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Lucio
Sello
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UMA BREVE HISTÓRIA DA LINGUAGEM

Introdução à origem das línguas

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Steven Roger Fischer

UMA BREVE HISTÓRIA DA LINGUAGEM

Introdução à origem das línguas

Tradução Flávia Coimbra

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A History of Language by Steven Roger Fischer

was first published by Reaktion Books, London, UK, 1999 Copyright © Steven Roger Fischer, 1999

Copyright © 2009 by Novo Século Editora

PRODUÇÃO EDITORIAL Equipe Novo Século PROJETO GRÁFICO E COMPOSIÇÃO Claudio Braghini Jr. CAPA Genildo Santana PREPARAÇÃO DE TEXTO Josias Aparecido de Andrade REVISÃO Salete Brentan Patrícia Murari

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Fischer, Steven Roger Uma breve história da linguagem / Steven Roger Fischer, tradução Flávia Coimbra.— Osasco, SP: Novo Século Editora, 2009.

Título original: A history of language 1. Linguagem e língua 2. Linguística histórica 3. Mudanças

linguísticas — Aspectos sociais 4. Sociolinguística.

09-01046 CDD-417.7

Índices para catálogo sistemático:

1. História da linguagem 417.7 2. Linguagem: História 417.7

2009 IMPRESSO NO BRASIL

PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À

NOVO SÉCULO EDITORA Rua Aurora Soares Barbosa, 405 — 2o andar

CEP 06023-010 — Osasco — SP Tel. (11) 3699-7107 — Fax (11) 3699-7323

www.novoseculo.com.br [email protected]

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Sumário

Capa – Orelha — Contracapa Prefácio ............................................................................................................. 7 1 — Comunicação animal e 'linguagem' ........................................................ 11 2 — Primatas falantes ..................................................................................... 43 3 — Primeiras famílias ................................................................................... 75 4 — Linguagem escrita ................................................................................ 107 5 — Linhagens ............................................................................................. 141 6 — Em direção a uma ciência da linguagem ............................................. 175 7 — Sociedade e linguagem ........................................................................ 219 8 — Indicativo futuro .................................................................................. 261 Notas ............................................................................................................ 285

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Prefácio

Este livro é uma introdução à história da linguagem. Ao tratar o tema em seu sentido mais amplo, sua intenção é preparar o leitor, que talvez esteja familiarizado apenas de modo geral com línguas estrangeiras e o estudo da linguagem, para o aprendizado profissional da linguística. Nesse sentido, o presente volume é uma leitura preliminar útil antes do início de um curso introdutório de linguística numa universidade. Não é necessária nenhuma experiência anterior em linguística para sua leitura. Ele não exige conhecimento prévio de uma terminologia linguística especial nem de métodos linguísticos particulares.

Como uma história da linguagem em geral, esta visão difere em muito das histórias tradicionais da linguística — que consistem em descrições formais da mudança linguística em línguas humanas conhecidas ou reconstituídas. Ela vai além das restrições humanas, para

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incluir a linguagem dos animais. É uma exposição curta e concisa do significado histórico da 'linguagem' em termos globais.

O primeiro capítulo começa com a Natureza e o passado; o último termina com a Tecnologia e o futuro. Esta história introdutória também se inicia com macroquestões para chegar até as microquestões: das linguagens de todos os animais até aquelas específicas aos primatas; das linguagens do Homo sapiens em geral às macrofamílias das línguas humanas; e de famílias de línguas específicas ao uso da língua na nossa nova sociedade global e o futuro possível do inglês, no momento em que a espécie humana começa a colonizar o Sistema Solar. É uma história do único e do lugar-comum, apresentando a capacidade mais fascinante do mundo natural: a linguagem.

As muitas facetas do que o ser humano quer dizer com essa palavra amorfa que é a 'linguagem', com suas vinte e quatro diferentes definições, além de várias outras conotações em contextos específicos, se tornarão evidentes no decorrer desta introdução à história da linguagem. A atual definição formal de 'linguagem' também está passando por mudanças semânticas, em que a 'linguagem' não é mais privilégio exclusivo do Homo sapiens. Hoje, acredita-se que qualquer ser vivo, em qualquer época, que tenha usado algum meio para transmitir informação a outros animais, usou algum tipo de 'linguagem'. Ela é, obviamente, uma faculdade universal.

Seria absurdo declarar que 'alguém, em algum lugar, emitiu a primeira palavra. E outro alguém a entendeu . No presente, tal discurso pode ser especialmente sedutor. Mas seu conteúdo é historicamente inválido, como sabemos hoje. A linguagem não 'começou'. A linguagem, em toda a sua miríade de formas, evoluiu durante centenas de milhões de anos. Apenas no final dessa lenta evolução a 'linguaguem', um conceito essencialmente antropomórfico, aparece numa forma em

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que seres humanos modernos conseguem identificá-la como tal e entendê-la melhor.

Uma história da linguagem precisa incluir a linguagem não-humana, como foi revelado particularmente em experimentos inovadores feitos com aves, cetáceos e primatas, conduzidos desde a década de 1960. Ainda existem formas primevas de linguagem em todo o mundo e que apenas agora estão sendo reconhecidas, principalmente como resultado da tecnologia moderna, que usa equipamentos de monitoração sensíveis para registrar a comunicação do mundo natural que havia passado despercebida até então.

Tempos atrás, os hominídeos se tornaram seres falantes. O tema principal deste livro consiste na história do surgimento da linguagem humana e sua subsequente evolução. Não há respostas definitivas para as principais questões relativas à linguagem humana: o que é a 'linguagem'? Como a 'linguagem' se relaciona a outras habilidades intelectuais? De que modo a linguagem humana se diferencia da comunicação entre não hominídeos? Um dos objetivos de uma história da linguagem é descobrir maneiras de responder essas e outras perguntas semelhantes.

Este livro não aborda aspectos teóricos específicos da evolução linguística. O tema é mencionado, mas apenas como parte de uma história da linguagem em geral, dentro de uma visão global. Para o aprofundamento de controvérsias teóricas específicas — a origem das 'palavras', o surgimento da sintaxe e assim por diante — há textos relevantes citados nas Referências e na Bibliografia. A evolução da capacidade do cérebro em processar referências vocais específicas é um campo igualmente fascinante que, infelizmente, está além da esfera de ação dessa introdução a uma história da linguagem.

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Jeremy Black sugeriu que eu escrevesse este livro, e sou extremamente grato a ele pela ideia e por seu inigualável apoio. Também agradeço Michael Leaman da Reaktion Books, que gentilmente discutiu comigo as especificidades do projeto e forneceu vários comentários e sugestões construtivas.

Também devo agradecimentos especiais a muitas pessoas especiais, que desempenharam papéis importantes, cada uma de sua própria maneira, na minha carreira linguística e filológica. Seu profundo conhecimento sobre línguas, ciência da linguística e/ou filologia influenciou, formou e afiou meu conhecimento e crenças linguísticas e filológicas nos últimos trinta anos. Dos muitos que merecem menção, gostaria de expressar minha gratidão particularmente a Eli Sobel (T), Noam Chomsky, Raimo Antilla, Theo Vennemann, Terrence Wilbur, Stephen Schwartz, Arthur Groos, Thomas Bartel (T), H. G. A. Hughes, Margaret Orbell, Bruce Biggs, Andrew Pawley, Malcom Ross, Ross Clark, Ray Harlow, Terry Crowley, Albert Schutz, John Charlot e Jack Ward.

E também um agradecimento muito especial a Jean Aitchison, por mostrar a todos nós como se deve escrever sobre a linguagem.

Acima de tudo, a minha esposa, Taki, que foi meu pilar e minha vela.

Steven Roger Fischer Ilha de Waiheke, Nova Zelândia

Janeiro de 1999

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Comunicação animal e 'linguagem'

Os primeiros organismos terrestres desenvolveram mecanismos primitivos de troca capazes de transmitir informações sobre espécie, gênero e intenção. Essa transmissão ocorria através do que então consistia o meio mais sofisticado da natureza: a comunicação química. Os milhões de anos da necessidade contínua de se entrar em contato com outra criatura da mesma espécie para fins reprodutivos exigiram métodos de comunicação ainda mais complexos. Desse processo evolutivo nasceu a 'linguagem' em seu sentido mais amplo.

Cada tipo de linguagem usada na natureza difere entre si. Quanto mais profundamente se investiga, mais se descobre sobre a habilidade comunicativa de cada espécie, distinguida por definições cada vez mais elaboradas do conceito de 'linguagem'.

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Em sua definição mais simples, linguagem significa 'meio de troca de informações'. Essa definição permite que o conceito de linguagem englobe expressões faciais, gestos, posturas, assobios, sinais de mão, escrita, linguagem matemática, linguagem de programação (ou de computadores), e assim por diante. A definição também abarca a 'linguagem' química das formigas e a dança das abelhas (hoje sabemos que ambos os insetos também usam simultaneamente outros meios de expressão comunicativa).

A definição reconhece as várias trocas de informação bioacústicas (emissões de sons de formas de vida) que ocorrem em frequências que escapam à audição humana. Por exemplo, um humano comum de 15 anos de idade só consegue ouvir cerca de dez oitavas dentro da frequência e amplitude da conversação normal — que fica entre 30 e 18.000 hertz (ondas por segundo). Aves, rãs, sapos e cães vocalizam dentro desse intervalo. Porém, a maioria das outras criaturas parece se comunicar tanto abaixo quanto acima dos limites considerados 'normais' pelos humanos. O infrassom compreende emissões abaixo de 30 hertz, como, por exemplo, os sons emitidos por baleias-fin, baleias-azuis, elefantes, crocodilianos, ondas oceânicas, vulcões, terremotos e tempo ruim. O ultrassom ocorre acima dos 18.000 hertz, frequências normalmente usadas por insetos (os habitantes mais numerosos do planeta), morcegos, golfinhos e musaranhos. Porém, a linguagem é muito mais do que a comunicação vocal. Em seu sentido mais universal, a linguagem é o nexo do mundo animado, cujos limites são traçados apenas pelos seres humanos.

Estudos mais recentes sobre comunicação animal tendem a se concentrar na descrição das espécies, ligando a comunicação animal a processos essencialmente biológicos ou especificamente sociais.1

Embora uma 'história da linguagem' no início do século XXI ainda

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seja implicitamente uma 'história da linguagem humana', ela carrega a sugestão de que possa evoluir de modo a abarcar muitas formas de linguagem desconhecidas até então. A comunicação vocal de muitos anfíbios, especialmente rãs, foi pesquisada intensivamente nos últimos anos — embora ainda não se encontre qualquer referência a uma 'linguagem das rãs'. A bioacústica vem concentrando sua atenção também nos peixes, uma vez que, particularmente durante a desova, muitos peixes emitem um 'som complexo' representativo, cuja primeira parte consiste numa série de pulsos parcialmente sobrepostos, e a segunda, composta por pulsos rapidamente repetidos que se sobrepõem, produzindo uma onda constante semelhante a um 'tom'.

A comunicação vocal em sua forma mais primitiva é, por exemplo, surpreendentemente demonstrada pelo 'zumbido' do peixe mamangá do litoral oeste dos EUA, cujos 'zumbidos' noturnos eram desconhecidos para a ciência até perturbarem, recentemente, uma comunidade flutuante na Califórnia, chegando às manchetes internacionais. O mamangá macho emite 'zumbidos' para atrair fêmeas que desovem em seus ninhos. O barulho — um zumbido alto e ressonante, muito parecido ao som produzido pelo didgeridoo2 australiano — se origina de um par de músculos presos à bexiga natatória, que se contrai e vibra contra a parede do estômago, e continua se movimentando por mais de uma hora. Quando a fêmea chega, o 'zumbido' prontamente acaba.

Várias ordens de insetos também possuem órgãos que produzem sons, evidentemente usados para a comunicação. Muitos deles usam o ultrassom, cuja própria existência era desconhecida à ciência até a segunda metade do século XX. Por exemplo, durante a corte, traças machos e fêmeas se comunicam por meio dos feromônios (secreções excretadas por glândulas específicas); toda a sequência do comportamento das

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traças durante a corte também envolve a produção do ultrassom. Esta descoberta recente exigiu que o comportamento das traças durante a corte fosse reconsiderado, e que fosse colocada uma maior ênfase na interação entre os vários modos de expressão comunicativa.

Porém, quando se ouve sobre comunicação ou 'linguagem' animal, normalmente se pensa na linguagem das formigas, abelhas, aves, cavalos, elefantes, cetáceos e grandes primatas.

FORMIGAS (FORMICIDAE)

Há entre 12.000 e 14.000 espécies de formigas no mundo, cada uma de suas colônias compreende um milhão de indivíduos ou mais. Elas ocupam quase todos os locais habitáveis do planeta e excedem em trilhões o número de seres humanos. Nenhuma está sozinha. Todas se comunicam de alguma maneira. Cada formiga consegue transmitir pelo menos 50 mensagens diferentes usando a linguagem corporal e os feromônios. Suas glândulas mandibulares secretam odores de alerta; seu aparelho digestivo termina numa glândula retal que libera um cheiro que marca sua trilha. Excreções da glândula esternal são usadas para chamar as formigas operárias que estiverem por perto, e assim por diante. Essas mensagens químicas altamente específicas, combinadas com a linguagem corporal, aparentemente oferecem um pacote econômico que contém as informações necessárias que uma formiga precisa trocar com suas companheiras para a sobrevivência da colônia. Aqui, a linguagem foi reduzida a seu mínimo, basicamente a uma 'linguagem dos feromônios'. Alguns a chamam de idioma primevo da Terra.

Porém, é possível que a habilidade linguística das formigas seja mais complexa do que a ciência atualmente admite. A divisão do trabalho das

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formigas não pode ser totalmente explicada pelo modelo de comunicação presente. Como o grupo decide qual folha levar? Como são alcançadas a organização e a coordenação em massa? Isso deve envolver uma troca de informação mais elaborada do que a identificada até então. Além disso, pesquisas bioacústicas muito recentes revelaram que as formigas também usam a estridulação; sua produção de som e ultrassom ainda é pouco entendida e os contextos precisos de seu uso ainda são desconhecidos. Em qualquer evento, hoje, os entomologistas desconfiam de que talvez as formigas se comuniquem por meio de uma altamente complexa combinação de feromônios, linguagem corporal e emissão de sons há centenas de milhões de anos.3

ABELHAS-EUROPEIAS (Apis mellifera)

Na primeira metade do século vinte, o zoólogo austríaco Karl von Frisch revelou que as abelhas-europeias usam a 'dança' para se comunicar, chocando o mundo ao demonstrar que mesmo 'insetos insignificantes' eram capazes de trocar informações complexas sobre coisas distantes no tempo e no espaço. Por meio de uma 'dança', a abelha forrageadora informa às seguidoras o tipo (por meio de amostras oferecidas), a qualidade (quantidade de voltas de 180 graus realizadas na 'dança') e a localização (traçando uma figura em forma de oito para comunicar a distância e a direção) da comida que encontrou além da colmeia. No passado, a dança da abelha-europeia foi frequentemente citada como um exemplo clássico do uso da 'verdadeira linguagem' no reino animal.

Pesquisas recentes também revelaram que as abelhas forrageadoras da espécie Trigona minima dançam apenas a céu aberto, acima das colmeias; as seguidoras apenas assistem. Porém, as forrageadoras das espécies que dançam dentro das colmeias vibram as asas para

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produzir correntes de ar, uma 'voz' que as seguidoras, após acompanhar várias figuras em oito, monitoram de perto com suas antenas — indicando que as abelhas conseguem 'ouvir'. Logo depois, as seguidoras pedem amostras da comida pressionando seus corpos para baixo e emitindo uma vibração repentina no tórax, sentida pelas pernas da dançarina. Essa combinação de meios de expressão — linguagem corporal, troca de comida e 'voz' — constitui a 'linguagem' das abelhas-europeias. Experimentos com 'abelhas-robôs' mostraram que tanto a dança quanto a mensagem acústica são essenciais para o estabelecimento de uma comunicação correta entre as abelhas-europeias. Se um desses meios é omitido, a maioria das seguidoras não consegue encontrar a comida.

PÁSSAROS (AVES)

Há muito tempo ornitólogos entusiasmados vibram com o vasto repertório de sons da carriça. Desde a Antiguidade, sabe-se que na natureza, alguns pássaros aprendem suas músicas em contextos diferentes, um fato que sugere que os pássaros agregam significados diferentes a suas vocalizações. Pesquisas de campo recentes confirmam o fato.4

Os pássaros apresentam grandes diferenças individuais nas inclinações e habilidades vocais, mesmo entre as espécies mais loquazes. Alguns não dizem nada; outros, ao que parece, nunca se calam. Talvez, os grandes papagaios estejam entre os 'linguistas' mais fenomenais do reino animal, especialmente o papagaio cinzento e o papagaio da Amazônia (papagaio-de-nuca-amarela, papagaio-campeiro, papagaio-diadema e papagaio-verdadeiro). A arara-piranga e a arara-vermelha também vocalizam bem; mas suas vocalizações são normalmente roucas e altas. Cacatuas são boas 'falantes' de voz suave; porém, assim como ocorre com as araras, é difícil ensiná-las.5

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Já na década de 1940, foi demonstrado que o papagaio-cinzento era perfeitamente capaz de aprender tarefas não vocais, que, segundo a crença comum, exigem uma inteligência complexa, como combinar quantidades de objetos. Pesquisas posteriores observaram que os papagaios, em particular, pareciam usar entre eles vocalizações naturais 'significativas' de diversas maneiras, vocalizações certamente aprendidas com outros membros do bando.

Os últimos vinte e cinco anos do século XX testemunharam uma grande ruptura no nosso entendimento do que, durante séculos, era chamado apenas metaforicamente de 'linguagem' dos pássaros.6

Em junho de 1977, Irene Pepperberg começou a ensinar um papagaio-cinzento de 13 meses de idade chamado 'Alex' a se comunicar com ela em inglês, usando novas técnicas e resultados de pesquisas sobre o aprendizado social humano. Os resultados do experimento são impressionantes. Segundo todos os indícios, Alex, totalmente treinado, não 'repete' o discurso humano, mas sim entende seu significado e consegue expressar uma resposta de teor semântico similar, numa variedade de modos conceituais, com uma precisão estatística notável.

Por exemplo, um pesquisador segura no alto uma chave de metal roxa e uma chave maior de plástico verde. Ele pergunta: Alex, quantos?' Quinze segundos depois, Alex responde: 'Dois'. 'Qual é o maior?' 'Chave verde'. Então, um palito de sorvete de madeira é levantado. 'De que é feito?' Há uma longa pausa e ele finalmente responde: 'Madeira'.

Em 12 anos, os treinadores de Alex ensinaram a ele uma variedade de tarefas linguísticas. Alex conseguia nomear 40 objetos diferentes (banana, rolha, água, e assim por diante). Ele fazia um uso funcional de 'não', 'Venha cá', 'Eu quero X', e 'Quero ir para Y'. Ele conseguia nomear sete cores, descrever várias formas e contar objetos até seis. No

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fim, Pepperberg descobriu que Alex estava combinando todas aquelas etiquetas vocais para identificar, pedir, recusar, categorizar e quantificar mais de 100 objetos diferentes, incluindo alguns que diferiam dos exemplares de seu treinamento regular. Quando suas habilidades eram testadas, a precisão de Alex chegava, em média, a 80%.7

Havia limites. Embora Alex fosse evidentemente capaz de se comunicar com seres humanos num nível aparentemente elevado, ele não conseguia 'falar' com seus treinadores da mesma maneira que papagaios falam uns com os outros. Diferente de grandes primatas, Alex também não conseguia se referir ao que havia feito no dia anterior, ou ao que gostaria de fazer no dia seguinte. O que Alex mostrou aos seres humanos é que talvez os pássaros também possam usar a linguagem de maneira criativa e, portanto, também possam raciocinar com um nível de complexidade comparável ao dos grandes primatas (orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos) e cetáceos (baleias e golfinhos).

Recentes testes neuroanalíticos revelaram que, nos pássaros, o controle do canto é feito pelo lado esquerdo do cérebro, semelhante aos humanos, cuja fala também é controlada no lado esquerdo do cérebro. Uma ligação foi feita a partir desse fato. Porém, a comunidade científica ainda não a estudou.

Será que se a ciência acabar por concluir que os pássaros têm e usam algum tipo de 'linguagem' elaborada, o fato implicaria que seus longínquos ancestrais, os dinossauros, também usavam algum tipo de linguagem, talvez de um modo semelhante? A implicação parece evidente.

A comunicação acústica também é muito usada por todos os mamíferos, grandes vertebrados que amamentam seus filhotes com

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leite excretado peias glândulas mamárias. Ao ajudar na sobrevivência dos mamíferos, permitindo a coesão social e a adaptação, a linguagem parece uma característica primitiva de toda essa classe de vertebrados. Os intricados sons produzidos pelos mamíferos tornam seu estudo tão difícil quanto o estudo dos sons dos não mamíferos, além dos contextos sociais dos mamíferos serem extremamente complexos e variados. É difícil associar sons específicos e/ou padrões de sons com atividades particulares e/ou trocas entre a mesma espécie. Aumentando ainda mais a dificuldade, assim como ocorre com os pássaros que vivem na natureza, parece haver muitas variantes regionais ('dialetos') no 'discurso' dos mamíferos, assim como capacidades de aprendizado e expressões individuais ('idioletos').

A maioria das pesquisas sobre a comunicação dos mamíferos feitas até então se concentra em sua bioacústica: a medição e análise das emissões de som de formas de vidas. Os estudos bioacústicos mais sofisticados feitos com mamíferos foram concluídos em ambientes com um contexto altamente específico, como o acasalamento ou estudo de sonares (ecolocalização8). Na verdade, apenas os estudos mais recentes conseguiram satisfazer quase todas as exigências normalmente feitas a experimentos científicos, uma vez que seu ambiente é limitado por leis físicas bem conhecidas e essas emissões de sons são mais uniformes e fáceis de monitorar do que as atividades sociais, permitindo comparações simples de dados. Porém, o estudo de sonares não consiste em comunicação. Ele prova que vários mamíferos, como morcegos, baleias e golfinhos, possuem biomecanismos elaborados que podem ser capazes de promover sofisticadas trocas de informação entre membros de uma espécie. Particularmente, os estudos com morcegos se concentram no sonar de frequência constante e de frequência modulada com o qual esses pequenos mamíferos se

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orientam e caçam através da ecolocalização; nesse caso, emissões ultrassônicas compreendem seu componente mais importante. Porém, os chamados sociais dos morcegos são emitidos em frequências mais baixas, e ainda não são compreendidos. Os estudos de bioacústica em mamíferos também tratam da vocalização de camundongos. Mesmo assim, poucos escreveram sobre uma 'linguagem dos morcegos' ou uma 'linguagem dos camundongos'. Essa é uma deficiência, cuja causa reside na falta de familiaridade ou na restrição do termo 'linguagem' aos seres humanos, pois a complicada comunicação bioacústica ocorre tanto com morcegos quanto com ratos. Até muito recentemente, a espécie humana simplesmente não percebeu o fato.

Por outro lado, as 'linguagens' de cavalos, elefantes, baleias e golfinhos receberam uma enorme quantidade de atenção popular nos últimos anos. Escritores esotéricos chegaram a ligar esses sistemas de comunicação com formas de 'supercomunicação' sobrenaturais e até extraterrestres. Embora isso seja absurdo, não há dúvidas de que esses mamíferos se comuniquem de alguma forma. Sua comunicação é simplesmente diferente da nossa. Não há indícios científicos que sugiram que a comunicação entre mamíferos não humanos é de qualquer forma 'superior' — ou seja, contextualmente mais elaborada — à linguagem humana. Na verdade, o acúmulo de indícios da segunda metade do século XX leva enfaticamente à conclusão de que só os hominídeos (espécie humana e ancestrais próximos) desenvolveram formas mais sofisticadas de comunicação natural e artificial na história natural do planeta.

CAVALOS (Equus caballus, FAMÍLIA EQUIDAE)

Há muito tempo é sabido que os cavalos usam alguma forma sofisticada de linguagem corporal (gestos, orientação, contato visual e

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evitação), com vocalizações específicas, para se comunicarem uns com os outros, mesmo a longa distância. Nos últimos anos, treinadores humanos desenvolveram novas técnicas baseadas na observação dessa 'língua' equina para manipular o comportamento dos cavalos para propósitos humanos, como selar e montar. Os resultados são notáveis, reduzindo o ‘breaking time’ de cavalos de muitos dias para dezenas de minutos. Não pode haver muitas dúvidas de que se alcançou assim alguma forma de comunicação entre humanos e equinos desconhecida até então. Realizações semelhantes com cervos (família Cervidae) seguiram técnicas quase idênticas, embora o processo tenha sido mais lento e sutil. Normalmente, as vocalizações não desempenham um papel nessas interações; como regra, entre eles, os cavalos quase sempre combinam linguagem corporal e vocalização. Contudo, uma forma de 'linguagem' fica evidente aqui, pois há uma troca de informações específicas entre humanos e cavalos e humanos e cervos. Porém, a investigação científica acerca de 'linguagens' de cavalos e cervos está apenas no início.

ELEFANTES (ELEPHANTIDAE)

Nas últimas duas décadas do século vinte, pesquisadores usaram métodos e técnicas científicas modernas na questão da comunicação dos elefantes. Há muito se suspeita de que os elefantes se comunicam constantemente para reforçar os laços sociais que sustentam a sobrevivência de uma manada. Porém, se essa comunicação pode ser considerada uma 'linguagem', no sentido de transmitir informações significativas entre a espécie, ainda é um fato, em geral, desconhecido.

Elefantes usam vários tipos de vocalizações: roncos, rugidos, rosnados, bufos, barridos e ladros.9 Cada uma dessas vocalizações parece representar um diferente modo de expressão comunicativa,

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dentro dos quais os variados sons representam subunidades importantes. O ronco é, sem dúvida, a mais significativa de todas as vocalizações dos elefantes, emitidas entre 14 e 35 hertz; acima de 30 hertz, os roncos são audíveis aos seres humanos como um deep organ bass, sentido como um 'tinido' subcutâneo. Frequências tão baixas são pouco barradas por obstáculos ao passar por matagais e florestas. Pesquisas no Zimbábue, Namíbia e Quênia sugerem que os elefantes (provavelmente de maneira única entre os mamíferos) usam os roncos infrassonoros abaixo do limite normalmente audível para se comunicarem de algum modo com outros elefantes distantes de si. Sensores remotos, com cronômetros, provaram a ocorrência de comunicação infrassonora entre elefantes fêmeas e machos separados por uma distância de quatro quilômetros. Parece que, entre várias outras utilidades, os roncos permitem que elefantes machos e fêmeas se encontrem para a reprodução (machos e fêmeas adultos vivem longe uns dos outros e não contam com migrações previsíveis nem temporada de acasalamento fixa). Durante o cio, uma fêmea emite uma sequência única de chamados com infrassons que, como preservam a mesma forma, podem ser classificados como uma 'canção de acasalamento': ela começa com roncos lentos e profundos, que gradualmente crescem em força e aumentam o tom; e depois baixam até o silêncio. O 'concerto' pode durar meia hora.

As vocalizações da fêmea são ricas e variadas, implicando muitos tipos diferentes de mensagens. Às vezes, seus chamados parecem indicar até onde a manada pode ir, quando amamentar, quem está presente no grupo e assim por diante. As fêmeas também reagem a eventos distantes. Machos adultos vocalizam muito menos; um pesquisador jocosamente concluiu que isso ocorre porque os machos

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estão ocupados demais ouvindo as fêmeas tagarelas. O olfato é sempre usado com a audição; é evidente que os feromônios desempenham um papel significativo na reprodução dos elefantes. Machos em estado de frenesi sexual em busca de uma parceira, que podem ter apenas dois dias de cio a cada quatro anos, reagem agudamente a tal 'comunicação química'.

É claro que a comunicação dos elefantes como uma forma de 'linguagem' incluiria os roncos que permitem variados tipos de mensagens, e não apenas sinais reprodutivos. Alguns dos mais fortes infrassons de elefantes já registrados documentaram roncos que claramente assinalam pânico; foi sugerido que esses 'chamados de pânico' são emitidos para pedir ajuda a uma manada distante. Embora separadas por quilômetros de florestas, manadas individuais conseguem ajustar continuamente sua busca por alimento numa sincronia quase perfeita, evidentemente usando roncos infrassonoros para manter contato umas com as outras. Essa rede também pode permitir a manutenção de uma elaborada sociedade hierárquica, mesmo entre populações esparsas, como sugerem alguns pesquisadores.

BALEIAS (CETACEA)

Por uma ampla variedade de motivos, frequentemente de natureza militar secreta (estudos com sonares), a maioria das pesquisas internacionais sobre a acústica dos mamíferos envolve os cetáceos: mamíferos aquáticos, na maior parte marinhos, que incluem baleias, golfinhos, botos e animais similares. Além dos pássaros e dos hominídeos, os cetáceos parecem ser as únicas outras criaturas terrestres que contam com trocas vocais facilmente audíveis, espontâneas e complexas. As pesquisas atuais sobre a acústica dos cetáceos se concentram em chamados sociais e sinais de ecolocalização, por meio da análise de

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registros de sons na água, detectados por conjuntos de hidrofones ligados a estações de trabalho com processadores de sinais digitais. Porém, o método falha na hora de mostrar os contextos sociais dos cetáceos; para isso, seria necessário um monitoramento de vídeo em tempo real, cujos resultados deveriam, então, ser analisados em laboratório para dados comparativos. Em particular no caso das baleias, cuja coleta de dados é extremamente difícil.

As vocalizações das baleias podem alcançar 256.000 hertz — uma frequência doze vezes mais aguda que o ouvido humano consegue detectar. Por esse motivo, os seres humanos só ficaram a par do verdadeiro intervalo de comunicação vocal entre as baleias após o desenvolvimento de dispositivos eletrônicos sensíveis, na segunda metade do século XX. Há muitos tipos de 'linguagens' de baleias, que dependem do seu gênero.10

Pesquisas sobre as orcas feitas desde a década de 1970 revelam que suas vocalizações compreendem cliques, assobios e gritos curtos e agudos chamados de 'chamados em pulso'. Os cliques são simplesmente sons do sistema de ecolocalização. Os assobios são ouvidos entre orcas que estão descansando ou socializando e parecem estar envolvidos em brincadeiras e atividades sexuais. Chamados em pulso, junto a um 'grito parecido com uma dobradiça enferrujada', provavelmente servem para rastrear membros do cardume que não estão à vista, uma vez que eles podem ser ouvidos por outras orcas a oito quilômetros de distância. Cada cardume compartilha um número de sequências de pulsos com outros cardumes da região. Porém, frequentemente, cada cardume demonstra versões únicas desses chamados em pulso em comum; além disso, cada um deles possui um ou dois chamados em pulso distintos, que não são compartilhados com outros cardumes. São essas

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diferenças que parecem isolar um 'dialeto' local. Cardumes individuais de orcas podem ser facilmente identificados por seu dialeto único. Diferentemente das baleias-jubarte, as orcas mantêm dialetos individuais sem mudanças intencionais por períodos muito longos, possivelmente pela vida inteira.

Hoje, as baleias-fin são conhecidas por emitirem intensos chamados infrassônicos; mas ainda não se sabe se eles servem para sua comunicação. Também não se sabe se os gemidos, grunhidos e sons parecidos com o da corneta e do barrido do elefante feitos pela baleia-franca, um dos cetáceos mais vocais, compreendem algum tipo de comunicação.

Entre os mais poderosos sons uniformes emitidos por qualquer forma de vida terrestre está o chamado produzido pela baleia-azul. Como foi medido pela marinha norte-americana no litoral da América do Sul, sua 'canção' de 188 decibéis — um nível de barulho comparável a um cruzeiro navegando em velocidade normal — pode ser detectada a centenas de quilômetros de distância. Normalmente infrassônicas, as canções da baleia-azul compreendem notas perfeitamente harmonizadas, repetidas em intervalos de 128 segundos. Durante a maior parte do ano, a baleia-azul canta continuamente durante oito dias, repetindo apenas cinco dessas notas harmonizadas em diferentes combinações. Se há alguma pausa, a nota seguinte ocorre em exatos 256 segundos. Alguns especialistas acreditam que as baleias-azuis 'cantam' para apontar com precisão sua localização no oceano, cronometrando o reflexo de suas emissões em bancos de areia dos continentes, ilhas e montanhas submersas. Assim essas canções não teriam uma função comunicativa. Porém, o fato de as canções serem audíveis em distâncias tão gigantescas parece contradizer essa hipótese.

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Hoje, nós sabemos que as baleias-jubarte — assim como os primatas, talvez as únicas outras compositoras na natureza — transmitem, de modo semelhante, 'canções' para centenas de quilômetros pelo oceano. As jubartes evidentemente usam uma 'linguagem' especial que deve verdadeiramente ser uma das características mais fascinantes da natureza. Elas exibem uma grande variedade de vocalizações: lamentos, chiados, grunhidos, rugidos e urros que podem, às vezes, ser associados a comportamentos específicos, sugerindo um significado social. Mas são as canções da jubarte que mais se aproximam do nosso conceito de 'linguagem' verdadeira. Durante mais de vinte anos, as canções das jubartes das bermudas foram investigadas. Foi descoberto que entre as vocalizações havia 'longas canções de amor' — ou seja, sequências regulares de sons repetidos emitidos para o acasalamento. As canções apresentavam uma ampla variedade de tons e duravam entre seis e 30 minutos; quando gravadas e artificialmente aceleradas em mais de 14 vezes, as canções se pareciam notavelmente com o canto de um pássaro. Há solos, duetos, trios e até coros de dezenas de jubartes. Cada uma delas canta a mesma 'canção', embora não em uníssono. E a canção muda diacronicamente, ou seja, ao longo do tempo, um processo que parece ser constante e intencional, muito semelhante a formas de mudança da linguagem humana: novos elementos são compostos, mantidos, e depois aperfeiçoados. Isso é muito diferente do 'dialeto' das aves, que são simplesmente regionais. Como os humanos, as jubartes modificam intencionalmente seu próprio ritual de vocalizações com o tempo. Um grupo regional de jubartes cantará a mesma 'canção' durante um ano, e no ano seguinte colocará outra canção em seu lugar. É significativo que as canções de dois anos consecutivos sejam mais parecidas do que duas canções separadas por um intervalo de vários anos. A canção parece estar 'evoluindo' e cada jubarte participa da evolução da canção.

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Quando as jubartes do Havaí foram comparadas às jubartes das Bermudas, num período de quatro anos, foi descoberto que em todos os anos os grupos cantavam canções diferentes. Ainda assim, ambas apresentaram uma mudança diacrônica e demonstraram a mesma estrutura (não conteúdo) na canção. Por exemplo, cada canção compreende cerca de seis temas, com várias frases idênticas ou que mudavam lentamente. Cada frase contém entre dois e cinco sons. A canção mantém os temas numa determinada ordem, mas, às vezes, as jubartes omitem um ou mais temas. Os temas que restam são sempre cantados numa sequência previsível, baseada em performances anteriores. Embora as jubartes das Bermudas e do Havaí não tenham contato, suas canções compartilham 'regras linguísticas' essenciais.

Assim, as leis de composição das jubartes parecem ser universais, seja no Atlântico, seja no Pacífico. Isso sugere que as jubartes (na verdade, talvez todos os cetáceos) herdam um conjunto de leis de vocalização, dentro das quais cada geração pode improvisar. Não se sabe se essas supostas leis de vocalização são transmitidas geneticamente ou transmitidas pelo aprendizado. Sugere-se que, como as jubartes não cantam nas áreas de alimentação durante o verão e como as canções são complexas demais, elas simplesmente esqueçam a canção entre uma estação e outra e arquitetem uma nova versão, baseadas numa lembrança parcial. A hipótese foi testada nos mares da Ilha de Maui, no Havaí, e se provou equivocada: quando as jubartes voltaram, a canção antiga foi cantada, e depois gradualmente alterada durante a temporada de acasalamento.

As jubartes sempre cantam as novas frases num andamento mais rápido do que as frases antigas, e, às vezes, as frases novas são ajustadas, de modo a conectar o início e o final de frases consecutivas. As partes

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do meio são simplesmente omitidas, como as abreviações usadas por seres humanos ('cê' por Você'). Esse processo também é parecido com o modo como a linguagem evolui em comunidades humanas. Como as canções das jubartes são diferentes, embora a forma da canção seja similar tanto no Atlântico como no Pacífico, os especialistas concordam que, nesse caso, pode-se falar em termos de verdadeiros 'dialetos' regionais. O fato também indica fortemente que na canção da jubarte pode se encontrar uma forma de 'linguagem' que mais se aproxima das expectativas humanas, embora sua natureza específica ainda precise ser entendida.

Os celebrados codas — distintos padrões de cliques — do grande e tímido cachalote parecem ser diferentes para cada indivíduo; ou seja, eles não parecem constituir o mesmo tipo de 'linguagem' compartilhada, exibida pela jubarte. Infelizmente, esses codas ainda não foram decifrados. Porém, sabe-se que eles variam de oceano para oceano, e, portanto, podem representar (pelo menos para rastreadores humanos) uma marca de 'dialeto'. Por exemplo, os cachalotes de Galápagos emitem 23 codas distintos durante interlúdios sociais. Há um coda de cinco cliques que frequentemente inicia as conversações, como um 'oi'. Também há um coda de sete cliques que normalmente segue um coda de oito cliques, ambos os significados são desconhecidos. Os machos se anunciam com um som metálico chamado de 'grande clique', repetido a cada sete segundos, parecido com o som do 'bater de uma porta de cela de cadeia', talvez o som seja usado para atrair fêmeas ou intimidar rivais. Os codas do cachalote são quase sempre ouvidos no meio do dia, quando as baleias estão socializando perto da superfície do mar. Foi sugerido que os codas permitem que os cachalotes se identifiquem individualmente, uns para os outros. Vários outros cliques (não codas) usados pelos cachalotes podem agir

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como um sonar de ecolocalização e, como dizem alguns, para atordoar a presa com o som.

GOLFINHOS (DELPHINIDAE)

O termo golfinho geralmente inclui os botos, uma subespécie, que também vocaliza frequentemente, como é observado há milhares de anos no caso do golfinho-riscado, que assobia para se comunicar e faz cliques para ecolocalização simultaneamente. Os golfinhos produzem os cliques forçando as cavidades nasais contra as beiradas ósseas do crânio, e depois, convergindo-os através do tecido adiposo em sua testa. Os golfinhos não possuem ouvidos externos; o som é recebido através de uma estreita 'janela no osso maxilar inferior.

Na década de 1960, o neurofisiologista e psicanalista norte-americano John C. Lilly, convencido de que os golfinhos já possuíam uma elaborada linguagem natural, começou a ensiná-los a 'falar inglês'.11 O objetivo do Projeto Janus, idealizado por Lilly, era permitir que seres humanos e golfinhos, cada um em seu respectivo ambiente, trocassem vocalizações ajustadas a uma 'audição confortável', através de um código de 64 sons. Lilly esperava rápidas comunicações entre humanos e golfinhos: 'Quero descobrir se eles têm sagas, ensinamentos, histórias'. Seu desejo antropocêntrico — talvez ingênuo, quando visto em retrospecto — não foi satisfeito. Tentativas semelhantes posteriores, como as feitas em Marineland, na Flórida, seguindo o modelo de experimentos contemporâneos para ensinar uma língua artificial para primatas, também produziram resultados insatisfatórios. A comunicação entre humanos e golfinhos, quase sempre vinculada à combinação de códigos simples, raramente transmitia mais de 12 palavras codificadas em inglês.

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É evidente que o repertório vocal dos golfinhos inclui mensagens emocionais de alguma espécie. Especialistas isolaram um grito, que sobe e desce, parecido com o de um pássaro, que deve significar algo parecido com 'socorro!'. Outros sinais isolados e específicos de golfinhos devem significar alguma coisa como: 'Sou o Flipper'. Apesar disso, a opinião científica atual, num forte contraste com o entusiasmo otimista de mais de uma geração passada, sustenta que a 'linguagem' do golfinho na natureza (em oposição à comunicação artificial entre humanos e golfinhos) esteja talvez mais próxima aos gemidos, risadinhas e suspiros humanos do que geralmente se espera de uma 'linguagem' verdadeira.

Como vimos, a acústica dos cetáceos indica 'dialetos' discerníveis, e mesmo evoluções de estrutura marcadas, esperadas numa troca de informações baseadas no conhecimento. Por tudo isso, as tentativas dos humanos em estabelecer 'diálogos', na forma como os entendemos, com os cetáceos falharam até o momento. Nós não compreendemos realmente o modo como os cetáceos transmitem informações. Eles se comunicam uns com os outros de alguma maneira; e acima de tudo, os golfinhos e as jubartes parecem viver numa sociedade ricamente vocal. Mas ainda temos de compreender a 'linguagem' dos cetáceos nessas elaboradas vocalizações.

No caso dos primatas, o terreno é mais familiar. Como escreveu o primatologista John Mitani: 'Você não consegue olhar de perto um grande primata sem sentir algo muito especial'. É o extremo da vaidade: percebemos nós mesmos. Cerca de dezessete milhões de anos atrás, durante o período mioceno, havia pelo menos três vezes mais gêneros de macacos do que hoje. Seus descendentes são os pequenos primatas ou gibões; os grandes primatas (orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos); e os seres humanos, o último dos hominídeos.

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Todos os grandes primatas parecem exibir habilidades linguísticas que chegam perto daquilo que entendemos por verdadeira 'linguagem', principalmente devido a seu conceito antropocêntrico.

ORANGOTANGOS (Pongo pygmaeus)

No final da década de 1970, a linguagem de sinais foi ensinada para grandes primatas em seu próprio lar pela primeira vez, para orangotangos em Bornéu. Suas lições foram preparadas no modelo de experimentos contemporâneos com gorilas e chimpanzés nos EUA. Dois orangotangos aprenderam vinte sinais da Linguagem de Sinais Norte-Americana em menos de um ano, uma taxa semelhante à capacidade de aprendizado das outras espécies. O experimento indicou que as habilidades de 'linguagem' de todos os grandes primatas é, provavelmente, quase a mesma, independentemente da espécie. O talento individual parece apresentar uma diferenciação mais ampla. As experiências com a linguagem em orangotangos aumentaram nos últimos anos. Elas produziram resultados de compreensão e produção linguísticas ainda mais surpreendentes.

GORILAS (Gorilla gorilla)

Uma tolerância temporária a seres humanos na sociedade dos gorilas da montanha pode ser alcançada por meio de gestos (fingindo comer folhas), postura (de lado, olhos desviados) e vocalizações (sons que imitam o ato de comer, grunhidos de busca por alimentos) — tudo simultaneamente, como demonstrou Dian Fossey no Centro de Pesquisa Karisoke de Ruanda, desde a década de 1960, até seu assassinato em 1985. Ela fez um estudo básico das vocalizações dos gorilas na natureza, e chegou até mesmo a reproduzir esses sons, numa tentativa

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de 'falar a língua dos gorilas'. Pela primeira vez na história, foi estabelecida uma confiança entre gorilas e seres humanos na natureza — por meio da 'linguagem' deles e não da nossa.

Ao mesmo tempo, os experimentos de linguagem com a chimpanzé fêmea Washoe haviam inspirado Francine Patterson a tentar ensinar uma adaptação da Linguagem de Sinais Norte-Americana, ou Ameslan, a linguagem dos 'surdos-mudos' dos Estados Unidos, a uma gorila ocidental das terras baixas, fêmea de 13 meses chamada Koko em julho de 1972. Em 6 anos, o mundo aclamava Koko como a 'primeira gorila a alcançar proficiência' em conversar por sinais. O experimento se tornou o mais longo estudo em andamento sobre a linguagem dos primatas, título que mantém até hoje.12 Atualmente, Koko apresenta um vocabulário ativo de mais de 500 sinais; ela também tem um vocabulário passivo com outros 500 sinais. Hoje, seu vocabulário total é semelhante ao de uma criança humana de menos de 5 anos de idade. Tal capacidade linguística também prova a existência de uma faculdade cerebral para a linguagem em grandes primatas — ou seja, os gorilas na natureza já são 'preparados' para algum tipo de linguagem, que os permite usar a linguagem de sinais em laboratório. O QI de Koko, testado por meio do exame Stanford-Binet, fica entre 85 e 95; muito pouco abaixo da média das crianças humanas. Porém, vários de seus 'erros' cometidos no teste antropocêntrico foram computados incorretamente: por exemplo, para um gorila, uma árvore, e não uma casa, é o abrigo lógico contra chuva. Provavelmente, o QI de Koko seja um pouco mais alto.

As proezas de Koko são tanto divertidas quanto sérias. Quando Koko viu um cavalo com um freio na boca, fez sinais para 'cavalo triste'. Patterson perguntou por quê. Koko respondeu: 'Dentes'. Ao imitar os humanos, Koko tentou até falar; uma vez, ela tentou telefonar

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(aterrorizado, o operador rastreou a chamada, achando que a pessoa que havia ligado estava morrendo). Em 1976, um gorila ocidental das terras baixas, macho de três anos e meio chamado Michael, se juntou ao treinamento de Koko. Patterson disse a Koko que um novo bebê estava chegando. Quando Koko viu Michael, de 23 quilos, respondeu por meio dos sinais: 'Errado. Velho'. Em dois anos, os gorilas Koko e Michael 'conversavam' entre si usando a Ameslan.

Um teclado especial foi projetado para operar com um sintetizador de voz. Koko e Michael apertavam uma tecla e a palavra escolhida era pronunciada em voz alta nas caixas de som. Por meio da linguagem de sinais e do teclado, Koko, em particular, apresenta toda a gama de emoções, humor e inteligência de uma criança humana.13

Patterson foi mais além. Reconhecendo o deslocamento — a habilidade inata de se referir a eventos distantes no tempo e no espaço do ato presente da comunicação — como uma característica principal da linguagem humana, ela testou se Koko estava na verdade classificando eventos simultâneos ou se os recriava linguisticamente usando o deslocamento. 'Será que os animais usam símbolos para se referir a eventos passados ou futuros?', ela ousou perguntar. Logo foi descoberto que Koko conseguia conversar prontamente sobre um incidente passado, assim como descrever um estado emocional passado.14 O deslocamento também foi demonstrado pelas mentiras que Koko contava, usadas principalmente para evitar a culpa, mas também com humor ou fazendo gracinhas. Por exemplo, Koko começou a mastigar um giz de cera vermelho. Patterson perguntou: 'Você não está comendo o giz de cera, está?' Koko respondeu por meio de sinais: 'Lábio', e começou a passar o giz, primeiro no lábio superior, e depois no lábio inferior, como se fosse um batom. Essa anedota contém uma revelação mais profunda: o uso da linguagem por um

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não humano para distorcer a percepção da realidade do ouvinte. Ale os experimentos de Patterson com Koko, tal uso era uma prerrogativa exclusivamente humana.

Ao contrário das estimativas depreciativas dos naturalistas sobre a inteligência dos gorilas na metade do século XX, no início do século XXI os primatologistas hoje consideram os gorilas pares intelectuais dos chimpanzés, em grande parte devido aos resultados da pesquisa de Patterson. Mas há diferenças significativas entre gorilas e chimpanzés. Em comparação com seus primos chimpanzés, Koko usa os sinais mais deliberada e cuidadosamente. Ela também usa os sinais com mais frequência e se dirige a uma gama muito maior de atividades.15

Mesmo hoje, 27 anos após o início do experimento, Koko ainda usa ativamente seu teclado auditivo de 46 teclas. Ele apresenta os números e as letras comuns do alfabeto, mas cada tecla também está pintada com um padrão geométrico simples e arbitrário em dez cores diferentes. Koko entende que eles representam 'palavras' para objetos, emoções e ações; eles também incluem pronomes, preposições e modificadores, permitindo uma sintaxe primitiva. Pacientemente, Koko digita com o dedo indicador; uma mão fica livre para fazer sinais. Ela digita e 'fala' simultaneamente. Koko e seu companheiro Michael usam regularmente centenas de gestos da Ameslan. O projeto em andamento continua revolucionando nossa compreensão da comunicação animal e da 'linguagem'.

CHIMPANZÉS (Pan troglodytes)

O ano de 1967 foi um marco para a comunicação entre humanos e primatas, quando a chimpanzé Washoe proferiu a sentença 'quero doce' na linguagem de Sinais Norte-Americana. O período

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entre as décadas de 1960 e 1980 foi a grande era dos experimentos em comunicação entre humanos e chimpanzés. Experimentos anteriores, levados a cabo durante anos com as chimpanzés Viki e Sarah, usavam símbolos de plástico ou palavras faladas e haviam gerado apenas um vocabulário extremamente pequeno. Em contraste, Washoe aprendeu 34 sinais da Ameslan nos primeiros 22 meses de treinamento, e dois anos mais tarde, em 1970, já havia adquirido um total de 132 sinais, que ela usava de uma maneira semelhante à usada por crianças humanas nos primeiros estágios de aprendizado da fala.16 Ficou evidente para os treinadores de Washoe, Allen e Beatrix Gardner, que a dificuldade dos chimpanzés em adquirir a linguagem está em sua incapacidade de controlar os lábios e a língua — ou seja, em produzir um discurso articulado. Além disso, a faringe dos grandes primatas impede o som aspirado dos humanos, permitindo apenas as vocalizações mais simples através da laringe: grunhidos, gritos agudos, choramingos e assim por diante. Os Gardners foram os primeiros a usar a linguagem dos sinais com os primatas. Seus resultados foram impressionantes, e inspiraram Francine Patterson a usar a Ameslan com a gorila Koko, quando também instigaram Duane Rumbaugh a colocar a chimpanzé Lana em frente a um computador no Centro Regional de Pesquisa de Primatas de Yerkes, em Atlanta, na Geórgia: eventualmente, Lana 'digitou' declarações racionais e intencionais num teclado arbitrariamente codificado.17

Se no início da década de 1970 os linguistas, com base apenas nas pesquisas feitas com chimpanzés, concluíram com unanimidade que Washoe e outros grandes primatas não possuíam uma linguagem como nós conhecemos; no final da década de 1970, principalmente devido aos resultados dos experimentos de Patterson com os gorilas Koko e Michael, eles ou se retrataram totalmente ou modificaram

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significativamente sua avaliação: os grandes primatas, admitiu a maioria dos linguistas, pareciam ser dotados de alguma forma de 'capacidade de linguagem'. Muito recentemente, uma característica do cérebro considerada essencial para a linguagem humana — a assimetria do planum temporale localizado bem acima do ouvido — foi descoberta também no cérebro do chimpanzé; porém, ainda não se sabe como isso pode influenciar na capacidade de linguagem dos chimpanzés, se é que há uma influência. O papel exato dessa assimetria na recepção e/ou produção de linguagem ainda precisa ser determinado.

Experimentos de comunicação entre humanos e primatas feitos entre as décadas de 1960 e 1980, nos quais alguns primatas aprenderam a linguagem de sinais, enquanto outros, usaram linguagens simbólicas inventadas, demonstram que não há uma diferença real se são usados gestos ou símbolos. Os grandes primatas aprenderam sim a trocar informações com seus treinadores humanos, alguns deles de maneira notável, o que provou que seus caminhos neurais para a linguagem, de alguma forma não específica, já estavam presentes. Porém, uma questão ainda permanece: a comunicação entre humanos e primatas prova que os grandes primatas são capazes de usar a linguagem de modo semelhante aos humanos? Talvez Washoe estivesse sinalizando associações vagas esperando uma recompensa. Koko pode ter sido superinterpretada a partir de pré-concepções humanas. Outros chimpanzés podem ter respondido a sugestões corporais, sons circunstanciais e sutis, e não a uma linguagem real. O pessimismo recaiu sobre todo o campo e os fundos de pesquisa foram extremamente reduzidos. Mas tudo mudou com o bonobo Kanzi.

BONOBOS (Part paniscus)

Dividimos 99% da nossa constituição genética com os chimpanzés, e ainda mais características consideradas humanas com os

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chimpanzés pigmeus, os bonobos. Na natureza, os bonobos foram observados se comunicando individualmente e de maneira constante uns com os outros por meio da linguagem corporal (gestos, expressões faciais, postura, orientação) combinada com vocalizações simultâneas. Por exemplo, há pelo menos vinte gestos e chamados que demonstram a vontade de copular. Será que essa 'linguagem natural' dos bonobos na natureza pode indicar os caminhos neurais que permitem que os bonobos usem a linguagem de uma maneira talvez mais familiar para os seres humanos? Experimentos recentes feitos pela norte-americana Sue Savage-Rumbaugh, aclamada pela comunidade científica, não apenas confirmaram o fato, mas também revelaram uma dimensão até então ignorada da capacidade linguística dos grandes primatas.18

O bonobo Kanzi foi ensinado a se comunicar com os seres humanos por meio de um 'lexigrama, um teclado com símbolos que representam conjuntos de palavras ou ações. Kanzi é diferente de um 'primata treinado', no sentido de que suas respostas são motivadas em vez de condicionadas: Kanzi é 'estimulado' a usar símbolos de maneira espontânea e criativa para se comunicar com humanos e outros prima-tas. Após muitos anos nesse ambiente de treinamento artificial, Kanzi também aprendeu a entender perguntas, declarações e comandos de voz em inglês, aos quais ele responde usando o lexigrama. Hoje, o lexigrama também consegue ativar eletronicamente uma resposta vocal para Kanzi. Raramente um primata chegou tão perto de produzir um léxico e uma sintaxe que seres humanos conseguem identificar e entender prontamente. Kanzi parece estar no limiar do uso da 'linguagem' do modo que os seres humanos compreendem o conceito.19

Exemplificando, um dos chimpanzés do centro de pesquisa havia roubado as chaves de Savage-Rumbaugh. Ela pediu para Kanzi recuperá-las. Kanzi foi até o culpado, 'murmurou' alguma coisa em seu

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ouvido, e voltou com as chaves. Kanzi também demonstra reconhecer vozes humanas no telefone, e consegue sinalizar respostas apropriadas a essas mensagens telefônicas. Ele aparenta compartilhar uma comunicação vocal parecida com a dos humanos com seus treinadores, embora suas respostas a mensagens vocais sejam necessariamente eletrônicas ou simbólicas. Atualmente, Kanzi está usando o lexigrama com 256 símbolos geométricos. Os chimpanzés estão aprendendo a usar o lexigrama de Kanzi de maneira semelhante. Um resultado curioso do experimento é que, hoje em dia, crianças humanas com dificuldades de aprendizado estão usando e se beneficiando de uma versão adaptada do lexigrama do bonobo.

Num teste recente, 660 solicitações inéditas, do tipo 'coloque a maçã no chapéu', foram feitas para Kanzi e para crianças. Os acertos de Kanzi foram superiores aos de crianças de 2 anos de idade. Kanzi parece ser capaz de responder e produzir linguagem de maneira espontânea com a mesma proporção inata de uma criança de dois anos e meio. Savage-Rumbaugh provou, para a satisfação da maioria dos especialistas, que primatas podem compreender e usar a linguagem espontaneamente do mesmo modo que uma criança: por meio da audição e relação das palavras faladas a objetos, símbolos e ações que elas representam.

Se a capacidade linguística de um ser humano de dois anos de idade é chamada de 'linguagem', então o bonobo Kanzi está 'falando' conosco.20

Haverá uma 'linguagem' verdadeiramente não humana? Ou estaremos nós apenas 'concedendo' a linguagem a não humanos, talvez interpretando uma linguagem onde há, na verdade, uma

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não linguagem? Como escreveu o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein: 'Se um leão pudesse falar, nós não o entenderíamos'. A comunicação dos grandes primatas na natureza é significativamente diferente da comunicação entre humanos e primatas em laboratório: o primeiro compreende uma rica combinação de linguagem corporal e vocalizações, enquanto o segundo ocorre era um ambiente humano artificial que estimula os primatas a responderem por meio de símbolos humanos ou palavras.21 Porém, uma grande quantidade de testes controlados demonstrou, talvez além de qualquer dúvida, que embora o meio seja artificial e treinado, o resultado dos experimentos com humanos e animais é uma comunicação espontânea e criativa — ou seja, a troca vocal ou por meio de sinais de informações com significado. Através de caminhos neurais preexistentes, os animais estão falando para nós, e conosco, de uma maneira significativa.22

Contudo, a comunicação entre humanos e animais não forneceu quase nenhuma informação sobre o que os animais comunicam uns aos outros em seu ambiente natural. É possível que primatas transmitam mensagens complexas, porém o conteúdo das informações trocadas ainda é desconhecido. Os humanos podem ensinar papagaios cinzentos e bonobos a se comunicar de modo humano, mas papagaios cinzentos e bonobos não estão ensinando seres humanos a se comunicarem de maneira não humana.

A ignorância e a arrogância humana em relação à maioria das espécies de animais até o meio do século XX foi substituída, na segunda metade do século, por uma crença exagerada na equidade intrínseca dos animais, postulando inclusive intelectos proporcionados. Essa dialética irracional encontrou, atualmente, um equilíbrio mais racional, que aceita que os animais usem sim 'algum tipo de linguagem' na

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natureza; que eles são capazes de ser treinados para se comunicar, deforma espontânea e criativa, com humanos e não humanos por meios artificiais e/ou não naturais; e que o limite (definido por humanos) da inteligência de tal comunicação entre humanos e animais pode, às vezes, se aproximar do de crianças muito pequenas. Por outro lado, precisa-se aceitar que a questão da inteligência comparativa de não humanos pode simplesmente não valer a pena.

A linguagem que os não humanos aprendem e usam ativamente não é irrelevante nem efêmera para esses animais. No início da década de 1970, o chimpanzé Bruno aprendeu o Ameslan; em 1982, o projeto foi encerrado e Bruno foi levado para um laboratório médico. Em 1992, mesmo sem estímulos, Bruno continuava usando o Ameslan, inspirando os técnicos do laboratório a aprender a linguagem de sinais para se comunicar com ele. Outros primatas ensinaram voluntariamente a membros de sua espécie, incluindo os filhotes, modos de comunicação aprendidos com os humanos. Para esses animais, a linguagem artificial, uma vez adquirida, é reconhecida como um elemento essencial de interação social. Talvez, a apreciação seja inata.23

Mais importante, o estudo da comunicação e 'linguagem' animal nos permite especular de maneira mais inteligente sobre a evolução da linguagem humana. Certamente, não é coincidência o fato de os animais que aparentam ter uma 'linguagem' mais próxima àquela como concebemos — embora a vocalização tenha sido alcançada apenas eletronicamente — serem também os geneticamente mais próximos de nós. O próprio conceito humano do que constitui a linguagem é, necessariamente, antropocêntrico. Não estamos buscando linguagem em animais, estamos procurando a linguagem humana. Quando planejamos várias maneiras de extrair linguagem dos animais, geralmente as limitamos a artifícios humanos. A maioria das pesquisas de

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'linguagem' entre humanos e animais, mesmo as mais objetivas, cria um meio artificial, centrado no humano, que tem pouca relação com as linguagens naturais. Sob esse aspecto, é admirável que pesquisadores como Patterson e Savage-Rumbaugh também considerem o conteúdo semântico de olhadelas, gestos, posturas e orientações como 'modos comunicativos' que, também em laboratório, recebem a mesma consideração que expressões vocais e habilidades no teclado.

O que diferencia os humanos? Não podemos mais ser identificados como a espécie que constrói ferramentas. Parece que não temos mais a patente da linguagem. Talvez os humanos sejam animais que simplesmente desenvolveram uma 'comunicação mais elaborada' que rendeu benefícios sem precedentes para seus inovadores.

Concluindo com sua definição mais estrita, a linguagem pode ser entendida como o meio pelo qual se transmitem pensamentos complexos por símbolos arbitrários — expressões vocais gramaticais ou sua expressão gráfica — numa sintaxe significativa. Embora a humanidade tenha até então assumido que essa definição é preenchida apenas pelo Homo sapiens, as revelações dos experimentos feitos com humanos e animais forçaram, pelo menos, uma reconsideração dessa antiga pressuposição.

Talvez seja melhor considerar os animais similares a administradores — assessores, que tentam, por meio de uma variedade de meios comunicativos, fazer com que outras criaturas obedeçam de modo a beneficiar o indivíduo, o grupo e a espécie. Essa interação entre administradores e assessores poderia então explicar a evolução da comunicação animal em geral: é o que o comportamento comunicativo conquista, e não o que ele diz, que realmente importa para a sobrevivência e prosperidade na natureza. Nesse processo evolucionário cada vez mais elaborado, a linguagem na forma de comunicação

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vocal não apenas como a base de toda a interação social, mas também como veículo de pensamentos sofisticados — pelo menos em termos comparativos — parece ter surgido naturalmente em uma única família, a dos hominídeos.

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Primatas falantes

Nossos ancestrais primatas evidentemente possuíam os exatos caminhos neurais necessários para variados modos de expressão comunicativa de maneira a alcançar uma transmissão de informação adequada. Porém, os lábios e a língua dos grandes primatas careciam de controle coordenado; eles também eram incapazes de controlar a expiração. Mesmo se esses grandes primatas fossem fisicamente aptos a falar, sua 'fala provavelmente não seria em nada semelhante no modo como a entendemos hoje. O cérebro do humano moderno é duas ou três vezes mais volumoso do que qualquer outro primata existente no planeta; ele confere maior capacidade de usar e posteriormente elaborar a linguagem falada e raciocinar com ela. A história da linguagem humana é também uma história do cérebro humano e suas habilidades cognitivas; as duas caminham lado a lado. É uma história antiga.

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Entre sete e cinco milhões de anos atrás, na África, provavelmente como resultado de dietas diferenciadas, os hominídeos se separaram das outras espécies de primatas primitivos.1 Dois principais gêneros de hominídeos se distinguiram: o gênero Australopithecus e o gênero Homo.

Forçado pelas mudanças do clima na Terra a se adaptar para sobreviver, o hominídeo Australopithecine — presente no Grande Vale do Rift, na África há, pelo menos 4,1 milhões de anos — se tornou mais carnívoro que seus primos primatas e desenvolveu o bipedalismo (capacidade de andar sobre duas pernas) com uma postura ereta, permitindo maiores possibilidades de coleta de comida e a caça com duas mãos livres. Segundo alguns especialistas, devido à dieta altamente calórica, sua capacidade cerebral aumentou proporcionalmente ao seu peso corporal. As florestas africanas continuaram a se retrair, e esses robustos Australopithecines se ajustaram física e mentalmente às novas, áridas e abertas savanas; eles desenvolveram uma maior cooperação entre pequenos bandos, com períodos de caça mais longos e cobrindo distâncias maiores. Nenhum grande primata jamais exibiu a coerção social necessária para caçar nas savanas (embora os chimpanzés se juntem em bandos para caçar macacos na floresta); ainda assim, foi na savana africana que o Australopithecine se desenvolveu. Porém, um Australopithecus africanus de três milhões de anos atrás, por exemplo, teria demonstrado uma capacidade linguística similar à de um gorila, chimpanzé ou bonobo moderno. Ao dominar o bipedalismo, os australopithecines se tornaram grandes primatas andantes, mas a maioria dos especialistas concorda em afirmar que eles não eram grandes primatas falantes.2

A linguagem vocal humana parece ter surgido pela primeira vez com o gênero Homo, como será explicado a seguir. Hoje em dia, a

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maioria dos especialistas assume que uma espécie do gênero Australopithecus — ou os africanus do sul da África, ou os afarensis do leste da África — originou uma linhagem que eventualmente evoluiu para 0 nosso gênero Homo, cerca de 2,5 milhões de anos atrás. (Porém, é igualmente possível que o Homo seja um gênero não relacionado a ele.) O mais antigo espécime Homo já identificado, com 2,4 milhões de anos, pertence à espécie Homo habilis. O habilis surgiu quando o clima da África mudou novamente: ele ficou mais seco e frio; as florestas tropicais encolheram, o pasto cobriu extensões maiores. Com uma capacidade cerebral de 400 cc a 500 cc, os Australopithecines eram evidentemente inaptos, em termos evolucionários, para se adaptar a essas mudanças ambientais. Com um cérebro significativamente maior, com capacidade entre 600 cc a 750 cc, o Homo habilis possuía outros atributos inexistentes no Australopithecus e necessários à sobrevivência nesse novo ambiente — membros modernos, mais longos — e assim, o habilis prosperou até cerca de 1,6 milhão de anos atrás. O habilis não fabricava armas; ele comia restos de presas de carnívoros mais fortes e velozes. Porém, o habilis fabricou ferramentas de pedra simples, como martelos de pedra. O habilis também foi a primeira criatura a controlar o fogo.

O cérebro maior do habilis permitiu que bandos maiores sobrevivessem, conseguindo excedentes ocasionais de comida. Por sua vez, isso permitiu que agrupamentos cada vez maiores e mais complexos de habilis se desenvolvessem, exigindo sociedades mais elaboradas e favorecendo maior propagação entre os membros com habilidades mentais superiores. Apenas no crânio do Homo habilis foi encontrada pela primeira vez a saliência da área de Broca, uma região do cérebro, essencial para a produção da fala e da linguagem de sinais.3 O habilis poderia possuir os caminhos neurais para uma linguagem muito rudimentar.

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Porém, a fala humana não devia ser fisicamente possível naquela época. Os atributos físicos necessários para a produção do discurso vocal foram, geralmente, ignorados na busca pelas origens da linguagem humana. A ciência só começou a investigar essa questão a sério nas últimas duas décadas do século XX. Parece que há 1,6 milhão de anos, o Homo ergaster, uma espécie de hominídeo que sucedeu o habilis, ainda preservava o pequeno buraco na vértebra da caixa torácica através do qual passa a medula espinhal, idêntico ao pequeno buraco que hoje também é encontrado em primatas não humanos. Os nervos dessa região controlam os músculos da caixa torácica usados especificamente na expiração. Um buraco tão pequeno torna as expirações necessárias à fala incontroláveis: há muito pouco tecido nervoso. As duas espécies mais antigas do Homo eram, desse modo, capazes apenas de padrões de fala curta e lenta e não modulada, e não uma fala articulada, que é o arranjo sistemático de sons vocais significativos.

Além disso, sua laringe ou caixa vocal ainda era parecida com a das crianças humanas, que são anatomicamente incapazes de articular a maior parte dos sons humanos até a descida da laringe na garganta, que ocorre após o primeiro ano de vida (a laringe dos grandes prima-tas não desce). O crânio do antigo Homo habilis mostra apenas uma leve flexão na sua base, indicando que sua laringe ainda não havia evoluído para a dos humanos adultos modernos. Mesmo se os caminhos neurais que permitem a fala estivessem presentes, os órgãos físicos necessários a ela não estavam.

Os atributos físicos, necessários à fala articulada humana, parecem ter evoluído bem rapidamente entre 1,6 milhão e 400 mil anos atrás. É dessa última data que provém o mais antigo fóssil de hominídeo que indica um uso possível do discurso vocal. Essa

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possibilidade surgiu com uma espécie de hominídeo totalmente nova: o Homo erectus.

HOMO ERECTUS

A ciência moderna reconhece atualmente pelo menos três espécies essenciais do gênero Homo: habilis, erectus e sapiens, nesta ordem evolucionária. É possível que apenas duas espécies humanas tenham vivido além da África: o erectus e o sapiens, e que tenham realizado o feito apenas porque haviam elaborado, por meio de uma fala rudimentar, um alto grau de organização social, que permitiu a migração dos grupos. Um modelo atualmente preferido coloca o Homo erectus como o primeiro hominídeo a deixar a África, seguindo animais selvagens maiores e deixando para trás uma trilha de machados minuciosamente manufaturados.

Na década de 1890, a descoberta dos fósseis do topo do crânio, molar e fêmur de um humano na ilha de Java, na Indonésia, datado de 700.000 anos atrás, provou que um hominídeo, primeiro chamado de 'homem de Java', habitava o que na época era o sudeste do subcontinente asiático de Sunda. Descobertas posteriores permitiram a identificação de uma nova espécie: o Homo erectus. Essa espécie de hominídeo pode ter evoluído na África cerca de dois milhões de anos atrás, seguindo manadas pelos pastos africanos durante uma expansão interglacial, tornando-se, aos poucos, quase totalmente carnívora. O surgimento do erectus assinalou um grande avanço na evolução dos hominídeos. O erectus era mais magro, mais alto, mais rápido e mais esperto que todos os outros hominídeos antes dele. Do pescoço para baixo, ele lembrava com precisão os humanos modernos. Assim, o erectus ostentava um corpo forte, sua cabeça apresentava sulcos

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protuberantes na área da sobrancelha, e sua testa se projetava para atrás. Alguns especialistas acreditam que a energia extra fornecida por sua dieta predominantemente carnívora produziu um cérebro maior: 800 cc a 1.000 cc (Homo sapiens: 1.100 cc a 1.400 cc).

O cérebro maior permitiu que o erectus inventasse de uma maneira sem precedentes na natureza até então. O erectus fabricou o primeiro machado de mão (o mais antigo sítio arqueológico de machados de mão do mundo fica em Konso-Gardula, na Etiópia, e data entre 1,7 e 1,37 milhão de anos). Ele matava a presa com lascas e tijolos feitos de pedras. Provavelmente também usava ossos e madeira. Com armas versáteis e bons suprimentos de carne, o erectus se tornou evidentemente o primeiro hominídeo globalmente adaptado.

Aparentemente, o erectus emigrou da África bem cedo, quase ao mesmo tempo de seu surgimento como espécie. (Ou então seu ancestral Homo emigrou antes dele, e evoluiu para erectus em outro lugar, emigrando depois para Java, e de volta para a África, como propõe uma outra teoria.) Parece que o erectus já estava instalado em Java — ou seja, no antigo subcontinente de Sunda, antes da elevação do oceano — cerca de dois milhões de anos atrás.

A conexão com Java é essencial. Até 1997, acreditava-se que o erectus nunca havia, provavelmente devido à ausência de fala e inteligência, conseguido cruzar a linha de Wallace, o limite imaginário que separa Sunda da ilha de Lombok e divide a fauna da Ásia e da Austrália. Na verdade, até então, a linha de Wallace representava um divisor de águas que delineava as diferentes capacidades e alcance do Homo erectus e do Homo sapiens}

Porém, ferramentas de pedra e restos dietéticos descobertos em 1997 na ilha Flores ao leste de Lombok — do outro lado da

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linha de Wallace -, datados entre 900.000 e 800.000 anos atrás, parecem demonstrar que o erectus era inteligente e socialmente bem organizado o suficiente para construir balsas de bambu e cruzar o estreito de dezessete quilômetros que separa Sunda de sua vizinha oriental, mesmo nas épocas de níveis marítimos mais baixos. (Mais de uma década antes, um paleontólogo holandês sugeriu que os humanos haviam causado ali a extinção dos stegodons pigmeus cerca de 900.000 anos atrás.)

Planejamentos complexos exigem processos mentais complexos. A implementação social de um planejamento complexo demanda um alto grau de cooperação social. Isto implica o uso de uma linguagem que permita uma sintaxe condicional (frase significativa e sentença sequencial): 'se fizermos isto, acontecerá isso e aquilo'. Parece apropriado concluir a partir das evidências da ilha Flores que já há quase um milhão de anos, o Homo erectus era capaz de expressar tal forma de proposição condicional em sua fala. Isto já está bem além do 'primeiro passo' da humanidade em direção a um pensamento simbólico.

Apenas recentemente os especialistas cogitaram a ideia de que o erectus poderia ter sido capaz da linguagem vocal. A admissão deriva do reconhecimento da capacidade de organização do erectus, como pode ser testemunhado em suas múltiplas conquistas através do globo. Porém, é improvável que a linguagem do erectus tenha sido a fala como a conhecemos. O buraco na vértebra mais baixa através da qual passa a medula espinhal ainda era pequeno demais para que ele pudesse controlar a expiração. Expressões vocais curtas e significativas eram possíveis; talvez uma sintaxe condicional estivesse realmente se desenvolvendo. Mas expressões vocais longas e complexas eram anatomicamente impossíveis.5

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Aparentemente o Homo erectus povoou todo o Velho Mundo (ilustração I). Dez mil ferramentas de pedra, incluindo muitos machados de mão, recentemente descobertos em Ubeidiya em Israel, perto do Mar da Galileia foram datados de 1,4 milhão de anos atrás. Até a década de 1990, acreditava-se que os humanos não haviam entrado na Europa antes de 500 mil anos atrás. Porém, indícios da presença do erectus no local datam de um tempo muito anterior a esse, e aparecem quase anualmente nos registros arqueológicos. É claro que isso estabelece uma relação imediata cora a história da linguagem humana na Europa.

No início de 1996, uma grande parte do topo do crânio de um (provisoriamente identificado) erectus que havia sido encontrado a 80 quilômetros a sudeste de Roma, perto de Ceprano, foi montado e descobriu-se que ele datava de mais de 800.000 anos; ele não tem a crista que percorre o centro do crânio, e seu cérebro é significativamente maior que o do erectus clássico. Em duas temporadas recentes no sítio arqueológico de Gran Dolina, na Serra de Atapuerca, no norte da Espanha, foram descobertos cerca de 100 fósseis, provavelmente de erectus, e o dobro de ferramentas de pedra, datando de pelo menos 800.000 anos. A fabricação de ferramentas não exige linguagem, embora a travessia do estreito de Gibraltar como uma 'migração de grupo' — do mesmo modo que o cruzamento da linha de Wallace na Indonésia — a exija. A semelhança desses fósseis com os fragmentos do erectus encontrado na Argélia na década de 1950 sugere que o erectus efetuou travessias marítimas semelhantes do litoral do norte da África até a Sicília e à Itália continental mais ou menos na mesma época. O maxilar inferior de um erectus, datado de talvez 1,6 milhão de anos (o dado é contestado por vários cientistas ocidentais), foi encontrado em 1991, na República da Geórgia. O peso cumulativo desses indícios

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atualmente sugere que o Homo erectus deve ter entrado na Europa por vários pontos — sudoeste, sul e leste — mais de um milhão de anos atrás. Porém, nem todos os paleontólogos concordam.6

Esses primeiros europeus parecem surpreendentemente sofisticados quando comparados aos primeiros hominídeos. O sítio arqueológico de Boxgrove no sudeste da Inglaterra demonstra isso, por um curto período, há, pelo menos, 500 mil anos, os humanos primitivos estavam caçando animais grandes e perigosos, como auroques e cavalos, com lanças de madeira numa elaborada orquestração. Não era o mesmo que comer restos, como os antigos erectus africanos; era uma caça cooperativa, numa escala bem acima do modo como os chimpanzés caçam macacos na floresta. Para planejar, coordenar e emboscar a presa dessa maneira, a fala é essencial.

Mais recentemente, a Alemanha revelou a sofisticação da sociedade dos erectus na Europa central há quase 500 mil anos. Em 1995, perto de Schöeningen, a leste de Magdeburgo, foram encontradas cinco longas lanças com 400.000 anos, entre milhares de ossos de cavalos abatidos e muitos restos de fogueiras. Outro sítio, Bilzingsleben, perto de Jena, parece ter sido um povoado permanente de erectus, há, pelo menos, 412.000 anos, com 'casas' de 3 a 4 metros de largura e uma grande área pavimentada que deve ter servido para rituais de grupo, incluindo o de esmagar e espalhar restos humanos. O sítio forneceu a maior coleção de artefatos feitos com ossos do mundo que indicam uma presença anterior de oficinas para a fabricação de artefatos de ossos, madeira e pedras. Vários ossos de Bilzingsleben parecem exibir incisões intencionais, revelando linhas cortadas em intervalos regulares. Embora seu descobridor veja nesses talhos símbolos gráficos primitivos, outros sustentam que qualquer intencionalidade humana seria improvável, uma vez que o

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1 Alcance cronológico do Homo erectus (o mapa apresenta os litorais modernos).

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pensamento simbólico é geralmente aceito como uma característica da mente humana moderna.

Cerca de 350.000 anos atrás, o norte da Europa foi tragado pelas geleiras. Os humanos tornaram-se escassos, e migraram para o sul atrás de climas mais quentes. Restos de pelos menos 32 humanos de 300.000 anos atrás foram descobertos em 1993 na Serra de Atapuerca. Um crânio possuía um cérebro tão grande quanto o de um humano moderno. As características faciais desses humanos primitivos lembravam os primeiros Neandertais (veja mais à frente), mas sua altura era similar à nossa. Não se sabe se essa população era composta de Homo heidelbergensis tardios, Homo sapiens primitivos ou uma nova espécie de Homo. Como resultado de migrações sucessivas, nessa época, a Europa abrigava muitas espécies diferentes de hominídeos. As diferenças entre os fósseis também sugerem uma diversidade 'racial' significativa entre as populações de erectus, indicando uma maior liberdade genética do que se estimava até então.

O clima ríspido da Europa forçava uma dieta quase exclusivamente carnívora, a qual, por sua vez, devido às enormes dificuldades apresentadas pela caça naquele clima, tornava urgente planejamentos, coordenações e organizações ainda mais complexas: as sociedades de hominídeos primitivos europeus chegaram a designar pequenos grupos de caçadores que se separavam do grupo principal durante longos períodos. Para sobreviver na Europa durante as Eras Glaciais, migrantes de latitudes meridionais mais quentes tiveram de desenvolver redes sociais mais complexas, ir embora ou perecer. Uma teoria recente propõe que a fala articulada humana possivelmente evoluiu primeiro no ríspido norte europeu e só depois foi transmitida para outras espécies de Homo em outros locais. Porém, se a linguagem é geneticamente determinada, sua transmissão para outras espécies só poderia

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ocorrer por meio de acasalamentos híbridos; isso faz essa teoria parecer improvável. Caso o suposto uso da linguagem articulada em Sunda, que permitiria a travessia da linha de Wallace 900.000 anos atrás seja verdade, ele similarmente contradiz a sugestão.

O Homo erectus 'deixou' de existir? Recentemente, uma coleção de fósseis de erectus no sítio arqueológico de Ngandong, na Indonésia, foi redatada para menos de 50.000 anos atrás. Talvez o erectus tenha coexistido com o recém-surgido sapiens. Sob esse aspecto, as descobertas mais recentes de fósseis ainda parecem apoiar, pelo menos, uma versão modificada da teoria da 'Saída da África para a substituição do Homo erectus e o aparecimento do Homo sapiens nessa região.7 Ou seja, o sapiens moderno surgiu na África entre 150.000 e 100.000 anos atrás, e depois se expandiu para o Oriente Médio e a Europa, onde substituíram os Neandertais, 30.000 anos atrás, e para a Ásia, onde substituíram os mais antigos Homo erectus. Os crânios de Ngandong exibem abóbadas mais altas que os mais primitivos crânios de erectus de Java ou da China. Alguns especialistas acreditam que isso pode ser explicado ou como uma evolução convergente — ou seja, que o crânio dos erectus simplesmente evoluiu por conta própria para um crânio parecido com o dos humanos modernos — ou como resultado de acasalamento híbrido com a chegada do sapiens menos de 50.000 anos atrás (embora a característica que defina uma 'espécie' seja a incapacidade de se acasalar com outra).

Com a espécie erectus, talvez originada há 900.000 anos, uma forma de fala articulada foi aparentemente se desenvolvendo pela primeira vez, possivelmente permitindo planejamentos e organizações complexas. É possível que os humanos já estivessem usando nomes para identificar indivíduos. Porém, declarar, como fez recentemente um neurocientista, que um primitivo ritual de casamento plantou

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o simbolismo na mente do hominídeo, e foi a única fonte da linguagem humana, é ignorar a complexidade e a antiguidade do desenvolvimento da fala humana que, na realidade, foi um processo demorado de evolução anatômica conduzido e alimentado por uma série de fatores externos. Que esse processo já houvesse sido iniciado especificamente pelo erectus, talvez seja ainda mais insinuado pelas capacidades físicas e neurais de fala que eles dividiam com os posteriores neanderthalensis (Neandertais) e sapiens (humanos modernos) e a relativa sofisticação de suas sociedades baseadas na fala: uma sofisticação que aponta para ou uma evolução convergente ou uma origem comum.

Quais fundamentos linguísticos o Homo erectus poderia ter desenvolvido há quase um milhão de anos? Deve-se lamentar a improbabilidade de que os processos cerebrais dos primeiros hominídeos possam ser restaurados. Geralmente, aceita-se que a linguagem vocal humana não deriva diretamente de alguma característica pré-humana. A linguagem vocal humana também não lembra nenhuma forma conhecida de comunicação animal na natureza: o alerta 'fogo!' dos grandes primatas e outros animais, por exemplo, não constitui uma 'palavra embrionária. E a associação indexical — ou seja, uma ligação entre um objeto físico e uma palavra falada ou sinalizada como 'banana' ou 'teclado' — não é simbólica, mas simplesmente associativa. Assim, as vocalizações ou sinais que reproduzem essas associações, tais quais as usadas nos experimentos de comunicação entre humanos e animais, não apontam para o uso humano da linguagem. A linguagem vocal humana é diferente. Ela é um processo dinâmico, simbólico — não associativo — e totalmente antropocêntrico. Isso ocorre porque a linguagem vocal humana evoluiu como uma função distinta e autônoma com os órgãos de fala e cérebro humanos.

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Porém, a implicação de que o cérebro humano só poderia ter evoluído em conjunção com a fala é improvável.

No centro da história do surgimento da linguagem vocal humana estão duas questões fundamentais: como apareceram as 'palavras' e como a 'sintaxe' surgiu?8 Talvez essas duas questões possam ser mais bem respondidas por meio de uma investigação dos universais linguísticos. Esses universais poderiam estar presentes nos primeiros estágios do desenvolvimento da linguagem dos hominídeos. A classe básica do 'léxico' (entendido aqui em seu sentido mais amplo, significando o conjunto de unidades individuais de comunicação) deve ser compartilhada por todas as criaturas, e manifestada por meio de diferentes modos de expressão: os feromônios, no caso das formigas, a dança das abelhas e a linguagem vocálica dos hominídeos. Porém, pode-se observar que o léxico vocal da linguagem de uma criança humana não se combina em estruturas mais longas; seu léxico também não pode ser definido em termos de outras palavras. A linguagem da criança humana carece de sintaxe, da mesma forma que todos os não humanos carecem de sintaxe em seus vários modos de comunicação. (O contra-argumento de que as danças das abelhas certamente têm algum tipo de sintaxe começaria o problema; coreografia não substitui articulação.)

Cerca de um milhão de anos atrás mudanças significativas nas vocalizações dos hominídeos primitivos foram, evidentemente, ocorrendo, talvez como mais uma consequência, a evolução da capacidade cerebral resultante da dieta, das migrações e/ou das mudanças climáticas. A gramática foi surgindo a partir de sons até então indistinguíveis. Provavelmente, um léxico vocal básico foi incorporando uma morfologia simples: por exemplo, uma palavra central como 'caça poderia agora se tornar 'caçado' para expressar o passado. (Essa

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é uma analogia meramente ilustrativa.) Uma fonologia, ou sistema de sons, mais sofisticada talvez decorrente de um melhor controle verbal, permitiu distinções fonéticas (som falado) que se tornaram distinções fonêmicas (a menor unidade de som): uma palavra como 'cão' poderia agora ser distinguida de uma palavra como 'mão'. Foi nessa época que os primeiros universais linguísticos específicos poderiam, talvez, ter aparecido. Pode-se deduzir os universais pré-sapiens nos tipos de universais encontrados nos sapiens de hoje.

Aparentemente há quatro tipos básicos de universais linguísticos. Entre os vários universais absolutos, estão, por exemplo, o reconhecimento de que todos os sistemas linguísticos contêm pelo menos três vogais e que preto e branco devem estar presentes entre o conjunto de cores. Entre os universais tendenciais, está a percepção de que [p t k] são 'normalmente' os pontos de articulação básicos para pausas (consoantes que encerram uma obstrução total das vias respiratórias) e que outras pausas geralmente não são incluídas à língua a não ser que [p t k] já estejam presentes. Universais implicativos só são verdadeiros quando existem certas condições: por exemplo, se vermelho é uma cor em determinada língua, então pode-se 'esperar' que preto e branco já estejam presentes nelas. Os universais não implicativos não exigem condições prévias, mas também podem ser absolutos ou tendenciais: isso é observado no aparente universal de que todas as línguas humanas contêm pelo menos três vogais.

O linguista norte-americano Noam Chomsky propôs que crianças possuem uma 'predisposição inata para selecionar certos princípios formais de construção de frases em línguas naturais e não em outras. Ele está convencido de que se, digamos, fosse construída uma língua artificial que violasse vários desses princípios, então essa língua simplesmente não poderia ser aprendida ou adquirida com a

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'facilidade e eficiência' que uma criança normal demonstra ao aprender uma língua natural. Porém, a hipótese de Chomsky não está sujeita à verificação empírica direta. Também há vários problemas graves com o conceito 'inato'.9 Mais significativamente, o conceito parece exigir uma aceitação passiva de uma qualidade indefinível e inexplicável — 'inatismo' — em vez de identificar características linguísticas universais derivadas do processo dinâmico do pensamento relacionadas à capacidade de percepção, cognição, demanda social e processamento de informações.

Vamos passar da sintaxe, da construção das sentenças, para um léxico linguístico ou palavras constituintes, para ampliar a discussão sobre os universais (embora deva-se notar que a posição de Chomsky diz respeito apenas à sintaxe). O universal preto/branco mencionado acima não é verdadeiramente um 'universal de cores', mas meramente um produto do processo perceptivo do cérebro humano que pode registrar o brilho em termos de 'negritude' e 'brancura', embora as cores sejam separadamente codificadas como 'amarelo/azul', 'vermelho/verde, e assim por diante, para o estabelecimento das seis cores focais do arco-íris as quais todos os grupos linguísticos parecem responder de variadas maneiras.

Do mesmo modo, também é formalmente inadequado simplesmente declarar que há um mínimo de três vogais em todas as línguas humanas modernas (ou seja, do Homo sapiens). Também deve-se incluir a informação de que as línguas que possuem apenas três vogais apresentam apenas o [i] (pronunciado i), [a] (a) e [u] (u). (Estudos recentes mostraram que mesmo o Homo neanderthalensis era anatomicamente incapaz de produzir especificamente essas três vogais do Homo sapiens.) Pode-se perguntar 'por quê?'. A resposta seria que essas três vogais fornecem a máxima projeção acústica. Vogais adicionais

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serão posicionadas uniformemente entre essas três voga is básicas de acordo com o papel dinâmico da separação de vogais.

Um outro exemplo, ligado ao processo cognitivo do cérebro humano, seria o reconhecimento de que em todas as línguas o singular ocorre mais frequentemente que o plural, e o plural mais frequentemente que o dual. Ou seja, o cérebro humano registra uma unidade específica antes de um grupo (conjunto), e um grupo antes de um tipo de grupo. A partir daí pode-se generalizar a dinâmica universal de que, em todas as línguas, uma marcação simples vem antes de uma marcação menos simples.10 (Marcação significando qualificação por meio da identificação de características distintas.)

Existirão universais sintáticos que podem ter sido elaborados numa época tão distante pelo Homo erectus? Na verdade parece existir um grande número de universais sintáticos. Por exemplo, todas as línguas parecem compelidas a colocar adjetivos ('grande') próximos aos substantivos ('caverna') que eles modificam. Uma sensação cerebral de 'pertencimento' opera na linguagem humana de modo a limitar a distância entre itens que se 'pertencem'. O que mentalmente se pertence é então unido sintaticamente. As sintaxes artificiais, arcaicas e/ou quase sempre forçadas da poesia (como, por exemplo, a de Homero, Virgílio e Bãshõ) simplesmente compreendem felizes exceções expressadas em modos de fala altamente marcados ou menos frequentes; esse universal sintático também é encontrado na maioria das línguas.

Talvez o Homo erectus já estivesse elaborando, durante centenas de anos, formas semelhantes de processar a linguagem que contivessem os essenciais linguísticos humanos. Apesar de limitados, se conotativos, os significados são os únicos universais linguísticos humanos óbvios: todos os seres humanos precisam abrir a boca para falar; todas as línguas humanas possuem um verbo (ação ou modo) e um

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complemento (sujeito ou coisa). Todas as línguas humanas têm imperativo, afirmativo, negativo e interrogativo. Muito mais importante para as pesquisas atuais são as dinâmicas linguísticas universais: em todas as línguas, por exemplo, parece que uma frase significativa e sentença sequencial encontram-se em oposição à formação sistemática de palavras, que a palavra ('colmeia') encontra-se em oposição à frase ('para a colmeia'), e oposições semelhantes ulteriores.

Uma questão adicional em relação a uma elaboração gradual da fala articulada do Homo erectus seria em que grau a função comunicativa da linguagem poderia influenciar a própria forma da linguagem. Os inatistas acreditam que os universais de linguagem são características inerentes num modelo linguístico autônomo herdado pela nossa espécie. Os funcionalistas falam em coerções interlinguísticas — ou universais — explicadas primeiramente pelos processos linguísticos e a pressão imposta por eles. Um exame do debate entre inatistas e funcionalistas demonstra que talvez uma postura conciliadora de que tanto as coerções sintáticas autônomas quanto a complexidade processual desempenham papéis fundamentais e complementares na produção da linguagem.11 A função comunicativa da linguagem influencia dinamicamente a forma da linguagem ('colmeia' versus 'para a colmeia'), mas dentro de específicas restrições herdadas, é o que parece ('caverna grande' permanece unida mentalmente e sintaticamente).

Porém, todos os especialistas concordam que nos hominídeos o controle da linguagem e o controle das mãos estão intimamente ligados a funções cerebrais. Os gestos estão tão integrados à fala humana, que parecem facilitar o processo cerebral que sustenta a capacidade linguística. Os gestos não estão presentes apenas para informar expectadores e ouvintes, mas para permitir que o falante pense. Desde uma época muito distante, a linguagem dos gestos talvez tenha contribuído,

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de uma maneira ainda não muito clara, para o desenvolvimento da linguagem vocal humana.

HOMO NEANDERTHALENSIS (NEANDERTAL)

As características distintas dos Neandertais começaram a aparecer no Pleistoceno Médio, entre 300.000 e 230.000 anos atrás.12

Os Neandertais são anatomicamente bem diferentes dos Homo sapiens tardios, embora ambos tenham provavelmente se originado do mesmo ancestral. Seus fósseis foram encontrados pela primeira vez na década de 1850, numa pedreira perto de Dusseldorf, na Alemanha; desde então, restos de Neandertais surgem desde Gibraltar até o Iraque. Vivendo em bandos independentes de cerca de 30 membros, é evidente que os Neandertais jamais se juntaram em grupos superiores a poucas dezenas. Os Neandertais mais antigos, os Pré-Neandertais, eram altos e magros, e preservavam muitas características dos erectus anteriores, numa região que apresentava períodos ocasionais do clima quente subtropical.

Cerca de 180.000 anos atrás, outra parede de gelo desceu a Europa. Provavelmente, muitos, embora não todos, Pré-Neandertais migraram para o sul e sudeste até o Oriente Médio. Quando o gelo lentamente se retraiu, muitos grupos repovoaram a Europa. Porém, eles não eram mais os altos e magros Pré-Neandertais, mas sim Neandertais atarracados e troncudos, com membros curtos e fortes — uma adaptação anatômica que retém o calor contra o clima ríspido e gelado da Europa da Era do Gelo. Coletores de mariscos, plantas e répteis e caçadores de grandes caças, os Neandertais matavam pela estratégia e cooperação, e não por meio de armas superiores. Os dentes desgastados de seus fósseis provam que eles rasgavam o couro com os dentes da frente para fabricar roupas quentes, do mesmo modo como hoje

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fazem os limites.13 Eles enterravam os mortos; cuidavam dos incapacitados; adoravam ornamentos pessoais. Suas ferramentas, frequentemente raspadores de couro, eram o ideal de um artesão. Eles eram especialistas em pedras de fogo, uma tecnologia altamente sofisticada. Embora o cérebro do Neandertal fosse maior do que o dos humanos modernos, essa capacidade extra era, possivelmente, usada para gerenciar sua adicional massa corporal. Parece que os Neandertais sempre preferiram os músculos ao cérebro.

A maioria dos especialistas concorda que os Neandertais usavam uma linguagem rudimentar, parecida com a nossa própria língua; nada mais poderia explicar sua complexa manufatura de ferramentas c o alto nível de suas sociedades. A partir da descoberta de um osso hioide (que fica na parte de trás da língua e dá apoio à laringe) de Neandertal, intacto, datado de 60.000 anos, idêntico ao dos humanos modernos, foi recentemente proposto que a língua dos Neandertais era tão hábil quanto a língua dos Homo sapiens tardios, indicando uma fala fluente e frequente. Porém, nem todos os especialistas concordam.14 Mais recentemente, foi descoberto que a largura do canal hipoglosso (que leva os nervos que controlam a língua através da base do crânio) dos Neandertais está dentro dos limites de variação dos humanos modernos.

Pode-se considerar que naquela época, mais de 300.000 anos atrás, sentenças mais complexas possivelmente permitiam processos mentais humanos mais complexos.15 O rápido aumento do cérebro humano aparentemente ocorreu lado a lado com processos mentais cada vez mais sofisticados facilitados por uma linguagem humana mais complexa. A 'linguagem de bebê' dos humanos primitivos estava sendo substituída — primeiramente no caso do Homo erectus, e depois de maneira mais complexa no caso do Homo neanderthalensis — por

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um meio que estava evoluindo rapidamente junto ao seu aparato funcional: o cérebro maior permitia a fala articulada, e a fala articulada permitia que o cérebro aumentasse ainda mais. Aparentemente, esses dois hominídeos já conseguiam transcender as necessidades imediatas da vida cotidiana — comida, calor, sexo — objetificando mentalmente as conquistas de um dia, analisando e qualificando-as de maneira a se preparar para fazer melhor no dia seguinte.

Para alcançar essa objetificação, para criar um pensamento produtivo, o cérebro humano exige mais que palavras referenciais, ou seja, sons autônomos relacionados a objetos da vida real, como auroques, fogo, genitais. Um cérebro humano exige palavras que apontem para outras palavras. O pensamento e o sistema linguístico precisam se tornar autorreferenciais. Para isso, a linguagem humana, talvez já numa era primitiva, poderia ter elaborado toda uma classe de palavras especiais como 'para' e 'que', 'porque' e 'por quê?'. Essa nova ordem superior de palavras — de modo algum associadas com o exterior, o mundo objetivo — poderia então ter ligado o léxico de ordem inferior, palavras herdadas, para formar sentenças complexas. São as sentenças complexas que fundamentam a dinâmica do pensamento multifacetado. A linguagem humana moderna nasce através da sintaxe, algo que se tornou tão absolutamente essencial à humanidade, mas que falta às 'linguagens' não humanas na natureza: regras que governem o modo como palavras e elementos de frases e sentenças são conectados de modo a produzir sentido.

Os hominídeos primitivos, talvez como resultado de uma mutação ao acaso que gerou uma reorganização cerebral, tornaram a sintaxe o centro de sua linguagem vocal única. Essa sintaxe humana — que só pôde evoluir quando os humanos já possuíam tanto os caminhos neurais para processar esse nível de linguagem quanto o aparato

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respiratório para controlar a aspiração, construída sobre a fundação de uma linguagem gestual — evidentemente teve 'início' há quase um milhão de anos entre os Homo erectus ou possivelmente há mais de um milhão de anos, (uma vez que esse processo era evidentemente compartilhado por erectus primitivos da Ásia e da Europa). Ela provavelmente chegou ao 'fim' apenas há cerca de 400.000 a 300.000 anos, quando o primeiro Homo neanderthalensis surgiu na Europa. O processo só se completaria totalmente quando surgiram os seres humanos anatomicamente modernos, cerca de 150.000 anos mais tarde. Antes da sintaxe, não se pode falar de uma linguagem humana articulada. Após o final da elaboração da sintaxe, o ser humano falou, e raciocinou, como nós. Esse não foi um processo repentino. Ele evoluiu durante muitas centenas de milhares de anos, começando com o Homo erectus e culminando (e ainda evoluindo) com o Homo sapiens.

A teoria da importância da sintaxe na história da linguagem humana, defendida por Noam Chomsky por mais de 40 anos, é apenas uma entre as muitas teorias. Porém, atualmente, ela parece oferecer a melhor explicação linguística para o fenômeno observado. A maioria das teorias sobre a origem e o desenvolvimento da linguagem deriva de investigações paleoantropológicas, paleoanatômicas e neuroanalíticas, que geralmente ignoram as prerrogativas mais imediatas da ciência linguística. A teoria do papel da sintaxe — talvez o âmago da fala articulada moderna — na história da linguagem humana merece uma consideração séria, até que apareça uma melhor.

Entre 100.000 e 80.000 anos atrás, outra parede de gelo invadiu a Europa. Novamente, os Neandertais teriam migrado para o sul e sudeste em direção ao Oriente Médio, onde também há indícios de Homo sapiens primitivos de pelo menos 90.000 anos. Nessa época as atividades sociais, enterros e práticas de caça dos

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Neandertais eram indistinguíveis das práticas dos sapiens. Na verdade, há a possibilidade de que neanderthalensis e sapiens primitivos tenham interagido de forma direta; talvez eles tenham, inclusive, se reproduzido hibridamente. É óbvio que isso teria influenciado suas respectivas linguagens, resultando num tipo de bilingualismo (habilidade de falar duas línguas) entre as espécies, trocas lexicais (palavras) isoladas e talvez contaminação fonológica (sistema sonoro), levando a mudanças sistemáticas limitadas. Mas, devido a populações tão esparsas, esse contato nunca teria sido tão produtivo quanto os contatos entre uma mesma espécie através do uso da sua própria língua territorial.

A indistinção entre as culturas dos neanderthalensis e dos sapiens continuou até 50.000 anos atrás, quando novas tecnologias surgiram subitamente entre os sapiens — armas, projéteis e lâminas mais afiadas para o corte. Parece que alguns grupos de sapiens deram algum tipo de 'salto' evolucionário que permitiu que eles, e não os neanderthalensis, evoluíssem em humanos modernos. Nessa época o sapiens 'Cro-Magnon' começou a se estabelecer na Europa, com suas fogueiras mais elaboradas, abrigos mais eficientes e roupas especialmente fabricadas. Em cerca de 20.000 anos todos os Neandertais já estavam extintos, talvez vítimas de invasões e competições por comida com o Homo sapiens.16

HOMO SAPIENS

Antigamente acreditava-se que os Homo sapiens arcaicos haviam sido os primeiros hominídeos a emigrar da África. Mas apenas as pesquisas das últimas duas décadas provaram, sem sombra de dúvida, que durante um período de cerca de 100.000 anos os sapiens substituíram os Neandertais na Europa e no Oriente Médio e o erectus no

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Extremo Oriente, duas espécies de hominídeos proeminentes que há muito habitavam essas regiões. Formas arcaicas dos sapiens já evoluíam havia 500.000 anos: hominídeos de constituição forte com rostos mais largos, queixos menores e sobrancelhas protuberantes. Uma nova era glacial, ocorrida há 186.000 anos, criou condições áridas na África e possivelmente forçou várias espécies humanas que viviam ali, incluindo os sapiens, a sobreviver em grupos menores e mais isolados. Há 150.000 anos, humanos anatomicamente modernos, que possuíam todas as características necessárias para a fala como conhecemos hoje, estavam surgindo tanto na África quanto no Oriente Médio, onde provavelmente ocorreram os primeiros contatos com grupos de Neandertais. Cerca de 120.000 anos atrás, a parede de gelo que cobria a Europa se retraiu, mais uma vez criando condições favoráveis, e surgiram os Homo sapiens modernos, idênticos a nós. Os mais antigos fragmentos de ossos de sapiens modernos datam dessa época; eles são encontrados no sul da África e na Etiópia e apresentam características da humanidade moderna: testas altas e lisas — com as elevações das sobrancelhas pouco visíveis — e maxilares salientes. Em nenhum outro lugar apareceram fósseis de sapiens tão antigos e claramente modernos.

Muitos especialistas acreditam que o Homo sapiens se originou na África. A chamada teoria da 'Saída da África' aponta para indícios de DNA mitocondrial — o material genético que apenas as fêmeas podem transmitir — que indicam que os humanos modernos viveram mais tempo na África do que em qualquer outro lugar.17 Além disso, a teoria reconhece que os fósseis mais antigos de esqueletos com características de sapiens modernos provêm igualmente da África. Porém, há uma outra opinião chamada teoria 'multirregional', que sustenta que humanos modernos evoluíram de predecessores Homo erectus em várias regiões: os australianos nativos, por exemplo, preservariam

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características específicas de erectus.18 Os que endossam essa última teoria acreditam que houve uma constante troca de genes entre as populações primitivas. Eles desconsideram o indício do DNA mitocondrial da teoria da 'Saída da África', por não enxergarem a importância do papel do macho nas excursões, trocas e acasalamentos no milênio. Porém, as últimas comparações de DNA mitocondrial distribucionais com o cromossomo masculino Y revelaram que a taxa de migração das mulheres na história parece ser oito vezes maior que a dos homens.

Ambas as teorias influenciam nosso entendimento das línguas dos primeiros humanos. Se a teoria da 'Saída da África' estiver correta, então todas as famílias linguísticas presentes no planeta teriam se originado das relativamente recentes línguas africanas. Porém, se a teoria 'multirregional' estiver correta, essas famílias linguísticas seriam muito mais antigas e abrigariam uma complexidade de desenvolvimento de um milhão de anos ou mais. Também há uma teoria conciliatória: que algumas áreas, como a Europa Ocidental, apresentaram uma substituição total ou quase total, de Neandertais nativos pelos sapiens, enquanto outros lugares, como o Extremo Oriente, parecem indicar que pode ter havido algum fluxo genético entre espécies de hominídeos primitivos. Talvez essa teoria conciliatória deva ser considerada na investigação das macrofamílias de línguas, por exemplo (veja ilustração 2).

Análises genéticas recentes deixam poucas dúvidas de que, pelo menos, a maioria dos europeus descende dos primeiros humanos caçadores-coletores que migraram do Oriente Médio para a Europa no início do período paleolítico superior, cerca de 50.000 anos atrás. Desde então, na Europa, a hereditariedade genética permaneceu regularmente constante.19

No sítio arqueológico da foz do rio Klasies, na África do Sul, há uma caverna que abrigou Homo sapiens entre 120.000 e 60.000 anos

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atrás. Esses humanos modernos podiam abater búfalos gigantes com lanças. Suas atividades domésticas eram complexas. Seus desenhos de 'giz de cera' vermelho-ocre podem indicar o uso da cor de maneira simbólica. A gama e procedência de suas ferramentas indicam que ferramentas particulares foram manufaturadas especificamente para a troca com tribos vizinhas. Esses sapiens primitivos praticavam a arte e a música e enterravam ritualmente seus mortos com presentes. Essa era uma pequena sociedade humana elaborada vivendo num assentamento permanente. Eles tinham um conhecimento da natureza e da caça tão rico e complexo quanto o nosso conhecimento da sociedade moderna e da tecnologia. Eles teriam usado a linguagem tanto quanto nós a usamos hoje.

Entre 40.000 e 35.000 anos atrás, grupos de sapiens já haviam chegado no norte da Austrália, onde deixaram decorações ou símbolos em paredes de abrigos de pedras. Enquanto, no Velho Mundo, o sapiens substituía e/ou absorvia os erectus e neanderthalensis, eles experimentavam simultaneamente uma 'explosão cultural' que se iniciou mais ou menos nessa época e continuou até 11.000 anos atrás: artefatos manufaturados que exibiam eles mesmos, animais, símbolos e até mesmo a passagem do tempo (calendários lunares) em osso, marfim, pedra e madeira; pinturas, gravuras ou molduras em paredes de cavernas, pedras lisas, ossos redondos e rochas grandes, numa variedade de cenas ou representações de tirar o fôlego (Lascaux, Caverna Chauvet); a invenção de novas ferramentas como cabos e punhos; e a fabricação de flautas, tambores e instrumentos de corda. Nesse momento, a fala articulada — e o raciocínio simbólico que ela permitia — estava certamente sendo usada de todos os modos que conhecemos, e os hominídeos não eram mais apenas os 'primatas falantes', mas sim os 'primatas simbólicos'. O que importava agora era o cérebro e não os músculos.

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Australopithecus gestos, vocalizações (grunhidos, (4,1 milhões de anos atrás) gritos agudos, suspiros etc.)

Homo habilis gestos, vocalizações (grunhidos, (2,4 milhões de anos atrás) gritos agudos, suspiros etc.)

Homo erectus talvez expressões vocais curtas, (2 milhões de anos atrás) incluindo proposições condicionais

cerca de 1 milhão de anos atrás

(Do erectus evidentemente houve 2 principais divergências:)

1. Homo neanderthalensis processos mentais complexos são (300.000 a 30.000 anos atrás) possivelmente possibilitados por

sentenças complexas, permitindo sociedades baseadas na fala; mas [i], [a] e [u] não podem ser pronunciados por essa espécie.

2. Homo sapiens processos mentais complexos são (300.000 anos atrás) possibilitados por sentenças complexas,

permitindo sociedades baseadas na fala

humanos modernos todas as características físicas (150.000 anos atrás) necessárias para a fala como a conhecemos hoje estão presentes há cerca de 150.000 anos.

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A humanidade colocou cabos e punhos na própria natureza.

Nunca houve uma ursprache, uma 'língua primeva'. Mesmo assim, a capacidade para algum tipo de linguagem já estava presente entre os hominídeos mais primitivos. Os humanos evoluíram a partir de criaturas sem linguagem, e por esse motivo, áreas do cérebro com outras funções, como a de gesticular, assumiram a nova tarefa da fala. (Deve-se notar que os centros cerebrais usados nas vocalizações dos chimpanzés não são os mesmos usados pelos humanos.) A linguagem foi sobreposta e elaborada em cima desses sistemas cerebrais mais primitivos e, além disso, parece parasitá-los.

A linguagem vocal humana evoluiu simultaneamente com o cérebro humano e o desenvolvimento dos órgãos da fala, durante centenas de milhares de anos. Enquanto o cérebro humano aumentava sua capacidade, a fala se tornou mais articulada e a dependência da química e dos sinais do corpo diminuiu. Em troca, isso exigiu a evolução de órgãos de fala especializados que demandavam uma maior capacidade cerebral para se adaptar à complexidade da sociedade engendrada por ele. Causa e efeito funcionaram em ambas as direções. Cada função alimentava a outra num sistema fechado, dinâmico e sinérgico. O pensamento primitivo e as vocalizações evoluíram progressivamente para o pensamento sofisticado e a fala articulada, na mesma razão, na fila evolucionária. A linguagem humana moderna parece continuar evoluindo dessa maneira com a química primordial e a linguagem de sinais virtualmente reduzidos à percepção subliminar.

O sistema social fundamental de todos os hominídeos, incluindo nós mesmos, pode ser um sistema social primata, mas os humanos elaboraram de maneira única a linguagem vocal, e a partir daí, uma

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cultura baseada quase exclusivamente nela. Há quase um milhão de anos, com o Homo erectus, a fala humana primitiva já permitia alguma forma de planejamento e organização sociais para a realização de vastos projetos cooperativos, como cruzar os mares, algo que nenhum grupo de grandes primatas conseguiria fazer. Os erectus tardios, tendo talvez desenvolvido vocalizações mais sofisticadas, instalaram-se em vilas mais permanentes com uma tecnologia que germinava. Rituais e estratagemas de caça elaborados. Talvez, há 500.000 anos, o pensamento simbólico e com ele o início da fala articulada com uma sintaxe mais complexa e os primeiros universais de linguagem, já estivessem sendo usados pelo Homo erectus. Essa capacidade foi herdada e/ou mais tarde evoluída — embora de maneiras significativamente diferentes — pelos Homo neanderthalensis e os Homo sapiens. O pensamento humano moderno e o uso da linguagem como conhecemos hoje foi, finalmente, atingido pelo Homo sapiens cerca de 35.000 anos atrás, se não significativamente mais cedo.

No longo processo de evolução da fala articulada, sempre houve um fluxo e refluxo de populações humanas, vítimas e beneficiários de guerras e doenças, acidentes geológicos e clima. Milhares de línguas e famílias linguísticas surgiram e desapareceram sem deixar traços. Contatos frequentes com vizinhos e outras populações por intermédio do comércio, exogamia, migração, guerra e dominação causaram mudanças linguísticas para populações cada vez maiores, cujos avanços tecnológicos e novas formas de transporte criaram suas próprias dinâmicas. Durante períodos de equilíbrio linguístico, que devem ter durado milhares de anos, linguagens prototípicas teriam se formado pela convergência de várias línguas diferentes. Esses períodos então acabaram subitamente, criando famílias e línguas com árvores genealógicas.20 Talvez tenha sido esse processo repetitivo de longos períodos de equilíbrio

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linguístico, pontuados por mudanças abruptas, que criou as famílias de línguas que geraram as línguas que falamos hoje.

Quando a fala totalmente articulada já havia sido conquistada, grupos individuais de Homo sapiens já governavam territórios autônomos com raios de 30 a 40 quilômetros, com seus vizinhos imediatos a distâncias de talvez 40 a 60 quilômetros. Membros de grupos comercializavam e se casavam com esses vizinhos, trocando bens e filhas, mas também palavras, expressões, histórias e diferentes pronúncias. Mediante longas separações, dialetos próximos evoluíram durante séculos, tornando-se línguas autônomas. Línguas diferentes se fundiram em línguas híbridas com alterações de léxico e sintaxe e mudanças fonológicas e produziram outras línguas dominantes e influentes. Novas famílias de línguas, virtualmente irreconhecíveis, produzidas por outras famílias linguísticas ou por línguas convergentes, surgiram com a difusão regional e ajustes internos. E essas, por meio da migração ou por algum outro motivo, geraram famílias de línguas ainda maiores quando seus falantes as espalhavam ou dominavam outras áreas, como resultado de mudanças climáticas, ganância ou sede de viagens, resultando em outras populações que tiveram a língua nativa substituída pela da minoria intrusa.

Há cerca de 14.000 anos, o Homo sapiens, a única espécie de hominídeo que sobreviveu à evolução, já possuía milhares de línguas diferentes, agrupadas em centenas de famílias linguísticas desde as ilhas Orkney na Escócia até a Tasmânia, e desde o Alasca até a Terra do Fogo. Nessa época, no Oriente Médio, muitos humanos modernos já cultivavam trigo selvagem, aveia e cevada usando foices feitas de ossos presos a lâminas de pedra.

Pouco depois, cerca de 2.000 anos atrás, o clima esquentou novamente. Isso aumentou as chuvas e levou embora a última geleira de

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volta para a região polar. Os oceanos do planeta subiram dramaticamente, separando povos antigos para sempre. Talvez mais significativamente, o clima quente produziu um grão mutante, um híbrido fértil do trigo selvagem com o pasto natural, formando o trigo de pão (Triticum dicoccum) com 28 cromossomos, cujas sementes se espalhavam naturalmente com o vento. A partir daí, seguiu-se uma revolução biológica. Os humanos modernos, tanto do Velho quanto do Novo Mundo, em seis 'centros de origem', poderiam agora semear e colher num único lugar. Eles começaram a domesticar o trigo e a cevada, ovelhas e cabras pela primeira vez, e estabeleceram grupos rurais permanentes. Durante milhares de anos, o cultivo evoluiu da horticultura para a agricultura e se tornou o principal meio de subsistência para muitas (embora não todas) populações humanas, que produziam excedentes, prosperavam e cresciam cada vez mais. A complexidade social aumentou. Os humanos permaneceram instalados durante gerações num único lugar. Apareceram as primeiras cidades de tijolos de barro. As línguas regionais se tornaram mais influentes, e eram reconhecidas em terras estrangeiras como a 'língua de uma determinada área geográfica.

A linguagem humana estava agora ligada à terra.

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Primeiras famílias

Apenas uma geração atrás, um renomado linguista norte-americano propôs que o sânscrito, a antiga língua clássica dos hindus, estava geneticamente relacionado ao aztec (nahuatl clássico), a língua do grande império dos nativos do México.1 Acreditava-se que o indício para o suposto parentesco estava nas mudanças sonoras concordantes em itens de vocabulário 'relacionados', que seriam derivados de uma mesma língua-mãe antiga, falada há mais de 10.000 anos, antes do fim da última Era Glacial. Mas hoje em dia avalia-se que essa e outras declarações semelhantes acerca de parentescos com línguas antigas ao redor do mundo desafiam tanto a ciência quanto o senso comum. A verdadeira história das línguas é muito mais complexa do que se acreditava até então. Deve-se começar a busca pelo lado mais estreito do funil, e não pelo mais largo, para descobrir as primeiras famílias de línguas. E mesmo assim, o termo 'primeiras' constitui uma metáfora.

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As famílias são grupos de línguas geneticamente relacionadas. Ou seja, que dividem um ancestral comum, demonstrado por meio de correspondências sistemáticas, em forma e significado, não atribuíveis a mudanças ou apropriações. Há três motivos para a similaridade linguística: genética compartilhada, difusão areai e semelhanças tipológicas ao acaso. Apenas a genética compartilhada justifica uma 'árvore genealógica. O número e a qualidade das características relacionadas variam de acordo com o tempo que se passou desde a divergência do ancestral comum.2 A linguística histórica já desenvolveu algumas técnicas de 'reconstrução' das línguas (em vez de simplesmente deduzir a história das línguas). A aplicação dessas técnicas permitiu a distinção entre elementos apropriados e os elementos herdados, a comprovação da idade de características, e a identificação de características compartilhadas advindas de uma fonte ancestral comum.3 Esse processo, eventualmente, permite uma 'classificação' da língua ou de toda uma família linguística baseada nas similaridades e diferenças entre palavras e elementos gramaticais.

Há dois tipos de classificação linguística: tipológica e genética (ou genealógica). Uma classificação tipológica associa línguas baseando-se em características distintivas que podem ser categorizadas em tipos definidos de fenômenos linguísticos. Por exemplo, uma língua pode ser isolada, como o mandarim, que é uma língua de raiz. Línguas isoladas são aquelas que tendem a ter, por palavra, apenas um morfema — a menor unidade dotada de significado da língua, como 'um' ou 'lá'. Porém, uma língua pode ser fusional, em que muitos morfemas podem ser encontrados numa palavra, mas as ligações entre eles são incertas. Este é o caso do latim, que usa variadas terminações: corpus, que significa 'corpo' em latim, também pode aparecer como corporis, corpori e corpore dependendo da sua função na sentença. Isso é chamado 'inflexão', e as línguas fusionais também são conhecidas como línguas inflexionais.

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Um terceiro tipo de língua é a aglutinante, na qual uma palavra pode conter muitos morfemas individuais que podem tanto ser livres (que se mantêm sozinhos, como por exemplo, 'banco') ou ligados (que não se mantêm sozinhos, como '-ário' em 'bancário'). O turco é uma língua aglutinante em que, como em todas as línguas aglutinantes, tanto a palavra base quanto as palavras adicionadas a ela se mantêm distintas, assim todas as ligações entre os morfemas são facilmente identificáveis. Infelizmente, classificações tipológicas como essa não conseguem fornecer informações históricas diretas. Na classificação tipológica, é a semelhança relacionai, e não a substancial, entre as línguas, que tem relevância.

Uma classificação genética se empenha em conectar as línguas através de suas origens e relações. Línguas relacionadas são comparadas quanto às inter-relações de subgrupos e línguas dentro de uma família, por exemplo, como o francês e o italiano, dentro das línguas românicas ou as línguas românicas e germânicas dentro da família de línguas indo-europeias. Desse modo, a classificação genética, particularmente quando é baseada nas formas e paradigmas gramaticais, e não no vocabulário, consegue fornecer informações históricas diretas. Por isso, ela é a abordagem mais produtiva para se entender a história mais recente da linguagem humana.

Algumas línguas, devido a circunstâncias geográficas ou tecnológicas únicas, não geram línguas descendentes, mas a população de seus falantes aumenta de tal maneira, que a família compreenda uma única língua, produzindo uma 'família linguística. A geografia permitiu que a língua egípcia se tornasse um exemplo do fenômeno, e seus descendentes são meramente diacrônicos (temporais); o inglês apresenta o mesmo potencial, devido à comunicação global via tecnologia moderna. Outras línguas expandem — ou seja, geram descendentes — sob condições favoráveis — e depois, se retraem, sob condições desfavoráveis. Foi o que aconteceu com a família de línguas célticas.

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Embora seja comum que, sob circunstâncias favoráveis, uma língua possa gerar de oito a quinzes línguas descendentes que sobrevivam num período de 2.000 anos — como, por exemplo, ocorreu com o germânico ocidental, o românico e o polinésio oriental — a qualificação 'favorável' é relativa. Não há justificativa para propor que esse fenômeno observado seja uma regra geral para medir o tempo das famílias linguísticas. Ou seja, não é axiomático que uma grande família com cerca de 100 descendentes (como a indo-europeia) tenha cerca de 6.000 anos ou que uma superfamília com mil ou mais descendentes (a suposta 'nigero-congolesa' ou a austronésia) tenha 10.000 anos. Há muitas incertezas envolvidas, muito poucos parâmetros de controle e muitos fenômenos contraditórios. Na verdade, caso se procurasse as fontes primordiais das línguas do planeta, elas poderiam redundar nas pequenas línguas isoladas vestigiais (línguas únicas e inclassificáveis, como o basco) nas periferias das superfamílias atuais, que, até invasões relativamente recentes teriam, talvez, figurado entre as línguas mais amplamente faladas de suas regiões.

Por esse e outros motivos, os paleolinguistas não buscam mais descobrir uma quimérica 'primeira língua, mas sim tentam entender a complexidade da multidão de línguas que já existiram. Um padrão de linguagem antigo sobrevive em cada um dos continentes do planeta, largamente obscurecido por uma grande distância temporal. Um estudo inovador recente se concentrou na análise de características mais amplas de grupos linguísticos, em vez de na evolução de línguas individuais.4 Nele, as distribuições e frequências estatísticas de determinadas características de uma amostra de 174 línguas foram identificadas dentro de continentes inteiros. O estudo concluiu que parece ter havido uma dispersão em três estágios do Homo sapiens, desde a emigração da África, mais de 100.000 anos atrás. Nenhuma característica linguística sobreviveu à emigração original (se for aceito que houve uma 'única emigração original'). A segunda emigração foi

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a do Homo sapiens em direção às Américas, entre 60.000 e 30.000 anos atrás; foi nessa época que as línguas de Sahul (tasmaniano, australiano, papua) também entraram na região da Austrália. Finalmente, na era pós-glacial, emergiram grandes sociedades complexas, criando maiores unidades de poder político e econômico que, mais tarde, basicamente destruíram a diversidade linguística humana.

Porém, num longo período de 100.000 anos, as semelhanças que poderiam ter sido obtidas entre línguas e famílias de línguas próximas foram completamente obliteradas pela mudança constante.5 Protolínguas, como a proto-sino-tibetana, provavelmente não têm mais de 10.000 anos, mas com certeza têm mais de 6.000. Muito pouco é verdadeiramente conhecido, mesmo sobre famílias linguísticas mais recentes. Os paleolinguistas dominam um conhecimento impressionante sobre as línguas indo-europeias, chinesas e semíticas, devido a documentos escritos de um período relativamente recente. A história primitiva de outras famílias linguísticas como a austronésia e a suposta nigero-congolesa, precisam ser recuperadas por meio da reconstrução linguística, um meio relativamente impreciso e artificial, em que se 'recria' algo que pode nunca ter existido na realidade. É de se lamentar que a maioria dos estudos sobre as protofamílias (ou macrofamílias), independentemente da orientação da família, simplesmente estenda o modelo teórico das 'árvores genealógicas' da história da linguagem em árvores com níveis maiores, criando relações que podem nunca ter existido.

No final da última Era Glacial, com a temperatura mais quente e o nível dos oceanos mais elevado, populações humanas — de aproximadamente dez milhões na época — espalharam-se mais uma vez, iniciando um longo período de mudança social e linguística (ver ilustração 3). Tentativas isoladas de agricultura primitiva logo aumentaram exponencialmente esse quadro. É o período mais antigo em que se pode especular sobre afiliações linguísticas. A era das 'primeiras famílias'.

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ANO 0 Um pequeno grupo de falantes do potórico migra para o outro lado do rio, mudando, com o tempo, todos seus pês para efes e deixando de pronunciar os erres finais: os migrantes passam a chamar a si mesmos de 'Foto'.

ANO 2000 Um aumento populacional, com mais mudanças internas e migrações, resulta numa grande família linguística potórica, que inclui subfamílias.

3 Como podem emergir famílias linguísticas (com o exemplo de um povo imaginário chamado Poror').

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ANO 1000 Ocorrem mais mudanças internas e migrações, ao longo e por entre as montanhas.

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LÍNGUAS AFRICANAS

Apenas após a Segunda Guerra Mundial os linguistas puderam tentar fazer a primeira classificação completa das línguas africanas nativas.6 Desde então, seguiram-se avanços substanciais.7 Identificada por alguns como uma das 'superfamílias' linguísticas do mundo, afirma-se que a suposta família 'nigero-congolesa', um agrupamento estatístico de características comuns, compreende mais de mil línguas autônomas, regularmente divididas entre duas grandes subfamílias que talvez mereçam mais a designação de 'superfamílias' (se é que existe algo assim): atlântico-congolesa e volta-congolesa. A denominação presente, 'nigero-congolesa' é simplesmente remota e nebulosa demais para ser aceita como uma família linguística comprovada.

Não relacionada à nomeada família 'nigero-congolesa' está a família africana nilo-saariana, cujas onze subfamílias contêm, cada uma, entre duas e 96 línguas individuais. Com exceção de duas, todas as 35 línguas da terceira família não relacionada, a família khoisan, apareceram na África do Sul. Qualquer uma dessas grandes famílias linguísticas — 'nigero-congolesa, nilo-saariana e khoisan — pode muito bem ter sido uma protolíngua autônoma 10.000 anos atrás, se, em primeiro lugar, alguma delas houver existido como entidade real, caso contrário, elas meramente refletem a convergência ou união de características linguísticas difusas.

A história humana da África é tão antiga, apresentando espécies de Homo sapiens em evolução por quase meio milhão de anos, que pode-se esperar que quase todas as suas antigas famílias linguísticas tenham aparecido e desaparecido sem deixar rastros. Apenas uma

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pequena porcentagem de todas as línguas africanas da história ainda existe, e essas são descendentes apenas das línguas mais recentes. Há muitas línguas africanas não classificadas, tais como o anlo, em Togo, o bete, na Nigéria, o imeraguen, na Mauritânia e cerca de dezesseis outras, sendo que cada uma delas também pode compreender a relíquia de uma língua que já foi uma família maior, muitos milhares de anos atrás.

LÍNGUAS AFRO ASIÁTICAS

As exuberantes e férteis regiões do norte da África de 10.000 anos atrás — muito antes de sua relativamente recente desertificação — sugerem um excedente populacional, fonte de muitas línguas antigas. Até o momento, foram identificadas 317 línguas afro-asiáticas, divididas em seis famílias linguísticas diferentes: bérbere (29 línguas), tchádica (192), chuchítica (47), egípcia (1), omótica da Etiópia (28) e semítica (73) (ver ilustração 4). O surpreendente número de línguas tchádicas, em comparação às outras famílias que são bem menores, aponta para a origem dessa importante e muito antiga superfamília que, antes das grandes migrações do final da última Era Glacial, ocupou as regiões do norte central da África, hoje coberto em grande parte pelo deserto.

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4 As famílias de línguas afro-asiáticas.

Uma das línguas afro-asiáticas mais conhecidas, a egípcia, é uma 'família linguística cujos registros escritos datam de 5.400 anos atrás; devido a circunstâncias geográficas únicas, ela não gerou múltiplas línguas sincrônicas (contemporâneas), mas apenas diacrônicas (temporais). Como a língua egípcia, a família linguística semítica possivelmente divergiu da proto-afro-asiática bem nos primórdios, talvez cerca de 8.000 anos atrás. O semítico foi fonte de muitas das mais importantes línguas da história. Logo no início, ele se diferenciou em família semítica oriental (representada apenas pela língua acádia dos babilônios, preservada por inscrições cuneiformes de quase 4.500 anos atrás) e família semítica ocidental, que eventualmente

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se desenvolveu em aramaico-cananita (fenício, hebraico) e árabe-etiópica. Teorias recentes que ligam as línguas semíticas às indo-europeias numa época muito primitiva não encontraram uma aceitação geral entre os linguistas.8 Durante muitos milhares de anos, as línguas bérberes dominaram a maior parte do litoral mediterrânico sul, enriquecendo sociedades fortes e influentes ligadas ao antigo Egito, o Levante e o Egeu, como os povos do Planalto Líbio e os de Putaya, perto da antiga Creta.

O ramo semítico-oriental da família Afro-Asiática, em sua expansão dinâmica em direção ao Oriente quase 5.000 anos atrás, suplantou uma língua do Oriente Médio ainda mais antiga, a língua suméria. Falada há mais de 6.000 anos, na baixa Mesopotâmia (hoje sudeste do Iraque) e escrita há 5.100 anos, a língua suméria aparentemente não está relacionada a nenhuma outra. Ela parece ter sido introduzida à força no território de um povo mais civilizado, cujos nomes para cidades e profissões foram tomados pelos sumérios. Argumentos recentes que defendem uma hipotética 'superfamília suméria, uralo-altaica e húngara' não convencem a maioria dos linguistas.

LÍNGUAS ASIÁTICAS

A Ásia, onde primitivas espécies de Homo podem estar evoluindo há dois milhões de anos, primeiro o Homo erectus, mais tarde substituído ou absorvido pelo Homo sapiens hoje presente, como a África, tem uma das paisagens linguísticas mais complexas do planeta. Como várias grandes famílias linguísticas têm a Ásia como fonte máxima ou imediata, pode-se assumir que várias famílias linguísticas asiáticas já exerciam sua influência durante a última Era Glacial. Algumas delas cruzaram a ponte de terra do Estreito de Bering, talvez 30.000 anos atrás (alguns dizem 60.000 anos) e se tornaram as

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primeiras línguas das Américas. Milhares de anos depois, quando a temperatura do planeta esquentou, descendentes dessas mesmas línguas migraram para todos os cantos da Ásia e além. Hoje, elas são conhecidas como famílias de línguas sino-tibetanas, altaicas, urálicas, caucásicas e paleo-asiáticas.

A língua proto-sino-tibetana gerou uma das mais importantes famílias linguísticas da história da humanidade. Há muito tempo, talvez apenas dois ou três mil anos após a última glaciação, a proto-sino-tibetana se diferenciou em três grandes subfamílias: chinesa, yenisei-ostyak e tibeto-birmanesa. A subfamília chinesa consiste hoje em nove línguas mutuamente ininteligíveis, com muitos dialetos principais. Hoje, sua língua principal, o chinês mandarim (com quatro dialetos principais), baseado na fala de Pequim, é a primeira língua mais falada por pessoas do que qualquer outra língua do planeta.9 (A proeminência do mandarim não reflete uma situação antiga, mas é o resultado da migração de falantes do chinês para o delta do Yang-Tsé há menos de 5.000 anos, onde o cultivo do arroz gerou uma explosão populacional sem precedentes na história.) O chinês arcaico foi um meio para a escrita já há 3.000 anos. A subfamília yenisei-ostyak inclui línguas atualmente faladas no norte da Sibéria, o antigo lar de toda subfamília sino-tibetana. A antiga subfamília tibeto-birmanesa eventualmente se diferenciou em duas sub-subfamílias de línguas do Tibete e da Birmânia.

Cerca de 8.500 anos atrás, a domesticação do arroz por falantes do pré-chinês no delta do Yang-Tsé permitiu a elaboração de culturas que eventualmente geraram quatro grandes — e talvez antigamente relacionadas — famílias do sudeste asiático: tai-kadai, miao-yao, austro-asiáticas (em sua maioria mon-khmer) e austronésia (veja mais adiante). Cerca de 5.000 anos atrás (as datas são incertas) essas línguas

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se espalharam pelo sudeste asiático para serem empregadas pelas muitas comunidades étnicas diversificadas desde o norte da Tailândia até as ilhas de Hainan e Taiwan.10

A família altaica, que consiste das línguas mongólicas e manchu-tungúsicas (ou seja, as línguas túrquicas), foi classificada recentemente, tendo como primeira base critérios tipológicos e não genéticos. A classificação permanece especulativa. Todas as semelhanças entre as línguas túrquicas, mongólicas e tungúsicas são, geralmente, consideradas resultado de difusões regionais e não heranças compartilhadas. As línguas túrquicas surgiram na Ásia central apenas 4.000 anos atrás, ou pouco antes. Elas talvez derivem diretamente de uma língua paleoasiática da Sibéria ou de um ancestral comum da família linguística paleoasiática. (Diversas línguas túrquicas são faladas ainda hoje no sul da Sibéria.) Ainda mais especulativa que a classificação altaica é a teoria de que as línguas fino-úgricas são, de alguma maneira, relacionadas geneticamente ao altaico, e sua protofamília é às vezes chamada de 'uralo-altaicá'.

O chão é mais sólido no caso dos falantes do proto-urálico. Cerca de 6.000 anos atrás, eles ocupavam o nordeste europeu.11 Logo no início, eles se diferenciaram em duas principais famílias linguísticas: samoieda e fino-úgrica. As línguas samoiedas do extremo leste da Sibéria, possivelmente uma família da Lapônia, foram as primeiras a se diferenciar da família urálica, talvez 5.000 anos atrás. Uma língua relacionada comum cerca de 4.000 anos atrás, o fino-úgrico, se diferenciou em duas famílias: fínico (que deu origem às famílias linguísticas balto-fínica, lapônica, volga-fínica, permiana e ugriana) e úgrico (húngaro, mansi e khanty).12 Hoje as muitas línguas descendentes da família urálica possuem poucos falantes, com exceção do finlandês (quatro milhões) e do húngaro (treze milhões).

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A Ásia ocidental possui cerca de 40 línguas caucásicas das Montanhas do Cáucaso, e suas vastas planícies confinadas evidentemente compartilham uma grande ancianidade (ou seja, não apresentam substituições). Num período bem primitivo, talvez 10.000 anos atrás, possivelmente como resultado da primeira 'migração de povos' pós-glacial, a família caucásica se diferenciou em três grandes subfamílias: caucásica meridional, das quais o georgiano é a única amplamente falada (cinco milhões de falantes); caucásica do noroeste; e na grande família caucásica do nordeste, cujas oito subfamílias ocuparam o que tenha, talvez, sido o lar original dos falantes da língua protocaucásica.

A família linguística paleoasiática (ou hiperbórea) do leste siberiano é pouco compreendida. Porém, há poucas dúvidas de que ela tenha existido como grupo linguístico autônomo por, pelo menos, 6.000 anos. Hoje, essas línguas são relativamente pouco faladas. Embora alguns linguistas tenham tentado ligar as línguas paleoasiáticas às do Novo Mundo, suas declarações carecem de indícios convincentes.

A língua nativa do Japão, chamada ainu, é uma língua isolada cuja origem é tão antiga, que ela não pode ser ligada a nenhuma outra língua conhecida nem a nenhuma família linguística reconstituída. O japonês é uma língua totalmente diferente que, poucos milhares de anos atrás engoliu o ainu (marginalizando o ainu à Ilha de Hokkaido, no norte do Japão), e com o coreano, é, às vezes, ligada à altamente especulativa família 'uralo-altaicá'; porém a ligação carece de indícios convincentes. Tanto o japonês quanto o coreano obviamente surgiram no continente asiático numa época extremamente antiga. O japonês compartilha uma ancestral comum com as línguas luchuan (oquinawana) das ilhas Ryukyu, no sul do Japão.

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LÍNGUAS AMERICANAS

A aceitação científica cautelosa da possibilidade da presença do Homo sapiens nas Américas cerca de 30.000 anos atrás só surgiu na última década. Aceitar sua chegada no Novo Mundo numa época tão primitiva poderia explicar uma paisagem linguística que evidentemente rivaliza com a complexidade africana, asiática e europeia. Muitas hipóteses sobre a relação entre as línguas do Novo Mundo e as línguas de outras partes do globo foram apresentadas. Porém todas, com exceção de uma dessas 'afiliações', foram rejeitadas como inconsistentes: apenas a conexão entre as línguas esquimó-aleútes e as línguas luoravetlan no extremo oriente da Sibéria, talvez, refletindo uma subsequente migração 'recente', parece merecer uma precavida consideração.13 Antes de procurar relações externas, deve-se levar em conta que algumas das 150 famílias linguísticas americanas podem inclusive não ter relações umas com as outras.14

Tal convolução linguística implica poucas possibilidades de que uma classificação formal das línguas americanas lance uma luz sobre os primeiros povoados da região; para isso, deve-se recorrer a outras disciplinas. Na verdade, hoje acredita-se que devem ter havido múltiplas migrações para a América, através das pontes de terra noroestes. Se isso for verdade, há a tentação de se aceitar a existência de múltiplos extratos (camadas linguísticas) que evoluíram juntos durante dezenas de milhares de anos, criando uma população de línguas relacionadas e não relacionadas diacrônica e sincronicamente complexa. Devido à falta de documentos escritos de milênios anteriores, as informações sobre essa região que a linguística histórica pode providenciar são necessariamente advindas da reconstituição das línguas americanas sobreviventes. Isso permite uma desapontadora classificação rasa que, no melhor dos casos, não vai além de 10.000 anos.

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No caso das línguas da América do Norte, uma 'classificação consensual' concluída em 1964 aceitava sete grandes famílias linguísticas que podem ser derivadas de línguas comuns faladas entre grupos autônomos no fim da última Era Glacial: ártico-paleossiberiana americana (com duas famílias linguísticas), na-dene (uma família, duas línguas isoladas), macroalgonquinas (duas famílias, sete línguas isoladas), macrosiouana (três famílias, duas línguas isoladas), hocana (dez famílias, sete línguas isoladas), penutiana (nove famílias, sete línguas isoladas) e asteca-tanoana (duas famílias, nenhuma língua isolada). Também há um surpreendente número de famílias linguísticas (como a salish) e línguas isoladas (keres), que não possuem afiliação evidente com nenhuma das grandes famílias listadas. A análise comparativa (reconstituição de uma protolíngua por meio da comparação de línguas descendentes) não conseguiu encontrar indícios de que essas línguas norte-americanas sejam descendentes de uma ancestral comum.15 Na verdade, todas as grandes famílias identificadas parecem não ter nenhuma relação umas com as outras, provavelmente como resultado de um período longo demais (no qual as atuais técnicas linguísticas não conseguem penetrar) e/ou múltiplos povoamentos (ou seja, famílias linguísticas não relacionadas que chegaram ao Novo Mundo uma após a outra).

A situação é semelhante na Mesoamérica (América Central), onde foram identificadas muitas famílias autônomas e línguas isoladas. Entre as famílias mais importantes estão a otomangueana e maia. A família otomangueana é uma das maiores famílias linguísticas da Mesoamérica, com oito subfamílias. A família maia, que deve ter existido como língua autônoma mais de 4.000 anos atrás, inclui a pequena família huastecana e a imensa família iucatã-core, com diversas subfamílias e subsubfamílias. Também há

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mais de 100 línguas extintas e não classificadas on dialetos na Mesoamérica, mencionadas apenas em fontes históricas, e de outro modo desconhecidas.

A entrada de populações humanas na América do Sul foi condensada de maneira semelhante nos últimos anos. Hoje, geralmente — embora não universalmente — aceita-se que o sítio arqueológico de Monte Verde no sul do Chile tenha 12.500 anos. Os arqueólogos também dataram vilas em todo o litoral pacífico da América do Sul em, pelo menos, 20.000 anos, e um sítio arqueológico no interior do Brasil indica uma ocupação de 50.000 anos atrás; porém, ambas as datas são controversas. Uma análise de DNA mitocondrial sugere que uma linhagem ameríndia de 30.000 anos (para contrastar, a linhagem na-dene do noroeste da América do Norte parece ter apenas 9.500 anos). É evidente que essas datas estão bem além das possibilidades de reconstituição de qualquer técnica linguística moderna.16

Toda a América do Sul apresenta atualmente uma paisagem linguística muito antiga e complicada, que data de, talvez, dezenas de milhares de anos, com possíveis incursões múltiplas do noroeste (Panamá) e nordeste (Caribe), antes da elevação do nível do mar. Foram propostos setenta e cinco ramos ou superfamílias para a América do Sul, dentro dos quais, alguns também ocorrem em regiões da Mesoamérica e do Caribe. Entre eles estão o chibcha (a 'ponte linguística' entre a Mesoamérica e a América do Sul), arawak (a maior família linguística do Novo Mundo, com cerca de 65 línguas autônomas), tucano, quéchua, pano, tacanan, guaikuru, gê, tronco tupi e carib. Atualmente, a América do Sul apresenta um dos mais difíceis desafios linguísticos do planeta.

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LÍNGUAS OH SAHUL (TASMANIANO, AUSTRALIANO E PAPUA)

Antes da elevação dos níveis do oceano no final da última glaciação, a Tasmânia, a Austrália e a Nova Guiné formavam o antigo continente de Sahul. Embora indícios recentes sugiram a possibilidade da presença humana em Sahul entre 60.000 e 50.000 anos atrás, a maioria dos especialistas ainda concorda que as provas da presença humana não tenham mais que 35.000 e 40.000 anos. Uma recente análise linguística sugeriu que todas as línguas de Sahul compreendem um único estrato e que a colonização subsequente estabeleceu uma segunda camada, cujas características residuais podem ser encontradas nas línguas do noroeste, o pressuposto ponto de entrada.17 Porém, a extrema antiguidade da presença humana em Sahul faz com que qualquer característica remanescente de um povoamento inicial seja altamente improvável; as características reconhecidas devem datar de muito após a intromissão do sapiens. A história da linguagem da área precisa ser remontada por meio de uma abordagem indutiva, usando as modernas línguas sobreviventes. Novamente, a reconstituição histórica limita a linguística a, no melhor dos casos, alguns milhares de anos antes da era presente.

Na época da chegada europeia, no final do século dezoito, cerca de 5.000 a 8.000 tasmanianos, considerados de alguma maneira 'racialmente diferentes' dos australianos nativos, ocupavam a ilha da Tasmânia ao sul do litoral leste da Austrália.18 Duas línguas tasmanianas autônomas existiram: o tasmaniano do norte e o tasmaniano do sul. Nenhuma delas parece relacionada a qualquer língua do continente australiano nem a qualquer família linguística que tenha sido reconstituída. Talvez os falantes tasmanianos sejam descendentes de

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uma população muito antiga de Sahul, que tenha sido levada à periferia do continente e ficado presa ali quando, 12.000 anos atrás, o estreito de Bass se encheu, separando a Tasmânia da Austrália. Porém, a baixa qualidade do material linguístico tasmaniano disponível para os linguistas, totalmente antedatado da morte de seu último falante em 1877, dificulta uma reconstituição rígida.19

Na época da intromissão britânica na Austrália em 1788, havia cerca de 260 línguas distintas próprias da Austrália e das ilhas do estreito de Torres, no norte da Austrália. Desde então, mais de 100 foram extintas e atualmente, outras 100 estão em vias de desaparecimento; apenas cerca de vinte dessas línguas ainda são aprendidas por crianças australianas. Diferente das línguas americanas, asiáticas e africanas nativas, as línguas australianas apresentam uma uniformidade notável, particularmente em seu sistema fonêmico (sons significantes), o que, infelizmente dificulta uma abordagem comparativa para uma classificação, uma vez que faltam necessárias características que as distingam. Parece que a homogeneidade incomum das línguas australianas pode ser atribuída ao isolamento virtual do continente desde o fim da última Era Glacial. Essas línguas também podem ter experimentado um período notavelmente longo de equilíbrio linguístico, pontuado apenas periodicamente, por mudanças súbitas causadas por fatores externos (migração, invasão, mudança social e assim por diante) ou internos (pressões sistêmicas, criticalidade auto-organizada). Na verdade, foi o perfil australiano incomum que primeiro inspirou o modelo de 'equilíbrio pontuado' da linguística histórica.20

Com o termo emprestado da biologia evolucionária, esse modelo recente propõe que longos períodos de equilíbrio social no passado experimentaram a difusão de características linguísticas numa determinada área, fazendo com que as diferentes línguas daquela área

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convergissem numa língua prototípica comum (ver ilustração 5). Porém, ocasionalmente, esse estado de equilíbrio alongado seria 'pontuado' ou perturbado por uma mudança súbita, causada por um ou mais fatores externos ou internos mencionados acima. Isso poderia então aumentar o número de povos e dividi-los, assim como suas línguas, criando uma 'árvore genealógica' de línguas.

Embora muitos linguistas assumam a existência de uma língua primitiva protoaustraliana, tal protolíngua nunca foi satisfatoriamente estabelecida por uma aplicação formal do método comparativo (provavelmente devido à fraqueza do próprio método, baseado apenas em 'árvores genealógicas' e, mais tarde, também em mudanças pontuadas). Há quem argumente que o protoaustraliano nunca existiu como língua real, mas representa uma coincidência superficial de características artificialmente consolidadas por técnicas linguísticas modernas. Então, novamente, alguma coisa que se aproximou de um suposto protoaustraliano pode ter gradualmente emergido das línguas agregadas faladas pelo Homo sapiens, que interagiu de algum modo desconhecido em Sunda e/ou noroeste de Sahul, cerca de 35.000 anos atrás. Assim, as línguas sapiens mais primitivas da área se espalharam por todo o continente e foram faladas por, talvez, dezenas de milhares de anos, com mudanças e convergências advindas de difusões regionais ocasionais e ajustes internos.

As atuais línguas australianas não se dividem confortavelmente em 'árvores genealógicas', como ocorre em outras línguas.21 Por exemplo, as 29 subfamílias de uma grande família australiana são fonologicamente (fonologia é a ciência dos sons da fala e seus sistemas) menos diferenciadas que apenas duas subfamílias e uma grande família americana. É principalmente esse fato que torna urgente a identificação de um protoaustraliano primitivo, que esteja

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extremamente distante no tempo. Muitos falantes de qualquer língua australiana conseguem entender os dialetos de seus vizinhos próximos, mas considerando todos os dialetos da língua, a densidade dos cognatos (palavras relacionadas pela origem) é tão baixa quanto a obtida entre línguas totalmente diferentes.22 Por esse motivo, os linguistas sugerem o termo 'língua aparentada'.

As línguas australianas também apresentam estruturas muito semelhantes, quase idênticas, em todos os seus dialetos (mesmo com apenas 45% de vocabulário compartilhado entre dialetos que estão nas pontas). Tais cadeias dialetais são impressionantemente longas, com mais de 1.500 quilômetros. Porém, ainda é virtualmente impossível provar que essa característica particular deriva de uma língua ancestral comum, ou o protoaustraliano. Este último, se realmente existiu como língua real, pode ter sido uma forma de língua migrante que se impôs sobre uma ou mais línguas anteriores de maneira tão completa, que essa(s) língua(s) anterior(es) não é(são) mais reconhecida(s) hoje. Ou pode ter sido a única língua da Austrália. Apenas em vocabulários regionais australianos, há o que talvez sejam vestígios de uma ou mais línguas anteriores.23 Mas, novamente, elas podem ser convergências recentes, derivadas em último caso do protoaustraliano, que pode ter passado por uma evolução cíclica num período de 35.000 anos sem intervenções estrangeiras significativas até 1788.

Isolada de Sahul desde o preenchimento do estreito de Torres, cerca de 8.000 anos atrás, a Nova Guiné, a segunda maior ilha do mundo, abriga o mais rico tesouro de línguas, mais de 700 (além de outras 200 línguas austronésias), dentro de uma área geográfica confinada.24 Embora se possa esperar ligações genéticas com as línguas australianas, não foi encontrada nenhuma correspondência sistemática fonológica nem morfológica confiável. Ao contrário da crença

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ANO 0 Três diferentes línguas vizinhas apresentam palavras diferentes para 'humanidade, com os sufixos nominais variantes V, '-da' e Y.

ANO 1000 Aconteceram mudanças naturais internas, com ocorrência de cópia, devido à comunicação contínua entre as três línguas.

ANO 2000 A supremacia política da língua dominante causou mais mudanças e cópias, resultando em compartilhamento sistêmico, apenas com diferenças dialetais menores na nova protolíngua.

5 Durante um período de equilíbrio, diferentes línguas podem convergir em uma protolíngua pela difusão.

anterior, muitas das línguas papua (ou seja, não austronésia) da Nova Guiné parecem ser faladas por comunidades relativamente populosas, às vezes superiores a 100.000 falantes.25

Após as línguas austronésias, as línguas papuas compreendem a segunda maior divisão linguística do Pacífico e do sudeste asiático. O papua é falado em quase toda a Nova Guiné (com exceção de alguns litorais); norte de Halmaera nas Molucas; leste da Indonésia (Alor, Pantar, partes do Timor); regiões da Nova Bretanha e da Nova Irlanda; e partes de Bougainville e outras ilhas Salomão até o arquipélago de Santa Cruz. Das supostas 741 línguas papua identificadas

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na década de 1980, 507 supostamente pertencem a uma 'superfamília' linguística, a assim chamada trans-nova guineense.26 Esse seria um agrupamento de um nível mais alto (mais antigo) que incluiria cerca de 80% de todos os falantes papua. Porém, outros pesquisadores identificaram apenas cerca de 60 pequenas famílias linguísticas. Muito do trabalho comparativo sobre o papua foi baseado na análise estatística de palavras, e é, de modo geral, duvidoso, embora poucas pesquisas linguísticas histórico-comparativas tenham sido feitas. Na verdade, 'papua' é usado muito frequentemente para designar todas as línguas não austronésias da área, cujas afiliações genéticas precisas não são claras.

LÍNGUAS AUSTRONÉSIAS

A elevação do nível dos oceanos no fim da última glaciação também gerou, indiretamente, a relativamente recente superfamília linguística austronésia — que atualmente se estende desde Madagascar, no Oceano Indico, até a Ilha de Páscoa, no sul do Pacífico — que comporta o maior número de línguas, aproximadamente 1.200, cerca de 30% de todas as línguas do mundo.27 Falada atualmente por cerca de 270 milhões de pessoas, a família austronésia inclui quase todas as línguas da Indonésia, Micronésia e Polinésia. Surpreendentemente, 2 % (25 línguas da Malásia, Indonésia e Brunei) do total de línguas austronésias atuais são faladas por 87% dos falantes de línguas desta família.

É possível que os falantes da pré-protoaustronésia, talvez agricultores de arroz do delta do Yang-Tsé, pertencessem a um subgrupo de uma família linguística sino-tibetana, falada cerca de 8.000 anos atrás. Indícios dessa afirmação são encontrados nas reconstruções tonais e monossilábicas do protoaustronésio, que parecem lembrar muitas das línguas e famílias linguísticas da China e do sudeste asiático.28

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Deslocados por intrusos falantes de sino-tibetano do norte, é possível que os falantes do protoaustronésio tenham chegado à Ilha de Taiwan vindos do sudeste, cerca de 6.000 a 5.000 anos atrás.29 Assim, Taiwan permaneceu exclusivamente habitada por falantes de austronésio até a invasão chinesa no século 17 d.C, que levou os falantes de austronésio para o interior montanhoso; hoje, restam apenas 200.000 falantes de austronésio, apenas 1 % da população de Taiwan.

LÍNGUAS INDIANAS

A primitiva convolução linguística do subcontinente indiano lembra o que ocorreu na África, na Ásia e na América do Sul. Já nos primórdios, muitas grandes famílias linguísticas, cujas origens estão obscurecidas pela passagem do tempo, lutavam pela supremacia. Por outro lado, arqueólogos identificaram uma continuidade notável na antiga cultura hindu que vai de 8.000 a 1.000 a.C. É geralmente aceito que a família dravídica — sem nenhum cognato identificável entre as línguas do mundo — foi a família linguística nativa mais amplamente distribuída da Índia, quando os falantes do indo-europeu entraram pela primeira vez pelo noroeste mais de 3.000 anos atrás. (As línguas indo-iranianas, extremamente populosas na Índia são indo-europeias.) A cultura altamente avançada do Vale do Indo, 4.000 anos atrás, pode muito bem ter sido elaborada, por exemplo, por falantes do protodravídico. A superfamília dravídica, hoje falada por cerca de 175 milhões de pessoas, é a quarta maior do mundo e inclui 24 grandes subfamílias.30 Embora algumas poucas línguas dravídicas tenham sobrevivido no norte da Índia — Baluchistão oriental (centro do Paquistão), por exemplo, a língua dravídica bahui ainda é falada atualmente — as principais línguas dravídicas estão hoje localizadas no sul da Índia (télugo, tâmil, kanarese e malaiala).

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A classificação das outras línguas nativas da Índia é difícil. Elas podem muito bem representar relíquias de famílias muito grandes que foram marginalizadas durante muitos milhares de anos, primeiro pelos dravidianos, depois pelos indo-europeus. Semelhante ao basco na Europa, a língua burushaski, do noroeste da Índia, por exemplo, não tem nenhum cognato identificável. As populosas famílias linguísticas munda, mon-khmer e annam-muong da Índia oriental pertencem à família austro-asiática que entrou no território indiano pelo sudeste asiático muito tempo atrás.

LÍNGUAS EUROPEIAS

Evidentemente também existiram muitas famílias linguísticas na Europa, onde várias espécies humanas prosperaram por centenas de milhares de anos. Quase todas essas famílias desapareceram sem deixar rastros. Uns poucos nomes pré-indo-europeus (acredita-se) sobreviveram em escritos primitivos, como os pictos ou cruithne na Escócia (que, porém, podem ter sido celtas primitivos), os lígures do sul da França e oeste dos Alpes, os etruscos da Itália e os bascos do norte da Espanha e sudoeste da França. Os últimos exigem um lugar especial na pré-história da Europa.

Nomeados em relatos romanos de 2.000 anos atrás, os bascos representam geneticamente um tipo paleolítico que evidentemente já foi mais espalhado pela Europa Ocidental, aparentemente relacionado com os aquitanos do sudoeste da Gália da era romana. Expulsos para a periferia geográfica dos Pirineus, pelos celtas falantes de gaulês, os bascos falavam uma língua — o basco — não relacionada com nenhuma língua viva conhecida, embora seu vocabulário seja permeado por palavras emprestadas do celta, do gótico e do itálico. (Linguistas mais antigos deduziram uma ligação por meio do antigo liguriano às línguas caucásicas da Ásia Ocidental.)

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Hoje, a maioria dos especialistas aceita que os falantes do basco ocuparam, ou evoluíram linguisticamente, a região basca antes do primeiro contato com línguas indo-europeias, neste caso, célticas. Embora alguns pesquisadores tenham proposto que os bascos e sua língua possam ser descendentes diretos dos Homo sapiens colonizadores originais da Europa, 50.000 anos atrás, a proposta parece forçada, pelo menos no que diz respeito à língua (a questão genética permanece aberta, como se verá a seguir). Os bascos, ou sua língua, podem muito bem ter precedido os primeiros intrusos célticos por poucos milhares de anos. Os bascos parecem geneticamente mais distintos dos vizinhos espanhóis do que dos franceses, uma vez que seu perfil genético se difundiu gradualmente na região de Garona (antiga Aquitânia). Os dez principais dialetos bascos são atualmente falados por cerca de 700.000 pessoas, em sua maioria no norte da Espanha.

Quase três milênios atrás, os territórios dos falantes do basco foram invadidos pelos celtas que falavam o gaulês, uma língua indo-europeia atualmente extinta. O indo-europeu é uma superfamília linguística — a mais bem-sucedida da história — que inclui quase todas as línguas faladas atualmente na Europa e suas vastas ex-colônias, das Américas à Nova Zelândia. (O inglês, por exemplo, é uma língua indo-europeia da subfamília germânica e subsubfamília germânica ocidental.) Geralmente se assume que guerreiros montados da Europa Oriental conquistaram toda a Europa e substituíram as línguas nativas pelo seu próprio protoindo-europeu. Essa interpretação foi posta em questão na década de 1980, pela teoria que diz que os indo-europeus chegaram na Europa no fim da última Era Glacial, 10.000 anos atrás, vindos do Oriente Médio — não como guerreiros, mas sim como agricultores que plantavam e colhiam.31 Segundo a nova teoria, esses novos migrantes entraram gradualmente na Europa, cerca de um

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quilômetro por ano, absorvendo as populações que caçavam e coletavam. Sua linguagem 'superior' primeiro dominou, e depois suprimiu todas as línguas locais enquanto a agricultura substituía lentamente a caça e a coleta.

Porém, por sua vez, tanto geneticistas quanto linguistas puseram em questão essa teoria. Os geneticistas apontaram que o perfil genético humano na Europa não teve alterações significativas nos últimos 50.000 anos: talvez técnicas agrícolas, ou mesmo novas línguas, tenham sido introduzidas por povos do Oriente Médio, cerca de 10.000 anos atrás, mas os residentes europeus não foram expulsos por outros povos. Os linguistas rejeitam uma substituição gradual da língua; também não há indícios linguísticos que apontem que os indo-europeus introduziram a agricultura na Europa numa época tão antiga — isso pode ter sido alcançado por um povo pré-indo-europeu, com a chegada dos indo-europeus da cultura de cerâmica linear muitos anos mais tarde, cerca de 3500 a.C, vindos não do Oriente Médio, mas da Europa Oriental.32

A ciência da linguística histórica argumenta que o lar original dos indo-europeus era o centro geográfico da área a partir da qual sua língua se expandiu — a Europa Oriental. Isso explicaria evidentes e extremamente antigas afinidades com as línguas fino-úgricas e o samoiedas da família urálica.33 Se essas afinidades são substanciais (uma comparação formal ainda está pendente), há, então, a possibilidade de que o indo-europeu e o urálico tenham uma língua ancestral comum, ou representem a convergência heterogênea de duas ou mais línguas diferentes, porém contíguas, falada no extremo oriente da Europa cerca de 7.000 anos atrás.

O povo da cultura de cerâmica linear, talvez os primeiros indo-europeus a entrar na Europa Central, cerca de 5.500 anos

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atrás, teria substituído aqueles agrupamentos muito antigos e dispersos de povos celto-itálicos, germânicos e talvez balto-eslavos, que perseveraram nos milênios subsequentes. Então, cada língua indoeuropeia individual evoluiu em seu próprio solo: ela não era uma 'invasora', mas sim, nativa.

Consequência de um mecanismo histórico, às vezes difícil de entender, as línguas europeias nativas conhecidas atualmente surgiram apenas como resultado de muitas forças. Linguisticamente, o grego moderno, o francês e o inglês surgiram do mesmo modo que o protogrego, o itálico e o germânico emergiram anteriormente, evoluindo a partir de conjuntos tribais mais antigos por meio de uma miríade de processos específicos da língua. O perfil genético das línguas europeias modernas revela que as línguas dos minoritários invasores indo-europeus foram bem-sucedidas em quase todos os lugares, substituindo as línguas nativas dos moradores majoritários, com exceção do território basco e da região norte da Escandinávia e do Báltico. Então, o indo-europeu se diferenciou, ou seja, gerou línguas descendentes, sobre substratos variados e dinâmicos ou línguas subjacentes, um processo que produziu a extremamente rica e culturalmente significativa superfamília linguística que o indo-europeu se tornou nos últimos 5.500 anos.

Documentada em registros escritos em quase 4.000 desses anos, o indo-europeu compreende hoje uma das famílias linguísticas mais prósperas do planeta (ver ilustração 6).34 Só o inglês, que é apenas uma das mais de 100 línguas descendentes do indo-europeu, distribuídas em oito subfamílias modernas (céltica, germânica, românica, albanesa, grega, balto-eslava, armênia e indo-iraniana), pode atualmente contar com mais falantes de primeira e segunda línguas do que o mandarim chinês, até então detentor do recorde linguístico.

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6 Árvore genealógica das línguas Indo-europeias (resumida).

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Protoindo-europeu

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Na segunda metade do século vinte, o inglês se tornou a língua dominante da comunicação global e o mais próximo que a humanidade já chegou de uma linguagem mundial. O indo-europeu também compreende a família linguística mais estudada do planeta e, nos séculos dezoito e dezenove, serviu, principalmente por intermédio do sânscrito, como origem da ciência linguística moderna.35

Quanto mais para trás vai a pesquisa linguística, menos se consegue reconstituir uma língua autêntica. Isso acontece porque o método comparativo de reconstituição linguística não permite o mesmo tipo de Viagem no tempo' que outras ciências. A paleolinguística é limitada a um grande corpus de itens compartilhados que devem, então, permitir comparações léxicas (palavras) e fonológicas (sistemas sonoros significativos) entre línguas. Quando esse corpus fica pequeno demais — como ocorre num longo período de separação física entre tribos relacionadas — as correspondências sonoras sistemáticas entre as línguas simplesmente desaparecem.36 Reconstituições além de um certo ponto temporal se dissolvem em especulações vãs para a necessidade de dados comparativos concretos. 'Não é nem sensato nem prudente procurar uma árvore genealógica ou árvores genealógicas'.37 Esse ponto temporal fica cerca de 10.000 anos atrás para uma amplitude muito grande de protofamílias linguísticas, e a maior parte de suas especulações, mas apenas cerca de 6.000 ou menos para protolínguas específicas, como a protoindo-europeia. Em relação à antiguidade do ser humano, isso é muito recente.

Contudo, o fim da última Era Glacial, 10.000 anos atrás, foi um grande ponto de virada na história da humanidade. Foi uma era de grande diversidade linguística. Até então, bolsões isolados de sociedades primitivas só haviam interagido ocasionalmente.

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Esse isolamento natural engendrou um grande número de pequenos agrupamentos linguísticos autônomos, cujo estado normal era, talvez, de equilíbrio e mudanças modestas e graduais, quase sempre por meio da difusão regional. O enorme aumento populacional humano que se seguiu após a última glaciação, talvez de um modo paradoxal, reduziu a diversidade linguística da humanidade, porque na época, o aumento da população estabeleceu não apenas famílias linguísticas maiores, mas também casos de uma única língua (como o mandarim chinês) com um número de falantes sem precedentes.

O aumento do poder econômico e político na sociedade humana, como regra, gera unidades linguísticas homogêneas cada vez maiores, que então suprimem as menores. Esse sistema sinergístico cresce exponencialmente até que, no fim, apenas um número muito limitado de línguas e famílias linguísticas sobrevive. Essa é a situação linguística do mundo atual, com um número de línguas que diminui rapidamente, apesar do excesso populacional. Talvez também por esse mesmo motivo, é essencial que nós compreendamos a abundante paisagem linguística de 10.000 anos atrás, provavelmente o limite absoluto da reconstituição linguística: foi este o funil pelo qual os ancestrais de todas as línguas sobreviventes atravessaram.

Análises genéticas recentes revelaram que, através dos séculos e milênios, geralmente as línguas, e não os povos, são substituídas. Ou seja, novas línguas são prontamente absorvidas por populações relativamente estáveis. Desse modo, por exemplo, os pré-celtas das Ilhas Britânicas e Irlanda adotaram as línguas dos celtas minoritários, quando esses indo-europeus entraram em seu território. Seus descendentes, muitos séculos depois, de maneira semelhante, adotaram a

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língua dos minoritários germânicos ocidentais ('anglo-saxões') que invadiram suas terras, embora o perfil genético dos moradores insulares tenha permanecido relativamente o mesmo. Esse é um fenômeno que ocorreu inumeráveis vezes em todo o mundo. Em toda a história, as sociedades humanas usaram novas línguas como capas. As metamorfoses linguísticas sempre passaram despercebidas — até a escrita.

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Linguagem escrita

'Um escriba, cuja mão se iguala à boca é um escriba de verdade', escreveu, em argila, um sumério anônimo, cerca de 4.000 anos atrás, e com a frase, ele capturou a essência da escrita.1 A escrita não 'evoluiu' gradualmente a partir de desenhos mudos. Ela começou imediatamente como a expressão gráfica da própria fala humana, e assim permaneceu. Mesmo o mais antigo hieróglifo egípcio de cerca de 3400 a.C, que imortalizou um chacal, teria evocado imediatamente na mente de seu leitor a palavra egípcia para 'chacal'.

Não houve uma pessoa que 'inventou' a escrita. Ela surgiu pela primeira vez numa ampla faixa que vai do Egito até o Vale do Indo, aparentemente como resultado da melhora de um antigo sistema de contagem e classificação. Um negociante ou funcionário melhorou esse sistema descrevendo pictoricamente o bem que estava sendo

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contado, medido ou pesado, para diminuir as ambiguidades. Embora todos os glifos (abreviação para hieróglifo) primitivos compreendessem figuras simples, mesmo os mais rudimentares representavam um significado fonético ou sonoro tirado diretamente da língua.

O modelo mais básico de linguagem escrita compreende três classes gerais, com muitas variantes transicionais e combinações (escritas mistas):2

— Uma escrita logográfica permite que um glifo represente um único morfema (a menor unidade linguística significativa, como 'mão') ou uma palavra inteira ('chacal', como no primitivo hieróglifo egípcio).

— Uma escrita silábico, compreende glifos que têm significados apenas silábicos-fonéticos (por exemplo, ko-no-so para 'Konossos', nos escritos egeus da Era do Bronze).

— Uma escrita alfabética permite que glifos, chamados 'letras', representem vogais e consoantes individuais (a, b, c, como no alfabeto latino).

Com o tempo, a maioria dos escritos históricos reflete uma mudança de classe, em que a semântica anterior, ou sentido, é gradualmente substituída pelo conteúdo fonético ou sonoro: desse modo, os sistemas logográficos tendem a se tornar sistemas silábicos. Em contraste, o sistema alfabético permanece único: uma vez desenvolvida — iniciada no Levante e terminado na Grécia — a escrita alfabética foi subsequentemente adotada por centenas de línguas. Hoje, o sistema de escrita alfabético é o único usado para representar graficamente línguas anteriormente sem escrita.

É possível que a ideia da escrita tenha surgido uma única vez na história humana, e depois imitada por muitas sociedades. Até bem

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recentemente, a maioria dos pesquisadores acreditava que esse surgimento havia ocorrido somente no sul da Mesopotâmia (hoje, sudeste do Iraque).3 Porém, novos indícios arqueológicos tornam urgente a consideração de que a escrita primitiva se desenvolveu num território mais amplo, que se estende do Egito até o vale do Indo. Através da 'difusão estimulada — a transmissão de uma ideia ou costume de um povo a outro — a ideia da utilidade de mecanismos de escrita, onde quer que tenha sido sua origem, inspirou seus vizinhos a criar seus próprios sistemas de escrita de maneira semelhante, embora gráfica e foneticamente únicos.4 Em algumas culturas, a linguagem escrita alcançou a veneração, como no caso dos hebreus de Canaã, os antigos germânicos e habitantes da Ilha de Páscoa. Nesses casos, a arte gráfica da escrita, e não necessariamente a mensagem transmitida, se tornou algo à parte da existência cotidiana, uma comunicação transcendental a ser praticada apenas por escribas ou sacerdotes. Na história, o próprio ato de escrever foi frequentemente considerado um processo mágico.

Um darwinista considerado um dos fundadores da antropologia moderna proclamou que a evolução da sociedade da 'barbárie' à 'civilização' foi possível primeiro e antes de tudo pela capacidade de ler a linguagem escrita.5 Pode-se ir além, como acredita-se atualmente, considerando a escrita como o principal lubrificante da sociedade: a escrita não permitiu o desenvolvimento social, mas facilitou em muito a mudança social. Também pode-se optar em evitar a identificação de 'estágios' no uso da escrita. As três classes de escrita — logográfica, silábica e alfabética (e seus usos transicionais e mistos) — são, cada uma delas, maximizadas por uma língua, uma sociedade e uma era particulares.

Sistemas de escrita são ajustados com a mudança das línguas através do tempo, ou então um sistema de escrita vizinho é tomado

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emprestado e radicalmente alterado para se encaixar numa língua diferente. As três classes não são graus qualitativos nem estágios de um modelo de evolução da escrita; são simplesmente diferentes formas de escrever, às vezes, usadas para acomodar novas e diferentes necessidades.6

As línguas podem 'evoluir', ou seja, se desenvolver de maneira livre da intervenção intencional humana, mas os sistemas de escrita são modificados propositalmente por agentes humanos para alcançar determinados objetivos específicos. O objetivo mais comum é uma melhor reprodução gráfica da língua falada do escritor. Com o passar dos séculos e milênios, pequenas modificações constantes num sistema de escrita resultam numa enorme diferença na aparência e uso de um manuscrito.7 Mesmo mais de 2.000 anos depois, o atual alfabeto latino, descendente dos mais antigos hieróglifos egípcios, ainda está experimentando, simultaneamente em muitas línguas diferentes, a adição de um novo sistema de sinais externos — ou, devido a novas tecnologias, a expansão semântica de sinais antigos — como %, ¥, ™, ©, e mais recentemente, @ e // com a internet.

Nas sociedades em que a capacidade de ler e escrever é limitada a poucas pessoas selecionadas, parece que a escrita tem poucos efeitos sobre a língua falada.8 Mas em sociedades em que essa capacidade é difundida, o impacto da escrita é profundo. A escrita preserva a língua falada, nivela, padroniza, determina, enriquece e gera muitos outros processos orientados pela língua com implicações sociais de amplo alcance. A sociedade humana como conhecemos não pode existir sem a escrita. A aquisição da capacidade de ler e escrever se tornou, no mundo moderno, a segunda capacidade mais importante, perdendo apenas para a aquisição da própria língua. A inspirada elaboração da escrita a tornou, em pouco mais de 5.000 anos, quase tão indispensável à humanidade quanto as línguas que ela transmite.

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Traços de sistemas de escrita apareceram e desapareceram na história. Tanto eles quanto as dezenas que estão atualmente em uso em todo o mundo não devem nos retardar nesta história da linguagem. (Ao leitor curioso, recomenda-se alguns excelentes trabalhos.)9 Merecem um exame mais detalhado os escritos que deram voz às mais primitivas culturas do planeta, e engendraram famílias inteiras de escritas e aqueles que hoje dominam o mundo. Surpreendentemente, apenas três principais tradições guiaram efetivamente o curso da linguagem escrita: a do Egito e Suméria, aqui chamada de escrita afro-asiática; a da China, ou escrita asiática; e a da Mesoamérica.

ESCRITA AFRO-ASIÁTICA

Talvez os povos afro-asiáticos tenham sido os únicos na história a elaborar uma escrita sem inspiração externa. Em todas as outras partes do mundo, a escrita serviu às prerrogativas dos sacerdotes e propagandistas, implicando um empréstimo cultural para a obtenção de prestígio e poder. Apenas nas terras do Egito até o Vale do Indo a escrita surgiu a partir de uma necessidade mundana: contabilidade.

Placas de argila datadas de 8.000 a.C. na Mesopotâmia, a 'terra entre os rios' Tigre e Eufrates, podem ter sido as primeiras precursoras da escrita fonética.10 Nos povoamentos agrícolas mais primitivos da região, quantidades de grãos e número de animais foram computados por meio de formas, como pratos e cones, feitas de argila. Após a incursão dos sumérios na área, que adotaram nomes de cidades e profissões e o sistema de contagem dos moradores locais, novas formas e mesmo marcas, estampadas com estiletes de junco estavam sendo desenvolvidas para incluir mais informações sobre contagem de jarras de azeite e vinho e unidades de terra. Quando os sumérios projetaram 'envelopes' de bolas ocas feitas de argila para colocar essas placas

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de contagem, outras placas, reproduzindo o conteúdo dos envelopes foram estampadas em sua superfície exterior, e 'lidas' como um rótulo. Em tempo, os marcadores contábeis do interior dos envelopes se tornaram supérfluos, uma vez que a impressão exterior já comunicava o bem e a quantidade.

Parece que os egípcios e os harappeanos do Vale do Indo, que mantinham um comércio ativo com os sumérios, adotaram bem cedo este, ou um método semelhante de contagem, com o uso de figuras-símbolos identificáveis para representar sons falados: via-se um objeto reconhecível e simplesmente pronunciava-se seu nome em voz alta. Tal símbolo é chamado de pictograma, e a escrita que usa pictogramas é chamada de escrita pictográfica. Os egípcios, por sua vez, sofisticaram esse processo, reduzindo as figuras a morfemas e sinais puramente fonéticos para melhor reproduzir a língua egípcia. No fim, nasceu um sistema de escrita logográfica, totalmente capaz de transmitir sentenças gramaticais da língua falada. Era a escrita como atualmente a conhecemos.

Descobertas recentes em Abidos, o mais antigo 'centro de poder' do Alto Egito, revelaram que os egípcios do local usavam uma escrita logográfica ou hieroglífica mais refinada já em 3400 a.C. Durante o período pré-dinástico Gerzean, ou Naqada II, antes da união das províncias locais, os governantes do Alto Egito estavam consolidando gradualmente sua base de poder, criando uma administração central mais eficiente para cumprir seus ousados planos de unificação do Alto e do Baixo Egito num único reino. O centro de qualquer administração é, como sempre, o controle da informação. Com a nova escrita logográfica, que podia capturar e sustentar a lei real e permitia uma contabilidade controlada, com suas óbvias vantagens econômicas, os intermediários do poder do Alto Egito tinham um

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veículo para avançar o processo de centralização política. É possível que a escrita hieroglífica do Egito tenha surgido como resultado imediato da dinâmica social que levou à unificação do Alto e do Baixo Egito. A nova escrita também se encaixava perfeitamente bem à estrutura particular da língua afro-asiática do Egito — na verdade, bem mais do que qualquer um dos nossos alfabetos modernos conseguiria se encaixar. Isso também pode explicar por que o sistema de escrita logográfica dos egípcios sobreviveu quase sem mudanças em sua base por mais de 36 séculos, mais do que qualquer outro sistema de escrita da história da humanidade.11

Há três formas de escrita egípcia antiga. A mais importante são os hieróglifos (uma posterior denominação grega errada para o termo 'entalhe sagrado') de uso principalmente monumental ou ritualístico. As duas escritas cursivas (a escrita cursiva flui livremente com caracteres unidos), a hierática e a bem mais tardia escrita demótica, que normalmente eram escritas com tinta em papiros.12 Porém, as três escritas só se diferenciam na aparência externa. Todas as três são, essencialmente, uma única escrita.13 A escrita hieroglífica consistia, originalmente, de cerca de 2.500 glifos, mas apenas cerca de 500 deles eram usados regularmente. Esses glifos consistiam da reprodução gráfica do objeto nomeado: o glifo de uma 'mão' era pronunciado drt, e o da 'lótus' ssn. (Normalmente, os egípcios não designavam o som das vogais, só o das consoantes.) Outros hieróglifos são apenas sugestivos: por exemplo, wnm, que significa 'comer', consiste de um homem sentado com uma mão na boca. Os glifos podem ser objetos, ações, ou mesmo abstrações. Eles também podem ser usados homofonicamente, com uma palavra servindo para significar outra de som parecido: a palavra db que significa 'dedo', também era usada para representar db, que significa '10.000'. Cerca de 26 glifos representavam apenas

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uma consoante, outros 84 representavam duas consoantes. 24 outros eram sílabas (silabogramas).14 Cerca de 100 glifos determinativos-impronunciados que 'determinavam' ou identificavam a classe à qual o respectivo glifo pertencia — seguiam-se após os glifos fonéticos (sonoros). Uma única barra embaixo de um glifo significava que ele era um logograma; duas barras abaixo significavam dois do objeto retratado; e três significavam que havia três ou mais (ver ilustração 7).

Os hieróglifos egípcios parecem ter assumido suas formas padronizadas e significados sonoros muito antes da Primeira Dinastia, cerca de 5.400 anos atrás; na época, produzindo um sistema de escrita misto com várias centenas de logogramas, silabogramas e determinativos. Apenas dessa forma poder-se-ia escrever coisas que iam além de objetos específicos e facilmente determináveis. Por exemplo, dizia-se par para 'casa' ou 'sair', mas escrevia-se apenas pr para ambos, que, mais tarde, os escribas usaram para palavras que não tinham qualquer relação com 'casa' nem 'sair', quase sempre anexando determinativos para identificar qual palavra específica ela significava. Embora na época tenham surgido 26 glifos específicos para consoantes, eles nunca se desenvolveram num alfabeto. Porém, no segundo milênio a.C, eles talvez tenham inspirado os silabários protoalfabéticos (conjuntos de símbolos que representam sílabas) do Levante, e em última análise, nosso próprio alfabeto.15

Os hieróglifos egípcios eram mais frequentemente escritos com tinta em papiro, couro e óstraco (fragmentos inscritos em cerâmica). Isso permitiu que uma escrita cursiva — mais tarde chamada de hierática — se desenvolvesse no final da Segunda Dinastia, cerca de 2600 a.C, para facilitar a escrita da contabilidade do governo central. As características pictóricas dos escritos iniciais haviam sido estilizadas até se tornarem irreconhecíveis, ao mesmo tempo e do mesmo modo

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que a escrita cuneiforme dos sumérios no Oriente Médio. Embora os liieróglifos tenham sido preservados pela lei e pela tradição, a escrita cursiva foi desenvolvida separadamente, o que permitiu mudanças contínuas. Surgiram diferentes caracteres, dependendo do propósito da escrita cursiva: oficial, pessoal, profano ou religioso.16 Na Vigésima Quinta Dinastia, no sétimo século a.C, era usada uma forma cotidiana de escrita cursiva, chamada demótica; ela contava fortemente com expressões abreviadas e era usada em todas as transações administrativas e comerciais. Com a introdução do cristianismo no terceiro século d.C, as três escritas egípcias foram substituídas por uma escrita descendente dos hieróglifos muito posterior, a escrita alfabética grega, que, junto ao o alfabeto cóptico, passou a ser usada para escrever a língua egípcia.

Cerca de 3100 a.C, talvez através de uma inspiração de seus parceiros comerciais egípcios, os sumérios já haviam substituído seus rótulos externos por simples tabletes impressos que usavam marcas logográficas indicando unidades, medidas e pesos.17 O sumério é uma língua monossilábica com muitos homônimos, ou seja, palavras com o mesmo som e diferentes significados, como em português, os homônimos cesta e sexta. Isso cria ambiguidades para a escrita logográfica, em que um glifo representa um morfema ou uma palavra inteira. Os sumérios encontraram uma maneira de evitar a confusão, novamente, talvez emprestando uma ideia dos egípcios: eles arquitetaram glifos puramente fonéticos para ajudar na identificação dos logogramas. Esses glifos fonéticos foram particularizados, novamente do mesmo modo que faziam os egípcios, usando o princípio rebus (no qual as figuras representam partes da palavra): por exemplo, em inglês a palavra betray seria representada por uma abelha ‘bee’ e uma bandeja ‘tray’ . (Desde então, o princípio rebus foi usado inúmeras vezes em todo o

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'Ilumine sua face, abra seus olhos'

Os sons s e hd são sugeridos pelo gancho e o bastão de cabo longo, produzindo shd, que significa 'ilumine'. O sol repete esse significado funcionando como um determinativo. A cesta é um sufixo masculino, significando 'você'. Portanto, 'Que você ilumine'.

O rosto é a 'face' e o som hr. A vareta diz ao leitor: 'o que se lê aqui é o objeto que se vê'.

A serpente com chifres é o sufixo masculino -f, significando 'ele', 'dele' ou 'seu'.

A lebre é wn e também a palavra para 'aberto'. Isto também é apoiado para o sinal ondulado, lido como um n.

Os dois determinativos seguintes são uma porta de lado (então também está 'aberta') e um antebraço agarrando uma vara (sugerindo 'esforço').

Novamente a cesta é um sufixo masculino, significando 'você'. Ele pertence aos quatro sinais anteriores e produz a leitura 'que você abra'.

Os dois olhos significam 'isto mesmo', reproduzindo a palavra irty.

Novamente a serpente com chifres significa 'ele' (relacionando-se com os dois olhos acima), enquanto os dois sinais em diagonal apontam para a dualidade dos olhos.

7 Como funcionam os hieróglifos egípcios: no sarcófago do rei Amenhotep II, a imagem da deusa Isis invoca sua bênção ao deus da terra, Geb.

mundo.) Porém, como há homônimos demais na língua suméria, a escrita fonética se mostrou insuficiente. Então, os sumérios passaram a usar determinativos, mais uma vez, do mesmo modo que os egípcios. Por exemplo, os nomes de todos os deuses e deusas sumérios

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eram acompanhados com um asterisco * quando escritos. O sistema de escrita sumério só conseguiria reproduzir elementos gramaticais graficamente após desenvolver significados silábicos dos logogramas, depois do desenvolvimento do método egípcio. Só então ela se tornou uma escrita verdadeiramente útil, capaz de ser usada também por falantes de outras línguas.

Em 2500 a.C, uma técnica de escrita muito sofisticada que rivalizava com os hieróglifos egípcios em sua simples eficiência havia se desenvolvido na Suméria: os sumérios usavam um estilete com uma ponta arredondada triangular que podia ser facilmente manuseado para formar impressões cuneiformes em argila mole numa rápida sucessão.18 Os glifos não eram mais objetos reconhecíveis que evocariam imediatamente uma palavra da língua suméria, mas sim formas padronizadas e abstratas feitas com impressões sucessivas com o estilete. Isso aumentou em muito a capacidade do sistema em formar palavras individuais. Nos 500 anos seguintes, foi criado um corpus ativo de cerca de 600 glifos, capaz de expressar qualquer coisa na língua suméria, e com eles, o mais antigo documento literário do planeta foi impresso em argila.

Não era mais apenas a língua suméria que podia ser lida na escrita cuneiforme. Começando cerca de 2600 a.C, os semitas orientais acádios invadiram seu território e começaram a assimilar a cultura suméria não semítica e, cerca de 2400 a.C, assimilaram também a escrita cuneiforme suméria.19 Com ela os acádios desenvolveram sua gloriosa cultura babilônica. (Foram os acádios que deram o nome 'Suméria' para a região.) Embora os sumérios já houvessem sido totalmente absorvidos pelos acádios cerca de 1800 a.C, sua língua sobreviveu nas leituras dos escritos cuneiformes sumérios feitos pelos acádios. Os acádios também liam os mesmos glifos na língua acádia,

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conferindo duas leituras diferentes para cada glifo.20 Devido ao poderoso império babilônico dos acádios, nos séculos seguintes vários vizinhos adotaram a escrita cuneiforme suméria-acádia em suas próprias línguas, fazendo alterações e adições para melhor reproduzir suas diferentes fonologias.21 Quando os hititas indo-europeus adotaram a escrita cuneiforme, cerca de 1600 a.C, seus escribas adicionaram um novo significado hitita aos já presentes significados sumérios e acádios para cada glifo. Assim, cada glifo cuneiforme hitita poderia, teoricamente, ser lido de três maneiras diferentes. Porém, o hábil uso hitita de determinativos reduziu em grande parte qualquer ambiguidade potencial.

Em 1400 a.C, a escrita cuneiforme era a escrita internacional da diplomacia e do comércio. Mesmo o poderoso Egito usava a escrita cuneiforme em suas correspondências diplomáticas com os vizinhos do nordeste. Grandes bibliotecas de escritos cuneiformes foram acumuladas por poderosos governantes semitas e hititas: Assurbanipal, da Assíria (669-633 a.C.) possuía uma biblioteca de escritos cuneiformes em Nineveh, que chegou a portar quase 25.000 tabletes de argila com inscrições. A expansão cuneiforme diminuiu, depois parou. Nos primeiros séculos d.C, o uso da escrita cuneiforme se restringiu à Babilônia, onde continuou sendo usada em escolas de astronomia até 50 d.C, quando a escrita cuneiforme finalmente sucumbiu à muito mais influente escrita consonantal semítica.

Uma ramificação anterior da escrita logográfica suméria pode ser a ainda indecifrada escrita da civilização do Vale do Indo, onde hoje fica o leste do Paquistão. Cerca de 4.600 anos atrás, surgiu a primeira sociedade urbana do Vale do Indo, com duas cidades densamente populosas com ruas pavimentadas e sistema de água. Harappa, no norte; e Mohenjo-daro, no sul. Ambas influenciavam uma região maior do

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que o Antigo Egito.22 O povo do Vale do Indo desenvolveu um tipo único de escrita em tabletes de cobre esculpidos e selos de esteatita (pedra-sabão). Uma protoforma dessa escrita, aparentemente datada de 3500 a.C, aparece em fragmentos de cerâmica de Harappa. Características de selos harappianos foram encontradas em cidades mesopotâmicas dentro de contextos arqueológicos que datam de 2500 a.C. Vários milhares de tais selos foram encontrados no próprio Vale do Indo, objetos normalmente quadrados ou retangulares com intricadas figuras esculpidas representando animais, bestas míticas, pessoas fantasiadas, e assim por diante. Porém, a escrita não está nesses desenhos, e sim nos cerca de cinco glifos que normalmente os acompanham. O número total de glifos autônomos na relação dos milhares de selos ilustrados do Vale do Indo é de cerca de 400, porém muitos deles são obscuros e não padronizados. Como o número de glifos é grande demais para uma escrita alfabética ou silábica, presume-se que eles expressem algum tipo de escrita logográfica, talvez identificando um dono pelo nome.23 Embora tenha sido proposto que a escrita reproduz uma antiga língua dravídica,24 não há nenhum indício concreto que aponte para isso. A civilização do Vale do Indo entrou em declínio cerca de 1900 a.C, por motivos desconhecidos.

O sistema hieroglífico egípcio, que também incluía 24 sílabas, pode ter gerado a primitiva escrita semítica ocidental, com 22 sílabas, baseada no princípio acrofônico ou da consoante inicial.25 O silabário semítico ocidental gerou então as escritas arábica, mongol, manchu, síria, aramaica e pahlavi.26 Ele também inspirou o brahmi índico, que por sua vez gerou o devanágari — a escrita usada para o sânscrito entre muitas outras línguas modernas da Índia — assim como várias outras escritas do sul da Ásia. Todas essas escritas permaneceram silábicas, como sua fonte.

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No início do segundo milênio a.C, a escrita silábica semítica ocidental da cosmopolita cultura cananita, com seu sistema integrado de economias e diplomacia internacional, também inspirou as várias escritas silábicas dos gregos indo-europeus, evidentemente através de Chipre. Os gregos haviam ocupado a área da Grécia moderna no terceiro milênio a.C. e então, vários séculos depois, com o domínio da região, haviam iniciado um relacionamento comercial com os muito mais ricos cananitas do Levante. Os gregos emprestaram do Levante apenas a ideia da escrita silábica; seus elaborados glifos e significados fonéticos eram totalmente egeus em forma e som, baseados no princípio rebus e usando uma forma muito primitiva da língua grega. (A tradicional teoria de que os pré-gregos da região haviam elaborado a primeira escrita egeia de modo independente parece insustentável.)

Entre as várias escritas silábicas usadas por muitos séculos pelos minoicos e micênicos de Creta, nas Ilhas Egeias e no continente grego, estava a famosa escrita hieroglífica de Creta (com variantes) e suas simplificações estilizadas linear A e linear B. Os mais de 4.000 fragmentos que sobreviveram constituem a mais antiga literatura europeia. Os escritos silábicos gregos foram evidentemente abandonados nos últimos séculos do segundo milênio a.C, com a introdução do eminentemente mais conveniente protoalfabeto, também vindo do Levante. A ilha de Chipre, na periferia da Grécia, manteve uma arcaica escrita silábica reservada para uso especial até o segundo século a.C.27

Indícios da escrita alfabética mais antiga do mundo — que adorna as jarras de Gezer, onde fica hoje a área da moderna Israel — datam do século dezesseis a.C.28 Esse protoalfabeto, usado em Canaã como pictogramas, foi escrito 200 anos depois junto ao o alfabeto cuneiforme que serviu simultaneamente em Ugarit (moderna Rãs Shamrah, na Síria) e outras importantes cidades do Levante. Os

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escribas ugaríticos haviam mantido o material de escrita e a técnica da escrita cuneiforme primitiva, mas haviam inventado seus glifos e significados próprios.

Cerca de 1300 a.C, os escribas fenícios de Biblos elaboraram um silabário altamente simplificado usando glifos derivados do princípio acrofônico ou 'da consoante inicial'. Os fenícios semitas não acharam que a representação das vogais era necessária em seu silabário; entre outros motivos não linguísticos para não usar a escrita egípcia, neste caso, é suficiente reconhecer que uma escrita silábica era mais conveniente que a escrita logográfica dos egípcios. (Línguas semíticas priorizam consoantes antes de vogais na formação de palavras.) Esse novo silabário levantino, um protoalfabeto que foi usado de várias formas por centros comerciais no final da Idade do Bronze, durou apenas até 1200 a.C, quando, junto ao alfabeto cuneiforme, sucumbiu ao alfabeto consonantal que havia se desenvolvido através do alfabeto pictográfico de Canaã da Idade do Bronze.29

Os gregos, ainda parceiros comerciais regulares, também adotaram esse novo alfabeto consonantal. Porém, eles logo descobriram que embora ele representasse eficientemente as línguas semíticas, a falta de vogais causava muitas ambiguidades no caso de uma língua indo-europeia, como o grego, em que as vogais são componentes gramaticais e produtores de sentido importantes. Eles perceberam que alguma coisa deveria ser feita para criar um alfabeto conveniente tanto para o escritor quanto para o leitor de grego. Essa 'alguma coisa' produziu o mais importante desenvolvimento da escrita desde seu surgimento em si: os gregos introduziram vogais no alfabeto consonantal levantino, e, desse modo, completando toda uma nova classe e escrita. A escrita alfabética grega permaneceu, desde essa época, essencialmente a mesma, a não ser em sua aparência externa: há quase 3.000 anos.

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A conquista grega foi tremendamente simples e impressionantemente eficiente (ver ilustração 8). Do glifo consonantal semítico hebraico ‘aleph, cujo pictograma original reproduzia um 'boi' — onde a consoante inicial ' representa a parada glotal semítica (como ã-hã em português), um fonema desconhecido em grego — os gregos usaram apenas o a do glifo, sem a parada glotal, criando com isso um sinal para uma vogai pura. Eles também emprestaram outra consoante inicial (o yodh semítico para ι) e inventaram duas novas 'letras' (glifos num alfabeto), até conseguirem sinais para todas as vogais puras necessárias na representação da língua grega: a (a), ε (é) ι (i) e ο (ó). Assim, os gregos montaram seu novo 'alfabeto', uma palavra composta das duas primeiras letras gregas aλΦa e βετa, para uma reprodução ainda mais fiel da língua grega como ela era falada. Primeiro, o η foi emprestado do glifo semítico heth para distinguir o ε longo do ε curto. De maneira semelhante Ω foi pensado — um o com a parte de baixo aberta — para distinguir o o longo do o curto. Os quatro sons gregos especiais υ (upsilon), f (phi, χ (chi) e ψ (psi) também foram todos elevados à categoria de letras individuais, talvez tiradas de significados cipriotas mais antigos.

No final desse processo os engenhosos escribas gregos estavam de posse de um pequeno e prático alfabeto de letras com consoantes e vogais individuais. Tudo o que eles tinham de fazer para escrever sua língua era combinar consoantes e vogais em sequências que formassem palavras inteiras, o mesmo método que usamos hoje. Em nenhum outro lugar do planeta a invenção independente de um alfabeto vocálico e consonantal se repetiu. Talvez mais significativamente, nenhum sistema de escrita conseguiu nada mais eminentemente útil para a maioria — embora não todas — das línguas do mundo.30

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Todas as escritas da Europa ocidental e oriental derivam do alfabeto grego, incluindo a deste livro. Ao encontrar o alfabeto grego, europeus pré-alfabetizados ou tomaram emprestada a ideia da escrita grega ou adotaram o alfabeto grego, com ou sem mudanças. As primitivas tribos germânicas, por exemplo, simplesmente emprestaram a ideia da escrita para elaborar seu sistema único de runas. Ele consistia de 24 sinais, em três séries de oito, usados para inscrições curtas, mais frequentemente em enterros. O texto germânico mais antigo, do primeiro século d.C, foi escrito em runas. Só no século dez, quando as tribos germânicas mais ao norte se converteram ao cristianismo e adotaram o alfabeto latino, o uso das runas cessou completamente. De modo semelhante, o irlandês e o galês primitivos, ao encontrar a escrita alfabética, desenvolveram sua própria escrita, chamada ogham. Ela consistia de linhas ou pontos precisos que se interseccionavam; um a cinco pontos, ou uma a cinco linhas, produzindo cinco sinais para vogais e quinze para consoantes, que poderia ir da esquerda para a direita, ou em ambas as direções ao mesmo tempo. A introdução do cristianismo viu a escrita ogham também sucumbir ao alfabeto latino.

Os etruscos do primeiro milênio a.C. usavam letras gregas para escrever sua própria língua. Atualmente, sua escrita, ainda não decifrada (a escrita é conhecida, mas não a língua), permite que se leia em etrusco, mas não que se entenda. No século quatro d.C, os povos eslavos usaram o alfabeto grego de Constantinopla para construir duas escritas eslavas: a cirílica, baseada nas letras maiúsculas e adotada na Rússia (a escrita russa atual, usada por centenas de milhões de pessoas), e subsequentemente em muitas outras línguas eslavas e mesmo não eslavas; e a Glagolítica, talvez derivada das letras minúsculas dos gregos por Santo Cirilo,

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Fenício Grego Arcaico Grego Clássico Latim

8 O desenvolvimento dos alfabetos grego e latino.

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apóstolo dos Eslavos, que atualmente sobrevive apenas na liturgia católica romana croata.

De longe, a mais importante adaptação do alfabeto grego foi feita pelos romanos que, cerca de 600 a.C, se depararam com a escrita grega em solo italiano por intermédio dos vizinhos etruscos. Os romanos mudaram muito pouco o original grego. Mais notavelmente, eles sonorizaram o C, que em latim tem o som de [k] e o escreviam como G. O subsequente poder militar e econômico romano viu o latim escrito ser usado em todo o mundo ocidental, também em línguas de origem não latina como as célticas e germânicas.

As modificações finais no alfabeto foram terminadas cerca de 800 d.C, quando a necessidade de uma base de escrita clara e clássica foi sentida pelos instruídos conselheiros de Carlos Magno. A letra V foi dobrada para se criar o W para o som [w]; o U foi inventado para se distinguir a vogai [u] da consoante V; e o J sofreu uma inovação para se distinguir da função consonantal da letra I. Mas o alfabeto atual é muito pouco diferente do usado pelos romanos 2.000 anos atrás. (Um romano antigo teria poucas dificuldades para pronunciar de modo aproximado os sons deste livro.) No terceiro milênio d.C, o alfabeto latino se tornou o sistema de escrita mais importante do planeta. Houve desdobramentos fascinantes dessa venerável tradição. Na América do Norte, cerca de 1820, Sequoyah, o líder dos cherokees, modificou a forma do alfabeto latino para criar 85 sinais silábicos — não alfabéticos — especiais para reproduzir a fonologia cherokee. Mesmo hoje, a escrita cherokee de Sequoyah pode ser lida em publicações religiosas e jornais cherokees. Entre 1905 e 1909, falantes de woleai das Ilhas Carolinas, no sul do Pacífico, remodelaram o alfabeto latino dos missionários europeus para criar, de maneira semelhante, uma escrita especial silábica capaz de

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Al + B > C Manu ma’u ika ra’ã Manu mau ika ra’ã Pássaro todos peixe sol

(Te) manu mau[falo: ki’ai ki roto ki} (te) ika: (ka pu te) ra’ã

Todos os pássaros copularam com o peixe: então originaram o sol.

9 Lendo a escrita rongorongo da Ilha de Páscoa.

expressar sua língua. Duas outras expansões nativas do alfabeto latino são a escrita silábica vai, de Duala Bukere no oeste da África, de 1834; e a escrita bamum, decretada pelo rei Nshoya, no centro de Camarões, a partir de 1900.

Com exceção dos escritos macáçar-buginese de Celebe e dos escritos bisaya das Filipinas — descendentes de sistemas de escrita vindos da Índia — o Pacífico permaneceu sem escrita até o final do século dezoito. Na verdade, a escrita era desnecessária nas antigas sociedades do Pacífico, uma vez que lá nunca se desenvolveram estados elaborados que exigissem contabilidade, e a literatura oral e a memória prodigiosa satisfaziam as exigências dessas sociedades, incluindo longas recitações genealógicas. Então, uma das escritas mais intrigantes do mundo foi

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elaborada na isolada Ilha de Páscoa, no extremo leste do sul do Pacífico.31 Emprestando a ideia da escrita, linearidade e direção da esquerda para a direita de visitantes espanhóis em 1770, os polinésios nativos da Ilha de Páscoa escreveram seus famosos rongorongos, com cerca de 120 logogramas básicos — pássaros, peixes, deidades, plantas, figuras geométricas e assim por diante — que aceitam vários semasiogramas (glifos que indicam diretamente ideias, sem o uso da língua) como conexões, resultando numa escrita solta mista com glifos principais, fusões, conexões e componentes. A escrita não se tornou repentinamente 'necessária' na Ilha de Páscoa primitiva. O mana, ou 'força sócio-espiritual', da escrita dos visitantes estrangeiros, com seus grandes navios, espingardas e canhões, foi explorado para restabelecer a autoridade decadente da classe dominante da ilha, o líder e seus sacerdotes. A maioria, embora não todas, das 25 inscrições rongorongo preservadas estão em madeira, e parecem compreender produções simples no 'estilo telegrama Al + B > C, como: 'Todos os pássaros copularam [com o] peixe: [então originaram o] sol' (ver ilustração 9).

ESCRITA ASIÁTICA

Talvez inspirada pelas escritas ocidentais, a escrita chinesa se originou no segundo milênio a.C. com uma representação simples e padronizada de objetos em ossos, varas de bambu, tabletes de madeira e, muito raramente, seda, cujos nomes deveriam ser pronunciados em voz alta. Como regra, escrevia-se de cima para baixo, em colunas que iam da direita para a esquerda. Com o tempo, as representações passaram a ser cada vez mais estilizadas. Isso permitiu uma escrita mais rápida e eficiente. Assim, a escrita relacionada com a figura também poderia ser usada por mais falantes, numa área mais ampla.

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A engenhosidade da escrita chinesa está nas possibilidades combinatórias, que já estavam totalmente desenvolvidas no final do segundo milênio a.C.32 Dois glifos primitivos ou wen (originalmente pictogramas), como 'árvore' e 'sol', criam um novo glifo derivado ou dze — 'leste', o sol nascendo por trás e uma árvore. 'Amor' é a combinação de 'fêmea' e 'criança'. 'Brilho' é 'sol' e 'lua' escritos juntos. Outros glifos são mais simbólicos: 'acima e 'abaixo' são linhas horizontais com respectivas linhas perpendiculares acima ou abaixo (ver ilustração 10).

Os wen e os dze compreendiam originalmente cerca de 2.500 glifos. Eles poderiam também ser usados foneticamente para fornecer um som que não precisava mais ser ligado a um objeto físico definido. Na segunda metade do primeiro milênio a.C, um dos cerca de 625 determinativos (sons identificadores) era normalmente ligado à 'fonética' para mostrar qual objeto estava sendo designado com determinado som fonético.

A forma mais antiga de escrita chinesa conhecida é a 'Antiga Escrita', cujo estágio mais jovem é o 'Estilo do Grande Selo'. Com a unificação do primeiro império com Xin Shi Huang Di, no terceiro século a.C, a escrita da Chancelaria Imperial de Xin, o 'Estilo do Pequeno Selo' prevaleceu. Desde então, não ocorreu nenhuma mudança fundamental na escrita, apenas pequenas alterações formais. A maior delas ocorreu em cerca 200 a.C, com o declínio do uso do estilete de madeira e o aumento do uso da escova de cabelo, que necessitava de uma nova técnica, e resultou no 'Estilo dos Escribas. No século quatro d.C, ela se desenvolveu no esteticamente mais agradável 'Estilo regular', usado em impressões e correspondências oficiais. Para o uso diário surgiram cursivas menos precisas e mais abreviadas.

Devido às numerosas mudanças fonológicas na língua chinesa no último milênio, os significados originais de muitos glifos chineses

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10 Escrita chinesa.

não são mais transparentes. Apesar disso, o significado total de um glifo é facilmente reconhecível, tanto semântica quanto foneticamente, devido ao glifo determinativo que está normalmente ligado ao glifo 'fonético'. Desse modo, quando se vê o glifo chinês ma, imediatamente se sabe qual das palavras está lendo, se 'sanguessuga-ma’, 'ágata-ma', 'tábua-ma', rabugenta-ma' ou peso-ma'. A maioria dos glifos chineses atuais consiste de um elemento identificador e um fonético. Embora possam ter existido cerca de 50.000 glifos individuais, hoje, apenas cerca de 4.000 são comumente empregados, logogramas que usam 214 determinativos (MADEIRA, FOGO, ÁGUA, e assim por diante). Como todas as escritas logográficas, a escrita chinesa é altamente fonética (relacionada aos sons) com fortes componentes semânticos (sentido), facilitando a memorização. A simplicidade inata do sistema de escrita chinês, que é perfeitamente adaptável às línguas tonais, monossilábicas e inflexivas (ou seja, sem modificações no final das palavras) que ela reproduz, assegurou sua sobrevivência de modo

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virtualmente não modificado por mais de 3.000 anos. Hoje- em dia, essa escrita é lida por bem mais de um bilhão de pessoas.

Entre os vários povos asiáticos que adotaram o sistema de escrita chinês, talvez os japoneses tenham introduzido as mudanças mais fascinantes. Ao substituir o povo ainu, originário do Japão, e sem escrita própria, nos primeiros séculos d.C, os eruditos japoneses aprenderam a escrita chinesa no continente, e mais tarde a introduziram na corte japonesa com o intuito de escrever textos políticos e religiosos japoneses. A cultura japonesa logo foi permeada pelas palavras monossilábicas chinesas, produzindo um grande número de homônimos (palavras que se pronunciam do mesmo modo, mas com diferentes significados, como em português, casa significando lar e casa do verbo casar). Um glifo chinês ou kanji chegou a ter várias pronúncias diferentes, ambas sino-japonesas e japonesas nativas. A escrita chinesa não se encaixava muito bem na língua japonesa polissilábica (e não monossilábica, como a língua chinesa) e flexiva (com mudanças no final de palavras que mostram diferenças gramaticais), que era diferente demais do chinês cuja escrita havia sido feita para transmitir. Nos primeiros séculos, ler japonês na escrita chinesa foi um processo lento, trabalhoso e confuso.

Por esse motivo, mais de 1.000 anos atrás, os escribas japoneses selecionaram várias dezenas de glifos chineses apenas para seus próprios sons e os reduziram graficamente a partículas essenciais, para fornecer cinco vogais (a, i, u, e, o) e 41 sílabas consoantes-vogais (ka, ki, ku e assim por diante).33 Assim, eles confeccionaram um silabário com 46 glifos dos quais emergiram eventualmente duas escritas kana silábicas japonesas, cada qual com 48 glifos. A mais importante das duas, a hiragana, foi desenvolvida já no século oito ou nove e normalmente fornece finais gramaticais de palavras ligadas às raízes chinesas

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kanji (as raízes são quase sempre escritas com glifos chineses); fornece marcadores sintáticos ou de sentenças sequenciais; e frequentemente, na escrita em minúscula, explica kanjis obscuros para ajudar o leitor. A segunda, katakana, foi desenvolvida por volta do século doze, como uma versão simplificada do hiragana, e é principalmente usada para escrever foneticamente palavras estrangeiras, onomatopaicas (que imitam o som de seu significado), entre outras. Atualmente, todas as três escritas japonesas — o kanji logográfico, e os silabários hiragana e katakana — são usadas simultaneamente num texto escrito em japonês, obedecendo às regras soltas do uso padrão em domínios restritos. Frequentemente, um kanji terá um significado e uma pronúncia originais em chinês assim como um, dois ou mesmo três pronúncias e significados em japonês. Por esse motivo, talvez o japonês seja o sistema de escrita mais complicado do mundo, lembrando a mesoamérica em sua complexidade.

A Coreia começou seguindo o mesmo caminho, mas depois tomou um rumo totalmente diferente. Na Coreia, a escrita chinesa foi usada com exclusividade até 692 d.C., quando os glifos ido coreanos foram elaborados para fornecer terminações coreanas nativas em textos escritos em chinês, em muito semelhantes às sílabas hiragana usadas no Japão. Porém, quando os coreanos se depararam com o alfabeto ocidental, no século quinze, criaram um alfabeto coreano chamado hangul, primeiro com 28, depois com 25 letras. Ao contrário do japonês, a escrita hangul é considerada a mais simples do mundo.

ESCRITA MESOAMERICANA

Poucos povos americanos nativos usaram a escrita, e apenas na Mesoamérica.34 Sua origem é desconhecida. Alguns estudiosos defendem uma origem nativa, em que a escrita seria, talvez, um 'reflexo

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natural' do alto grau de civilização da região. Porém, a escrita como 'reflexo natural' da civilização parece não ter ocorrido em nenhum outro lugar do planeta. A ideia de uma arte gráfica reproduzindo a fala humana parece ter surgido uma única vez na história — mais de 5.000 anos atrás, entre os povos afro-asiáticos — e depois levada dali para outras partes do globo. (Essa é a chamada 'teoria monogenética' da escrita e que, talvez melhor explique a origem das escritas no mundo, segundo o peso cumulativo dos indícios atualmente disponíveis.) No caso dos vários escritos mesoamericanos, pode-se estar lidando com uma única e muito longa tradição que se originou, talvez com inspiração exterior, pelos poderosos olmecas do sul do México na primeira metade do primeiro milênio a.C, se desenvolveu com os incríveis maias durante o primeiro milênio d.C, e depois acabou cerca de 1.000 anos atrás. Os escritos menores dos mistecas e astecas da mesma região parecem compreender simples desenvolvimentos posteriores da rica tradição escrita maia.

No sul do México, durante a primeira metade do primeiro milênio a.C, surgiu um sistema hieroglífico olmeca único (1200 a 500 a.C).35 Restam poucos fragmentos desta escrita, mas em 600 a.C, os escribas olmecas de Oxaca e partes de Chiapas e Veracruz esculpiam intrincados hieróglifos em pedra, provavelmente registrando nomes de governantes e suas conquistas — temas predominantes nas inscrições mesoamericanas até a chegada dos europeus mais de 2.000 anos depois. Ocasionalmente, eles vinham acompanhados de números. Integrantes de toda escrita mesoamericana e, portanto, implicando uma tradição única, os glifos numéricos foram associados com o calendário, um dos mais complexos e socialmente difundidos já projetados em qualquer lugar do mundo. As inscrições olmecas podem ter inspirado a melhor escrita documentada epiolmeca da mesma região (150 a.C.

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a 450 d.C). Por sua vez, a escrita epiolmeca está, talvez, relacionada à escrita maia, com ambas compartilhando a mesma fonte. Porém, a linhagem dos escritos mesoamericanos permanece obscura.

Todas as escritas mesoamericanas eram logográficas, e os glifos representavam objetos, ideias ou sons (dos nomes dos objetos).36

Também havia um silabário de significados puramente fonéticos usados num sistema misto com outros glifos. A inferência é, ou de um desenvolvimento de escrita nativa extremamente longo, anterior ao primeiro milênio a.C, ou do empréstimo de um sistema de escrita estrangeiro que já havia se desenvolvido por um longo período. O sistema de escrita mais sofisticado e melhor conhecido da Mesoamérica, a escrita maia, contém cerca de 800 glifos no total. Porém, muitos desses glifos representam nomes reais usados apenas uma única vez; apenas entre 200 e 300 desses glifos eram usados regularmente. Mais de 150 glifos maias representam sílabas, quase todas do tipo consoante-vogal. A escrita exibe polivalência, em que um glifo compreende vários significados, como som e deter mi nativo; homofonia, em que o mesmo som é usado por vários glifos diferentes; e também polifonia, em que um glifo tem vários sons. Isso significa que um glifo também pode possuir funções duais, tanto logográfica (representando um morfema ou o nome inteiro de um objeto) quanto silábica (representando a primeira sílaba do nome do objeto representado, a ser pronunciada separadamente).

Em seus códices ou livros manuscritos, os maias escreveram com tinta e escovas de cabelo (como os chineses do século três a.C.) em páginas de casca de árvore batidas (como o papel chinês do século dois d.C), medidas com estuque, registrando os glifos em colunas verticais de cima para baixo (como na escrita chinesa) e da esquerda para a direita, em pares.37 Blocos de glifos individuais combinam dois

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ou mais glifos (como na escrita chinesa). Por exemplo, para escrever o nome do governante maia Pacal, dever-se-ia, entre outras possibilidades, desenhar um pacal, ou seja, um 'escudo', com os glifos para 'soberano' escritos acima e ligados à direita aos glifos silábicos pa-ca-la para se 'soletrar' o nome (como na 'fonética' chinesa).

Durante o período clássico maia (250 a 900 d.C), os maias homens e mulheres medianos conseguiriam provavelmente ler datas, nomes e eventos numa colorida esteia maia (postes de pedra com inscrições) . A escrita teria um efeito profundo e imediato na população e língua locais. Não apenas as esteias, mas também grandes monumentos públicos, similarmente cheios de inscrições e cores brilhantes, proclamavam as vidas e genealogias gloriosas dos poderosos governantes maias — dificilmente 'história factual' no sentido moderno, mas sim uma ferramenta propagandística para preservar a liderança, proclamar a preeminência e justificar impostos, como se encontra em vários escritos em diversas partes do mundo.38 As cerâmicas também eram decoradas com glifos, identificando potes de chocolate, vasos funerários e outros objetos.

Também havia milhares de códices escritos em grossas cascas de árvore nas bibliotecas reais dos maias. Devido à destruição total da literatura maia que se seguiu à invasão espanhola no século dezesseis, apenas quatro códices maias milagrosamente sobreviveram, produções pós-clássicas que compreendiam tabelas rituais e astronômicas. Como o norte-americano Michael Coe, especialista nos maias lamentou: 'Nem mesmo o incêndio da biblioteca de Alexandria destruiu tão completamente a herança de uma civilização'.

O ramo egípcio-semítico da escrita afro-asiática experimentou a maior adaptação de todos os sistemas de escrita do mundo, de pic-

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togramas para logogramas e de silabogramas para as letras do alfabeto — dependendo de quem precisava do que, segundo as demandas de suas respectivas eras e línguas. A história da escrita cuneiforme suméria e da escrita logográfica chinesa progrediu de maneira semelhante, mas devido às exigências de suas línguas, elas só experimentaram uma maior 'sofisticação' ou complexidade linguística nas escritas silábicas de seus descendentes, o persa antigo e o japonês. A necessidade da escrita alfabética nunca foi sentida por essas línguas. Em toda a história, cada língua encontrou e/ou se adaptou à escrita que melhor se encaixa em sua fonologia. As escritas não 'evoluem': elas são propositalmente modificadas por agentes humanos para melhorar a qualidade da reprodução da fala (som) e transmissão semântica (sentido).

Originalmente, a escrita engenhosa começou com pictogramas, em que o nome do objeto desenhado servia para estimular uma pronúncia. Sobre essa base adequada, um sistema logográfico, no qual glifos representam objetos, ideias ou sons (do nome dos objetos), eventualmente nasceu para reproduzir a fala humana de maneira mais fiel e eficiente. Mas com o tempo, os escritos logográficos pareceram gerar novas necessidades, e quando isso ocorre, sempre são encontradas soluções silábicas. Elas podem surgir internamente, quando a escrita logográfica falha em reproduzir a língua em evolução, como, por exemplo, na adição posterior de glifos silábicos no Egito; e também externamente, quando a escrita logográfica é emprestada de uma língua não relacionada, como no caso do kana japonês.

As maiores mudanças em sistemas de escrita parecem ocorrer quando falantes de outras línguas emprestam e adaptam sistemas que não se encaixam nelas. Entre os falantes semitas ocidentais do Levante, os glifos silábicos foram transformados em símbolos consonantais que

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melhor reproduzem as línguas semíticas da área que são orientadas pelas consoantes. Esse foi, então, o catalisador da maior contribuição grega para a cultura mundial: um alfabeto puro com sinais tanto para vogais quanto para consoantes. A forma de comunicação escrita mais eficiente já projetada (para a maioria, embora não todas, as línguas), o alfabeto grego foi adotado e imitado em todo o mundo por centenas, senão milhares de línguas, particularmente nos séculos dezenove e vinte da nossa era. Hoje, qualquer língua que ainda precise de uma escrita é automaticamente transposta para a escrita alfabética.

Na pré-escrita, a chamada 'escrita' pictográfica, o desenho de um objeto aciona a memória de uma expressão vocal. Na primeira classe de escrita real, a escrita logográfica, a figura novamente aciona a memória de uma expressão vocal, mas apenas ela — não o objeto retratado — transmite a mensagem. Na segunda classe, a escrita silábica, essa expressão vocal é reduzida apenas à sua primeira sílaba e sua posição dentro de um silabário de sons definido e limitado. Na última classe, a escrita alfabética, a figura é uma letra que já não é mais relacionada a qualquer objeto, mas sim reproduz apenas um ou dois tipos de som, ou uma vogai, ou uma consoante; assim, ela é depois lida sequencialmente em combinação com outros sons reproduzidos de maneira semelhante. Em todas as classes, a arte gráfica permanece inextricavelmente à fala humana. O que equivale a dizer que: não há escrita que possa transmitir toda a gama de pensamentos humanos que não seja fonética.

Também é por meio da escrita que se pode acompanhar melhor a história de uma língua.39 A reconstituição linguística interna (trabalhar com uma única língua para recuperar formas antigas) e a reconstrução linguística comparativa (comparar duas ou mais línguas relacionadas para alcançar o mesmo objetivo) produzem hipóteses

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precisas, mas sem provas sobre estágios anteriores da língua. Porém, documentos antigos — escritos — mostram esses estágios. Isso permite que o linguista não apenas vislumbre formas antigas de uma língua, mas também avalie os tipos exatos de mudanças que podem ocorrer nas línguas durante séculos e milênios. Mais ainda, palavras emprestadas e nomes de lugares e documentos antigos frequentemente preservam línguas que, de outro modo, não seriam certificadas, como o rhaetiano e o gaulês em relatos em grego e latim da Europa primitiva de mais de 2.000 anos atrás, revelando paisagens linguísticas pré-históricas que de outro modo estariam perdidas para sempre.40 Mesmo grafias modernas, como ‘light’ em inglês, podem ser cápsulas do tempo, apontando características vestigiais, origens históricas e as dinâmicas de mudanças relativamente recentes: neste caso, a perda de um antigo som indo-europeu, ainda preservado no cognato alemão para ‘light’, Licht.

Assim como não existe algo como uma 'língua primeva', também não há um 'escrita primeva'. Cada escrita preenche adequadamente as funções para as quais é designada em determinado período. Quando se encontra características 'primitivas' numa escrita, há um julgamento feito numa perspectiva temporal. De maneira semelhante, não há 'escrita passiva': a escrita afeta a fala tanto quanto a fala afeta a escrita; isso pode ser avaliado a partir da leitura de cartas antigas.41 A capacidade de ler e escrever sempre causou um profundo impacto na língua falada. Falantes educados e alfabetizados são, normalmente, líderes de suas sociedades. Habitualmente, eles padronizam sua fala a partir da língua escrita formal, para ser, eventualmente, imitados por outros membros da sociedade. Desde seu início, a fala 'impressa também é um modelo de fala.

Isso conferiu à escrita uma influência excepcional na sociedade — maior do que a maioria das pessoas percebe — particularmente nas

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sociedades alfabetizadas modernas, que cultuam a palavra escrita. A fala escrita diminui a velocidade de mudanças linguísticas através da nivelação, padronização e preservação de formas e usos que, de outro modo, desapareceriam com o desgaste natural. A leitura da literatura passada enriquece qualquer vocabulário vivo. O discurso escrito também pode determinar o uso da língua falada por séculos (a Bíblia King James, de 1611, o Talmude, o Alcorão); pode definir formas artísticas (peças de Shakespeare e o teatro No do Japão); pode constituir o meio de tecnologias inteiras (linguagens de programação), substituindo a língua falada.

Porém, todos os sistemas de escrita, independentemente de quão reverenciados ou inovadores sejam, são imperfeitos e convencionais. Quase todos são uma aproximação, e não uma reprodução exata da fala humana. No inglês, a letra a pode representar seis sons diferentes (dependendo do dialeto), como em: an, was, pa, date, all e hat, ou devido a um arcaísmo da língua, não representar nenhum som, como em bean, beau e beauty. A ambiguidade, ou seja, a dúvida ou incerteza no significado, nascida da indistinção ou obscuridade, ocorre frequentemente em escritas silábicas e alfabéticas.

O inglês, em particular, falha em reproduzir suas supra-segmentais — que são: entoação (Yes?/Yes!), extensão (inglês britânico cot/ cart), acento (désert/desért), articulação (Van Dyck/vanned Ike) e tom (eee!/duh...) — devido ao uso de uma escrita alfabética inadequada. Escritores de língua inglesa tentam corrigir o problema com pontuação não sistemática, espaço entre palavras e letras maiúsculas entre outros expedientes, mas é necessário admitir que uma reprodução precisa do inglês falado não pode ser escrita com o alfabeto inglês. O acento, por exemplo, que não é marcado em língua inglesa. Quando lemos desert, queremos dizer 'deserto' ou 'abandonar'? Será attribute 'uma

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característica inerente' ou 'designar'? Aqui, o alfabeto inglês simplesmente não funciona. Só o contexto pode revelar o sentido e, com ele, o acento necessário. A escrita logográfica chinesa, por outro lado, com sua combinação de determinativos (que identifica a classe da palavra) e fonética (o som da palavra), não apresenta esse problema.

Idealmente, uma escrita alfabética deveria, talvez, representar todas as expressões fonêmicas — a menor unidade de som significativo da língua. Porém, apenas os símbolos especiais da linguística conseguem reproduzir pronúncias com exatidão, mas também eles são muito trabalhosos para uso popular. As escritas alfabéticas populares em uso no mundo constituem aproximações convenientes, com muitas ambiguidades e enormes diferenças de pronúncia entre dialetos diferentes e línguas diferentes, que usam o mesmo alfabeto escrito. Mas a eficiência demonstrável de uma simples escrita alfabética assegurou sua adoção na maior parte do planeta, a escrita logográfica como a chinesa e a japonesa ainda continuam sendo praticadas por uma porção significativa da humanidade, que a considera eminentemente preferível para suas respectivas línguas.

Mesmo imperfeita, a escrita é atualmente uma expressão indispensável da fala viva. A fala também responde dinamicamente à escrita. Tanto a fala quanto a escrita existem num relacionamento sinergístico, inextricavelmente ligados um ao outro, de maneira muito parecida com o modo como o pensamento primitivo estava ligado às vocalizações dos primeiros hominídeos, e isso continua fazendo com que a humanidade mude e avance com uma mágica multidimensional. No início do século XXI, a mão não mais apenas 'se iguala à boca', mas por meio das linguagens de programação de computadores, cria palavras totalmente novas e dá voz ao futuro eletrônico da humanidade.

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Linhagens

Como as línguas bantas na África e as polinésias no Pacífico, a maioria das línguas do mundo não tem uma árvore genealógica escrita. Elas precisam revelar suas histórias por meio da reconstituição comparativa. Técnicas linguísticas modernas baseadas em línguas com uma longa história escrita, como as línguas célticas, germânicas, itálicas e chinesas, permitiram que as reconstituições comparativas atingissem um nível em que se pode, atualmente, mesmo sem registros escritos da maioria das línguas, entender de onde elas vieram e como e quando elas se diferenciaram de outras línguas relacionadas.

Porém, as protolínguas reconstituídas são regulares e homogêneas demais para serem reais. Apenas línguas artificiais modernas, como o esperanto, se igualam em regularidade às protolínguas reconstituídas, mostrando o quão longe da realidade está a reconstituição.

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A reconstituição linguística sempre produz uma aproximação apenas parcial, nunca uma 'língua' natural completa.

Toda a prosperidade, decadência e mudança de uma língua é resultado tanto do tempo quanto do fortalecimento ou do enfraquecimento de uma sociedade. Embora todas as línguas sofram mutações, as línguas de sociedades fortes prosperam, enquanto as línguas de sociedades fracas perecem, ou seja, são substituídas por uma língua estrangeira. Línguas extintas são sempre tão vítimas quanto aqueles que as falaram; talvez ainda mais, uma vez que povos de todo o mundo cederam com muito mais boa vontade suas línguas do que suas vidas. Durante 50.000 anos, o perfil genético dos europeus quase não mudou, enquanto ondas após ondas de novas línguas passaram por eles. Dialetos e línguas prestigiadas ou dominantes são adotadas, dialetos e línguas infrutíferas e perigosas são abandonadas. Isso aconteceu em toda a história, continua acontecendo hoje e guiará o curso de todas as línguas futuras até que reste apenas uma única língua dominante no planeta. Centenas de línguas menores estão sendo substituídas pelo bahasa indonésio, o mandarim chinês, o inglês e o espanhol, e um pequeno e deprimente número de outras línguas. Certamente, os séculos futuros não desfrutarão da imensa diversidade linguística que o planeta conheceu no passado.

A história das línguas humanas é a história das mudanças linguísticas. Parece possível fazer algumas generalizações em relação ao modo como as línguas se relacionam e mudam com o tempo em todas as épocas e partes do globo:1

— A terra natal de uma família linguística — ou seja, a região onde uma língua mãe foi falada — é normalmente, mas não sempre,

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uma região da área onde as línguas descendentes foram, ou atualmente são faladas.

— As mais antigas diferenciações numa língua mãe normalmente, mas nem sempre, ocorrem perto de sua terra natal. Por esse motivo, é comum encontrar uma maior diversidade linguística perto da terra natal e uma menor diversidade linguística em sua periferia.

— Um relacionamento histórico entre as línguas é estabelecido quando se identifica semelhanças sistemáticas grandes demais para serem atribuídas ao acaso.

— Línguas irmãs apresentam inovações compartilhadas de uma língua-mãe e esta mãe ou protolíngua pode ser, na verdade, uma área linguística onde duas ou mais línguas separadas se combinaram.

— Uma pequena diversidade entre línguas-irmãs normalmente, mas nem sempre, implica um desenvolvimento comum mais curto longe da língua-mãe.

— Uma grande diversidade linguística entre línguas-irmãs normalmente, mas nem sempre, implica um maior período de separação da língua-mãe.

Há quatro tipos básicos de mudança linguística:

A mudança fonológica, ou mudança sistemática no som, é efetuada por falantes de todas as línguas do mundo muito mais rapidamente do que qualquer outro tipo de mudança linguística. É por isso que as palavras hus e mus no inglês de Chaucer são, 600 anos depois, 'house' e 'mouse' (hus e mus do alto-alemão médio também são hoje Haus e Maus em alemão moderno).

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A mudança morfológica é uma mudança sistemática na forma das palavras, e ocorre com muito menos frequência que a mudança fonológica. Por exemplo, 400 anos atrás, Shakespeare usou 'goeth' e 'didst' em contextos que hoje usaríamos 'goes' e 'did'.

A mudança sintática reordena sistematicamente as palavras em frases ou períodos. As expressões inglesas 'court martial' e Attorney-General'2 são expressões medievais fossilizadas emprestadas do francês normando, as quais o sistema sintático inglês — sob pressão de seu substrato germânio — deveria, de outro modo, ter revertido há várias centenas de anos para 'martial court' ou General Attorney'.

A mudança semântica altera o significado comum de uma palavra. Por exemplo, a palavra cniht em inglês arcaico era muito comum para 'menino' ou 'jovem', mas na época do inglês médio, kniht, com o k ainda pronunciado, significava 'servo militar do rei', e mais tarde 'arrendatário feudal, responsável por serviços militares para o rei'. Hoje, 'knight' (já não se pronuncia mais o k) é 'uma pessoa criada para uma posição social nobre por um rei ou rainha ou qualquer outra pessoa qualificada', uma palavra que hoje tem um domínio extremamente limitado, e que talvez logo se torne extinta.

Cada um desses processos é o resultado da combinação de operações linguísticas bem conhecidas — assimilação, dissimilação, lenição (uma suavização da articulação), excrescência (adição de um som ou letra), apócope (corte do último som ou sílaba), síncope (corte de uma letra ou sílaba do meio), analogia, metátese (transposição de um som ou letra), empréstimo, nivelamento, expansão, redução e muitos outros. O leitor interessado pode desejar consultar os livros de história linguística para obter detalhes de tais operações (ver bibliografia).

Todos esses processos e operações ocorreram nas seguintes linhagens representativas.

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LÍNGUAS CÉLTICAS

Os celtas estavam entre os primeiros indo-europeus a migrar da terra natal no leste para a Europa ao oeste, cerca de 5.500 anos atrás.3

Com relações muito antigas com os povos itálicos, os celtas habitavam amplas regiões da Europa central e ocidental já havia muito tempo. Sua presença é certificada por nomes de lugares como a Boêmia; de rios como o Danúbio, o Rhine e o Rhône;4 e por nomes de cidades como Viena e Paris. Cerca de 2.600 anos atrás, os celtas se mudaram novamente, ocupando a Península Ibérica e as ilhas Britânicas. No quarto século a.C. eles invadiram as regiões do norte da Itália, antes ocupadas pelos etruscos e logo tomaram Roma. Um século depois, eles já haviam chegado a Ankara, onde hoje fica a Turquia; São Paulo se referiu a eles como os 'Gálatas'.5

Nos últimos séculos a.C, três línguas célticas dominavam o continente europeu e a Ásia Menor. Os falantes do gaulês do leste da Gália foram, eventualmente, dominados pelos falantes germanos nos primeiros séculos d.C.; nesta época, o latim dos romanos já havia substituído o gaulês da França e norte da Itália. (O gaulês permaneceu na Bretanha por mais um ou dois séculos, até ser substituído por um retorno migratório céltico do sudoeste inglês.) A língua celtibérica da Espanha e o gálata da Ásia Menor sucumbiram de maneira semelhante ao poder de Roma.6

Apenas as línguas célticas das Ilhas Britânicas sobreviveram (ver ilustração II). Hoje, elas são classificadas em dois grupos, de acordo com a interpretação do fonema protoindo-europeu /kw/. Os q-celtas ou povo goidélico (irlandeses, maneses e escoceses falantes de gaélico) preservaram o /kw/, é por isso que kwetuores, 'quatro' em protoindo-europeu, com suas mudanças subsequentes ficou ceathair

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em irlandês, kiare em manes e ceithir em gaélico escocês. Os p-celtas ou povo britônico (galeses, córnicos e bretões falantes de britônico) mudaram o /kw/ para /p/, e assim, o 'quatro' é pedwar em galês, peswar em córnico e pevar em bretão.

Os falantes originais de gaélico (goidélico) foram os irlandeses, provavelmente os primeiros celtas a chegar às ilhas Britânicas cerca de 600 a.C. A língua irlandesa gerou vários dialetos principais do período do irlandês antigo (700-950 d.C); nenhum deles se desenvolveu em línguas descendentes no período do irlandês médio, (950-1400), talvez devido à conquista inglesa normanda. A subsequente supressão do irlandês pelo inglês continuou no período do irlandês moderno (1400 até o presente), particularmente nos séculos dezessete e dezoito, quando o inglês substituiu quase todos os dialetos irlandeses. Com o estabelecimento da República da Irlanda, no século vinte, o dialeto do sudoeste irlandês de Munster foi selecionado para servir como nova língua nacional em lugar do inglês 'estrangeiro'. Porém, até o momento, as pressões econômica, histórica e social frustraram seu sucesso. Hoje, o irlandês é falado como primeira língua por poucos milhares de habitantes, em geral em desvantagem econômica, do extremo oeste, noroeste e algumas ilhas da Irlanda, que atualmente encorajam seus filhos a falar o inglês como primeira língua, principalmente por motivos econômicos.

No quinto século d.C, colonizadores irlandeses falantes de gaélico navegaram para o leste e se estabeleceram na Ilha de Man e na Escócia, assimilando os nativos pictos. Em Man, sua língua eventualmente se tornou o autônomo manês, cujo suposto 'último falante nativo' morreu em 1974. Na Escócia, a língua dos colonizadores irlandeses também evoluiu, em solo picto, e mais tarde ficou conhecida como gaélico escocês.

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11 Alcance das línguas célticas hoje.

Os celtas britônicos se seguiram aos irlandeses nas ilhas Britânicas nos primeiros séculos a.C. Porém, sua língua permaneceu tão semelhante ao gaulês continental, que uma 'língua galo-britônica' é reconhecida como a língua franca dos celtas da França e Bretanha até a época da invasão romana, quando os falantes de latim e alemão entraram na região. As tribos germânicas intrusas, particularmente no quinto século d.C, empurraram os britônicos para a periferia da Bretanha: o sul da Escócia, Gales, Devon e Cornualha. Durante mais de dois séculos, os britônicos escaparam das invasões

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saxônicas migrando de volta para o continente, ao sul, para a Bretanha, na França. Atualmente, seus descendentes, os bretões, são cerca de meio milhão, mas poucos falam o bretão. Recentemente, jovens bretões demonstraram um interesse renovado em aprender sua língua ancestral, que não é reconhecida como língua oficial pelo governo francês.

A língua céltica com o maior número de falantes ativos é o galês. A língua que J.R.R. Tolkien acreditava ser a 'mais antiga língua dos homens da Bretanha' era falada em 1991 por 510.920 pessoas, ou seja, 18,7% da população de Gales com mais de três anos de idade.7 O Galês sobreviveu com grande dificuldade. A ocupação romana introduziu muitas palavras latinas. Mais tarde, os colonizadores irlandeses invadiram o território galés, introduzindo palavras gaélicas desde o século sete até o final do período do galés primitivo (cerca de 850). A influência do inglês aumentou no período do galês antigo (850 a 1100). Durante a era do galés médio (1100 a 1500), os nobres franceses normandos da Inglaterra conquistaram Gales, resultando na introdução de muitas palavras emprestadas do francês; porém o galés prevaleceu. Apenas no período do galés moderno (1500 até o presente) — e principalmente devido ao Ato de União de Henrique VIII, que incorporava Gales à Inglaterra — o uso do galés diminuiu, e o inglês se tornou a língua das cortes e cargos públicos de Gales. Mesmo assim, ele sobreviveu.

Acima de tudo, foi o avanço do inglês que dividiu os falantes britônicos: o cúmbrico foi falado no sul da Escócia e no noroeste da Inglaterra; o galês em Gales; e o córnico no sudoeste da Bretanha. Os anglo-saxões chamavam todos os falantes dessas línguas de wealas ou 'não germanos', que deu origem à palavra inglesa 'welsh'.8 Os britônicos galeses e cúmbricos hoje se referem a si mesmos como

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combrogi, 'companheiros do campo', assinalando um novo sentido de identidade étnica. Os galeses de hoje são cymry (pronuncia-se CÚM-RÍ) e sua língua cymraeg (CUM-RÁ-EG). O cúmbrico sobreviveu sofrendo uma crescente pressão até a queda do reino de Strathclyde, em cerca de 1018. Na Cornualha, o reino céltico foi vencido pela Inglaterra em cerca de 878; desde então, o uso da língua córnica diminuiu num ritmo constante até sua extinção no século dezenove. Como o manês, atualmente o córnico está sendo ressuscitado artificialmente.

A família céltica, a mais importante e amplamente distribuída família linguística 2.300 anos atrás, hoje — primeiro devido aos romanos e germanos, e depois devido à consolidação nacional (Inglaterra, França) — constitui uma das menores famílias indo-europeias, confinada ao oeste da França e às periferias das ilhas Britânicas. Com exceção do dialeto oficial de Munster na Irlanda, as línguas célticas estão entre aquelas línguas 'não estatais' à mercê das línguas metropolitanas dominantes, sofrendo o mesmo destino do catalão (Espanha, França, Itália), do galego (Espanha), do occitano (Espanha, França, Itália), do romani (presente na maioria dos países europeus) e de muitas outras línguas de comunidades europeias. E os falantes de línguas não oficiais de seus respectivos países superam o número de vinte milhões de pessoas. Até bem recentemente, temia-se que as línguas célticas desaparecessem ao mesmo tempo. Dinâmicas sociopolíticas e a redescoberta do sentimento do orgulho entre os celtas causaram um novo ressurgimento do interesse no irlandês, ressuscitaram o manês, o gaélico escocês, o galês, o córnico e o bretão, e permitiram que o número de seus falantes crescesse, e que eles conquistassem uma maior autonomia política na nova Europa unificada.

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LÍNGUAS ITÁLICAS

No primeiro milênio a.C, a maioria da península com exceção dos etruscos e rhaetianos não indo-europeus do norte e noroeste; as tribos messápicas dos ilirianos originários do outro lado do Adriático; e as colônias gregas independentes do sul, falavam uma língua itálica pertencente a uma das três subfamílias: picena, osco-umbra e latina?

Ao se diferenciar, no segundo milênio a.C, se não antes, a língua picena do sul do centro do litoral leste italiano parece ter sido intimamente relacionada à família osco-umbra, embora também compartilhe características com as línguas venetas e balcânicas. Seus falantes foram derrotados por Roma em 268 a.C.

O osco-umbro (sabeliano) incluía o osco, o umbro e o volsco (e seus dialetos menores).10 Como os p-celtas, todos os falantes de osco-umbro substituíram o indo-europeu /kw/ pelo /p/, assim, o protoindo-europeu kwi (s), que significa 'quem?' se tornou pis em osco, e o protoindo-europeu penkwe que significa 'cinco' se tornou, após mudanças subsequentes, pompe em umbro. Preservando muitas vogais protoindo-europeias sem mudanças, o osco foi a língua mais forte e amplamente distribuída da subfamília; ela sobrevive em cerca de 200 inscrições, em sua maioria dos últimos dois séculos a.C. O umbro é conhecido principalmente pelas famosas Tabulas Iguvinas, os textos não-latinos mais significativos da Itália antiga: sete inscrições em bronze, talvez datadas do primeiro século a.C, que contêm regras sobre presságios, penitências, oferendas e preces. Os dialetos osco-umbros da Itália central — sabino, aequiano, hernicano, marsiano, entre outros — sucumbiram muito cedo ao latim dominante de Roma. Os volscos do sudeste do Lácio — Itália central, na fronteira com o mar Tirreno — falavam uma língua autônoma intimamente relacionada com o umbro.

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Com uma história primitiva obscura, a língua veneta era falada pelos vênetos do litoral adriático, entre o rio Pó e a Aquileia." Sua língua sobrevive em cerca de 300 inscrições, a maioria de Esta e Làgole di Calázio no Vêneto atual. Muitas características sugerem a afiliação do vêneto às várias línguas itálicas, particularmente ao latim. O vêneto pode representar, então, um vestígio da primeira incursão itálica na península, no terceiro milênio a.C.

As línguas latinas falisco e latim estão, provavelmente, entre as mais antigas línguas faladas na península, exibindo uma fonologia indo-europeia arcaica e um vocabulário muito modificado, talvez estimulado pelo contato com a população pré-indo-europeia. O falisco era a língua da antiga tribo itálica cuja capital era Falerii (a moderna Cività Castellana ao norte de Roma), que desde o século dezoito a.C. esteve sob influência etrusca. Ela foi destruída pelos romanos cerca de 241 a.C, extinguindo o falisco antes das línguas osco-umbras.

O latim surgiu no Lácio no primeiro milênio a.C, quando Roma chegou ao poder e subsequentemente suprimiu todas as outras línguas itálicas da península.12 No início, o latim era simplesmente o dialeto local da vila de Roma, mas com o passar do tempo ele se tornou uma das grandes línguas da história.

A literatura começou seriamente apenas cerca de 240 a.C, o que deu força e enriqueceu o império romano em expansão. A história do latim segue os seguintes estágios de desenvolvimento: latim pré-literário até 240 a.C; latim antigo, 240 a 100 a.C; latim clássico (a literatura latina preservada), 100 a.C. a 14 d.C; idade de prata, 14 d.C a cerca de 120 d.C; latim arcaico, 120 a 200 d.C; latim vulgar da antiguidade tardia, 200 a 600 d.C; latim médio, 600 ao século quatorze d.C; e, desde então, o latim moderno.

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O latim clássico era a fala cotidiana de Júlio César, Augusto c Virgílio. Logo 'petrificada' como meio escrito da administração e da cultura do império em expansão, o latim eventualmente se tornou o meio escrito e falado da Igreja cristã e de toda educação ocidental. Ele sobreviveu ao século dezoito como a principal língua erudita e ao século vinte como a língua da liturgia católica romana. Negligenciado por muitas décadas, o latim clássico está hoje passando por um ressurgimento dinâmico como segunda língua ou língua adicional na Europa e na América do Norte.

O latim vulgar falado continuou a evoluir em substratos estrangeiros em todo o império romano, criando a família linguística românica.13 Cada uma de suas línguas descendentes foi falada em suas protoformas durante muitos séculos até serem finalmente registradas em documentos: francês no século nove; o italiano no século dez; o provençal no sul da França, um século depois; as três línguas ibero-românicas espanhol, português e catalão, no século doze; e o romeno no século dezesseis. As línguas românicas menores incluem o valão, do sul da Bélgica, o reto-românico (romanche, ladino) dos vales suíços, o sardo, o recentemente extinto dálmata, o crioulo haitiano e o judeu-espanhol, a língua dos judeus expulsos da Espanha que hoje sofre de risco iminente de extinção.14

Todas as línguas românicas, com exceção do romeno, sofreram influência contínua do latim clássico. Por esse e outros motivos, a inteligibilidade entre os falantes atuais das línguas itálicas é muito maior do que entre os falantes de línguas germânicas. Embora a população falante do latim vulgar no noroeste africano houvesse sido dominada pelos falantes de árabe cerca de 700 d.C, muito mais tarde colonizadores espanhóis, portugueses, franceses e italianos levaram as línguas itálicas para outras partes da África, e para lugares ainda muito mais

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distantes, como as Américas, a Ásia e o Pacífico ocidental, onde elas prosperaram. Por esse motivo, atualmente as línguas itálicas são as segundas em distribuição geográfica, perdendo apenas para as línguas germânicas (inglês).

O francês surgiu do latim vulgar em solo gaulês, conservando várias pronúncias célticas: ct como cht (como no escocês Loch), que mais tarde, se tornou it (desse modo, a palavra factum, em latim, se tornou fait em francês); e o u latino como o u alto como o francês tu. Assim que a latinização da Gália foi consumada sob a tutela romano-germânica, ocorreu a invasão de novas tribos germânicas, com os francos dominando a maior parte do norte da Gália. A influência germânica afetou muito a fonologia do latim vulgar falado ali. (O sul da Gália não sofreu esse processo; seu latim vulgar se desenvolveu na autônoma língua provençal.) Os estágios de desenvolvimento do francês são francês antigo (842 a 1350), francês médio (1350 a 1605) e francês moderno (1605 até o presente).15 Desde o século doze, o francês é uma das grandes línguas culturais do mundo, sua rica literatura afetou o rumo de muitas outras, mesmo de línguas e literaturas não indo-europeias.16

O espanhol surgiu do latim vulgar falado em solo céltico, na península Ibérica.17 O espanhol antigo (1100 a 1450) está atualmente preservado na fala dos poucos falantes remanescentes do judeu-espanhol (do mesmo modo que o iídiche preserva parcialmente o alto-alemão médio). O espanhol moderno (1450 até o presente) foi dominado pelo dialeto castelhano, que estabeleceu os padrões da língua escrita, ou castelhano. O espanhol conservou muitas características do latim vulgar perdidas em outras línguas românicas. Porém, devido à longa ocupação muçulmana na Espanha (713 a 1492), sua língua adquiriu muitas palavras árabes. Em épocas mais recentes, os

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dialetos da América Hispânica emprestaram muitas palavras americanas nativas. Hoje, o espanhol é, depois do inglês, a segunda língua mais amplamente distribuída do mundo.18

O italiano é uma forma evoluída do latim vulgar falado no solo original dos povos itálicos.19 Devido a seu caráter nativo, o italiano conservou o maior número de características originais do latim — ou seja, ele não experimentou os vários substratos ou invasões que tanto alteraram outras línguas românicas. Inovações gramaticais específicas como a formação do plural (finais —i/-e/-a) diferenciam o italiano das línguas românicas ocidentais (-s/-es), assim, o italiano está formalmente alinhado com o romeno, ao românico oriental. Única entre as línguas românicas — e fato realmente raro no mundo — é a fonologia quase sem modificações do italiano no decorrer de vários séculos: qualquer italiano educado dos dias de hoje consegue ler facilmente seus poetas medievais sem treinamento especial. Por esse motivo, a história do italiano não é categorizada em períodos antigo, médio e moderno, encontrados na maioria das línguas europeias. O longo período de desunião política italiana também promoveu um desenvolvimento dialetal separado que levou, como no caso do alemão, a literaturas dialetais locais de grande força: a italiana central e do sul (com o siciliano); toscana (com os dialetos corsos) e romana Umbra; e a alta italiana ou o grupo de dialetos galo-italianos. Hoje, os dialetos italianos das principais cidades da Toscana (Florença, Siena, Arezzo) e de Roma constituem o padrão nacional, ou a língua toscana in bocca romana.

LÍNGUAS GERMÂNICAS

No terceiro milênio a.C, um povo indo-europeu que havia seguido os celtas para fora da Europa oriental ocupava o local onde hoje

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fica a Suécia, a Dinamarca e o norte e nordeste da Alemanha. Era o povo germânico, sua língua era acima de tudo caracterizada por uma reinterpretação sistemática radical das consoantes indo-europeias (o Primeiro Desmembramento do Som) e por outras inovações específicas. Mil anos depois, tribos germânicas isoladas migraram para o leste para Weichsel, ao sul do Danúbio e ao leste do Rhine, expulsando ou absorvendo os celtas nativos. Nessa época, havia duas tribos germânicas principais, identificadas por sua interpretação de sons específicos do protoindo-europeu: os falantes do germânico setentrional (godo-nórdico) haviam mudado esses sons; os falantes do germânico ocidental os preservaram. Durante o primeiro milênio a.C, os falantes do germânico ocidental, crescendo cada vez mais em número, começaram a expulsar os celtas vizinhos em direção ao sul e ao oeste. Nos primeiros séculos d.C, escandinavos, balto-germanos, germanos do Mar do Norte, germanos do Elba e germanos ocidentais viviam em pequenas comunidades diferenciadas.20

Além dos relatos antigos gregos e romanos, que confundem as tribos germânicas com os celtas, o indício linguístico mais antigo de uma presença germânica até então é a curta inscrição do casco Negau encontrado na Estíria (sudoeste da Áustria), datado do início da Era Cristã. Nessa época, os falantes do germânico setentrional do leste, mais conhecidos como 'godos', repetiam o que os falantes do celta haviam feito séculos antes: migrando para a Espanha (até mesmo para a África), a Gália, a Itália, a Península Balcânica, o Mar Negro, e a Ásia Menor. O documento gótico mais significativo continua sendo a tradução da Bíblia, do bispo visigodo Wulfila (311 — 83 d.C), que sobreviveu num manuscrito ostrogótico transcrito em letras gregas mais de um século após a morte do bispo. Como preserva muitas formas linguísticas germânicas mais antigas, o gótico tem uma utilidade con-

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siderável em comparações histórico-linguísticas. Entre outras línguas germânicas setentrionais cujos falantes faziam a história da Europa ocidental dos primeiros séculos d.C. estavam o burgundo, o vândalo, o gepídico, o rugiano e o Scirano, entre outras, que sucumbiram no primeiro milênio d.C. para o latim vulgar local. O gótico da Crimeia, falado ao longo do Mar Negro, sobreviveu até o século dezesseis.21

A língua nórdica antiga original dos germânicos setentrionais está preservada em inscrições rúnicas encontradas em quase todas as regiões da Escandinávia, algumas datando do século quatro d.C. As inscrições exibem uma língua arcaica que retém as vogais de sílabas átonas (horna para 'horn'), uma característica que foi perdida mais tarde. Provavelmente, a língua nórdica antiga já havia se diferenciado em nórdico oriental (que compreendeu mais tarde o sueco, o dinamarquês e o gútnico) e o nórdico ocidental (norueguês, feroês e irlandês) na metade do primeiro milênio d.C; porém, a intercomunicação ativa dos séculos seguintes impediu que os dois grupos perdessem a inteligibilidade mútua.22 O nórdico antigo surtiu um grande impacto no inglês antigo do final do primeiro milênio d.C. Pouco depois, o irlandês antigo enriqueceu a literatura mundial com suas canções Eddas, sagas, poemas e histórias dos escaldos ou bardos. A Escandinávia preservou a unidade linguística por muito mais tempo que qualquer outra comunidade germânica. Por esse motivo, hoje suas línguas podem ser mais consideradas como dialetos da língua escandinava do que línguas separadas.

O 'Segundo' Desmembramento do Som do alto-alemão dividiu as tribos germânicas ocidentais em dois grupos distintos: os falantes do alto-alemão do interior e os falantes do baixo-alemão no norte e noroeste da área costeira.23 Já nos séculos sete e oito d.C. escribas medievais usavam o alfabeto latino para registrar uma variedade de

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coisas em alto-alemão médio. Predominava o frâncico renano da corte de Carlos Magno. Mais tarde, na Idade Média, a influência política se transferiu para a alta Alemanha, onde se falava dois dialetos principais: o alemânico no oeste e o bávaro no leste. No século dezesseis, os reformadores da Igreja, liderados por Martinho Lutero, usavam o novo peso político da Alemanha central para difundir suas publicações; de seu dialeto alemão central emergiu o alto-alemão moderno, hoje a língua padrão da Alemanha.24

O alto-alemão se tornou uma das grandes línguas culturais do planeta. Os poetas, dramaturgos e romancistas alemães ainda são proeminentes na literatura mundial. No século dezenove, o alemão era a língua principal da ciência e da cultura. O alemão é rico em dialetos, desde o plattdeutsch, do norte, ao tirolês meridional, nos vales alpinos do extremo norte da Itália. A fonologia do alemão medieval ainda pode ser ouvida hoje em algumas regiões dos Alpes. Uma relíquia do dialeto alemão medieval, o iídiche, foi preservada durante muitos séculos por uma comunidade especial; ele é falado até hoje, principalmente em Nova Iorque e Israel.

Uma língua do baixo-alemão, o baixo-frâncico medieval, sobrevive nos Países Baixos com o holandês; seu dialeto meridional é o flamengo, uma das três línguas oficiais da Bélgica (flamengo, valão e alemão). O holandês foi levado para a África do Sul no século dezessete, e se desenvolveu numa língua autônoma, o africâner, que, hoje, está sendo substituída pelo inglês, a ex-língua colonial da África do Sul, sob o novo regime nativo.

No século cinco d.C, muitas comunidades de baixo-alemães que viviam ao longo do Mar do Norte — anglos, saxões e jutos da Dinamarca — migraram para o leste e o sul da Britânia, unindo-se aos alto-alemães descendentes das tropas romano-germânicas de Roma.

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Sua fusão linguística criou uma nova língua que, um dia, dominaria o mundo: o inglês. O saxão antigo foi escrito pela primeira vez em solo inglês no século sete; o poema anglo Beowulf, a maior e mais antiga saga dos povos germânicos, foi provavelmente composto no norte da Inglaterra pouco antes de 750 d.C. O inglês antigo (700-1100 d.C.) compreendia três dialetos principais, com muitas variantes e influências estrangeiras: o kentish, no sul (Kent e Surrey); o saxão, no território meridional central (Sussex a Middlesex); e o anglo, ao norte (Essez a Nortúmbria). Quase substituído pelo francês após a invasão normanda de 1066, o inglês médio (1100 a 1500) era composto por quatro dialetos principais altamente influenciados pelo francês e o latim: o meridional, centro-ocidental, centro-oriental e setentrional. Chaucer escreveu seus Contos de Canterbury no dialeto londrino que fazia fronteira tanto com o inglês meridional quanto com o centro-oriental. Devido à centralização política, o dialeto londrino acabou se tornando a língua padrão da Bretanha.

Com seu início no século dezessete, a língua inglesa seguiu o exemplo do holandês e foi levada para a América do Norte, as Índias Orientais, o Caribe, partes da África e para a Índia. Enquanto a influência do holandês diminuía, a do inglês crescia. A colonização da Austrália, da Nova Zelândia e de várias regiões do Pacífico ocorreu nos séculos dezoito e dezenove. Essa expansão global resultou na criação de um Inglês Padrão Internacional, a principal língua de falantes bilíngues do planeta. Em número de falantes nativos, o inglês só perde para o mandarim chinês. O crescimento internacional do inglês não tem paralelos na história mundial. Com o advento do Inglês Padrão Internacional, uma verdadeira língua mundial foi quase alcançada pela primeira vez.25

A maior parte das semelhanças que as línguas germânicas um dia possuíram foi substituída pelo grande número de idiossincrasias

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extremas que surgiram nas línguas sobreviventes. O vocabulário itálico do inglês e a perda de inflexão (terminações de palavras que marcam características gramaticais, como em 'whom'), a estrutura sentenciai emaranhada do alemão (com o verbo quase sempre no final da sentença), a sufixação dos artigos definidos do escandinavo (a palavra islandesa bók significa 'livro', mas bókin significa 'o livro') além de muitas outras inovações. A diversidade das línguas germânicas é a antítese da homogeneidade itálica.

LÍNGUAS BANTAS

A família linguística africana banta compreende hoje cerca de 550 línguas — um número gigantesco quando comparado com a família indo-europeia, que tem pouco mais de 100. Descendente do ramo benue-congolês da suposta superfamília linguística 'nigero-congolesa', as línguas bantas cobrem uma imensa área geográfica.26 Quase todos os povos da África central, desde do baixo rio Cross no oeste até o sul da Somália no leste, falam línguas relacionadas, imprecisamente agrupadas sob o nome banto ('povo'). Originalmente limitadas à região da baía de Benin antes de 1000 d.C, apenas no último milênio as línguas bantas alcançaram a enorme distribuição vista hoje — embora no século dezessete, o holandês houvesse alcançado o Cabo da Boa Esperança antes do banto. Além disso, o alto grau de semelhança linguística entre as línguas bantas revela uma proximidade de longa data.

Quatro das principais línguas 'nigero-congolesas' são bantas: ruanda, macua, xhosa e zulu. O suaíli é o idioma banto do litoral leste da África e de Zanzibar que, muitos séculos atrás, emprestou um grande número de palavras do vocabulário árabe para ser usado, com a gramática banta, como língua franca. No século dezenove,

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negociantes de escravos árabes usavam o suaíli como língua comercial em lugares interioranos tão distantes quanto o Congo.27

As línguas bantas foram reconhecidas como pertencentes a uma única família mais de um século atrás. Desde então, se seguiu a reconstituição da fonologia (sistema de sons significativos) e morfologia (formação sistemática de palavras) bantas. Porém, empréstimos frequentes entre as línguas bantas relacionadas (ou seja, difusão areai e convergência) tornaram a descrição da árvore genealógica banta extremamente difícil.28

Um estudo recente usou o método da léxicoestatística — a comparação de 100 (ou 200) itens de palavras básicas ou culturalmente neutras entre línguas relacionadas — para construir um perfil geral e altamente especulativo da 'árvore genealógica' banta.29 A léxico-estatística sustenta que o vocabulário central sempre se comporta de maneira diferente do periférico; que a substituição de palavras ocorre numa taxa constante; e que um léxico, ou lista de palavras, pode, sozinho, fornecer informações sobre relacionamentos genéticos. A origem da família banta, segundo esse estudo, seria supostamente no vale Benue da atual Nigéria. Lá, cerca de 5.000 anos atrás, o banto se dividiu entre banto ocidental e banto oriental. O estudo diz que as línguas bantas ocidentais se desenvolveram ao leste do rio Cross no oeste de Camarões. Começando em cerca de 1560 a.C, as línguas bantas ocidentais se expandiram gradualmente por toda a África central, talvez com os portadores de novas técnicas de agricultura. O banto ocidental divergiu numa sucessão de línguas descendentes, em que cada uma se diferenciou, em distintas épocas, do 'corpo principal' (um termo relativo) dos falantes do banto ocidental, um processo bem diferente da fragmentação geral das línguas germânicas.

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Segundo essa interpretação, os primeiros a 'divergir' foram os falantes de nen-yambassa. Depois deles, foi a vez dos myene-tsogo, seguidos pelos bioko. Em cerca de 1120 a.C, os aka-mbati, as línguas do norte do Zaire, se diferenciaram das línguas do sudoeste e se dispersaram. Cerca de dois séculos depois, o 'corpo principal' dos falantes do banto ocidental se dividiu em dois e estabeleceu duas famílias separadas: o banto sul-ocidental e savana, incluindo as línguas congolesas e gabão-congolesas. Cerca de 580 a.C. as línguas buansoan se diferenciaram, e depois as línguas buan se dividiram internamente cerca de um século e meio depois. Cerca de 170 d.C, as línguas biran divergiram do buan, tornando-se o grupo mais oriental do subgrupo. A expansão inicial do banto ocidental cessou quando o grupo linguístico meridional maniema se diferenciou da língua vizinha savana cerca de 330 d.C. Apenas no segundo milênio d.C, as línguas bantas se expandiram rapidamente para as extremidades leste e sul da África, substituindo muitas das línguas nativas que encontraram no caminho.

Essa árvore genealógica das línguas bantas ocidentais foi proposta recentemente, na falta de uma língua escrita, com base na reconstituição comparativa léxico-estatística, que reconhece que, como em todas as mudanças linguísticas, certas inovações têm de vir antes de outras.30 A essa árvore genealógica, foram anexadas mais estimativas estatísticas que estudam o vocabulário para determinar o relacionamento entre línguas em particular e seu desenvolvimento através do tempo. Isto se chama glotocronologia, e é um método linguístico tão especulativo quanto a léxicoestatística. Sua fórmula é baseada na observação de línguas com uma longa história escrita, em que todo o vocabulário básico muda ou é substituído numa taxa constante. A fórmula deveria permitir que qualquer porcentagem léxicoestatística dada (calculada pela

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comparação de palavras básicas selecionadas entre línguas semelhantes) fosse expressa em termos de um número de anos específico, segundo os proponentes da glotocronologia.

Porém, as taxas de substituição de vocabulário não são constantes. Isso pode ocorrer, como propõe uma nova teoria, porque as línguas também passam por longos períodos de equilíbrio. Durante tais períodos, as mudanças podem ocorrer através de difusão, ajustes internos da língua ou convergência linguística. Esses períodos podem ser seguidos por uma 'pontuação' ou perturbação súbita, que leva à criação das assim chamadas 'árvores genealógicas'. Consequentemente, todos os dados glotocronológicos para o banto continuam como especulação subjetiva.

Apenas comparações fonológicas (baseadas no sistema de sons de uma língua) que forneçam cronologias relativas para desenvolvimentos linguísticos relacionados sustentam uma validade incontestável neste campo de pesquisa, embora não possam fornecer dados absolutos. Apesar disso, pode-se dizer com uma certeza razoável que, no início da Era Cristã, os falantes de banto ocidental ocupavam a maior parte do oeste da África central. Mais de um milênio depois, as línguas bantas iniciaram suas grandes migrações que, eventualmente, as levaram ao extremo sul do continente africano no final do século dezessete.

LÍNGUAS CHINESAS

O chinês ou sinítico é a subfamília mais oriental e importante da grande família linguística sino-tibetana.31 Seus membros são línguas isolantes — ou seja, sua 'palavra é geralmente um morfema (a menor unidade significativa de uma língua), com uma construção sintática e/ou partículas especiais que mostram as relações gramaticais.

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Diferente das línguas célticas, germânicas e itálicas, que se tornaram isolantes apenas recentemente, o chinês preservou essa característica em todos os estágios de sua história. Provavelmente, menos de 5.000 anos atrás, os primeiros falantes de sino-tibetano entraram no Vale do rio Amarelo e se instalaram permanentemente. Quem eles encontraram ali — aqueles cuja língua ajudou a criar o que veio a se tornar o chinês — permanece desconhecido. Parece que uma grande parte do vocabulário chinês, mas não sua gramática, poder ter sido emprestada desses primeiros habitantes.

Durante a Dinastia Chou (1050 a 220 a.C), o chinês era falado numa área muito mais restrita do que no presente. Sua terra natal foi a Planície do rio Amarelo. Mas seus domínios se expandiram para as periferias já no primeiro milênio a.C. Com os séculos, a conquista das etnias vizinhas impôs a língua chinesa nos territórios onde ela é atualmente falada — de modo semelhante ao latim no ocidente. O chinês antigo era falado antes do século seis d.C. O chinês médio designa a língua falada entre os séculos seis e dez. O mandarim antigo foi ouvido desde o século dez até o século quatorze (início da Dinastia Ming), o mandarim médio do século quatorze ao dezenove e o mandarim moderno do início do século dezenove até o presente.

Além da descendente sinítica, o mandarim chinês, ser falada como primeira língua por um número maior de pessoas do que qualquer outro idioma do planeta, o chinês é uma das poucas línguas (ou famílias linguísticas) contemporâneas cuja história está documentada por meio da escrita numa tradição contínua que remonta à metade do segundo milênio a.C. Nessa época, durante a Dinastia Shang (cerca de 1700 a 1100 a.C), textos divinatórios em conchas e ossos foram escritos numa linguagem obviamente relacionada com aquela que foi mais copiosamente documentada na sucessora Dinastia Chou. Não há

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dúvidas de que a língua da Dinastia Chou gerou todos os estágios posteriores do chinês, incluindo as línguas chinesas faladas atualmente.

Devido ao sistema de escrita logográfica (ou seja, não alfabética) da língua chinesa, até mesmo a reconstituição da pronúncia dos logogramas do chinês médio é difícil, uma vez que o elemento fonético (som) não é claro. O processo de reconstituição vem sendo auxiliado por antigos dicionários de rima chineses, que podem ajudar a reconstruir terminações de palavras e pela comparação de empréstimos das línguas coreana e japonesa para a identificação dos inícios das palavras. A reconstituição linguística histórica demonstrou que antes do século dois a.C, o chinês antigo usava agrupamentos consonantais no início de uma palavra, mas sua natureza precisa ainda é desconhecida. Com o tempo, eles foram reduzidos a consoantes únicas, como resultado os morfemas das línguas chinesas são palavras monossilábicas. (Agrupamentos consonantais sobrevivem em terminações de palavras em algumas poucas línguas chinesas.) Também foi sugerido que o sistema de vogais do chinês antigo continha apenas duas vogais, o que é improvável, ou então que contava com quatorze vogais. Além disso, é evidente que o chinês primitivo era uma língua flexiva — ou seja, a função sintática era mostrada por meio da mudança das palavras — e que as distinções efetuadas pelas inflexões, uma vez que essas inflexões foram perdidas, foram preservadas pela introdução ou expansão de diferentes tons nas palavras, um outro método de marcar função ou sentido. Os especialistas ainda estão em processo de reconstrução do chinês antigo.

Durante a Dinastia Chou, a língua escrita chinesa, da mesma forma que o latim clássico, provavelmente não diferia muito da fala educada comum. Porém, no final da Dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C), a língua falada não seguia mais a escrita, e a lacuna entre as duas

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se alargou nos séculos seguintes. Novamente, como no caso do latim no Ocidente, a escrita chinesa não refletia as línguas vernáculas que emergiam. Sempre houve dialetos regionais em chinês, mesmo numa época muito primitiva. Mas eles não se desenvolveram em línguas separadas até o final do primeiro milênio a.C, ou seja, quase 1.000 anos antes do surgimento das línguas românicas a partir do latim vulgar.

O chinês médio era muito diferente do chinês antigo. Nessa época, os agrupamentos consonantais haviam desaparecido totalmente. Além disso, o sistema tonai do chinês médio já contava com quatro tons para registros altos e quatro tons para registros baixos, como ainda ocorre nas línguas do sul da China. (Por outro lado, o mandarim de Pequim atual, falado no norte, reconhece ao todo apenas quatro tons para as palavras.) Entre o chinês médio e o chinês moderno ocorreu uma grande redução no número de fonemas — sendo um fonema o menor som significativo de uma língua que distingue uma palavra (ou parte de uma palavra) de outra — como os dois fonemas que distinguem mão de pão. O processo deixou como resíduo muitos homófonos, ou palavras que possuem o mesmo som, e a língua de Pequim contém hoje o menor número de fonemas. Essa redução no número de fonemas em todas as línguas chinesas tornou inevitável a formação de novas composições de palavras, principalmente de conjuntos de sinônimos (palavras com o mesmo, ou quase o mesmo, significado). Por esse motivo a 'palavra' chinesa atual não é mais monossilábica (com uma sílaba), mas di- ou mesmo polissilábica (com duas ou mais sílabas).

Hoje, as oito principais línguas chinesas constituem uma família de línguas mutuamente ininteligíveis, com vários dialetos principais cada. Embora o chinês antigo possa ser hoje tão diferente do mandarim chinês contemporâneo de Pequim quanto o latim clássico é do francês de Paris, permanece, contudo, um forte senso de unidade linguística

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entre todos os falantes do chinês. Isso é o resultado de três fatores: um texto logográfico que não reflete línguas diferentes ou mudanças diacrônicas; uma língua escrita baseada num dialeto padrão que previne a competição entre outros dialetos; e a unidade política do povo chinês, quase sem paralelos na história. Hoje, a língua escrita chinesa é uma continuação direta da língua padrão vernacular literária do chinês médio.

Porém, na língua falada — não escrita — o significado original verbal ou pronominal (relativo aos pronomes) de muitas das partículas gramaticais usadas para esclarecer as relações sintáticas numa sentença foi enfraquecido no chinês moderno ao papel de afixos gramaticais ou palavras de ligação. O chinês moderno hoje tende ao polissilabismo, usando palavras com várias sílabas, e até mesmo à aglutinação — a formação de palavras derivadas ou compostas pela união de constituintes com um significado.

O mandarim chinês do norte sustenta três dialetos principais: mandarim setentrional (bacia do rio Amarelo e Manchúria), mandarim do sudeste e mandarim do sudoeste. Durante a maior parte da história da China houve uma língua padrão, compreendendo tanto a língua falada quanto a escrita. Uma fala comum, ou língua franca, era necessária para o comércio, a burocracia e a consolidação política por um rígido governo central. Nos dias de hoje, o mandarim chinês surgiu da língua franca usada nas dinastias estrangeiras Liao (916 a 1125 d.C), Jin (1115 a 1234 d.C.) e Yuan (1271 a 1368 d.C), sendo que todas as três mantiveram suas capitais na área geral de Pequim. Usado em todo o norte da China e além, ou seja, cerca de dois terços dos falantes chineses, o mandarim é falado por aproximadamente um bilhão de pessoas. O dialeto mandarim setentrional da capital Pequim é a base para o Chinês Comum Vernacular, introduzido no início do século vinte, que serve como base para a maioria dos dicionários ocidentais.

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As sete principais línguas chinesas do sul atuais são geralmente mais conservadoras em suas fonologias e sistemas tonais do que os dialetos do norte. Os dialetos min nan são falados no sudeste, geralmente em Zhejiang, Fujian e as ilhas de Hainan e Taiwan. Os dialetos min pei são encontrados no noroeste de Fujian. Em Shanxi e no sudoeste de Hebei podem ser ouvidos os dialetos gan. Os idiomas wu são falados no delta do Yang-Tsé, incluindo Xangai e outras partes de Anhui, Jiangsu e Zhejian. Os dialetos yueb ou cantonenses do sul são ouvidos principalmente em Guangdong, no sul de Guangxi, em Macau e também em Hong Kong. O hakka é uma língua bem distribuída, cujos dialetos são falados principalmente entre Fujian e Guangxi. O hsiang, também conhecido como hunan, é falado na região de Hunan, no centro-sul da China.

Durante muitos séculos, coreanos, japoneses e vietnamitas usaram o chinês literário como seu meio cotidiano de expressão escrita. Mesmo hoje, esses três povos continuam a usar raízes chinesas para criar novas palavras em seus vocabulários. Por este e outros motivos, o chinês pode muito bem ser chamado de 'latim da Ásia Oriental'. Devido a numerosas migrações recentes — talvez de pequeno alcance quando comparadas às migrações dos falantes de inglês e espanhol — o chinês pode ser ouvido na maioria das grandes cidades de todo o mundo. A influência da família linguística chinesa permanecerá, sem sombra de dúvida, considerável durante a maior parte do século vinte e um.

LÍNGUAS POLINÉSIAS

A Polinésia também sustenta uma árvore genealógica respeitável.32 Cerca de 6.000 anos atrás, sua mãe, a superfamília linguística austronésia gerou uma família proto-oceânica que incluía, por um

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lado as línguas austronésias da Nova Guiné, do Arquipélago de Bismarck, das ilhas Salomão, da Nova Caledônia e de outras ilhas do Pacífico Ocidental, e por outro lado, a família linguística proto-oceânica oriental. A última compreendia as línguas ocidentais das Novas Hébridas norte e central, da Micronésia e de Rotuma e a línguas orientais protopacíficas centrais, que, eventualmente se tornaram protofijianas no Ocidente, e protopolinésia, cerca de 1500 a.C, no centro-leste do crescente Fiji-Tonga-Samoa.

As línguas polinésias estão entre as mais conservadoras do mundo. As vogais, o vocabulário e a gramática polinésia permaneceram extraordinariamente estáveis nos últimos 3.500 anos, num grau talvez nunca visto no planeta. Pode-se atribuir esse fato ao extremo reducionismo (simplificação) já presente no protopolinésio — poucas consoantes, vocabulário monossilábico e dissilábico simples, reduplicação frequente (duplicação de palavras, como hulahula) e um número muito limitado de partículas que mostram funções gramaticais. Assim, as mudanças que ocorreram nas línguas polinésias são geralmente mudanças consonantais em um estágio, como de k para ', a parada glotal; ng para n ou '; e t para k, que são quase de natureza dialetal, permitindo uma quase inteligibilidade em toda a Polinésia. O notável conservadorismo e a homogeneidade das línguas polinésias também são, provavelmente, o resultado de um comércio ativo contínuo entre a maioria dos grupos insulares até poucas centenas de anos atrás.

Diferente da maioria das outras famílias linguísticas, a família polinésia não contém nenhum membro cuja inclusão seja controversa. Porém, os limites entre língua e dialeto são frequentemente pouco claros, devido ao grande número de línguas semelhantes que compartilham um vocabulário quase idêntico, com exceção de substituições

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fonológicas menores, facilmente identificáveis. Por exemplo, 'casa' em samoano é fale, em taitiano é fare, em rapanui (Ilha de Páscoa) é hare, em maori é whare e em havaiano é hale. Há cerca de 36 línguas polinésias faladas atualmente, desde as Ilhas Salomão no Pacífico Ocidental até a Ilha de Páscoa no sul do extremo Pacífico Oriental, descendentes de uma única comunidade original que, cerca de 3.500 anos atrás se desenvolveu dentro de seu novo isolamento, com contatos apenas esporádicos com a terra natal, uma cultura e língua únicas que milênios depois, os ocidentais chamaram de 'Polinésia, do grego poli para 'muitos' e nesos para 'ilha.

Após a diferenciação de sua língua-irmã, o protofijiano, o protopolinésio experimentou um longo período de desenvolvimento isolado, provavelmente em Tonga.33 Em toda a história da Polinésia, a causa comum da diferenciação linguística continuou a ser a remoção de falantes de uma ilha ou arquipélago para outro. A continuidade linguística da população estabelecida estava assegurada, porque os pequenos números de subsequentes visitantes não imporiam sua língua sobre a população de uma grande ilha. Em Tonga, no segundo milênio a.C, a protolíngua se dividiu em duas famílias: a prototongíca (que eventualmente gerou as línguas tonganesa e niueana) e a família linguística protopolinésia nuclear, que provavelmente se originou no povoado de Samoa. Cerca de 2.000 anos atrás, os falantes de protopolinésio nuclear migraram para as Ilhas Marquesas norte-ocidentais, onde foram bem-sucedidos no estabelecimento de um povoado permanente. Foi nas ilhas Marquesas norte-ocidentais, durante muitos séculos, e com transações comerciais apenas isoladas com a terra natal, que uma nova língua evoluiu — a protopolinésia oriental.

Enquanto isso, em Samoa, a língua ancestral também continuou a se desenvolver, eventualmente se tornando a

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protosamoica-discrepante. Com o tempo, ela gerou a língua samoana, assim como as línguas individuais faladas por grupos que saíram para colonizar outras ilhas, particularmente no primeiro milênio d.C. Como essas últimas divergiram do samoano em diferentes épocas, tornaram-se em suas ilhas isoladas, línguas como o tokelauano, o tuvaluano, o uveano oriental, o futunano oriental, o niuafo'o, o pukapukano e cerca de outras quinze línguas, algumas delas pertencentes aos subgrupos especiais dos assim chamados 'discrepantes', ou comunidades de falantes de polinésio a oeste do 'Triângulo Polinésio' formado por Nova Zelândia-Havaí-Ilha de Páscoa.34

No início do primeiro milênio d.C, os falantes de protopolinésio das Ilhas Marquesas norte-ocidentais migraram para a Ilha de Páscoa, talvez através das Ilhas Tuamotu, Mangareva e Ilhas Pitcairn; sua língua evoluiu para a atual língua rapanui. As Ilhas Marquesas sul-orientais foram subsequentemente colonizadas, ao mesmo tempo que a língua protopolinésia central oriental evoluía ali. Talvez, no século quatro d.C, um grupo de marquesanos tenha se dirigido para o Havaí, onde muitos séculos depois, sua língua se tornou o havaiano. Cerca de um século mais tarde, outro grupo de marquesanos foi para o Taiti, onde sua língua estabeleceu seu próprio subgrupo — taítico — que se espalhou para o arquipélago de Tuamotu, as Ilhas Austrais, as Ilhas Kermadec e as Ilhas Cook. Cerca de 700 d.C, um grupo de falantes de maori das Ilhas Cook trouxe sua língua taítica para a Nova Zelândia. Quando as grandes migrações polinésias chegaram ao fim, cerca de 1000 d.C, e quase todas as ilhas habitáveis do Pacífico já haviam sido colonizadas, o marquesano norte-ocidental e o marquesano sul-oriental diferiam cada vez mais em suas fonologias e vocabulário, até se tornarem línguas separadas no século dezoito. O mesmo processo havia ocorrido em todos os outros lugares onde havia falantes

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do polinésio oriental, assim como nas Ilhas Austrais ao sul do Taiti, embora na maioria dos casos — como em Tuamotu, ilhas Cook e Nova Zelândia — essas línguas diferenciadas sejam chamadas de 'dialetos', mesmo que sua diferença seja maior do que a diferença entre o dinamarquês e o sueco.

No século dezenove, a invasão europeia e americana no Pacífico causou a perda de mais de 96% da população, devido a pandemias calamitosas e tráfico de escravos e a concomitante destruição cultural, nivelamento linguístico, perda dialetal e contaminação linguística e substituições: inglês (Havaí, Nova Zelândia, Samoa, Ilhas Cook), francês (Taiti, Tuamotu, Ilhas Marquesas, Ilhas Austrais e Mangareva) e espanhol (Ilha de Páscoa). Apenas a monárquica Tonga e algumas longínquas ilhas menores foram poupadas do furioso ataque.

Hoje, a maioria dos moradores da Polinésia já perdeu ou está perdendo sua língua ancestral para um idioma metropolitano ocidental, particularmente na Polinésia Francesa, ou está sendo substituída pela língua franca taitiana. Vigorosas línguas polinésias caracterizam populações grandes (tonganesa, samoana, taitiana), pequenas e isoladas (kapingamarangi, tikopiana entre muitas outras) além daquelas cujas línguas já foram faladas por muitos e estão sendo revividas pelo povo com apoio governamental (havaiana, maori). A rica literatura oral da Polinésia — músicas dançadas, cantos sagrados, histórias místicas, genealogias, entre muitos outras — foi quase toda perdida no século dezenove. Apenas uma pequena fração dessa literatura foi escrita por estudiosos ocidentais e poucos insulares que receberam educação ocidental. Só a Ilha de Páscoa possui uma escrita nativa; porém, seu rongorongo foi uma elaboração inspirada por europeus no final do século dezoito.

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Estas linhagens representativas — céltica, itálica, germânica, banta, chinesa e polinésia — exibem a rica diversidade e a universalidade das mudanças linguísticas. A linhagem céltica mostra como uma família linguística importante e amplamente distribuída pode ser reduzida a uma relativa insignificância em apenas poucos séculos. A itálica mostra como uma pequena língua descendente, o latim, pode gerar uma enorme, porém homogênea, família própria, as línguas românicas, cujas fonologias e vocabulários continuam a lucrar com sua língua-mãe milênios depois. Por sua diversidade e fragmentação, a linhagem germânica exibe um desenvolvimento exatamente oposto ao da itálica. Com uma única língua descendente, o inglês, altamente alterado pela linhagem itálica, eventualmente vem se aproximando do status de língua mundial. A linhagem banta produziu muitas línguas descendentes de poucas divisões na África centro-ocidental, e depois, experimentou, no milênio passado, uma expansão sem paralelos, que permitiu que ela dominasse a maior parte do leste e do sul da África. A linhagem chinesa é caracterizada principalmente por sua uniformidade e consistência, talvez resultante de um rígido conformismo social e centralização política durante muitos milênios. E a linhagem polinésia, que se expandiu a ponto de se tornar a família linguística mais amplamente distribuída da Pré-história embora fosse, ao mesmo tempo, talvez a mais conservadora, hoje, corre o risco de sucumbir a línguas metropolitanas mais fortes.

Grandes tendências se tornam evidentes no decorrer dos milênios. Por exemplo, muitas dessas línguas compartilham a transição de um tipo de língua fusional (sintecismo) para um tipo isolante (analiticismo); ou seja, a protolíngua usava terminações em palavras para mostrar sua função sintática, mas as línguas descendentes abandonam essas terminações e usam em vez delas partículas e preposições que

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designam essas funções. Quase toda mudança linguística é cíclica, alternando períodos fusionais, aglutinativos e isolantes e marcação no núcleo verbal (mudanças no verbo), nos elementos dependentes do verbo (mudanças no sujeito/objeto) e ordem sintática rígida em frases e sentenças sequenciais. Em cerca de 3.000 anos, o egípcio evoluiu de fusional para aglutinante, e voltou a ser fusional. Enquanto as línguas mudam, elas tendem a descrever um círculo tipológico similar.35

Pode ser detectada uma hierarquia das mudanças, dentro da qual alguns elementos linguísticos mudam mais rapidamente que outros. A mudança fonológica é o mais frequente tipo de mudança linguística. A mudança semântica também ocorre numa taxa relativamente rápida. Menos frequente, é a mudança morfológica, a mudança sistemática na formação das palavras e também mudanças nas formas gramaticais, especialmente paradigmas (como em latim puer, pieri, puero, puerum e assim por diante). O que também ocorre raramente é a mudança sintática, a mudança sistemática da ordem das palavras numa frase ou sentença. Uma das mudanças mais raras de todas é a sílaba tônica das palavras. O acento, ou sílaba tônica, tende a ser mais uma característica arcaica que ajuda os linguistas a alinhar línguas descendentes a uma língua-mãe, ou palavras emprestadas à sua origem estrangeira. Por exemplo, Marcel em francês, tem seu acento tônico na última sílaba, mantendo o acento da palavra latina paroxítona marcellus, mesmo após ter se tornado uma língua isolada e, perdido a terminação — us. Portanto, o oxítono francês moderno é, na realidade, um paroxítono histórico. Ao reconhecer tais relíquias, os linguistas podem iluminar um grande número de origens e relações linguísticas.

Outra tendência se torna evidente com o passar do tempo. Paradoxalmente, quanto maior a população humana, menor o número de línguas. As comunidades isoladas da pré-história presumidamente

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desfrutavam de uma enorme diversidade linguística. O aumento populacional ocorrido desde o início da urbanização significou a redução dessa diversidade linguística. Particularmente, a corrida para as cidades do início do século dezenove, resultante da Revolução Industrial, que criou a terceira grande onda populacional da história (ainda em andamento), gerou nações que, com a centralização política, exigiam uma língua nacional padronizada. Os idiomas nacionais atuais, as assim chamadas línguas metropolitanas, estão hoje eliminando centenas de línguas menores em todo o mundo. Enquanto a estimativa é de que a população do planeta, hoje por volta dos seis bilhões, dobre nos próximos 50 anos, pode-se esperar que muitas das menores línguas do mundo desapareçam durante esse período.

Um último ponto para concluir esse exame das linhagens linguísticas. Expressões populares como 'a língua tâmil de 5.000 anos' ou 'a língua inglesa de 1.500 anos' não poderiam estar mais longe da verdade. Nenhuma língua do planeta é 'mais antiga' que outra: todas as línguas naturais — ou seja nem revividas nem inventadas — atualmente faladas têm exatamente a mesma idade.

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Em direção a uma ciência da linguagem

'A ciência linguística é um passo na autorrealizaçáo do homem, escreveu o ilustre linguista norte-americano Leonard Bloomfield no início do século vinte.1 O passo percorre milênios. Muito antes da língua escrita, povos antigos divinizaram a fala humana como um dom especial de um deus, uma crença ainda presente hoje em dia em muitas culturas não relacionadas umas com outras. O estudo sério e organizado da língua teve início na Índia e na Grécia no primeiro milênio a.C. e continua sendo feito, numa tradição contínua e mutuamente enriquecedora, até os dias atuais. Traduções latinas de termos gramaticais gregos — substantivo, pronome, verbo, advérbio, adjetivo, artigo, transitivo, intransitivo, inflexão, declinação, tempo, caso, gênero, sujeito, objeto

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entre muitos outros — são usados ainda hoje para descrever a língua na maioria das culturas ocidentais.

Na Índia antiga, os eruditos sânscritos se sobressaíram na teoria fonética (som) e fonológica (sistema de sons significativos) e em aspectos da análise gramatical. Na época seu trabalho era muito mais científico — ou seja, exibia os métodos e princípios do conhecimento sistematizado — do que qualquer estudo europeu do mesmo tipo. Mas pouco se sabe sobre a origem e o início do desenvolvimento da linguística da Índia antiga. Em contraste, há uma continuidade de seu desenvolvimento desde os primórdios da Grécia antiga até os dias de hoje. A linguística grega foi levada para Roma. Os últimos gramáticos latinos de Roma, que estudaram as classes de palavras latinas, suas inflexões, funções e relações sintáticas, inspiraram os eruditos medievais, cujo trabalho foi reinterpretado pelos gramáticos renascentistas. Foram eles que lançaram as bases iniciais para a ciência linguística moderna que finalmente emergiu no século dezenove. Há um fluxo constante de linguistas europeus desde as primeiras especulações gregas sobre o assunto; cada geração desfrutou e lucrou com o conhecimento gerado pelo trabalho de perspicazes antecedentes (ver ilustração 12). Por esse motivo, a história da linguística europeia consegue corporificar uma história da linguística em geral. Apesar disso, não se deve subestimar a influência de linguistas não europeus, uma vez que cada estudioso que escreveu seriamente sobre a linguagem nos últimos dois mil anos e meio contribuiu para o conhecimento sobre o que é a linguagem, de onde ela veio e para onde ela vai.

ÍNDIA

Os estudos linguísticos mais antigos conhecidos do planeta foram feitos na Índia entre 800 e 150 a.C, numa tentativa de preservar

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a literatura oral indiana do muito anterior período védico.2 Como no Ocidente, os eruditos hindus mantiveram uma continuidade dos estudos linguísticos até o presente. A fonética indiana e vários tópicos gramaticais, incluindo tratados profundos sobre fonologia e semântica, feitos até o século dezoito, superam qualquer realização ocidental na área. Embora sem preocupações históricas, os linguistas hindus basearam seus estudos no fenômeno observado da mudança da língua através do tempo.

Diferente da antiga linguística grega, a tradição indiana parecia totalmente amadurecida, a primorosa culminação de um desenvolvimento teórico longo embora não registrado. O primeiro grande trabalho de linguística indiano foram os Astadhyayi ou 'Oito Livros', da gramática sânscrita, escritos por Panini, o primeiro trabalho científico em língua indo-europeia escrito ou transmitido oralmente entre 600 e 300 a.C.3 Os escritos indianos sobre a língua podem ser agrupados sob os mesmos tópicos gerais encontrados na cultura ocidental, embora a tradição linguística indiana preceda e supere a europeia, pois já debatia com profundidade teorias linguísticas, semântica, fonética, fonologia e gramática descritiva. Comparado com a investigação literária e a especulação filosófica, os primeiros linguistas indianos chegaram à conclusão irrevogável de que a relação linguística entre a forma e o sentido se deve mais a uma convenção arbitrária (costumes da sociedade) do que a uma mimesis natural (cópia dos sons da natureza). Seus estudos semânticos também enxergavam os significados das palavras como criações observacionais, assim como heranças.4 Os primeiros linguistas hindus assumiram a visão notavelmente moderna de que sentenças inteiras poderiam compreender unidades linguísticas autônomas (os linguistas ocidentais, que se concentraram durante muito tempo na palavra' como a

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partícula primária da língua, chegaram a essa conclusão pela primeira vez no século vinte).

A antiga questão da linguagem versus substância — ou seja, a expressão vocal era oposição ao sistema herdado de características, categorias e regras — já havia sido antecipada pelos primeiros estudiosos sânscritos da Índia, que desenvolveram a teoria da relação dhvani-sphota. A expressão vocal era dhvani; a substância linguística permanente, inexprimível, era sphota. Assim, o dhvani provinha do sphota assim como 'se tira água de uma nascente'. Na fonética, já em 150 a.C, os linguistas hindus haviam ordenado a descrição fonética em estruturas fonológicas, com processos precisos de articulação (o ato ou modo de dar expressão vocal), divisões consonantais e vogais e síntese segmentai. A partir disso, é evidente que os estudiosos indianos intuíram totalmente os princípios da fonêmica — dos quais se aproximam partes da teoria sphota — que os estudiosos ocidentais só conseguiram descrever adequadamente no século vinte (veja a seguir).

Talvez os linguistas hindus sejam mais conhecidos por sua análise gramatical do sânscrito, especialmente pelos Astadhyayi de Panini, embora o trabalho falhe em compreender totalmente o que hoje se entende por 'gramática'. Os estudiosos da Índia antiga parecem ter sido obcecados pela gramática, procurando estabelecer todas as regras de modo mais econômico e priorizado possível: um comentador notou que poupar metade do comprimento de uma vogai curta ao postular uma regra gramatical tinha 'a mesma importância que o nascimento de um filho'. As regras da formação das palavras, aplicadas de modo rigoroso em sutras ou 'encadeamentos' aforísticos, têm precedência; por outro lado, a descrição fonética e a gramática do sânscrito são quase totalmente presumidas. A

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'gramática' de Panini não apenas fundou a linguística indiana, mas também, cerca de 2.300 anos depois, contribuiu para a criação dos estudos comparativos e históricos europeus sobre a linguagem, que ajudaram a criar a ciência linguística moderna.

GRÉCIA

Porém, a ciência linguística tem seus pilares em solo grego.5 O mais antigo registro de estudo linguístico na Grécia data do início da era clássica, no século cinco a.C. Os gregos não estavam interessados na fala dos bárbaroi ou 'falantes estrangeiros'. Mas os dialetos gregos os fascinavam, uma vez que o grego antigo era altamente diferenciado, como hoje são as línguas escandinavas, mas, mesmo assim, uma unidade subjacente era agudamente sentida por todos os falantes. (No início do século cinco a.C, o historiador Heródoto escreveu: 'toda a comunidade grega, com um sangue e uma língua'.)

A maioria desses dialetos, embora não todos, foi reduzida com a escrita. Na verdade, talvez a maior conquista cultural grega, no início do primeiro milênio a.C, senão antes, tenha sido a elaboração de uma escrita alfabética (veja Capítulo 4). A habilidade de ler e escrever as letras (grámmata) do alfabeto grego era chamada de téchne grammatike e aquele que a dominava era um grammatikós, ou 'gramático'.6 O estudo das letras era uma parte integrante da philosophía ou 'esforço intelectual'. Em particular, os retóricos como Górgias da Sicília, no século cinco a.C, estudavam e escreviam sobre a língua como uma ferramenta para melhorar habilidades oratórias.

Platão (427?-347 a.C.) recebeu mais tarde os créditos como 'primeiro investigador das potencialidades da gramática'. Seu diálogo Crátilo compreendia um debate sobre a origem da língua e as relações

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12 Breve panorama do desenvolvimento da Linguística.

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entre palavras e seus significados: ele mostra que os naturalistas acreditavam que as palavras eram onomatopaicas (com o som sugerindo seu significado) e simbólicas em seus sons, mas os convencionalistas sustentavam que as palavras eram arbitrariamente mutáveis, ou seja, que qualquer mudança linguística é uma mera convenção.7

Aristóteles (384-322 a.C), o maior intelecto da Antiguidade, escreveu ecleticamente sobre a língua, desenvolvendo sua própria opinião sobre o assunto: A língua é convenção, uma vez que os nomes não aparecem naturalmente'. Seu entendimento sobre a linguagem era inequívoco: 'Fala é a representação das experiências da mente'.

Trabalhos feitos pelos estoicos no segundo século a.C. investigaram os aspectos individuais da língua pela primeira vez na cultura ocidental. Os estoicos foram os primeiros a dividir os estudos da língua em fonética, gramática e etimologia (história da palavra). Os gregos se destacaram na gramática e seu estudo influenciou a trajetória da linguística ocidental por mais de 2.000 anos.

Com a mimesis (imitação da natureza) versus a convenção (sociedade) na origem da língua — com os estoicos favorecendo a mimesis e Aristóteles a convenção — também havia uma dicotomia no pensamento sobre se a anomalia (irregularidade) ou a analogia (regularidade) seria o principal tema da língua.8 (Enquanto cruzava os Alpes, numa campanha militar, no primeiro século a.C, Julio César ocupou seu tempo refletindo sobre a controvérsia entre a anomalia e a analogia na linguística clássica, tal era a sua popularidade.) Aristóteles havia sustentado que a analogia era o fator dominante na morfologia grega, ou formação sistemática de palavras. Por sua causa, hoje os linguistas modernos entendem que uma descrição moderada da morfologia grega está na identificação e regularização de analogias formais.

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Após os estoicos, o estudo linguístico grego se concentrou principalmente com a pronúncia correta e o estilo literário, junto à criação de acentos gráficos para reproduzir com precisão o grego falado na escrita, e com a produção dos melhores textos do trabalho de Homero. Uns poucos estudos fonéticos foram escritos, mas eles eram alfabeticamente orientados, presumindo uma relação inválida entre as letras de um texto e os sons distintos da língua falada. (A verdadeira relação entre letras e sons não foi considerada até os tempos modernos.) Na Grécia, o entendimento da fonética permaneceu subjetivo e poeticamente interpretativo e não chegou nem perto da adequação descritiva dos linguistas hindus.

Porém, a análise gramatical dos gregos antigos tinha um alto padrão e seu sistema e nomenclatura se tornaram exemplares. Baseada principalmente no grego clássico da região de Atenas, a descrição gramatical grega assumiu o modelo palavra-e-paradigma tão familiar a gerações de estudantes latinos: amo 'eu amo', amas 'tu amas', amat 'ele/ela ama', e assim por diante. Mas a morfologia clássica não era um substituto para uma teoria do morfema (a menor unidade significativa de uma língua), então, a linguística grega, 'empacada' apenas no 'nível da palavra', não conseguiu avançar e chegar ao estágio de discernimento que a Índia havia alcançado séculos antes. A fonologia também estava focada na pronúncia das letras do alfabeto, fazendo com que o estudo da língua grega continuasse sendo principalmente uma descrição da língua escrita — e não a falada. Porém, os gregos, particularmente por intermédio dos escritos de Platão e Aristóteles, criaram uma nomenclatura linguística para descrever características e processos linguísticos observáveis pela primeira vez em língua europeia, e foi dessa maneira que ferramentas tão notavelmente úteis como 'substantivo' e 'verbo' entraram em circulação.

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A mais antiga descrição explícita da língua grega, a Téchne Grammatike de Dionísio Thrax, do início do primeiro século d.C, fornece o que foi durante treze séculos considerado o texto definitivo sobre a linguagem, omitindo apenas a sintaxe (ordem da frase ou sentença). A brevidade, precisão e simplicidade de Thrax, assim como sua exagerada exposição das regularidades linguísticas, consistiam então no principal domínio da gramática. Na Alexandria egípcia, no segundo século d.C, Apolônio Díscolo, cuja posterior influência nos gramáticos latinos foi gigantesca, compilou a primeira teoria completa da sintaxe grega. Ele basicamente construiu sua descrição sintática sobre dois pilares: o substantivo e o verbo, e descobriu que a gramática está na relação entre esses dois conceitos e sua relação com outras classes de palavras. Nesse estudo, Apolônio prefigurou as muito posteriores distinções sintáticas de sujeito e objeto, e conceitos de regência e subordinação.

Os estudos linguísticos gregos na Constantinopla medieval, com poucas exceções notáveis como a investigação semântica dos casos gregos (levada para a Europa renascentista, ela influenciou a teoria do caso) de Máximo Planude (c. 1260-1310), compreendiam, em sua maioria, comentários literários de textos antigos e careciam da profundidade intelectual dos escritores helênicos.9 Na época, a dinâmica da cultura grega já havia passado havia muito tempo para os romanos, cuja língua latina se tornou o veículo de perpetuação da teoria gramática grega.

OS ROMANOS

Durante o terceiro e o segundo séculos a.C, a Grécia cedeu gradualmente à supremacia romana. Ironicamente, com a tomada

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completa do mundo helênico no primeiro século d.C, a língua grega não se submeteu ao latim, mas o latim capitulou ao grego. Embora os germânicos e os celtas do oeste do império romano houvessem sido forçados a se submeter a administrações de língua latina, o império oriental, sob administração grega, continuou firmemente falando o grego, com funcionários gregos, cultura grega e ideais gregos, uma dicotomia ideológica que, vários séculos depois, levou à divisão do império. A literatura grega compreendia o modelo erudito romano, e a língua grega era a língua da própria cultura, assim como viria a ser a própria língua latina na idade média europeia, mil anos depois.

Como em outras esferas artísticas e intelectuais, a linguística romana era a extensão da linguística grega. Não havia uma separação intelectual clara entre a teoria linguística grega e a romana, mas sim uma continuação da mesma dinâmica com parâmetros filosóficos idênticos, um processo favorecido em parte pela relativa similaridade entre as duas línguas indo-europeias.10 O prolífico intelectual Varro (116-27 a.C.) foi o primeiro crítico latino, cujos escritos sobreviveram, a debater a linguística, embora os romanos tenham certamente compilado trabalhos anteriores. Seu De Língua Latina, com originalmente 25 volumes — apenas os livros de cinco a dez e alguns fragmentos de outros volumes sobreviveram — discute longamente a controvérsia anomalia-analogia na linguística, mas também fornece considerações originais, não sendo uma mera imitação dos mentores gregos, sobre a natureza e os primeiros estágios da língua latina. O trabalho de Varro, dividido em etimologia, morfologia e sintaxe, com tratamento perspicaz e copiosos exemplos em latim, rivaliza com o melhor da Grécia. Embora a ignorância da Antiguidade em relação à linguística histórica também seja pronunciada aqui, onde considerações diacrônicas e sincrônicas são, infelizmente intercambiáveis,

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Varro, ao discutir variações na forma da palavra a partir de uma raiz única, apresenta argumentos pró e contra a anomalia e a analogia, uma solução conciliatória que reconhece ambas na formação das palavras da língua e seus sentidos associados.

Se suas ideias não derivaram de um autor anterior cuja obra tenha se perdido, Varro foi inovador para a sua era. Ele distinguiu a formação derivada (por exemplo, a palavra 'derivação', de 'derivar') da flexionada (por exemplo, a palavra 'derivamos' de 'derivar'), acreditando ser a última uma variação natural, mas a primeira, uma variação artificial e mais restrita. Sua classificação morfológica das palavras latinas também foi altamente original. Diferente dos gregos, Varro não simplesmente reconheceu o caso e o tempo verbal como as principais categorias latinas e gregas e estabeleceu as quatro classes — de acordo com sua flexão — de substantivos (flexão de caso), verbos (flexão de tempo), particípios (caso e tempo) e advérbios (nem caso nem tempo): ele caracterizou as funções específicas de cada um deles. Substantivos davam nome às coisas. Verbos faziam afirmações. Particípios juntavam elementos (eles compartilhavam a sintaxe dos dois anteriores) e os advérbios davam apoio a todos eles. Varro estava obviamente fascinado pelo amplo alcance gramatical das palavras baseadas numa simples raiz comum: lego eu escolho, ler'; lector 'leitor'; legens 'lendo, alguém que está lendo'; e lecte 'primorosamente'.

Varro foi, sem dúvida, o linguista mais original de Roma. Ele se destacou entre outros escritores romanos, que discutiram o tópico apenas superficialmente, concentrados em assuntos literários, ou seguiram cegamente a Téchne de Thrax. Após Varro, desapareceu o interesse pela controvérsia anomalia-analogia. Um notável sucessor foi Quintiliano no primeiro século d.C, que, em seus doze livros do Institutio Oratoria, repetia a afirmação de Thrax que a gramática consistia

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numa ferramenta indispensável para uma educação liberal, e apenas superficialmente examinava o sistema de caso latino. Até o século seis d.C, a linguística romana constituiu da adoção, análise e aplicação das nomenclaturas e categorias gregas à língua latina. O estudioso alexandrino Dídimo, que escreveu na segunda metade do primeiro século a.C, já havia 'demonstrado' que todas as características da gramática grega também poderiam ser encontradas na gramática latina.

Só no final do período latino foi formalizada uma gramática latina, que serviu como base de toda a educação ocidental que se seguiu.11 O trabalho principal dos últimos gramáticos latinos foi o Institutiones Gramaticae, de Prisciano, escrito cerca de 500 d.C. em Constantinopla. Em seu tomo de mil páginas, Prisciano refletiu a retrospecção de Constantinopla e a Categorização baseada no grego da língua já arcaica da literatura clássica, ignorando as dinâmicas evolutivas da língua falada. O objetivo de Prisciano era claro: traçar uma linguística latina sobre a matriz grega, em particular a Téchne de Thrax e os trabalhos de Apolônio Díscolo, que Prisciano chamou de 'maior autoridade em gramática'. O modelo do trabalho de Prisciano foi o palavra-e-paradigma grego, e nenhum significado era ligado a nenhum elemento abaixo do nível da palavra derivada. Ou seja, Prisciano via domus, que significa 'casa, por exemplo, num nível primeiro da língua e, como toda a Antiguidade ocidental, permaneceu sem saber que tanto dom-quanto — us eram morfemas (menores unidades significativas) e que d, por exemplo, era um fonema (aqui contrastando com o t, em latim tomus significa 'cortar, picar'). Prisciano alcançou a descrição mais abrangente do latim clássico, que serve como base para o ensino da língua latina até o presente. O Institutiones foi a gramática mais copiada nos escritórios de conventos medievais. Ele lançou as bases para os linguistas da Idade Média.

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O MUNDO ÁRABE

A sofisticação cultural do Islã no Oriente Próximo, norte da África e Espanha engendrou um grande número de estudos linguísticos significativos durante a Idade Média.12 Alguns autores desses trabalhos eram na verdade judeus espanhóis, como Ibn Barun, que compilou um tratado comparativo entre o árabe e o hebraico. Porém, a maioria era feita por muçulmanos que centravam sua pesquisa no Alcorão que, desde o século sete d.C, tem sido visto como a palavra de Deus mediada pelo profeta Maomé em língua árabe, que não admite tradução, mesmo entre muçulmanos que não falam árabe. A demanda do ensino do árabe em todo o extenso domínio do Islã exigiu o estabelecimento, durante muitos séculos, de centenas de escolas de árabe, que, então, elaboraram as regras da leitura, escrita e pronúncia árabes.

Algumas escolas do Alcorão realçaram a origem natural e multiforme do árabe como a representação da natureza e generalizaram esse conceito para incluir nele todas as línguas, de modo muito semelhante aos naturalistas da linguística grega clássica. Depois, houve outras escolas, como as de Basra, no sul do Iraque, nas quais Aristóteles influenciou diretamente o reconhecimento árabe da arbitrariedade convencional e regularidade sistemática da língua.13 Contudo, o mundo árabe desenvolveu uma abordagem única da linguagem, e evitou a adoção indiscriminada dos protótipos gregos característica dos gramáticos latinos.

O persa não árabe, Sibawaih de Basra, que escreveu no século oito d.C, consolidou todas as instruções linguísticas árabes em seu tratado gramatical Al kitab (O Livro). Partindo de uma base sólida e estudos linguísticos anteriores, Sibawaih definiu o árabe clássico como

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ele é conhecido hoje. Sua descrição fonética e anatômica da produção do som, guarnecida com uma terminologia precisa, pode levantar suspeitas acerca de uma inspiração indiana, embora não seja necessariamente o caso. Com certeza, Al kitab é, em sua precisão descritiva, superior a tudo o que gregos e romanos conseguiram alcançar.

Os linguistas árabes nunca mais atingiram tal proeminência linguística.

CHINA

Embora o primeiro dicionário de língua chinesa tenha sido compilado entre 1100-900 a.C, a preocupação chinesa com a análise linguística se concentrou numa reprodução mais fiel da palavra falada através de glifos sílabo-fonéticos.14 Em 489 d.C, os tons chineses foram identificados pela primeira vez de um modo sistemático, como componentes de sílabas faladas, talvez graças à influência de monges budistas, familiarizados com a escrita alfabética. Outras análises fonológicas no século onze chegaram por meio das tabelas de rimas chinesas que colocavam as sílabas iniciais em colunas verticais e as sílabas finais em fileiras horizontais, permitindo que todas as características mediais, finais e tonais potenciais do chinês fossem ressaltadas, mesmo que elas não ocorressem na língua falada devido às restrições fonotáticas ('toque-do-som') naturais. A influência dos linguistas sânscritos é evidente na ordenação precisa das sílabas iniciais das tabelas de rimas de acordo com a articulação, entre outras características.

Essa análise fonológica pseudoprosódica (ou seja, relacionada à prosódia, ou ao estudo sistemático da versificação) condizente com o modo como o chinês era escrito permaneceu sendo a base da investigação linguística chinesa em toda a Idade Média até a Idade Moderna.

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Se os estudiosos chineses inicialmente houvessem tratado da literatura clássica do chinês médio, ele teria sido mais tarde ligado ao mandarim de Pequim e outras línguas chinesas. Dignos de nota são os escritos do dialetólogo Pan-lei, que viajou pela China no século dezessete, descrevendo as muitas línguas e dialetos que encontrou.

A linguística chinesa nunca atingiu o nível de investigação erudita tanto do Ocidente quanto, acima de tudo, da índia já no primeiro milênio a.C. Desde o final do século dezenove, um dos principais tópicos da linguística chinesa é a questão da transliteração mais eficiente da escrita chinesa para o alfabeto ocidental.

A IDADE MÉDIA LATINA

A investigação linguística durante a Idade Média Latina — um nome conveniente e talvez historicamente equivocado, para o período entre 600 e 1500 d.C. na Europa — é caracterizada principalmente pela sua orientação: baseada na Igreja, ela permaneceu pedagógica. Como o latim falado e escrito havia sobrevivido à queda romana como a língua erudita em todos os países ocidentais independentemente da língua local, estudar a língua significava estudar a gramática do latim clássico, particularmente no início da Idade Média.15 Das 'Sete Artes Liberais' que compreendiam essa educação, não menos que três — gramática, dialética (lógica) e retórica — envolviam diretamente o estudo da língua latina. Na verdade, durante a Idade Média, a gramática latina foi considerada a mais importante das sete, o próprio fundamento de uma educação adequada. Todas as Sete Artes Liberais eram, é claro, subordinadas à teologia.

Nos estudos gramaticais latinos, as duas principais autoridades, Prisciano e Donato, eram meramente regurgitadas com mudanças

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insignificantes.16 Embora a cópia da Bíblia e o ensino do latim dominassem os monastérios, monges com inclinação linguística também comentavam ou glosavam, redigiam etimologias e compilavam léxicos. Neste último, o mais notável foi Isidoro de Sevilha, na Espanha, que no início do século sete escreveu a Etymologiae, a ‘Britannica’ da Idade Média. Porém, tentativas de gramáticas e livros de conversação latinos independentes, como as feitas por Bede e Alcuin na Nortúmbria no século oito, também apareceram bem cedo. Em particular, os irlandeses estiveram entre os primeiros a aplicar os princípios da gramática latina à língua vernácula local, iniciando uma tradição que prosperou durante muitos séculos na Irlanda.17

Durante o período da filosofia escolástica que começou em cerca de 1100, com o surgimento das primeiras universidades na Europa, a arquitetura gótica e a literatura cortesã, os estudos linguísticos ainda pertenciam à doutrina pedagógica. Mesmo assim, vários deles se destacaram: Doctrinale, de Alexandre de Villedieu, um manual de latim de cerca de 1200; gramáticas galesas e irlandesas; e o Primeiro Tratado de Gramática escrito por um extraordinário irlandês desconhecido no século doze, chamado de o 'Primeiro Gramático'. Ao defender uma reforma na ortografia que melhor reproduzisse a língua islandesa na escrita, o irlandês incluiu uma rara análise fonética e fonológica. Na verdade, o 'Primeiro Gramático' identificou os princípios subjacentes da fonêmica, o sistema interno de sons significativos de uma língua. Seu trabalho, que compreende o melhor que a Idade Média tinha a oferecer, permaneceu ignorado até o século vinte.

A tradição, e não a inovação, linguística floresceu na Idade Média com 'gramáticas especulativas', tratados intitulados De Modus Significandi (Nos Modos do Significado), escritos por muitos autores entre 1200 e 1350 que, geralmente, compartilhavam a

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mesma postura teórica e concepção linguística.18 Esses 'Modistae' integraram as descrições da gramática latina de Prisciano e Donato na filosofia escolástica. (A escolástica é a escola de pensamento que incorpora a filosofia aristotélica na teologia católica.) Os Modistae declararam que a simples descrição do latim não era mais sufi ciente; eram necessárias uma teoria mais profunda e uma melhor justificativa para elementos e categorias do latim. A filosofia havia sido ligada à gramática: 'Não é o gramático, mas o filósofo que, cuidadosamente considerando a natureza específica das coisas, [...] descobre a gramática'.

Desse clima teórico surgiu a noção de uma 'gramática universal' que serviria para todas as línguas. O inglês Roger Bacon (1214?-94), autor de uma das primeiras gramáticas especulativas, escreveu que: A gramática é, em sua essência, uma e a mesma em todas as línguas, e varia nelas apenas acidentalmente'. (Desde então, teóricos linguistas vêm buscando uma 'gramática universal'.) A semântica foi particularmente usada numa tentativa de definir a diferença entre o significatio (significado) de uma palavra e sua suppositio (substituição relacionai).

Mas o principal interesse dos Modistae era a própria gramática, e aqui eles criaram uma elaborada terminologia para explicar um sistema integral e coerente de gramática filosófica, se desviando significativamente de Prisciano para fornecer uma dimensão explanatória para a análise meramente descritiva do latim feita por ele. O sistema sintático dos Modistae, por exemplo, alcançou uma transparência muito maior na função específica das classes de palavras, permitindo uma definição mais adequada dessas. Os Modistae também conseguiram uma teoria abrangente e coerente da estrutura das sentenças e sua análise sintática. Isso envolvia níveis estruturais mais profundos do que as flexões das palavras de Prisciano. Em sua teoria da linguagem, os Modistae

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acreditavam que a mente humana executava processos de abstração, reflexão e comunicação do mesmo modo em todas as línguas — uma teoria que desabou quando as línguas não indo-europeias se tornaram conhecidas. Embora ainda estivessem muito longe da gramática formal atual, as 'gramáticas especulativas' dos Modistae representam uma ponte entre a Antiguidade e a Idade Moderna.

ATÉ O SÉCULO DEZENOVE

Escritores clássicos recolheram dados e descreveram o grego e o latim. Os Modistae medievais especularam sobre o uso do latim. Mas após a Idade Média, os eruditos europeus estudaram as línguas não europeias e leram os trabalhos de linguistas não europeus, não permitindo mais que o grego e o latim dominassem o estudo linguístico. A própria língua se tornou objeto de investigação. É claro que um pouco de árabe e hebraico foi estudado na Idade Média, particularmente o hebraico, por sua importância para o Cristianismo. Porém, no Renascimento, o hebraico se tornou um importante objeto de investigação. O De rudimentis hebraicis, do alemão Johannes Reuchlin, de 1506, ilustrava para os linguistas europeus a diferença radical do sistema de classe de palavras com substantivos e verbos declináveis e partículas indeclináveis. Nessa época também apareceram gramáticos de outras línguas: italiano e espanhol, no século quinze; francês, polonês e eslavo eclesiástico, no século dezesseis. Foram impressos os primeiros dicionários. A Bíblia foi traduzida para línguas vernáculas e a relação entre o hebraico original e o grego foi comparada com elas. A pronúncia e a ortografia se tornaram mais padronizadas com as emergentes literaturas nacionais.

As novas gramáticas de línguas vernáculas se concentravam na ortografia para alcançar o máximo de compreensão entre povos ainda

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não unidos em nações. Particularmente entre as relacionadas línguas românicas: italiano, provençal, francês, catalão, espanhol e português, ficou claro que elas não eram simples corrupções do latim clássico, mas sim línguas autônomas que se diferenciavam de modos sistematicamente descritíveis. As línguas vernáculas estavam se libertando do latim ao mesmo tempo e sendo estudadas por seu próprio mérito, como línguas separadas cujas gramáticas eram igualmente dignas de consideração para os estudiosos.

Um precursor do estruturalismo moderno, o francês Pierre Ramée (c. 1515-72), cuja Dialectique foi o primeiro livro filosófico em língua francesa ('Tudo que Aristóteles disse está errado'), escreveu gramáticas de grego, latim e francês e teorizou sobre a gramática em Scholae Grammaticae. Divergindo da orientação precedente, Ramée declarou que as línguas antigas deviam aderir ao emprego clássico, mas as línguas modernas à observação. Desse modo, as descrições e classificações gramaticais de Ramée realçam as formas observadas das palavras, não ideais clássicos.

Gramáticas do quéchua peruano (1560), do basco (1587), do guarani brasileiro (1639) e muitas outras línguas, incluindo o chinês, também começaram a ser impressas. Rapidamente avaliou-se o quão enormemente as línguas diferiam do grego e do latim. As línguas clássicas agora eram reverenciadas como modelos antigos, mas não mais ideais vivos. As línguas vernáculas começaram a substituir o latim medieval como a língua da educação, um processo longo que em alguns países europeus só terminou no século dezenove. Convenientemente, o latim já havia sido cultuado e também objetivamente descrito. O próprio Ramée introduziu as novas letras latinas j e v para representar a pronúncia exata da semivogal, distintas das pronúncias vocálicas latinas do i e do u. A impressão aumentou a alfabetização, e a maior

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alfabetização significou uma explosão de conhecimento geral e consciência, similar apenas à revolução tecnológica do século vinte. Foram formadas sociedades eruditas como a Academie Française, na França, em 1635, e a Royal Society, na Inglaterra, em 1662, que frequentemente consistiam em fóruns e mesmo 'cães de guarda da pesquisa e questões linguísticas.19

Do século dezesseis ao dezoito, a ciência linguística transcendeu das questões puramente orientadas pela linguagem para se tornar ela própria uma ferramenta no debate filosófico entre empiristas e racionalistas, cada grupo enxergando a linguagem de um modo diferente. Os empiristas, rejeitando a escolástica medieval, realçavam o fato observado; os racionalistas não acreditavam na percepção dos sentidos, mas, talvez mais tradicionalmente, naquilo que a razão humana aduzia. Porém, ambos acreditavam que a base do raciocínio filosófico estava na matemática e na ciência newtoniana. Todos os estudos linguísticos da época foram influenciados pelo debate empirista-racionalista. Foi daí que surgiram as primeiras reivindicações sérias por uma nova e inventada 'língua universal' como um meio internacional de aprendizado e comércio.

Um resultado da linguística empírica inglesa foi a primeira descrição sistemática da fonética inglesa e o início de uma análise formal de uma gramática inglesa livre da imposição latina de Prisciano. Nasceu a escola de fonética inglesa que basicamente fundou o estudo da fonética e fonologia do inglês. Embora a maioria dos linguistas ingleses ainda forçasse a língua dentro da camisa-de-força das classes de palavras latinas de Prisciano, havia exceções que ousavam descartar a tradição em favor da observação direta do uso real do inglês: Elements of Speech (1669), de William Holder abordava o diagnóstico articulatório da distinção vocal e não vocal em consoantes — ou seja, b/p,

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d/t, g/k e assim por diante — melhor do que qualquer outro estudioso ocidental antes dele.

De seu lado, o movimento racionalista produziu gramáticas filosóficas que, em particular deviam sua inspiração às escolas Port Royal francesas de 1637 a 1661, cuja influência continuou no século dezoito. Devido à desconfiança institucional do classicismo pagão das escolas Port Royal, esses gramáticos racionalistas prolongaram as gramáticas escolásticas da Idade Média propondo uma 'gramática universal', mas como uma teoria da gramática geral expressa em idioma vernáculo, não um modelo latino ou ideal. O objetivo dos gramáticos de Port Royal era revelar a unidade subjacente de todas as gramáticas em comunicar o pensamento humano. Eles tentaram alcançar esse objetivo, entre outras coisas, por meio de uma reinterpretação semântica radical das nove classes de palavras clássicas, como, por exemplo, enxergando advérbios estruturalmente como apenas frases preposicionais abreviadas. Os gramáticos de Port Royal empreenderam a escrita de uma gramática geral baseada no grego, no latim, no hebraico e em línguas europeias contemporâneas, acreditando que tal postulado realmente existisse.

No século dezoito a especulação linguística se voltou para a origem e o desenvolvimento da língua de uma maneira mais filosófica. Os filósofos franceses Condillac e Rousseau acreditavam que a origem da língua estava na imitação da natureza por meio de gestos e gritos; mais tarde, abstrações e complexidades gramaticais haveriam se desenvolvido a partir de inícios 'tonais' muito simples. O alemão Johann Gottfried Herder argumentou que a linguagem humana crescia por meio de sucessivos estágios de desenvolvimento e maturidade junto ao pensamento humano, um dependendo do outro; Herder acreditava que primeiro o sentido da audição promovia a língua, e

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os outros sentidos contribuíam depois para desenvolver um Vocabulário simples' quando a língua amadurecia. O inglês James Harris, discípulo da filosofia aristotélica, que, como Herder reconhecia as idiossincrasias das línguas individuais, desenvolveu uma teoria linguística baseada era dois 'princípios' universais: substantivos e verbos, que segundo Harris subjaziam todas as gramáticas desde o início da fala humana.

O tratado de seis volumes do Lorde Monboddo (James Burnett) de Edimburgo, intitulado Of the Origin and Progress of language (1773-92) também se voltava para o desenvolvimento histórico, colocando a sociedade humana como um pré-requisito para a criação linguística, afirmando que as 'línguas' primitivas contemporâneas revelam características humanas de 'uma língua original', como a escassez de vocabulário abstrato e organização gramatical, ou seja, em relação ao grego, ao latim e ao hebraico. (Hoje, sabe-se que nenhuma língua viva é mais 'primitiva' que outra, cada uma é igualmente suficiente em todas as suas necessidades imediatas.) Isso não é uma 'arrogância linguística', como muitos afirmaram. É a investigação linguística, na véspera das grandes descobertas ao longo do desenvolvimento na direção de uma verdadeira ciência da linguagem.

Perto do final do século dezoito, como resultado de um influxo de novos dados, os linguistas adotaram uma aproximação mais histórica e menos teórica e filosófica do estudo da língua, com comparações tipológicas de línguas desconhecidas até então. A descoberta de antigos textos sânscritos e a rica tradição linguística sânscrita revolucionaram e transformaram o estudo ocidental. O marco foi o ano de 1786, quando Sir Willian Jones, um juiz inglês de 42 anos de idade da Companhia das Índias Orientais, leu um artigo, hoje em dia lendário, para a Royal Asiatic Society em Calcutá, que identificava o

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relacionamento genético do sânscrito com as línguas gregas, latinas, góticas, célticas e persas antigas.

O conceito em si não era novo, mas Jones foi o primeiro a introduzir duas noções novas: que as línguas poderiam estar relacionadas historicamente — 'desenvolvidas a partir de uma fonte comum', como ele afirmou — em vez de ser produtos umas das outras (ou seja, do sânscrito para o grego para o latim); e que existia uma língua ancestral, o que os linguistas chamam hoje de protolíngua. O estudo de Jones não apenas inaugurou o campo da linguística histórica, mas também revelou a tradição linguística sânscrita de mais de 2.500 anos de idade para os estudiosos ocidentais. O resultado da combinação das tradições sânscritas e ocidentais estabeleceu a ciência linguística moderna na primeira metade do século dezenove.

O SÉCULO DEZENOVE

No início do século dezenove começou a surgir uma verdadeira ciência linguística. O século dezenove é a era da linguística comparativa e histórica — ou seja, da busca de similaridades e diferença entre as línguas e suas relações históricas uma com as outras, e o desenvolvimento de um vocabulário científico e ferramentas para alcançar este objetivo. A investigação histórica das línguas indo-europeias dominou o século dezenove e estabeleceu os padrões para a investigação de todas as outras famílias linguísticas. Esse era o domínio principalmente dos estudiosos de língua alemã que desempenharam um papel de vanguarda na fundação de uma nova ciência linguística por meio do espelhamento de contribuições contemporâneas das ciências naturais, da matemática, da física, da medicina, da astronomia, da história, entre outras disciplinas dos Principados alemães, Império Austro-Húngaro e Suíça.

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Já no século doze, o 'Primeiro Gramático' irlandês havia notado semelhanças na forma das palavras inglesas e islandesas. No início do século quatorze, em seu De Vulgari Eloquentia, o italiano Dante Alighieri havia descrito as diferenças entre línguas e dialetos como resultado da passagem do tempo e da dispersão geográfica de falantes de uma única língua (protolíngua). Porém, para Dante, o hebraico havia sido a primeira língua do planeta, o dom dado por Deus a Adão no Éden. Toda a diferenciação linguística provinha da destruição da Torre de Babel, como descrito em Gênesis 11. Escritos históricos semelhantes sobre a língua continuaram a aparecer até, e mesmo, no século dezenove, sem que ninguém ousasse questionar o relato bíblico.

Muitos estudiosos como o alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), haviam apontado a necessidade da preparação de gramáticas e dicionários das línguas do mundo, para fornecer uma maior fonte de informação para que generalizações linguísticas pudessem ser fundamentadas. Particularmente no século dezoito, eram compiladas listas de palavras, normalmente incluindo o Pai-Nosso e o levantamento linguístico efetuado. O auge do frenesi da coleta de dados foi o Linguarum Totius Orbis Vocabularia Comparativa (São Petersburgo 1786-9) em quatro volumes, do alemão Peter Simon Pallas, que incluía 200 línguas. O exame do primeiro volume da compilação feita pelo alemão C. J. Krus em 1787 forneceu, possivelmente, a primeira discussão científica da linguística comparativa e histórica numa estrutura moderna — ou seja, não clássica e não bíblica.

Em 1808 Friedrich Schlegel publicou um tratado sobre o sânscrito no qual apontava a urgência do estudo das 'estruturas internas' (morfologia ou formação sistemática de palavras) das línguas com o intuito de descobrir semelhanças genéticas. Nesse trabalho embrionário, Schlegel cunhou o termo vergleichende Grammatik ou

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'gramática comparativa' para abarcar tanto a linguística comparativa quanto a histórica.

Dois intelectuais iniciaram o estudo comparativo e histórico da família linguística indo-europeia: o dinamarquês Rasmus Rask (1787-1832) e o alemão Jacob Grimm (1785-1863, um dos irmãos Grimm). Rask foi o primeiro a comparar sistematicamente a forma das palavras de várias línguas indo-europeias e estabelecer um padrão de relações etimológicas. Em 1818 ele reconheceu: 'Se entre duas línguas é encontrada uma concordância nas formas de palavras indispensáveis, de modo que as regras das mudanças das letras seja descoberta ao se passar de uma para outra, então, há uma relação básica entre essas línguas'.

Em sua Deutsche Grammatik (Gramática Alemã) de 1822, Grimm, que conhecia do trabalho de Rask, descreveu aquela que viria a se chamar 'Lei de Grimm', identificando a substituição de classes consonantais de três locais articulatórios em língua alemã e três tipos de diferenças em relação à fonologia de outras línguas que não apresentavam as mesmas mudanças. Formulado e ilustrado por Rask quatro anos antes, ela fornecia a primeira e mais importante das chamadas 'leis sonoras', que eventualmente promoveram o conhecimento do indo-europeu e de outras famílias linguísticas. (O próprio Grimm não via aqui uma lei linguística, apenas uma 'mudança sonora' que era uma 'tendência geral'.)

Outros estudiosos produziram trabalhos semelhantes, criando uma nova ciência nesse processo. Franz Bopp (1791-1867), que estudava sânscrito desde 1812, publicou em seu primeiro estudo, quatro anos depois, uma comparação das formas verbais sânscritas, gregas, latinas e alemãs, com a intenção de traçar o desenvolvimento

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da inflexão (terminações sistemáticas de palavras que mostram função sintática). Em sua principal contribuição na área, a Vergleichende Grammatik, publicada entre 1833 e 1852, Bopp cumpriu seu intento para todas as formas flexionadas. Seguindo os passos de Rask, ele também investigou as correspondências sonoras entre as línguas individuais, incluindo o lituano, o armênio, o albanês e as línguas eslavas e célticas, como membros da família linguística indo-europeia. Bopp é considerado hoje o pai do estudo histórico-comparativo das línguas indo-europeias e o verdadeiro fundador da ciência linguística moderna.

Um dos pensadores mais originais do século dezenove foi Wilhelm von Humboldt (1767-1835), escritor, historiador e um dos primeiros estadistas da Prússia. Ele publicou vários trabalhos sobre a linguagem durante a vida, enfatizando sua teoria de que a linguagem é uma habilidade inerente de toda a humanidade. É a mente humana, declarava von Humboldt, que cria as palavras e a gramática, e não fenômenos externos como alegavam os filósofos gregos e latinos. Cada língua do planeta é uma criação individual daqueles que a falam, segundo a innere Sprachform — a estrutura interna da linguagem — que impões padrões e regras, algumas específicas da língua em questão, mas outras comuns a toda a humanidade (universais de linguagem). Cada língua é reflexo das línguas passadas, e cada palavra de uma língua pressupõe a totalidade de sua língua dentro de uma estrutura semântica e gramatical. As diferenças entre as línguas não estão meramente nos sons, mas em todo um Weltansichten — atitudes e entendimento do mundo.

Von Humboldt foi o maior teórico linguista do século dezenove, exerceu uma enorme influência, particularmente nos linguistas germano-americanos do início do século vinte e linguistas europeus

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da metade do século vinte. No início do século vinte e um, o innere Sprachform de von Humboldt fornece uma teoria linguística universal com uma estrutura que explica como diferentes comunidades étnicas, por meio da linguagem, podem viver em diferentes realidades mentais e adotar diferentes sistemas de pensamento. Talvez a contribuição mais imediata de von Humboldt para a teoria linguística seja sua divisão em tipos de línguas em isolante (chinês), aglutinante (turco) e flexionai (sânscrito), baseada na 'palavra' como a unidade gramatical dominante.

Outras personalidades rapidamente alargaram a ciência linguística. August Schleicher (1821-68) introduziu uma abordagem biológica para o estudo da língua em sua reconstituição e descrição gramatical da língua protoindo-europeia. Mais conhecido por sua Stammbaumtheorie ou 'modelo da árvore genealógica', Schleicher agrupou as línguas descendentes que sobreviveram e as dividiu em subfamílias como o germânico, o eslávico, o celto-itálico, e assim por diante, baseado em características compartilhadas; depois, ele as rastreou até sua língua-mãe, o indo-europeu, e tentou então remontar ou 'reconstituir'. Apesar de sua fraqueza — línguas reais não se 'dividem' nem formam 'galhos' uma de outras, e muito poucas famílias linguísticas caberem dentro desse modelo (como a indo-europeia, a polinésia e a semítica) — o modelo da árvore genealógica se mostrou uma das mais importantes ferramentas teóricas da história da linguística. Ela também acomodava extremamente bem a abordagem darwiniana que dominava as ciências naturais no final do século dezenove.

A ciência linguística nos últimos vinte e cinco anos do século dezenove foi caracterizada pelos inicialmente controversos Junggrammatiker, ou partidários da doutrina neogramática. Originária

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de Leipzig, na Alemanha, sob a tutela de Hermann Osthoff (1847-1909) e Friedrich Karl Brugmann (1849-1919), a nova teoria propunha que, do mesmo modo que os processos mecânicos, todas as mudanças sonoras ocorressem sob leis que não permitiam exceções dentro do mesmo dialeto, então, aquele mesmo som, no mesmo ambiente, sempre se desenvolveria da mesma forma. Essa postura havia sido forçada pelo reconhecimento da ordem por trás dos conjuntos de correspondências formais entre as línguas indo-europeias. Toda a ciência linguística histórico-comparativa parecia estar baseada na aceitação da regularidade das mudanças sonoras nas línguas humanas com o passar do tempo. Se não havia uma regularidade nas mudanças sonoras, afirmavam os adeptos da neogramática, então a variação ocorreria ao acaso, e não poderia haver uma verdadeira ciência linguística.

O trabalho dos neogramáticos transformou a investigação linguística numa disciplina científica cujos métodos eram tão exatos quanto os que germinavam nas ciências naturais. Especulações sobre a linguagem foram descartadas para dar lugar à aplicação de apenas dados ou leis que governavam os dados. Muitos trabalhos valiosos sobre a concepção estrutural da linguagem, como os de von Humboldt, não foram bem-vindos nesta nova 'mecanização' da linguagem. Os neogramáticos triunfaram sobre as teorias concorrentes e uma longa lista de proeminentes linguistas — Delbruck, Paul, Meyer-Lubke, Wright, Meillet, Boas, Sapir e Bloomfield — desenvolveram, ou foram treinados nos princípios e métodos da neogramática.

Também houve muitas críticas justificáveis aos neogramáticos, especialmente dos dialetólogos que descobriram grandes irregularidades nas línguas em níveis de uso local e não generalizado. O principal dialetólogo francês, Tules Gilliéron (1854-1926) chegou a declarar

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que: 'cada palavra tem sua própria história', o que, por um lado, é perfeitamente verdadeiro. Mas cada palavra pertence a um sistema maior, e era nesse sistema que os neogramáticos se concentravam. A linguística do século vinte constituiu principalmente na modificação da doutrina neogramática, não em sua suspensão.

O SÉCULO VINTE

Os linguistas do século vinte introduziram a expansão dos princípios e métodos da neogramática com a inclusão de línguas não indo-europeias e a reação à doutrina neogramática por aqueles que não praticavam a linguística histórico-comparativa (diacrônica), mas sim a estrutural e sincrônica. Se a Idade Média enfatizou a linguística pedagógica, o século dezoito a linguística filosófica e o século dezenove a linguística histórica, até o meio do século vinte prevaleceu a linguística descritiva — o estudo da estrutura de uma língua numa época particular, normalmente com a exclusão de dados históricos e comparativos.

O início do século vinte deu continuidade às três grandes investidas do século dezenove, a gramática tradicional, a cultura sânscrita e a adoção dos princípios e métodos de outras disciplinas. A maior personalidade linguística do início do século foi o suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), cujas conferências de Genebra mudaram o rumo da linguística do século vinte.20 Saussure definia a distinção entre o estudo diacrônico (temporal, portanto histórico) e sincrônico (concentrado em determinada época, portanto descritivo), cada um com seus princípios e métodos próprios. Ele também distinguia a langue (uma competência linguística do falante) da parole (a própria expressão vocal do falante), em que langue compreende o principal objeto da investigação linguística.

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E Saussure demonstrou que a langue precisava ser abordada sincronicamente dentro de um sistema de elementos lexicais, gramaticais e fonológicos, todos operando em relação uns com os outros: a langue é como um enxadrista num tabuleiro de xadrez, ele declarou. Essa abordagem estrutural da linguagem assinalou o nascimento da 'linguística estruturalista'.

O efeito mais imediato de Saussure foi na fonologia. Sua abordagem estrutural coincidia com os pensamentos mais recentes sobre a fonética — o estudo e a classificação sistemática dos sons produzidos pela expressão vocal. O inglês Henry Sweet (1845-1912) já havia, em 1877, descoberto, embora ainda não definido, o conceito de fonema, por meio da distinção evidente das contrastantes palavras inglesas bin/pin.21 A nomeação exata do fenômeno de um fonema apareceu em 1884, num trabalho publicado pelo polonês Baudouin de Courtnay, que havia distinguido um simples fone (som arbitrário) de um fonema (som significativo). Apenas quando as anotações das conferências de Saussure alcançaram reconhecimento internacional, no final da Primeira Guerra Mundial, o conceito de fonema, e a própria palavra, se tornou parte do cânone mundial.

Nas décadas de 1920 e 1930, o 'Círculo Linguístico de Praga' desenvolveu ainda mais a teoria do fonema.22 Eles consideravam o fonema pertencente à langue, aos constituintes internamente relacionados da língua, e o trataram como uma unidade fonológica complexa. Eles acreditavam que cada fonema compreendia um determinado número de características distintas individuais, cuja soma o caracterizava como um elemento linguístico autônomo; mas cada característica distinta também contrastava com sua ausência, ou com uma característica diferente em pelo menos um outro fonema da língua investigada. Sistemas fonológicos inteiros podiam, então,

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ser classificados de acordo com seus inventários de características contrastantes em seus fonemas constituintes. Desse modo, o galês p/b, ff/f, th/dd, t/d, ll/l e c/g (aqui escritos alfabeticamente, não foneticamente), por exemplo, revela um contraste fonêmico não vocal/ vocal. Foi observado que esses contrastes se contraíam, expandiam ou mesmo desapareciam em diferentes posições na palavra, onde vários outros fonemas os afetavam, ou como resultado de determinado número de fenômenos. Foi descoberto que mesmo acento, duração, tom e articulação — os chamados 'suprassegmentais' — mostravam características distintas que fornecem um significado além dos segmentos consoante-vogais comuns. Devido ao trabalho do 'Círculo Linguístico de Praga' o fonema assumiu um papel principal na teoria linguística e hoje está implícito na descrição e análise de qualquer língua do planeta.

Embora a Europa continuasse a produzir um grande número de estudos sincrônicos embrionários, os Estados Unidos da década de 1920 também começaram a se sobressair na linguística descritiva, e eventualmente acabariam dominando a ciência linguística no meio do século vinte.23 Essa foi uma conquista de três linguistas radicados na América do Norte: os alemães Franz Boas (1858-1942) e Edward Sapir (1884-1939) e o norte-americano nascido em Chicago Leonard Bloomfield (1887-1949). Tanto Boas quanto Sapir eram produtos de sua era e de sua bagagem alemã, e as teorias linguísticas de von Humboldt ressoavam em seus escritos. Mas a América, onde de maneira única a antropologia compreendia uma parte fundamental da linguística, também os afetou. As línguas nativas dos EUA e do Canadá caíram sob o escrutínio científico nessa época, e Boas editou e coescreveu o Handbook of American-Indian Languages (1911, 1938), no qual usou as técnicas da linguística descritiva em línguas

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que nunca haviam sido descritas em termos científicos formais. Gerações de linguistas de campo se baseariam na estudada combinação de teoria e técnica de Boas ao abordar pela primeira vez uma língua ainda não descrita. Seguindo os modelos alemães, Boas redirecionou o rumo da antropologia americanista durante o período da profissionalização da ciência nos EUA.

Sapir, que havia sido aluno de Boas, abordou a língua de uma perspectiva ampla, enxergando o trabalho como uma variedade de esforços humanos, permeando todos os aspectos do discurso. Ele estava particularmente interessado na tipologia das línguas — a análise das línguas baseada em tipos (como isolante, aglutinante, flexionai, e assim por diante) — e acreditava que uma tipologia válida poderia ser alcançada pela determinação de características gramaticais e morfológicas gerais de uma ampla variedade de línguas, ao contrário da confiança de seus contemporâneos na semântica e na psicologia. O Language (1921) de Sapir continua sendo a melhor introdução geral a uma classificação tipológica.24

Rigorosamente metodológico e baseado na análise formal, a linguística de Bloomfield estava altamente condicionada pelo positivismo da psicologia behaviorista americana, refletindo o interesse científico de sua era.25

Sua Language, publicada pela primeira vez em 1933 nos EUA, se tornou não só a melhor descrição introdutória da linguística durante duas décadas, mas também o principal livro universitário sobre a matéria, influenciando o rumo da própria disciplina.26 A 'era bloomfieldiana' viu a maioria dos linguistas americanos concentrar seus estudos na análise formal por meio de operações e conceitos objetivamente descritos. Aqui, o fonema e o morfema tomaram o

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centro do palco, com a estrutura sentenciai 'diagramada' em termos de análise constituinte imediata; os morfemas foram ligados em 'árvores' que ilustravam construções de tamanho e complexidade ascendentes. O modelo afirmado era o da distribuição, com uma menor atenção à sintaxe e à morfologia.

O norte-americano Kenneth L. Pike e seus colegas fundamentaram uma análise constitutiva imediata, usando em sua maioria línguas da Mesoamérica e da América do Sul, para criar o sistema de análise tagmêmico, identificando o tagmema como a unidade gramatical fundamental, ou 'traço' estrutural — a posição numa sentença dentro da qual uma determinada classe de itens gramaticais pode se encaixar'. As sentenças poderiam ser assim mais precisamente analisadas não como sucessões de constituintes imediatos, como faziam os linguistas bloomfieldianos, mas sim como cadeias de constituintes colaterais.

Após a Segunda Guerra Mundial, a ciência linguística começou a se fragmentar em vários subcampos autônomos. Um movimento necessário pela complexidade apresentada por cada aspecto do estudo da linguagem, seja a sintaxe, a fonologia, a fonética, a semântica, a semiótica (estudo de sinais e símbolos e sua relação com o significado), a dialetologia, a linguística histórica, a lexicografia, ou outros campos. O interesse da linguística também se expandiu e incluiu esferas maiores de aspectos etnológicos, sociais e psicológicos da linguagem.

A segunda metade do século vinte experimentou um aumento exponencial no número de linguistas, cursos de linguística e teorias linguísticas. Significativamente, foi escrito muito mais sobre a linguagem nesses 50 anos do que nos 1.500 anos anteriores. Dessa

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montanha de material, foi alcançado um número significativo de avanços substanciais na investigação linguística. Uma dinâmica completamente nova também revelou a direção que a ciência linguística provavelmente tomará, pelo menos no novo século.27

Na Grã-Bretanha, nas décadas de 1940 e 1950, J. R. Firth, concentrado na fonologia, fez avanços com sua teoria da 'análise prosódica', que alguns chamam de teoria da linguagem contextual. Palavras e frases componentes de uma expressão vocal assumem sentido apenas em relação às suas várias funções nos contextos situacionais de uso real. Toda forma linguística compreende conjuntos de abstrações em três níveis diferentes: lexical, gramatical e fonológico. Esses se referem a características e ocorrências reais de aplicação fônica, com elementos e categorias relacionados uns com os outros em cada um dos três níveis em estruturas sintáticas e sistemas paradigmáticos. Aqui, a fonologia se torna a ligação entre a gramática e a expressão vocal (fonética).28

A análise de características distintas na transmissão real da fala foi melhorada por Roman Jakobson, originalmente do 'Círculo Linguístico de Praga', que após a Segunda Guerra Mundial, analisou acusticamente características fonêmicas da perspectiva do ouvinte para desconstruir os fonemas das línguas do planeta em combinações de doze contrastes binários (agudeza/gravidade, difusão/compactação, e assim por diante), definidos em termos de distribuição de energia em frequências variáveis em suas ondas sonoras. O sistema fonológico de uma língua poderia então ser analisado na matriz de oposições das características.29

A revolução russa assinalou a ruptura da área com a tradição linguística ocidental. Os estudos linguísticos soviéticos foram

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excentricamente controlados por Nikolai Y. Marr (1864-1934), que havia inventado suas próprias teorias da história da linguística. Marr rejeitava até a teoria indo-europeia e adotava o antigo conceito do gesto como origem da língua, que ele combinou com a tipologia do século dezenove como um indicador dos 'estágios' da evolução da língua. Em 1950, Josef Stálin ordenou a rejeição total da teoria marrista, como ela ficou conhecida, e, desde então, os linguistas russos, em particular, adotaram os princípios e métodos da linguística ocidental, se sobressaindo na lexicografia (os princípios e práticas da confecção de dicionários) que, nas décadas de 1950 e 1960 havia alcançado, na ciência linguística, o mesmo status da fonologia e da gramática.

Vários linguistas das décadas de 1940 e 1950 reinterpretaram a ideia neogramática das leis sonoras e as modificaram para incorporar a teoria fonêmica, enxergando as mudanças históricas e linguísticas como o 'Primeiro Desmembramento do Som' germânico como a mudança num sistema — não em sons autônomos — permitindo uma explicação de tal mudança para representar a manutenção das oposições fonológicas durante alternâncias sucessivas nas articulações dos falantes. Agora, as causas também foram investigadas, e não apenas os efeitos. Descobriu-se que uma das causas mais significativas estava dentro do próprio sistema fonológico das línguas. Todas as línguas tendem para a simetria em todos os níveis, mas o aparelho vocal humano é anatomicamente assimétrico. Isso cria um desequilíbrio permanente que produz ajustes, ou mudanças, automaticamente. Os contrastes precisam ser mantidos para se alcançar uma comunicação significativa, e assim as línguas mudam constantemente por si próprias, independentemente da intervenção consciente humana, para manter esses contrastes necessários.

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Em outra esfera investigativa, a 'gramática estratificacional' do norte-americano Sidney M. Lamb postulava quatro estratos dentro da estrutura da língua para a análise sintática: semêmica (a menor unidade de sentido), lexêmica, morfêmica e fonêmica, sendo cada nível hierarquicamente ligado a outro. Com uma rejeição consciente da análise distribucional de Bloomfield, a gramática estratificacional tornou evidente os vários tipos de relações estruturais que podem ser encontrados, assim como os muitos modos como uma estrutura em um nível de análise pode se relacionar com outra estrutura num nível diferente.30

Uma ruptura significativa com a tradição linguística ocorreu em 1957, o ano em que surgiu o Estruturas Sintáticas do norte-americano Noam Chomsky, que apresentou o conceito de uma 'gramática gerativa transformacional'.31 Uma gramática gerativa é, basicamente, uma que 'projete' um ou mais conjuntos dados de sentenças até o maior, talvez infinito, conjunto de sentenças que formam a língua que está sendo descrita, um processo que caracteriza a criatividade da linguagem humana. Modificada em seus princípios e métodos teóricos com o passar dos anos por muitos linguistas, principalmente nos EUA, uma gramática gerativa transformacional tenta descrever a competência linguística de um falante nativo, compondo as descrições linguísticas como regras para 'gerar' um número infinito de sentenças gramaticais.32

Uma gramática gerativa, como entendida por Chomsky, também precisa ser explícita; ou seja, precisa especificar precisamente as regras gramaticais e suas condições operacionais. Essas regras se enquadram em três conjuntos: regras de estruturas frasais (descritas como 'árvores', hierarquicamente ordenadas como sintagma nominal/sintagma verbal, então artigo/nome e verbo/sintagma nominal,

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e assim por diante); transformações específicas dessas regras (reordenação, adição, supressão e assim por diante) que afetam a 'estrutura profunda' para produzir uma 'estrutura superficial'; e um componente morfofonêmico, cujas regras convertem o resultado dos primeiros dois conjuntos em sons reais (expressão vocal) ou simbolização dos sons (língua escrita).33

A gramática gerativa transformacional virou a linguística descritiva Bloomfieldiana de cabeça para baixo, projetando regras que demonstram e realçam a própria natureza criativa da língua, em vez de descrever as regras de uma língua. Seus precursores teóricos são encontrados entre os gramáticos latinos, von Humboldt e os gramáticos de Port Royal, que apontavam para certas técnicas transformacionais, como o próprio Chomsky reconheceu. Mas a gramática gerativa transformacional vai além, fornecendo uma estrutura para gerar uma competência linguística infinita. Chomsky também acredita que a linguística, a psicologia e a filosofia não devem mais se manter como disciplinas separadas, mas sim compreender um sistema unitário de pensamento humano que deve ser entendido como um todo maior. Embora a passagem do tempo tenha relativizado o lugar de Chomsky na história da linguística, de 'a' direção para 'uma' direção para os estudos linguísticos futuros, a gramática gerativa transformacional continuará sendo o modelo teórico linguístico mais importante da segunda metade do século vinte.34

Os linguistas tradicionais ainda seguiam, e continuam seguindo, o modelo projetado por Bloomfield, Sapir e Boas, entre outros. São os descritivistas, que geralmente aderem à Teoria Linguística Básica — conceitos de trabalho fundamentais para descrever a língua e mudanças linguísticas, e reconhecer propriedades linguísticas gerais. Os descritivistas se opõem aos formalistas (principalmente os

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chomskyanos), partidários das 'teorias não básicas', como se declaram, que tentam criar um novo modelo de linguagem, baseada não numa língua natural conhecida, mas em universais linguísticos mais profundos, teoricamente aplicáveis a todas as línguas. Os descritivistas são inflexíveis em afirmar que não pode haver acordo com os formalistas, uma vez que nunca poderá existir uma teoria total da linguagem: eles alegam que para os formalistas a 'análise' consiste em 'encaixar a língua em suas estruturas axiomáticas'.35 Os formalistas ignoram todo esse debate, uma vez que para eles não há debate, sendo toda a questão irrelevante. Surgiram muitas novas teorias formalistas, algumas aumentando, outras competindo com a gramática gerativa transformacional. Que a gramática gerativa transformacional também pode ser utilmente aplicada na linguística histórica, explicando certos fenômenos fonológicos que os linguistas tradicionais não conseguiram explicar adequadamente até o momento, é demonstrado desde a década de 1960 por um número considerável de linguistas históricos importantes.36

A gramática gerativa transformacional é a principal afirmação teórica da linguagem da segunda metade do século vinte, ao mesmo tempo que a Teoria Linguística Básica é formalizada como um contrastante campo de linguística aplicada com uma sólida base teórica. Os descritivistas podem reclamar do 'mal-estar do formalismo' e identificar a ausência de boas gramáticas descritivas da maioria das línguas do planeta. Mas os formalistas também estão dando uma grande contribuição nessa área, especialmente na área associada da linguística computacional (ver a seguir).

Surgiram direções totalmente novas. A análise do discurso, do pioneiro professor de Chomsky, Zellig Harris, da década de 1950, que chamou a transformação entre duas ou mais sentenças reais em

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textos de uma 'relação de conversão', já se mostrou uni meio eficaz de estender a análise descritiva textual para além das fronteiras da sentença. Ela faz uso do conceito de 'quadros' de linguagem para interpretar um texto colocando-o num contexto definidor; de 'assalto de turno' ou 'mudança de turno' numa conversação para identificar sistemas de se perceber conclusões na fala ou assinalar a atenção do ouvinte; de 'marcas do discurso' como 'e', 'ah', 'é', e 'mas', que dividem o discurso em segmentos e mostram relações no discurso que estão além das meras definições dos dicionários; e da 'análise do ato do discurso' que investiga o que a expressão vocal alcança, como elogiar para submeter, insinuar ou tomar posse indiretamente, um aspecto importante do entendimento intercultural.

A linguística computacional, também conhecida como processamento de linguagem natural, teve seu início em 1946, quando os computadores foram usados pela primeira vez para gerar traduções automáticas do russo para o inglês.37 (Desde então, o campo de traduções automáticas se tornou uma disciplina altamente sofisticada e comercialmente lucrativa, com vários e diversificados sistemas em uso.) Essencialmente, a linguística computacional usa os computadores para estudar línguas naturais, em contraste com as linguagens de programação como Java, C++, Fortran, e assim por diante. Nessa área, os linguistas unem a linguística e os recursos da ciência da computação para permitir que os computadores sejam usados tecnologicamente como um auxílio na análise e processamento de línguas naturais e, psicologicamente, para entender melhor, por analogia com computadores, como a linguagem humana é processada. Por meio de métodos e ferramentas da ciência da computação e disciplinas relacionadas, os linguistas podem construir e testar modelos computacionais de várias teorias e, portanto conseguir pistas a partir

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de algoritmos aplicados (regras de procedimento para resolver um problema computacional recorrente), estruturas de dados e linguagens de programação.

Há muitos subcampos na linguística computacional, como a lexicografia computacional, a fonologia computacional, línguas controladas e programação com restrições lógicas. A linguística computacional aplicada se concentra na tradução automática, extração de informação de textos e síntese e reconhecimento do discurso. O entendimento e geração do discurso — para deficientes, para sistemas de informações baseados na telefonia, para sistemas de ditados empresariais e assim por diante — são campos aplicados da linguística computacional com gigantescos mercados comerciais. Outros aspectos são a criação, a administração e a apresentação de textos usando o computador, removendo o agente humano para minimizar os custos e maximizar a eficiência. A apresentação de informações textuais em hipertexto, eliminando a necessidade de textos padronizados (ou seja, lineares), é, atualmente, um dos maiores desafios da linguística computacional.

A linguística computacional é hoje um importante campo de pesquisa, com institutos, seminários, centros de pesquisa e empresas privadas de todo o mundo dedicadas a seu estudo e fornecimento de serviços. A disciplina está crescendo exponencialmente, se tornando o ramo da ciência linguística mais dinâmico e lucrativo dos dias de hoje.

Os estudos linguísticos desfrutam de uma longa e rica tradição. Os eruditos sânscritos da Índia fizeram descobertas impressionantemente profundas sobre a natureza da linguagem ainda na primeira

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metade do primeiro milênio a.C. Os antigos gregos C romanos ordenaram e categorizaram de maneira ordenada suas próprias línguas, criando pilares gramaticais que deram suporte a muitas estruturas, mesmo a dos 'bárbaros' por mais de 2.000 anos. As 'gramáticas especulativas' medievais combinavam as declinações de Prisciano com a filosofia aristotélica. A Renascença, descobrindo o hebraico e outras línguas, percebeu que o grego e o latim não explicavam todos os fenômenos linguísticos observados. O século dezoito compilou léxicos e propôs questões sobre a origem da língua, e o século dezenove forneceu as respostas, e no processo, fundou a ciência linguística. O século vinte foi rico em novas teorias linguísticas animadoras e inovações, começando com o fonema e concluindo com linguagens geradas por computadores, abrindo uma janela para todo um novo universo de possibilidades linguísticas.

A ciência linguística contribui em muito para guardar o conhecimento humano. Só agora outras disciplinas podem apenas confirmar o que a linguística histórica já havia descoberto muito antes. Por exemplo, as comparações linguísticas de várias décadas atrás estabeleceram que o finlandês é uma língua urálica do norte da Ásia; atualmente os geneticistas vêm apresentando sua 'descoberta' de que os finlandeses são asiáticos, porque podem demonstrar que os polimorfismos Y (mutações extremamente raras em machos) tão abundantes na Ásia também prevalecem nas populações finlandesas. Num caso semelhante, décadas atrás os linguistas identificaram que os maoris, da Nova Zelândia, assim como os polinésios, haviam se originado na Ásia, em particular em Taiwan, cerca de 5.000 a 6.000 anos atrás. Em 1998, a mídia mundial comemorava a 'descoberta' do mesmo fato pelos geneticistas, sem fazer nenhuma menção à anterior contribuição da ciência linguística. Talvez de maneira mais espetacular, a linguística computacional em particular

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está aparentemente oferecendo às vistas de todos um mundo totalmente novo de descobertas por meio das linguagens de programação, de maneira que pouco se pode compreender.

A linguística continua evoluindo, como as línguas que ela investiga. Isso não ocorre apenas devido a novas descobertas, mas também devido às fluidas mudanças, interesses e prioridades sociais que afetam o rumo dos estudos da linguagem. A ciência da linguagem, o 'passo na autorrealização do homem, hoje totalmente desabrochada e com sua própria e única dinâmica, irá, sem dúvida, continuar a realçar o entendimento e a valorização da linguagem da humanidade em evolução e seu aparentemente infinito potencial por muitos séculos ainda por vir.

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Sociedade e linguagem

'Colocarei meu nome onde são escritos os nomes dos homens famosos', vangloriou-se o rei sumério Gilgamesh, cerca de 4.000 anos atrás, assinalando um dos principais usos da linguagem na sociedade: demarcar um lugar na sociedade. As grandes e pequenas questões da sociedade sempre são refletidas no uso linguístico. Os antigos egípcios já avaliavam que 'a palavra é o pai do pensamento', reconhecendo que a linguagem é tanto a fundação quanto o material de construção da casa social. A arquitetura final da sociedade e as subsequentes remodelações também são medidas a partir e por meio da linguagem. A língua dá voz à ação humana, de maneiras complexas e sutis.1 Níveis de interação social múltiplos, desde relações internacionais até relacionamentos íntimos, nascem, são permitidos e enriquecidos por meio da língua.

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A língua não apenas assinala de onde viemos, o que advogamos e a quem pertencemos, mas também opera tática e estrategicamente para investir nossa franquia individual, étnica e de gênero; para autorizar nossa peregrinação através da ordem social; e para mostrar aos outros o que queremos e como pretendemos alcançar o que queremos.2 Por intermédio da história as pessoas julgam umas as outras — ou seja, consciente ou inconscientemente avaliam seu lugar na sociedade humana — baseadas somente em sua língua étnica, seu dialeto regional, e em sua própria escolha pessoal de palavras individuais. O veredicto linguístico vem sendo definitivo e modelador de toda a história humana.3

A LÍNGUA MUDA

Todas as línguas vivas experimentam mudanças constantes.4 A mudança linguística é mais aparente na escrita, o que pode ser percebido, por exemplo, quando se lê Shakespeare. Menos aparente é a mudança que está efetivamente ocorrendo, ou 'mudança em processo'. Apenas uma palavra aqui ou uma vogai ali da fala de um avô ou avó parecerá um pouco 'estranha'. Inversamente, as gerações mais antigas acham a fala dos mais jovens 'inapropriada'.

O domínio social da divisão do infinitivo5 se tornou um tópico tão importante na Grã-Bretanha no final do século dezenove — para mencionar um caso lento de mudança linguística — que preocupou os mais altos escalões: 'Este é o tipo de inglês que eu não usaria!', gracejou Sir Winston Churchill numa nota à margem de um documento oficial, talvez intuindo que, um século depois, o Dicionário Inglês Oxford iria ao menos 'tolerar' a construção... que o inglês usa há séculos com um eminente sucesso.

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Os registros hierárquicos do uso da língua — sacro, real, profissional, oficial, militar, civil, familiar e íntimo — competem uns com os outros e com a fala usada por gerações precedentes e sucessoras em todas as línguas do mundo. Mesmo assim, a comunicação resiste e a língua continua a prosperar.

As causas das mudanças linguísticas são tão variadas e intrincadas quanto a vida pessoal de cada falante: contato estrangeiro, bilingualismo, substratos, língua escrita, e o próprio sistema fonológico que sempre busca a simetria, entre outras causas.6 Nos últimos 200 anos uma das grandes causas de mudanças foi a urbanização sem precedentes. Em 1790, apenas um em cada vinte norte-americanos vivia em cidades; em 1990, apenas um em cada 40 vivia numa fazenda. Agora, o Terceiro Mundo está experimentando uma revolução urbana semelhante, erradicando não apenas línguas, mas famílias linguísticas inteiras. A inversão dos padrões tradicionais de povoamento humano provocou inumeráveis revoluções linguísticas, uma 'pontuação' que causa inovações, nivelamento de dialetos e mesmo substituição da língua. Em contraste, durante um alongado período de equilíbrio que pode durar milhares de anos, a difusão areai pode muito bem ser um fator principal de mudança linguística.

A tecnologia recente introduziu uma dimensão totalmente nova à dinâmica da mudança linguística: telefone, rádio, cinema e televisão. Pela primeira vez na história da humanidade estamos ouvindo sem 'ver', de modo que um elemento tão primitivo do discurso—o gesto — está ausente na comunicação não visual, embora ao falar ao telefone, os italianos ainda gesticulem, os japoneses ainda se curvem e todos nós sorrimos e franzimos as sobrancelhas, como se nosso interlocutor estivesse presente, tão ligado está o gesto à fala. Acreditava-se em tudo que saía da máquina, disse o ator, diretor e

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escritor norte-americano Orson Welles, sobre o rádio na década de 1930. Ao mesmo tempo, na Alemanha, a amplamente distribuída Volksempfänger ou 'Receptora do Povo', transmitia pronunciamentos propagandísticos em alto alemão de Berlim por todo o Terceiro Reich, estabelecendo efetivamente a pronúncia de um governo central entre uma grande população de falantes dialetais, algo que nunca havia acontecido antes. Em todo o mundo, o efeito do rádio na língua falada foi gigantesco, iniciando um nivelamento linguístico que reverberou três gerações depois.

Após a Segunda Guerra Mundial, a televisão se impôs ainda mais dramaticamente: o aumento do nivelamento dialetal, a contaminação e a superimposição têm sido, desde então, documentadas entre grandes populações de expectadores. Neste momento, a televisão é talvez a única grande causa do nivelamento dialetal universal. No caso do inglês, a predominância dos estúdios de Hollywood na programação televisiva internacional das últimas duas décadas do século vinte assegurou o aumento do uso do Inglês Padrão Americano numa taxa cada vez mais rápida nos países onde a transmissão dessa programação é feita sem 'dublagem' (reprodução da fala dos atores em língua estrangeira). Na década de 1970, a Nova Zelândia, por exemplo, desconhecia os preenchedores discursivos norte-americanos — 'like', 'sorta', 'kinda', 'ya know' 'and stuff'7 — mas, no meio da década de 1990, quando por motivos econômicos a programação norte-americana havia substituído quase toda a programação britânica e neozelandesa, essas expressões, geralmente adolescentes, estavam poluindo a fala da Nova Zelândia, assim como ocorreu nos EUA e no Canadá.

O fenômeno também está ocorrendo em outros países de fala inglesa, e está efetivamente reinterpretando o Inglês Padrão

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Internacional, que atualmente está se tornando um idioma híbrido britânico-amcricano. Introduções léxicas imediatas, particularmente de gírias, são testemunhadas em todo o mundo como resultado de um programa favorito ou transmissão de notícias. A transmissão de uma programação de língua metropolitana a uma comunidade pequena de falantes minoritários pode ser socialmente devastadora: a televisão chilena na pequena Ilha de Páscoa, por exemplo, resultou em pais que falam com seus filhos na tradicional língua polinésia rapanui e filhos que respondem apenas em espanhol, um fenômeno que ocorre de maneira semelhante em todo o mundo.

Reflexo de uma sociedade que muda rapidamente, a expansão e substituição do vocabulário é um processo quase diário em todos os países modernos. Neste caso, não entram as vinte palavras para 'neve' em inuit, as 40 palavras para 'verde' em gaélico irlandês, nem as 226 palavras para 'dinheiro' em inglês, que podem ser um fenômeno ambiental ou psicolinguístico. O que mais preocupa os sociolinguistas são palavras que aparecem, desaparecem ou têm seu significado alterado devido ao crescimento tecnológico, recolocação, maturação ou sofrimento de uma sociedade.

A migração para novos territórios com objetos e topografias até então desconhecidos e a invenção de novas tecnologias como o computador são motores sociolinguísticos comumente observados, que causam mudanças linguísticas. Cerca de 4.500 anos atrás, os primeiros gregos encontraram os habitantes pré-gregos do Egeu e aprenderam com eles o que era plínthos 'tijolo, telha', mégaron 'espécie de sala', símblos 'colmeia abobadada', kypárissos/kypárittos 'cipreste' e mesmo thálassa/thálatta 'mar', coisas que eles não conheciam nem haviam visto antes. Logo elas se tornaram palavras gregas. Quando os celtas britônicos aprenderam as palavras romanas strata 'rua, ecclesia 'igreja'

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e fenestra 'janela', cerca de 2.000 anos atrás, emprestaram esses conceitos desconhecidos, o que explica por que os galeses dizem stryd, eglwys e ffenest atualmente. Uma expansão lexical maciça acabou de ocorrer em muitas línguas do mundo, por exemplo, devido à introdução de computadores pessoais: 'download', 'online', 'internet', 'spread-sheet', 'database', 'modem', e muitas outras palavras que não existiam 30 anos atrás são usadas cotidianamente. Emprestar novas palavras e expandir o domínio das palavras antigas são processos linguísticos que enriqueceram a sociedade humana desde o surgimento da fala articulada.

As sociedades também alteram léxicos devido à recolocação, que algumas vezes reflete o progresso agonizantemente lento de uma sociedade em direção à maturação. Antes uma palavra honrada, 'guerra' hoje evoca a repugnância geral. 'Nigger'8 para negro é tabu, uma palavra talvez mais emocionalmente carregada que o pior palavrão da língua inglesa; significando o mesmo que 'nigger', a palavra keffir está sendo atualmente expurgada dos vocabulários da África do Sul. Outras palavras que sumiram totalmente, ou em certos contextos, do inglês estão 'fairy', 'queer', 'cohabitation', 'concubine'9 e outras vítimas da revolução sexual das décadas de 1960 e 1970, que tornaram esses termos não apenas sem sentido, mas ofensivos. 'Divorcèe', 'spinster' e 'unwed mother',10 praticamente desapareceram desde a década de 1970, evidenciando a mudança do papel da mulher na sociedade. Muitos termos genéricos antigos — palavras que relacionavam ou caracterizavam todo um grupo ou uma classe — também estão sendo Semanticamente reconsiderados, à luz da crescente percepção e sensitividade do ser humano no início do terceiro milênio: 'animal', por exemplo, está atualmente passando por uma reinterpretação semântica, de 'besta' para 'criatura amiga'. Tais mudanças revelam muito sobre a evolução da condição humana.

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Os sociolinguistas também notam mudanças negativas. 'Música', 'literatura', 'arte' e 'teatro' estão perdendo suas definições tradicionais devido a mudanças daquilo que abarcam; essas palavras estão 'se dissolvendo na falta de sentido'. Talvez de modo mais alarmante, 'família', 'casamento', 'honra', e até mesmo 'Deus', estão se tornando conceitos indistintos uma vez que a sociedade inverte e falha em manter condições e crenças reverenciadas até então.11 A palavra 'parceiro', que até recentemente significava apenas 'amigo', 'sócio comercial' ou 'companheiro de equipe' está atualmente expandindo seu domínio semântico para substituir relacionamentos tão antigos quanto 'marido', 'esposa' e 'noiva/noivo'. (Porém, 'filho/a', 'mãe' e 'incesto' permanecem intocados; 'pai' está em processo de reavaliação.)

Pode ser vista uma reinvenção da sociedade nessas substituições. Todas as mudanças citadas acima ocorreram durante a vida do autor, a última metade do século vinte, que experimentou uma difícil reelaboração do tecido social que ainda não terminou. O mais velho se transforma, cada vez mais se torna necessário abandonar usos antigos e redefinir conceitos veneráveis. Para muitos é uma tarefa difícil, se não impossível.

Mudanças menores refletem a inclinação da humanidade pela mudança-pela-mudança, ou seja, a inovação sem motivo algum a não ser a novidade da própria inovação. Palavras padrões perfeitamente boas são regularmente substituídas ou suplementadas apenas pelo tempero adicional, para dar sabor à fala do mesmo modo que o tomilho dá sabor à sopa. A maioria são palavras passageiras, que desaparecem quase imediatamente, especialmente entre os jovens. Um exemplo particularmente vulnerável Semanticamente, que convida a uma suplementação regular, em inglês, é a palavra 'excellent', com suas dezenas de sinônimos populares que aparecem e desaparecem:

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'awsome' (década de 1990), 'groovy' (década de 1960), 'hep' (década de 1940), 'absolute' (Shakespeare), 'ful faire' (Chaucer).12 Outras palavras entram no vocabulário como uma moda passageira e permanecem: no século dezoito, a palavra 'acute'13 em inglês se tornou a gíria 'cute' significando 'esperto, afiado, sagaz' e então, nos EUA, se tornou 'atraente, bonito'; 'cuteness' significando 'beleza é uma derivação recente desta última redefinição.

A gíria representa o uso de um vocabulário informal não padronizado — tanto na forma de palavras quanto de expressões — para manipular criativamente a fala por uma variedade de motivos. Na língua inglesa, apenas no século dezoito a gíria recebeu uma conotação negativa: Chaucer, Shakespeare, Dryden e Pope usaram gírias em seus trabalhos como uma parte integrante de suas manifestações artísticas.14 Do século dezoito ao final do século vinte, a gíria se tornou algo a ser evitado, enquanto os falantes de inglês se esforçavam na direção de um uso prescritivo da língua, reflexo do movimento da educação em geral, com seu conceito idealizado de uma 'língua apropriada'. Hoje, os falantes de inglês estão mais parecidos com os da época de Shakespeare, em relação ao uso da gíria. A gíria se tornou aceitável, inclusive nos registros sociais mais altos, particularmente entre os falantes norte-americanos: um assessor de imprensa da Casa Branca referindo-se ao lançamento de um satélite como 'muito legal' exemplifica o uso rápido, inovador, comercial e multiétnico da língua pelos EUA.15 Num contraste sóbrio, alemães e franceses, por exemplo, não tolerariam a gíria nos registros sociais mais altos, uma vez que em ambas as línguas a gíria está restrita a camadas 'mais baixas' precisamente definidas.16 Para citar um caso extremo, usar uma gíria numa oração no Taiti antigo seria motivo para levar um golpe na cabeça.

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LÍNGUAS COMUNS, CONTATO E CONSTRUÍDAS

Pode-se imaginar que desde as primeiras tribos de Homo erectus houve um esforço para o estabelecimento de algum tipo de língua comum para facilitar o entendimento mútuo e promover o comércio. Em toda a história, línguas comuns têm se desenvolvido dessa forma, normalmente em rotas de comércio. Se uma língua dominante fosse falada na região de tais rotas, essa língua se tornava a 'interlíngua', como é chamada. Tal interlíngua, ou koiné, é um dialeto simplificado com o qual os falantes de dois ou mais dialetos bem diferentes se comunicam uns com os outros. Características comuns de suas línguas são retidas e as características não compartilhadas são ignoradas.

Uma das primeiras interlínguas documentadas foi o koiné diálektos ou 'dialeto comum' da era helênica (323-27 a.C). Basicamente, um dialeto da Ática na região de Atenas, influenciado por outros dialetos, particularmente o Jônico, o koiné mudou sua fonologia, morfologia, sintaxe e léxico e se espalhou rapidamente por intermédio do comércio e da colonização. Ele também se tornou a língua grega padrão usada na literatura, especialmente nos escritos de estrangeiros helenizados, como no Novo Testamento. A partir da metade do primeiro século a.C, estudiosos, esforçando-se para ressuscitar uma língua literária Ática 'pura, mostraram antipatia por essa língua vulgar 'inferior'. No entanto, o koiné continuou a dominar os portos e centros comerciais da maior fonte mediterrânea nos primeiros séculos d.C.

Uma das principais interlínguas dos povos célticos nos primeiros séculos a.C, quando o koiné dominava o Mediterrâneo, era,

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talvez, o galo-britônico, a língua comum falada pelos falantes do gaulês do continente e os falantes do britônico da Bretanha, antes da ocupação romana. Porém, pouco se sabe sobre esse presumido idioma comum.

Língua franca era como árabes medievais chamavam a língua dos povos românicos com os quais tiveram contato. Em particular, o latim vulgar, de origem veneziana e genovesa, dominava o Levante e servia como interlíngua entre os povos semíticos e os residentes europeus. O termo língua franca, assim como koiné, vem sendo, desde então, adotado por muitas línguas para designar qualquer interlíngua. Língua Geral é a língua portuguesa, em particular as interlínguas tupi da Bacia Amazônica e o guarani, no Paraguai e sul do Brasil. O suaíli, com gramática banta e um vocabulário em grande parte árabe, se tornou a língua franca das rotas comerciais do leste africano, e no século dezenove, foi usada em regiões no interior do continente, seguindo o rio Congo. O suaíli ainda representa uma das principais interlínguas do mundo, com uma própria e rica literatura.

Diferente de uma língua que evolui naturalmente e deriva de uma protolíngua, uma língua pidgin pode surgir quando falantes de várias línguas diferentes convergem por longos períodos.17 Normalmente, seu vocabulário provém de uma língua dominante, mas é muito menor que este; sua gramática é extremamente simplificada e, na maioria, embora não em todos os casos, regularizada. Uma língua pidgin é geralmente usada apenas como segunda língua, mas há exceções. Exemplos de línguas pidgin são o fanagolo, baseada no zulu, na África do Sul; o settla, baseado no suaíli, na Zâmbia; o tay boi, do Vietnam, baseado no francês, além de muitas outras. O processo de pidginização é comumente associado com línguas coloniais, como o português, o espanhol, o francês e o inglês.

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Como exemplo de uma língua pidgin baseada no inglês, três formas de uma nova língua surgiram no século dezenove, quando trabalhadores da Melanésia foram transportados por donos de plantações falantes do inglês, das Ilhas Salomão, de Vanuatu (ex-Novas Hébridas) e de Papua-Nova Guiné para cortar cana-de-açúcar na Austrália e em Samoa. A língua pidgin que eles trouxeram de volta se tornou o tok pisin em Papua, pijin nas Ilhas Salomão e Bislama em Vanuatu, consistindo em línguas com entre 80 e 90% de inglês, com uma mistura de vocabulários locais. As três são hoje 'línguas novas e distintas, com fonologia, gramática e léxico próprios'.18

Quando uma língua pidgin substitui as línguas nativas, é chamada de língua crioula, assim como o haitiano, baseado no francês do Haiti; o Kituba, baseado no congo do Zaire; o unserdeutsch, baseado no alemão de Papua-Nova Guiné; o nubi, baseado no árabe de Uganda, entre muitos outros. Uma língua crioula pode surgir de uma língua pidgin, por exemplo, se os trabalhadores homens falantes de pidgin forem impedidos de voltar para casa, e as mulheres forem levadas com eles, pode haver o estabelecimento de famílias de origem linguística mista. Assim, a língua pidgin se torna a primeira língua, e apenas fragmentos das línguas-mães permanecem, como relíquias do novo crioulo. Devido ao tráfico de escravos africanos, um grande número de línguas crioulas surgiu exatamente dessa maneira nas muitas ilhas do Caribe.

Há uma zona cinzenta entre as línguas pidgin e crioulas, ocupadas por aqueles que falam uma mesma língua que não é nem pidgin nem crioula — ou seja, uma e mesma língua pode servir a qualquer um dos grupos de falantes. Talvez seja necessária uma redefinição do crioulo, e que ele seja visto como uma língua de contato rasa cuja língua pidgin subjacente ainda não tenha uma linguística

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sólida elaborada. Uma geração de pessoas que cresce falando apenas esse pidgin 'inacabado' como primeira língua parece gravitar na direção de regras estabilizadoras que sugerem universais de linguagem. A recente Hipótese da Linguagem Bioprogramada alega que características gramaticais específicas tendem a se mostrar neste processo de crioulização.19

Se uma pessoa não usa a interlíngua, projeta ou adota um pidgin, nem cresce falando uma língua crioula, pode elaborar sua própria língua inventada, uma 'língua humana construída'. Uma língua artificialmente criada, idealmente fácil de ser aprendida, feita para servir a todas as nações de maneira neutra. Em séculos mais antigos, na Europa, uma construção como esta era desnecessária, uma vez que todos os europeus instruídos falavam latim como segunda língua. Porém, já no século dezessete, Descartes e Leibniz teoricamente propuseram a criação de um sistema simbólico perfeito para a transmissão do conhecimento científico. Uma língua humana construída é frequentemente chamada de 'naturalística' porque, apesar de construída artificialmente, ela tenta reduzir uma ou mais línguas naturais conhecidas a uma gramática e vocabulário comuns e simplificados. Historicamente, isso tem se dado pela incorporação das características mais compartilhadas das palavras das línguas ocidentais, em particular das línguas indo-europeias. É claro que essa fundamentação histórica na família indo-europeia — apenas uma entre as muitas famílias linguísticas do mundo — não faz jus à pretensão à 'universalidade'.

A primeira língua construída experimentada foi o volapuque, criada pelo pastor Schleyer do sudoeste alemão em 1870; porém, sua gramática complicada e vocabulário irregular tornavam difícil seu aprendizado. A língua construída mais bem-sucedida foi o esperanto, projetada pelo oftalmologista de Varsóvia Ludwig Zamenhof

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em 1887, que hoje conta com cerca de um milhão de falantes. Influenciados pelo esperanto, vários membros da Academia Volapuque se reorganizaram e publicaram em 1902 uma nova tentativa: o idioma neutral, que foi aclamado como um grande avanço na construção de uma língua naturalista e surtiu um grande impacto nas tentativas subsequentes. Na mesma época, o matemático italiano Giuseppe Peano ofereceu uma versão simplificada (sem flexões, ou variações na terminação das palavras) do latim chamada interlíngua. Em 1907, um esperanto naturalisticamente reformado, chamado ido, desenvolvido pelo francês L. de Beaufront, foi retrabalhado e endossado por um comitê científico em Paris, causando uma rixa com os defensores do esperanto e dividindo o movimento pela língua artificial.

Em 1918, cerca de 100 diferentes línguas construídas já haviam sido propostas. A experiência real do esperanto e as inovações teóricas do ido levaram a novas sugestões, como a ocidental, do alemão E. von Wahl em 1922 e o novial do dinamarquês Otto Jespersen em 1928, cujo vocabulário era baseado nas línguas europeias ocidentais. Seguiram-se novas investigações, como os movimentos totalmente independentes do Basic English de C. K. Ogden em 1930 e do interglossa de L. Hogben em 1943. Em 1951, foi publicado um dicionário interlíngua-inglês, com o patrocínio da International Auxiliary Language Association em Nova Iorque.

Ainda hoje há um interesse ativo pelas línguas humanas construídas, tanto do ponto de vista teórico-linguístico quanto do prático, com a criação de novas línguas com o auxílio de computadores pessoais. O campo é historicamente fascinante, mas o objetivo não é mais o uso real. A maioria das línguas construídas tem base indo-europeia e sofre da ausência de uma 'universalidade linguística' (qualquer que seja

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esse conceito). Além disso, é simplesmente artificial tentar ser natural. Línguas vivas exercem muito mais influência sobre o mundo, particularmente o mandarim chinês, o espanhol e o inglês. A ideia original por trás das línguas humanas construídas era evitar a identificação nacional numa era de nações emergentes e competição pela colonização. Essa necessidade já não existe mais, uma vez que a maioria das grandes línguas metropolitanas já não identifica mais uma única nação. Ou seja, as línguas mundiais estão surgindo naturalmente pela primeira vez na história. Na verdade, a língua inglesa — devido a circunstâncias históricas, não por si própria — atualmente conta com mais falantes de segunda língua que qualquer outro idioma do planeta, e os números continuam crescendo.20

LÍNGUAS NACIONAIS E ÉTNICAS

Em toda a história as pessoas se identificam mais intimamente com a própria língua e aqueles que a falam. Na verdade, foi pela identificação com outros falantes do mesmo idioma que surgiu a ideia de uma 'nação'. Nações multiétnicas e multilíngues mais recentes frequentemente balançam, principalmente por causa da língua — basta pensar na Bélgica, no Canadá, no País Basco e outras sociedades similarmente conturbadas. Uma língua nacional também compreende de modo inerente a noção de um 'dialeto superior' dentro dela, normalmente porque os falantes desse dialeto são os mais ricos e poderosos, enquanto aqueles que não o falam são os mais pobres e desamparados. Assim, as gramáticas prescritivas, que ensinam como a língua 'deveria' ser falada 'acolhem pronúncias' de dialetos prestigiados, uma questão de moda, como um novo chapéu, que constantemente remodelam dialetos não prestigiados. Hoje, com o rádio, a televisão e a internet, o bombardeamento dos linguisticamente poderosos pode ocupar todo o planeta.

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Num processo contrastante, a recente 'modernização' da British Broadcasting Corporation (BBC) basicamente eliminou o que havia sido chamado de 'inglês da BBC, uma pronúncia facilmente reconhecível da língua inglesa que passou muito tempo levada em alta conta. Hoje, ouvintes mais velhos, estejam eles na Inglaterra ou na Nova Zelândia, sentem-se alarmados ao ouvir transmissões da BBC naquilo que registram como uma 'pronúncia da classe mais baixa'; eles sentem que isso não apenas 'diminui o padrão', mas também demonstra uma 'terrível falta de bom gosto'. Porém, tais protestos não têm sentido na grande saga das línguas vivas. Dialetos 'superiores' são apenas uma quimera, uma vez que os próprios dialetos especiais mudam e/ou perdem aquilo que os tornava especiais.

Todos os dialetos de uma nação — geográficos, étnicos, 'de classe' social, étnico-sociais (negro 'de classe alta' com branco 'de classe baixa' e vice-versa), prestigiados, nobres, entre outros — com as influências de contato (como a influência do francês sobre o inglês por quase 1.000 anos) contribuem para o amálgama linguístico que caracteriza todas as línguas naturais do planeta.21

Na sociolinguística urbana, normalmente se segue o 'modelo vernacular padrão', onde se invoca os pares 'poder' versus 'solidariedade, classe social 'mais alta versus 'mais baixa, 'redes sociais abertas' versus 'redes sociais fechadas' e assim por diante. Porém, nas comunidades menores que caracterizaram a maioria da história humana, essas polaridades são evidentemente irrelevantes: a variação linguística é melhor conceitualizada e ordenada segundo as normas locais e ancestrais da fala, como revelam hoje os estudos de línguas africanas menores.

É verdade que alguns grupos étnicos em sociedades multiétnicas mostram um maior regionalismo do que outros, uma consciência

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e lealdade a uni domínio distinto com uma população homogênea. Norte-americanos de origem europeia são muito mais regionalistas (ligados à área), por exemplo, que americanos de origem africana, que tendem mais a um comportamento étnico e linguístico universal (regionalmente independentes, contrastando com as comunidades africanas). Mas a fala de todos os grupos de uma nação molda continuamente a língua e a modifica diariamente, do mesmo modo que cada tempero adicionado a uma sopa muda e enriquece seu sabor. A fala dos negros norte-americanos, principalmente por intermédio da música, dos filmes e da televisão, teve uma gigantesca influência na fala dos euro-americanos nos últimos anos, especialmente entre os jovens. Um dialeto prestigiado pode impressionar superficialmente, com certeza; mas todos os dialetos de uma língua, juntos, como um todo dinâmico, a expressam. E são esses constituintes expressivos numa orquestração dinâmica que permitem que uma língua viva prospere. Já foi mencionado como, no início do quinto século a.C, o historiador Heródoto descreveu 'toda a comunidade grega como um só sangue e uma só língua. Isso é insignificante. Pois durante a maioria da história humana, o sangue era a língua. Devido a pequenas populações humanas, aqueles que falam como você normalmente estão relacionados com você. Por dezenas de milênios, essa consanguinidade engendrou uma convicção de que falas semelhantes se compreendem. Inversamente, a fala estrangeira é uma ameaça. Enquanto as comunidades de falantes das mesmas línguas se uniram, primeiro em cidades-estado, depois em Principados e então em nações, encontros com falantes de outras línguas na mesma época levaram a conflitos cada vez maiores. Isso definiu ainda mais as fronteiras entre vizinhanças, fronteiras baseadas na ausência de uma língua comum.

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Pode sr notar com tristeza como a divisão entre os falantes do inglês e do francês no Canadá ameaça a unidade nacional; como a violenta desintegração da ex-União Soviética segue principalmente fronteiras linguísticas, e como as muitas guerras africanas são travadas quase exclusivamente entre tribos de línguas diferentes. Nos EUA, a recente incursão de milhões de falantes de espanhol vindos de nações meridionais elevou tanto as sensibilidades, que muitos norte-americanos clamam por uma emenda 'pelo inglês' na constituição norte-americana — uma proposta legislativa que torne o inglês a língua 'oficial' dos EUA. Uma leviandade semelhante foi instituída pelos falantes russos da União Soviética, aumentando a discordância interna.

A ideia do 'isolamento linguístico' falha em contar com a força motora das línguas humanas, o poder de absorver e relacionar de maneira a incentivar a cooperação e assegurar a sobrevivência humana. O inglês médio não foi poluído nem destruído pelo francês normando após 1066; ele foi extraordinariamente enriquecido. Um enriquecimento semelhante — por intermédio do espanhol no inglês — pode agora ser desfrutado pelos norte-americanos, mais de 900 anos depois.

Tais tópicos discutem o status das línguas nacionais e vernaculares como indicadores efetivos da harmonia social em nações que estão em evolução. Desde a articulação da fala, a avaliação da humanidade do papel das línguas nacionais na sociedade variou, unindo e dividindo comunidades, formando-as ou incitando a guerra. Em meio a tudo isso, as culturas multilíngues experimentam um atrito constante. A criação do estado-nação em épocas recentes aumentou esse atrito, adicionando uma pressão artificial de cima para baixo.22 Na maioria dos países multilíngues, os movimentos de libertação nacionais após

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a Segunda Guerra Mundial forçaram novamente a discussão sobre as línguas oficiais após a independência das colônias. Desde essa época, o impacto social das línguas foi estudado com profundidade: a necessidade de se identificar com uma comunidade linguística definida dentro do conceito de 'terra natal' é hoje reconhecida como um dos requisitos mais básicos da sociedade. Além disso, a questão dos direitos das minorias causou, ao mesmo tempo, o reconhecimento da igualdade das línguas e dialetos minoritários na maioria dos ocidentais, como o espanhol chicano, o inglês afro-americano e afro-britânico. Essa é uma preocupação antiga, que perturbou os putayas e os líbios na Creta minoica em 1600 a.C, os gregos no Egito em 200 a.C. e os romanos e alemães na Bretanha em 200 d.C. — na verdade, povos minoritários em todas as eras.

A história afro-americana é notável. Levados à força para a América, os africanos foram proibidos tanto de falar as línguas africanas ocidentais quanto o inglês instruído. O inglês negro vernacular que eles desenvolveram para se comunicar foi colocado inconfortavelmente acima de um substrato africano herdado. Ele ainda está lá, um emblema étnico facilmente identificável. Em particular, a fonologia afro-americana tem um excesso de características não encontradas na fonologia euro-americana. Em geral, presume-se que elas derivam das línguas africanas ocidentais, embora não seja necessariamente o caso: tais características podem muito bem ter se originado entre as comunidades escravas em solo americano no século dezessete.23

Porém, muitos itens lexicais africanos ocidentais não apenas sobreviveram, quase sempre escondidos em homônimos ingleses, mas também entraram em uso internacional: 'dig', 'jive', 'jazz', 'hep', 'cat', 'boogie-woogie', e muitos outros.24 Suplementando a palavra germânica homônima, a gíria 'cool' pode talvez derivar da palavra

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africana ocidental kul que significa 'admirável, excelente'; um 'cool cat' teria sido, por exemplo, uma 'pessoa admirável'. Porém, nos últimos vinte anos, jovens de todo o mundo vêm usando o afro-americano 'cool' como um termo representativo para 'excelente' — tornando 'cool' o adjetivo mais amplamente emprestado em todo o mundo atualmente. De uma posição inicial de perseguição, devido aos movimentos pelos direitos civis que se iniciaram na década de 1950, o inglês negro vernacular conseguiu uma posição influente no inglês padrão internacional.

Num contraste dramático, a minoria turca residente na Bulgária há séculos foi recentemente proibida não apenas de usar sua língua turca, mas também seus nomes turcos; consequentemente, milhares de pessoas fugiram para a vizinha Turquia. E em 1998, para suprimir a ex-língua colonial, o francês, o governo da Argélia aprovou uma lei que torna o uso de qualquer língua que não seja o árabe uma ofensa; a minoria argelina Bérbere, que fala língua conhecida mais antiga do país, foi às ruas protestar. Os dois exemplos descrevem um destino muito comum de línguas minoritárias.

GÊNERO E LÍNGUA

Desde a década de 1960, o movimento pela libertação da mulher estimulou os linguistas a estudar as diferenças de gênero na língua, em particular para verificar se o uso da língua ajuda a reforçar e perpetuar a desigualdade sexual.25 O movimento causou inclusive uma 'neutralização' parcial da língua inglesa — a remoção das tradicionais 'marcas de gênero' — para ajudar mulheres, gays e lésbicas a alcançar a igualdade social por meio da língua. Para aqueles cuja doutrinação social e escolaridade antedataram o movimento, foi necessária uma

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revisão constante do inglês (alado e escrito, assim como de atitudes de conceitos herdados.

Em muitas línguas, tal neutralização é simplesmente impossível, uma vez que a distinção de gênero (particularmente classes nominais diferenciadas) está na base gramatical. Por exemplo, a sentença galesa Rydw i yn chwarae ei biano 'eu estou tocando o piano dele' contrasta com Rydw i yn chwarae ei phiano 'eu estou tocando o piano dela' apenas com uma mutação consonantal que opera na palavra piano que é guiada pelo gênero. No francês, os adjetivos precisam concordar tanto em gênero quanto em número com o substantivo: em lês soeurs sont belles 'as irmãs são bonitas' e lês frères sont beaux 'os irmãos são bonitos', o plural feminino belles contrasta com o plural masculino beaux. No alemão, a flexão de gênero é um marcador indispensável da função gramatical: das Kind gehört der Frau 'a criança pertence à mulher', onde die Frau 'a mulher' se torna o dativo (objeto indireto) singular der Frau 'à mulher'. Em muitas línguas, as diferenças de gênero (ou seja, classes nominais) também carregam distinções semânticas essenciais. Em alemão, por exemplo, o masculino der Band significa 'o volume (de um livro)' e o neutro das Band 'o cordão, a corda, a faixa'. No galês, que como o francês usa apenas dois gêneros, o masculino gwaith é 'trabalho', mas o feminino gwaith é 'tempo'. Na falta de regras e distinções específicas de gênero, talvez o inglês esteja numa posição eminente para alcançar, pelo menos linguisticamente, uma igualdade parcial de gênero.

O que realmente ocorreu com a língua inglesa nos últimos 25 anos foi uma 'limpeza de gênero' sem precedentes, facilitada por uma concomitante explosão da comunicação de massa. Isso promoveu uma reavaliação consciente de todo falante ou escritor instruído de língua inglesa de seu vocabulário para evitar qualquer palavra que

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pudesse afetar negativamente os direitos não só tias mulheres, mas também de gays e lésbicas.26 Às vezes, o debate chega a ser absurdo. Defensores das mulheres, acreditando ser a palavra 'human' uma derivada de 'man',27 tentaram, por exemplo, substituí-la por 'huperson'.28 Felizmente, a tentativa falhou, talvez nem tanto por 'humano' ser, na verdade, uma palavra proveniente do latim himanus, que não tem relação com a palavra germânica mann/mannon 'homem, ser humano', mas sim porque a palavra faz parte do vocabulário central da língua. (Os humoristas indagaram na época se as 'mulheres liberais' também gostariam de mudar Manhattan para 'Personhattan'.)

Porém, outras palavras realmente sumiram do vocabulário inglês ativo, particularmente aquelas que expressam claramente uma masculinidade desnecessária. Por exemplo, neste livro, o autor conscientemente substituiu cada 'mankind' pelo politicamente correto 'humankind'.29 Apesar da tentativa do primeiro-ministro da Austrália, em 1998, de reintroduzir a palavra 'chairman', ela foi efetivamente substituída em todos os lugares por 'chairperson'.30 A maioria das categorias ocupacionais foi neutralizada em língua inglesa, 'stewards' e 'stewardesses' são hoje chamados de 'flight attendants',31 por exemplo. Palavras antigas como 'forefathers', 'fatherhood' e 'manservant' — que significam, 'ancestrais', 'paternidade' e 'doméstico' — talvez também desapareçam do vocabulário inglês ativo, para se juntar ao vasto número de arcaísmos que inflam o léxico histórico. Esse não é apenas o destino da língua, é seu dever... quando garantido.

O passado vivenciou aventuras semelhantes, normalmente de natureza religiosa, étnica ou nacionalista (ver mais adiante). No século dezenove, o político inglês Thomas Massey lutou contra os catolicismos na língua inglesa e propôs à Câmara dos Comuns que o termo Christmas deveria ser trocado por 'Christtide', para evitar uma

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referência à massa católica.32 Mas, quando o primeiro-ministro Benjamin Disraeli perguntou se ele também estaria pronto para mudar seu nome para 'tom-tide tidey', a questão foi encerrada.

PURIFICAÇÃO LINGUÍSTICA

Em vez de alterar a língua herdada para efetivar uma mudança social, os puristas linguísticos queriam o retorno a uma forma intuitivamente 'mais pura' de sua língua. Talvez o principal motivo dos primeiros gramáticos sânscritos, gregos, latinos e árabes não fosse tanto 'entender' a língua (no sentido científico moderno) quanto prescrevê-la — ou seja, definir e petrificar sua forma 'mais pura na língua escrita. O mito de uma língua antiga e pura de antecessores mais sábios sempre pareceu subjacente a essa atividade. Quando os estudiosos da Renascença introduziram uma profusão de empréstimos gregos e latinos em todas as línguas europeias para criar um novo vocabulário filosófico e científico, a maré de palavras subsequentemente geradas provocou, no século dezessete, 'purificações linguísticas' que procurou se livrar de todos os elementos estrangeiros percebidos na língua e prescrever um uso 'apropriado', ou seja, mais antigo, da língua. Apenas no século dezoito, um equilíbrio racional entre os dois extremos foi, finalmente, alcançado.

Em Florença, na Itália, vários estudiosos e poetas se reuniram em 1582 para fundar a Accademia della Crusca com a intenção de expulsar todas as palavras estrangeiras da língua nacional e elevar as características do italiano sentidas como nacionais, baseando o ideal particularmente nos reverenciados textos de Dante e Boccaccio. A Accademia prosperou durante dois séculos e inspirou sociedades semelhantes em toda a Europa. A Alemanha contava com várias, sendo a mais antiga e respeitada a Fruchtbringende Gesellschaft

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(1617-80) em Weimar, a qual pertenciam todos os poetas alemães importantes do século dezessete. De maneira semelhante, a França estabeleceu a Academie Française em 1635, que até hoje permanece sendo a instituição prescritiva de supervisão da língua mais respeitada da França.

A Royal Society inglesa foi fundada em 1662, principalmente para tentar superar a França. Até então, a Inglaterra já reclamava havia muito tempo da impureza da língua. No final do século quinze, o tipógrafo Willian Caxton havia protestado contra 'Termos curiosos que não podiam ser entendidos por pessoas comuns'. Centenas de palavras emprestadas do francês competiam com palavras inglesas nativas: rock/stone, realm/kingdom, stomach/belly, velocity/speed, aid/help, cease/stop, depart/leave, parley/speak.33 A solução inglesa: manter ambas, mas conferir a cada uma delas uma diferente nuance ou valor social (que também sofreram vários deslocamentos e substituições). Isso enriqueceu a língua inglesa de modo que poucas línguas do planeta experimentaram, basicamente tornando o inglês um produto de duas famílias linguísticas diferentes, a germânica e a itálica. Em 1577, o historiador Ralph Holinshed pôde declarar: 'Não há uma língua falada em nossa época que tenha possibilitado tão grande variedade de palavras e número de expressões quanto o inglês'.

Outros criticaram o empréstimo sem restrições, porém, disciplinando aqueles que 'remendavam os buracos com retalhos de outras línguas, emprestando aqui do francês, ali do italiano, e também do latim, sem pesar como essas línguas vão combinar entre si, e muito pior, com a nossa língua: então, agora, eles querem transformar a nossa língua inglesa numa mistura ou miscelânea de todas as outras línguas'. Samuel Johnson, que, no século dezoito tentou escrever o primeiro dicionário 'completo' de inglês, declarou que seu objetivo

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era 'redefinir nossa língua a uma pureza gramatical e limpá-la dos barbarismos coloquiais'. Johnson, é claro, estava desde o início condenado ao fracasso, uma vez que não existe algo como uma 'língua pura. Em particular no inglês, das 10.000 palavras utilizadas com mais frequência, apenas 31,8% foram herdadas do germânico, sendo as restantes 45% provenientes do francês, 16,7% do latim e o restante de várias outras línguas menores. (O inglês também apresenta um superestrato francês em sua gramática e fonologia, mas ele não é tão pronunciado quanto seu vocabulário.) Porém, das 1.000 palavras mais frequentes do inglês, 83% derivam do inglês antigo, 12% do francês e 2% do latim.

O erro dos puristas linguísticos sempre foi a não percepção de que o empréstimo é uma das grandes forças de uma língua. As línguas humanas não são pedras, são esponjas. Essa qualidade é uma dádiva em sua maravilhosa criatividade, assim como em sua adaptabilidade e viabilidade. Mesmo assim, em toda a história, purificações linguísticas ocorreram de tempos em tempos. Na Primeira Guerra Mundial, por exemplo, palavras alemãs ou relacionadas ao alemão em inglês foram anglicizadas: 'pastor alemão' se tornou 'alsaciano', Battenberg' se tornou 'Mountbatten', e assim por diante. De maneira semelhante, devido à aberração ariana das décadas de 1930 e 1940, os nazistas tentaram purificar a língua alemã de todas as influências estrangeiras, particularmente as judias. Ao mesmo tempo, a Rússia purificava a língua russa de todas as palavras capitalistas em toda a União Soviética, para criar um 'vocabulário puro, socialista', semelhante a uma miragem.

Quando a Indonésia se tornou independente da Holanda, após a Segunda Guerra Mundial, o novo governo substituiu o holandês pelo bahasa indonésio — até então apenas uma das línguas locais — como a

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língua do governo, da corte, da mídia e da instrução. Um conselho de língua e literatura foi estabelecido para criar uma nova terminologia e traduzir os materiais holandeses para o bahasa indonésio usando essa terminologia. Isso significava um bahasa indonésio totalmente 'puro', planejado, sancionado e implementado pelo governo central. Toda educação na Indonésia vem sendo, desde então, transmitida por essa nova língua artificial, resultando numa rápida redução da rica diversidade linguística da Indonésia.

Os maoris da Nova Zelândia são cerca de 11 % da população, mas apenas um em cada vinte maoris fala ativamente a língua maori, um idioma polinésio (todos os maoris falam inglês fluentemente). No entanto, devido à campanha pelos direitos dos nativos da Nova Zelândia, inspirada pelos movimentos a favor dos direitos civis dos negros nos EUA, um conselho linguístico semelhante ao da Indonésia foi estabelecido para criar um novo vocabulário maori incluindo itens da cultura e tecnologia ocidentais desconhecido em maori. Como essa é uma ação preconceituosa para 'proteger' o maori do inglês, não é necessária, nem frequentemente aplicada. O plano não pode ser comparado a medidas tomadas em outras partes do mundo para preservar um língua nacional majoritária.

Um exemplo, a Islândia é outro país que pratica a purificação linguística. O irlandês é a língua germânica da maioria dos descendentes de colonizadores, em grande parte nórdicos (mas também irlandeses), que se instalaram na Islândia a partir de 874 d.C. Devido à pequena população islandesa, de cerca de 270.000 pessoas, o que torna a Islândia um país particularmente vulnerável a influências estrangeiras, e devido a um forte orgulho étnico, um conselho linguístico especial se encontra regularmente para 'islandizar' qualquer novo termo, em grande maioria tecnológico' que entre na língua, como sjónvarp para

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'televisão' (literalmente Visão a distância'). O trabalho do conselho vem ajudando na sobrevivência da língua islandesa.

PROPAGANDA E LÍNGUA

Uma sociedade também ofusca, mente e engana por intermédio da língua, com consequências terríveis para a liberdade pessoal de seus membros que ficam assim privados do direito de alcançar um consentimento democrático. Tal mau uso da língua é sintoma de uma sociedade doente. No passado, governos que praticaram esse mau uso por períodos prolongados invariavelmente pereceram.

O 'politicamente correto' é primeiro e principalmente linguístico. Uma pessoa é prejudicada se não fala a língua daqueles que estão no poder.34 Os antigos atenienses tiveram de usar os lógoi que rebaixaram os espartanos e defenderam os valores atenienses. Após a invasão romana, os celtas londrinos tinham o cuidado em evitar qualquer latinismo que pudesse insultar o domini novi. Enquanto os monges medievais exerciam a castidade da fala, os vikings que os assassinaram escolheram o tal que exaltava sua coragem entre seus guerreiros. Com a imprensa surgiu uma censura mais rigorosa, e os escribas se tornaram escritores e editores que escolhiam cuidadosamente o usus scribendi que não colocasse em perigo a precisa impressão aos olhos do príncipe ou bispo local.

A mídia em particular, com o advento dos primeiros jornais no final do século dezesseis, tinha de ser especificamente cautelosa com seu vocabulário ao relatar e criticar. Por esse motivo, a palavra impressa representa normalmente um compromisso linguístico diferenciado do uso da fala. A palavra impressa também leva frequentemente ao erro. Nos EUA, na primeira metade do século dezenove, o 'Manifest

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Destiny' foi uma provocação jornalística que promovia a matança de americanos nativos e a posse de suas terras. Um século depois, os movimentos anticoloniais após a Segunda Guerra Mundial quase sempre foram chamados, caso lutassem contra a Aliança Ocidental, de 'grupos de guerrilha' ou 'insurgentes comunistas', ou caso se opusessem ao Bloco Oriental de 'rebeldes capitalistas', 'fascistas', 'bandidos' e assim por diante. A antifaschistische Schutzmauer ou 'forte antifascista' da Alemanha Oriental era, na verdade, uma prisão que mantinha milhões de pessoas encarceradas. Mesmo após a Guerra Fria, a retórica propagandística persiste.

A propaganda trabalha de modo sutil. Numa entrevista à rádio de Joanesburgo em 1998, um entrevistador branco usou a expressão 'vocês, afro-americanos', enquanto seu entrevistado respondeu com um 'vocês, brancos', uma inversão irônica de antigas ofensas linguísticas na região. (Hoje, a África do Sul está num período em que os jornais brancos se classificam como 'pós-apartheid', mas os jornais negros como 'pós-libertação'.) Convoluções linguísticas semelhantes são frequentemente empregadas no mais alto nível para mascarar os excessos corporativos multinacionais: poluição radioativa, bioinvasão, emissões excessivas de dióxido de carbono, desmatamento de florestas tropicais, aumento do buraco da camada de ozônio. Quando esse mascaramento ocorre somente para o lucro de empresas, alguns acreditam que o 'consentimento de produção' — ou seja, que a mídia manipula a língua para comunicar a desinformação e uma realidade composta a favor de uma minoria privilegiada — pode causar, na nossa era de comunicação global, danos graves em sistemas democráticos, na humanidade em geral e em toda a natureza.35

Pode-se lembrar com horror da sanitarização linguística. A Endlösung ou 'Solução Final' de Adolf Hitler encobria o assassinato em

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massa dos judeus europeus. Nos EUA, durante a Guerra do Vietnã, as expressões 'levar alguém para fora' e 'higienizar' substituíram 'morte' e 'assassinato'. Mesmo no final do século vinte, após a Guerra Fria, o pentágono ainda chamava bombas de 'dispositivos liberados verticalmente feitos para atingir pessoas'. Mortes humanas viram 'contagens de corpos'. Muitos acreditam que a sanitarização linguística é necessária, pois permite que o ser humano cometa atos inumanos. Num fenômeno semelhante, os soldados reduzem o inimigo a um coletivo de não entidades para se convencerem de que suas vítimas em potencial são diferentes de seres humanos comuns e, portanto, assassináveis. Para os gregos antigos, os persas eram apenas bárbaroi ou 'bárbaros'. Na Guerra da Independência Norte-Americana, ou se estava com os 'redcoats' ou com os 'yankees'; na Guerra Civil Americana, 'Johnny Rebs', ou novamente 'yankees'; no Sudão, os 'fuzzy-wuzzies'; na Primeira Guerra Mundial, os 'Hunos'; na Segunda Guerra Mundial os 'Heinies', 'Jerries', 'Krauts', 'Fritz' ou 'Japas'; e no Vietnã, simplesmente 'Charley'.

Na verdade, os oficiais são ensinados a encorajar tais usos da língua. Às vezes, seu uso é indecoroso para políticos íntegros. No quartel do general Eisenhower, em Londres, durante a Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill ouviu um coronel norte-americano perguntar, após uma batalha: 'Qual a contagem de PDC?' Churchill perguntou: 'O que é PDC?' 'Pessoal danificado em combate', respondeu o coronel. 'Nunca mais diga essa expressão detestável na minha frente', irritou-se Churchill. 'Se você estiver falando sobre as tropas britânicas, refira-se a eles como 'soldados feridos'.

Debochando da razão e dos sentimentos, a língua afetada da burocracia também é endêmica em todas as nações que possuem es-

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crita. O 'oficialês', em seu sentido mais amplo, degrada quase todas as inscrições monumentais egípcias e maias antigas, uma vez que elas comunicam em alto grau mensagens estilisticamente do e sobre o autoengrandecimento do poder central. Hoje o abuso é comum. Em inglês, inumeráveis títulos ocupacionais receberam recentemente novas denominações quase incompreensíveis: 'undertaker' ou 'mortician' se tornou 'diretor funerário' e então bereavement care expert; 'caretaker' (Inglaterra) ou 'janitor' (Escócia, Canadá e EUA) se tornaram hoje 'sanitary engineer'.36 De modo mais sinistro, conceitos perfeitamente compreensíveis desaparecem cada vez mais, dando lugar a expressões mais ambíguas que escondem realidades desagradáveis ou politicamente incorretas. Alguns textos são frequentemente escritos de maneira tão confusa, que desafiam o senso comum; e algumas vezes esse é o objetivo do autor.

Para conter tais abusos linguísticos, foi lançada uma Campanha pelo Inglês Compreensível em 1979, para persuadir as organizações a se comunicar com o público numa linguagem direta. Contrários ao mau estilo, à ambiguidade e ao ofuscamento, os diretores do movimento reclamam do oficialês, do legalês e das 'letras miúdas', ou seja, do engodo linguístico implícito. O trabalho da campanha 'transformou a linguagem e a forma da informação transmitida ao público no Reino Unido', com repercussões internacionais. O editor da Oxford Companion to the English Language escreveu recentemente: 'Em toda a história da língua [inglesa], nunca houve um movimento popular com uma influência tão forte quanto a Campanha pelo Inglês Compreensível. Um exemplo de reescrita em inglês compreensível: Ambientes de ensino e alta qualidade são uma pré-condição necessária para a facilitação e intensificação do processo de aprendizado' se torna: 'Crianças precisam de boas escolas para aprender bem'.

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LÍNGUA DE SINAIS

Todas as línguas vivas do mundo combinam gestos com a fala, indicando que alguma forma de 'sinal' sempre fez parte da comunicação humana. Alguns acreditam que foram os sinais primitivos que desencadearam o desenvolvimento da língua vocal nos primeiros seres humanos. Mas uma 'língua de sinais' per se também consegue se sustentar sozinha como um sistema organizado de símbolos criados naturalmente, mecanicamente ou eletronicamente para transmitir mensagens a longas distâncias; e de gestos feitos com as mãos e/ou pantomimas no lugar da língua falada entre pessoas com uma língua comum ou entre indivíduos fisicamente incapazes de falar e/ou ouvir. A semiótica é a teoria filosófica dos símbolos e sinais que lida particularmente com sua função nas línguas naturais e construídas artificialmente.

Seres humanos sempre transmitiram mensagens a distância através de uma forma de língua de sinais: fumaça, tambores, conchas, flechas, trompetes, cornetas, entre muitos outros meios.37 Os gregos antigos faziam sinais para navios refletindo o sol em escudos de bronze polidos. Os romanos usavam trompetes e estandartes para sinalizar uma batalha. Os chineses empregavam rojões coloridos em código e pólvora. Os norte-americanos nativos frequentemente transmitiam sinais especiais por entre extensos vales pelo uso de nuvens de fumaça, como uma espécie de Código Morse primitivo. Códigos em bandeiras são usados por navios mercantes e marinhas há milênios. Com o surgimento das ferrovias no século dezenove, surgiu um sistema de sinais gerais feitos com lanternas que significavam 'liberar freios', 'parar', 'voltar' e assim por diante. Com o telégrafo surgiram códigos linguísticos elaborados que também podiam ser usados por outros

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meios de sinalização física: o Código Morse, por exemplo, é usado por bandeiras de mão, projeção de raios de sol, ou, à noite, por tochas, lanternas ou outras fontes de luz; se a distância for curta, o Código Morse também pode ser transmitido por meio de assobios, buzinas, tambores, entre outros meios.

A língua falada também é transmitida por meio de gestos preestabelecidos. A língua de sinais monástica é usada dentro de monastérios europeus desde a Idade Média como segunda língua, permitindo a comunicação sem a quebra de votos de silêncio. Não há falantes de uma 'língua-mãe' da língua de sinais monástica. A língua de sinais dos índios das planícies norte-americanas, compartilhada por falantes de grupos linguísticos mutuamente ininteligíveis, é um manual de linguagem elaborado que consegue expressar objetos naturais, conceitos, emoções e sensações por meio de uma sintaxe sofisticada que beira a gramática. Ela foi projetada na América do Norte após a introdução de cavalos pelos espanhóis vindos do sul das Grandes Planícies, e o cerco de armas francês ao leste. Permitindo conversações detalhadas, os Sinais das Planícies permitiam a troca de informações sobre comércio, caça e informações sociais não apenas com outras nações americanas nativas, mas também com os europeus. Dentro das nações individuais, os Sinais das Planícies ainda são usados hoje em dia para lendas, preces, rituais e contação de histórias; eles não são mais usados entre as nações, uma vez que todos os americanos nativos são agora fluentes em inglês. A língua de sinais dos índios das planícies não é uma língua de sinais para deficientes auditivos e permanece apenas como segunda língua.

Para os deficientes auditivos que conhecem a língua de sinais, ela é a primeira língua. Com bem mais de 100 línguas individuais sendo transmitidas — do catalão ao chinês e do mongol ao maia — a

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língua de sinais para deficientes auditivos é o maior grupo de língua de sinais atualmente usado no mundo. Na verdade, a língua de sinais diz respeito principalmente à cultura dos deficientes auditivos, com um número significativo de pesquisas e outras atividades no campo que, atualmente, conta com dezenas de milhões de praticantes.

A Abbé de l'Épée, que em 1770 fundou em Paris a primeira escola para surdos e deficientes mentais, projetou um alfabeto especial expresso com uma mão para seus estudantes. Mais tarde, foi elaborado um alfabeto expresso por duas mãos, cujo método é atualmente usado pela maioria dos deficientes auditivos. A língua de sinais dos deficientes auditivos não é uma língua separada, mas, em geral, o alfabeto de uma língua natural codificado por meio de sinais manuais. Ao copiar a língua de sinais dos índios das planícies e o exemplo francês, especialistas em deficientes auditivos norte-americanos elaboraram dois tipos de linguagens gestuais manuais, das quais derivam a maioria das línguas de sinais para deficientes auditivos do mundo: o primeiro de sinais naturais, que, como no caso do sistema dos povos das planícies, assinala objetos e conceitos com base na língua falada; e o segundo de sinais sistemáticos, que sinaliza palavras ou letras do alfabeto individuais, com base na língua escrita. A maioria das pessoas que se comunica por sinais no mundo hoje usa a Língua de Sinais Americana. Ela também é usada para a comunicação com animais (ver Capítulo 1).

LÍNGUAS AMEAÇADAS E EXTINÇÃO DE LÍNGUAS

As línguas morrem mais frequentemente do que os povos que as falam. Na verdade, a história humana da Europa dos últimos 50.000 anos abarca uma esmagadora substituição linguística, e não genética.

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Embora os livros citem cerca de 5.000 línguas existentes, provavelmente apenas cerca de 4.000 ainda são faladas atualmente, e esse número diminui rapidamente. Estima-se que talvez menos de 1.000 dessas línguas continuaram sendo faladas no início do século vinte e um. A integração social e a dissolução étnica nunca foram tão pronunciadas na história humana.38 Línguas sempre desapareceram, por motivos econômicos, culturais, políticos, religiosos, entre outros. Não é necessário ser uma minoria para perder uma língua: a maioria das línguas majoritárias da Europa foi substituída por uma minoria de línguas indo-europeias no decorrer de várias ondas de invasões do leste. O risco de extinção das línguas é, atualmente, um dos maiores desafios culturais da humanidade, apresentando enormes problemas científicos e humanistas.39

Ao contrário da opinião geral, a extinção de uma língua como resultado de uma catástrofe — seca, guerra, terremoto, erupção de vulcões, deslizamento, tsunami e inundação — é extremamente rara. Embora em épocas mais antigas assassinatos, doenças e exílios fossem causas mais frequentes de perda da língua, na história humana mais recente, essa perda, que é quase sempre uma substituição da língua, é muito mais frequentemente 'voluntária', ou seja, 'relutantemente desejada'. Desse modo, os pré-indo-europeus da Aquitânia se renderam ao gaulês dos celtas, e, depois, o próprio gaulês cedeu ao latim de Roma. A maior parte dos celtas britônicos da Bretanha aceitou o latim dos seus ocupantes minoritários de maneira semelhante, e depois finalmente adotaram o germânico dos ocupantes minoritários que se seguiram. O polábio, a língua eslava dos eslavos ocidentais que ocupavam a região entre os rios Elba e Oder, foi finalmente assimilado pela língua e a cultura alemã cerca de 1750 d.C, após 800 anos de contato próximo; mesmo assim, os vênedos ou sorábios, eslavos ocidentais

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do alto e médio rio Spree, a sudeste de Berlim, conseguiram manter sua língua e cultura eslava até os dias de hoje, como resultado de uma série de circunstâncias fortuitas. Após 500 anos de colonização, quase toda a América Latina fala hoje o espanhol. A pequena Ilha de Páscoa, que atualmente já não é mais o último refúgio do planeta, também está finalmente se rendendo ao espanhol, trocando seu patrimônio polinésio por renda financeira. Quando ocorre o contato com uma força estrangeira 'superior', pais e mães de todo o mundo aconselham seus filhos a se encaixarem, desejando sua segurança e progresso. São normalmente eles que substituem sua língua por outra, encorajando ou tolerando o bilingualismo. As crianças eventualmente acabam se tornando monolíngues no novo idioma.

Apesar dos ganhos imediatos produzidos pela substituição da língua, aqueles que abrem mão voluntariamente de seu idioma invariavelmente sentem a perda da identidade étnica, uma derrota causada pelo poder colonial ou metropolitano (com concomitantes sentimentos de inferioridade) e traição penosa a seus ancestrais sagrados. Ela também causa a perda de histórias orais, cantos, mitos, religiões e vocabulário técnico, assim como das tradições, costumes e comportamento prescrito. Toda sociedade antiga desaba, e quase sempre a nova língua não consegue preencher o vácuo resultante, tendo como consequência gerações perdidas em busca de uma nova identidade, de 'algo de valor'.

Uma alternativa à substituição da língua é o bilingualismo permanente. Ou seja, o povo continua falando sua língua nativa entre eles ao mesmo tempo em que também usa ativamente uma língua metropolitana, como o Inglês Padrão Internacional ou o espanhol para se comunicar cora os outros. Em grandes populações de falantes, a solução funciona eminentemente. Mas entre populações menores, ela

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quase invariavelmente acarreta a substituição pela língua metropolitana. Línguas verdadeiramente minoritárias, ou seja, aquelas faladas por cerca de 20.000 pessoas ou menos, dependentes das circunstâncias, só conseguem ser preservadas por meio do total isolamento. Qualquer outro meio significa uma aniquilação certa.

Não apenas as línguas estão sendo perdidas numa velocidade sem precedentes. Os dialetos também estão desaparecendo. Todos os dialetos regionais de línguas ouvidas em transmissões midiáticas estão se rendendo ao dialeto prestigiado que os centros governamentais ou corporativos escolheram para serem representados pela mídia (normalmente o dialeto da própria classe governante). É um nivelamento da variedade linguística comparável ao desmatamento das florestas tropicais. Além disso, desde o início do século dezenove, a instrução também é tradicionalmente transmitida na língua prestigiada de uma nação e no dialeto prestigiado desta língua. Isso resultou, do mesmo modo, numa grande uniformidade da fala, como, mais comumente, impuseram os modos 'prescritivos'.

A maioria das tentativas de salvar línguas ameaçadas falhou. Às vezes argumenta-se que manter a variedade linguística é tão essencial para a humanidade quanto manter a diversidade da flora e da fauna, com o intuito de evitar um mundo culturalmente esvaziado.40 Porém, cada cultura muda para se adaptar e sobreviver; isso não é perda, é evolução social. Há muito mais linguistas estrangeiros entusiasmados em salvar línguas ameaçadas do que dentro das comunidades que as falam. Para propósitos científicos, as línguas ameaçadas precisam ser documentadas em descrições formais, sem demora e com todos os recursos disponíveis. Mas elas não podem ser salvas.

Uma vez mortas, as línguas também não podem ser 'ressuscitadas'. Não há um Lázaro entre as línguas. Frequentemente ouve-se que

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O hebraico é um 'renascimento' moderno. Porém, o hebraico nunca chegou a morrer. Sempre considerada a língua prestigiada por seus falantes, por motivos religiosos e étnicos, o hebraico foi a língua escrita e cantada dos serviços religiosos judaicos, então, era constantemente ouvida e falada. Eventualmente, devido à necessidade política da fundação de um estado judeu em 1948, o hebraico foi elevado de segunda língua ritual para primeira língua ativa. Tentativas de renascimentos linguísticos modernos, como no caso do manês e do córnico, invariavelmente permanecem como uma distração de pequenos grupos interessados, sem repercussões linguísticas de larga escala: as línguas metropolitanas que as substituíram permanecem como primeira língua. A maioria dos linguistas aceita que a extinção em massa de línguas humanas já é uma conclusão inevitável, o preço que a humanidade paga pela nova sociedade global.

HUMOR VERBAL

Dos muitos tipos de humor — pantomímico, gestual, situacional, musical, ilustrativo, gráfico, simbólico, e assim por diante — o humor verbal é de longe o mais comum, e constitui igualmente um elemento essencial da sociedade humana. Todas as sociedades usam o humor verbal. Ele implica brincar com a língua em múltiplos níveis, do ridículo ao sublime, apelando para o lúdico ou o absurdamente incongruente. Frequentemente com uma interação desses níveis ao mesmo tempo, a manipulação linguística une opostos de uma maneira súbita ou inesperada, para produzir, pelo menos inicialmente, a surpresa e o deleite.41

Pode-se assumir que formas mais sofisticadas de humor verbal, como a sátira, a ironia e a paródia sempre existiram. Porém, uma parte extraordinariamente grande do humor antigo que sobreviveu parece

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ter uma natureza sexual, uma forma de humor verbal evidentemente universal. Isso não significa que as sociedades mais primitivas eram mais promíscuas. Pelo contrário, indica o oposto. O humor verbal revela o que normalmente é suprimido numa sociedade e como as sociedades mais antigas mantinham um decoro rígido com comunidades pequenas e próximas, e, frequentemente regras quase sufocantes de fala e conduta, histórias picantes e mesmo obscenas eram mais bem-vindas por sua condição de 'enema social'.42 O humor está em revelar aquilo que é oculto e mencionar o que não é mencionado — o choque da justaposição súbita produz o riso imediato. A crítica social mordaz que só podia ser feita quando ocultada pelo humor também era apreciada.

No antigo Egito, o 'país que possuía tantas maravilhas', nas palavras de Heródoto, o humor sem dúvida temperava a dieta diária. 'Os ouvidos de um menino estão em seu traseiro, explicou um antigo escriba, 'pois ele ouve melhor quando apanha!' Um amante do Nilo escreveu sobre sua amada (numa tradução livre): 'Se eu a beijo e seus lábios estão abertos, fico bêbado sem cerveja!'

O mais antigo humor verbal europeu conhecido é a história homérica em que Odisseu diz ao ciclope Polifemo que seu nome é 'ninguém'. Quando os outros ciclopes ouvem os gritos de dor de Polifemo e correm para ajudá-lo, perguntam o que o está machucando, Polifemo responde: 'Ninguém!', e eles vão embora.

O poeta romano Marcial escreveu como Pompeia foi destruída pela erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C: 'Mesmo para os deuses, isto é ir longe demais'. Entre as pichações encontradas em Pompeia está uma que diz: 'Você acha que eu me importaria se você morresse amanhã?' Um marido romano escreveu à sua esposa, que havia comprado cremes caros: 'Você está estocada em centenas de potinhos...

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seu rosto não dorme com você!' E no século dezoito, os descendentes dos romanos disseram sobre a coleta do Grande Tour: 'Se o Coliseu fosse portátil, os ingleses o teriam levado embora!'

A Idade Média foi um período particularmente rico para o humor, um fato frequentemente esquecido pelos estudiosos. Um fragmento da última página das 'Cambridge Songs', copiado em cerca de 1050 d.C. preserva a lírica latina, cantada por uma mulher à sua amante (um dos gêneros literários preferidos da época):

Venha para mim, meu querido amor — com ah! e oh! Me visite, e você experimentará delícias — com ah! e oh! e ah! e oh! Estou morrendo de desejo — com ah! e oh! Como anseio pelo fogo de Vênus — com ah! e oh! e ah! e oh!... Se você vier e trouxer sua chave — com ah! e oh! Como será fácil entrar — com ah! e oh! e ah! e oh!

Numa canção espanhola de al-Andaluz (Andaluzia) do início do século doze, uma jovem canta a seu amante: 'Eu lhe darei tanto amor — mas apenas se você dobrar meus tornozelos acima dos meus brincos!'

Guilherme IX da Aquitânia (1071-1127), o primeiro poeta lírico secular da França que conhecemos pelo nome, uma das personalidades mais interessantes da Idade Média, duque de Poitou e Aquitânia e avô de Eleanor da Aquitânia, que se tornou depois a rainha da Inglaterra, cantou para seu grupo de companhos (cavaleiros e soldados) sobre suas 'duas esplêndidas éguas que [eu] posso montar'. Mas elas não se suportam; se ele apenas conseguisse domá-las, teria 'uma melhor montaria do que qualquer outro homem. Então, ele pede a seu

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público que 'resolva minha difícil situação: nunca uma escolha causou tanta confusão. Não sei quem manter agora — Agnes, ou Ermensent!' (nomeando duas damas nobres de sua corte).

O mais antigo canto polinésio reconstituído da Ilha de Páscoa, composto em cerca de 1800 d.C, termina com a fala de um adolescente escarnecendo das meninas adolescentes:

Por que a devoção à música? — para ficar dentro do buraco.

Dentro do buraco onde? — [nas] ti folhas onde são deitadas

Quando [uma vez que] não houver chuva, contorcendo, preenchendo.

Armem um briga, jovens mulheres, temendo que a flor seja domada, ha!

O humor verbal foi exaltado como uma raridade até ou antes de William Shakespeare, quando, em sua peça a Tragédia do Rei Lear, de 1606, ele permitiu que o Bobo da Corte revelasse o mais profundo objetivo do humor: trazer à tona as mais feias verdades da vida.

Quando Lear protesta: 'Você me chamou de bobo, menino?' o Bobo da Corte responde: 'Já abandonaste todos os outros títulos; mas este é de nascimento'.

Mais tarde. 'Quem está aí que pode dizer quem eu sou?' chora Lear. A sombra de Lear', responde o Bobo.

E então: 'Se o cérebro de um homem estivesse em seu calcanhar', diz o Bobo, 'ele não correria o risco de ter frieiras?' Ah, menino', diz Lear. 'Então, eu peço, seja feliz; teu espírito não andará de chinelos'. Ao que Lear ri ingenuamente: 'Ha, ha, ha!'

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Perto do final trágico de Lear, o Bobo aconselha Kent: 'Soltes a roda quando ela começar a rolar morro abaixo, para não quebrar o pescoço seguindo-a; mas quando a roda grande subir o morro, deixe que ela te arraste. Quando um homem sábio lhe der um conselho melhor, devolva com o meu: quisera eu que apenas os velhos o seguissem, bobo que sou'.

Pela primeira vez na história humana, o papel supremo da língua na transmissão, formação e retratação de todos os fenômenos sociais é considerado, e essa consideração começou a ser aplicada a amplos problemas sociais, educacionais e políticos. Essa é a tarefa da sociolinguística que, por meio do estudo do uso da linguagem na sociedade, une teoria, descrição e prática.

A principal preocupação da sociolinguística é a mudança na língua que marca os pontos de atrito da atividade humana; assinala a morte de crenças e o surgimento de conceitos; define os limites do tolerável; revela as maquinações dos que estão no poder; e, talvez, o mais importante, registra a evolução da consciência e sensibilidade humanas reveladas pela língua. O uso de línguas comuns e construídas artificialmente demonstra uma necessidade fundamental das sociedades humanas de se comunicar de maneira igualitária. Em toda história, as sociedades se identificam mais com outras de fala semelhante; por causa disso, surgiram nações com um único idioma. Minorias étnicas dentro dessas nações também se empenham em expressar sua contribuição única por meio da língua. A independência colonial em regiões multiétnicas revelou a importância da língua no estabelecimento de um sentido de nacionalidade.

Na geração passada, a reinvenção do papel da mulher na sociedade assistiu uma 'purificação de gênero' na língua inglesa. A purificação

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linguística ocorre na história humana quando a sociedade muda de maneira proeminente, quando há um número demasiado de empréstimos estrangeiros, ou quando um regime declara uma agenda nacionalista. A propaganda e o politicamente correto são fenômenos sociais que sempre contaminaram as línguas; na verdade, ambos tornaram possíveis os atos mais hediondos da humanidade. Mas bem-vindos, no entanto, são os movimentos que 'limpam' e 'simplificam' as ofuscações linguísticas e engodos da burocracia.

A língua de sinais é em suas várias formas a demonstração da necessidade que a sociedade tem de se comunicar quando a língua vocal falha fisicamente, um fenômeno biológico ao qual muitas sociedades recorrem por meio de uma linguagem sistematizada de gestos. As mais de 100 línguas de sinais para deficientes auditivos do mundo testemunham a maravilhosa plasticidade e utilidade dessa forma de linguagem. Ura fenômeno social ligado à língua humana é a morte da língua. Dezenas de milhares de línguas desapareceram desde que a primeira fala humana surgiu. Ao contrário da crença comum, a maioria simplesmente evoluiu numa nova língua, ou foi voluntariamente substituída por uma língua intrusa porque se esperava conseguir com isso algum benefício. Todo contato linguístico é enriquecedor.

Essas manifestações ocorreram com os triunfos e tragédias da vida, sempre contando com o humor verbal, a arte linguística que permite que a humanidade zombe da adversidade e ria em face da aflição enquanto examina as profundidades da vida.

Dessas e de muitas outras fascinantes maneiras, a língua é a maior medida da sociedade humana. Mais do que qualquer outra faculdade, é a língua que nos diz quem somos, o que queremos dizer e para onde vamos.

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Indicativo futuro

Como serão as línguas do planeta no futuro? Não se pode prever com precisão um futuro linguístico, uma vez que tantos fatores não linguísticos remodelam constantemente a língua de uma sociedade: mudanças econômicas, insurreições civis, migrações de massa, o aumento súbito da influência de nações, novas tecnologias, novidades sociais, entre muitos outros fenômenos. Porém, o exame das mudanças linguísticas passadas e o reconhecimento das tendências linguísticas atuais podem fornecer cenários linguísticos possíveis, pelo menos para um futuro próximo. Pode-se também desejar considerar as atividades governamentais e estrategistas corporativas — principalmente em língua inglesa — que estão ardentemente expandindo seus campos de atividades no presente, aumentando a probabilidade de que sua língua (inglesa) prevaleça sobre as línguas de não estrategistas nas décadas futuras.

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O simples esboço de analogias com as mudanças e dinâmicas linguísticas passadas não apresenta uma validade qualificativa. Todas as relações tradicionais de poder político, cultural e econômico entre as nações ocidentais e o resto do mundo se encontram num processo de transformação sem precedentes. Hoje, esta parece ser uma característica global permanente, que, talvez, criará uma nova ordem mundial cuja natureza e qualidade ainda são em grande parte desconhecidas. Mas que, provavelmente, privilegiará as maiores nações e corporações, e quanto maiores elas forem, menos línguas existirão.

Não é simplesmente a mudança e perda (substituição), como no passado, que atualmente descreve a história linguística, mas também a expansão do domínio da língua a um grau sem precedentes na sociedade humana. Ela está reinventando o significado da própria palavra 'língua'. Novas tecnologias, como as linguagens de programação (de computadores), estão elaborando extensões inovadoras da fala humana, permitindo um novo meio de linguagem que se comunica artificialmente consigo mesmo.

Embora as línguas sobreviventes do planeta continuem a mudar de modos familiares, uma dimensão linguística tradicional foi alterada para sempre. Em toda a história, a língua esteve relacionada com o território geográfico — a terra. Agora, o atlas linguístico não faz mais sentido. A língua significa principalmente tecnologia e riqueza, um novo mundo sem fronteiras, onde a única direção é para cima ou para baixo, separando aqueles que têm dos que não têm. A proficiência na única língua corporativa do planeta — talvez, em última análise, o inglês — logo definirá o lugar de casa pessoa no planeta... e além.

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LINGUAGENS DE PROGRAMAÇÃO

Os computadores facilitam a manipulação da descrição de valores, propriedades e métodos para fornecer mais prontamente soluções para problemas particulares. O resultado de um processo de programação é um programa para processamento de texto, sistemas operacionais, bancos de dados e outras atividades computadorizadas. A ferramenta específica que permite os processos de programação é uma linguagem de programação, uma convenção para descrições escritas que podem ser avaliadas.1 Uma linguagem de programação também pode ser usada para pesquisa linguística, como compilador de pesquisa e no ensino, entre outros.

Muitas definições contrastantes tentam capturar sucintamente a essência de uma linguagem de programação. Ela é uma linguagem, sim, porque é um 'meio de troca de informação'. Mas é totalmente diferente de todas as formas de linguagem anteriormente conhecidas da humanidade, com exceção, talvez, da escrita, com seus muitos tipos e formas de reprodução das línguas naturais.2 Para alguns, a linguagem de programação é simplesmente uma ferramenta para ajudar o programador. Para outros, é um sistema notável de descrever a computação de maneira que tanto máquinas e humanos conseguem ler. Alguns entendem a linguagem de programação como uma notação que expressa formalmente algoritmos (uma regra de procedimento para a solução de qualquer problema computacional) de modo que eles podem ser entendidos tanto por humanos quanto por computadores. E outros a vêem simplesmente como uma sequência de instruções para uma máquina.

O propósito de toda linguagem é a comunicação, e assim o principal objetivo de uma linguagem de programação é se comunicar com

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máquinas de mentalidade literal.3 Em sua essência, a linguagem de programação, com certas exceções, é um mecanismo para descrever a computação e soluções de problemas. Ela precisa, acima de tudo, ser lida pela máquina; ou seja, um computador precisa ser apto a traduzir dados, problemas e instruções em sua própria língua. E uma linguagem de programação também precisa ser lida por seres humanos; ou seja, a pessoa tem de estar apta a ler e entender a descrição da solução.4

Cada linguagem de programação revela diferentes perspectivas e características da descrição e do projeto de algoritmos, em estruturas de dados e direção e programas. Como uma língua natural humana, cada linguagem de programação tem características únicas e específicas. Isso determina sua adequabilidade a uma tarefa computacional dada.5 A teoria da linguagem de programação de computadores normalmente reconhece três aspectos principais de uma linguagem de programação:

Sintaxe: a linguagem de programação determina os símbolos e suas combinações permitidas ('legais');

Semântica: são os significados que os programadores designam para as construções da linguagem de programação;

Modelo de linguagem: este é o domínio, a filosofia ou paradigma inerente ao programa (ou seja, os modos de abordagem da computação de modo a solucionar um problema específico).

Há, atualmente, uma grande variedade de modelos de linguagem ou abordagem de solução de problemas. Entre as mais importantes (e as seguintes são apenas uma pequena seleção de todas as abordagens atualmente existentes) estão:6

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Uma linguagem imperativa aplica um algoritmo a um conjunto inicial de dados. Aqui, os programas são sequências de comandos básicos, normalmente tarefas; eles usam estruturas associadas de controle como sequências, condicionais e curvas que governam os comandos. Por exemplo, Fortran, Pascal, C e Assembly Code.

Uma linguagem orientada para o objeto tem programas que são coleções de objetos que se comunicam. Por exemplo, C++, Java, Eiffel, Simula e Smalltalk-80.

Uma linguagem lógica sequência passos dedutivos garantindo que a solução fique dentro de uma relação específica ao conjunto inicial de dados. Ela consiste de programas que são coleções de afirmações de uma lógica específica, normalmente lógica predicada, como no caso da linguagem Prolog. Linguagens lógicas equacionais são OBJ, Mercury e Equational.

Uma linguagem funcional aplica funções (matemáticas) a um conjunto inicial de dados. Por exemplo, ML, Haskell, FP e Gofer.

Uma linguagem paralela ou concorrente consiste em programas que são coleções de processos que se comunicam ou cooperam mutuamente. Por exemplo, Ada, Modula-2 e C*.

Uma linguagem declarativa contém programas que são simplesmente coleções de fatos. Várias linguagens lógicas e funcionais estão incluídas nesta categoria.

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As linguagens de script adotam muitos dos modelos anteriores, mas são normalmente utilizadas como pacotes de suporte maiores.

Ao adotar um ou mais entre os modelos acima, ou entre outras abordagens, as linguagens de programação começam a se assemelhar com os tradicionais modelos de 'famílias linguísticas normalmente, se não totalmente, associadas com as línguas naturais humanas — elas se 'bifurcam' umas das outras, em outras palavras, criam novas 'famílias' de linguagens de programação. Mas as principais diferenças das linguagens de programação são o fato de elas não serem biológicas, nem vocais (até o momento) e prescindirem de território geográfico. Elas são um processo interno ao sistema do teclado que só existe no cyberespaço.

Porém, também isso parece estar evoluindo. Pesquisadores da Raytheon Systems e da Universidade do Texas, em Dallas, recentemente desenvolveram um interruptor neural eletrônico para um sistema nervoso artificial. Ele vai imitar os processos do cérebro humano e sua rede de comunicação, permitindo a criação de um robô autônomo que possa receber informações através de vários sensores e tomar decisões independentes. Em último caso, até a 'fala' entre robôs e humanos e entre robôs e outros robôs e sistemas computacionais deve se tornar possível.

Em todo o mundo, os computadores já se 'comunicam' entre si, através de uma ampla gama de linguagens de programação, de modo muito parecido à comunicação entre humanos e animais, mas desta vez a comunicação é induzida pelo humano sem necessariamente ser guiada por ele. A 'linguagem', em seu sentido mais amplo, está transcendendo rapidamente o domínio humano para se tornar também a

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origem de sistemas eletrônicos artificiais. No presente, não se pode saber para onde esse desenvolvimento nos levará.

INTERNET, E-MAIL E NEWSGROUP

Um dos recursos mais amplamente usados da internet é o ensino e o aprendizado de línguas.7 Beneficiando escolas, governos, empresas e indivíduos, esse uso promove e preserva de uma maneira até então sem precedentes, não apenas línguas vivas, mas também as línguas extintas, sendo a mais popular delas o latim clássico. Professores de línguas de todo o mundo descobriram que um aprendizado eficiente de um idioma é alcançado por meio da aplicação de recursos linguísticos da internet em planos de aulas pessoais. A internet é, portanto, não um fim, mas uma ferramenta eficaz, um meio para o fim: um melhor aprendizado da língua. A internet não consegue substituir a interação linguística face a face.8

Um estudo conduzido em 1989-90 com estudantes do ensino médio na Finlândia, na Grã-Bretanha, nos EUA, na Áustria, no Canadá, e depois nas Alemanhas ocidental e oriental, na Suécia, no Japão e na Islândia, mostrou que a comunicação online via e-mail se assemelha com a comunicação oral, fazendo uso de um estilo linguístico causai que inclui coloquialismos e fala elíptica, ou seja, uma grande economia de expressões.9 Toda a comunicação não verbal (gestual) é substituída on-line por visualizações textuais. A escrita off-line, em contraste, exibe muito mais coesão textual e linguística; ela é melhor estruturada e hierarquicamente organizada. O estudo indica que o uso linguístico do e-mail (e consequentemente do newsgroup) parece ocupar uma posição especial entre a língua falada e escrita.10

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Todas as situações linguísticas naturais envolvem 'espectadores-ouvintes'. Porém, cora as comunicações via e-mail e newsgroup, não se usa os sentidos da visão e da audição, a menos que eles sejam eletronicamente permitidos, como através de videomensagens enviadas por e-mail. Com a perda da visão e da audição, também se perdem expressões faciais, gestos, postura, suprassegmentais (duração, acento, articulação, tom), distinções de altura/suavidade, velocidade da fala, e muitas outras características integrantes da comunicação humana. Sinais subliminares, como o cheiro, que se referem a um nível de comunicação mais primitivo, embora não menos importante, também não conseguem ser transmitidos com a nova mídia eletrônica. Com o ganho óbvio, evidentemente também perdemos uma boa parte do que atualmente significa ser humano.

No presente, o Inglês Padrão Internacional é a língua universal da internet. O inglês não tem tal status 'oficial', uma vez que, em grande parte, a internet não é regulamentada; apenas alguns poucos países, como a China, exercem uma censura rigorosa na internet. Alguns alegam que o inglês domina a internet devido ao 'imperialismo' econômico e político dos países de língua inglesa. Porém, o inglês prevalece na internet porque ela é a criação de países que falam o inglês e porque, no início do século vinte e um, o inglês é o idioma mais popular como segunda língua do mundo. O fato de a internet ter evoluído dentro de um meio que conta principalmente com a língua inglesa foi uma circunstância histórica, e não arquitetada.11

Deve-se esperar que nunca haja uma língua 'oficial' para a internet, apenas a língua ou línguas que seus usuários desejem e precisem. No momento, o inglês prevalece (alguns diriam 'domina'). Mas qualquer outra língua pode vir a substituir o inglês na internet no futuro. Uma língua construída pode ser escolhida por um corpo regulador

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como uma alternativa (embora pareça improvável). A tradução automática computadorizada pode tornar supérflua toda a questão da predominância de uma língua natural, fazendo com que a escolha recaia apenas em qual linguagem de programação usar. Com esse cenário, a internet transcenderia então a necessidade da predominância de qualquer língua natural, inclusive do inglês.

Porém, deve-se reconhecer que o bilingualismo é uma tendência mundial, além da jurisdição do cyberespaço da internet. Em todo o mundo, cada vez mais pessoas escolhem o inglês como segunda língua ou língua adicional. Quando possível, as pessoas retêm sua língua nativa como primeira língua para uma esfera de interação menor e mais imediata. Parece que a própria internet permanecerá, pelo menos no futuro próximo, a experimentação de tais desenvolvimentos humanos reais.

A internet, o e-mail e os newsgroups também estão por si mesmos afetando ativamente os vocabulários do planeta. O Inglês Padrão Internacional adicionou um grande número de itens lexicais a seu vocabulário (ou expandiu o significado de palavras mais antigas) que eram desconhecidas uma geração atrás: bit (dígito binário), browser (um software projetado para o usuário, usado para examinar os recursos da internet), clicar (usar o 'mouse' para acessar um site), cyberespaço (a gama de recursos de informações disponíveis na rede de computadores), e-mail (mensagens que as pessoas mandam umas às outras via computador), v-mail (videomensagens), gopher (um método de fazer menus do material disponível na internet), hipertexto (qualquer texto que tenha 'links' para outro documento), modem (de modulador, demodulador, o dispositivo que conecta o computador a uma linha telefônica e permite a comunicação entre computadores) e muitos outros. A maioria das nações modernas está

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emprestando esses termos de língua inglesa diretamente, sem tradução para a língua local.

Logo, os sistemas de reconhecimento por meio de voz permitirão que uma pessoa fale diretamente com um computador e consiga uma resposta vocal. Traduções simultâneas também poderão ser feitas da mesma maneira. No presente, um número cada vez maior de pessoas passa cada vez mais horas por dia usando a escrita, ou seja, a linguagem do teclado, em vez da língua falada. Isso é especificamente verdade no caso de estudantes, funcionários de escritórios, jornalistas, editores, escritores, pesquisadores, programadores, bolsistas universitários, entre muitos outros usuários de computadores. Na Idade Média, apenas os escribas, que compreendiam uma porcentagem muito pequena da população medieval, eram encontrados nos escritórios dos conventos. Em poucos anos, os computadores enriquecerão quase todos os lares do mundo desenvolvido. A vida humana nesses países está se centrando, e se restringindo, a textos eletrônicos e redes de contatos internacionais, se afastando da fala vocal e visual mais imediata. Um tipo diferente de linguagem está surgindo a partir dessa superfície de contato artificial: uma 'língua escrita oral'. Não há dúvidas de que também ela vai mudar com a evolução da nova tecnologia.

O FUTURO DA LÍNGUA

Antes de Thomas Edison inventar o fonógrafo em 1877, apenas anciãos e antigos textos escritos, cujas qualidades faladas precisas eram desconhecidas, podiam revelar estágios anteriores da língua. Hoje, ao ouvir aquelas vozes arranhadas de mais de um século atrás, pode-se avaliar a rapidez com que a língua muda. Analisando textos escritos, ouvindo as mudanças recentes e seguindo as amplas tendências linguísticas, pode-se aproximar de um consenso — apesar da geral

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'imprevisibilidade' da mudança linguística — sobre a direção que as línguas faladas no mundo seguirão num futuro próximo.

Todos os linguistas concordam que as mudanças linguísticas naturais que ocorrerão permanecerão em grande parte, mas não exclusivamente, dentro dos parâmetros fonológicos, morfológicos, sintáticos, lexicais e semânticos conhecidos. As maiores mudanças, os destinos de línguas e famílias linguísticas inteiras, são, talvez, a maior preocupação dos linguistas. Isso ocorre porque, sem dúvida, os próximos dois séculos testemunharão uma substituição linguística sem precedentes; a homogeneização e nivelamento dos poucos dialetos e línguas que sobreviverem; e então, por fim, todos estarão falando o inglês como primeira ou segunda língua, quando a sociedade global se tornar uma realidade, pelo menos linguística.

Entre as poucas línguas que sobreviverão aos próximos dois séculos, a evolução tipológica cíclica continuará em vigor. Isso significa que o mandarim chinês, por exemplo, se tornará ainda mais isolante e mais aglutinante em sua estrutura, tendendo mais fortemente ao polissilabismo (usando palavras com várias sílabas) e formando palavras derivadas ou compostas pela união de constituintes de significado próprio. As línguas indo-europeias, por outro lado, em vários estágios de suas próprias evoluções linguísticas, continuarão, sem dúvida, se afastando da condição fusional anterior em busca de uma estrutura cada vez mais isolante. Ao mesmo tempo, devido à mídia moderna, o léxico das línguas do planeta continuará a ser preenchido com empréstimos comuns. Se em séculos anteriores os empréstimos levavam anos para serem aceitos em uma língua e se espalharem para outras línguas (chocolate, café, tabaco, tabu, varanda), por causa do rádio, da televisão e agora da Internet tais empréstimos podem se tornar parte do vocabulário nativo em semanas, ou mesmo dias: fatwa 'lei

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religiosa', Scud 'tipo de míssil guiado', aiatolá 'líder religioso', glasnost 'transparência política', para nomear alguns exemplos recentes.

As transformações sociais que ocorrem simultaneamente em muitos países também estão deixando suas marcas, causando mudanças linguísticas fascinantes, cujos efeitos continuarão, sem dúvida, a repercutir no futuro. Nas línguas indo-europeias que ainda preservam a distinção entre pronomes formais e informais — o alemão du e Sie, o francês tu e vous, o espanhol tu e usted, e assim por diante — o pronome informal se infiltrará cada vez mais no domínio formal. Ou seja, as crianças desses países, por exemplo, ao se dirigirem aos pais com as formas formais usadas desde tempos imemoriais, elas estarão usando os pronomes informais, refletindo uma mudança fundamental de atitude em relação aos pais e aos mais velhos em geral.

Porém, um adolescente galês ainda dirá à sua mãe 'Peidiwch â phoeni!' ('Não se preocupe') usando a gramática formal — e não a informal que será ouvida no mesmo contexto em alemão ('Mach' Dir Keine Sorgen!') ou francês ('Ne t'inquiète pas!'). Ou seja, embora a maioria das línguas metropolitanas de origem indo-europeia tenha expandido o domínio da forma informal desde a Segunda Guerra Mundial, as línguas indo-europeias menores geralmente resistem a essa tendência. Talvez seja um esforço consciente dos falantes de línguas menores para se afastar das influências metropolitanas 'invasoras', especialmente entre falantes bilíngues (como galeses, vênedos, catalães, galegos, occitanos, entre outros). Há inumeráveis exemplos de tendências identificáveis ocorrendo nas línguas do planeta. Em alemão, por exemplo, o tempo verbal do discurso relatado (ou seja, o contraste de evidencialidade testemunha ocular/testemunha não ocular), na forma de 'Er sagte, er sei...' ('Ele disse que estava...') está se tornando supérfluo na fala moderna, sendo substituído pelo discurso

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declarativo neutro: 'Er sagte, er ist...' A sintaxe da conjunção weil, 'porque', que sempre colocava o verbo no final da oração subordinada ('weil er alt ist') hoje permite que o verbo siga imediatamente o sujeito, como no inglês ('weil er ist alt'), embora a forma ainda não seja considerada de uso padrão por falantes mais formais e idosos. Esse novo uso pode se generalizado no futuro para incluir conjunções semelhantes, alterando radicalmente a sintaxe do alemão durante o processo. O léxico alemão também compreende muitos empréstimos do inglês moderno: der Computer, der Supermarket, der Soft Drink, die Jeans. Não há dúvida de que o alemão absorverá centenas de introduções semelhantes nos próximos anos.

Na língua rapanui da Ilha de Páscoa, que provavelmente será substituída pelo espanhol chileno nos próximos vinte anos, o tempo verbal/marcador de aspecto verbal ku... ‘a, que abarca uma ação ou estado que começou no passado e continua em vigor, foi recentemente substituído pelo ko...’a. Durante mais de 100 anos, a parada glotal taitiana vem substituindo o k na língua, produzindo duplos historicamente identificáveis: kino/’ino 'mau, cruel, perverso'. Muito do léxico rapanui mais antigo foi substituído pelo taitiano, um processo que hoje está se tornando feroz: o rapanui ki 'falar' é hoje o taitiano parau; ra’a’sum 'dia' foi substituído por mahana; ta’u 'ano' é hoje matahiti entre muitos outros exemplos, incluindo o sistema numérico rapanui que hoje é quase totalmente taitiano. O conectivo taitiano ‘e 'e' foi introduzido (não havia nenhum conectivo na língua rapanui), assim como o espanhol pero 'mas'. Porém, também esses empréstimos taitianos logo cairão vítimas do espanhol chileno na ilha.

O galês exibe, de modo semelhante, significativas 'mudanças em processo'. Em sua fonologia, uma das mudanças mais evidentes é a perda gradual da terminação f. tref [pronuncia-se TREIVE] para

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'cidade' hoje se tornou simplesmente ter [TREI]. Logo todas as terminações em f deverão desaparecer do galês. Após o yn significando 'em', muitos falantes galeses hoje favorecem mais a mutação sibilante (com seu domínio de uso mais amplo) do que o gramaticalmente 'mais apropriado' e menos geralmente, a mutação nasal, assim, yn Gaerdydd 'in Cardiff hoje é ouvido mais frequentemente que o tradicional yngh Nghaerdydd. O novo sistema numérico decimal galés substituiu o antigo sistema numérico celta apenas na última geração. Assim, 11 un deg un, 12 un deg dau, 15 un deg pump, 16 un deg chwech, 20 dau ddeg, 30 tri deg, e assim por diante, para nomear alguns exemplos, substituiu — particularmente entre os falantes mais jovens — os tradicionais números: 11 un ar ddeg, 12 deuddeg, 15 pymtheg, 16 un ar bymtheg, 20 ugain, 30 deg ar hugain e assim por diante.

Como o inglês é atualmente a língua mais popular do mundo (e também a língua em que este livro foi escrito), com a qual a maioria dos leitores estará, talvez, mais familiarizado do que com as línguas acima citadas, os exemplos seguintes mostraram as tendências futuras do inglês. O inglês está na vanguarda das mudanças linguísticas internacionais, seguindo a onda da nova linguagem tecnológica. Embora possa passar despercebido, o inglês também está passando por rápidas mudanças em vários níveis diferentes: fonológico, morfológico, sintático, lexical e semântico. E embora a maioria das línguas do planeta enfrente uma extinção iminente, o inglês continua ganhando milhares de novos falantes por dia. Na verdade, o inglês está se tornando algo totalmente novo: uma língua natural mundial.

Em sua fonologia, o inglês exibe tendências características, que sem dúvida, mudarão o som do inglês do futuro, tanto regionalmente quanto internacionalmente. No inglês britânico, por exemplo, o t entre vogais e no final das palavras está sendo substituído por uma

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parada glotal (') em dialetos bem além da região de Cockney (Londres) onde a inovação ocorreu pela primeira vez, particularmente nas terras médias: Ge’ the le’uce tha’s a li’o bi’a ('Get the lettuce that's a little bitter'). A recente e súbita difusão da inovação antiga — na variedade de uma fala regional modificada chamada inglês do estuário, como foi identificado pelo linguista David Rosewarne em 1984 — pode derivar dos filmes e programas de televisão concentrados em Londres e ter se espalhado principalmente por meio de falantes jovens imitando a forma antes censurada, que se tornou um dialeto preferido.

A maior 'mudança em processo' do inglês americano revela uma inovação semelhante. Nele, o t entre vogais, por muitas décadas, vem sendo cada vez mais substituído pelo d (ou seja, o ambiente vocálico do t fez com que ele fosse pronunciado): Get the ledduce that’s a liddle bidder. No inglês americano, portanto, não há mais uma distinção falada entre Writer e rider, matter e madder, boating e boding, whitest e eidest e assim por diante, a distinção é feita pelo ouvinte apenas a partir do contexto. A enorme influência do inglês americano no presente sugere que essa inovação fonológica possa se espalhar em pouco tempo para além da América do Norte. (Em contraste, parece improvável que a inovação Cockney mencionada antes experimente uma difusão internacional.)

Como uma demonstração de sua força linguística, a inovação norte-americana parece ter se tornado produtiva. Ou seja, está causando uma outra mudança. Em 1998, uma jovem mulher branca falante de inglês americano do meio oeste diria My dar was sin — num Inglês Padrão Internacional talvez mais compreensível, 'My daughter was sitting'. Isso reflete uma forma da fala norte-americana relativamente nova e cada vez mais distribuída. Nela, um derivado da forma My daughder was siddin’ experimentou o enfraquecimento do d entre

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vogais até seu total desaparecimento, deixando apenas dar para 'filha' e sin para 'sitting'. Pode ser que essa tendência marque um desenvolvimento em longo prazo do d intervocálico e das terminações — ing no inglês americano. Assim, novamente, a mudança pode se mostrar uma pronúncia alternativa de vida curta. Apenas o tempo poderá dizer.

Os adjetivos estão assumindo um papel cada vez mais substantivado na sintaxe inglesa. Por muitos séculos, os adjetivos ingleses servem como substantivos. Alguns desses usos chegam a datar do francês antigo, como 'at present', 'in the past', e in future', em que o substantivo 'time' está subentendido. 'Professional' significa 'professional person'; por exemplo, 'profligate' é 'profligate person' 'the blind' significa 'blind people; e 'a white' significa 'a white person'. Esse sentido elíptico ou absoluto tem uma história antiga tanto na família germânica quanto na família itálica, das quais o inglês moderno deriva. Porém, seu uso experimentou uma expansão súbita recente, especialmente entre falantes norte-americanos (que, por sua vez, afetaram os falantes britânicos), assim, uma qualificação adjetiva anteriormente limitada pode hoje também servir como um substantivo genérico: um 'historical' é um 'historical novel', um 'botanical' e 'herbal drug ou medicine', e assim por diante. Como tais usos parecem continuar aumentando, pode-se imaginar que no futuro mais adjetivos assumirão funções substantivas até então inimagináveis: 'a reasonable' significando 'an acceptal proposal', por exemplo, ou 'a timely' para 'a recent news item'.

Os adjetivos também estão perdendo espaço para os substantivos. Enquanto a maioria dos falantes britânicos falaria 'a Californian wine' e 'a Texan rancher', mantendo as terminações que marcam os adjetivos, os falantes norte-americanos diriam hoje: 'a California wine' e 'a Texas rancher'. Ou seja, os substantivos fazem eles mesmos

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o papel dos adjetivos no inglês norte-americano. Hoje, a maioria dos escritores norte-americanos não faz qualquer distinção entre 'linguistic change' e 'language change', por exemplo. Se essa tendência se tornar universal, então pode-se esperar que daqui a uma ou duas décadas, as construções 'the Britain royal family' ou 'an Australia kangaroo' sejam possíveis.

Nem mesmo as frases preposicionadas são poupadas de tais reinterpretações, invertendo a sintaxe herdada: o que costumava ser 'children at risk' e 'patients at risk' é agora 'at-risk children' e at-risk patients', ambos escritos com hífen, tornando uma frase pospositiva um adjetivo prepositivo. Essa tendência sintática é particularmente feroz no presente, então no futuro se pode esperar que as construções 'on-time trains' e 'with-a-grudge colleagues' sejam possíveis. Uma inovação semelhante foi usada por um importante jornal britânico que publicou recentemente 'a biophysicist-turned-expert on technology and society at Oxford', uma redução da sintaxe inglesa que, apenas uma década atrás, dificilmente teria passado pelo exame de um editor.

De maneira semelhante, a 'sintaxe popular' da língua inglesa também está mudando, muito frequentemente de maneiras que não são percebidas pelo público geral. A palavra 'chemical' parece hoje significar 'composto químico Sinteticamente manufaturado', o modo como a palavra é usada na frase que frequentemente aparece em propagandas: "This product is 100 per cent chemical free'. (Quando na verdade, nada no mundo é 'chemical free'.) E 'natural' recebeu recentemente uma conotação positiva, desde então não se pode imaginar a expressão perfeitamente correta em inglês 'natural bubonic plague', embora 'natural hair shampoo' e 'natural washing powder' passem pelo escrutínio público sem censuras.

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Embora formas dialetais do inglês como sommat 'somcthing', anyroad 'anyway', aught/ought 'anything' e naught/nought 'nothing' tendam a ser substituídas por seus sinônimos, que serão entendidos universalmente em uma ou duas gerações, novamente, pelo nivelamento midiático, a gíria internacional — principalmente de origem norte-americana — continuará a se difundir rapidamente. Porém, essa gíria internacional, originada principalmente a partir de filmes hollywoodianos (usando principalmente os dialetos californianos e nova-iorquinos), da televisão e da música popular que dominam o mercado de entretenimento mundial, também está sofrendo uma pressão cada vez mais forte do espanhol. Pode-se imaginar que a gíria, assim como o léxico inglês em geral, apresentará nas décadas futuras um uso cada vez mais frequente de palavras e expressões da língua espanhola do que de qualquer outra língua estrangeira.

De maneira semelhante, as variedades locais do inglês continuarão a suplementar seus vocabulários com recursos nativos: o inglês australiano emprestará mais palavras e expressões australianas nativas; o inglês da Nova Zelândia, mais palavras e expressões maoris; o inglês sul-africano, mais palavras e expressões zulus, xhosas, sothos, tswanas, e assim por diante. Todos esses desenvolvimentos devem ser saudados como enriquecimentos da língua inglesa, contribuindo para a destilação de um novo Inglês Padrão Internacional.

Contudo, o inglês internacional continua perdendo a maioria de suas características dialetais, amalgamando-se rapidamente ao amorfo Inglês Padrão Internacional — que é, na realidade, uma norma estatística que não existe em lugar algum e que não possui um corpo oficial que determine sua natureza e regulamente seu uso. O Inglês Padrão Internacional surgiu por intermédio da comunicação global, permitindo uma compreensão imediata do rádio, da televisão e da

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internet seja em Nova Déli, Tóquio ou São Petersburgo. Ele é ainda o produto de circunstâncias históricas, não projetado (embora isso logo possa mudar), e continuará mudando e evoluindo.

Antes do rádio e dos filmes, a maioria dos britânicos nunca havia ouvido a fala norte-americana, que muitos consideraram 'vulgar' num primeiro momento, especialmente a nasalização norte-americana. A maioria dos norte-americanos também nunca havia ouvido um inglês apropriado. Agora, apenas três gerações depois, os dois dialetos, em vez de se tornarem línguas descendentes, como um processo linguístico normal produziria, estão cada vez mais próximos. Na verdade, eles estão evoluindo um em direção ao outro, de uma forma desigual no presente, devido à nova tecnologia. O inglês britânico, o inglês padrão americano e todas as outras formas de inglês no mundo inteiro estão contribuindo para o amálgama linguístico que é o Inglês Padrão Internacional, uma língua emergente.

Neste livro, frequentemente se mencionou o inglês como uma 'língua mundial'. Há um bom motivo para isso. Pela primeira vez na história humana, a comunicação global é uma realidade diária. O surgimento dessa conquista tecnológica coincidiu com e parcialmente foi o resultado do surgimento do inglês como a mais popular segunda língua ou língua adicional do mundo. Este último desenvolvimento é proveniente de uma combinação de fatores: a internacionalização do inglês além da Grã-Bretanha com o estabelecimento de colônias de língua inglesa em todo o mundo, o desfecho de duas guerras mundiais no século vinte, o enorme crescimento econômico dos países de língua inglesa e os recentes acontecimentos políticos.

A ascensão do inglês no século vinte ocorreu ao mesmo tempo que a influência de forças antigas, em particular a francesa e a alemã, diminuiu rapidamente.12 Entre as línguas do mundo, apenas o

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espanhol apresenta atualmente uma dinâmica semelhante à do inglês, mas num grau muito menor. No caso do mandarim chinês, o idioma mais falado como primeira língua do mundo, os chineses estão atualmente aprendendo a falar inglês. Poucos falantes do inglês estão aprendendo o chinês.

O inglês é atualmente falado como primeira língua (idioma nativo); segunda língua (ou língua adicional) nos países que falam o inglês, não apenas na Grã-Bretanha, EUA e Nova Zelândia, por exemplo, mas também na África do Sul, na Índia, em Fiji, nas Ilhas Cook, entre muitos outros; e exclusivamente por falantes de outras línguas. O futuro do inglês como língua mundial está nas mãos dos dois últimos grupos.13 Oitenta por cento de todos os dados da internet estão em língua inglesa. Julgando a partir do crescimento do uso da internet, só esse fato poderia assegurar a posição do inglês como a língua mais popular do mundo no século vinte e um, se não por mais tempo.14 O futuro econômico e político do mundo está ligado a uma base tecnológica que fala inglês e é definida pelo inglês. Desse modo, a população mundial está sendo 'forçada' a adotar e prosperar, ou ignorar o inglês e fracassar. No início do século vinte e um, o aprendizado do inglês se tornou uma questão econômica: os trabalhos mais bem pagos do mundo exigem a fluência no inglês. É uma tendência que, talvez, determine o perfil linguístico do planeta, pelo menos nos próximos dois séculos.

Escandinávia, Holanda, Singapura e algumas outras regiões do mundo já podem representar a situação linguística que logo prevalecerá em toda parte: populações adultas bilíngues que falam a língua local (metropolitana) tão bem quanto o inglês. Depois disso, talvez no final do século vinte e quatro, pode ser que o inglês seja a única língua sobrevivente do planeta, junto à sua língua de sinais. Porém,

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a história mostrou que tais previsões globais são normalmente inválidas. O alemão ou o japonês podem muito bem se tornar a língua dominante do planeta daqui a 200 anos, apesar da tendência atual que torna tal situação impossível. No presente, considerando apenas os números, apenas três línguas (e suas respectivas línguas de sinais) sobreviverão aos próximos 300 anos: mandarim chinês, espanhol e inglês. Contudo, sociedades ricas e menores (como Japão, países de língua alemã, França, Itália, entre outros) podem muito bem conseguir preservar sua língua como vestígios locais por várias centenas de anos, por razões culturais. E como o latim, o árabe e o hebraico certamente continuarão sendo falados e sinalizados, por muitos séculos, principalmente por motivos religiosos.

E depois? Quando a humanidade colonizar o sistema solar uma nova forma de — talvez — inglês pode vir a ser falada num futuro nem tão distante. Pode-se imaginar que os descendentes multiétnicos, colonizadores presumidamente falantes do Inglês Padrão Internacional em Marte, por exemplo, apresentem, no final do século vinte e um inovações linguísticas não conhecidas no inglês da Terra. Nesse caso, surgirá um dialeto diferente, um inglês marciano que será imediatamente identificável por aqueles que não o falam. Mas, devido à comunicação interplanetária regular, essa nova forma de inglês permanecerá dialetal e não se tornará uma língua separada, assim, a compreensão mútua entre falantes do inglês marciano e do inglês terrestre será facilmente mantida. Diacronicamente, substituindo o Inglês Padrão Internacional, poderá eventualmente surgir um inglês interplanetário.

'A língua é o mais precioso recurso humano', afirmou recentemente o linguista australiano Robert Dixon.15 Na verdade, a sociedade humana é inconcebível sem a língua. É ela que define nossas vidas,

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proclama nossa existência, formula nossos pensamentos, e permite tudo o que somos e temos. Mas como tudo que foi colocado até agora demonstrou, talvez mais convincentemente que qualquer outra coisa, a língua não é permanente, estável e fixa. Como o próprio rio na história, a língua está num fluxo constante, sempre mudando, sempre se transformando, substituindo, morrendo, rejuvenescendo, crescendo. Embora seja possível identificar características comuns entre as mudanças no decorrer de milênios, inovações, como o computador pessoal podem mudar a dinâmica da própria mudança, de modo que surjam processos de mudanças e usos linguísticos até então sem precedentes. Desse modo, a língua permanece, e sem dúvida continuará permanecendo, uma das características mais voláteis da sociedade humana; enquanto a humanidade sobreviver, sempre haverá a linguagem, mas ela não será a linguagem como nós a conhecemos hoje.

Logo, todas as línguas do planeta, com exceção de um pequeno número vestigial, desaparecerão, deixando apenas uma língua para toda a humanidade (com sua língua de sinais). Com essa perda, a nova sociedade global atingirá simultaneamente um grau de comunicação até então inimaginável, com concomitantes benefícios em todos os aspectos da atividade humana. Perderemos a maioria da diversidade cultural do planeta, mas, ao mesmo tempo, ganharemos, com uma língua única, um novo senso de pertencimento, uma nova ordem mundial, um novo entendimento comum do nosso lugar no Universo. Porém, muitos temem, com uma única língua, uma possibilidade de manipulação política, propaganda e controle sem precedentes. Além disso, a perda das línguas locais inicialmente levará, pela perda da identidade étnica, a um maior sentimento de alienação, e não de fraternidade universal. Uma língua mundial pode trazer benefícios, mas talvez a um preço alto demais. Qualquer que seja

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o futuro linguístico do planeta, a língua continuará evoluindo com a humanidade, como ocorreu no último milhão de anos, desde que os primitivos hominídeos começaram a se comunicar oralmente.

Pois a linguagem — em toda a sua miríade de formas: comunicação química, 'dança', infrassom, ultrassom, gestos, fala, escrita, linguagem de programação — é o próprio nexo da Natureza... e das criações comunicativas da Natureza.

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Notas

1 — Comunicação animal e 'linguagem'

1 Donald H. Owings and Eugene S. Morton, Animal Vocal Communication (Cambridge, 1998).

2 Instrumento musical primitivo australiano. (N. T.) 3 William C. Agosta, Chemical Communication: The Language of

Pheromones (New York, 1992). 4 D. A. Nelson and P. Marler, 'Measurement of Song Learning Behavior in

Birds', in Methods in Neurosciences, XIV: Paradigms for the study of Behavior, ed. P. Conn (Orlando, FL, 1993), pp. 447-65.

5 Irene M. Pepperberg and R. J. Bright, 'Talking Birds', Birds, USA, II (1990), pp. 92-6.

6 Irene M. Pepperberg, 'Functional Vocalizations by an African Grey Parrot (Psittacus erithacus)\ Zeitschrift fur Tierpsyichologie, LV (1981), pp. 139-60.

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7 Irene Pepperberg, 'Cognition in an African Grey Parrot (Psittacus erithacus), Further Evidence for Comprechension of Catcgories and Label's, Journal of Comparative Psychology, CIV (1990), pp. 42-51.

8 Capacidade biológica de calcular a posição e a distância de objetos através da emissão de ondas ultra-sônicas, que refletem no alvo e retornam ao emissor sob a forma de eco. (N.T.)

9 L. E. L. Rasmussen, "The Sensory and Communication Systems', in Medicai Management of the Elephant, ed. S. Mikota, E. Sargent, and G. Ranglack (West Bloomfield, MI, 1994), pp. 207-17.

10 George Harrar and Linda Harrar, Signs of the Apes, Songs of the Whales: Adventures in Human-Animal Communication (New York, 1989).

11 John C. Lilly, Communication Between Man and Dolphin (New York, 1987).

12 Francine Patterson, The Education of Koko (New York, 1981). 13 Francine Patterson, 'In Search of Man: Experiments in Primate

Communication, Michigan Quarterly Review, XIX (1980) pp. 95-114. 14 Francine Patterson and C. H. Patterson, 'Review of Ape Language: From

Conditioned Response of Symbol', American Journal of Psychology, Cl (1988), pp. 582-90.

15 Eugene Linden, Silent Partners: The Legacy of the Ape Language Experiments (New York, 1986).

16 R. Allen Gardner and Beatrix T. Gardner, Teaching Sign Language to Chimpanzees (Albany, NY, 1989).

17 Duane M. Rumbaugh, Language Learning by a Chimpanzee: The Lana Project (New York, 1977).

18 Sue Savage-Rumbaugh, Kanzi: The Ape at the Brink of the Human Mind (New York, 1996).

19 Duane M. Rumbaugh, 'Primate Language and Cognition', Social Research, LXII (1995), pp. 711-30.

20 Sue Savage-Rumbaugh, Stuart Shanker, and Talbot Taylor, Apes Language, and the Human Mind (Oxford, 1998).

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21 Sue Taylor Parker and Kathleen Rita Gibson, eds, ‘Language’ and Intelligence in Monkeys and Apes: Comparative Development Perspectives (Cambridge, 1991).

22 Stephen Hart and Franz De Waal, The Language of Animais (New York, 1996).

23 Judith De Luce and Hugh T. Wilder, Language in Primates: Perspectives and Implications (New York, 1983).

2 — Primatas falantes

1 Richard Leakey, The Origin Of Humankind (New York, 1996). 2 Donald Johanson and Blake Edgar, From Lucy to Language (New York,

1996). 3 Jean Aitchison, The Seeds of Speech: Language Origin and Evolution

(Cambridge, 1996). 4 Christopher Stringer and Robin McKie, African Exodus: The Origins of

Modern Humanity (New York, 1997). 5 Alan Walker and Pat Shipman, The Wisdom of the Bones: In Search of

Human Origins (New York, 1997).

6 Clive Gamble, The Palaeolithic Settlement of Europe (Cambridge, 1996). 7 Ian Tattersall, 'Out of Africa Again... and Again?', Scientific American,

CCLVI/4 (1997), pp. 60-7.

8 Derek Bickerton, Language and Species (Chicago, 1992). 9 Bernard Comrie, Language Universais and Linguistic Typology: Syntax

and Morphology, 2nd edn (Chicago, 1989). 10 Herbert Clark and Eve Clark, 'Language Processing', in Universais of

Human Language, ed. Joseph Greenberg (Stanford, 1978), I, pp. 225-77.

11 Simon Kirby, 'Function, Selection and Innateness: The Emergence of Language Universais', PhD. Thesis, University of Edinburgh, 1998.

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12 Ian Tattersall, The Last Neandertal: lhe Rise, Success, and Mysterious Extinction of Our Closest Human Relativa (New York, 1996).

13 Nação indígena mais populosa do Quebec no Canadá. (N.T.) 14 Philip Lieberman, Eve Spoke (New York, 1998). See also Philip

Lieberman et al, 'Folk Psychology and Talking Hyoids', Nature, CC-CXLII/6249 (1990), pp. 486-7.

15 Derek Bickerton, Language and Human Behavior (Seattle, 1995). 16 James Shreeve, The Neandertal Enigma: Solving the Mystery of Modern

Human Origins (New York, 1995). 17 Roger Lewin, Bones of Contention: Controversies in the Search for

Human Origins (Chicago, 1997). 18 Milford Wolpoff and Rachel Caspari, Race and Human Evolution (New

York, 1997). 19 Ian Tattersall, The Fossil Trail: How We Know What We Think We Know

About Human Evolution (Oxford, 1997).

20 Robert M. W. Dixon, The Rise and Fall of Languages (Cambridge, 1997).

3 — Primeiras famílias

1 Morris Swadesh, 'Linguistic Overview', in Prehistoric Man in the New World, ed. Jesse D. Jennings and Edward Norbeck (Chicago, 1964), pp. 527-56.

2 Sydney M. Lamb and E. Douglas Mitchell, eds, Sprung from Some Common Source: Investigation into the Prehistory of Languages (Stanford, 1991).

3 Ernst Pulgram, 'The Nature and Use of Proto-Languages', Língua, x (1961), pp. 18-37.

4 Johanna Nichols, Linguistic Diversity in Space and Time (Chicago, 1992). 5 Terry Crowley, An Introduction to Historical Linguistics, 3rd edn

(Auckland, 1997).

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6 Joseph Greenberg, Studies in African Linguistic Classification (New Haven, 1955).

7 Ian Maddieson and Thomas J. Hinnebusch, eds, Language History and Linguistic Discription in Africa, Trends in African Linguistics 2 (Lawrenceville, NJ, 1998).

8 Saul Levin, Semitic and Indo-European: The Principal Etymologies, with Observations on Afro-Asiatic, Amsterdam Studies in The Theory and History of Linguistics (Amsterdam, 1995).

9 Jerry Norman, Chinese (Cambridge, 1998). 10 Malcolm D. Ross, 'Some Current Issues in Austronesian Linguistics', in

Comparative Austronesian Dictionary: An Introduction to Austronesian Studies, Part I:Fascicle I, ed. Darrel T. Tryon (Berlin and New York, 1995), pp. 45-120.

11 Daniel Mario Abondolo, ed., The Uralic Languages, Routledge Language Family Descriptions (London, 1998).

12 Peter Hajdu, Finno-Ugrian Languages and Peoples, Translated G. F. Cushing (London, 1975).

13 Ives Goddard, "The Classification of the Native Languages of North America', in Handbook of North American Indians, XVII: Languages (Washington, 1996), pp. 290-323.

14 Lyle Campbell, American Indian Languages: The Historical Linguistics of Native America, Oxford Studies in Anthropological Linguistics 4 (Oxford, 1997). Please, consult this outstanding study for the latest research on the classification, history of investigation, and most recent theories concerning the North American, Central American and South American languages.

15 William Bright, American Indian Linguistics and Literature (Berlin, New York, Amsterdam, 1984).

16 Harriet E. Klein and Louisa R. Stark, eds, South American Indian Languages: Retrospect and Prospect (Austin, TX, 1985).

17 Nichols (veja nota 27).

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18 Stephen A. Wurm, 'Classifications of Australian Languages, Including Tasmanian', in Current Trends in Linguistics, VIII: Linguistics in Oceania, ed. Thomas A. Sebeok (The Hague and Paris, 1971), pp. 721-803.

19 A. Capell, 'History of Research in Australian and Tasmanian Languages', in Current Trends in Linguistics, VIII: Linguistics in Oceania, ed. Thomas A. Sebeok (The Hague and Paris, 1971), pp. 661-720.

20 Robert M. W. Dixon, The Languages of Australia (Cambridge, 1980).

21 Capell (veja nota 62). 22 CF. Voegelin et al, 'Obtaining an Index of Phonological Differentiation

from the Construction of Non-Existent Minimax Systems', International Journal of American Linguistics, XXIX/I (1963), pp. 4—29.

23 Capell (veja nota 62). 24 Pamela Swadling, Papua New Guinea’s Prehistory: An Introduction (Port

Moresby, 1981). 25 Stephen A. Wurm, 'The Papuan Linguistic Situation', in Current Trends

in Linguistics, VIII: Linguistis in Oceania, ed. Thomas A. Sebeok (The Hague and Paris, 1971), pp. 541-657.

26 Stephen A. Wurm, The Papuan Languages of Oceania (Tubingen, 1982). 27 Darrell T. Tryon, 'The Austronesian Languages',in Comparative

Austroinesia Dictionary: An Introduction to Austronesian Studies, Part I, Fascicle I, ed. Darrell T. Tryon (Berlin and New York, 1995). pp. 5-44.

28 Isidore Dyen, "The Austronesian Languages and Proto-Austronesian', in Current Trends in Linguistics, VIII: Linguistics in Oceania, ed. Thomas A. Sebeok (The Hague and Paris, 1971), pp. 5—54.

29 Malcolm D. Ross, 'Some Current Issues in Austronesian Linguistics', in Comparative Austronesian Dictionary: An Introduction to Austronesian Studies, Part I, Fascicle I, ed. Darrell T. Tryon (Berlin and New York, 1995), pp. 45-120.

30 Sanford B. Steever, ed., The Dravidian Languages, Routledge Language Family Descriptions (London, 1998).

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31 Cohn Renfrew, Archaeology and Language: The Puzzle of lndo-European Origins (London, 1987).

32 Robert S. P. Beekes, Comparative Indo-European Linguistics: An Introduction (Amsterdam, 1995).

33 Björn Collinder, An Introduction to the Uralic Languages (Berkeley and Los Angeles, 1965). See also Bela Brogyanyi and Reiner Lipp, eds, Comparative Historical Linguistics: Indo-European and Finno-Ugric. Papers in Honor of Oswald Szemerenyi, III (Amsterdam, 1993).

34 Philip Balsi, An Introduction to the Indo-European Languages (Carbondale, IL, 1983).

35 Anna Giacalone Ramat and Paolo Ramat, eds, The Indo-European Languages, Routledge Language Family Descriptions (London, 1998).

36 Crowley (veja nota 48).

37 Robert M. W. Dixon, The Rise and Fall of Languages (Cambridge, 1997).

4 — Linguagem escrita

1 M. W. Green, "The Construction and Implementation of the Cuneiform Writing System', Visible Language, XV74 (1981), pp. 345-72.

2 Archibald A. Hill, "The Typology of Writing Systems', in Papers in Linguistics in Honor of Léon Dostert, ed. W M. Austin (The Hague, 1967), pp. 92-9.

3 Wayne M. Senner, ed., The Origins of Writing (Lincoln, NB, 1991). 4 Hans Jensen, Sign Symbol and Script. An Account of Man’s Efforts to

Write, 3rd edn (London, 1970).

5 Edward B. Tylor, Anthropology (New York, 1881).

6 David Diringer, Writing (London, 1962). 7 George L. Trager, 'Writing and Writing Systems', in Current Trends in

Linguistics, XII: Linguistics and Adjacent Arts and Sciences, ed. Thomas A. Sebeok (The Hague, 1974), pp. 373-96.

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8 Geoffrey Sampson, Writing Systems (London, 1985). 9 For the most comprehensive and up-to-date, see Peter T. Daniels and William

Bright, eds, lhe Words Writing Systems (New York, 1996). Also recomended are George L. Campbell, Handbook of Scripts and Alphabets (London, 1997); Florian Colmas, The Blackwell Encyclopedia of Writing Systems (Oxford, 1996); Sampson (see note 88); Diringer (veja nota 86); and Jensen (note 84).

10 Denise Schmandt-Besserat, How Writing Carne About (Austin, TX, 1997). 11 John D. Ray, 'The Emergence of Writing in Egypt', World Archaeology,

XVII/3 (1986), pp. 307-16. 12 Hillary Wilson, Understanding Hieroglyphs: A Complete Introductory Guide

(Lincolnwood, IL, 1995). 13 Jaromir Malek, The ABC of Hieroglyphs: Ancient Egyptian Writing (Gilsum,

NH, 1995). 14 W V. Davies, Egyptian Hieroglyphs, Reading the Past, vol. VI (Berkeley and

Los Angeles, 1990). 15 David P. Silverman, Language and Writing in Ancient Egypt, Carnegie

Series on Egypt (Oakland, CA, 1990). 16 E. A. Wallis Budge, An Egyptian Hieroglyphic Dictionary, 2 vols (Mineola,

New York, 1978). 17 Denise Schmandt-Besserat, Before Writing: From Counting to Cuneiforme (Austin, TX, 1992).

18 Stuart Schneider and George Fischler, The Illustrated Guide to Antique Writing Instruments (New York, 1997).

19 Marvin A. Powell, "Three Problems in the History of Cuneiforme Writing: Origins, Direction of Script, Literacy', Visible Language, XV/4 (1981), pp. 419-40.

20 C. B. F. Walker, Cuneiforme, Reading, the Past, vol. III (Berkeley and Los Angeles, 1989).

21 Green (veja nota 81).

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22 Gregory L. Possehl, The Indus Age: The Writing System (Philadelphia, 1996).

23 Walter A. Fairservis, Jr, "The Script of the Indus Valley Civilization', Scientific American (March 1983), pp. 41-9.

24 Asko Parpola, "The Inds Script: A Challenging Puzzle', World Archaeology, XVII/3 (1986), pp. 399-419, and Deciphering the Indus Script (Cambridge, 1994).

25 Maurice W. M. Pope, 'The Origin of Near Eastern Writing', Antiquity, XL (1965), pp. 17-23.

26 G. R. Driver, Semitic Writing (London, 1948). 27 Roger D. Woodard, Greek Writing from Knossos to Homer: A Linguistic

Interpretation of the Origin of the Greek Alphabet and the Continuity of Ancient Greek literacy (Oxford, 1997). The new theory that Minoan Greeks elaborated the hieroglyphic and Linear A scripts can be read in Steven Roger Fischer, Evidence for Hellenic Dialect in the Phaistos Disk (Berne, Frankfurt am Main, New York, Paris, 1988); a popular version of his theory can be read in Steven Roger Fischer, Glyphbreaker (New York, 1997).

28 Brian Colless, 'The Byblos Syllabary and the Proto-Alphabet', Abr-Nahrain, XXX (1992), pp. 55-102.

29 Brian E. Colless, 'Recent Discoveries Illuminating the Origin of the Alphabet', Abr-Nahrain, XXVI (1988), pp. 30-67.

30 John F. Healey, Early Alphabet, Reading the Past, vol. IX (Berkeley and Los Angeles, 1991).

31 Steven Roger Fischer, Rongorongo: The Easter Island Script. History, Traditons Texts, Oxford Studies in Anthropological Linguistics, 14 (Oxford, 1997).

32 S. Robert Ramsey, The Languages of China (Princeton, NJ, 1990).

33 Sampson (veja nota 88). 34 John S. Justeson, "The Origin of Writing Systems: Preclassic

Mesoamerica, World Archaeology, XVII (1986), pp. 439-56.

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35 John S. Justeson and Terrence Kaufman, 'A Decipherment of Epi-Olmec Hieroglyphic Writing', Science, CCLIX (1993), pp. 1703-11.

36 Michael D. Coe, Breaking the Maya Code (London, 1992). 37 Michael D. Coe and Justin Kerr, The Art of the Maya Scribe (London,

1998). 38 Joyce Marcus, Mesoamerican Writing Systems: Propaganda, Myth and

History in Four Ancient Civilizations (Princeton, NJ, 1992). 39 D. Gary Miller, Ancient Scripts and Phonological Knowledge,

(Amsterdam, 1994). 40 Henri Jean Martin, The History and Power of Writing, translated by

Lydia G. Cochrane (Chicago, 1995).

41 John L. White, ed., Studies in Ancient Letter Writing (Atlanta, GA, 1983).

5 — Linhagens

1 Ross Clark, 'Language', in The Prehistory of Polynesia, ed. Jesse D. Jennings (Cambridge, MA, and London, 1979), pp. 249-70.

2 Em português, conselho de guerra e procurador-geral, respectivamente. (N.T.)

3 Donald Macaulay, The Celtic Languages (Cambridge, 1993).

4 Também Ródano, em português. (N.T.) 5 James Fife and Martin J. Ball, eds, The Celtic Languages (London,

1993). 6 Kenneth Hurlstone Jackson, Language and History in Early Britain

(Portland, OR, 1994). 7 Janet Davies, The Welsh Language (Cardiff, 1993). 8 Galês, em português. (N.T.) 9 R. S. Conway, The Italic Dialects (Cambridge, 1897). 10 Carl Darling Buck, A Grammar of Oscan and Umbrian: With a

Collection of Inscriptions and Glossary (Boston, MA, 1994).

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11 M. S. Beeler, The Venetic Language, University of California Publications in Linguistics, IV/I (Berkeley and Los Angeles, 1949).

12 Helena Kurzova, From Indo-European to Latin: The Evolution of a Linguistic Morphosyntactic Type, Amsterdam Studies in the Theory and History of Linguistic Science, Series 4 (Amsterdam, 1993).

13 Roger Wright, ed., Latin and the Romance Languages in the Early MiddleAges (University Park, PA, 1995).

14 Tracy K. Harris, Death of a Language: The History of Judeo-Spanish (Newark, DE, 1994).

15 Peter A. Machonis, Histoire de la langue: du latin à l’ancien français (Lanham, MD, 1990).

16 Peter Rickard, A History of the French Language, 2nd edn (London, 1989). 17 Paul M. Lloyd, From Latin to Spanish: Historical Phonology

andMorphology of the Spanish Language, Memoirs of the American Philosophical Society,173, (Philadelphia, PA, 1987).

18 Ralph Penny, A History of the Spanish Language (Cambridge, 1991). 19 Martin Maiden, A Linguistic History of Italian, Longman Linguistics

Library (London, 1994). 20 D. H. Green, Language and History in the Early Germanic World

(Cambridge, 1998). 21 Johan van der Auwera and Ekkehard K. Fonig, The Germanic Languages

(London, 1994). 22 Joseph B. Voyles, Early Germanic Grammar: Pre-, Proto-, and

Post-Germanic Languages (San Diego, CA, 1992). 23 Orrin W. Robinson, Old English and Its Closest Relatives: A Survey of the

Earliest Germanic Languages (Stanford, CA, 1994). 24 Charles V. J. Russ, German Language Today: A Linguistic Introduction

(London, 1994).

25 Rolf Bemdt, History of the English Language (Leipzig, 1982). 26 Malcolm Guthrie, Comparative Bantu: An Introduction to the

Comparative Linguistic and Prehistory of the Bantu Languages, 4 vols (Farnborough, 1967-70).

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27 Derek Nurse and Thomas J. Hinnebusch, Suabili and Sabaki: A

l.inguistic History, University of California Publications in Linguistics, CXXI (Berkeley and Los Angeles, 1993).

28 Harry H. Johnston, A Comparative Study of the Bantu andSemi-Bantu Languages (New York, 1997).

29 Jan Vansina, Paths in the Rainforests (Madison, Wisconsin, 1990). 30 Ibidem. 31 Jerry Norman, Chinese (Cambridge, 1988). 32 Victor Krupa, The Polynesian Languages: A Guide, Languages of Asia

and Africa, IV (London, 1982).

33 Clark (veja nota 122). 34 Andrew Pawley, "The Relationships of Polynesian Outlier Languages',

Journal of the Polynesian Society, LXXVI (1967), pp. 259-96. 35 Carleton T. Hodge, 'The Linguistic Cycle', Language Sciences, XIII,

PP I-7.

6 — Em direção a uma ciência da linguagem

1 Leonard Bloomfield, An Introduction to Linguistic Science (New York, 1914).

2 Bimal Krishna Matilal, The Word and the World: India’s Contibution to the Study of Language (Oxford, 1990).

3 Giulio Lepschy, ed., History of Linguistics: lhe Eastern Traditions of Linguistics (London, 1996).

4 Esa Itkonen, Universal History of Linguistics: India, China, Arabia, Europe, Amsterdam Studies in the Theory and History of Linguistic Science 65 (Amsterdam, 1991).

5 Robert H. Robins, A Short History of Linguistics, 3rd edn, Longman Linguistics Library (London, 1996).

6 Pieter A. M. Seuren, Western Linguistics: An Historical Introduction (Oxford, 1998).

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7 Giulio Lepschy, ed., History of Linguistics: Classical and Medieval Linguistics (London, 1996).

8 Roy Harris and Talbot J. Taylor, Landmarks in Linguistic Thought: The Western Tradition from Socrates to Saussure, Routledge History of Linguistic Thought Series (London, 1997).

9 Robert H. Robins, The Byzantine Grammarians: Their Place in History, Trends in Linguistics, Studies, and Monographs 70 (Berlin, New York, Amsterdam, 1993).

10 Seuren (veja nota 162).

11 Lepschy (veja nota 163). 12 Kees Versteegh, Landmarks in Linguistic Thought III: The Arabic

Linguistic Tradition, Routledge History, of Linguistic Thought Series (London, 1997).

13 Itkonen (veja nota 160).

14 Lepschy (veja nota 159). 15 Vivien Law, ed., History of Linguistic Thought in the Early Middle Ages,

Amsterdam Studies in the Theory and History of Linguistic Science (Amsterdam, 1993).

16 Lepschy (veja nota 163). 17 Law (veja nota 171). 18 Robins (veja nota 161). 19 Seuren (veja nota 162). 20 Ferdinand de Saussure, Course in General Linguistics, translated by

Wade Baskin (New York, 1966). 21 Jindrich Toman, The Magic of a Common Language: Jakobson,

Mathesius, Trubetzkoy, and the Prague Linguistic Circle, Current Studies in Linguistics, 26 (Cambridge, MA, 1995).

22 Em português caixa e alfinete, respectivamente. (N.T)

23 Randy Allen Harris, The Linguistics Wars (Oxford, 1995). 24 Edward Sapir, Language: An Introduction to the Study of Speech (New

York, 1921).

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25 P. H. Matthews , Grammatical Theory in the United States from Bloomfield to Chomsky, Cambridge Studies in Linguistics, 67 (Cambridge, 1993).

26 Leonard Bloomfield, Language (London, 1935). 27 William O'Grady, Contemporary Linguistics: An Introduction, 3rd edn

(London, 1997).

28 J. R. Firth, Papers in Linguistics 1934-1951 (Oxford, 1957).

29 Roman Jakobson, Selected Writings I: Phonological Studies (The Hague, 1962).

30 Sidney M. Lamb, 'The Sememic Approach to Structural Semantics', American Anthropologist, LXVI (1964), pp. 57—78; and Outline of Stratificational Grammar (Washington, DC, 1966).

31 Noam Chomsky, Syntactic Structures (The Hague, 1957).

32 Emmon Bach, Introduction to Transformational Grammars (New York, 1964).

33 Noam Chomsky, Aspects of the Theory of Syntax (Cambridge, MA, 1965).

34 On 12 November 1998, as I was writing this chapter, Noam Chomsky visited me at my home on Waiheke Island, New Zealand, where we spent the afternoon together discussing, among other things, transformational generative grammar and its place in the history of linguistics. When I asked Chomsky whether he agreed with my assessment, he replied yes, that 'generative grammar' would perhaps be the most important theoretical linguistic model of the Second half of the twentieth century. The 'transformational' aspect might be debatable, he added, though he believed a transformational element must be present in the process of language generation.

35 Robert M. W Dixon, lhe Rise and Fall of Languages (Cambridge, 1997). 36 Robert D. King, Historical Linguistics and Generative Grammar

(Englewood Cliffs, New Jersey, 1969); Hans Henrich Hock, Principles of Historical Linguistics (Berlin, New York, Amsterdam, 1986).

37 James Allen, Natural Language Understanding, 2nd edn (London, 1995). Noam Chomsky informed me during our meeting on

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Waiheke Island (see above) that he initially drew his model of transformational generative grammar from the computational linguistics being innovated in the USA after the war, specifically in the area of machine translating.

7 — Sociedade e linguagem

1 Ronald Wardhaugh, An Introduction to Sociolinguistics (Oxford, 1997). 2 Suzanne Romaine, Language in Society: An Introduction to

Sociolinguistics (Oxford, 1994). 3 Peter Trudgill, Sociolinguistics: An Introduction to Language and

Society, rev. edn (New York, 1996). 4 Jean Aitchison, Language Change: Progress or Decay?, 2nd edn

(Cambridge, 1991). 5 Construção gramatical de língua inglesa em que normalmente advérbios

são colocados entre a forma infinitiva do verbo, 'dividindo-o'. Por exemplo, 'to go', significando ir para 'to boldly go' significando ousadamente ir. (N. T.)

6 Roger Lass, Historical Linguistics and Language Change (Cambridge, 1997).

7 'Como', 'tipo', 'meio', 'você sabe', 'essas coisas', respectivamente. (N.T.)

8 Nigger é uma palavra usada para se referir pejorativamente aos negros em inglês. (N.T.)

9 Fairy e queer se referem a homossexuais, e cohabitation e concubine significam coabitar e concubina, respectivamente. (N.T.)

10 Respectivamente divorciado (a), solteirona e mãe solteira. (N.T.)

11 R. L. Trask, Language Change (London, 1994).

12 Em português, alguns exemplos da suplementação da palavra 'excelente' são 'massa', 'brasa', 'da hora', entre outros. (N.T.)

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13 Em português, agudo. (N.T.) 14 Jonathan Green, Slangs Through the Ages (Lincolnwood, IL, 1996). 15 Robert L. Chapman, American Slang (New York, 1998). 16 Karl Sornig, Lexical Innovation: A Study of Slang, Colloquialisms, and

Casual Speech (New York, 1981).

17 Suzanne Romaine, Pidgin and Creole Languages (New York, 1988). 18 Terry Crowley, An Introduction to Historical linguistics, 3rd edn (Auckland, 1997).

19 Derek Bickerton, Roots of Language (Ann Arbor, 1981). 20 David Crystal, English as a Global Language (Cambridge, 1998). 21 J. K. Chambers and Peter Trudgill, Dialectology (Cambridge, 1990). 22 Joshua A. Fishman, In Praise of the Beloved Language: A Comparative

View of Positive Ethnolinguistic Consciousness (Berlin, New York, Amsterdam, 1997).

23 Joey Lee Dillard, Black English: Its History and Usage in the United States (New York, 1973).

24 Clarence Major, Juba to Jive: A Dictionary of African-American Slang (New York, 1994).

25 Dale Spender, Man-Made Language (New York, 1990). 26 Anna Livia, Queerly Phrased: Language, Gender, and Sexuality,

(Oxford, 1997). 27 Respectivamente humano e homem. (N.T.) 28 Hu, corresponderia ao radical de human, e person de pessoa. (N.T.) 29 Humanidade, em ambos os casos. (N.T.) 30 Presidente, moderador, dirigente, em ambos os casos. (N.T.) 31 Aeromoço, aeromoça e comissário (a) de bordo, respectivamente. (N.T)

32 Christmas significa Natal, no caso Christ mass poderia significar 'massa de Cristo' ou 'massa católica'. (N.T.)

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33 Numa tradução simplificada os binômios querem dizer respectivamente: pedra, reino, barriga, velocidade, socorro, parar, deixar (sair, abandonar), falar. (N.T.)

34 John W. Young, Totalitarian Language (Charlottesville, VA, 1991). 35 Edward S. Herman and Noam Chomsky, Manufacturing Consent: The

Political Economy of the Mass Media (New York, 1988). 36 Em português seriam equivalentes às denominações coveiro, diretor

funerário e especialista no cuidado dos destituídos, no primeiro caso; faxineiro, zelador e engenheiro sanitário no segundo. (N.T.)

37 William C. Stokoe, Semiotics and Human Sign Languages (The Hague, 1972).

38 Matthias Brenzinger, ed., Language Death (Berlin, New York, Amsterdam, 1992).

39 Lenore A. Grenoble and Lindsay J. Whaley, eds, Endangered Languages: Current Issues and Future Prospects (Cambridge, 1997).

40 Trudgill, (veja nota 196).

41 Alison Ross, Language of Humour (London, 1998). 42 Jan Gavan Bremmer and Herman Roodenburg, eds, A Cultural History of

Humour: From Antiquity to the Present Day (Oxford, 1997).

8 — Indicativo futuro

1 Robert W. Sebesta, Concepts of Programming Languages (Don Mills, Ont., 1998).

2 Alice E. Fischer and Frances S. Grodzynsky, The Anatomy of Programming Languages (New York, 1993).

3 Ryan Stansifer, The Study of Programming Languages (New York, 1994). 4 Doris Appleby and Julius J. Vandekopple, Programming Languages:

Paradigm and Practice, 2nd edn, McGraw-Hill Computer Science Series (New York, 1997).

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5 Kenneth C. Louden, Programming Languages: Principles and Practice, PWS-Kent Series in Computer Science (Boston, MA, 1993).

6 C. A. R. Hoare and C. B. Jones, Essays in Computing Science, Prentice-Hall International Series in Computer Science (New York, 1989).

7 Mark Warschauer, ed., Virtual Connection: Online Activities and Projects for Networking Language Learners, National Foreign Language Center Technical Reports N°. 8 (Honolulu, 1995).

8 Seppo Tella, "The Adoption of International Communications Networks and Electronic Mail into Foreign Language Education, Scandinavian Journal of Educational Research, XXXVI (1992), pp. 303-12.

9 Seppo Tella, Introducing International Communications Networks and Electronic Mail in Foreign Language Classrooms: A Case Study in Finnish Senior Secondary Schools. Doctoral dissertation, University of Helsinki, 1991.

10 Seppo Tella, Talking Shop Via e-Mail: A Thematic and Linguistic Analysis of Electronic Mail Communication (Helsinki, 1992).

11 Dave Sperling, The Internet Guide for English Language Teachers (New York, 1997).

12 Robert Phillipson, Linguistic Imperialism (Oxford, 1992). 13 Jenny Cheshire, ed., English Around the World (Cambridge, 1991). 14 The British Council, The Future of English? (London, 1997). 15 Robert M. W. Dixon, The Rise and Fall of Languages (Cambridge, 1997).

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O autor Steven Roger nos conduz a uma fascinante viagem ao mundo pré-histórico, remontando os passos do surgimento de uma das mais importantes conquistas do ser humano: a linguagem. Com ela, nossos ancestrais

foram capazes de transmitir seus conhecimentos às gerações futuras, e hoje, conhecemos diversos modos de

linguagem, seja ela verbal ou não verbal, por meio de sinais, gestos, códigos, imagens etc. Estudos recentes têm comprovado que qualquer ser vivo, em qualquer época, sempre foi capaz de se comunicar com outro

animal, por mais limitado que fosse esta comunicação, e deste modo, podemos afirmar que a linguagem não é um

privilégio somente do Homem, mas uma faculdade inerente a todos os seres. Uma Breve História da

Linguagem é uma obra interessante e muito abrangente.

Steven Roger Fischer nasceu nos Estados Unidos e foi Doutor pela Universidade da Califórnia na década de

1970. Fala fluentemente francês, espanhol e alemão, e é hoje diretor do Instituto de Línguas e Literatura Polinésias. Vive atualmente na Nova Zelândia.

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A linguagem surgiu nos primórdios de nossa existência, e está total¬

mente relacionada à evolução de todas as criaturas tanto quanto o

seu modo de se relacionar. Ela é uma das mais importantes ferra­

mentas que o ser humano conquistou ao longo dos tempos, a qual o possibilita

se desenvolver e aprender sobre si próprio e o mundo que o cerca.

Veremos como a linguagem humana evoluiu e as modificações nela ocorridas

ao longo cia história, até chegarmos ao seu estágio atual, e termos uma prévia

de como poderá vir a ser no futuro, com o avanço da tecnologia.

"O intrigante e ambicioso estudo de Steven Fischer explora um vasto terreno,

partes dele quase não registrado; outras, examinadas profundamente ao longo

de muitos anos — e, como ele relata, por muitos séculos. Do começo ao fim,

ele discute questões difíceis que conduzem diretamente aos aspectos funda­

mentais e particulares da natureza humana e suas conquistas. Uma pesquisa

informativa altamente estimulante."

- NOAM CHOMSKY

"Um livro agradável e inesperadamente acessível... Uma viagem rara ao mun­

do da Lingüística."

- T H E ECONOMIST