Baralho Do Som Das Letras

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Dígrafo, tritongo e outros termos do gênero costumam dar arrepios. Mas não é tão difícil assim ensinar alguns dos mais detestados temas de Português. Você só vai precisar de papel cartão. Mãos à obra Adriana Vera e Silva xistem regras de Português que embaralham a cabeça dos alunos porque lidam com uma questão complicada: as diferenças entre os sons das palavras e a forma como elas são escritas. Foi pensando nesse problema que a professora paulista Nílvia Pantaleoni, especialista na criação de jogos educativos e aluna de mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), criou o baralho das letras. Nesse baralho, que pode ser feito com papel cartão, cada carta representa o som de uma letra. As consoantes são escritas em cartas brancas e cada vogal corresponde a cartas de determinada cor. A brincadeira é montar palavras com o material. Para jogar certo, o aluno precisa considerar os sons que compõem as palavras a ser montadas. Aí está o segredo. Sem querer, ele pratica a fonologia, o estudo dos sons do idioma, tema estudado na quinta e na sexta séries. "Em vez de decorar conceitos, a criança pode ver como as coisas funcionam na prática", diz a professora Nílvia. Aprenda aqui a utilizar, com sua classe, a atividade que ela inventou. CONCEITOS QUE VOCÊ PODE ENSINAR COM O JOGO Enquanto joga, o aluno trabalha com o conceito de fonema, a menor unidade sonora de uma palavra. Essa idéia é a base da fonologia. Existe muita confusão entre fonema e letra. A letra é a menor unidade gráfica da palavra escrita. A princípio, cada som que emitimos ao pronunciar uma palavra é representado por uma das letras dela. Mas nem sempre é assim. O h, por exemplo, não corresponde a um fonema em português porque não tem som. Hora tem som de "ora", hábito tem som de "ábito". Com o baralho, as diferenças entre som e grafia ficam claras. A partir disso, o professor pode tratar de várias outras questões. Veja alguns conceitos que você poderá discutir com seus alunos a partir da atividade. Dígrafo Ilustrações Osires Gustavo Lourenção Nílvia Pantaleoni e suas cartas: ao montar palavras com o baralho, a criança lida com o som de cada letra

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consciência fonológica

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Dígrafo, tritongo e outros termos do gênero costumam dar arrepios. Mas não é tão difícil assim ensinar alguns dos mais detestados temas de Português. Você só vai precisar de papel cartão. Mãos à obra

Adriana Vera e Silva

xistem regras de Português que embaralham a cabeça dos alunos porque lidam com uma questão complicada: as diferenças entre os

sons das palavras e a forma como elas são escritas. Foi pensando nesse problema que a professora paulista Nílvia Pantaleoni, especialista na criação de jogos educativos e aluna de mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), criou o baralho das letras.

Nesse baralho, que pode ser feito com papel cartão, cada carta representa o som de uma letra. As consoantes são escritas em cartas brancas e cada vogal corresponde a cartas de determinada cor. A brincadeira é montar palavras com o material.

Para jogar certo, o aluno precisa considerar os sons que compõem as palavras a ser montadas. Aí está o segredo. Sem querer, ele pratica a fonologia, o estudo dos sons do idioma, tema estudado na quinta e na sexta séries. "Em vez de decorar conceitos, a criança pode ver como as coisas funcionam na prática", diz a professora Nílvia.

Aprenda aqui a utilizar, com sua classe, a atividade que ela inventou.

CONCEITOS QUE VOCÊ PODE ENSINAR COM O JOGOEnquanto joga, o aluno trabalha com o conceito de fonema, a menor unidade sonora de uma palavra. Essa idéia é a base da fonologia. Existe muita confusão entre fonema e letra. A letra é a menor unidade gráfica da palavra escrita.

A princípio, cada som que emitimos ao pronunciar uma palavra é representado por uma das letras dela. Mas nem sempre é assim. O h, por exemplo, não corresponde a um fonema em português porque não tem som. Hora tem som de "ora", hábito tem som de "ábito".

Com o baralho, as diferenças entre som e grafia ficam claras. A partir disso, o professor pode tratar de várias outras questões. Veja alguns conceitos que você poderá discutir com seus alunos a partir da atividade.

DígrafoFonema formado por duas letras que representam um só som, como rr, ss, lh, nh, ch, gu e qu. Atenção: br, cr, dr, tr, fl e outras duplas de consoantes não são dígrafos porque, nesses casos, cada consoante é pronunciada com seu próprio som. Portanto, para saber se um encontro de consoantes é ou não um dígrafo, veja se as duas letras produzem um só som ou se elas têm sons individuais.

Dígrafo: duas letras, um só som

Aqui não há dígrafo: sons individuais

Vogal oral

Ilustrações Osires

Gustavo Lourenção

Nílvia Pantaleoni e suas cartas: ao montar palavras com o baralho, a criança lida com o som de cada letra

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Fonema produzido quando o ar escapa livremente pela boca. As vogais orais são a, e, i, o e u. As vogais e e o podem ser abertas ou fechadas (é ou ê, ó ou ô). No jogo, não há diferença entre vogal aberta e fechada. O aluno deve usar a mesma carta para representar as duas.

Vogal nasalFonema criado quando a vogal é pronunciada em parte pela boca e em parte pelo nariz. Aí se produz uma ressonância nasal. As vogais nasais são am, an, ã, em, en, im, in, om, on, õ, um e un. Observe que algumas vogais nasais são dígrafos, pois são escritas com duas letras, mas têm só um som. No baralho, as vogais nasais não são representadas como dígrafos, e sim pelas cartas coloridas, colocadas em posição inclinada. As palavras campo e pombo têm vogais nasais. Algumas vezes a vogal está numa sílaba e as consoantes m e n, responsáveis pelo som nasalado, estão na sílaba seguinte. É o que acontece com as palavras cama e banana. Isso pode causar confusão, porque alguns

gramáticos classificam o a desses casos como vogal nasal e outros consideram que não existe nasalização. Para não atrapalhar seus alunos, evite esse tipo de palavra (com vogal numa sílaba e m ou n na sílaba seguinte) nos exercícios que montar com as cartas do baralho.

ConsoanteFonema que se forma quando o aparelho fonador (partes do corpo que usamos para falar, como língua, nariz e lábios) produz obstáculos à corrente de ar. Para pronunciar a consoante b, por exemplo, fechamos a boca.

SílabaSom emitido de uma só vez. Ele se compõe de apenas um fonema ou de um grupo deles. Em português, a vogal é a base da sílaba. Toda sílaba tem uma vogal, mas nunca tem mais de uma. Quando há duas vogais na sílaba (encontro vocálico), uma delas passa a funcionar como consoante e é chamada de

semivogal.

SemivogalFonema pronunciado como a vogal, só que de maneira mais fraca. Diz-se que a semivogal funcionacomo uma consoante porque,assim como a consoante, ela não pode ser base de uma sílaba. As vogais i e u se transformam em semivogais quando estão junto de outra vogal numa mesma sílaba. É o que acontece nas palavras cabeceira e réu. As vogais e e o se transformam em

semivogais só quando têm som de i e u, como em mãe e pão. A vogal a nunca se transforma em semivogal.

Encontro vocálicoAcontece quando duas vogais são vizinhas numa mesma palavra. É classificado de diferentes formas. Entenda agora como e por quê.

DitongoQuando duas vogais se encontramna sílaba e uma delas vira semivogal, temos um ditongo. O ditongo é crescente quando uma semivogalvem antes de uma vogal. No decrescente, acontece o contrário: a vogal aparece antes da semivogal.

Ditongo Crescente

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Ditongo Decrescente

TritongoEncontro, na sílaba, de uma vogal cercada por duas semivogais.

HiatoEncontro de duas vogais. Comonão pode haver mais de uma vogal em uma sílaba, cada uma delas deve ficar numa sílaba diferente.

PARA FAZER O BARALHOAs cartas das vogais não têm nada escrito. No jogo, elas devem ser identificadas pelo aluno por um código de cinco cores adotado no baralho

Para fazer as cartas, recorte quadrados de papel cartão de 3 centímetros de lado. Alguns serão cortados na diagonal para formar triângulos. As cartas são de três tipos:

Quadrados brancos representam as consoantes e os dígrafos que não sejam vogais nasais. Um baralho completo tem quatro cartas de cada consoante e quatro de cada dígrafo.

Quadrados coloridos representam as vogais orais e nasais. Um jogo completo tem dez cartas de cada vogal.

Triângulos coloridos representam as semivogais. Cada baralho tem cinco cartas de cada semivogal.

ConsoantesAs letras k, w e y não entram porque não fazem parte do alfabeto do nosso idioma. O h também não, por não ter som. E o q fica junto com os dígrafos. As consoantes do baralho são estas:b c ç d f g j l m n p r s t v x z

DígrafosTambém são de papel cartão branco. Estes são os dígrafos do baralho:ch gu lh nh qu rr ss sc sç xc

Vogais OraisElas devem ter as seguintes cores:

a: amarelo

e: laranja

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i: vermelho

o: marrom

u: preto

Vogais NasaisAs cartas das vogais orais também servem para as nasais. Nesse caso, o aluno deve colocá-las em posição inclinada, como losangos.

am, an ou ã

em ou en

im ou in

om, on ou õ

um ou un

SemivogaisRecorte na diagonal quadrados vermelhos e pretos formando triângulos. Os vermelhos são para i. Os pretos, para u.

i: vermelho

u: preto

COMO SE JOGAEm primeiro lugar, lembre-se de que esse jogo é apenas uma atividade complementar. "Ele, sozinho, não ensina fonologia", alerta a professora Nílvia. Acompanhe aqui um roteiro básico de trabalho com as cartas. 1. Explique como funcionam as cartas das consoantes, dos dígrafos, das vogais e das semivogais.2. Divida a turma em grupos de quatro. Cada equipe ganha um baralho.3. As palavras a ser montadas no jogo podem fazer parte de textos com que você estiver trabalhando. Antes de passá-las para a turma, faça sozinho um teste, para ver se o número de cartas de um baralho completo será suficiente para cada grupo. Se não, monte baralhos especiais. Escreva as palavras no quadro-negro.4. Dê o sinal de partida para que as equipes comecem a montagem.5. Ganha o grupo que terminar a montagem correta primeiro.6. Sugira aos alunos que montem novas palavras, escolhidas por eles.7. Um detalhe importante é que, quando a letra e soa como i (como em mãe) e quando a letra o soa como u (não, pão, saguão), os alunos devem escolher o triângulo vermelho (semivogal i) para representar o último som da palavra mãe e o triângulo preto (semivogal u) para o último som de não, pão e saguão. Mas isso só acontece se as letras e e o, além da mudança sonora, passam também a ter função de semivogais. Nas palavras dente e menino, por exemplo, as letras e e o finais têm respectivamente som de i e u e não viram semivogais. No jogo, esse e deve ganhar uma carta laranja e esse o, uma carta marrom.8. O aluno não precisa se preocupar em substituir cartas no caso de consoantes que têm sons diferentes do seu próprio, como s com som de z (na palavra casa) ou x com som de z (na palavra exame).

NA PRÁTICA, FUNCIONA ASSIMAcompanhe este exercício, criado a partir da música Aquarela, de Toquinho,

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Vinicius de Moraes, Guido Morra e Maurizio Fabrizio. À direita, algumas palavras montadas com as cartas do jogo

Numa folha qualquer eu desenho um Sol amareloE com cinco ou seis retas é fácil fazer um casteloCorro o lápis em torno da mão e me dou uma luvaE se faço chover com dois riscos tenho um guarda-chuva

A carta marrom, que representa a vogal o, fica entre as cartas

brancas das consoantes s e l.A carta amarela está inclinada porque a vogal ã é nasal. O o tem

som de u

Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papelNum instante imagino uma linda gaivota a voar no céu

O i nasalado ganha uma carta inclinada. Há

dois dígrafos, gu e nh.

Vai voandoContornando a imensa curva norte-sulVou com ela viajando Havaí, Pequim ou Istambul

Um caso de ditongo. A carta amarela é a vogal a e o triângulo

vermelho, a semivogal i. O h não entra. Aqui existe hiato

porque o i, de som forte, não se transforma em semivogal.

Pinto um barco à vela branco navegandoÉ tanto céu e mar num beijo azulEntre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grenáTudo em volta colorindo com suas luzes a piscarBasta imaginar e ele está partindo sereno indoE se a gente quiserEle vai pousar

No ditongo, a carta laranja é a vogal e e o triângulo

vermelho a semivogal i.

A vogal nasal in ganha uma carta vermelha

inclinada. Neste ditongo a vogal o (marron) e a semivogal u (triângulo preto)

Numa folha qualquer eu desenho um navio de partidaCom alguns bons amigos bebendo de bem com a vidaDe uma América a outra consigo passar num segundoGiro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo

Há o hiato no final, composto pelas vogais i (carta vermelha) e o (carta marrom).

O ss fica numa só carta. Existem duas vogais a representadas por cartas amarelas.

Um menino caminha e caminhando chega num muroE ali logo em frente a esperar pela genteO futuro está

Aqui, outro dígrafo, ch, representado por uma carta branca correspondente.Repare que o s e o t são

marcados com cartas individuais, pois não formam dígrafo.

E o futuro é uma astronave que tentamos pilotarNão tem tempo nem piedade, nem tem hora de chegarSem pedir licença muda nossa vidaE depois convida a rir ou chorar

Também não ocorre dígrafo

com as consoantes s, t e r.

Além da vogal nasal en (carta laranja inclinada), aparece a

consoante ç.A carta vermelha representa a vogal i, que

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fica entre duas consoantes r.

Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que viráO fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai darVamos todos numa linda passarelaDe uma aquarela que um dia enfimDescolorirá

A carta vermelha inclinada foi escolhida porque a vogal i, neste

caso, é nasal.Outro hiato. A carta vermelha

marca a vogal i e a amarela, a vogal a.