2006, pp. 11-29.22 Ano da publicao do seu primeiro livro sobre a casa A Nossa Casa: Apon-

    tamentos Sobre o Bom-Gosto na Construo das Casas Simples , que encerra

    duas dcadas de trabalho. 23 Patrcia Antunes DUARTE Casas de Vero entre Belm e Cascais: uma Leitura

    sobre a Arquitectura do Lazer Atravs da Construo Moderna. Lisboa: s.n.,

    2008, dissertao de mestrado em Estudos do Espao e do Habitar em Arqui-

    tectura, apresentada Faculdade de Arquitectura da Universidade Tcnica de

    Lisboa, texto policopiado.24 Michel VERNES Le chalet infidle ou les drives dune architecture vertueuse

    et de son paysage de rve. Revue dhistoire du XIXe sicle, 2006, n. 32 Varia.25 Na casa, como estrutura de tempo longo, as alteraes so lentas, no conse-

    cutivas e sem inteno substitutiva imediata. Como refere Braudel, tudo nas

    nossas casa actuais se revela herana e conquistas antigas. Fernand BRAUDEL

    Civilizao Material, Economia e Capitalismo, Sculos XV-XVIII. Lisboa: Te-

    orema, 1967, tomo 1: As Estruturas do Quotidiano: o Possvel e o Impossvel.26 Lus Cristino SILVA O regionalismo e a arquitectura. Arquitectura. Lisboa,

    1927, srie I, ano I, n. 5, pp. 66-67.27 Ramalho ORTIGO Ob. cit., p. 115.28 Ignasi de SOL-MORALES Tendenza: neoracionlismo y figuracin. Inscrip-

    ciones. 1987. Barcelona: Gustavo Gili, 2003, pp. 227-241.29 A importncia de C. F. A. Voysey verificada pelo conhecimento da sua obra

    atravs de diversos livros, pelas semelhanas na atitude em relao tradio e

    pelo desenho de determinados projectos. Tambm Baillie Scott regista a mesma

    ateno, a que no estranho o recorte de imprensa da notcia da sua morte

    guardado por Lino na capa da revista The Studio. 30 Ana CONSTANTE (coord.) Casa de Santa Maria. Raul Lino em Cascais. Cas-

    cais: Cmara Municipal de Cascais, [2005].31 Raul Lino o nico arquitecto da sua gerao que enunciou e defendeu por escrito

    as suas posies. Raquel Henriques da SILVA A Casa Portuguesa e os Novos

    Programas, 1900-1920. In A. BECKER (org.); A. TOSTES (org.); W. WANG (org.)

    Portugal: Arquitectura do Sculo XX. Londres: Prestel, 1997, pp. 14-22.32 Jos Rafael MONEO VALLS Idear, representar, construir. In Jos Ramn

    SIERRE DELGADO (org.) XI Congreso Internacional de Expresin Grfica

    Arquitectnica. Sevilla: Universidad de Sevilla; Dpto. de Expresin Grfica Ar-

    quitectnica, 2006, vol. Debates, pp. 17-40.33 Howard BURNS Una nueva arquitectura. In Guido BELTRAMINI (ed.); Ho-

    ward BURNS (ed.) Ob. cit.34 Mais tarde, na dcada de 1930, quando se confronta com o problema social

    da habitao, defende, para o programa nacional das Casas Econmicas, a

    casa unifamiliar como nica capaz de restituir os valores nucleares da famlia,

    propriedade e herana. Contudo, a repetio indispensvel pela extenso

    nacional da iniciativa e pela economia, o que no impedimento de variaes

    regionais de adaptao cultura e ao lugar. Na sua defesa deste modelo no

    recusa os argumentos modernos da eficincia e do conforto, aproximando-se da

    defesa da Cidade-Jardim, como aceita a necessidade da construo em altura

    nos centros urbanos onde o preo dos terrenos superior. Verifica-se que o

    projecto de Lino no a defesa de um tipo (a casa), mas de um modo de pensar

    e fazer arquitectura. Arquivo familiar Raul Lino, Raul LINO, Casas Econmicas,

    [1934], 24 p., dactiloscrito, anotado com indicao para a projeco de imagens

    na conferncia que realiza no Brasil.35 Henry-Russell HITCHCOCK Architecture: Nineteenth and Twentieth Centu-

    19 | estoril, casa antnio sousa monteiro, fachadas principal, laterais e posterior, executadas por Raul Lino, 1953.

  • monumentos 31 121DOSSI

    ries. 1958. Londres: Penguin Books, 1975; Vincent SCULLY The Shingle Style

    & the Stick Style. 1955. Yale: University Press, 1971.36 Ver nota 34.37 Antonio ARMESTO La cabaa de Seper, segn Jos Antonio Coderch. Qua-

    derns, 2009, n. 259, 2009, pp. 98-107.38 Paulo Varela GOMES O ltimo erro de Raul Lino. Expresso (Revista), 23

    Jan. 1993, pp. 42-43; Raquel Henriques da SILVA A Casa Portuguesa e os

    Novos Programas, 1900-1920. In A. Becker (org.); A. Tostes (org.); W. Wang

    (org.) Ob. cit., pp. 14-22; David SMILEY Making the Modified Modern.

    Perspecta, 2001, n. 32, pp. 39-54.39 No Servio de Construo de Casas Econmicas da antiga Direco-Geral dos

    Edifcios e Monumentos Nacionais (DGEMN).40 Arquivo familiar Raul Lino, Raul LINO, Casas Econmicas, [1934], 24 p., dactiloscrito.41 Para Pedro Vieira de Almeida, do grupo das chamadas casas marroquinas

    Monsalvat, Tnger, Santa Maria e Silva Gomes importante distinguir

    Monsalvat e Santa Maria, considerando que as outras duas casas no tm a

    (...) qualidade de obra acabada (...). Pedro Vieira de ALMEIDA Raul Lino,

    Arquitecto Moderno. Raul Lino: Exposio..., p. 138.42 Arquivo FCG (Servio de Belas-Artes): Pasta Exposies Diversas, 1968/68/70 ED

    8, Raul LINO, carta dactilografada a Pedro Vieira de Almeida, assinada, II/1970.43 Esta referncia ser convocada por Fernando Tvora para o novo corpo adicio-

    nado ao Convento de Santa Marinha (1975-1984, Guimares).44 Raquel Henriques da SILVA Sobre a arquitectura do Monte Estoril 1880-

    1920. Arquivo de Cascais. Boletim Cultural do Municpio de Cascais. Cascais:

    Cmara Municipal de Cascais, 1984, n. 5, pp. 9-22.45 Entre muitos outros, na sua biblioteca destacam-se os seguintes livros: Alexan-

    der KOCH (ed.) Die Ausstellung der Darmstdter Knstler-Kolonie. Darms-

    tadt, 1901 [biblioteca Raul Lino]; M. H. Baillie SCOTT Houses and Gardens.

    Southampton: Georges Newnes Limited, 1906 [com a assinatura: Raul Lino

    London 1907]; Herman MUTHESIUS Landhaus und Garten: Beispiele neu-

    zeitlicher Landhuser nebst Grundrissen, Innenrumen und Grten. Mnchen:

    Georges Newnes Limited, 1907 [com a assinatura: Raul Lino London 1907].46 Silvano CUSTAZA Un architectto della transizione. In Silvano CUSTAZA

    (ed.); Maurizio VOGLIAZZO (ed.) Muthesius. Milano: Electa, 1981, pp. 7-9.47 Estudo sistemtico de imagens e projectos de arquitectura do sculo XX, atravs

    de A Construco Moderna (1900-1919), possibilitado pelo projecto de inves-

    tigao Arquitectura(s) de Papel.48 Rui Jorge Garcia RAMOS A Casa: Arquitectura e Projecto Domstico na Pri-

    meira Metade do Sculo XX Portugus. Porto: FAUP publicaes, 2010.49 Aspectos que sabemos inclurem-se num exerccio normal do desenho rpido e

    de esboos mais trabalhados, como prtica de investigao das propores e de

    registo pessoal, confirmado nos cadernos de esquissos de Lino.50 Rui Jorge Garcia RAMOS A Casa: Arquitectura e Projecto...51 Rui Jorge Garcia RAMOS Ler a viagem como passagem para o projecto: a

    lio da casa Turca em Le Corbusier. Ler Le Corbusier...; Henry-Russell HITCH-

    COCK The Great Architect and the Vernacular. Nova Iorque: MoMA Manhat-

    tan Special Collections Oversize, [1936], 6 p. [dactiloescrito, anotado e assinado

    Henry-Russell Hitchcock, jr.].52 Michel de CERTEAU Linvention du quotidien. 1980. Paris: Gallimard, 1990,

    vol. 1: Arts de faire.53 Para uma exaustiva descrio, das fases desta casa, ver: Ana CONSTANTE (co-

    ord.) Casa de Santa Maria...54 Maria Joo Baptista NETO Raul Lino ao servio da Direco-Geral dos Edi-

    fcios e Monumentos Nacionais. Uma nova perspectiva de interveno. Artis.

    Lisboa: Instituto de Histria de Arte da Faculdade de Letras da Universidade de

    Lisboa, 2002, n. 1, pp. 253-269; Rui Jorge Garcia RAMOS Disponibilidade

    moderna na arquitectura domstica de Raul Lino e Ventura Terra na abertura

    sculo XX. In Marieta D MESQUITA (ed.) Revista de Arquitectura.55 Arquivo FCG (Servio de Belas-Artes), Pasta Exposies Diversas, 1968/68/70

    ED 8, Raul LINO, Calendrio da minha carreira desde os seus remotos antece-

    dentes mais importantes, Lisboa, Outubro/1969, 30 p.56 Arquivo familiar Raul Lino, Raul LINO, Casas Econmicas, [1934], 24 p., dac-

    tiloscrito, anotado com indicao para a projeco de imagens na conferncia

    que realiza no Brasil.57 Na edio de Casas Portuguesas so ensaiadas diferentes propostas de habita-

    o de reduzida dimenso, onde se experimentam tipos de casas unifamiliares

    com distintos alados de acordo com o gosto e a localizao. Apesar da mltipla

    interpretao possvel sobre este livro, impe-se referir que, no obstante as

    diferentes consequncias, esta pesquisa tem contactos com a idntica indagao

    sobre a casa, realizada na mesma poca, por arquitectos como B. Parker e R.

    Unwin, Peter Behrens, Heinrich Tessenow, Hannes Mayer ou Bruno Taut. Na

    mesma perspectiva, tambm Ventura Terra prestar ateno ao problema da

    casa pequena e de produo em srie. Raul LINO Casas Portuguesas. Alguns

    Apontamentos sobre o Arquitectar das Casas Simples. 1933. Lisboa: Valentim

    de Carvalho, 1943; Rui Jorge Garcia RAMOS Produes correntes em ar-

    quitectura: a porta para uma diferente gramtica do projecto do incio do sculo

    XX. NW Noroeste. Revista de Histria. Braga: Ncleo de Estudos Histricos da

    Universidade do Minho, 2005, n. 1, pp. 53-80.58 Estas casas destes autores no Rodzio partilham afinidades na planta e nos alados

    com a Casa Mayer de Carvalho (1944-1958) de Raul Lino, em Azenhas do Mar.59 Cf. produo terica de Pedro Vieira de Almeida.60 Entrevista a Diogo Lino Pimentel, em Maro de 2010.

    20 | Local????, casa celestino costa, fachadas principal, laterais e posterior, executadas por Raul Lino, 1970.