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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Henrique Meira de Castro Medo e relações de poder: uma contribuição para a Psicologia da Educação PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Henrique Meira de Castro

Medo e relações de poder: uma contribuição para a Psicologia

da Educação

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Henrique Meira de Castro

Medo e relações de poder: uma contribuição para a Psicologia

da Educação

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO 2012

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: Psicologia da Educação, sob a orientação da Profa. Dra. Mitsuko Aparecida Makino Antunes.

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Esta é aquela seção que lembramos e esquecemos um monte de pessoas

importantes. Muitas vezes lembramos diversas pessoas que nos ajudaram nesse

processo, normalmente as protagonistas, companheiras ou mais próximas. Que

muitas vezes estão hierarquicamente acima ou igual a nós. E infelizmente muitas

vezes é difícil lembrar os que não exercem protagonismos ou não são próximos, mas

que são fundamentais.

De quem lembrei gostaria de poder agradecer,

À Laís, minha companheira e amiga, por todo o amor e carinho. Comigo

durante todo o processo foi quem mais participou desse texto, compartilhando

minhas angústias, dificuldades e felicidades. Além de ser sempre a primeira

incentivadora, crítica, leitora e corretora;

Aos meus pais, Joaquim e Ana Maria, que sempre apoiam e respeitam meus

caminhos, mesmo que, muitas vezes não concordando com minhas opiniões ou

decisões. Obrigado pelo apoio e carinho;

Aos meus irmãos, Denise e Renato, pelos cuidados e apoios desde sempre.

Agradecimentos que são estendidos para William (e pelas eternas conversas sobre

ciência) e Camila;

Ao Mateus e Maria por nos lembrar sempre da importância de sorrir;

À Mitsuko pelas (des)orientações, paciência, confiança e apoio. Principalmente

na reta final quando entreguei tudo em cima da hora... Valeu Mimi!!

À Maria do Carmo pelo que aprendi em aulas, grupos e conversas. E pela

grande ajuda e contribuição no Exame de Qualificação;

Ao Sandro pelas contribuições no Exame de Qualificação e por ser um dos

primeiros interlocutores deste trabalho no mestrado;

Ao Netto pelos mais diversos motivos nesses últimos anos e por ser, também,

um dos interlocutores;

Ao Achilles pelas informações, ajudas e interlocuções deste trabalho;

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Aos companheir@s de Centro Acadêmico de Psicologia - CAPSI (Gestões

Metonímia e Mimesis), Movimento Estudantil e Comandos de Greve da Unesp

Bauru. Período no qual provavelmente mais, e melhor, aprendi a entender e enfrentar

nossas correntes;

Aos professores Nilma, Osvaldo, Angelo, Ari, Tuim, Ju Pasqualini, Marisa e

Áurea da Unesp Bauru que foram fundamentais em minha formação profissional,

científica, ética e política;

A tod@s do Núcleo de Estudos em Psicologia Social e Educação: Contribuições

do Marxismo – NEPPEM e dos núcleos Bauru e Cuesta da Associação Brasileira de

Psicologia Social – ABRAPSO, em especial à Sueli Terezinha.

Ao Tuga e Kester pelos primeiros acolhimentos científicos na universidade e,

Ao Amauri por me acolher em seu laboratório e ensinar o valor da ciência e da

pesquisa científica. Ao Caio e a todo o povo meio esquisito daquele laboratório!

Ao Rafael, parceiro de graduação que me convidou para estudar a “Cultura do

Medo” no primeiro ano de graduação e, posteriormente me confiou a continuação

deste trabalho;

As tod@s professores do PED que contribuíram com minha formação.

Obrigado Ia, Cláudia e Sérgio;

Ao Edson que sempre ajuda e quebra os galhos dentro do PED;

A todos os professores (formais ou não) que já tive desde os 2 anos;

Aos amigos da Unesp e aos amigos de Botucatu. São tantos e tão diversos que

seria desonesto citar alguns e possivelmente esquecer de outros;

A todos que algum dia me permitiram a diversão de ter uma banda! Valeu

Janja, Pinky, D’Angelo, Guerrini, Dani, Jônatas, Boca, Rafinha, Cowboy, Papito,

Beakman, Kiko, Danilo, Eric, Testa, Lebrão e Murilinho

A todos que algum dia sentaram comigo na mesa do bar e papearam por horas

sobre absolutamente qualquer assunto, que foram sempre fundamentais!

Ao povo brasileiro que sustenta o CNPq que financiou esta pesquisa.

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- É de medo que todos nós nos perdemos! E aqueles que mandam

em nós, tiram proveito do nosso medo e nos atemorizam mais ainda.

A mãe suplicou gemendo:

- Não fique zangado! Como não ter medo! Passei a vida toda no terror,

tenho a alma coberta de medo!

(Máximo Gorki – “A Mãe”)

Las Manos de América Latina (1963-1965) - Oswaldo Guayasamín

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RESUMO CASTRO, Henrique Meira de. Medo e relações de poder: uma contribuição para a Psicologia da Educação. Dissertação de mestrado, Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2012. A presente dissertação sobre medo e relações de poder é pesquisa bibliográfica e

reflexão teórica sobre como o medo pode ser utilizado como instrumento de controle

social. Toda a reflexão sobre medo e seu possível uso como instrumento de controle

social é feita a partir da síntese que Vigotski faz em seus estudos sobre a teoria das

emoções, na qual a emoção e, por conseguinte, o medo não são uma simples força

natural e instintiva de sobrevivência, mas também, uma função psicológica superior

que se constitui na mediação entre indivíduo e sociedade, portanto complexa, em

transformação e síntese de múltiplas determinações. Após traçar uma breve história

dos medos que afligiram, e continuam a afligir, o gênero humano, são apresentadas

diversas situações nas quais o medo é utilizado como uma das formas de poder nas

relações, desde textos bíblicos e lendas indígenas à veiculação massiva de notícias

amedrontadoras do século XXI, passando pelas relações de poder dentro das

famílias, escolas e no mundo do trabalho. A partir disso, discute possíveis

consequências dessa cultura do medo como, uma expansão de conflitos armados,

higienismo social, aumento de doenças relacionadas a esses fenômenos, a

perpetuação das formas disciplinares na educação e como alguns setores da

sociedade lucram com esses medos. Faz uma reflexão sobre como podemos

superar essas relações e se isso é possível numa sociedade de classes.

Palavras-chave: medo, emoções, relações de poder, cultura do medo, Vigotski, psicologia histórico-cultural.

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ABSTRACT CASTRO, Henrique Meira de. Fear and relations of power: a contribution to educational psychology. Master’s degree dissertation. PUC-SP. São Paulo, 2012. This work on fear and relations of power is a bibliographical research and a

theoretical approach to how fear can be used as an instrument of social control. All

the reflection about fear and its possible uses as an instrument of social control is

made from the synthesis of Vygotsky in his studies on the theory of emotions. For

him, emotion, and therefore, fear is not a simple natural and instinctive survival

strength, but also a higher psychological function that constitutes itself on a

mediation between person and society, thus a complex synthesis of multiple

determinations. After a very brief history of the fears that have plagued, and

continues to plague, the human race, some situations in which fear is used as one of

the forms of power in relationships are presented, from biblical scriptures and

indigenous legends to the 21th century establishment of massive frightening news

announcements, through the relations of power within families, schools and the

labor’s world. Also, we discuss the possible consequences of this culture of fear as

an expansion of armed conflicts, social hygienism, as well as the increase in related

diseases to that phenomenon, the perpetuation of disciplinary forms of education and

how some sectors of society profits from these fears. Finally, a reflection on how we

can overcome these relationships, and if this is possible within a class society.

Keywords: fear, emotions, relations of power, culture of fear, Vygotsky, historical-cultural psychology.

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RESUMEN CASTRO, Henrique Meira de. El miedo y las relaciones de poder: Una contribuición a la psicología de la educación. Disertación de maestría. PUC-SP, São Paulo, 2012. Esta disertación sobre el miedo y las relaciones de poder es una investigación

bibliográfica y una reflexión teórica sobre cómo el miedo puede ser utilizado como un

instrumento de control social. Toda la reflexión sobre el miedo y su posible uso como

instrumento de control social se realiza a partir de la síntesis que hace Vygotski en

sus estudios sobre la teoría de las emociones, en el que la emoción, y por lo tanto, el

miedo no son una mera fuerza natural e instintiva de supervivencia, sino también

una función psicológica superiora que consiste en la mediación entre el individuo y la

sociedad, en constante transformación y síntesis de múltiples determinaciones.

Después de trazar una breve historia de los temores que han afectados, y siguen

afectando, a la especie humana, se presentan diversas situaciones en las que el

miedo es usado como una forma de poder en las relaciones, de los textos bíblicos y

leyendas a la masiva divulgación de noticias aterradoras del siglo XXI, y también, en

las relaciones de poder dentro de las familias, las escuelas y en el mundo del

trabajo. A partir de esto, discute las posibles consecuencias de esta cultura del

miedo como una expansión de los conflictos armados, de higienismo social, de el

aumento de las enfermedades relacionadas con estos fenómenos, la perpetuación

de la formas disciplinario de educación y cómo algunos sectores de la sociedade

ganan com estos temores. Hace una reflexión sobre cómo podemos superar estas

relaciones y si esto es posible en una sociedad de clases.

Palabras claves: miedo, emociones, relaciones de poder, cultura del miedo, Vygotski, psicología histórico cultural.

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SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO .............................................................................................. 05

2. O GÊNERO HUMANO E A LONGA HISTÓRIA DE SEUS MEDOS ................ 11

2.1. O medo na história do ocidente ................................................................... 15

3. SOBRE EMOÇÃO E MEDO .............................................................................. 19

3.1. Sobre emoção .............................................................................................. 20

3.2. Teoria das emoções em Vigotski ................................................................. 23

3.2.1. Primeiras definições ........................................................................... 26

3.2.2. Definições posteriores ........................................................................ 30

3.2.3. Uma teoria Vigotskiana das emoções ................................................ 36

3.3. Sobre medo ................................................................................................. 39

4. O MEDO COMO INSTRUMENTO DE PODER ................................................. 43

4.1. A cultura do medo ...................................................................................... 49

4.2. Nesse mundo de medo .............................................................................. 53

5. É POSSÍVEL SUPERAR A CULTURA DO MEDO? ....................................... 56

5.1. Sociedade de classes ................................................................................ 60

5.2. Superando essa condição ......................................................................... 66

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 70

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 73

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1. APRESENTAÇÃO

Vivemos um momento em que o modo de produção capitalista está

definitivamente instalado nas universidades. Um modo de produção de velocidade

intensa e tensa, diariamente intensificada e tensificada. Universidades são

gerenciadas como fábricas, – e financiadas por bancos, indústrias químicas,

petroquímicas, farmacêuticas, automobilísticas, cosméticas, que nada tem a ver com

o interesse do desenvolvimento da ciência ou da realidade social brasileira –

professores são contratados como auleiros sem espaços e condições adequadas

para desenvolvimento sequer das aulas, quanto mais de extensões e pesquisas

cientificas.

A produção científica no Brasil vem sendo guiada por uma mentalidade de

produção a qualquer custo. Números e estatísticas mascaram a realidade de uma

produção científica pobre, efêmera, descolada da realidade. Prazos curtos e metas

altíssimas1 são traçadas para todos dentro da academia.

As discussões dentro das comunidades científicas são mínimas. Os

congressos e encontros científicos se tornaram fábricas de certificados, para encher

de linhas de currículos Lattes, na garantia de se conseguir ou manter uma bolsa de

estudos ou um emprego.

O que temos que ler e onde temos que escrever é previamente determinado

por arbitrárias avaliações que pontuam revistas, livros e publicações. É como Brecht

escreveu em seu poema:

1 Recomendo a leitura do manifesto “Por um movimento Slow Science” de Joël Candau, que segue a linha de outros manifestos como o Slow Food (em contraposição à Fast Food) e reivindica que as políticas de produção de Ciência e Tecnologia sejam repensadas e que a pressa e a quantidade possam dar espaço à calma e qualidade. O manifesto foi traduzido e publicado no número 16 da revista “O olha da história” da UFBA e no número 49 – janeiro de 2012 da revista “Universidade e sociedade” publicada pela ANDES-SN.

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Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.

“Privatizado” Bertold Brecht

É nesse caos que esta pesquisa se faz presente. E completamente dentro

destas especificações se encontra seu autor.

O tema abordado, o medo e seus possíveis usos como instrumento de poder,

se fez presente durante todo o percurso da pesquisa. Medo de não conseguir uma

bolsa de estudos (já que não teve durante os primeiros oito meses de curso), medo

de não conseguir terminar o texto a tempo, medo de não fazer um trabalho bom e

adequado para a defesa. Medo de cair em uma rotina acadêmica e esquecer a

importância de estar atento à realidade a sua volta e não ter tempo para participar

de nenhuma organização política e social por ter que cuidar da própria vida.

No meio desse turbilhão de preocupações, também sofri muito com a

atividade de escrever, tão pouco treinada e exigida na graduação e tão importante

no mestrado.

Houve diversos momentos de “branco” e de “travadas”, especialmente

durante as leituras e escrita do capítulo sobre emoções, durante o qual pude,

ironicamente, com mais entendimento teórico, vivenciar momentos emocionalmente

difíceis.

O tempo todo algumas questões balizavam a confecção deste mestrado, para

quê e para quem estava fazendo esse trabalho?

As perguntas críticas que os psicólogos devem se formular a respeito do caráter de sua atividade e, portanto, a respeito do papel que está desempenhando na sociedade, não devem centrar-se tanto no onde, nas no a partir de quem; não tanto em como se está realizando algo, quanto em beneficio de quem; e, assim, não tanto sobre o tipo de atividade que se pratica (clínica, escolar, industrial, comunitária ou

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outra), mas sobre quais são as consequências históricas concretas que essa atividade está produzindo. (MARTÍN-BARÓ, 1996, p. 22)

* *

O presente estudo sobre o medo teve início muito antes do meu ingresso no

mestrado. Comecei a investigar o tema no primeiro ano de graduação em psicologia

da Unesp Bauru, no ano de 2004, quando junto de um colega fiz um trabalho

intitulado “A apropriação do medo como forma de manutenção do poder vigente”

para a disciplina de Antropologia. No ano seguinte, na disciplina de Metodologia

Científica, continuamos o estudo com um projeto de pesquisa de título “Cultura do

Medo: O surgimento da figura de autoridade”. E ao longo da graduação continuei a

estudar o tema, sempre com um enfoque diferente, de acordo com a matriz do

pensamento psicológico que ia tomando conhecimento no curso: psicologia

comportamental, psicanálise e psicobiologia.

No entanto em nenhuma delas sentia firmeza de ser aquilo que gostaria de

estudar e somente no terceiro ano de graduação, quando comecei a estudar a

psicologia sócio-histórica na disciplina de Psicologia Social e a psicologia histórico-

cultural na Psicologia da Educação é que vislumbrei um caminho que gostaria de

trilhar.

Por volta desse período passei a integrar o núcleo Bauru da ABRAPSO

(Associação Brasileira de Psicologia Social) e o NEPPEM (Núcleo de Estudos e

Pesquisa em Psicologia Social e Educação: Contribuições do Marxismo) nos quais

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pude me aproximar do marxismo e de perspectivas mais críticas da psicologia,

sobretudo da psicologia de Vigotski e Leontiev.

Com um crescente interesse e estudo da psicologia soviética e,

consequentemente, do marxismo, passei a entender melhor a realidade da

universidade pública e do movimento estudantil, no qual militava, e comecei a

perceber de forma bastante clara os usos do medo nas relações de poder que vinha,

até então, estudando teoricamente.

Como representante estudantil em órgãos colegiados e centro acadêmico,

pude perceber que existia um grande número de estudantes interessados em

participar das atividades e movimentos políticos, mas não o faziam com medo de

possíveis perseguições por parte de professores e diretores da universidade. Em

semelhante situação estava o movimento sindical dos servidores, afinal eram

comuns represálias, processos administrativos, sindicâncias, demissões, reuniões a

portas fechadas com ameaças de punições, entre tantas possíveis formas de

tentativas de controle.

Essa situação objetiva me fez pensar e refletir em todas as relações que, até

então, estava inserido e comecei a perceber que aquelas não eram as primeiras

formas de controle pelo medo a que havia sido submetido. Só percebia, até aquele

momento, os usos do medo em grandes escalas de poder, como nas situações de

guerras e conflitos de política governamental. Mas percebi que não era assim

distante, que era possível que em todas as relações entre diferentes interesses e

indivíduos, o medo estivesse como elemento constituinte.

Regressei à minha infância e me lembrei dos primeiros ensinamentos em

minha casa e na bela escola, particular e religiosa, quando aprendi que devia tomar

cuidado com pessoas estranhas, com os tipos “mau-encarados”, que não devia

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aceitar coisas de ninguém que não conhecesse; que devia me comportar dentro de

uma loja porque “o moço estava olhando”, ou ficar em silêncio na aula porque podia

“parar na sala da diretora”. Pude perceber que em certas situações não aprendi o

que era o certo a ser feito, mas o que não podia fazer porque alguém estava ali,

pronto, para aplicar a devida punição.

De volta à universidade retomei meu projeto e decidi estudar esse complicado

tema. Não tinha claro o objetivo, nem o caminho, mas queria entender como se dava

esse controle pelo medo que causava nos indivíduos um congelamento do

enfrentamento, restrições do agir, uma possível heteronomia causada pelo medo da

punição. Era um tema de tão poucos debates e tão poucas discussões. Seria,

também, por medo?

Infelizmente, por dificuldades de avançar com a pesquisa na graduação

(estando nos últimos anos de graduação, as atividades de aula e estágios tomavam

a maior parte do horário e o resto do tempo era dedicado ao Movimento Estudantil),

ela foi adiada para uma pós-graduação.

Ao finalizar a graduação com a perspectiva de me tornar professor

universitário e pesquisador, decidi cursar um mestrado e por indicações quase

unânimes de meus professores e colegas, vim para a PUC-SP e para o PED ser

orientado pela professora Mitsuko (indicação também quase unânime).

Desde o início com uma excelente relação com a orientadora começamos a

discutir caminhos de como poderíamos desenvolver a pesquisa. Ao longo dos

primeiros três semestres muitos caminhos foram traçados e tentados, mas pouco

avancei.

No exame de qualificação muitas novas ideias apareceram e a partir delas

consegui um fio condutor mais claro para a pesquisa. A princípio não tinha o

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interesse em trazer as contribuições da Psicologia Soviética para esta produção, por

entender e respeitar a complexidade da obra e não querer fazer uma leitura “pela

metade” e comprometer meu trabalho. Mas o caminho sugerido no exame de

qualificação foi de encarar esse desafio.

Frente a isso, considero que este trabalho tenha um valor científico e político

maior do que existiria sem ela, mesmo com uma maior possibilidade de dificuldades

de interpretação e análise da teoria ou de problemas relacionados a ela.

No entanto, o trabalho foi realizado sabendo dessas limitações, sabendo que

a teoria de Vigotski não foi aprofundada e discutida em todas suas possibilidades. O

trabalho realizado é o trabalho possível dentro das limitações técnicas, científicas e

pessoais do autor, mas que se propôs a levantar e, dentro das possibilidades,

continuar a discussão, por entender que é um tema bastante debatido em algumas

ciências sociais, mas pouco estudado dentro da Psicologia.

O trabalho também não é extenso, por uma limitação do autor, que apesar de

grande revisão bibliográfica, não conseguiu trazer de forma efetiva a contribuição de

tudo o que foi lido. Em outros momentos, no entanto, não achou necessário alongar

uma discussão que considerasse adequada.

Este, portanto, é o resultado possível ao final de dois anos e agradeço a todos

que se disponham a ler e debatê-lo.

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2. O GÊNERO HUMANO E A LONGA HISTÓRIA DE SEUS MEDOS

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existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, cantaremos o medo da morte e o medo do depois da morte, depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

“Congresso Internacional do Medo” Carlos Drummond de Andrade

O gênero humano foi, e ainda é, atormentado por medos ao longo de toda

sua existência. Desde os primeiros registros da história humana somos capazes de

identificar situações de medo e ações que visavam a proteção contra os perigos da

vida natural e, posteriormente, da vida social. Nesses registros podemos perceber

explicações míticas e histórias, muitas vezes assustadoras, em culturas que

tentavam compreender o mundo a sua volta. Essas explicações eram utilizadas para

interpretar e narrar os acontecimentos cotidianos e, também, para transmitir certos

ensinamentos.

Mundukuru, descendente indígena brasileiro, conta que índios do que viria a

ser o Brasil se utilizavam do medo quando criavam “uma série de narrativas para

mostrar os perigos que nos rodeiam em nossa vida de florestas, de montanha ou de

cerrado e também para lembrar às crianças a importância de estarem atentas aos

desafios que a natureza nos impõe” (MUNDUKURU, 2010, p.7). Função parecida

com as máscaras confeccionadas por primitivas tribos africanas que eram usadas

para traduzir, se defender e espalhar o medo (DELUMEAU, 1989). Tais máscaras e

histórias simultaneamente camuflam e exprimem o que Delumeau, pelas palavras de

Kochnitzky, descreveu:

(...) medo dos gênios, medo das forças da natureza, medo dos mortos, dos animais selvagens à espreita na selva e, de sua vingança depois que o caçador os matou; medo de seu semelhante que mata, viola e até devora suas vítimas; e, acima de tudo, medo do

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desconhecido, de tudo que precede e segue a breve existência do homem. (DELUMEAU, 1989, p. 21)

Na Grécia Helênica medo, temor, terror, pavor e pânico não eram

simplesmente emoções e sentimentos humanos, eram deuses, semideuses e

demônios. Como Pã, deus dos pastores e dos rebanhos, que deu origem à palavra

pânico. Seu corpo era parte humano e parte bode, possuía cascos, chifres e o corpo

coberto de pelos. Tinha uma aparência tão assustadora que sua própria mãe, a ninfa

Dríope, ficou apavorada e o abandonou. Contam as histórias que “seus

aparecimentos súbitos provocavam um pânico que se derramava pela natureza e

impregnava todos os seres, ao pressentirem a presença de uma divindade que

perturba o espírito e enlouquece os sentidos” (BRANDÃO, 1991, p.222).

Os demônios Phobos - palavra derivada do verbo grego phébesthai, que

significa fugir espavoridamente e que é a origem da nossa palavra fobia - era a

personificação do Medo e do Terror e seu irmão Deîmos, o Pavor, eram os cruéis e

sanguinários filhos de Ares, deus da guerra e da violência e apareciam sempre ao

lado de seu pai nas guerras e em derramamentos de sangue (BRANDÃO, 1991).

Em Esparta, sacrifícios eram oferecidos a Phobos antes das guerras, e os romanos

decidiram, sob ordens de Tulo Hostílio, consagrar dois santuários a Pallor - origem

da palavra palidez no idioma português - e Pavor, correspondências romanas a

Deimos e Phobos (DELUMEAU, 1989). Assim também fez Alexandre Magno antes

da batalha de Arbelos, oferecendo a Phobos um sacrifício solene; esperava que,

agradando ao deus do medo, seus soldados, durante o combate, não fugissem

apavorados (A religião e o medo, 2005)2.

2 Artigo sem assinatura da edição de abril de 2005 do suplemento “Claro!”, produzido por estudantes da ECA-USP (www.eca.usp.br/claro).

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Em nossos dias, muitas religiões ainda trazem figuras representativas do

medo, como, por exemplo, as representações demoníacas do cristianismo,

apropriada de deuses de crenças pagãs, em oposição à graça divina (A religião e o

medo, 2005). Mas, além disso, na vida cotidiana, seja no passado ou na atualidade,

podemos citar alguns exemplos do infinito número de identificações da realidade

com o medo, como o mar, a noite, a fome, os saqueadores, as doenças, as

possibilidades de holocaustos ecológicos e nucleares, o desconhecido, o outro e a

morte.

O maior medo é o medo da morte, selecionado naturalmente como um dos

mecanismos responsáveis por nossa existência e permanência como espécie, dele

decorrem suas variações. Medo de quase morrer, medo do que ocasiona morte,

medo da dor, de enfermidades, do sofrimento moral, da solidão, da carência etc.

Mas, temendo a morte, ansiamos por maneiras de prolongar a vida. Personificamos

a morte para melhor poder encará-la e confrontá-la. Em nosso temor da morte

criamos um estado para nos proteger de algumas de suas armas, corroborando uma

das teses de Hobbes (1651/1997), na qual o medo da morte, na guerra de todos os

homens contra todos os homens, é o principal motivo para a existência do Estado.

Entretanto, jamais alguém presenciou a “Dona Morte no final do túnel”, mas

muitos tiveram de lidar com um diagnóstico de doença terminal ou foram engolidos

por uma gigante onda em alto-mar. Em sua história, a humanidade sofreu os mais

diversos medos, uma longa e duradoura exposição que pôde “criar um estado de

desorientação e de inadaptação, uma cegueira afetiva, uma proliferação perigosa do

imaginário, desencadear um mecanismo involutivo com a instalação de um clima

interior de insegurança” (DELUMEAU, 1989, p. 26).

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2.1. O MEDO NA HISTÓRIA DO OCIDENTE

Um dos estudos clássicos e mais citados sobre a história do medo é o livro

‘História do medo no ocidente (1300-1800)”, escrito por Jean Delumeau, que será

utilizado como base para esta revisão.

Delumeau começa seu livro comprovando a tese do medo como natural e

inerente aos seres humanos e aos animais, mas ressalta que, dentre estes, o

homem é o único que sabe que vai morrer e cita Vercors para uma definição da

amedrontada natureza humana, “os homens usam amuletos, os animais não os

usam” (DELUMEAU, 1989, p. 19), mas não confunde o fato com covardia; para o

autor, o medo não tem nada a ver com covardia ou coragem, apesar da literatura e

do conhecimento medieval e renascentista – e muitas teorias modernas – os terem

colocado como dois lados de uma mesma moeda. Explica que esta comparação

servia como instrumento de manutenção social, justificando a existência do nobre

cavaleiro sem medo que zelava pelas massas de camponeses covardes, uma vez

que “o medo é a prova de um nascimento baixo” (ENEIDA, IV, 13, apud

DELUMEAU, 1989, p. 14).

O autor define dois tipos de medo ao longo do período estudado, os medos

permanentes e os medos cíclicos. Os medos permanentes eram mais naturais e

amplamente sentidos por todas as classes sociais, na medida em que as afetavam

todas. Eram medos “ligados ao mesmo tempo a um certo nível técnico e ao

instrumental mental que lhe correspondia: medo do mar, das estrelas, dos

presságios, dos fantasmas, etc.” (DELUMEAU, 1989, p. 31). Os medos cíclicos

podiam atingir toda a população, como no caso de uma peste, mas costumavam

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afetar apenas os mais pobres, como no caso da penúria diante de uma colheita

ruim, de um inverno muito rigoroso ou da guerra.

Mas uma coisa era certa, o medo era onipresente, fosse em terra, fosse em

mar. Mar sempre revolto, com tempestades e gigantescas ondas contadas por

Homero, Virgílio e Camões. Medo do novo, medo do desconhecido, medo do outro,

do estrangeiro, que nos é diferente (DUBY, 1999).

Ao longo dos séculos estudados, o autor apresenta uma longa lista dos

temores sofridos pelas populações do ocidente. Medo do amanhã, medo do escuro,

da noite e do sol não nascer novamente. Medo da fome, da falta de pão e de uma

colheita ruim. Medo do inverno e do frio. Medo da peste e das doenças. Medo da

violência, do roubo, do saque, das invasões. Dos soldados de exércitos oficiais e de

soldados mercenários. Medo do Estado, da burocracia e dos altos impostos. Medo

dos mendigos e vadios. Medo das revoltas, revoluções e da subversão. Medo dos

demônios e de seus agentes, do anticristo e da heresia. Medo do fim do mundo, do

apocalipse, juízo final e da eterna danação. Medo da reforma, da contrarreforma e

das outras religiões. Medo das bruxas e também da inquisição.

A constituição de Esparta era fundada sobre ele [o medo], sistematizando a organização dos “iguais” em casta militar. Mobilizados permanentemente, aguerridos desde a infância, viviam sob a constante ameaça de uma revolta dos hilotas. A fim de os paralisar pelo medo, Esparta precisou modificar-se ela cada vez mais radicalmente. As medidas “aloplásticas” iniciais dirigidas contra os hilotas logo acarretaram medidas “autoplásticas” ainda mais rigorosas “que transformaram Esparta em um campo fortificado”. Mais tarde, a Inquisição foi semelhantemente motivada e mantida pelo medo desse inimigo sem cessar renascente: a heresia que parecia perseguir incansavelmente a Igreja. Em nosso tempo, o fascismo e o nazismo beneficiaram-se dos alarmes dos possuidores de rendas e dos pequenos burgueses que temiam as perturbações sociais, a ruína da moeda e o comunismo. As tensões raciais na África do Sul e nos Estados Unidos, a mentalidade obsidional que reina em Israel, o “equilíbrio do terror” mantido pelas superpotências, a hostilidade que opõe a China e a URSS são umas tantas manifestações dos medos que atravessam e dilaceram nosso mundo (DELUMEAU, 1989, p. 22).

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O autor resume, demonstrando que, em uma longa sequência de

“traumatismo coletivo, o Ocidente venceu a angústia ‘nomeando’, isto é,

identificando, ou até ‘fabricando’ medos particulares” (DELUMEAU, 1989, p. 26),

medos fabricados que podem ser considerados responsáveis por terem gerado, e

ainda gerarem, milhares de mortos em todo o mundo. Dos grandes conflitos

armados entre nações, passando por internas guerras civis até o extermínio

higienista de minorias.

Medo, tão presente em nossas vidas, que foi e é estudado nas mais diversas

áreas das ciências, seja como emoção, sentimento, paixão da alma, instinto de

sobrevivência, traumas e recalques etc., e também retratado nas mais diversas

manifestações artísticas, como na pintura, literatura, teatro, música, cinema, assim

como em diversas outras manifestações da cultura humana. No entanto, muitas

vezes, quando apenas considerado como natural e necessário, sua manifestação

pode passar despercebida em outras situações que não estas.

Utilizando o materialismo histórico e dialético como fundamentação teórica do

presente estudo sobre o medo, tentar-se-á superar visões naturalistas que tratam o

medo apenas como uma emoção necessária para a sobrevivência e visões

medicalizantes e culpabilizadoras, que colocam o medo como uma emoção ruim,

devendo ser evitado, confundindo-o e igualando-o com doenças ou transtornos

psicológicos, tratando-os como culpas e fraquezas dos indivíduos, culpabilizando-os

sem uma análise aprofundada das condições sócio-históricas em que se vive.

Para alcançar tal objetivo, neste trabalho serão utilizadas as produções sobre

emoções e sentimentos da obra do psicólogo soviético Lev Semionovitch Vigotski,

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em busca de elementos que permitam uma aproximação acerca da emoção medo,

com base no materialismo histórico e dialético.

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3. SOBRE EMOÇÃO E MEDO

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Quem me vê sorrindo pensa que estou alegre O meu sorriso é por consolação Porque sei conter para ninguém ver O pranto do meu coração

“Quem me vê sorrindo” Cartola e Carlos Castro

3.1. SOBRE EMOÇÃO

Discutir e definir emoção é um trabalho extenso e controverso, começando

pelo próprio termo utilizado. Desde o início das indagações sobre as reações

humanas a determinados estímulos já foram utilizados, entre outras, emoção,

sentimento, afeto, paixão, sendo que estas já ocorreram em nossas almas,

espíritos, coração, sangue, fluídos, intestinos e cérebros. Portanto, discutir o tema

não é fácil.

Para uma introdução ao tema será feita uma breve revisão das teorias e

definições de emoção de Platão às ciências modernas como a biologia, medicina e

psicologia produzida por Abbagnano. Em seu dicionário de filosofia, Abbagnano

(1998, p. 311) define emoção como “qualquer estado, movimento ou condição que

provoque no animal ou no homem a percepção do valor (alcance ou importância)

que determinada situação tem para sua vida, suas necessidades, seus interesses”.

Ou seja, como reações imediatas de homens e animais a situações favoráveis ou

desfavoráveis que os colocam em estado de alerta para enfrentar uma determinada

situação com os meios que possuem.

Para Platão, existe um equilíbrio entre os elementos que compõem o ser vivo

e que, se ameaçados ou comprometidos, produzirão dor e, uma vez restabelecido o

equilíbrio, tem-se o prazer. Em Aristóteles, as emoções são todas afeições da alma,

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acompanhadas pela dor ou pelo prazer, “sendo o prazer e a dor a percepção do

valor que o fato ou a situação a que se refere a afeição tem para a vida ou para as

necessidades do animal” (Abbagnano, 1998, p. 311). Para os estoicos, as emoções

eram juízos errados, opiniões vazias e desprovidas de sentido e os sábios, por

viverem segundo a razão, estariam imunes a elas, denotando uma clara oposição

entre razão e emoção.

Já no âmbito da filosofia moderna, Hobbes colocou as emoções como uma

das quatro faculdades humanas fundamentais, junto à força física, experiência e

razão. As emoções eram “princípios invisíveis do movimento do corpo humano”

(HOBBES, apud ABBAGNANO, 1998, p. 313), que precedem ações visíveis e que

costumam ser chamados de tendências, como desejos, apetites ou aversões.

Descartes considerava as emoções como modificações passivas na alma, criadas

pelos movimentos das forças mecânicas e espíritos vitais que agem em nosso

corpo por meio da glândula pineal, sede das emoções; concordava com os estoicos

na medida em que dizia que a força da alma consistia em vencer as emoções.

Kant colocou os sentimentos como categoria autônoma e mediadora entre a

razão e a vontade. Fazia uma distinção das emoções do ponto de vista moral e

biológico. Biologicamente as emoções alegria e tristeza estão ligadas ao prazer e à

dor e “estas têm a função de impelir o sujeito a permanecer na condição em que

está ou a deixá-la. A alegria excessiva e a tristeza extrema, [...] são emoções que

ameaçam a existência” (ABBAGNANO, 1998, p. 315). Já do ponto de vista moral

concordava com os estoicos, considerando as emoções como doenças da alma, “é

tal predomínio das sensações que se produz a supressão do controle da alma;

portanto, é precipitada, ou seja, cresce rapidamente até tornar impossível a

reflexão” (ABBAGNANO, 1998, p. 315).

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Na segunda metade do século XIX, as emoções tornam-se objeto de estudo

das emergentes ciências naturais. Darwin parte da definição proposta por Spencer,

para quem todas as experiências vividas dividem-se em duas classes: sensações e

emoções. As sensações, simples, seriam produzidas por estímulos periféricos e as

emoções, complexas, por estímulos centrais e ambas funcionariam como

mecanismos de adaptação ou de resposta a estímulos exercidos sobre o corpo.

Darwin (2000), em seu livro A expressão das emoções no homem e nos

animais de 1872, afirmou o caráter inato e universal, herdado de nossos ancestrais,

das expressões das emoções. Considerava também que muitas expressões eram

iguais para toda a espécie humana, demonstrando assim sua força e importância

para nossa espécie. Essa teoria foi reafirmada e contestada teoricamente por

diversos autores3, até os experimentos de campo de Ekman (2011), que

mostraram fortes indícios da expressão inata de felicidade, raiva, aversão, tristeza,

medo e surpresa, ainda que estes dois últimos fossem confundidos entre si em

algumas situações experimentais.

Com a teoria de Darwin, todas as explicações metafísicas foram deixadas de

lado. As emoções, finalmente, foram colocadas no corpo, como mecanismos do

corpo, o que abriu caminho para novas investigações e criou novas polêmicas

como, por exemplo, onde estão e onde agem as emoções em nossos corpos.

Para entender melhor essas novas investigações, serão apresentados

alguns estudos de Vigotski sobre as emoções. Esta não será uma análise de sua

obra, tampouco sua apresentação visa apresentar toda a obra do autor sobre o

3 Ekman (2011, p.20-21) cita os autores Margaret Mead, Gregory Bateson, Edward Hall, Ray Birdwhistell e Charles Osgood como os que se opunham à teoria de Darwin e Silvan Tomkins como autor que sustentava a teoria de que as expressões faciais eram inatas e universais sem, no entanto, demonstrar evidências para sua afirmação.

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tema, nem esgotar sua discussão, mas apenas poder compreender melhor as

emoções e o medo, por meio de uma perspectiva marxista de psicologia, para

posteriores análises do tema no decorrer deste trabalho.

3.2. TEORIA DAS EMOÇÕES EM VIGOTSKI

Lev Semionovitch Vigotski4 nasceu em novembro de 1896 em Orsha, na

Bielorrússia; mais tarde mudou-se para Gomel, também na Bielorrúsia, até se

transferir para Moscou onde se formou em Direito na Universidade de Moscou. De

acordo com Puziréi e Guippenréiter (1989), Vigotski foi conhecido por ter um amplo

interesse por estudos humanísticos, como crítica teatral, história, economia política,

crítica e análise literária, que refletiu em seu trabalho de conclusão de curso “A

tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca” na Universidade Popular Shaniavski.

A produção de Vigotski deve ser lida e analisada com muito cuidado e

consideração para que possamos ter uma melhor compreensão de sua obra. Apesar

de uma morte prematura aos 37 anos, vítima de uma tuberculose que o

acompanhara desde 1926, Vigotski teve uma vasta produção em variados temas, de

análises literárias, passando pela psicologia da arte, defectologia, pedologia e

educação e análise da crise da psicologia até a criação de uma psicologia erigida

sobre os preceitos do materialismo histórico e dialético, que ficou conhecida

posteriormente como psicologia histórico-cultural.

4 Lev Semionovitch Vigotski teve ao longo dos anos a transliteração de seu nome grafada de diversas formas, de acordo com as diferentes traduções e edições. Neste trabalho adotaremos a grafia “Vigotski”; no entanto, em citações será mantida a grafia original das edições.

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Leontiev e eu ficamos encantados quando se tornou possível incluí-lo em nosso grupo de trabalho, que chamávamos de ‘troika’. Com Vigotskii como líder reconhecido, empreendemos uma revisão crítica da história e da situação da psicologia na Rússia e no resto do mundo, mais abrangente, de estudar os processos psicológicos humanos. (LURIA, 2001, p. 22)

Também é importante citar o impacto da revolução bolchevique em sua

produção, já que Vigotski pôde ver toda etapa final do processo revolucionário

socialista na Rússia. Tinha nove anos quando do primeiro ensaio revolucionário em

1905 e vinte e um anos de idade quando se formou em Direito, no ano da revolução,

em 1917.

Vigotski foi um grande estudioso da obra de Karl Marx, de acordo com Luria,

“Vigotskii era também o maior teórico do marxismo entre nós” (LURIA, 2001, p. 25),

e por essa compreensão trouxe o método marxista – “o historicismo e o

sistematicismo, a unidade da teoria e a prática, com o papel determinante desta

última, a primazia da existência em relação a sua imagem psíquica” (IAROCHEVSKI,

GURGUENIDZE, 2004, p. 513)5 – para sua produção científica e se propôs a criar

uma psicologia para uma nova sociedade, que tinha acabado de derrubar o czar e a

burguesia do poder. Vigotski escreveu nos anos que se seguiram à revolução, uma

“época de transformação do velho mundo, de radical reestruturação das ideias sobre

a personalidade humana e sobre as perspectivas de desenvolvimento social”

(IAROCHEVSKI, GURGUENIDZE, 2004, p. 515). Portanto, sua obra deve ser

analisada como o próprio Vigotski gostaria:

Nossa ciência – escrevia Vigotski – não podia nem pode se desenvolver na velha sociedade. Ser donos da verdade sobre a pessoa humana e da própria pessoa é impossível enquanto a

5 O texto citado é o epílogo do Volume I das Obras Escolhidas de Vigotski, escrito por M. F. Iarochevski e G. S. Gurguenidze, no qual fazem uma análise da produção de Vigotski. Gurguenidze foi responsável pelas notas e epílogo do volume I nas edições em língua russa, assim como Iarochevski, que também foi o compilador desse volume.

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humanidade não for dona da verdade sobre a sociedade e da própria sociedade. (IAROCHEVSKI, GURGUENIDZE, 2004, p. 513)

Esse movimento de construção de uma nova psicologia para uma nova

sociedade, baseada em um novo modo de produção, acompanhava um movimento

muito mais amplo, de enorme efervescência científica e cultural, que era a

construção de toda uma nova sociedade. Lênin (2005), em discurso no congresso

da União das Juventudes Comunistas, de 1920, afirmava que a revolução tinha, até

então, somente destruído as bases da exploração da velha vida capitalista e retirado

do poder os antigos exploradores e que a sociedade comunista deveria ser

construída, todo dia, pelos próximos quinze ou vinte anos; assim, afirmava que “[...]

em cada aldeia, à medida que se desenvolver a emulação comunista, à medida que

a juventude demonstrar que sabe unir seu trabalho, à medida que isso ocorrer,

estará assegurado o êxito da construção comunista” (LÊNIN, 2005, p. 28).

Assim como em toda sua obra, os escritos de Vigotski sobre emoções

passaram por muitas mudanças ao longo de sua carreira. Na década de 1920,

chegando na área da psicologia e, ainda, muito influenciado pela reflexologia que

dominava a psicologia soviética da época, Vigotski produziu seus primeiros textos

que tratavam das emoções. Algumas ideias foram apresentadas em seu livro

Psicologia da Arte, de 1925, e no capítulo: Educação no comportamento emocional,

em seu livro Psicologia Pedagógica, de 19246.

Nos anos posteriores, Vigotski partiu para uma fase experimental, que serviu

como base para seus estudos posteriores e foi muito importante para a radical

mudança epistemológica em sua obra. Analisando as produções existentes na

6 O livro “Psicologia Pedagógica” costuma ser datado como sendo de 1926, data de sua primeira publicação, mas o livro já estava pronto em 1924, quando uma editora estatal soviética rejeitou sua publicação.

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psicologia até então e buscando produzir uma psicologia para o novo homem,

Vigotski ampliou seus estudos sobre a teoria das emoções agregando muitos

estudos teóricos, experimentais e clínicos de diversas áreas como a psicologia,

neurologia, fisiologia, filosofia, antropologia, teatro, que resultaram em diversas

publicações sobre o tema e culminando em seu livro Teoría de las emociones:

Estudio histórico-psicológico7, escrito entre os anos de 1931 e 1933.

Essas produções serão brevemente apresentadas na sequência, enunciando

algumas das principais ideias apresentadas pelo autor.

3.2.1. PRIMEIRAS DEFINIÇÕES

Em seu texto A educação no comportamento emocional, de 1924, Vigotski

afirmava que a teoria das emoções e sentimentos era o tema com menor elaboração

na psicologia e justificava isto com o fato de ser um dos mais difíceis aspectos do

comportamento a se estudar, descrever e classificar. E que, no entanto, apesar das

dificuldades, a velha psicologia conseguira deixar alguns bons pontos de vista sobre

a natureza das reações emocionais.

Um desses pontos de vista foram os estudos de James8 e Lange9,

pesquisadores que de forma independente chegaram a conclusões semelhantes,

respectivamente nos anos de 1884 e 1885, fato que chamou a atenção de Vigotski, 7 Esse livro é a publicação de um manuscrito inacabado, escrito entre os anos de 1931 e 1933. Diferentes partes desse manuscrito foram publicadas com diversos títulos. Recomenda-se, também, o confronto dessa edição espanhola com a edição em inglês, publicada no Volume 6 das Obras Escolhidas, intitulada The teaching about emotions, que contém as notas originais de rodapé, não presentes no livro da edição espanhola. 8 William James (1842-1910), psicólogo estadunidense. 9 Carl G. Lange (1834-1900), anatomista dinamarquês.

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que utilizou uma expressão de Goethe para explicar o fenômeno, “certas ideias

amadurecem em determinadas épocas à semelhança dos frutos que caem

simultaneamente em diferentes hortas” (VIGOTSKY, 2010, p. 5. tradução nossa).

Seus estudos, que ficaram conhecidos como teoria organicista ou “Teoria James-

Lange”, tiveram muita repercussão e influência nas ciências da época e perduraram

como base do estudo das emoções por muitas décadas.

Essa teoria afirmava que o senso comum e a psicologia existente distinguiam

três momentos dos sentimentos:

O primeiro – A – é a percepção de algum objeto ou acontecimento ou uma noção dele (o encontro com um bandido, a lembrança da morte de uma pessoa querida, etc); B – um sentimento provocado por essa percepção (medo, tristeza); C – expressões corporais desse sentimento (tremor, lágrimas). (VIGOTSKI, 2004, pp. 127-128)

E as expressões corporais que acompanham o sentimento eram de três

tipos:

O primeiro é o grupo dos movimentos mímicos e pantomímicos, das contrações especiais dos músculos, principalmente dos olhos, da boca, das maçãs do rosto, das mãos. É uma classe de reações-emoções motoras. O segundo grupo é formados pelas reações somáticas, ou seja, pelas mudanças de atividade de alguns órgãos relacionados com as mais importantes funções vitais do organismo: a respiração, os batimentos cardíacos e a circulação sanguínea. O terceiro grupo é formado pelas reações secretórias, por essas ou aquelas secreções de ordem externa e interna: lágrimas, suor, salivação, secreção interna das glândulas sexuais, etc. É desses três grupos que se forma a habitual expressão corporal de qualquer sentimento. (VIGOTSKI, 2004, p. 128. grifos nossos)

Pelas teorias da época, o fluxo das emoções acontecia na sequência ABC

(percepção – sentimento – expressão); no entanto, James propõe que o correto

fluxo fosse ACB, ou seja, percepção, expressão e, então, sentimento. As mudanças

corporais são suscitadas por reflexos e o sentimento é um movimento secundário. O

que antes era causa é agora efeito e o efeito se revela como causa:

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Costuma-se dizer: choramos porque estamos amargurados, batemos porque estamos irritados, trememos porque estamos com medo. Seria mais correto dizer: estamos amargurados porque choramos; estamos irritados porque batemos; estamos assustados porque trememos. (JAMES, apud VIGOTSKI, 2004, p. 129)

Para comprovar sua tese, James propõe que ao nos levantarmos de manhã

assumamos expressões de melancolia, que falemos com voz deprimida, suspiremos

com mais frequência, andemos curvados e que, ao anoitecer, seremos tomados de

uma grande tristeza. Ou, de forma inversa, que combatendo as expressões

corporais faremos desaparecer as emoções.

Um psicólogo conta que sempre que tinha acesso de raiva esticava a mão e abria os dedos. Isso paralisava invariavelmente a raiva porque é impossível ter raiva com a mão aberta já que raiva significa punhos cerrados e lábios crispados. (VIGOTSKI, 2004, p. 130)

Vigotski afirma, então, concordando com James, que a emoção é um “sistema

de reações relacionado de modo reflexo a esses ou aqueles estímulos” (VIGOTSKI,

2004, p. 131). Todo esse sistema demonstrava o caráter subjetivo dos sentimentos

(momento B), uma vez que após a percepção (A) e a expressão (C), o corpo exerce

uma percepção de segunda ordem, uma nova representação da primeira percepção.

O que o indivíduo realmente experimenta (B) e o que outro indivíduo é capaz de

observar (C) são dois processos diferentes.

Vigotski continua seu texto mostrando as diferenças das naturezas biológicas

e psicológicas das emoções. Aponta a opinião de muitos de sua época, para quem

biologicamente as emoções são órgãos rudimentares que estão condenados à

extinção, mas afirma que essa concepção é falsa. Concorda, no entanto, com o fato

de que quanto maior o grau evolutivo da espécie, menor é sua expressão das

emoções. O medo (uma fuga inibida) e a cólera (uma briga inibida), duas emoções

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elementares, eram muito mais fortes e expressivas em um cão do que no homem

selvagem, e que são muito mais nítidas em crianças do que nos adultos.

Não concordando com a teoria da extinção das emoções, Vigotski apresenta

a ideia de que as emoções ajudam a diversificar e complexificar o comportamento,

Um comportamento emocionalmente colorido adquire um caráter inteiramente diverso do comportamento insípido. As mesmas palavras, porém pronunciadas com sentimento, agem sobre nós de modo diferente daquelas pronunciadas sem vida. (VIGOTSKI, 2004, p. 135)

Para Vigotski, todas as emoções são um chamado à ação ou uma renúncia a

ela; dessa forma, as emoções servem como ajuda na organização interna do

comportamento, preparando o corpo por meio de suas reações de excitação,

estimulação ou inibição. O centro de todas essas emoções, concordando com

Lange, é o coração,

Se lembrarmos que a respiração e o sangue determinam o desenrolar de absolutamente todos os processos, em todos os órgãos e tecidos, compreenderemos por que as reações do coração podem exercer o papel de organizadores internos do comportamento. (VIGOTSKI, 2004, pp. 139-140)

Nesse período de sua produção, Vigotski, concordando com a teoria de

James e Lange, formulou orientações para a educação dos sentimentos como, por

exemplo, que as emoções devem ser trabalhadas no processo educativo, que uma

educação que prioriza a lógica e a intelectualidade, em detrimento das emoções,

esteriliza e insensibiliza emocionalmente os indivíduos, transformando-os em

pequenos burgueses que levam uma vida ‘sem cor’, sem emoções e sentimentos.

A completa ausência de sentimento que se tornou traço obrigatório de todos aqueles que passaram por essa educação. No homem atual tudo está tão automatizado, as suas impressões singulares se fundiram de tal modo a conceitos que a vida transcorre pacificamente, essa vida desprovida de alegria e tristeza, sem nítidos abalos mas sem grandes alegrias, cria a base para aquele pequeno calibre dos sentimentos que na linguagem literária russa há muito

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tempo recebeu a denominação de sentimento pequeno-burguês. (VIGOTSKI, 2004, pp. 143-144)

Portanto, os professores não devem fazer com que os alunos apenas pensem

e assimilem o conteúdo, mas que também os sintam, pois quanto maior a vinculação

emocional com o conteúdo, melhor a retenção na memória sobre ele.

Nenhuma pregação moral educa tanto quanto uma dor viva, um sentimento vivo, e neste sentido o aparelho das emoções é uma espécie de instrumento especialmente adaptado e delicado através do qual é mais fácil influenciar o comportamento (VIGOTSKI, 2004, p. 143).

Vigotski afirmava que os indivíduos deveriam dominar suas emoções,

dominando suas expressões, e que esse processo não era de repressão das

emoções, mas de uma subordinação orientada a um fim.

3.2.2. DEFINIÇÕES POSTERIORES

Após um intervalo de cinco anos, quando o estudo sobre as emoções foi

colocado em um segundo plano, Vigotski voltou a tratar do assunto quando já tinha

uma nova elaboração sobre psicologia, que fica nítida em seus escritos sobre

emoções, principalmente em relação à teoria de James e Lange, a qual passou a

negar contundentemente.

Uma das principais mudanças do período refere-se à quantidade de autores

que Vigotski traz em sua revisão. Se em um primeiro momento apenas citara James

e Lange, grandes estudiosos das emoções à época, agora trazia para sua

discussão, como é frequente em sua obra, uma exaustiva revisão das produções

sobre emoção na ciência e na filosofia.

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Nessa revisão, o autor demonstra o predomínio de um puro naturalismo –

“que era totalmente alheio aos demais capítulos da psicologia” (VIGOTSKI, 1998, p.

79). – não ocorria em outros na teoria das emoções, inclusive em psicologias

introspectivas e espiritualistas, e afirma que essa tradição vinha como resultado da

força das explicações de Charles Darwin, que retirou os sentimentos do interior da

alma humana ao explicar que emoções e sentimentos eram parte da evolução das

espécies.

Seguindo essa trilha, a psicologia inglesa, de forte tradição religiosa, utilizou

essa explicação para provar que “as paixões terrenas do homem, suas inclinações

egoístas, suas emoções, relacionadas com as preocupações concernentes ao seu

próprio corpo são, na verdade, de origem animal” (VIGOTSKI, 1998, p. 80). Decorre

desse período a Teoria dos Rudimentos de Spencer10 e Ribot11 que afirmavam que a

expressão das emoções nos homens são restos rudimentares das expressões

animais. As emoções, afirma Ribot, seriam ‘ciganos de nossa psique’, uma ‘tribo

agonizante’ que estava em uma curva evolutiva descendente, caminhando para a

extinção, “a gloriosa história da morte de todo um setor da vida psíquica”

(VIGOTSKI, 1998, p. 82).

Na sequência, Vigotski apresenta a teoria de James e Lange, já sem

concordar com ela, mas reconhecendo a importância da teoria ao mostrar que

tentaram encontrar a fonte das emoções no próprio organismo humano – para

James os órgãos internos como o estômago e coração e para Lange o sistema

vasomotor – para poder derrubar a ideia de progressiva extinção das emoções.

10 Herbert Spencer (1820-1903). Filósofo e sociólogo inglês. Considerado como um dos fundadores do positivsmo. 11 Théodule Ribot (1839-1916). Psicólogo francês.

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Por conta dessas afirmações e do sistema reflexo de emoções que James e

Lange haviam proposto foram acusados de formularem uma teoria materialista

reduzida aos reflexos.

Crítica refutada pelo próprio James que alegou não ser um materialista e que,

apesar de sua teoria apontar o corpo como sede das emoções, dividiu as emoções

em duas categorias, as inferiores, de valor fisiológico, como ira, desespero, fúria,

que foram herdadas dos animais, e as emoções superiores, mais sutis e espirituais,

como o sentimento religioso, o amor, a sensação estética, que não podem ser

explicadas da mesma forma. Dessa forma, afirma Vigotski (1998, p. 84), “James

procura dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”.

O verdadeiro valor da teoria de James e Lange residiu, segundo Vigotski, no

fato que ela, retirou o caráter de ‘tribo agonizante’ do psiquismo, e também abriu

caminho para uma série de investigações empíricas e clínicas sobre as emoções.

Ao comparar o que James disse sobre isso com o que sabemos agora, pode-se ver realmente o enorme e frutífero caminho que James e Lange abriram para as pesquisas empíricas. Nisso consiste seu extraordinário mérito histórico. (VIGOTSKI, 1998, p. 88)

Um desses experimentadores foi Cannon12, aluno de James, que iniciou seus

experimentos para poder comprovar a teoria organicista, mas acabou por refutá-las.

Em experimentos com cães, gatos e outros mamíferos observou mudanças

humorais profundas, relacionadas com glândulas de secreção interna, sendo que

tais mudanças afetavam profundamente todo o sistema visceral. Tal descoberta

parecia corroborar a ideia de James de que as emoções aconteciam nas vísceras,

mas Cannon descreveu diversas emoções, muito diferentes e até contrárias entre si

12 Walter Cannon (1871-1945). Fisiologista estadunidente.

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de um ponto de vista psicológico, com uma mesma expressão orgânica, negando

uma conexão simples e direta entre emoção e sua expressão corporal.

Cannon nega, baseando-se em seus dados experimentais, a conexão simples existente entre a emoção e sua expressão corporal: mostra que esta não é específica da natureza psíquica das emoções; o eletrocardiograma, as mudanças humorais e viscerais, a análise química, a análise de sangue dos animais não permitem estabelecer se o animal experimenta terror ou está furioso; em emoções diametralmente opostas do ponto de vista psicológico, as mudanças corporais são iguais. (VIGOTSKI, 1998, p. 89)

Dando um passo à frente em seus estudos, Cannon realizou uma série de

experimentos nos quais cirurgicamente retirava o sistema nervoso simpático de

gatos, que continuaram a exibir as mesmas expressões corporais de emoções,

mesmo que, agora, sem a capacidade de qualquer reação de caráter fisiológico.

Assim, Cannon demonstrou a presença de estados emocionais sem a sua

correspondente reação vegetativa. Na tentativa de uma demonstração

experimentalmente positiva, Cannon aplicou, em humanos, injeções com

substâncias capazes de produzir fortes mudanças orgânicas análogas às

observadas em fortes emoções. Nesses experimentos ocorreram as variações de

açúcar no sangue, variações de frequências respiratórias e cardiovasculares, mas

que não suscitaram nenhum estado emocional nos indivíduos.

Rejeitando totalmente a teoria organicista, Cannon afirmou que a expressão

emocional não é o fim, mas o início de uma ação que é vital para o organismo,

preparando o corpo para o que porventura se seguirá. Em uma situação de perigo,

as reações corporais preparam o corpo para uma possível luta ou fuga. Afirma,

ainda, que os gatos com sistema nervoso simpático retirados apresentariam a

expressão emocional, mas na natureza logo morreriam, pois seus corpos não

estariam preparados para uma luta ou fuga.

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Nas condições do laboratório, diz Cannon, a gata que carece de sintomas fisiológicos de emoções se comporta da mesma maneira que a que os apresente. Mas isso só acontece nas circunstâncias de um laboratório experimental, onde a questão se limita a mudanças isoladas; numa situação natural, uma gata que carecesse desses sintomas morreria antes de uma que não carecesse deles. Se a gata tivesse medo e, além disso, tivesse de fugir, é claro que o animal cujos processos viscerais não organizaram, não mobilizaram o organismo para a fuga morreria antes do outro. (VIGOTSKI, 1998, p. 93)

Esses estudos mostraram um novo deslocamento do entendimento das

emoções, agora da periferia do corpo para o centro, “o papel das emoções na

psique humana é outro; isolam-se cada vez mais do reino dos instintos e se

deslocam para um plano totalmente novo” (VIGOTSKI, 1998, p. 94). Os processos

emocionais não mais estavam em órgãos vegetativos, nem à parte da psique, mas

eram constituídos por um processo que fosse capaz de regular todos estes, um

mecanismo cerebral.

Vigotski ainda se mostrava metodologicamente cauteloso em refutar de vez a

teoria de James e Lange e procurou nos estudos clínicos novos dados que

pudessem dar fim à polêmica. Assim como imaginara James, que havia dito em suas

primeiras publicações que se algum dia alguém poderia confirmar ou refutar sua

teoria, com certeza seriam os estudos clínicos que o fariam, por serem os únicos

capazes de possuírem os dados necessários (VIGOTSKY, 2010).

Baseado em relatos e estudos clínicos de Head13, Dana14, Wilson15 e outros,

Vigotski apresentou casos de lesões cerebrais, de patologias e de outros problemas

neurológicos de indivíduos que sentiam e expressavam de forma muito mais intensa

emoções em apenas um lado do corpo; casos de pacientes que tinham ausência de

13 Henry Head (1861-1940). Fisiologia e neurologista inglês. 14 Charles Dana (1852-1935). Médico e neurologista estadunidense. 15 Samuel A. Wilson (1878-1937). Neurologista inglês, especialista em afasias.

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movimentos expressivos no rosto; pacientes que sentiam profunda tristeza, mas riam

e pacientes felizes que choravam, até casos de tetraplegia que nada afetava a

vivência emocional dos indivíduos, apesar destes não terem nenhuma reação

corporal. Todos esses estudos puderam definitivamente deslocar as emoções para o

cérebro, conferindo um lugar de destaque das emoções na vida psíquica dos

indivíduos. Colocou, assim, um ponto final em toda a refutação da teoria organicista

das emoções.

Ainda dentro dos estudos clínicos, Vigotski confere mérito para Freud16, por

ter conferido uma dinâmica de desenvolvimento das emoções.

As emoções não foram sempre o que são agora, que em diversos momentos, nas etapas precoces do desenvolvimento infantil, foram distintas das do homem adulto. Demonstrou que não são “um estado dentro de outro” e que só podem ser compreendidas no contexto de toda a dinâmica da vida humana. (VIGOTSKI, 1998, p. 96)

Trazendo-as ainda mais para o centro da vida psíquica, Adler17 confere às

emoções o estatuto de ser um dos determinantes na formação do caráter, deixando

cada vez mais para trás a ideia de “tribo agonizante” para fazer parte dos processos

de organização e formação da estrutura psicológica fundamental da personalidade.

Outra importante contribuição para os estudos de Vigotski foram as análises

de Claparède18, que confrontaram interpretações naturalistas que consideravam as

emoções apenas como mecanismos biologicamente úteis e que não conseguiam

responder por que algumas emoções eram fontes de perturbação, como quando

estamos preocupados com algo e não conseguimos pensar de forma organizada ou

16 Sigmund Freud (1856-1939). Médico austríaco, fundador da psicanálise. 17 Alfred Adler (1870-1937). Médio austríaco, seguidor de Freud, que abandonou a psicanálise e fundou a psicologia do desenvolvimento individual. 18 Édouard Claparède (1873-1940). Neurologista suíço e psicólogo do desenvolvimento infantil.

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controlar os próprios atos. Na busca dessa resposta, Claparède inverte a pergunta,

questionando:

Se o significado funcional mais importante das emoções se reduz a sua utilidade biológica, como explicar que o mundo das emoções humanas, que se diversificam cada vez mais a cada novo passo dado pelo homem no seu desenvolvimento histórico, produz não só alterações na vida psíquica a que se refere Freud, mas toda a diversidade de conteúdo da vida psíquica do homem (que se manifesta pelo menos na arte)? Por que cada passo do desenvolvimento humano provoca a atuação desses processos “biológicos”, por que as vivências intelectuais do homem se refletem em forma de fortes sensações emocionais, por que, finalmente, diz Claparède, cada guinada importante no destino da criança e do homem está tão impregnada de elementos emocionais? (VIGOTSKI, 1998, p. 101)

A resposta está em processos que Claparède chama de sentimentos, que

surgem quando as reações biológicas não dão conta da realidade. Emoções e

sentimentos são, portanto, processos distintos quanto a sua natureza psicológica.

Com a devida importância, também devem ser considerados os

apontamentos de Lewin19, que experimentalmente mostrou a dinâmica de reações

emocionais, mostrando como um estado emocional pode se transformar em outro,

como uma emoção não resolvida pode continuar existindo ocultamente. Sua ideia

principal era a de que as emoções não poderiam aparecer isoladas na vida psíquica,

pois todas elas são resultados de uma estrutura concreta do processo psíquico,

resultando das mais diversas e possíveis situações de nossa vida.

3.2.3. UMA TEORIA VIGOTSKIANA DAS EMOÇÕES

19 Kurt Lewin (1890-1947). Psicólogo alemão

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É difícil a tarefa de definir qual é o conceito de emoção na obra de Vigotski20,

uma vez que o autor nunca chegou de fato a propor uma teoria das emoções. Suas

contribuições ficaram distribuídas em suas obras na medida em que fazia sua leitura

crítica, como indica Toassa (2009, p. 29): em “sua análise das psicologias

particulares das emoções [...] o autor aponta-lhes os problemas, e, ainda que de

modo esparso, tece considerações para sua superação”. No entanto, é possível tirar

algumas conclusões que podem ajudar na discussão sobre o medo proposta neste

trabalho.

As investigações de Vigotski deixam claro o deslocamento do centro das

emoções em nossa vida. As emoções agora não mais eram ‘princípios invisíveis do

movimento’ da alma, nem mais resquícios da evolução. O que fora paixão do

espírito tornou-se reação visceral e, então, finalmente repousou no sistema nervoso

central do organismo humano. Além disso, as emoções passaram para o primeiro

plano da psique humana, não mais consideradas como uma tribo agonizante do

psiquismo, sendo incorporadas à estrutura dos demais processos psíquicos.

De acordo com Toassa (2009), a partir de 1932 o autor define as emoções

como uma função psicológica superior, que transita da “imediatidade das condutas

herdadas à regulação externa própria das relações sociais e dos meios culturais (a

princípio, externos) e, posteriormente, a regulação interna e intencional pela própria

consciência” (TOASSA, 2009, p. 287). Considerava a emoção como função que

topograficamente opera no organismo como um todo, e no sistema nervoso em

particular, com propriedades energéticas impulsivas que impelem o corpo à ação,

tem papel ativo nos processos de atividade, consciência e personalidade, com

20 Recomendamos a tese de doutoramento de Toassa (2009), que faz um estudo aprofundado dos conceitos de emoção e vivência na obra de Vigotski, e que foi utilizado como base para essa seção.

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diferentes qualidades vivenciais (intenso, vago, intelectual, angustiante), com uma

esfera cultural fundadora e, finalmente, de regulação voluntária em seu mais alto

nível de desenvolvimento.

As emoções frequentemente são postas como qualidade de outros processos

psicológicos, servindo de adjetivo como em expressões: pensamento emocional,

atitude emocional, significado emocional etc. Temos cada dimensão de nossa vida

atravessada por uma esfera afetiva, no princípio em formas instintivamente

programadas para a satisfação de necessidades urgentes, mas que se modificam

logo nos primeiros momentos de aprendizagem do bebê. Desenvolvendo-se na

relação com os outros e na apropriação da cultura, poderão operar na realidade.

Em todas as acepções, Vigotski vai contra a ideia de simples utilidade

biológica das emoções, afirmando que nem sempre elas produzem a melhor

adaptação, muitas vezes causam sofrimento quando em relações sociais adoecidas.

Além disso, são diferentes entre as pessoas. Dois indivíduos terão, certamente,

vivências emocionais diferentes em relação a um mesmo objeto.

O autor também demonstrou em seus estudos experimentais que as emoções

incluíam-se nas diversas funções psicológicas envolvidas nos processos de tomadas

de decisão e escolha.

Pode-se concluir, a partir de uma perspectiva materialista histórica e dialética,

que a emoção desenvolve-se na mediação entre indivíduo e sociedade, sendo,

portanto, uma função psicológica culturalizada, demonstrando que o indivíduo pode

ter domínio de todas as suas emoções.

Essa definição traz em seu bojo um grande potencial de emancipação do

indivíduo, colocando a possibilidade deste ser o ator de sua própria história, e não

refém de determinações biológicas ou metafísicas; liberta-o das suas amarras

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instintivas e naturais, para ser senhor de suas próprias emoções. Uma construção

teórica que talvez, por esse exato motivo, não seja compartilhada pelo paradigma

dominante da ciência, que reflete o paradigma dominante da sociedade, que nada

mais é que a ideologia da classe dominante.

É compreensível que a ideologia antidemocrática da desigualdade considere a biologia a sua ciência fundamental: somente através da justificação de uma desigualdade biologicamente insuperável entre os homens é que essa ideologia pode atribuir-se uma aparência racional. É certo que esta fundamentação biológica não tem caráter científico, sendo antes um mito, como se constata claramente já em Nietzsche: a sua ‘raça de senhores’ tem fundamentação romântica e moral. A biologia, aqui, não passa de um ornamento místico. (LUKÁCS, 2009, pp. 33-34)

3.3. SOBRE MEDO

O medo é uma complexa emoção humana, e assim como ela é de difícil

definição e nomeação. O que hoje amplamente chamamos de medo é uma emoção

que já teve e continua tendo muitos nomes. Já foram deuses e demônios com Pã,

Phobos e Pavor e hoje seus sinônimos como temor, terror, pânico, aparecem

presentes, em maior ou menor grau, em diferentes transtornos de ansiedade,

síndrome do pânico, estresse, fobias e, de acordo com Mira y López (1988),

também aparecem camuflados na timidez, escrupulosidade, pessimismo e

ceticismo.

Na tentativa de uma definição dos termos, Darwin (2000, p. 271) apresenta

uma gradação temporal e de intensidade, que se inicia com o espanto e vai se

desenvolvendo para medo, terror e finalmente pânico, o mais alto grau do medo.

O espanto é muito próximo do medo e ambos instantaneamente aguçam a

visão e a audição, a boca e os olhos se abrem e as sobrancelhas são erguidas.

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Quando com medo, o homem fica paralisado, sem respiração, o coração acelera

violentamente, mas sem conseguir funcionar melhor do que habitualmente, o que

pode ser visto na pele que se torna pálida. A sudorese aumenta, os pelos se eriçam

e os músculos tremem. Em decorrência de todas essas alterações, a respiração,

que havia sido paralisada, retorna acelerada, a boca fica seca. Com o tremor dos

músculos, em especial dos lábios e com a secura da boca a voz se torna rouca.

Se o medo continua a aumentar, se torna “a agonia do terror” (DARWIN,

2000, p. 272) e os resultados são como os do medo, mas também com resultados

diversos. O coração que há pouco disparara pode falhar. Os olhos podem saltar ou

girar de um lado para o outro incessantemente, as pupilas dilatam-se e o tremor

muscular pode transformar-se em convulsão. No pânico, o mais alto grau do medo,

“um horrível grito de terror é ouvido” (DARWIN, 2000, p. 273), enormes gotas de

suor escorrem, a capacidade mental se esgota, os músculos relaxam e os

intestinos e esfíncteres são afetados.

Tantas expressões de diferentes sistemas são o resultado de uma longa

história filogênica, na qual o homem sofreu para escapar de inimigos e perigos,

fosse lutando ou fugindo, mas o autor também traz um componente fisiológico que

explica que muitas das expressões são “consequência direta da perturbação ou

interrupção da transmissão de força nervosa do sistema cerebrospinal para as

várias partes do corpo, por ter sido a mente tão imensamente afetada” (DARWIN,

2000, p. 288).

No estudo que Vigotski fez sobre as emoções, muitas vezes o exemplo dado

é o medo. Em seu texto de 1924, apresenta o medo, junto da cólera, como uma das

emoções mais elementares, e explica que as alterações fisiológicas decorrentes do

medo são os vestígios de sua origem, a fuga.

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Palidez, interrupção da digestão e diarréia significam refluxo do sangue daqueles órgãos cuja atividade não apresenta no momento uma necessidade e uma importância vital de primeiro grau para o organismo e um afluxo do sangue àqueles órgãos aos quais cabe a palavra decisiva nesse momento. [...] e lança toda a força de sua alimentação aos seguimentos combativos, aqueles que salvam imediatamente do perigo. (VIGOTSKI, 2004, p. 133)

O medo é, portanto, uma “forma solidificada que surgiu do instinto de

autopreservação em sua forma defensiva” (VIGOTSKI, 2004, p. 133), é a

mobilização de todas as forças do organismo para a fuga do perigo. Ou seja, a

emoção medo e todas suas reações fisiológicas são uma fuga inibida21,

corroborando a etimologia da palavra grega para o medo, que significa fugir.

É pelo exato motivo do medo ser uma emoção tão antiga, de tão forte reação

fisiológica e selecionada pela evolução como forma de preservação da vida e da

espécie que se torna, então, de grande valor nas tentativas de ser usado como

instrumento de poder.

Vigotski, escrevendo sobre a educação dos sentimentos, afirmava que “o

mecanismo educativo consiste em certa organização do meio. Assim, a educação

dos sentimentos sempre é essencialmente uma reeducação desses sentimentos,

ou seja, uma mudança no sentido da reação emocional inata” (VIGOTSKI, 2004, p.

142).

Partindo dessa possibilidade de educar os sentimentos e de criar situações e

ambientes propícios para o desenvolvimento de certas emoções é que podemos

afirmar que o medo pode ser utilizado como instrumento de controle, desde que

condições adequadas sejam criadas:

É possível que, digamos, haja um vínculo entre o sentimento de medo e um estímulo dissociado do estímulo incondicionado de medo na experiência mas que na experiência, da criança esteja vinculado a

21 De forma análoga o autor apresenta a cólera como uma briga inibida.

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um sentimento de dor, desprazer, etc. Isso é o bastante para criar a chamada reação preventiva. [...] Se você quer que a criança nutra medo por alguma coisa, ligue a manifestação dessa coisa à dor ou ao sofrimento para o organismo que a devida dor surge por si mesma. (VIGOTSKI, 2004, p. 142-143)

Considerando as descrições fisiológicas decorrentes do medo apresentadas

não é de se espantar que essas expressões venham se transformando em

patologias cada vez mais sérias e profundas. Para Delumeau, essas reações são

“em si uma reação utilitária de legítima defesa, mas que o indivíduo, sobretudo sob

o efeito das agressões repetidas de nossa época, nem sempre emprega com

discernimento” (DELUMEAU, 1989, p. 23, grifos nossos).

E é sobre essas repetidas agressões por meio do uso do medo, nas mais

diversas esferas de relações de poder, que o próximo capítulo irá tratar.

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4. O MEDO COMO INSTRUMENTO DE PODER

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E fomos educados para o medo. Cheiramos flores de medo. Vestimos panos de medo. De medo, vermelhos rios Vadeamos.

“O medo” Carlos Drummond de Andrade

Aproximadamente no século VII a.C., o Código Deuteronômico começou a

ser escrito por homens que organizavam e sistematizavam em leis aquilo que

supostamente eram as revelações divinas que Moisés havia recebido e que todo o

povo de Israel deveria obedecer para continuar sua nova aliança com Deus. Eram

leis reveladas que não poderiam ser questionadas pelo homem e colocavam todo o

poder nas mãos dos anciãos e dos sacerdotes, fiéis depositários das leis. A

importância histórica e política desse livro e de todo o Pentateuco22 reside no fato

terem sido o guia máximo de toda uma sociedade durante muitos séculos, e que

reverberou em diversas outras e continua hoje como fundamento de muitas

tradições e, em alguns casos, como argumentos em debates legislativos de

estados laicos.

Nos livros da “Lei” o homem é ensinado a temer a Deus e suas leis.

Se alguém tiver um filho rebelde e indócil, que não obedece ao pai e à mãe e não os ouve mesmo quando o corrigem, o pai e a mãe o pegarão e levarão aos anciãos da cidade, à porta do lugar, e dirão aos anciãos da cidade: ‘Este nosso filho é rebelde e indócil, não nos obedece, é devasso e beberrão’. E todos os homens da cidade o apedrejarão até que morra. Deste modo extirparás o mal do teu meio, e todo Israel ouvirá e ficará com medo. (BÍBLIA, 2002a, p. 284. grifos nossos)

Suscitando a lei de Talião, o texto sugere em casos de ser calúnia ou falsas

acusações que a vítima aja conforme o caluniador maquinava “para que os outros

ouçam, fiquem com medo, e nunca mais tornem a praticar semelhante mal no meio

22 Pentateuco é o nome dado aos cinco primeiros livros da Bíblia, que os judeus denominam de ‘Lei’, ou Torá. O Deuteronômio é o quinto deles e significa ‘a segunda lei’ (Bíblia, 2002b).

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de ti que o teu olho não tenha piedade. Vida por vida, olho por olho, dente por

dente, mão por mão, pé por pé” (BÍBLIA, 2002c, p. 282). E tudo isto não era senão

a extensão do temor inicial que o homem deveria ter a Deus. As leis e

ensinamentos sempre relembravam ao homem “para que aprendas continuamente

a temer Iahweh teu Deus” (BÍBLIA, 2002d, p. 277).

Muitos séculos se passaram e o medo continuou na ordem do dia para

aqueles que governam. Ao Príncipe “é muito mais seguro ser temido do que

amado”, aconselhava Maquiavel (1513/1999, p. 106), “pois o amor (...) rompe-se

sempre que lhes aprouver, enquanto o medo que se incute é alimentado pelo terror

do castigo, sentimento que nunca se abandona”23. O medo, essa emoção

fundamental para a sobrevivência dos animais e da espécie humana, foi

considerado por Maquiavel, no século XVI, em obra destinada aos reis absolutistas,

como um dos elementos de exercício do poder; tese esta que, no período, não era

exclusiva de Maquiavel. Em 1510, Symphorien Champier, médico e nobre,

escreveu: “O Senhor deve tirar prazer e delícia das coisas em que seus homens

têm sofrimento e trabalho, [seu papel é o de] manter terra, pois pelo pavor que os

homens do povo têm dos cavaleiros eles trabalham e cultivam as terras por pavor e

medo de serem destruídos” (DELUMEAU, 1989, p. 15).

Seguindo tais orientações, a colonização portuguesa no Brasil utilizou-se do

medo de violentos castigos a quem não os obedecesse, como estratégia de

dominação. De acordo com Manuel da Nóbrega, chefe da primeira missão jesuítica

nas Américas, o medo era o que marcava as relações dos nativos com o poder

português. Tais observações levaram Manuel da Nóbrega e as missões jesuíticas

23 Richard Nixon, ex-presidente dos Estados Unidos da América, também tomou esse ensinamento como estratégia política ao afirmar: “A pessoas reagem ao medo, não ao amor. Eles não ensinam isso na catequese, mas é a realidade” (GLASSNER, 2003, p. 39).

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a, também, utilizarem o medo como método para a cristianização (MASSIMI,

MIRANDA, 2001), fato que é confirmado por uma sequência de cartas, ao longo de

oito anos, nas quais Manuel da Nóbrega se convence da eficácia do uso do medo.

[os índios] estão espantados de ver a magestade com que entramos e estamos, e temem-nos muito, o que também ajuda. (NÓBREGA em carta de 1549, apud MASSIMI, MIRANDA, 2001, p. 47)

[os índios] talvez por medo se convertam mais depressa do que o fazem por amor. (NÓBREGA em carta de 6 de janeiro de 1550, apud MASSIMI, MIRANDA, 2001, p. 48)

Assim por experiência vemos que por amor é muito difficultosa a sua conversão, mas como é gente servil por medo fazem tudo, e posto que nos grandes por não concorrer sua livre vontade, presumimos que não tenhão fé no coração, os filhos creados nisto ficarão firmes cristãos, porque é gente que por costume e criação com sujeição farão della o que quizerem, o que não será possível com razões nem argumentos. (NÓBREGA em carta de 1557, apud MASSIMI, MIRANDA, 2001, p. 48)

Essa visão utilitarista do medo pela Companhia de Jesus já vinha, também,

de sua origem aristotélica, uma vez que em sua obra Retórica, Aristóteles dizia que

o medo é uma paixão suscitada pela imaginação de um mal vindouro que seja capaz

de causar destruição ou dor, e a condição para que experimentemos o medo é que

estes males pareçam iminentes (MASSIMI, MIRANDA, 2001).

Um pouco mais para frente no tempo, já em nossa história moderna, em

1919, Winston Churchill, quando presidia a British Air Council, afirmou: “não consigo

entender tantos melindres sobre o uso do gás. Estou muito a favor do uso do gás

venenoso contra as tribos incivilizadas. Isso teria um bom efeito moral e difundiria

um terror perdurável” (GALEANO, 2012, p. 38, grifos nossos).

O temor a Deus no Pentateuco do século VII a.C., as orientações de

Maquiavel, os relatos jesuíticos do século XVI e a afirmação de Churchill no século

XX são apenas quatro exemplos do uso do medo como instrumento de poder, outros

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tantos poderiam ser enumerados, mas estes poucos exemplos têm um significado

importante por pertencerem a diferentes aspectos da vida social em diferentes

períodos de tempo. O primeiro tinha caráter oficial, de legislação, o texto de

Maquiavel foi como uma cartilha para as monarquias do período e a afirmação de

Churchill soa como um desabafo de um líder militar que não pôde utilizar todo seu

arsenal, seja este bélico ou, como o próprio admite, de força moral.

Os exemplos políticos e militares trazem de forma muito elaborada o uso do

medo; no entanto, também é possível seu uso em situações cotidianas, como em

nossas relações pessoais com outras pessoas, nas práticas educativas e no mundo

do trabalho etc.

Em uma tentativa de ensinar aos pequenos indígenas os perigos de sair à

noite pela mata, Mundukuru (2010) afirma que tribos indígenas criavam históricas

míticas nas quais entes mágicos das florestas arrancavam os olhos dos que

desafiavam a noite. Tais histórias, permeadas pelo medo, tinham a dupla função de

preservar a sobrevivência da tribo e educar os mais jovens.

Contudo é um equívoco pensar que somente no passado a humanidade

recorreu a personagens míticos para transmitir ensinamentos por meio do medo.

Hoje em dia ainda é comum ouvir adultos recomendarem que as crianças se

comportem adequadamente, caso contrário poderão ser visitadas pelo ‘bicho-papão’

ou pelo ‘boi da cara preta’. Os perigos dos mares também são ainda representados

na figura da Iara e outras sereias. Ou ainda em forma de cantigas para ninar, em

que os cuidadores alertam para que as crianças durmam rapidamente, já que a

‘Cuca vem pegar’.

Além dos personagens míticos, existem os reais personagens do medo.

Crianças não devem brincar sozinhas na rua, não por conta dos reais perigos que

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isso possa representar, mas pelo temor que o personagens do imaginário popular

como o ‘homem do saco’ passe e as leve. E nas escolas, dentro das salas de aula o

silêncio é barganhado com ameaças de suspensão ou de possíveis visitas à

diretoria. Em ambientes públicos, a criança não pode nunca fazer algo proibido, pois

sempre o ‘moço está olhando’.

Esse uso do medo como punição ou ameaça é o que Sidman descreveu

como coerção, o “uso da punição e da ameaça de punição para conseguir que os

outros ajam como nós gostaríamos e à nossa pratica de recompensar pessoas

deixando-as escapar de nossas punições e ameaças” (SIDMAN, 2001, p. 17).

O artifício usado pelos primeiros agrupamentos humanos pode ter começado,

talvez, de forma ingênua, para orientar os mais jovens sobre os perigos existentes.

Mas, uma vez inculcado no imaginário das pessoas, o que antes teve função de

preservação passou a ter função pedagógica de controle. A função pedagógica

incorporou o controle como uma de suas partes; o controle, antes meio para a ação

pedagógica, tornou-se fim desta ação.

Estava provado pelas relações do cotidiano que o medo funcionava e muito

bem. E tal como os agrupamentos sociais foram paulatinamente se transformando

em estado e a propriedade coletiva se transformando em propriedade privada, o

conhecimento comum a todos também tornou-se propriedade da nascente classe

dominante. Consequentemente, também sua produção e transmissão, resultando na

apropriação do que uma vez fora conhecimento de todos compartilhado para defesa

do coletivo, em conhecimento utilizado para controle e dominação, a serviço dos

interesses de poucos.

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4.1. A CULTURA DO MEDO

Assaltantes fazem arrastão em restaurante em Pinheiros. Tentativa de execução – Empresário baleado no Itaim-Bibi. Tiroteio em shopping deixa três baleados. Sequestro acaba após 22 km de perseguição. (BERGAMASCO, 2012, p. 28-31)

Os trechos acima são títulos de reportagens de jornais que foram

apresentados na matéria “Somos todos reféns”, da edição especial “Os retratos do

medo” da Revista Veja São Paulo. Nessa reportagem recheada de números e

estatísticas o que predomina é a mensagem de que ninguém está seguro,

principalmente os moradores de grandes cidades como São Paulo.

Levantamento exclusivo mostra que 71% dos entrevistados se sentem amedrontados por viver numa cidade onde ocorrem seis assaltos por dia a residências, um roubo ou furto de carro a cada seis minutos e o dobro de homicídios de Nova York (BERGAMASCO, 2012, p. 28).

A constante veiculação de informações possivelmente amedrontadoras é uma

forma de manter a população distraída e assustada, tornando-a potencialmente mais

distante da possibilidade de reflexões mais aprofundadas sobre as causas dos

problemas sociais que enfrentamos. “O maior problema da cultura do medo é que as

pessoas ficam níveis mais altos de ansiedade, que atrapalham seu sono, seu

raciocínio ou mesmo seu envolvimento na comunidade”. (GLASSNER apud

COELHO, 2011). O sociólogo estadunidense Barry Glassner defende em seu livro,

Cultura do Medo (2003), que a população dos Estados Unidos da América teme

cada vez mais o que deveria temer cada vez menos. Ao longo dos capítulos

apresenta dados que demonstram as repetidas agressões a que somos submetidos

por meio de uma superveiculação de notícias alarmantes, como no caso da redução

de 20% do números de homicídios cometidos entre os anos de 1990 e 1998 em seu

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país, mas com um aumento de 600% de histórias sobre assassinatos nos noticiários

das redes de televisão, fazendo com que o homicídio, a 11ª causa mortis do país,

recebesse aproximadamente a mesma quantidade de cobertura que recebeu a

doença cardíaca, a primeira na lista de causa mortis.

Fato similar ocorre com a cobertura sobre fatores de risco associados a

doenças graves e óbitos, no qual o consumo de drogas, considerado como o menor

fator de risco, ter tido praticamente tanta atenção quanto a falta de exercícios físicos

e adequada dieta alimentar, o segundo principal fator de risco.

Em relação à sua pergunta inicial o autor responde:

A resposta sucinta a por que os americanos cultivam tantos medos ilegítimos é a seguinte: muito poder e dinheiro estão à espera daqueles que penetram em nossas inseguranças emocionais e nos fornecem substitutos simbólicos. (GLASSNER, 2003, p. 40)

É, por exemplo, nas guerras que muito poder e dinheiro estão em jogo e

nesses momentos decisões políticas arbitrárias podem ser amplamente apoiadas

por uma população amedrontada. Nessa situação, o povo pode concordar com

ações que em primeiro plano parecem resolver a situação, mas que se fossem

analisadas com rigor e amplamente discutidas seriam ações que jamais teriam apoio

popular. Assim afirma Goldstein, o inimigo do sistema e do Grande Irmão, no

romance 1984:

A consciência de estar em guerra e, portanto em perigo, faz parecer natural a entrega de todo o poder a uma pequena casta: é uma inevitável condição de sobrevivência (ORWELL, 1980, p.180).

A “Guerra contra o Terror”, liderada pelos Estados Unidos logo após os

ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, é claro exemplo dessa “consciência

de estar em guerra” e da excessiva veiculação de notícias alarmantes.

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A população dos Estados Unidos da América dificilmente aceitaria enviar

massivamente seus filhos para um conflito armado após a Guerra do Vietnã; no

entanto, concordou com a investida contra o Afeganistão em outubro de 2001 e ao

Iraque em 2003. Os ataques ocorridos no dia 11 de setembro de 2001 e a ameaça

de novos ataques, como a ameaça de contaminação biológica do Antraz24 ou armas

de destruição em massa de Saddam Hussein, criaram um medo generalizado na

população estadunidense, que correu aos mercados para comprar provisões e

equipamentos de sobrevivência, preparando-se para a possibilidade de novos

ataques.

Nas palavras de um congressista estadunidense, o psiquiatra Jim McDermott,

é possível conseguir que uma população faça qualquer coisa quando amedrontada.

O medo funciona sim. Você pode fazer com que o povo faça qualquer coisa quando estão com medo, e você os faz temer criando uma aura de infinita ameaça. O governo tem brincado conosco, eles sobem o alerta para o nível laranja e depois para o nível vermelho e, em seguida descem para o laranja novamente. [...] O povo americano vem sendo tratado assim, é realmente engenhoso e desagradável o que tem sido feito. Na minha opinião isso irá continuar enquanto essa administração estiver no comando... De tempos em tempos estimularão todos a sentirem medo, ‘no caso de terem se esquecido’. Não chegará nunca verde ou azul25, não chegará nunca. (McDermott, 2004)26

Dez anos se passaram, o medo das armas iraquianas de destruição em

massa, que não existiam, diminuiu; os inimigos Osama Bin Laden27,

24 Arma biológica que surgiu como ameaça após os ataques de 11 de setembro. Na época, a mídia noticiou que muitas pessoas poderiam estar recebendo essa bactéria em pó em suas correspondências, criando um pânico generalizado. 25 O congressista se refere a um painel, que estabelece o nível perigo de novos ataques terroristas, e que possui as seguintes gradações: Verde – Baixo (baixo risco de ataque terrorista), Azul – Atenção (algum risco de ataque), Amarelo – Elevado (significante risco de ataque), Laranja – Alto (alto risco de ataque) e Vermelho – Severo (severo risco de ataque). 26 Depoimento, transcrito e traduzido pelo autor, concedido no filme Fahrenheit 9/11 (2004). 27 No dia 2 de maio de 2011, após a ação militar denominada ‘Operação Gerônimo’, o presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, em declaração oficial anunciou

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responsabilizado pelos ataques de 11 de setembro, e Saddam Hussein (ambos

anteriormente armados e treinados pelos Estados Unidos) foram mortos e os

Estados Unidos ampliaram seu império direto de forma efetiva em mais dois países,

à custa de milhares de vidas.

Nesse período, os Estados Unidos com sua força política e bélica

promoveram no mundo inteiro uma atualização da Pax romana, impondo que países

de todo o mundo se posicionassem a favor da “Guerra contra o Terror”, caso

contrário seriam declarados inimigos do desenvolvimento da paz mundial e, então,

caçados como terroristas.

Outra demonstração do medo como condutor de grandes decisões políticas é

o que acontece nas periferias das grandes cidades brasileiras, como políticas de

segurança baseadas no uso ostensivo do aparato militar e repressor do Estado

como as Unidades de Polícia Pacificadoras – UPP no Rio de Janeiro. A socióloga

Vera Malaguti Batista (2003), afirma que a favela de hoje representa no ideário da

classe dominante o que o quilombo era no século XIX,

No Brasil a difusão do medo do caos e da desordem tem sempre servido para detonar estratégias de neutralização e disciplinamento planejado das massas empobrecidas. O ordenamento introduzido pela escravidão na formação sócio-econômica sofre diversos abalos a qualquer ameaça de insurreição. O fim da escravidão a implantação da República (fenômenos quase concomitantes) não romperam jamais aquele ordenamento. Nem do ponto de vista sócio-econômico, nem do cultural. Daí as consecutivas ondas de medo da rebelião negra, da descida dos morros. Elas são necessárias para a implantação de políticas de lei e ordem. A massa negra, escrava ou liberta, se transforma num gigantesco Zumbi que assombra a civilização; dos quilombos ao arrastão nas praias cariocas (BATISTA, 2003, p. 21).

que a “justiça foi feita, [...] os Estados Unidos realizaram uma operação que matou Osama Bin Laden, o líder da Al Qaeda e terrorista responsável pelo assassinato de milhares de homens, mulheres e crianças inocentes” (SCHELP, 2011, p. 124).

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Saindo da esfera de políticas de Estado, podemos buscar exemplos em

situações presentes em nosso cotidiano. Qualquer que seja a direção para onde

olhamos podemos encontrar relações sociais com indivíduos ou grupos, em

diferentes níveis de poder, que estarão permeadas por relações baseadas no medo.

Na escola, primeiro espaço organizado e sistematizado de reprodução social,

encontramos diversos exemplos. Do professor que conduz uma sala em silêncio

mediante uma ameaça de prova surpresa, ao aluno que cede seu lanche ao colega

por uma ameaça de agressão. No mundo do trabalho, espaço máximo da produção

e reprodução social, faríamos uma lista tão grande de usos do medo (e aqui também

da violência quase, se não explicita) que precisaríamos de outro estudo para tal.28

4.2. NESSE MUNDO DE MEDO

No século XVI, não se entra facilmente à noite em Augsburgo. Montaigne, que visita a cidade em 1580, maravilha-se diante da “porta falsa” que, graças a dois guardas, controla os viajantes que chegam depois do pôr-do-sol. Estes vão de encontro em primeiro lugar a uma poterna de ferro que o primeiro guarda, cujo quarto está situado a mais de cem passos dali, abre de seu alojamento graças a uma corrente de ferro que, “por um caminho muito longo e cheio de curvas”, puxa uma peça também de ferro. Passado esse obstáculo, a porta volta a fechar-se bruscamente. O visitante transpõe em seguida uma ponte coberta situada por cima de um fosso da cidade e chega a uma pequena praça onde declina sua identidade e indica o endereço onde ficará alojado em Augsburgo. O guarda, com um toque de sineta, adverte então um companheiro, que aciona uma mola situada numa galeria próxima ao seu quarto. Essa mola abre em primeiro lugar uma barreira – sempre de ferro – e depois, por intermédio de uma grande roda, comanda a ponte levadiça “sem que nada se possa perceber de todos esses movimentos: pois são conduzidos pelos pesos do muro e das portas, e subitamente tudo isso volta a fechar-se com grande ruído”. Para além da ponte levadiça abre-se uma grande porta, “muito espessa, que é de madeira e reforçada com várias grandes lâminas de ferro”. Através dela o estrangeiro tem acesso a uma sala onde se vê encerrado, só,

28 Ver trabalhos de Margarida Barreto, José Roberto Heloani e Terezinha Martins de Santos Souza sobre assédio Moral

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e sem luz. Mas uma outra porta semelhante à precedente permite-lhe entrar numa segunda sala onde, desta vez, “há luz” e lá descobre um vaso de bronze que pende de uma corrente. Ele aí deposita o dinheiro de sua passagem. O (segundo) porteiro puxa a corrente, recolhe o vaso, verifica a soma depositada pelo visitante. Se não está de acordo com a tarifa fixada, ele o deixará “de molho até o dia seguinte”. Mas, se fica satisfeito, “abre-lhe da mesma maneira mais uma grossa porta semelhante às outras, que se fecha logo que passa, e ei-lo na cidade”. Detalhe importante que completa esse dispositivo ao mesmo tempo pesado e engenhoso: sob as salas e as portas existe “um grande porão para alojar” quinhentos homens de armas com seus cavalos, no caso de qualquer eventualidade. Se for necessário, são enviados para a guerra “sem a chancela do povo da cidade” (DELUMEAU, 1989, pp. 11-12).

O excerto de Montaigne mostra a proteção de uma cidade do século XVI, em

que guardadas as devidas proporções de tecnologia e tempo são muito próximas da

realidade dos condomínios das atuais cidades. Grandes portarias com diversos

seguranças espalhados, portões duplos ou triplos para a entrada de carros,

vigilância eletrônica por todos os lados, necessidade de se identificar e identificar

seu destino, muitas vezes acompanhada da necessidade da apresentação de

documentos. E tal qual o relato, em caso de qualquer eventualidade, o uso de força

armada é enviada “sem a chancela do povo da cidade”.

Ao falar do medo, outros dois fenômenos são suscitados, a segurança e a

falta dela. Ao tratarmos do tema dentro de uma sociedade capitalista, na qual tudo

se torna mercadoria, o medo se tornou responsável pela movimentação de uma

grande indústria de trilhões de dólares que em nome da segurança não é

questionada.

Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente situação de emergência. Como em qualquer outro estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa. Todas estas restrições servem para que não sejam feitas perguntas como, por exemplo, estas: porque motivo a crise financeira não atingiu a indústria do armamento? Porque motivo se gastou, apenas no ano passado, um trilhão e meio de dólares em armamento militar? Porque razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadaffi? Porque motivo

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se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça? (COUTO, 2011)

A indústria da segurança, em nossos dias, fatura muito com os medos, seja

em contratação de força de trabalho para segurança pessoal ou na intensa produção

industrial de instrumentos de vigilância: alarmes, cercas elétricas, circuitos internos

de filmagem, armamento não-letal, monitoramento via satélite, blindagem de carros

e residências, entre tantos outros. De acordo com dados de Bergamasco (2012), na

cidade de São Paulo, desde 2008, mais de 5000 carros são blindados por ano, entre

2006 e 2010 o faturamento do setor de segurança eletrônica saltou de R$256

milhões para R$420 milhões, um aumento de 64%. Em 2011, 6122 policiais militares

foram formados pelo estudo, cerca de 3500 a mais que no ano anterior, além disso a

polícia equipou todas suas 3500 viaturas com tablets e GPS, e outros 1200

aparelhos foram distribuídos para o efetivo a pé e de moto.

Mas, sem dúvida, a mais lucrativa e de mais incessante produção, dentre

estas, é a indústria bélica, sustentada por uma proclamada necessidade de defesa –

e ataque – contra os inimigos, como afirma o escritor Mia Couto (2011), “para

fabricar armas é preciso fabricar inimigos, para produzir inimigos é imperioso

sustentar fantasmas.”29 Afirmação que é confirmada por João Verdi Carvalho Leite,

presidente da Avibrás, maior fabricante de equipamentos militares da América

Latina, “o mundo está ficando mais perigoso e isso traz perspectivas interessantes”

(BARBOSA, 2001).

De acordo com dados apresentados por Gianini (2011), no caso da guerra

contra o terror, os Estados Unidos da América passaram de US$12 bilhões gastos

29 Citação de conferência não publicada do escritor moçambicano Mia Couto no Estoril Conferences 2011, Estoril - Portugal. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=jACccaTogxE>.

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em 2002, para US$191 bilhões em 2011. A Universidade Brown (CHACRA, 2011)

estima que em 10 anos os Estados Unidos tenham gastado algo em torno de US$4

trilhões nas guerras contra o Afeganistão e Iraque. Nessas guerras, que resultaram

em mais de 225.000 mortos, incluindo 140.000 civis, as forças americanas

dispararam, em média, 250.000 tiros para cada combatente inimigo morto.

Outra vencedora dessa sociedade adoecida pelo medo é a indústria

farmacêutica; ano após ano, a produção e o faturamento de medicamentos crescem,

o consumo de antidepressivos, ansiolíticos, calmantes e estimulantes vem

aumentando assustadoramente em todos os segmentos sociais. Também são

alarmantes os dados estatísticos apresentados sobre as doenças. Em uma análise

das publicações do Washington Post, New York Times e USA Today em 1996, o

jornalista Bob Garfield descobriu que na população dos Estados Unidos 59 milhões

sofriam de doenças cardíacas, 53 milhões de enxaqueca, 25 milhões com

osteoporose, 16 milhões com obesidade e 3 milhões com câncer. Em doenças mais

obscuras, existem 10 milhões com disfunção da articulação temporomandibular e 2

milhões com distúrbios cerebrais; somando tudo, o jornalista observou que em uma

população de 266 milhões de habitantes, 543 milhões estavam gravemente

doentes, e concluiu “Ou estamos condenados como sociedade, ou alguém está

chutando alto” (GARFIELD apud GLASSNER, 2003, p. 20).

O crescente medo é também corresponsável pelo surgimento de novas

justificativas para tirar de circulação – por meio de prisões, internações compulsórias

ou extermínio – os ‘não desejáveis’, ‘os perigosos’, sejam estes o jovem negro de

periferia, seja o morador de rua ou o viciado em crack, esquecido – ou

higienicamente retirado – nas ruas das cidades e no campo. Uma tática parecida

com o ‘argumento da espada enfiada no ventre’ (DUBY, 1999, p. 63), que São Luís

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pregava contra comunidades não cristãs na Europa medieval, “esses estrangeiros,

[...] é preciso convertê-los ou, então, destruí-los” (DUBY, 1999, p. 63).

Na necessidade de se encarcerar e perseguir pessoas são necessárias

mudanças legais que retirem cada vez mais a privacidade e os direitos individuais

em nome da segurança. Como a promulgação em tempo recorde da lei do “Ato

Patriótico” 30, nos Estados Unidos da América, que permite espionagem de

telefonemas e e-mails e detenção - sem mandado e julgamento - por tempo

indeterminado de estrangeiros considerados perigosos, abrindo brechas legais para

diversas violações dos direitos humanos, incluindo torturas.

Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. [...] Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente situação de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa. (COUTO, 2011)

São tantos os perigos, as vigilâncias e as punições que a população,

assustada e muitas vezes adoecida, vai se tornando progressivamente mais

passiva, mais conformada. Reduzindo sua vida ao cotidiano de seu trabalho

alienado, diminuindo sua autonomia e suas possibilidades de humanização, sem

possibilidades (e sem desejo) de tentar mudar a realidade a sua volta.

Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quando não têm

30 A lei Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstructing Terrorism ACT of 2001 - USA PATRIOT ACT conhecida por “Ato Patriótico” foi apresentada na câmara “House of the Representatives” no dia 23 de outubro de 2001 e aprovada no dia 24 de outubro por 357 votos favoráveis contra 66 contrários. No dia seguinte, 25 de outubro, a lei foi aprovada na câmara “Senate” por 98 votos a 1. E finalmente assinada pelo, então presidente, George W. Bush no dia 26 de outubro de 2001, 45 dias depois dos ataques. Em entrevistas, para o documentário Fahrenheit 9/11 (2004) do cineasta Michael Moore, vários parlamentares alegaram que tiveram de votar sem terem tido tempo de ler a lei.

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medo da fome, têm medo da comida. Os motoristas têm medo de caminhas e os pedestres têm medo de ser atropelados. A democracia tem medo de lembrar e a linguagem tem medo de dizer. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras. É o tempo do medo. (GALEANO, 2009, p. 83)

Parece, então, clara a relação entre medo e poder, e que esse uso social do

medo leva, analogamente, a uma paralisia social, fazendo com que indivíduos,

grupos tenham reduzidas possibilidades de agirem no mundo.

Partindo da premissa que a atividade é a categoria fundante do psiquismo

humano, esses indivíduos e grupos teriam suas atividades restritas às imposições

do cotidiano do trabalho alienado da sociedade capitalista, portanto não exercendo

toda sua potência de humanização.

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5. É POSSÍVEL SUPERAR A CULTURA DO MEDO?

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Apresentada a discussão sobre uma teoria materialista, histórica e dialética

das emoções nas quais o medo, sendo uma emoção, não é uma simples força

natural e instintiva de sobrevivência, mas também, uma função psicológica superior

que se constitui na mediação entre indivíduo e sociedade, portanto complexa, em

transformação e síntese de múltiplas determinações e sobre uma existente cultura

do medo em nossa sociedade, perguntamos: É possível superar a cultura do medo?

Para fazer esta proposição, primeiro se faz necessário analisar as relações

existentes nas sociedades de classes, essencialmente a capitalista, por entender

como fundamental a necessidade de esclarecer seus artifícios de dominação na

tentativa de superá-la e, assim, caminhar para a construção de uma sociedade sem

classes.

5.1. SOCIEDADE DE CLASSES

Como posto por Marx & Engels no Manifesto do Partido Comunista (1848 /

2010, p. 40), “a história de todas as sociedades até hoje existentes, é a história de

luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de

corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos”; tal antagonismo

é resultado da exploração de uma classe sobre outra, produção que se dá no nível

da estrutura, por meio da propriedade dos meios de e é garantida, entre outras, pelo

domínio do poder de Estado no nível de superestrutura. Estado definido como o

Leviatã por Thomas Hobbes, em seu livro, que ofereceu bases científicas, filosóficas

e religiosas para as monarquias absolutistas, como:

Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como

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autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. (HOBBES, 1997, p. 144)

Estado também definido como “um comitê para gerir os negócios comuns de

toda a classe burguesa”, por Marx & Engels (2010, p. 42). Portanto, o estado

administra os recursos de todos para assegurar a paz e a defesa comum – de toda a

classe dominante –, ou seja, é o principal meio de manutenção do status quo, o

principal meio de manutenção da sociedade da forma como ela é.

Nas diversas sociedades de classes que existiram até hoje, a classe

dominante sempre desenvolveu métodos de manter o controle dos meios de

produção e, consequentemente, da classe dominada, a ela submetida.

Esse controle se deu, invariavelmente, pela violência física. Nas primeiras

sociedades de classe os modos de produção baseados na força de trabalho escrava

e serva, tinham na violência física dos corpos seu instrumento de controle. De

acordo com Foucault (2007), o cárcere, as execuções e suplícios em praças

públicas serviam para punir, mas também tinham a função de desencorajar que

outros enveredassem pelo mesmo caminho.

Por possuir o escravo como mercadoria própria, ou o controle da terra na qual

o servo estava ligado, o Senhor tinha liberdade para fazer uso indiscriminado da

violência. Com o advento das revoluções liberais burguesas, os meios de produção

se modificaram e o trabalho, agora sob o jugo capitalista, acirrou as lutas entre as

classes dominantes e dominadas. O trabalhador agora podia ser explorado de novas

formas, mas já não era mais possível, fruto de muitas lutas da classe trabalhadora, o

uso explícito da violência física dos corpos. Com o progresso das sociedades, a

classe dominante teve de desenvolver novas técnicas de poder e controle, novos

métodos de exercer a violência sobre a classe dominada.

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O corpo encontra-se aí em posição de instrumento ou de intermediário; qualquer intervenção sobre ele pelo enclausuramento, pelo trabalho obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direito e um bem. Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e privação, de obrigações e de interdições. O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia de direitos suspensos. Se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará à distância, propriamente, segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais “elevado”. Por efeito dessa nova retenção, um exército inteiro de técnicos veio substituir o carrasco, anatomista imediato do sofrimento: os guardas, os médicos, os capelães, os psiquiatras, os psicólogos, os educadores; por sua simples presença ao lado do condenado, eles cantam à justiça o louvor de que ela precisa: eles lhe garantem que o corpo e a dor não são os objetos últimos de sua ação punitiva (FOUCAULT, 2007, p. 14).

O desenvolvimento de novas técnicas, sejam estas de incremento das forças

produtivas ou incremento das formas de poder do estado, pressupõe a existência de

uma ciência, nunca neutra, que esteve, e assim continua, predominantemente a

serviço de determinados interesses. Uma das formas mais eficazes de controle

desenvolvidas foi a ideologia, que pode ser entendida como um conjunto de

discursos para “legitimar o poder de uma classe ou grupo social dominante”

(EAGLETON, 1997, p. 19, grifos nossos), referindo-se, então, a questões de poder,

de dominação, que não poderão ser superadas nas sociedades de classes

(MÉSZÁROS, 2004).

Foi por meio de ideologias que durante longos períodos foi – e em alguns

casos ainda é – possível acreditar que o homem é naturalmente mais forte e

inteligente que a mulher ou que um ser humano é melhor que outro por ter nascido

com determinadas características físicas; socialmente mais importante que outro por

ter nascido em determinada classe ou casta, ou, ainda, mais importante por ter

certas aptidões. Em outras palavras, por não ser eu ou um dos meus, ser um outro.

Entre diversos exemplos, essa postura fica explícita nas relações de colonização:

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“Proibida a entrada de cães e de chineses” (LOSURDO, 2010, p. 241), adverte um

cartaz colocado na entrada da concessão francesa em Xangai do século XIX.

Concluímos, ainda que apressadamente, que somente a violência no interior

das relações de produção de riquezas não bastava, pois essa poderia ser o motivo

de incontáveis revoltas. A violência deveria ser amenizada e legitimada por uma

ideologia que precisaria se realizar no nível da “interiorização das relações vividas

pelos indivíduos” (IASI, 2007, p. 15), na consciência. O trabalhador dominado

deveria se sentir satisfeito pelo seu emprego e salário e constantemente entender

que sua situação poderia ser diferente e muito pior. Para tanto, era necessário que

esse indivíduo estivesse em um estado constante e permanente de não se sentir

seguro, como em um permanente estado de medo.

Diversas são as possíveis sensações de insegurança e diversos são os

medos: medo de morrer, medo de perder suas posses, medo de perder seu

emprego, medo de perder amigos, medo de perder a família. Medo de sofrer

violência, parteira da história, e sustentáculo de todas as sociedades e todos

estados, medo do enfrentamento da classe antagônica na luta de classes, medo de

se confrontar contra seu superior. Medo da religião, medo de Deus, de não seguir as

escrituras e passar a vida eterna em danação. Medo de não concordar com as

regras na família, não aceitar a imposição e ser castigado. Castigado fisicamente,

financeiramente, socialmente. Medo social, de não concordar com as determinações

culturais vigentes e ser banido de um grupo, não gostar das mesmas músicas,

mesmas roupas, mesmas coisas e temer não ter nada e, então, se dobrar às

normas. Medo da polícia, braço armado do Estado, responsável direto pela violência

que o Estado exerce, pela violência física, intimidatória, coercitiva, condenadora,

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punitiva, opressora e repressora. Medo do estado, de suas leis e do

encarceramento, medo, medo e medos...

Tantos medos que são aprendidos ao longo da vida pelas mais diversas

relações às quais somos submetidos. Os exemplos a seguir são retirados da

literatura que, apesar de seu caráter fictício, são críticas bastante fiéis às condições

às quais estamos submersos. No romance “Admirável Mundo Novo”, Aldous Huxley

pinta com cores alarmantes uma sociedade tecnologicamente muito avançada que

substitui a reprodução vivípara dos seres humanos por uma literal fabricação de

novos indivíduos em “Centros de Incubação e Condicionamento”, nos quais os

indivíduos são fabricados e condicionados de acordo com os desígnios para sua

classe social.

Nos berçários, a lição de Consciência de Classe Elementar havia terminado. [...] – No fim – disse Mustafá Mond – os Administradores compreenderam a ineficácia da violência. Os métodos mais lentos, porém infinitamente mais seguros da ectogênese, do condicionamento pavloviano e da hipnopedia... (HUXLEY, 2009, pp. 91, 93)

É o segredo da felicidade e da virtude: amarmos o que somos obrigados a fazer. Tal é a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social de que não podem escapar. (HUXLEY, 2009, p. 44, grifos no original)

No romance “1984”, George Orwell apresenta uma seção diária de exaltação

de ódio ao inimigo. No romance, o Partido – único e comandado pelo Grande Irmão

– apresentava diariamente às 11h o programa “Dois Minutos do Ódio”, no qual o

grande traidor do partido era o personagem central. A exibição tinha o intuito de

sempre alimentar e relembrar, para seus cidadãos, o ódio, medo e desprezo pelos

inimigos e outros povos com os quais o Partido estivesse em guerra naquele

momento.

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Mais um instante, e um guincho horrendo, áspero, como de uma máquina monstruosa funcionando sem óleo, saiu da grande teletela. Era um barulho de fazer ranger os dentes e arrepiar os cabelos da nuca. O Ódio começara. Como de hábito, a face de Emmanuel Goldstein, o Inimigo do Povo, surgira na tela. Aqui e ali houve assovios entre o público. A mulherzinha de cabelo cor de areia emitiu um uivo misto de medo e repugnância. [...] Winston sentiu contrair-se o diafragma. Nunca podia ver a face de Goldstein sem uma dolorosa mistura de emoções. [...] Antes do Ódio se haver desenrolado por trinta segundos, metade dos presentes soltava incontroláveis exclamações de fúria. Era demais, suportar a vista daquela cara. [...] No segundo minuto o Ódio chegou ao frenesi. Os presentes pulavam nas cadeiras, e berravam a plenos pulmões, esforçando-se para abafar a voz alucinante que saía da tela. [...] Num momento de lucidez, Winston percebeu que ele também estava gritando com os outros e batendo os calcanhares violentamente contra a travessa da cadeira. O horrível dos Dois Minutos do Ódio era que embora ninguém fosse obrigado a participar, era impossível deixar de se reunir. Em trinta segundos deixava de ser preciso fingir. Parecia percorrer todo o grupo, como uma corrente elétrica, um horrível êxtase de medo e vindita, um desejo de matar, de torturar, de amassar rostos com um malho, transformando o indivíduo contra a sua vontade, num lunático a uivar e fazer caretas. (ORWELL, 1980, pp. 15-18)

Nessas três passagens, em sociedades dominadas por sistemas opressivos,

são utilizadas diversas formas de inculcação do que devemos fazer e o que

devemos sentir. Ainda não estamos em uma realidade de ectogênese, nem de

hipnopedia em Centros de Condicionamento, mas somos submetidos a diversos

aparelhos de funções semelhantes, nos quais nossos desígnios são traçados. A

distopia apresentada por George Orwell na passagem dos “Dois Minutos do Ódio” é

muito próxima de qualquer telejornal que expõe a imagem de “degenerados

bandidos” exaltando sua periculosidade, enquanto do outro lado da televisão as

pessoas bradam por punições mais severas, penas capitais e a redução da

maioridade penal. Tudo em nome do medo e de uma necessidade de segurança que

nos falta.

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Em uma sociedade de classes, com uma educação que tem como objetivo o

desenvolvimento desigual e combinado31 de futuras forças de trabalho, somos

educados de acordo com os desígnios de nossa classe. Faz-se necessário que

todos aqueles que possuem apenas sua força de trabalho como meio de sustento,

sejam, desde a infância, inseridos em uma cultura de submissão, silêncio,

obediência, entre outras formas veladas de violência por meio dos mais diversos

métodos e um deles é, invariavelmente, o medo. E, então, sempre com medo da

possível punição vamos tornando-nos obedientes, silenciados, prontos para receber

ordens sem questionamentos; submissos como cães adestrados, estamos prontos

para entrarmos na linha de produção e reprodução da sociedade de modo a mantê-

la e de não tentar superá-la.

Uma construção histórica e social, sistemática e intencionalmente organizada

para controle, que é mascarada como natural e instintiva. Uma realidade muito

próxima do que aconteciam nas fictícias lições de Consciência de Classe Elementar

dos Centros de Condicionamento do já citado romance de Aldous Huxley.

Elas cresceram com o que os psicólogos chamam de um ódio “instintivo” aos livros e às flores. Reflexos inalteravelmente condicionais. (HUXLEY, 2009, p. 55)

5.2. SUPERANDO ESSA CONDIÇÃO

A hegemonia conservadora na nossa formação social trabalha a difusão do medo como mecanismo indutor e justificador de políticas autoritárias de controle social. O medo torna-se fator de tomadas de posição estratégicas seja no campo econômico, político ou social. (BATISTA, 2003, p. 23)

31 Aqui é tomada de empréstimo a expressão, e não a teoria de Leon Trotsky sobre ritmo do desenvolvimento das forças produtivas em diferentes países.

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É do interior da sociedade capitalista que surgem as condições para sua

superação e também, como germe, faz-se possível o estabelecimento de diferentes

relações de poder.

O uso do medo como instrumento de controle social está tão cristalizado em

nossa sociedade, que é ideologicamente tomado como natural, como imanente do

ser humano e necessário para um bom estabelecimento de normas. Um clássico

experimento da psicologia pode ajudar a entender melhor. Na década de 1960, o

psicólogo Stanley Milgram (1983) desenvolveu uma pesquisa na qual um voluntário

participante do experimento era colocado no comando de uma máquina ligada a

outro indivíduo, que ele era capaz de ver através de um espelho falso, que infligiria

choques ao seu comando. O voluntário era instruído pelo responsável na condução

do experimento a acionar a máquina todas as vezes que o outro indivíduo errasse

uma resposta e aumentar a descarga elétrica em 15 volts a cada erro cometido.

Sem saber que o indivíduo ligado à máquina de choques era um ator participante da

experiência que não receberia nenhum choque, 65% dos voluntários obedeceram as

ordens até o final, que significaria uma intensidade fatal de 450 volts. Realizando

algumas variações no procedimento, o pesquisador conseguiu que até 92% dos

voluntários cumprissem as ordens finais, caso houvesse presente um segundo

sujeito que obedecesse as orientações.

O pesquisador, então, afirma:

A obediência é um elemento básico da estrutura da vida social. É necessário algum tipo de autoridade na vida grupal, e apenas o homem que vive isolado não é forçado a atender, através do desafio ou da submissão, às ordens dos outros homens. [...] A obediência é o mecanismo psicológico que liga a ação individual a propósitos políticos. É o cimento que prende os homens aos sistemas de autoridade. (MILGRAM, 1983)

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É correto chegar a essa conclusão quando observamos apenas a aparência

do fenômeno. Em uma sociedade de classes, o espontâneo será reflexo da

realidade posta, no entanto, é possível estabelecer práticas que superem o uso do

medo como estabelecimento de poder.

A prática militante de transformação da sociedade exige uma mudança de

ações e práticas para poder atuar nas contradições da sociedade capitalista. Em

situações específicas é possível criar uma relação de hierarquia horizontal entre os

indivíduos envolvidos e agir de forma cooperativa sem o estabelecimento de

autoridades e regras sociais a priori. É possível a construção de um processo grupal,

no qual intencionalmente as relações mercantis e de exploração da sociedade

capitalista sejam deixadas de lado para o estabelecimento de novas formas de

organização social.

Processo grupal aqui entendido como “todo e qualquer grupo [que] exerce

uma função histórica de manter ou transformar as relações sociais desenvolvidas

em decorrência das relações de produção” (LANE, 1994, p. 82). Ou seja,

A partir dessa perspectiva, estamos afirmando o fato de o próprio grupo ser uma experiência histórica, que se constrói num determinado espaço e tempo, fruto das relações que vão ocorrendo no cotidiano e, ao mesmo tempo, que traz para a experiência presente vários aspectos gerais da sociedade, expressas nas contradições que emergem no grupo, articulando aspectos pessoais, características grupais, vivência subjetiva e realidade objetiva. Ressaltar o caráter histórico do grupo implica compreender que o grupo, na sua singularidade, expressa múltiplas determinações e as contradições presentes na sociedade contemporânea. (MARTINS, 2007, p. 77)

Entendendo tais condições é possível dentro de certas limitações, um

estabelecimento de relações em que o medo não seja meio de controle. Tornando

possível ensinar o perigo de sair à noite pela floresta a partir das dificuldades e

ameaças à vida nessa situação, e não pela existência de um ente mágico que

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arranca os olhos, ou que o silêncio é necessário em uma sala de aula para

possibilitar um ambiente mais adequado ao ensino e não pela ameaça de

suspensão, ou qualquer outra medida disciplinatória.

Nessa perspectiva a atividade escolar poderia realizar, dentro de suas

limitações objetivas, um trabalho diferente do que acontece hoje, por exemplo,

dentro da sala de aula. A realidade escolar, para a grande parte dos alunos, é um

misto de diversos medos. Mesmo em uma instituição que pouco ensina, que produz

o fracasso escolar, ainda há a culpabilização do estudante que sente medo de mais

um dia chegar à escola e não conseguir ler o que está escrito na lousa, medo da

reprovação, da vergonha de não conseguir aprender e da angústia de não ver

perspectivas.

Mas é necessário ter a clareza que tudo não passará de experiências

pontuais enquanto não houver uma transformação real da sociedade, caso contrário,

todos os esforços realizados nessas experiências dificilmente se sustentarão e

poderão dobrar-se frente a todas as outras relações a que estamos submetidos.

Enquanto houver Estado protegendo e justificando a exploração do homem

pelo homem não poderemos falar em liberdade.

E tão logo que for possível falar-se de liberdade, o Estado como tal deixará de existir. Por isso, nós proporíamos que fosse dita sempre, em vez da palavra Estado, a palavra ‘Comunidade’ (Gemeinwesen), uma boa e antiga palavra alemã que equivale à palavra francesa ‘Commune’. (ENGELS, s/d, p. 230, grifos no original)

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desconfiai do mais trivial, na aparência do singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.

“Nada é impossível de mudar” Bertold Brecht

Este estudo é fruto de uma longa reflexão sobre o tema abordado. Diversos

caminhos poderiam ter sido tomados e diferentes poderiam ser as discussões e os

exemplos. A questão da guerra, talvez, tenha sido muito explorada em detrimento de

relações cotidianas como as relações familiares ou escolares.

No entanto, para uma primeira aproximação do problema situações de guerra

são mais fáceis de serem analisadas, já que o uso do medo se torna mais explícito,

em uma campanha exacerbada de obediência ao comandante em chefe, patriotismo

e obediência à autoridade e, por muitas vezes, nessas situações as declarações são

mais diretas do que em períodos de “paz”, quando a verdade muitas vezes é dita

apenas nas entrelinhas.

As dificuldades de definição do problema encontradas durante a execução

deste estudo derivaram, em parte, do fato que pouco se encontrou sobre o tema em

publicações de educação e psicologia, sendo a literatura encontrada em sua maioria

nas ciências políticas, sociais e na historiografia ou, então, em áreas das ciências

naturais como biologia, evolução e etologia. Em algumas obras havia um bom

equilíbrio do tratamento das duas grandes áreas, mas de forma geral, ao abordar a

questão biológica, a discussão das determinações sociais era abandonada ou

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relegada a segundo plano com uma visão ambientalista. De maneira semelhante, os

tratados sociais sobre o tema não traziam uma discussão específica sobre o medo,

utilizando uma visão naturalista e instintiva. Este estudo tenta, dentro de suas

limitações, trazer contribuições das mais diversas áreas na tentativa de

compreender o fenômeno em sua totalidade e a partir de suas contradições.

Não há, também, um julgamento moral e valorativo sobre o medo. Há uma

condenação à inculcação do medo como estratégia de obtenção e manutenção do

poder. No entanto, não há uma definição se o medo é bom ou ruim; na verdade,

consideramos que o medo é uma emoção importante e necessária, não havendo

mal, nem vergonha em sentir medo. Em uma tese de G. Delpierre, apresentada por

Delumeau, existe, inclusive, uma objetivação do medo.

Um [...] efeito do medo é a objetivação. Por exemplo, no medo da violência, o homem, ao invés de lançar-se à luta ou fugir dela, satisfaz-se olhando-a de fora. Encontra prazer em escrever, ler, ouvir, contar histórias de batalhas. Assiste com certa paixão às corridas perigosas, às lutas de boxe, às touradas. O instinto combativo deslocou-se para o objeto. (DELUMEAU, 1989, p. 30)

Podemos completar com uma ampla lista os exemplos de Delpierre: filmes de

ação, drama e terror, jogos eletrônicos, montanhas-russas e outros brinquedos de

parques de diversão, esportes radicais, entre tantas outras atividades nas quais um

dos objetivos é poder sentir e controlar o medo.

A expectativa na execução deste estudo é, em um primeiro momento, de

fomentar a discussão sobre os usos do medo dentro da psicologia e educação, com

intuito de poder lidar com as possíveis consequências de sofrimento e adoecimento

que estas podem causar nos indivíduos. Como afirma Delumeau (1989, p. 25),

“medos repetidos podem criar uma inadaptação profunda em um sujeito e conduzi-lo

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a um estado de inquietação profunda gerador de crises de angústia”, não só em

indivíduos, mas em pequenos e grandes grupos, até nações inteiras.

Em um segundo momento, em uma análise mais profunda, é de poder

entender tal uso instrumental na expectativa de poder superá-lo no advento de uma

revolução socialista. Já foi afirmado que não é possível superar a cultura do medo

dentro de uma sociedade de classes, no entanto, experiências são possíveis e

devem ser fomentadas.

O trabalho educativo é um desses possíveis espaços. Sabemos que a escola

é contraditoriamente um espaço de produção de medo, mas é também, um dos

meios para superá-lo. Ao socializar os conhecimentos da humanidade, transformar

conceitos espontâneos em conceitos científicos, contribui-se para a superação de

uma visão sincrética de sociedade e de si mesmo, como um dos meios para dar

base à ação revolucionária.

Mas devemos sempre continuar lutando no interior das contradições da

sociedade capitalista, e que tenhamos força e entendimento para que não caiamos

novamente em alguma armadilha do medo, para que nosso final não seja

melancólico como o de Winston, protagonista do romance 1984:

Levantou a vista para o rosto enorme. Levara quarenta anos para aprender que espécie de sorriso se ocultava sob o bidoge negro. Oh, mal-entendido cruel e desnecessário! Oh, teimoso e voluntário exílio do peito amantíssimo! Duas lágrimas escorreram de cada lado do nariz. Mas agora estava tudo em paz, tudo ótimo, acabada a luta. Finalmente lograra a vitória sobre si mesmo. Amava o Grande Irmão. (ORWELL, 1980, p. 277)

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