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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS ARTES BACKSTAGE: PROIBIDO FOTOGRAFAR Luís Manuel Romão Favas MESTRADO EM ARTE MULTIMÉDIA 2012

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS ARTES

BACKSTAGE: PROIBIDO FOTOGRAFAR

Luís Manuel Romão Favas

MESTRADO EM ARTE MULTIMÉDIA

2012

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS ARTES

BACKSTAGE: PROIBIDO FOTOGRAFAR

Luís Manuel Romão FavasDissertação orientada pela Professora Doutora Maria João Gamito

MESTRADO EM ARTE MULTIMÉDIA

2012

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RESUMO

A dissertação é de natureza teórico-prática. Aborda o efeito de mediação que a câmara fotográfica produz num momento singular, demonstrando a partir de vários exemplos, o modo como ela interfere tanto no comportamento das pessoas que estão à frente como atrás da objetiva. Este facto dá origem a que o ato fotográfico faça com que determinados eventos sejam prolongados, interrompidos ou mesmo repetidos.São também apresentados vários casos que referem a relação da fotografia como um substituto do original, tais como a rotulada fotografia turística que se assume como substituto à repetição da viagem e a fotografia como réplica de uma obra de arte. No início da dissertação, é descrito o enquadramento sociocultural do advento da fotografia e as particularidades inerentes às várias fases da sua história. A instalação Backstage, como peça artística e componente prática da dissertação, questiona a fotografia como o melhor meio de recordar um determinado momento. Para concretizar este objetivo, é possível ver a peça ao mesmo tempo que é negada pelo artista a possibilidade de a fotografar, sendo ocultada sempre que um visitante demonstre intenção de a fotografar.Foi procurado tornar consciente a utilização da câmara fotográfica e das múltiplas consequências que a escolha de a usar acarreta.

PALAVRAS-CHAVE

Fotografia . Réplica . Mediação . Turista . Ato Fotográfico

ABSTRACT

The dissertation is theoretical and practical. Discusses the effect of mediation that the camera produces in a singular moment, showing several examples of the way that it affects both the behavior both in the behavior of people who that are at the front and at the rear of the lens. This Fact makes the photographic act make certain events to be prolonged, interrupted or even repeated.Are also presented several cases which concern the relationship of photography as a substitute for the original, such as the labeled tourist’s photography assumed as a substitute for the repetition of the travel and the photography as a replica of a work of art.At the beginning of the dissertation is described the social and cultural framework of the advent of photography and the particularities attached to the various stages of its history.The installation Backstage, is the artistic part and practical component of the dissertation, which questions the photography as the best way to remember a particular moment. To achieve this goal, the viewer can see the piece but at the same time is denied by the artist the possibility to photograph it, being the photography occulted whenever a visitor demonstrates the intention of photograph it.It is wanted to make conscious the use of the camera and multiple consequences of choosing to use entails.

KEYWORDS

Photography . Replica . Mediation . Tourist . Photographic Act

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AGRADECIMENTOS

Pelo inestimável apoio ao longo da realização desta dissertação, deixo um agradecimento

muito especial à Professora Doutora Maria João Gamito, cuja orientação foi fundamental e

decisiva na criação da dissertação.

Gostaria também de agradecer o apoio do Professor Doutor Rogerio Taveira; dos meus

familiares Fátima Favas, Jorge Favas, João Louro, Pedro Paiva e Rui Paiva; dos colegas e

amigos Eduardo Silva, João Graça, Nicola Henriques, Nuno Pinto e Susana Borges; dos

sempre prestáveis funcionários da Biblioteca da Universidade de Lisboa e ainda aos Silos,

contentor criativo.

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INDÍCE

Resumo, Palavras-Chave, Abstract, Keywords i

Agradecimentos ii

Introdução 1

I CAPÍTULO: Da Espera ao Instante

I.1 – Teatralidade e Evolução no Ato Fotográfico 3

I.2 – A Conquista do Instante 11

II CAPÍTULO: Presença e Ausência de Fotografias

II.1 – Turismo: Possuir pela Fotografia 22

II.2 – A Fotografia Ausente 26

III CAPÍTULO: Backstage

III.1 – Proibido Fotografar 31

III.2 – Backstage 40

Conclusão 43

Bibliografia 45

Referências 45

iii

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INTRODUÇÃO

A dissertação, de natureza teórico-prática, aborda o tema da câmara fotográfica como filtro da

realidade, colocando-se a questão central na procura da melhor opção que um sujeito deve

tomar num momento singular: fotografar esse momento, vivendo-o através da câmara

fotográfica ou optar por não o fotografar, procurando vivenciá-lo na sua plenitude.

Toda a componente teórica deste trabalho tem como objectivo explorar e tornar consciente as

consequências inerentes ao ato fotográfico, referindo exemplos em que a experiência de um

momento singular mediado pelo visor da câmara fotográfica afeta a interação com esse

mesmo momento.

A dissertação está estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo irão ser referidas as

principais alterações comportamentais consequentes da relação das pessoas com o ato

fotográfico, descrevendo também o enquadramento sociocultural do advento na fotografia e

as particularidades inerentes às várias fases da sua história.

No segundo capítulo irão ser abordados os casos da figura do turista que depende da

fotografia como comprovativo da realização de uma viagem e o caso oposto, de quando por

algum motivo, as fotografias não podem ser vistas ou criadas. Nestes dois casos abordar-se-á

os diferentes comportamentos que o sujeito tem perante a posse ou a perda da fotografia.

No terceiro e último capítulo, será apresentada e analisada a peça artística Backstage que

integra esta dissertação e ainda as principais influências para a sua criação.

Na elaboração da parte teórica da dissertação segui uma metodologia dividida em duas partes:

pesquisa e escrita. Na primeira, li de forma cuidada os livros dos autores mais importantes no

campo do pensamento sobre o ato fotográfico, entre os quais saliento A Câmara Clara de

Roland Barthes e On Photography de Susan Sontag, que considero terem sido muito

importantes para a formação de uma opinião mais fundamentada sobre o tema.

Posteriormente à leitura destes livros que se tornaram os alicerces da dissertação, li outros

que, inseridos na mesma área, se restringiam a temas mais específicos, tais como Why People

Photograph de Robert Adams, Why Photography Matters as Art as Never Before de Michael

Fried, The Art of the American Snapshot 1888–1978 de Sarah Greenough, A Imagem e a sua

Interpretação de Martine Joly, After Photography de Fred Ritchin e História da Fotografia de

Marie-Loup Sougez. Ao terminar a primeira parte, enriquecido com as referências

1

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necessárias, iniciei a segunda parte que se materializou na escrita da dissertação, ao mesmo

tempo que dava início ao pensamento relativo à criação e concretização da parte prática. A

componente artística foi elaborada simultaneamente com a escrita do último sub-capítulo.

Relativamente às peças artísticas dos artistas referidos na dissertação, não tive a oportunidade

de as ver presencialmente. Apenas tive acesso a registos fotográficos e vídeos.

Todas as traduções das citações referidas ao longo da dissertação são da minha

responsabilidade.

A dissertação foi escrita de forma a seguir o novo acordo ortográfico.

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CAPÍTULO I – Da espera ao instanteI.1 – Teatralidade e Evolução no Ato Fotográfico

Neste primeiro capítulo procurarei, referir algumas das principais alterações consequentes da

relação das pessoas com o ato fotográfico. Para tal, neste sub-capítulo irei descrever o

enquadramento social em que a fotografia, como ‘Lápis da Natureza’, surge nas várias

tentativas de estipular regras rígidas para que possa responder às expectativas criadas; a

relação entre os fotógrafos profissionais e os amadores e o processo performativo que, desde

o daguerreótipo, foi instituído no momento que antecede o ato fotográfico.

A fotografia surge numa época em que os desenvolvimentos no campo da Medicina

possibilitaram o aumento da expectativa média da vida humana. Em contrapartida, a promessa

de uma vida depois da morte começava a ser posta em causa tal como as certezas e os dogmas

da fé religiosa.

Na época particularmente oportuna do contexto social em que a fotografia surge, a fotógrafa

Gisèle Freund salienta o facto da média burguesia encontrar na fotografia um novo meio de

auto-representação, de acordo com as suas condições económicas e ideológicas (Freund,

1976). Refere que “diante da câmara, artistas, sábios, homens de Estado, funcionários e

modestos empregados são todos iguais. O desejo de igualidade e o desejo de representação

das diversas camadas da burguesia viam-se satisfeitas ao mesmo tempo” (Freund, 1976: 58).

Com o anúncio dos processos fotográficos de Louis Daguerre e de Fox Talbot em 1829, um

grande número de pessoas teve a possibilidade de, pela primeira vez, através de um meio mais

acessível, possuir vários registos fotográficos do passado.

Em Março deste mesmo ano de 1839, a Revista Litteraria do Porto publica, pela primeira vez

em Portugal, um artigo em que descreve um relato das experiências de Talbot intitulado

“Dezenho obtido pela luz, ou processo segundo o qual os objectos por si mesmo se

desenharão sem o socorro de lápis” (Sougez, 1996: 168).

Talbot, em 1844, publicou o livro The Pencil of Nature (O Lápis da Natureza) . Neste livro,

que foi o primeiro a ser ilustrado com fotografias, estão contidos onze anos de experiências e

descobertas que foram iniciadas em Itália, nas margens do Lago Como, em Outubro de 1833.

O livro foi lançado em seis edições, apresentando na capa uma citação de Virgílio que

sintetizava a importância desta descoberta: ”É uma felicidade ser o primeiro a atravessar a

montanha”(Maley, cit. por Talbot, 1997). 3

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No verão de 1834, Talbot conseguiu dominar o processo de fixação da imagem sobre papel,

o que lhe permitiu enviar fotogramas (descritos como desenhos fotogénicos) a familiares e

colegas. Apesar de ter conseguido eliminar ou resolver o problema da fixação, as imagens

ainda tinham de ser vistas e rapidamente guardadas em espaços escuros para evitar que

escurecessem.

O meio fotográfico passou a ser visto como o melhor meio capaz de reproduzir obras de arte,

datando de 1839 a primeira intenção de criar esses registos, como se pode verificar com o

incentivo de François Arago1 à criação de daguerreótipos dos hieróglifos presentes nos

monumentos egípcios e, posteriormente, no levantamento dos monumentos franceses em

1851. O daguerrótipo foi também usado para a criação dos álbuns de arte dos irmãos Bisson2

em 1854. Charles Baudelaire, desaprova o uso da fotografia ao afirmar que “é inútil e

tendencioso representar o que existe” (Baudelaire, 1965: 155), dizendo preferir os monstros

da sua própria fantasia em contraponto com o natural e com aquilo que considera como

trivial, mas reconhecia-lhe o seu relevante papel de registo, afirmando no ensaio, Le Salon de

18553, que a verdadeira função da fotografia era servir as ciências e as artes, salvando do

esquecimento as ruínas suspensas, os livros, as estampas e os manuscritos que vão sendo

devorados pelo tempo. As coisas preciosas cuja forma vai desaparecendo, necessitam de ser

registadas, ficando imortalizadas em arquivos.

A fotografia passou a ser usada como um meio de difusão destinado a dar a conhecer as

obras-primas àqueles que não tinham possibilidade de as visitar ou de comprar gravuras, que

era o meio mais barato de reproduzir as obras em grande número. Com o passar do tempo, a

quantidade de obras reproduzidas e o número de reproduções é exponencialmente maior,

dando origem à possibilidade de possuir e conhecer obras que de outra maneira seriam

inacessíveis (Malraux, 1965).

Nesta atmosfera criada pela simultânea expansão e contração do futuro, o recém criado meio

fotográfico possibilitava tanto a oportunidade de possuir vistas do passado como a

oportunidade de alargar o presente para o futuro. Em relação a esta possibilidade, em 1845, o

4

1 Arago foi Primeiro Ministro de França em 1848.2 Louís-Auguste Bisson e Auguste-Rosalie Bisson. Os irmãos Bisson, com formação artística, eram donos do estúdio de fotografia La Madeleine em Paris. Ganharam notoriedade por terem acompanhado Napoleão III na viagem à Suíça em 1860, fotografando-o na escalada ao Monte Branco. Não conseguiram suportar durante muitos anos o estúdio aberto devido à relutância em acompanhar a evolução dos materiais fotográficos.3 Baudelaire, C. (1963) ‘Le Salon de 1855’, Oeuvre Complètes, Paris: La Pléiade, Gallimard.

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escritor Champfleury4, expressava o seu entusiasmo pela capacidade de um intervalo de cem

anos deixar de ser apenas uma parcela da vida a ser registada, para passar a ser a sua

totalidade. Chegou mesmo a afirmar que se tal sucedesse, esta seria a melhor das artes, onde

tudo pareceria mais claro e perceptível (Potonniée, 1940).

Como todas as invenções e avanços, a fotografia também teve os seus detratores. Um

exemplo dos primeiros registos conhecidos é oriundo de um articulista anónimo, do

Leipzinger Stadtantazeiger que, importunado pelo carácter diabólico do daguerreótipo, a

considerava um meio que pretendia competir com Deus na criação de imagens (Sougez,

1996).

Nos primeiros cinquenta anos desde o início da sua comercialização, a fotografia

transformou-se num elemento da vida quotidiana. Na década de 1880, passou a ser vulgar

encontrar fotografias emolduradas como elementos decorativos. Contudo, o conhecimento

para operar a câmara, revelar os negativos e imprimir, ainda se mantinha num grupo restrito

de profissionais e amadores qualificados.

O efeito cumulativo dos consequentes aperfeiçoamentos técnicos possibilitou que mais

pessoas pudessem comprar a sua própria câmara, tirar mais fotos, viajar para mais longe com

menos peso, demorar menos tempo e gastar menos dinheiro para adquirir os equipamentos

necessários. Um dos avanços que possibilitou a redução de esforços, foi a introdução da

comercialização de placas de negativos de gelatina em 1870, reduzindo para menores e mais

leves as câmaras de mão que alojavam estas placas, eliminando assim a necessidade destas

câmaras terem de ser suportadas por tripés.

Após terem sido patenteados inúmeros processos fotográficos na Europa e nos Estados

Unidos, cada um com o seu distinto género de câmara e suporte, foi George Eastman com a

sua empresa Kodak5 a dominar a comercialização das máquinas fotográficas e dos negativos.

Com o surgimento da primeira câmara Kodak em 1888, a possibilidade da criação de registos

fotográficos, que anteriormente estava limitada aos estúdios fotográficos, permitiu que

qualquer pessoa que conseguisse premir o botão se tornasse um fotógrafo.

A monopolização de Eastman, deve-se ao lançamento da câmara Brownie (da Kodak) (Fig.

1), em 1900, por apenas um dólar; com ela, o número de fotografias sobre a vida quotidiana

5

4 Pseudónimo de Jules F. F. Fleury-Husson.5 A origem da palavra Kodak, embora seja uma óptima escolha de duas silabas de fácil pronúncia em qualquer idioma, é referida como sendo uma onomatopeia que imita o ruído da máquina ao disparar (Sougez, 1996).

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expandiu-se significativamente devido ao facto de as câmaras poderem ser compradas e

utilizadas por amadores que tornaram o ato fotográfico um ato vulgar, através do qual podiam

explorar a sua criatividade e, com o auxílio das fotografias, mudar a forma como viviam e

recordavam.

Figura 1: Kodak, Brownie (1900)

Nesse tempo, mesmo tendo em conta a vulgaridade alcançada do ato fotográfico, o número de

registos fotográficos por evento era significativamente reduzido, fazendo das fotografias

existentes uma referência generalista de todo o evento, cujo conteúdo era tomado como

verdadeiro.

A leitura da fotografia é, por sua vez, subjetiva. Informa o espetador apenas a partir do que

está visível, sendo frequente acontecerem mal entendidos que na sua génese são idênticos ao

exemplo que Vicki Goldberg dá, ao citar a conversa entre duas pessoas: “se tu tivesses visto

apenas essa fotografia [...] pensarias que tinha sido uma criança normal – mas isso está

bastante longe de ser verdade – era um verdadeiro inferno” (Goldberg, 2010: 123).

Passado um par de décadas desde que as primeiras fotografias foram tiradas, as novas

gerações podiam ter registos dos seus antepassados, possibilidade que, anteriormente estava

apenas ao dispor dos reis, da nobreza e de uma burguesia que tinha capacidade financeira de

encomendar pinturas e bustos em mármore ou bronze dos seus familiares. Com esta

revolução, a fotografia passou a ser um meio mais acessível e democrático para retratar,

perpetuar e recordar a realidade, destronando a pintura realista que até então cumpria quase

exclusivamente essa tarefa.

6

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A fotografia, caraterizada por ser um meio de registar a realidade através de um processo

químico e mecânico que dispensava uma intenção artística, foi acompanhada desde o seu

início por manuais, que esclareciam os amadores sobre o que deviam e não deviam fazer,

através de regras rígidas que desencorajavam a criatividade, ao limitar os pontos de vista

possíveis apenas àqueles que se acreditava serem os melhores a representar a realidade. Um

dos primeiros documentos que pretendem resolver todos os problemas inerentes à atividade

fotográfica, foi um livro intitulado, Porque é que as minhas fotografias são más6, escrito por

Charles M. Taylor em 1902. Neste livro, Taylor descreve os típicos erros que os amadores

cometiam e esclarece os seus leitores que existem pormenores demasiado difíceis para serem

tratados por qualquer um7. A sua tolerância em relação à má qualidade das fotografias era tão

reduzida que, por exemplo, chegou a recomendar aos amadores, que não tirassem fotografias

instantâneas por não despenderem o tempo suficiente para obter um bom resultado. Os seus

conselhos ajudavam os amadores a conseguir melhorar a estética das fotografias, embora

eliminassem a sua autenticidade. Consequentemente, se as regras impostas fossem seguidas

na sua totalidade pelos fotógrafos amadores, os resultantes registos fotográficos tornar-se-iam

rígidos e não transmitiriam a natularidade presente nas ditas más fotografias. Por estas razões,

o livro não se manteve muito tempo em circulação, embora tenha sido usado mais tarde por

artistas associados às correntes dadaísta e surrealista com a intenção de contrariar essas

regras, celebrando a fotografia instantânea como uma atividade anti-racional, disparando sem

olhar pelo visor e fazendo tudo o que supostamente deveria ser evitado, como propunha

Taylor.

Se as regras de Taylor fossem seguidas na sua totalidade, o fotógrafo poderia ter a certeza que

conseguiria atingir as expectativas inerentes a uma boa fotografia, valorizando a sua fácil e

rápida leitura, com os seus elementos reconhecíveis e com a luminosidade certa. Os desvios

em relação a estas normas de visibilidade, eram considerados como fracassos ao apresentarem

sobre-exposições, sub-exposições, indecisões ou interferências. Outros critérios apontados

para o fracasso são o desenquadramento do referente fotografado. Herdada das regras da

composição pictórica em perspectiva, espera-se que uma boa fotografia tenha o seu motivo

principal centrado, situado no eixo do olhar, respeitando o equilíbrio da divisão da superfície

7

6 Título original: Why my photographs are bad. Filadélfia: Philadelphia, G. W. Jacobs & Co. 7 Nesta época, em Portugal, Arnaldo Fonseca era um dos maiores divulgadores da fotografia. Em 1906 publicou o Guia do Photographo e mais tarde, Para ser Photographo – Manual de Photographia. Estas publicações eram editadas pela casa Worn & Rosa, uma das casas de material fotográfico mais importante dessa época.

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em três terços horizontais e verticais, onde o studium, correspondente ao elemento principal

que o fotógrafo pretende salientar e que por sua vez corresponde ao ponto de maior interesse,

deverá estar no centro da imagem, de forma a que quem vir a fotografia, descubra as

intenções do fotógrafo, compreendendo-as (Barthes, 1980).

Por último, a fragmentação do motivo pode ser tida como um fracasso. Embora seja

impossível escapar à sinédoque, os cortes mais codificados são os do corpo, especialmente os

do rosto, sendo a decapitação o supremo fracasso. O corte vertical do corpo também era

considerado fracasso, embora de menor relevo relativamente ao corte da cabeça, ao passo que

o horizontal era aceite, segundo determinadas proporções (Joly, 2002).

Todas estas regras criadas por Taylor, visavam educar os fotógrafos amadores sobre a

composição da fotografia. No que dizia respeito à parte conceptual da fotografia, os amadores

permaneciam ignorantes em relação aos princípios artísticos, reflectindo-se na notória rutura

com a fidelidade dos tradicionais padrões herdados da pintura. Mesmo que os amadores não

conhecessem os principais cânones da representação importados da pintura, conseguiam fazer

fotografias. Para provar que tal é possível, o historiador John Szarkowski comparou obras de

fotógrafos de renome, imagens comerciais e instantâneos “artisticamente ignorantes”.

Catalogou cinco componentes técnicos como elementos fundamentais na fotografia,

independentemente da sua autoria, sendo eles: objeto, detalhe, enquadramento, tempo e ponto

de vista.

Através deste processo, Swarkowski pôde concluir que, mesmo desconhecendo os cânones do

mundo artístico que tinham sido exportados para a fotografia de estúdio, era possível

encontrar algumas tentativas de utilização dos mesmos cânones, por parte dos fotógrafos

amadores, nos seus instantâneos.

A partir do seu estudo, Swarkowski, conseguiu identificar a tendência dos fotógrafos

amadores para copiar os elementos característicos dos profissionais que, por sua vez,

identificavam a sinceridade dos amadores. A mútua rivalidade e interesse entre profissionais e

amadores tem o seu prelúdio numa notícia procedente da Áustria onde se sublinha o problema

que representava o crescente número de amadores relativamente aos profissionais8. Nesta

notícia em forma de carta aberta, o seu autor, que apenas se apresentava como um fotógrafo

8

8 Notícia publicada dois anos antes da comercialização da primeira câmara Kodak e da resultante expansão do número de fotógrafos amadores. A fonte bibliográfica citada não apresenta mais nenhuma referência especifica em relação à notícia (Sougez, 1996).

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profissional, queixava-se do número crescente de amadores e, na sequência disso apresentou a

proposta de se cobrar uma taxa ou licença aos amadores e ainda que os produtos químicos

lhes fossem vendidos a preços mais elevados. Na sua opinião, os amadores, prejudicavam o

negócio dos profissionais. Este fotógrafo continua, dando o exemplo de um arquitecto de

Munique que fez um pedido a um fotógrafo profissional, que compreendia a reprodução de

vários monumentos de Berlim, tendo essas fotografias sido feitas por um fotógrafo retratista.

Contudo, por não terem ficado ao agrado do cliente, foram repetidas satisfatoriamente por um

amador seu conhecido (Sougez, 1996).

Nesta época, finais do século XIX, os profissionais controlavam todo o processo, desde o

momento da captação até ao da impressão e, devido a esse princípio, poderiam fazer ajustes

numa parte do processo para obterem melhores resultados numa fase seguinte9.

O professor de fotografia e autor de inúmeros ensaios sobre fotografia, Fred Ritchin10,

descreve a sua experiência de ser contactado por uma revista para ser fotografado. O seu

dilema estava no facto de saber que a fotografia teria de ser manipulada para acompanhar um

pequeno artigo sobre a ética na manipulação de imagem. Inicialmente Ritchin recusou, mas

rapidamente foi de certa forma obrigado a aceitar para que o seu artigo pudesse ser publicado.

Relata também a conversa havida com o fotógrafo a fim de esclarecer a sua opinião. Ritchin

perguntou-lhe se sabia como a fotografia iria ser manipulada, ao que o fotógrafo não foi capaz

de responder, já que não sabia o que iria ser feito. Continuando a descrição da sua

experiência, Ritchin afirmou que se sentiu posto à parte do processo e impotente para

controlar a apresentação da sua própria imagem. Acrescentou ter passado a ver esse fotógrafo

como apenas um coletor de imagens bem pago.

Ritchin conclui que o fotógrafo deixava de ser a testemunha de pessoas ou eventos, para ser,

tal como era descrito por um anúncio da Kodak, um “desenhador de imagens” (Ritchin,

2010).

Ao desconhecer qual seria a manipulação que iria ser feita na fotografia11, Ritchin ficou

incapacitado de antecipar a pose que seria mais fotogénica.

9

9 Com a crescente comercialização das fotografias, passou a ser necessário dividir tarefas de modo a acompanhar a urgência dos pedidos.10 Professor de Fotografia e Imagem na Universidade Tish School of the Arts em Nova Iorque, autor de numerosos ensaios e livros, destacando-se After Photography (2009), um livro de referência sobre a questão da manipulação de fotografias para uso editorial.11 A manipulação foi feita com a “troca de corpo” com o do ator Mel Gibson.

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No caso da pessoa desconhecer que a sua fotografia vai ser alterada, é à câmara que tem de

prestar contas. Sontag escreve que muitas pessoas ficam ansiosas quando estão prestes a ser

fotografadas, ao temerem a desaprovação da câmara. As pessoas aprendem a ver-se

fotograficamente e a considerar o que é atraente, criando uma imagem idealizada de si

mesmas no seu melhor. Sentem-se envergonhadas quando a câmara não lhes é fiel, por

representar a realidade e, não, por produzir uma imagem delas que as faça mais atraentes do

que são na realidade (Sontag, 1979).

No outro lado da câmara, para fotografar, o fotógrafo tem de se separar do grupo que pretende

registar, dominando a situação ditando ordens, enquanto os outros membros podem

permanecer numa atitude passiva e descontraída (Sontag, 1979).

Genericamente, os fotógrafos utilizam comandos como “olha o passarinho!” de forma a

conseguirem obter uma fotografia que ilustre melhor o momento. Ao chamarem a atenção

do(s) sujeito(s), pretendem manter uma impressão de naturalidade, mas organizada, criando

um balanço entre a espontaneidade e a teatralidade, que de outra forma seria difícil de obter.

Roland Barthes descreve uma experiência de se ser fotografado estando ciente disso. Ao

contrário de Ritchin, descreve a alteração a que se impôs quando esse momento aconteceu:

“Agora, uma vez que me sinto observado pela lente, tudo muda: Eu instantaneamente

constituí-me no processo de posar, instantaneamente faço um novo corpo de mim,

transformo-me a priori numa imagem. Esta transformação é activa: sinto que a Fotografia cria

o meu corpo ou mata-o, de acordo com o seu capricho”12 (Fried, 2010: 107).

Barthes descreve também o que pensou nesse momento: “em frente da câmara, sou ao mesmo

tempo: quem penso ser, quem eu quero que os outros pensem de mim, aquele que o fotógrafo

pensa que eu sou e de quem ele faz uso para exibir a sua arte. Noutras palavras, sinto uma

estranha ação: não paro de me imitar e, por causa disso, de cada vez que sou (ou que me deixo

ser) fotografado, sofro inevitavelmente da sensação de inautenticidade e por vezes de

impostura (comparável a certos pesadelos)” (Fried, 2010: 107).

Barthes teme a alteração da sua atitude a fim se de emprestar ao fotógrafo.

Neste sub-capítulo foi feita referência à possibilidade que a fotografia ofereceu às pessoas

menos abastadas de poderem possuir os seus próprios registos e acumular com os dos seus

10

12 Na versão original: “Now, once I feel myself observed by the lens, everyting changes: I instantly constitute myself in the process of ‘posing’, I instantaneously make another body for myself, I transform myself in advance into an image. This transformation is an active one: I feel that the Photograph creates my body or mortifies it, according to its caprice . . .”

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antepassados; a possibilidade de todos terem uma câmara e usarem a fotografia e

consequentemente as questões que se colocam à sua utilização; o apontar da rivalidade

existente entre os fotógrafos amadores e os profissionais.

I.2 – A Conquista do Instante

Seguindo a orientação do sub-capítulo anterior, irei continuar a acompanhar a evolução da

fotografia até à importante captação do momento numa fração de segundo e todas as

vantagens que pode oferecer, as novas possibilidades que as câmaras mais pequenas e baratas

proporcionam e a evolução do retrato fotográfico, desde a pose e espera penosa para se poder

ser fotografado, até ao voyeurismo, rápido e sem permissão.

No início do séc. XIX, o tempo necessário para tirar uma fotografia limitava os assuntos

fotografados e os sujeitos que quisessem ser retratados ainda tinham de ser cuidadosamente

posicionados. Por este motivo, era mais fácil fotografar paisagens e outras composições

inanimadas bem iluminadas.

Com o decorrer do tempo, foi possível passar a fazer retratos com um tempo de exposição

praticável, mas mesmo assim ainda muito prolongado. Sobre os retratos tirados com o

daguerreótipo, Walter Benjamim, refere que o próprio processo fotográfico induzia os

modelos a viver aqueles momentos em que posavam longamente e, onde tudo estava disposto

para durar13, em contraste com o que acontece de um instantâneo (Sougez, 1996).

O retrato rapidamente passou a ser o género fotográfico mais apreciado, ainda que, com os

progressos na fotografia, continuasse a ser um ato heróico entregue às mãos do fotógrafo. Os

fotografados (referidos como pacientes) tinham de permanecer imóveis, em pleno Sol,

durante quinze a vinte minutos por daguerreótipo14.

11

13 Num dos folhetos criados por Daguerre (publicado em 1839), os fotógrafos eram informados que para tirar um retrato com qualidade deveriam recorrer a uma luz forte, recomendando que a pessoa fosse exposta ao ar livre. Para conseguir a nitidez, o fotógrafo deveria recorrer a aparelhos especiais, destinados a servir de apoio à cabeça e ao tronco do modelo, que deveriam estar ocultos e não dar a impressão de rigidez ao modelo (Sougez, 1996).14 O primeiro retrato foi obtido na casa Susse, onde a imagem humana apareceu negra. O contraste da expressão e as caretas revelavam o sofrimento padecido. Apesar de tudo, os olhos estavam semi-abertos e o retrato foi considerado um sucesso (Sougez, 1996).

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Figura 2: Leica, I (1925)

Já naquela época os retratos eram manipulados. Os retratistas rapidamente dispuseram dos

conhecimentos necessários para alterar os negativos e com isso ir ao encontro das

necessidades da distinta burguesia. Os fotógrafos profissionais recorriam à prática de retoque

do negativo, desenvolvido por um fotógrafo alemão anónimo, por volta de 1855. Através dos

retoques, as caras eram cuidadosamente alisadas de modo a não ficarem visíveis rugas nem

quaisquer defeitos15. Além do retoque podia-se proceder à coloração manual da fotografia,

para o que, à medida que se fotografava o paciente, um pintor apontava rapidamente a cor da

pele, dos olhos e do cabelo para os reproduzir na fotografia. No entanto, era conveniente

especificar se o cliente pretendia obter um retrato em que os seus traços faciais fossem

idealizados ou mantidos o mais próximo do real (Sougez, 1996). Comparando a imagem

obtida através da fotografia e através da pintura, é possível constatar que a consequência de

mentir através dos retoques ou legendas erradas faz com que a fotografia se torne falsa.

Enquanto que na pintura, uma pintura falsa falsifica a História da Arte, uma fotografia falsa,

falsifica a realidade.

Os finais da década de 1920, dão origem a uma segunda geração no mundo fotográfico com o

lançamento da Leica I (1925) (Fig. 2) com filme de 35mm, tendo vendido cinquenta mil

unidades nos primeiros anos.

12

15 A comparação da versão do negativo retocado com a versão original, surpreendeu multidões na Exposição Universal realizada em Paris, no ano de 1855. Foi a segunda feira mundial e a primeira a apresentar uma exposição fotográfica, onde a notícia de que a câmara pudesse estar a mentir, fez com que a premissa da verdade na fotografia fosse pela primeira vez posta em causa (Sontag, 1979).

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Figura 3: Groenlândia, Comandante António José Martins

A portabilidade que as câmaras passaram a oferecer originou a passagem da posição da

cintura, sobre um tripé, tal como são usadas as câmaras analógicas Hasselbland, para a

posição livre, à frente do olho, fazendo com que as fotografias ficassem mais fluidas. O

momento vivido já não tinha de ser totalmente simulado para ser fotografado. Este pormenor

vem possibilitar a obtenção de instantâneos com um equipamento mais discreto e mais leve.

Em Portugal, deve-se ao comandante António José Martins, no início dos anos 30, a

divulgação de imagens feitas com Leica, tendo apresentado alguma originalidade para a época

(Fig. 3).

No início dos anos 40 do século XIX, os retratistas de daguerreótipo espalharam-se por todo o

mundo. Os daguerreótipistas que se deslocavam em navios para o Brasil, Argentina ou

Oriente como destino, faziam escala em Portugal, principalmente nas cidades do Porto e de

Lisboa e na Ilha da Madeira. A maior parte deles, permanecia algum tempo por estas regiões e

aproveitava para exercer a sua actividade profissional. Em 23 de janeiro de 1847, na Madeira,

o jornal O Defensor, anunciava que o daguerreotipista D. Leany iria permanecer na ilha “para

tirar retratos coloridos por meio do Daguerrotypo, garantindo a sua perfeita semelhança com

os originais”. Em Maio do mesmo ano e no mesmo local, era publicada a notícia de que D.

Seweles iria reduzir o preço, para 2000 réis por retrato, no tamanho de miniatura (Sougez,

1996).

13

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Com a divulgação e democratização dos preços, o retrato passou a ser considerado a principal

finalidade da fotografia. A década seguinte afasta o daguerreótipo e dá lugar ao colódio16,

depois de uma passagem fugaz pelo calótipo17.

Este novo processo oferecia a possibilidade de realizar instantâneos, reduzindo o seu custo. O

advento da imagem multiplicável abriria o caminho definitivo ao retrato fotográfico no século

XIX.

Através do aperfeiçoamento das lentes e dos negativos e a consequente redução do tempo de

exposição, era possível captar nitidamente o instante, dando origem à possibilidade de

fotografar pessoas, mesmo contra a sua vontade.

Figura 4: Weegee, Naked City (1973)

Mesmo fotografada contra vontade, de uma forma geral, a pessoa apresenta uma pose idêntica

à das representações pictóricas, de forma a mostrar o seu melhor eu para a câmara. Este

principio de sorrir para a fotografia, ainda que o momento não seja propício para tal, é

ilustrado com o episódio exemplar do momento em que o fotógrafo Weegee, num instante

dramático, dada a incerteza da possibilidade de falecimento de um homem na praia de Coney

Island (Brooklyn), capta a mulher do sinistrado, que ao ser confrontada com a presença da

objectiva, sorri (Fig. 4).

14

16 Divulgado por Frederick Scott Archer em 1851, este processo era 15 vezes mais rápido que o daguerreótipo e incrivelmente mais barato. Permitia a obtenção de múltiplas cópias e a melhoria do processo possibilitou a execução dos primeiros instantâneos (Sougez, 1996).17 Calótipo ou calotype é um processo fotográfico patenteado por Talbot em 17 de agosto de 1841. A sua designação tem origem em Kalos, palavra grega usada para definir o belo (Sougez, 1996).

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Weegee18 fotografou a realidade das ruas e a violência da vida de Nova Iorque. Vivia no

centro de Manhattan e dormia vestido no seu Chevrolet, pronto para sair a qualquer momento

e ir em direcção a um acidente que tivesse ocorrido. Era alertado pelos avisos da polícia

através de um rádio de ondas curtas montado no seu carro e por vezes era o primeiro a chegar

ao local do desastre. O reconhecimento testemunhal das suas fotografias, desprovidas de

pretensão estética, demoraram algum tempo a ser reconhecidas como tal, sendo questionado o

seu fascínio de registar a desgraça alheia (Sougez, 1996). Há também provas do contrário,

num registo em que ele chorava de tristeza ao fotografar um prédio em chamas durante a

noite. Sendo um voyeur por natureza, que transformou o seu gosto numa carreira, defende-se,

justificando as suas ações: “Mas o que é que eu posso fazer? [...] tirar fotografias é a minha

profissão” (Goldberg, 2010: 161).

Este género de fotografia social que tem por tema o desastre, teve como pioneiro August Riis,

que cobriu a informação criminal na imprensa de Nova Iorque entre 1877 e 1888. Riis,

enquanto obtinha informações para os seus artigos, tirava fotografias de surpresa com uma

câmara dissimulada, tendo sido o primeiro a utilizar magnésio, cuja luz, projectada por uma

espécie de revólver, prefigurava o flash19. Produziu numerosas fotografias nos bairros pobres

de Nova Iorque, sobre as condições de trabalho dos artesãos, as reuniões de marginais e os

núcleos de emigrantes20 (Sougez, 1996). Apontando a atuação muitas vezes ambivalente do

fotógrafo, semelhante ao voyeur, beneficiava com os registos de pessoas que não tinham dado

autorização para poderem ser fotografadas e que não iram receber qualquer percentagem dos

lucros criados.

A facilidade de tirar fotografias, associada à sua valorização como documento credível, fez

com que esta passasse a habitar a paisagem dos serviços de controle, aliada aos registos

escritos, assegurando a existência de uma pessoa na sociedade. As fotografias são vistas como

objetos que funcionam como âncora de memória de momentos vividos, ferramenta que ajuda

a identificar criminosos e para fins terapêuticos. No séc. XIX Hugh W. Diamond introduziu a

fotografia no processo de cura de doentes mentais, acreditando que poderia curar alguns dos

seus pacientes mostrando-lhes as suas próprias fotografias, confrontando-os com a sua

15

18 Pseudónimo do emigrante Austriaco Arthur H. Fellig. A origem do seu pseudónimo está relacionada com o tabuleiro Ouija (conhecido como o Jogo do Copo), devido à sua curiosa habilidade para chegar de forma tão rápida aos locais dos acidentes e catástrofes. 19 A lâmpada de magnésio, inventada na Alemanha, em 1887, por Miethe e Gadicke, foi usada durante bastante tempo até à sua substituição pelo flash ligado ao obturador.20 Em 1890 publicou uma seleção destas imagens com o título How the Other Half Lives.

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“imagem” doente de forma a reformularem a ideia que têm de si mesmo. Outra área do

conhecimento que se desenvolveu com o auxílio da fotografia foi a Antropologia21. A

fotografia era usada como uma ferramenta colonialista ao ajudar a criar um vasto álbum dos

povos colonizados.

Alphonse Bertillon desenvolveu o sistema, designando-o Bertillonage, com o intuito de

identificar criminosos. Este sistema passou a permitir calcular o tamanho do suspeito e da

vitima a fim de se poder reconstruir a cena do crime22.

O aproveitamento da energia eléctrica, a invenção do telefone e do telégrafo, a maior

mobilidade trazida pelo alargamento da linha-férrea, as bicicletas e o surgimento dos

automóveis no início do século XX, deram origem ao colapso das distâncias e à aceleração

do ritmo de vida. A fronteira entre o trabalho e o lazer começou-se a formar com o novo

conceito de família e de vida doméstica e a dar origem à felicidade pessoal, onde a fotografia

desempenha os papéis de materialização da memória e de entretenimento.

A eliminação da necessidade da utilização de um tripé, ajudou a câmara a registar a evolução

do ritmo acelerado da sociedade, promovendo o crescente interesse no lazer, viagens

turísticas, assim como a estipulação do ideal de vida familiar. Quando a câmara passou a

habitar as mãos dos amadores, encarregues de criar as suas próprias fotografias, passou a

16

21 A Fotografia Antropométrica, desenvolvida pelo oficial da Polícia francesa Alphone Bertillon, foi o primeiro sistema científico a ser utilizado pela Polícia para identificar suspeitos. Este sistema foi uma evolução de sistemas anteriores que surgiram em 1850 a pedido de Agassiz. O sistema fotográfico usado por Agassiz, consistia em fotografar pessoas nuas duas vezes, uma de frente e outra de perfil, sempre à mesma distância e com o mesmo tipo de iluminação, a fim de criar uma base de dados consistente para as poder comparar. Na Carolina do Sul, Agassiz comissionou uma série de daguerreótipos de escravos de ambos os sexos, com o propósito de corroborar a teoria da Poligenese. Agassiz pretendia justificar que diferentes raças correspondiam a espécies distintas, considerando algumas como não sendo humanas e assim justificar a sua exploração na escravatura.Com fins mais nobres, o presidente da Sociedade Etnológica de Londres Thomas Henry Huxley, deslocou a fotografia efetuada seguindo determinadas normas previamente estipuladas para a fotografia etnológica. Huxley, apresentava-se como sendo Darwin’s Bulldog e, foi um dos pioneiros a usar daguerriótipos para fotografias antropométricas, a fim de as usar para efetuar estudos comparativos das medidas anatómicas entre indivíduos de diferentes raças humanas. Sendo um defensor da Teoria da Evolução de Charles Darwin, Huxley efetuava sempre duas fotografias, posicionando os indivíduos junto a uma régua, fotografando-os nus, de frente e a três quartos. Por sua vez, John Lamprey, contemporâneo de Huxley, seguia as mesmas normas, mas em vez usar uma régua, utilizava um fundo quadriculado (Houck, 2010: 475). Para assegurar que a fotografia criava dados antropométricos credíveis e possíveis de comparar, Huxley mandou colocar uma régua ao lado do sujeito que estava a ser fotografado, que por sua vez, deveria estar nu e com o braço direito estendido paralelo ao chão. Para assegurar uniformidade na escala, a distância entre a câmara fotográfica e os sujeitos nunca poderia variar.22 O sistema Bertillonage ou portrait parlé consistia num processo complicado de fotografar pessoas para mais tarde serem identificadas. O lado negativo deste processo residia na necessidade de uma atenção quase obsessiva aos detalhes, tornando-o difícil de ser fielmente repetido e de ser adaptado por outras instituições. O sistema consistia na medição e no registo fotográfico de indivíduos, sendo também preenchidas tabelas discriminatórias sobre os inúmeros detalhes físicos. Devido a esta subjectividade e à falta de conhecimento das regras que deveriam ser seguidas pelos agentes destacados para cumprir esta tarefa, apenas a recolha de impressões digitais continuou a ser usada depois do sistema Bertillonage ter sido abandonado.

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registar as pessoas e os bens que lhes eram mais queridos, captando a vida doméstica e social,

tentando transmitir felicidade, satisfação e confiança. Anteriormente, as únicas fotografias

existentes eram as de estúdio, em poses rígidas devido ao tempo que o negativo levava a ser

exposto. Em oposição, os instantâneos proporcionavam a descontração do sujeito, captando

sorrisos verdadeiros, dando origem a experiências livres de regras e exploração de novas

temáticas.

Com as câmaras de rolo, passou a ser possível fotografar pessoas sem que elas se

apercebessem da presença da objectiva.

Figura 5: Walter Evans, Subway Passangers, New York (1938)

Walker Evans foi um dos pioneiros a fotografar pessoas sem que elas soubessem. Evans

fotografava pessoas nas carruagens da linha metropolitana de Nova Iorque durante centenas

de horas (Fig. 5), assim como doentes em camas de hospital. Evans escondia a câmara entre

os botões do seu casaco, dando-se assim a possibilidade de fotografar pessoas a uma curta

distância e frontalmente, enquanto estavam vulneráveis, sem que elas oferecessem uma pose

para a objectiva, tornando possível captar as suas expressões naturais. Em relação à ausência

da alteração do comportamento perante a câmara fotográfica, Sontag afirmou que existia algo

no olhar das pessoas que desaparecia quando elas posavam para a câmara (Sontag, 1979).

Com uma opinião oposta, o fotógrafo Brassai denunciava os fotógrafos que tentavam apanhar

os seus sujeitos desprevenidos, na crença errónea de que algo especial irá ser revelado acerca

deles (Sontag, 1979).

17

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O fotógrafo torna-se um voyerista, que observa o sujeito absorto no que está a fazer ou ver

não tendo a noção de que está a ser fotografado (Fried, 2010).

Figura 6: Poche c., Photo-Revolver (1882)

A ideia de o fotógrafo poder passar sem ser notado como tal, deu origem à criação de câmaras

disfarçadas de objectos quotidianos, que passariam despercebidos, tais como revólver, (Fig.

6), chapéu, gravata, “vademecum” em forma de livro ou “detective” com aspecto de

binóculos (Sougez, 1996: 147).

A fotografia instantânea, para além de ser usada para recordar eventos de lazer e

acontecimentos especiais, de acordo com Jacob Deschin, revolucionou a indústria da

fotografia, por inspirar descobertas notáveis no campo da ciência e da mecânica, tendo sido

destacada a possibilidade de produzir registos de experiências humanas impossíveis de

registar em qualquer outro meio.

Seguiram-se mais duas gerações na fotografia analógica, que se basearam em inovações

tecnológicas e em que se salienta o surgimento da cor e a influência da televisão no

imaginário fotográfico.

A cor surge a partir da década de 1870, com a investigação de Charles Cros e Ducos du

Hauron para a aplicação da seleção cromática à fotomecânica, que se resumia ao isolamento

das três cores primárias (amarelo, vermelho e azul) com filtros da cor complementar

correspondente: laranja, roxo e verde, sendo desta forma possível a tricromia, através da

sobreposição das cores primárias.

18

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O aparecimento da televisão influenciou todos os parâmetros da vida quotidiana. Tais

mudanças são visíveis nos novos comportamentos quer do fotógrafo, quer do sujeito

fotografado.

A vida quotidiana ia acompanhando as evoluções oferecidas pelas novas possibilidades das

câmaras fotográficas e, por sua vez, as câmaras tinham de corresponder às novas necessidades

que iam sendo criadas.

O consumismo e o narcisismo fazem com que a objectiva se vire para o próprio fotógrafo,

tornando algumas fotografias objectos fundamentais para espectáculos mediáticos, dando

origem a uma lotaria que promete celebridade instantânea, mas evanescente. No início do

século XX, nada era sagrado mas ao mesmo tempo tudo era ritualizado, onde ninguém e todos

eram especiais e tudo era potencialmente interessante quando fotografado.

O colapso da privacidade dividiu a intenção fotográfica em dois pólos distintos mas que se

podiam fundir conforme os acontecimentos. William Mortensen, distingue-os entre o

passatempo “saudável e inofensivo” dos proprietários de câmaras pequenas que fotografam

para capar determinados momentos e os que apanham as pessoas desprevenidas e dessa forma

penetram na “privacidade dos seus pensamentos” (Greenough, 2008: 101), um fenómeno que

Mortensen entendia que se tinha desenvolvido no sentido de uma “mórbida mania colectiva”.

Sobre este tipo de observação possessiva, Coursin Black escreveu que a “fotografia

instantânea estava a fazer dos humanos, peixes de aquário” (Greenough, 2008: 101). Qualquer

um poderia atingir fama instantaneamente, tanto por ser fotografado como por fotografar no

sítio certo e no momento devido, como foi o caso da ucraniana Zapruder que

inadvertidamente filmou o assassinato do Presidente John F. Kennedy enquanto filmava a sua

visita a Dallas. Tal como Andy Warhol previa, quinze minutos de fama para qualquer um.

A câmara fotográfica apesar de equivaler a um ponto de observação, é também, por vezes

explicitamente, um elemento incentivador para que o evento que está a acontecer continue a

acontecer (Sontag, 1979), passando a ser catalogado pelas fotografias que lhe foram tiradas,

enquanto que estas determinam o que aconteceu.

A fotógrafa Sophie Calle trabalhou sobre a invasão da privacidade e a relação entre a vida

privada e a pública. Para investigar os padrões comportamentais, em 1980, Calle começou a

seguir e a fotografar estranhos pelas ruas de Paris como se fosse um detective, tendo chegado

a trabalhar como empregada doméstica num hotel para poder fotografar o conteúdo dos

quartos enquanto os hóspedes não estavam, expondo essas fotografias em diversas galerias. 19

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(Goldberg, 2010). Em 1981 para o trabalho intitulado The Shadow, pediu à sua mãe que

contratasse um detective privado para a seguir a si própria, fotografando-a constantemente e

em segredo. Segundo Calle, o seu pedido correspondia a uma tentativa de criar provas

fotográficas que evidenciassem a sua existência (Tate, cit. por Calle, 2012).

Na década de 1950 foi nítido um profundo impacto provocado pela televisão sobre a

sociedade e a sua cultura. Tudo se centrava em ver, olhar, avaliar e exercer o gosto pessoal,

baseado apenas naquilo que as pessoas viam e no que havia para ver. Ver tornou-se viver nesta

década. Muito mais do que em qualquer outro momento, as pessoas viam através do filtro da

fotografia.

Os fotógrafos amadores continuavam interessados nos mesmos assuntos que os seus

antepassados: desporto, lazer, turismo, festividades, férias, efemérides, visitas de familiares

ou amigos, o dia na praia ou a viagem ao zoo. Com a portabilidade e a decorrente redução de

custos, registavam os momentos sob novos pontos de vista e tudo se tornava digno de ser

fotografado.

A introdução da fotografia a cores fez com que se esbatesse a diferença estética entre a

realidade e a sua representação. As cores dos objectos fotografados passaram a ganhar

significado, influenciando a leitura geral da fotografia.

Figura 7: Kodak, Nada esquece a quem possui um “Kodak” (1930)

Os anúncios da Kodak continuavam a insistir no facto da fotografia instantânea ser muito

superior à capacidade da memória humana, através de slogans como: «Lembra – quando você

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se esquece», relembrando «todos os pedacinhos» do evento fotografado e que “Nada esquece

a quem possui um Kodak” (Fig. 7).

Embora os slogans tenham sido criados com a intenção de vender mais câmaras fotográficas e

consequentemente os materiais necessários para a prática fotográfica, estas frases iam ao

encontro da expectativa que as pessoas depositavam e continuam a depositar na fotografia e

na capacidade que ela tem de relembrar momentos especiais. Mas tal como diferentes pessoas

podem ter opiniões diferentes sobre o mesmo evento, as fotografias tiradas não são capazes de

fugir a esse facto e, por isso, criam memórias correspondentes aos instantes fotografados que

podem não corresponder à generalidade do evento.

Desde o seu surgimento que a Kodak criou campanhas para promover câmaras específicas

para determinados grupos de pessoas, valorizando alguns detalhes que se tornassem

apelativos ao seu público alvo23. Entre estas campanhas, havia as direcionadas aos jovens, que

anunciavam ser divertido o uso duma Kodak e que com esta conseguiriam tirar boas

fotografias; para o público feminino, as máquinas eram anunciadas como sendo simples,

bonitas, cabiam em qualquer bolsa e era possível escolher a cor de forma a combinar com o

vestuário; ao público masculino, eram valorizados os detalhes técnicos e a robustez.

Em jeito de conclusão, este sub-capítulo tentou mostrar as consequências nem sempre

positivas que o instantâneo passou a oferecer. As câmaras, ao não necessitarem de ser

suportadas por tripés, puderam passar a acompanhar o ritmo de vida acelerado de uma

sociedade que aos poucos ia perdendo o respeito pela privacidade individual, tornando-se

vulgar a exposição de momentos privados tanto de cidadãos anónimos como de celebridades.

O próximo capítulo irá continuar a referir a relação das pessoas com a fotografia, abordando

no primeiro sub-capítulo a dependência do turista pela fotografia, e no segundo, questionando

a criação de memória sobre um evento ao ser fotografado.

21

23 De entre as várias campanhas, houve as que foram dirigidas ao público feminino, mais especificamente às mães que passassem uma grande percentagem do seu tempo em casa, sugerindo-lhes fotografar os seus filhos no dia-a-dia, sem que fosse necessária a justificação de um momento marcante para o fazer. Segundo a campanha, teriam assim registos válidos e valiosos das várias fases do crescimento dos filhos.

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CAPÍTULO II – Presença e Ausência de FotografiasII.1 – Turismo: Possuir pela fotografia

Neste sub-capítulo irei abordar a dependência que o turista sente relativamente à fotografia; a

evolução do turismo acompanhado pela cada vez mais facilitada acessibilidade às máquinas

fotográficas e o surgimento dos primeiros guias turísticos ilustrados por fotografias,

salientando o turismo interno em Inglaterra e nos Estados Unidos da América e a capacidade

que esta actividade tem em contribuir para a construção da identidade de cada país.

Para desenvolver os pontos acima referidos, irei, tal como no capítulo anterior, fazer

referências pontuais a slogans criados pela empresa Kodak que, sintetizam as expectativas

que os fotógrafos amadores depositam no ato fotográfico.

A possibilidade de viajar está cada vez mais generalizada. Os custos e o tempo de viagem

foram encurtados e a fotografia tornou-se o meio privilegiado para o seu registo.

Figura 8: Kodak, You press the button, we do the rest (1890)

A fotografia torna-se assim o principal dispositivo para experimentar os acontecimentos com

que o turista é confrontado, dando uma aparência de participação, sendo que o importante é

voltar para casa com a fotografia em que o sujeito está enquadrado, num plano aproximado

(para que todos tenham a certeza de que é ele), a sorrir, mesmo que nada de bom tenha

acontecido. É importante que essa fotografia contenha um ícone arquitectónico local em plano

de fundo.

22

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Partindo do princípio que a fotografia tirada pelo próprio nunca é suficiente, o visitante

procura conseguir criar um álbum que demonstre a sua participação na viagem, cumprindo os

protocolos fotográficos inerentes à condição de turista.

A necessidade de fotografar surge por iniciativa individual quando se visita um determinado

local, principalmente, pela primeira vez. Contudo, essa necessidade é aguçada por estímulos

exteriores, nomeadamente, campanhas publicitárias.

Para alimentar esta necessidade consumista, as máquinas fotográficas foram sendo

desenvolvidas com a finalidade de facilitar e motivar a criação de imagens, através de bem

montadas campanhas publicitárias, como é o caso da mais conhecida da Kodak: “você

pressiona o botão, nós fazemos o resto” (Fig. 8).

Figura 9: Kodak, A alegria das férias será eterna em fotos Kodak (1930)

Outros slogans valorizavam as potencialidades do prazer de tirar fotografias, como: “Cada

viagem que valha a pena, vale a pena uma história Kodak”; “A companhia de todas as saídas

– a amiga dos amantes do espaço livre – A Kodak”, “Uma viagem sem a Kodak é uma viagem

perdida” ou “A alegria das férias será eterna em fotos Kodak” (Fig. 9). A empresa de Eastman

criava campanhas de incentivo a serem tiradas fotografias como um acompanhamento ou até

mesmo (se possível) como a essência do lazer e das possíveis actividades nas viagens

turísticas. Por estes motivos, o turismo e a figura do turista passaram a necessitar da presença

da máquina fotográfica para validar a sua existência.

23

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Figura 10: Jeff Clow, The Most Photographed Barn in America (2006)

A dependência da necessidade de possuir fotografias que comprovem o que foi visto está

presente num episódio do romance White Noise (1985) de Don Delillo que se tornou um guia

essencial na era da informação. O romance acompanha a viagem de uma família ao celeiro

mais fotografado nos Estados Unidos da América. Este celeiro, possivelmente idêntico a

muitos outros, é singular pela importância que as inúmeras tabuletas constroem, informando

os visitantes que estão perto do celeiro mais fotografado nos Estados Unidos da América (Fig.

10). Essa informação cria um efeito de bola-de-neve em relação ao celeiro e à vontade e

necessidade de o fotografar.

De acordo com Donald Horme, a fotografia está relacionada com o turismo, na medida em

que torna real a experiência do turista: “por fotografar um monumento, tornamo-lo real. Ele

oferece-nos a alegria da posse, ...” (Horme, 1984: 1). A afirmação de Horme é baseada na

ideia de que as câmaras definem a própria experiência, estabelecendo as definições de

realidade de acordo com as fotografias tiradas, dando ao turista a oportunidade de possuir o

espaço e o tempo que visitou. Também Susan Sontag validou esta ideia ao afirmar que,

“fotografar é apropriar-se da coisa fotografada” (Sontag, 1974: 4). Partindo destas análises, é

possível afirmar que a qualidade do turista é proporcional à sua capacidade de fotografar,

sendo um facto concreto e generalizado que os guias turísticos coordenam as várias etapas da

viagem.

John Taylor refere-se à “ilusão da propriedade” que estes guias ofereceram às classes baixas e

médias na Inglaterra entre as décadas de 20 e 40, um período particularmente capaz de criar e

de dar estabilidade e segurança a estas classes sociais, que lhes tinha sido retirada com a

Segunda Guerra Mundial. Taylor identificou também um forte crescimento do turismo no 24

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meio rural, no momento em que as câmaras Kodak ficaram acessíveis para a maioria da

população (Taylor, 1994: 31).

A atividade turística acompanhada pela câmara fotográfica expandiu-se para todas as classes

sociais no período de paz entre as duas guerras mundiais, dando assim origem à descoberta,

por parte dos ingleses, de uma nova noção de paisagem pitoresca, principalmente dos espaços

naturais ainda intactos, criando uma nova noção de identidade a uma nação destruída pela

guerra.

George Eastman tentava convencer os turistas que tornar a experiência turística real era

fotografá-la. Através das campanhas publicitárias da Kodak, esclarecia que a diversão não

estava no momento em si, mas na possibilidade de este ser fotografado e no momento especial

de poder mostrar as fotografias, tornando imortal esse momento. Com essas fotografias é

partilhada a ideia de que o momento turístico pode ser revisitado inúmeras vezes sem a

acrescida despesa da viagem.

Assim como Taylor analisou o turismo em Inglaterra, Steve Hoelscher analisou-o nos Estados

Unidos da América (Hoelscher, 1998: 548-570). Partindo da constatação de que os turistas

tendem a seguir normas quando se encontram em frente a um marco turístico, tornam-se

irrelevantes todas aquelas fotografias que não possibilitem a identificação do espaço.

A partilha e a divulgação das fotografias contribui para que o turismo se torne uma actividade

social. Aquelas que melhor representam os destinos turísticos passam a ilustrar os seus guias,

informam os visitantes sobre o que devem ver, fotografar e comprar, seduzindo o turista para

a necessidade de fotografar o espaço visitado, levando-o a crer que a memória não é suficiente

para garantir e preservar a existência do que aconteceu na visita.

Os turistas, devido à necessidade de possuir fotografias que possam comprovar que estiverem

num determinado local, deixaram de confiar nos seus próprios olhos para testemunhar que

estiveram lá. Para tal, necessitam de câmaras e, é através delas que vêem o mundo e criam

comprovativos personalizados e incontestáveis do que viram. Sem as câmaras, o mundo a que

assistem não se torna realidade. Nas viagens turísticas guiadas, tirar fotografias torna-se mais

importante do que apreciar a vista sem que seja atrás do visor ou do ecrã da câmara.

Com o apoio dos guias, os turistas seguem em busca de ícones criados pela fotografia,

símbolos que são familiares e compreensíveis, que possuem uma necessidade de serem

possuídos, agora, através das suas próprias fotografias. Este é um dos motivos que leva as

pessoas a tirar fotografias. Ter uma fotografia de um determinado monumento, nunca se torna 25

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satisfatório enquanto o turista não possuir uma fotografia em que apareça enquadrado por esse

monumento. Constata-se com alguma regularidade que, o turista capta as suas fotografias de

forma estandardizada, acabando por ter as mesmas fotografias com o mesmo ponto de vista

que os seus companheiros de viagem.

Pelos motivos acima referidos, torna-se quase um paradoxo o facto de serem organizadas

visitas a determinados pontos turísticos para depois os seus visitantes passarem a maior parte

do tempo a ver a paisagem ou o monumento através do ecrã da máquina fotográfica, ou a

pedir a estranhos que fotografem o seu grupo para depois poderem prosseguir.

Em suma, embora a actividade turística represente o lazer e a descontracção, estão-lhe

associadas regras comportamentais tal como noutro tipo de eventos.

É necessário viajar e estar no local para o poder fotografar. A fotografia além de registar esse

momento, torna-o menos importante porque o turista tem a sensação irreal de que vai poder

rever o que viu quando chegar a casa. O que irá rever será apenas uma pequena percentagem

da totalidade da paisagem que poderia ter visto. Sem a máquina fotográfica poderia ter um

campo de visão que atingiria um ângulo de cerca de 220º. Em contrapartida, com a máquina,

esse angulo é reduzido para 45º é visível (no caso de usar uma vulgar objectiva de 50mm).

II.2 – A Fotografia Ausente

Como foi exposto no sub-capítulo II.1, as fotografias servem de prova da viagem e para as

memórias criadas em seu redor. Neste sub-capítulo irei desenvolver a relação entre o

momento e a impossibilidade de o fotografar e o facto de por algum motivo, as fotografias

terem sido tiradas mas não terem sido vistas. Para tal, utilizarei como referência o livro, As

trinta e seis fotografias que eu julgava ter tirado em Sevilla! do autor Dominique Noguez e o

filme Doces Fantasias24 (1979) do realizador Michael Deville, por abordarem as seguintes

questões: do livro, o que fazer quando não se tem acesso às fotografias tiradas; do filme, o

que fazer quando um evento ganha importância e enredo devido à presença da câmara

fotográfica e depois, no auge do momento, verifica-se que não há rolo.

26

24 Em português, Doces Fantasias.

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Dominique Noguez escreveu o livro, dividindo-o em trinta e seis capítulos, em que cada um

descreve o conteúdo de uma fotografia que pensava ter tirado. Esta pequena narrativa tem

como título As trinta e seis fotografias que eu julgava ter tirado em Sevilla!25 e foi escrito

depois de regressar de uma viagem a Sevilla. Noguez descreve desta forma o principal factor

que deu origem à sua obra: “O mais cómico, mesmo assim, foi quando o empregado da loja

de fotografias, em Paris, me disse que o rolo tinha sido mal colocado e que a película tinha

permanecido virgem. Nem uma das trinta e seis fotografias fora impressionada! Felizmente,

tenho boa memória, consigo reconstruir quase tudo.” (Joly, 2002: 80).

Esta estória revela a forte relação que se cria entre a expectativa e o sucesso das fotografias.

Quando estas não estão presentes há a possibilidade de se desenvolver uma complexa

narrativa em redor das fotografias falhadas, dando lugar aos momentos em vez dos temas

intensificados e distanciados, conjugando-se o momento fotográfico com o momento da

tomada de vista (Joly, 2002: 84).

Outro exemplo que refere a ausência acidental de fotografias é o filme de Michel Deville, Le

Voyage en Douce. Neste filme existe uma cena relevante sobre esta situação: duas amigas

fotografam-se constantemente no decurso de uma pequena viagem, acumulando recordações,

cumplicidades e revelações sobre si mesmas. Em dado momento, dirigem-se para um jardim

onde uma delas começa a despir-se enquanto a outra a fotografa. A procura da autenticidade

vai sendo atingida com cada peça de roupa tirada. No momento em que a amiga que serve de

modelo fotográfico está completamente nua e se oferece à objectiva, a que está a fotografar

exclama «acabou-se o rolo». A partir daí não poderá continuar a fotografar, impossibilitando o

registo do momento mais intenso (Joly, 2002: 85).

De uma forma ou de outra, muitas pessoas têm o mesmo desgosto, de pelo menos uma vez,

descobrir uma cena, prepararem-se para captar a cena, enquadrá-la, regular a luminosidade,

escolher cuidadosamente o ponto de vista e, no momento de disparar, não o fazerem ou não o

poderem fazer.

A partir do momento em que o fotógrafo descobre o instante no cenário de que se quer

apoderar, a forma de ver e viver o momento é transformado: o instante é intensificado pela

fotografia com a expectativa de lhe oferecer uma existência eterna. Deseja, também,

aprofundar esse instante, esse lugar, essa aparência singular, para mais tarde poder assistir à

27

25 Título original: Les trente six photos que je croyais avoir prises à Seville! Paris: Maurice Nadeau, (1993).

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revelação dessa energia fugidia e preciosa, captada com a intenção de mais tarde a poder vir a

saborear. Mas desta forma, no próprio movimento do corte originado pelo olhar, o fotógrafo

separa-se do momento para o poder ver melhor, distanciando-se física e psicologicamente,

vivenciando o paradoxo em que conscientemente se desconecta do instante que pretende

intensificar. Tal como Sontag referiu, “entre a câmara e o sujeito, tem de haver uma distância”

para que seja possível identificá-lo na fotografia resultante (Sontag, 1980: 13).

Ritchin, num artigo publicado na revista Newsweek, descreve a experiência libertadora vivida

por uma mãe de três filhos ao optar por parar de fotografar os principais eventos da vida dos

filhos, para passar realmente a vê-los e senti-los, estando presente em vez de afastada vendo o

evento em deferido através das fotografias (Ritchin, 2010: xviii).

Ritchin acrescenta que é um erro comum confundir a representação com o objecto em si, visto

que a fotografia apresenta uma natureza aparentemente objectiva e semelhante à visão

humana na forma de como vê o mundo (Ritchin, 2010). Ou seja, a fotografia é tida como

verosímil representação da realidade por ser tão perfeita. O erro está em não pôr em causa a

veracidade da fotografia e em acreditar prontamente na mesma.

Através da aplicação de retoques possíveis com o auxilio de programas de edição de imagem,

a ligação do referente com o referenciado é destruída, ao criar uma referência diferente ao

referente, ou seja a fotografia deixa de referenciar a realidade, passando a ser uma imagem

hiper-realista. Mas, segundo Ritchin, para ser possível afirmar que a fotografia passa a ser

algo diferente que a verdade da realidade, torna-se necessário reconhecer a fotografia com

representante da verdade e com isso, acreditar que a câmara não mente e que é o computador

que acaba sempre por o fazer (Ritchin, 2010). Dito de outra forma, é impossível afirmar que o

que é revelado pela fotografia é inteiramente real, visto que ela nunca tem a capacidade de

superar a realidade e toda a sua complexidade de elementos visíveis e invisíveis.

Esta discussão sobre a verdade na fotografia não é relevante nem para Eastman, nem para a

sua empresa Kodak, que, ao criar campanhas publicitárias, estas valorizavam mais o instante

de mostrar as fotografias do que o próprio momento em que elas foram tiradas.

O director de cinema Alain Bergala (1943), a propósito desta questão, coloca o fotógrafo na

qualidade de um potencial exilado, afirmando que o fotógrafo se encontra no exílio ou está na

eminência de se exilar. Por este motivo, Bergala constata que uma fotografia «é sempre

falhada», e, se pelo menos não for tirada, é poupado o sofrimento dessa constatação (Joly,

2002: 87).28

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Na opinião de Sontag, “o passado fotografado torna-se objecto de enternecida atenção em

que, com a impressão patética de olhar as coisas do passado, se oculta a distinção de valores e

desaparecem os juízos concedidos à história” (Sontag, 1996: 72).

O fotógrafo vivência a conexão ambígua entre si e o mundo. Ou opta pelo seu apagamento em

relação ao mundo para o observar livremente ou cria uma relação agressiva com ele,

exercendo poder sobre os outros para se celebrar como indivíduo. Mediante este desejo de

poder sobre o real que é a tomada de vista26, é iniciada uma busca do saber e do

conhecimento, embora este resulte apenas na contemplação bidimensional do acontecimento.

Os fotógrafos amadores têm assim duas formas de se comportar perante um acontecimento:

ou o fotografam sem pensar que o seu ato afecta o próprio momento ou assumem este

paradoxo de presença/ausência, participação/retiro associados ao ato fotográfico (Joly, 2002:

87). Ao escolherem a segunda hipótese, a hesitação e a recusa de fotografar será a sua

escapatória. Deste modo, a hesitação pode ser interpretada como uma fuga à auto-censura, à

censura da própria angústia, ampliada pelas contradições que o comportamento fotográfico

implica. A consequente negligência dever-se-à à incapacidade de resolver a possibilidade/

impossibilidade da fruição do momento que é vivido quando a fotografia não é tirada.

Quando o amador prefere não fotografar, desculpa-se com detalhes técnicos ou

meteorológicos, tranquilizando-se e defendendo-se de julgamentos por parte de outros (Joly,

2002: 87).

Tirar fotografias é um evento em si e cada vez com mais direitos auto-concedidos para

interferir, invadir ou ignorar o que quer que esteja a acontecer, sendo vulgar ouvir-se: «sim, eu

sei, era só para tirar uma foto, saio já, desculpe lá». O sentido da situação é agora articulado

pela presença da câmara, como se fosse um teatro, em que esta é o público e tudo o que

acontece tem de ser satisfatoriamente visível e direccionado.

29

26 A primeira vez que senti o poder de erguer a câmara fotográfica em direcção ao olho foi também a primeira vez que fui autorizado a poder levar a câmara da família, que era apenas usada pelo meu pai. A máquina, era uma simples máquina compacta de rolo e a oportunidade, uma visita de estudo à Tapada de Sintra na 3ª classe. Das fotografias já não tenho memória, mas lembro-me do medo da possibilidade de estragar a máquina ou de, sem querer, abrir a câmara e queimar o rolo; de estabelecer o que valeria a pena ser fotografado de forma a não gastar logo os 36 negativos; de tirar as fotografias com a melhor qualidade possível, para poder mostrar que era responsável e que era capaz de responder às expectativas (que, senti, não eram muitas). Lembro-me especialmente de estar na zona das gaiolas das aves de grande porte, de ser o último a lá chegar e de os meus colegas se desviarem para que eu pudesse chegar à frente para poder fotografar as aves. Ciente desse facto, acabei por tirar partido da situação para conseguir ter sempre a melhor visão dos animais. Lembro-me de pensar: porque é que eles me deixam passar à frente, se sou o único a ter uma máquina fotográfica e sou o único que depois vai poder ver as fotografias?

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Depois do evento acabar, as fotografias tiradas continuam a fazê-lo existir a partir do ponto de

vista do fotógrafo. Caso contrário, o evento poderia passar despercebido e ter morrido no

mesmo instante em que aconteceu.

A fotografia ausente não é apenas a consequência da fuga ao confronto, mas sim, a

oportunidade de narrar uma história acerca do momento que deveria ter sido fotografado. Essa

narrativa ficcionada tornar-se-á uma estrutura de comunicação mais eficaz do que a própria

fotografia, pois será possível, sem contra-prova, conferir-lhe a espessura mítica que tem para

o narrador.

Quando não há nenhuma fotografia e só se pode recorrer à narrativa, a ideia que o narrador

tem da fotografia que não tirou desaparece quase por completo, vai-se alterando e alimentar-

se de forma diferente. Tratar-se-à de transformar o mostrar em dizer e de construir a história

dessa fotografia ausente. Será a história de uma busca, como em toda a narrativa, contrariada

aqui pela fugacidade do objecto ou pela falta de mestria técnica. Será possível constatar o

aparecimento de elementos ficcionados a preencher a narrativa. O objecto que não existe vai

sendo adornado de virtudes intangíveis, aproximando-se da absoluta perfeição. A narrativa

exagerada sobre esta fotografia, que se torna mais bela do que todas as que foram tiradas,

poderá servir para encobrir a infelicidade da sua falta (Joly, 2002: 89).

Assim como Lázló Moholy-Nagy, afirmou em 1936, que os fotógrafos deveriam apresentar

algo novo, para além da mera re-apresentação de algo conhecido. Afirmou também, que o

conhecimento sobre a fotografia é tão importante como o do alfabeto, ou seja, que “os

iletrados do futuro serão ignorantes a usar tanto a câmara como a caneta” (Garner, 2003: 35).

Esta ultima afirmação tornou-se realidade, mesmo que não tenha sido confirmada na sua

totalidade. Enquanto o analfabetismo foi sempre tido em conta nas campanhas políticas,

pouco ou mesmo nada é feito no campo da instrução da interpretação correta de imagens.

Curiosamente, na atualidade, com a capacidade de se criarem realidades virtuais e de serem

apresentadas no formato de fotografia, é possível identificar a manipulação ou criação, devido

ao desejo da fotografia querer representar uma realidade mais perfeita que a própria realidade,

já que é impossível recriar todos os factores aleatórios que acontecem na realidade e no

momento fotografado.

Em resumo, é possível afirmar que a relação entre a fotografia e a realidade é erradamente

credível devido à sua aparente simplicidade, e que a escolha entre fotografar ou viver o

momento raramente é questionada.30

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CAPÍTULO III – BackstageIII.1 – Proibido fotografar

Neste sub-capítulo irei apresentar a peça artística que integra esta dissertação e as principais

influências para a sua criação.

A peça é uma instalação criada a partir duma projeção efetuada contra uma parede branca,

presente num espaço iluminado apenas pela luz emitida pelo projetor.

Figura 11: Luís Favas, Backstage 1/2 (2011)

Esta projeção é composta por dois momentos que interagem com ações específicas dos

visitantes/espetadores. O primeiro momento corresponde à projeção de uma fotografia (Fig.

11) e o segundo é constituído por um retângulo de cor preta (Fig.12), com as mesmas medidas

da fotografia, substituindo-a. As passagens do primeiro momento para o segundo e o regresso

ao primeiro são comandadas à distância pelo artista ou por alguém responsabilizado por esta

tarefa, mais à frente designado por “o funcionário”27.

A fotografia que é projetada (Fig.13), foi escolhida a partir de uma seleção de fotografias que

obedeciam a critérios, como o terem sido tiradas por mim e, ao mesmo tempo, indiciar os

vários temas abordados nesta dissertação, que são a alteração de comportamento perante a

objetiva, a separação entre os fotógrafos e os fotografados e a fotografia como prova do

momento, questões a abordar no próximo sub-capítulo.

31

27 A escolha do termo “funcionário” prende-se com o facto de os funcionários dos museus e galerias serem ao mesmo tempo um elemento de autoridade e alguém que aparenta estar camuflado no local onde se encontra.

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Figura 12: Luís Favas, Backsatege 2/2 (2011)

Figura 13: Luís Favas, Ponte (2008)

Esta fotografia refere-se ao início da segunda fase das festividades do dia 15 de Agosto que,

para os habitantes da localidade onde a fotografia foi tirada (núcleo dos Hangares da Ilha do

Farol, Faro), é o dia mais importante do ano. Esse dia tem ligações religiosas ao 13 de Maio

em Fátima. Nesta ilha algarvia, todos os habitantes contribuem para o evento, enfeitando o

exterior das suas casas, os arruamentos, os largos e as embarcações, com pequenos altares,

arranjos florais e elementos relacionados com a faina pesqueira e a religião.

O evento realizado neste dia é dividido em três fases principais: a primeira corresponde ao

regresso à ilha do grupo de embarcações que foram a Faro buscar as figuras religiosas; a

segunda fase, que tem início no local onde a fotografia foi tirada, corresponde à procissão

entre o cais e a capelinha; a terceira e última fase corresponde ao almoço de confraternização

e reunião entre os habitantes.

32

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A fotografia tirada neste evento e que faz parte da peça, ao ser projetada numa parede, é

ocultada sempre que um visitante demonstra a intenção de a fotografar, impossibilitando a

criação de um seu registo. A interatividade entre a exposição/ocultação da fotografia é dirigida

com o auxílio de um comando que possibilita a sua intermitência. Quando os visitantes estão

apenas a olhar para a projeção é possível vê-la e quando a tentam fotografar ela é ocultada.

Tendo em mente a necessidade da criação de um ambiente interativo entre a obra e os

espetadores, cedo defini que a interação teria de ser mediada por um elemento humano.

A intenção de usar uma pessoa para criar a interação em alternativa à utilização de um

computador, é justificada pelo facto de pretender que a obra não se transforme apenas num

elemento de diversão. Ao utilizar o computador e sensores para detetarem as máquinas

fotográficas, poder-se-ia correr o risco de minimizar a obra a partir da exclusiva capacidade

mecânica. Ao transferir a tarefa para uma pessoa, as sequências causa-efeito terão tempos de

reação diferentes, inicialmente, incompreendidas pelos espetadores. Desta forma, pretendo

que a alteração da projeção seja intencional e dinâmica e que não seja apenas mecânica.

A presença do “funcionário” é crucial. Alem da função de mediação, é-lhe facultada a

possibilidade de criar um registo do comportamento dos visitantes perante a obra e, com isso,

exponenciar o conhecimento sobre a obra e a sua intenção.

A opção de não usar sensores justifica-se, também, com o desacordo perante o contexto

sociocultural atual, caracterizado por se esperar mais ansiosamente por novos produtos do que

por novas ideias. Concordo com Ritchin quando refere que parece que os consumidores se

contentam em usufruir de muitas ideias apenas a partir de novos produtos (Ritchin, 2010).

Ao impossibilitar a criação de fotografias, pretendo também evitar uma multiplicação destas

fotografias através das inúmeras redes sociais ou de outras plataformas de partilha de

imagens, evitando que elas sejam tomadas como alternativa à visita do local da exposição.

Esta impossibilidade obriga a que seja necessário para as pessoas que a visitam, que a

descrevam oralmente e, com isso, acabem por ter de pensar na peça quando forem

questionadas no sentido de transmitirem o que viram, facto que se tornaria desnecessário se

pudessem ter a fotografia para mostrar.

Assim, com a obra Backstage, pretendo que seja posta em causa a necessidade de depender de

registos fotográficos para justificar a presença ou participação num determinado evento. Ao

estar presente durante a exposição da obra, pretendo apreender as reações do público, com a

intenção consciente de as poder utilizar em outras obras a desenvolver no futuro.33

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O nome da obra, Backstage, pretende ser uma referência objetiva à cena fotografada. A cena

caracteriza-se pela captação de um momento, no sentido contrário ao de um outro fotógrafo e

consequentemente do seu tema, tornando a minha fotografia, os bastidores (backstage) da

dele, captando assim o que esse fotógrafo não captou.

Desde que possuo uma máquina fotográfica digital e que, por consequência, o momento

decisivo se tornou menos importante e sem custos relativamente ao episódio descrito no sub-

capítulo II.2, procurei fotografar pessoas a fotografar outras, de acordo com a oportunidade do

momento, como se sentisse o dever de captar esse instante a partir de um outro ponto de vista,

em que pode ser possível captar o fotógrafo e a cena que se desenrola perante este.

O registo da exposição da obra foi realizado da forma mais objetiva possível. Para a criação

do registo, a instalação foi exposta em diferentes locais, cada um deles apresentando

características particulares, acabando por ser selecionado um espaço que presumi ter

condições particularmente interessantes. Esse local, por ser constituído por paredes circulares,

deu a possibilidade de criar um ambiente envolvente em que, se o espetador se encontrasse

numa posição centrada com a projeção e perpendicular à mesma, teria de olhar para os dois

lados para ver a fotografia na sua totalidade, obrigando-o a uma maior imersão na peça. Este

espaço além de ter estas características físicas possibilita criar associações com a obra, pois

encerra em si mesmo a função de armazenamento ao ter funcionado como um silo de cereais,

há já algum tempo extinto.

São três as principais referências para a elaboração da peça artística: o projecto One Hour

Photo do artista Adam Good, a série de fotografias People’s Museum do fotógrafo Thomas

Struth e o Image Fulgurator do artista Julius von Bismarck.

O projeto One Hour Photo consistiu numa exposição coletiva, criada a partir da projeção

aleatória de 128 fotografias que eram destruídas ao fim de uma hora.

Este projeto foi criado pelo artista conceptual Adam Good com a colaboração dos artistas

Chandi Kelley e Chajana Den Harder, fazendo parte dum ciclo de exposições no American

University Museum no Katzen Arts Center (Washington, DC).

O projeto, cujo lema é: “Fotografias nunca antes vistas. Mostradas durante uma hora. E nunca

mais,” foi exibido pela primeira vez em 2010 na American University Museum. Consistia

numa exposição coletiva de 128 fotógrafos, em que cada um participava com uma fotografia,

cada uma delas projetada sequencialmente durante uma hora. Ao fim de cada hora, a

fotografia exposta era queimada ou triturada se tivesse sido impressa ou, simplesmente 34

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eliminada no caso de ser um ficheiro digital. Foram expostas diariamente cinco fotografias,

seis dias por semana, durante 26 dias.

Figura 14: Adam Good, Release Form (2010)

A ideia para este projeto surgiu quando Adam Good passou acidentalmente por uma loja que

vendia fotografias, tendo a particularidade de pôr cada fotografia à venda durante uma hora.

Para eliminar a premissa económica na criação do seu projeto, Good esclareceu os curadores

e os fotógrafos que as fotografias expostas não poderiam ser reproduzidas, expostas

novamente, vendidas ou de um outro modo qualquer mostradas publicamente após a sua

projeção. Esta regra foi imposta através de um contrato (Fig. 14) que assegurava o sucesso

ideológico da exposição e ao mesmo tempo seria o único elemento físico que validava a sua

existência. Um contrato semelhante era apresentado aos visitantes de modo a prevenir que

eles não fotografassem as projeções. Era-lhes também pedido à saída, que fizessem o relato da

sua experiência.

O projeto O.H.P. questiona, com estas premissas, o paradoxo da existência da fotografia

projetada, visto que ela era destruída mesmo que ninguém estivesse presente no local da

exposição. Seria como se a fotografia nunca tivesse existido. O próprio contrato não poderia

salvá-la, visto que nele não existe nenhum indício de como a fotografia era, nem sobre a sua

temática, nem sobre informações técnicas, nem sobre as suas dimensões. O contrato apenas

esclarece que a exposição aconteceu, mas não que a fotografia existiu. Ao ser impossível

captar e partilhar registos fotográficos da exposição, aumenta a função desempenhada pelo

espetador, já que, sem ele, seria como se a fotografia nunca tivesse existido. Em qualquer

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outro tipo de exposição, se não for possível ver uma obra, há sempre a possibilidade de a

rever no catálogo da exposição, no ateliê do artista ou da galeria, ou numa outra oportunidade.

Com a existência temporal limitada da fotografia exposta, aumenta a importância de esta ser

vista, de se ver de forma a reter mais pormenores e com mais atenção, dada a sua natureza

efémera, já que depois da exposição ela irá deixar de ter uma existência física, passando a

existir apenas na memória pouco fiável das pessoas que a viram no momento da projeção.

O projeto teve a intenção de questionar a forma como se vê e como deveria ser vista uma

fotografia. Ela encerra um momento e preserva-o, manifestando a tensão entre a permanência

do meio e a impermanência temporal, subvertendo o modelo de lucro da edição e na

impressão.

Como a memória é falível, a destruição das obras originais e a impossibilidade da criação de

reproduções, fazem com que, posteriormente à exposição, seja mais importante a discussão

sobre as razões que deram origem à sua criação.

Supondo que Adam Good permitia a criação de reproduções das fotografias expostas, elas

poderiam vir a ocupar o vazio criado pela falta dos originais. André Malraux, em O Museu

Imaginário, apresenta os seguintes casos: o de Goethe, que convida amigos a visitarem a sua

galeria privada composta por reproduções de obras clássicas; e o das várias gerações de

escultores que estudam a partir dos moldes. As reproduções podem tornar-se úteis para o

estudo e manutenção das obra de arte originais, mas estão sempre limitadas pelo facto de não

respeitarem fielmente a escala das originais e tal como no caso das fotografias expostas, as

suas réplicas nunca terão a capacidade de ocupar o seu lugar (Malraux, 1965).

Entre os séculos XVII e XIX, as obras pictóricas eram traduzidas para gravura, perdendo a

moldura para passar a adquirir margens, conservando a forma mas perdendo as dimensões e a

cor, sendo interpretadas a preto e branco.

No séc. XIX, a fotografia a preto e branco passou a cumprir a tarefa de reprodução de obras

de arte, com um grau mais fiel em relação ao original, comparativamente às gravuras. Os

interessados passaram lentamente a ter à sua disposição, reproduções que até então

desconheciam.

Atualmente, a grande maioria dos museus públicos oferece a possibilidade de fotografar as

obras expostas, além de possibilitar o acesso às reproduções.

Esta cedência torna o tempo dispendido na contemplação dessas obras significativamente

menor em comparação com aquele em que não é possível fotografar. A primeira vez que me 36

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apercebi de forma consciente desta alteração de comportamentos foi numa visita ao Centro

Cultural de Belém. Reparei que, salvo poucas exceções, os visitantes andavam rapidamente

entre as várias obras expostas, sempre com a sua atenção focada na câmara fotográfica e,

quando chegavam à frente de uma obra tinham a câmara entre si e ela. Permaneciam nesse

local o tempo suficiente para tirar uma boa fotografia e poder rapidamente passar para a

próxima obra. Este comportamento é geralmente seguido pela possibilidade de partilha dessas

fotografias nas redes sociais, acompanhadas por comentários genéricos.

A partir das fotografias e da sua partilha, o principal elemento responsável pela criação da

exposição e pela subsistência do museu é transportado para o exterior, através de reproduções

de duvidosa qualidade, tal como o diretor dos museus florentinos Michele Arcangiolo

Migiliarini tanto temia.

O diretor Migiliarini, em 1860, já recusava a possibilidade de serem fotografadas as obras que

se encontravam sob a sua custódia. Migiliarini, defendia que a fotografia era uma descoberta

mais curiosa que útil, que foi avidamente apropriada por especuladores e amadores e que

eram feitas inúmeras e demasiadas solicitações à direção a fim de se obter permissão para que

as obras-primas do museu fossem reproduzidas. Migiliarini esclarece os inúmeros motivos

para a não autorização da reprodução dos singulares e valiosos monumentos que estavam ao

seu cuidado, onde se destaca a sua desconfiança perante a qualidade da reprodução, visto que

esta não fazia jus à qualidade das obras originais. Segundo Migiliarini, o génio não

sobreviveria se associado a processos mecânicos de reprodução.

Migiliarini opunha-se à reprodução, caracterizando-a como um ataque à própria Pintura,

acrescentando que “a sociedade, embriagada pela sua vã e medíocre instrução, não se dá conta

de que até as melhores fotografias feitas da natureza, estão privadas daquela alma que se

encontra inclusivamente nas pinturas de terceira ordem ...” (Sougez, 1996: 210).

Volvido mais de um século e meio desde o surgimento da fotografia, reduziu-se o receio de

que a reprodução possa prejudicar as obras ao não conseguir replicar a sua qualidade que

diminuiu, embora a problemática da morte do génio e consequentemente a perda da

singularidade do original permaneça atual.

A singularidade do original, observado previamente numa reprodução, é destruída e

inconscientemente o original é comparado com a sua reprodução, como se esta fosse o

verdadeiro original (Berger, 2005).

37

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Segundo John Berger, e indo ao encontro do que afirma Walter Benjamin em A Obra de Arte

na Era da Sua Reprodutividade Técnica, “o que os modernos processos de reprodução

fizeram foi destruir a autoridade da arte e subtraí-la – ou melhor, fixar, as suas imagens, a fim

de as reproduzir – a qualquer coutada. Pela primeira vez, desde sempre, as imagens de arte

tornaram-se efémeras, ubíquas, insubstânciais, ao alcance de qualquer pessoa, sem valor,

livres. Rodeiam-nos, tal como nos rodeia a linguagem. Entraram na corrente geral da vida,

sobre a qual deixaram, em si próprias de ter poder” (Berger, 2005: 37).

As inúmeras reproduções aplicadas a diferentes tipos de objetos, desempenhando a função de

elementos de decoração, fazem com que a singularidade do original vá sendo destruída.

Mesmo tendo em conta esta problemática, a reprodução das obras torna possível a criação de

uma cadeia infinita de informação e conhecimento. Este papel foi atribuído à fotografia desde

o seu começo, tendo sido a reprodução de obras de arte o móbil inicial de Niepce.

Figura 15: Thomas Struth, Museu del Prado 7 (2005)

Tanto para Migiliarini como para Benjamin, a singularidade e a autenticidade presentes na

obra de arte original, eram diminuídas ou até mesmo destruídas pela reprodução mecânica.

Uma exceção a esta opinião, é o projeto fotográfico de Thomas Struth, People’s Museum, que

entra numa categoria diferente da simples reprodução. Struth faz com que a singularidade da

obra original fotografada seja ampliada através da captação de grupos de pessoas a

contemplá-la.

Struth capta o efeito magnético que as obras de arte e os monumentos arquitetónicos exercem

sobre os visitantes, de maneira tal que os espetadores das suas fotografias sentem por

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afinidade e empatia a mesma força. Nas suas fotografias, a originalidade das obras de arte é

combinada com o momento único e autêntico do encontro entre as obras expostas no museu e

cada um dos seus visitantes (Struth, 2010).

Ruth HaCohen e Yaron Ezrahi, num artigo que escreveram em conjunto acerca das obras de

Struth (Struth, 2010), interpretam a fotografia dos visitantes contemplando Las Niñas (Fig.

15), como uma alegoria na mudança da relação entre o conteúdo e o contexto dessa pintura

entre a época da sua criação e a sua exposição atual no Prado, como um museu público na

Espanha democrática contemporânea.

Figura 16: Julius von Bismarck, infografia do Image Fulgurator (2007)

Por fim, o dispositivo Image Fulgurator (Fig. 16) do artista Julius von Bismarck. Este

dispositivo manipula fisicamente as fotografias que são tiradas dentro da área de alcance do

mecanismo, sem que o fotógrafo se aperceba da manipulação, detetando a interferência do

dispositivo apenas quando vê a fotografia.

O dispositivo é acionado pelo flash de outras câmaras, despoletando no mesmo instante um

flash reativo que projeta uma imagem sobre o objeto que está a ser fotografado. Em registos

que demonstram o Fulgurator a trabalhar, é possível perceber que devido ao facto da

interferência ocorrer tão rapidamente, o fotógrafo não consegue localizar a sua origem,

podendo pensar que se trata de um problema com a sua própria câmara.

Bismarck utiliza este dispositivo a fim de questionar e contestar símbolos políticos e

religiosos, como por exemplo a projeção de uma cruz no púlpito, durante um discurso de

Barack Obama em Berlin (Julho de 2008); uma pomba, sobre o retrato de Mao Tse Tung no

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Portão Tiananmen; a palavra “No” para a parede do Altar exterior, onde o Papa Bento XVI

comunicava em Madrid, no Aeroporto Quatro Ventos, durante a Jornada Mundial da

Juventude de 2011.

Neste sub-capítulo foram abordadas as diferentes características da peça Backstage,

contextualizada a fotografia que uso nesta peça e referenciadas as obras que me

influenciaram. Foram expostas as temáticas relativas ao ato de fotografar, desde a

impossibilidade de fotografar como no projeto One Hour Photo, a fotografia como cópia

pobre da realidade apontada por Migiliarini e por fim, a possibilidade da fotografia adicionar

algo à realidade, presente na série de fotografias de Struth e no projeto Image Fulgurator de

Bismarck.

III.2 – Backstage

Neste sub-capítulo irei analisar a peça criada de acordo com os temas abordados nos

primeiros dois capítulos, onde foi referida a relação das pessoas com o ato fotográfico num

determinado momento e a melhor opção para o recordar.

A decisão faz com que num qualquer evento, um sujeito tome o lugar de espetador/fotógrafo

ou de interveniente/fotografado. Embora seja possível tomar os dois lugares ao mesmo tempo,

nenhum deles é ocupado na sua plenitude.

Este facto está bem presente no momento em que a fotografia que uso na instalação foi tirada.

Para um observador atento, isto mesmo teria sido possível concluir, a partir da enorme

quantidade de fotografias tiradas nesse dia e, também, da separação efetiva das pessoas que

seguem na procissão com aquelas que ficam do lado de fora com a intenção deliberada de

fotografar. Na fotografia, destaca-se uma pessoa que para fotografar, vira as costas à

cerimónia religiosa num dos momentos de maior importância durante esse dia, para dar

instruções diretas à criança e fotografá-la num enquadramento em que não se encontrava nada

de relevante em relação à festividade.

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Ao fotografar a criança, esta pessoa estava, tal como acontece com as fotografias turísticas

referidas no segundo capítulo, a criar um comprovativo de que a criança esteve efetivamente

no local do evento durante o seu desenrolar. Este comprovativo afirma a sua fragilidade, uma

vez que não capta nenhum elemento relacionado com a festividade, mesmo tendo sido criado

no decorrer da cerimónia.

Sendo a fotografia o principal comprovativo da visita a um determinado local, a sua

credibilidade tornou-se inferior devido ao facto de fotografias alteradas serem apresentadas

como fotografias não editadas. A veracidade da fotografia tem sido cada vez mais posta em

causa à custa da proliferação de novos programas de edição de imagem, que tornam a

manipulação de fotografias cada vez mais rápida, fácil e quase indetetável. Essa manipulação

põe em causa a veracidade dos documentos fotográficos, tanto de eventos públicos como

privados, fazendo com que fotografias que referenciam feitos extraordinários possam ser

interpretadas como sendo imagens manipuladas. A figura do fotógrafo como testemunha e a

fotografia como pedaço de história e memória passa a fazer parte do passado.

Tal como essas fotografias que irão ter uma presença efémera nos monitores das câmaras

fotográficas, dos computadores e de outros aparelhos eletrónicos, a utilização da projeção na

peça Backstage, possibilita que a fotografia escolhida não necessite de ser impressa. Desta

forma, permanecendo em ficheiro digital, a fotografia nunca se torna algo físico, desde a sua

criação à sua exposição, afastando-se das características oferecidas pelas fotografias

analógicas.

Quer seja porque o evento é encenado ou porque os pixeis são manipulados, a fotografia perde

a sua essência, sendo possível afirmar que estamos a entrar na “idade pós-fotografia” no

sentido em que a fidelidade e a crença existente na idade mecânica foi substituída pela fluidez

do digital (Ritchin, 2010).

Com a descrença instalada, a fotografia torna-se uma plataforma de comunicação, que se

aproxima do formato de uma conversa em vez de uma constatação irrefutável. Dever-se-ia

assim, modificar a ideia de que “as fotografias nunca mentem” para a de que “as fotografias

sugerem ideias”. Deste modo, a descrença afeta o valor indicial de momentos extraordinários,

tornando-se mais natural afirmar que a fotografia foi alterada do que tentar acreditar nela.

Este facto está também presente nas fotografias turísticas, onde facilmente um sujeito pode

fazer uma montagem colocando-o num destino paradisíaco ou no meio de uma tempestade.

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Neste sub-capítulo foi possível identificar os pontos de contacto entre as duas vertentes da

dissertação, na qual a peça Backstage problematiza a escolha entre aproveitar um momento,

registando-o sensorialmente ou desligar-se deste para o registar fotograficamente.

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CONCLUSÃO

Ao longo da dissertação foi abordado o papel da câmara fotográfica como filtro da realidade,

a relação que as pessoas criam com o ato fotográfico e com as fotografias desse momento

singular.

De forma a aprofundar estas relações, foram apresentados vários casos que tendem a

acompanhar cronologicamente a evolução do processo fotográfico. Nos exemplos referidos

destacaram-se questões técnicas relacionadas com as vantagens que as várias fases do

progresso tecnológico passavam a oferecer; a problemática da fotografia como substituto das

obras artísticas originais e a criação da ideia de que a partilha e a posse de fotografias é tão ou

mais importante que a efetiva presença física num determinado local ou momento.

Com a análise dos vários casos, é possível constatar a relação que é criada com a fotografia.

Se por um lado ela possui uma relevância tão importante no dia-a-dia como meio de

comprovação e partilha, são ao mesmo tempo desvalorizadas as consequências do ato

fotográfico e a própria qualidade da fotografia.

Consequentemente, a necessidade de fotografar um determinado momento, afeta-o tanto na

ordem dos acontecimentos como na forma de estar, quer da pessoa que pretende fotografar,

quer das pessoas que pressentem ou sabem que vão ser fotografadas. O ato fotográfico é por

estes motivos um momento em si próprio, que se impõe à experiência direta.

A fotografia passa assim a ser o meio preferido para divulgar e informar sobre onde se esteve,

o que se viu, o que se comeu, no que se estava a pensar, apenas qualquer coisa ou nada

mesmo. A fotografia assume-se como uma forma de vigilância omnipresente exercida sobre

as pessoas. As fotografias são, na sua grande maioria, partilhadas através das redes sociais e

blogs, onde rapidamente a renovação de informação as descontextualiza.

Foi procurado com esta dissertação tornar consciente a utilização da câmara fotográfica e das

múltiplas consequências que a escolha de a usar acarreta.

Concluída esta dissertação, gostaria de prolongar este tema, estudando o impacto que as cada

vez mais comuns alterações digitais nas fotografias exercem sobre a sociedade. Ao ser

quebrada a ligação entre a imagem e a realidade que pretende reproduzir, seria pertinente

aprofundar o caso de pessoas que efetuam operações estéticas para se assemelharem às

fotografias de celebridades. Na realidade, as celebridades não são tão perfeitas como as

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fotografias mostram, visto que essas fotografias são alteradas digitalmente para vender uma

falsa ideia de perfeição. Sabendo que com o avanço tecnológico dos programas de edição de

imagem é cada vez mais difícil detetar o que é verdade ou não, seria importante estudar e

aprofundar o facto de fotografias manipuladas serem apresentadas como originais.

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