Barata 2013

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Questões e desafios para a epidemiologia no campo da saúde coletiva.

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  • 3 Rev Bras Epidemiol2013; 16(1): 3-17

    Epidemiologia e polticas pblicas

    Epidemiology and public policies

    Rita Barradas BarataDepartamento de Medicina Social da Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo.

    Correspondncia: Rita Barradas Barata. Departamento de Medicina Social, Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo. Rua Dr. Cesrio Motta Jr. 61, So Paulo, SP CEP 01221-020. E-mail: [email protected]

    Resumo

    Este ensaio trata das relaes entre a epide-miologia e as polticas pblicas, destacando inicialmente a posio da disciplina no campo da sade coletiva, analisando os impactos de polticas pblicas sobre o perfil epidemiolgico e as contribuies da epide-miologia para a formulao, implementao e avaliao de polticas pblicas de sade. No primeiro tpico so discutidos os vn-culos da disciplina com o campo da sade coletiva, o modelo de determinantes sociais e de ao poltica formulados pela Comisso de Determinantes Sociais em Sade da OMS, e diferentes enfoques de polticas de sade. O segundo tpico analisa a reduo da desnutrio infantil no Brasil como um exemplo de polticas pblicas com impacto no perfil epidemiolgico. No terceiro tpico so apresentados trs temas estratgicos para a ao das polticas pblicas em sade: reduo das desigualdades sociais em sa-de, promoo da sade e regulao sobre bens e servios com impacto na sade. O quarto tpico discute as possibilidades e dificuldades de incorporao dos conhe-cimentos epidemiolgicos na formulao, implementao e avaliao de polticas pblicas e, finalmente, so apresentados exemplos concretos dessa relao entre epidemiologia e polticas pblicas.

    Palavras-chave: Epidemiologia. Polticas pblicas. Polticas de sade. Polticas sociais.

  • 4Rev Bras Epidemiol2013; 16(1): 3-17Epidemiologia e polticas pblicasBarata, R.B. et al.

    Abstract

    The present essay deals with the relation between epidemiology and public policies, highlighting the epidemiology position in the public health field, analyzing the im-pact of public policies over epidemiological profile and contributions from epidemio-logy to the lay down, implementation and evaluation of public health policies. In the first title, the essay debates the links be-tween the epidemiology and public health field, the social determinants and political action framework proposed by the WHOs Commission on Social Determinants of Health, and different approaches of he-alth policies. In the second title the essay analyses the reduction of child stunting in Brazil as an example of public policies that impact epidemiological profile. The third title presents three strategic topics for the application of public health policies: reduc-tion of social inequalities in health, health promotion and regulation of products and services that have impact over health. The fourth title discusses the possibilities and difficulties to combine the epidemiological knowledge in the lay down, implementa-tion and evaluation of public policies and, finally, material examples of such relation between epidemiology and public policies are presented.

    Keywords: Epidemiology. Public policies. Health policies. Social policies.

    Epidemiologia e Polticas Pblicas*

    As possveis relaes entre epidemio-logia e polticas pblicas so inmeras, e tratar de tema to vasto exige restringir o foco a apenas alguns aspectos, sob pena de se manter a reflexo em um nvel de generalidade tal que a contribuio para as prticas em sade seria mnima.

    Tendo esta limitao inicial em mente, pretendo organizar minha reflexo em torno de trs questes. Inicialmente vou abordar a posio da epidemiologia no in-terior do campo da Sade Coletiva, em seu compromisso inescapvel com a prtica, e apresentar um modelo de determinan-tes sociais e de nveis de atuao para as polticas pblicas baseado no trabalho da Comisso de Determinantes Sociais em Sade da OMS. Em seguida, analisarei um exemplo de como as polticas pblicas podem produzir impactos no perfil epide-miolgico, ainda que este no seja o seu foco explcito ou principal. Finalmente, pretendo tratar do uso da epidemiologia na elaborao, implementao e avaliao de polticas pblicas em sade, destacando dois dos compromissos atuais do campo da sade coletiva: a reduo das desigualdades sociais em sade atravs da atuao sobre os determinantes sociais e a promoo da sade, nas quais as funes reguladoras do Estado ganham importncia. H tambm inmeros outros usos da Epidemiologia que, entretanto, no sero objeto da reflexo que pretendo apresentar neste momento1.

    Relaes da Epidemiologia com as Polticas Pblicas

    No Brasil, assim como para vrios gru-pos de pesquisadores em diferentes partes do mundo, a epidemiologia sempre foi parte do movimento da sade pblica e da sade coletiva. Isto , ela nunca se desenvolveu, seja como disciplina cientfica, seja como campo de prticas, separadamente do campo que hoje denominamos de Sade

    * Conferncia apresentada no VIII Congresso Brasileiro de Epidemiologia da ABRASCO. So Paulo, 2011.

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    Coletiva. A vertente mais aplicada aos pro-blemas clnicos, voltada para a produo de conhecimentos com aplicao individual, no encontrou no pas maiores adeptos ou praticantes2.

    Este p fincado na realidade, como destaca Mauricio Barreto (2002), acaba por determinar o carter da indagao cientfica predominante entre ns, bastan-te voltada para a soluo dos problemas postos pela prtica. O mesmo autor enfa-tiza que, como disciplina bsica do campo da Sade Coletiva, a epidemiologia tem a responsabilidade de gerar conhecimentos, informaes e tecnologias que possam ser utilizadas na formulao das polticas de promoo, preveno e controle dos pro-blemas de sade3.

    Entretanto, as intervenes no mundo real tm seus limites definidos no apenas pela quantidade e qualidade do conheci-mento tcnico-cientfico disponvel, mas principalmente pelos interesses polticos em jogo, ou seja, pelo campo de foras ou poderes exercidos por distintos atores presentes na arena social a cada momento3.

    Portanto, as relaes potenciais entre qualquer disciplina cientfica e a ao poltica so, por definio, conflituosas, apresentando inmeros desafios, dentre os quais a necessidade de abandonar a posi-o relativamente cmoda de uma cincia capaz de construir problemas para outra capaz tambm de construir as solues4.

    James Marks5, ex-diretor do CDC, apresenta algumas idias extremamente interessantes para o nosso tema em sua con-ferncia Alexander Langmuir de 2009. Ele afirma que as polticas pblicas so o meio pelo qual a sociedade d forma ao que ela deseja ser ou se tornar. Ou seja, segundo o autor, atravs das polticas pblicas, sejam elas de formulao estatal ou oriundas dos movimentos sociais, que uma sociedade es-tabelece sua imagem objetiva, explicita seus valores e d publicidade s suas prioridades.

    O trabalho em sade pblica ocorre sempre em um contexto poltico e, divor-ciado desse contexto, o conhecimento epidemiolgico se esteriliza, perdendo a

    oportunidade de se constituir em prtica transformadora das condies de sade populacionais5.

    Para articular os conhecimentos epi-demiolgicos s polticas pblicas, seja no setor sade ou no, necessrio um modelo compreensivo do processo de determinao da sade e da doena na dimenso coletiva, bem como a identificao das abordagens mais promissoras e dos nveis de interven-o possveis6.

    O modelo elaborado pela Comisso de Determinantes Sociais em Sade da OMS permite identificar os diferentes determi-nantes sociais relacionados s dimenses da organizao social destacando aqueles processos responsveis pela produo das desigualdades sociais em sade7.

    Este modelo tem o mrito de articular graficamente diversas teorias sobre de-sigualdades sociais em sade, incluindo, em um quadro bastante amplo, os deter-minantes estruturais e os determinantes intermedirios ou mediadores, destacando aspectos econmicos, sociais, culturais e polticos que esto presentes nos processos de produo e reproduo social. O modelo incorpora as diferentes dimenses da estru-tura e da estratificao social, bem como o prprio sistema de sade.

    No mesmo documento os autores apre-sentam tambm um modelo para as polti-cas pblicas, definindo diferentes enfoques e nveis de atuao visando modificao nos determinantes sociais e reduo das desigualdades. So identificadas polticas voltadas para modificaes na estratificao social com atuao na dimenso macro-so-cial, polticas de reduo da vulnerabilidade e reduo da exposio a situaes de risco com atuao na dimenso intermediria, e polticas de reduo das consequncias nocivas com atuao na dimenso micro social, ou seja, diretamente no setor sade.

    Alm do modelo de determinao e de um modelo para distinguir diferentes modalidades de polticas pblicas com po-tencial aplicao na reduo das desigual-dades sociais, importante considerar as diferentes abordagens que tm informado

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    Fonte/Source: WHO. Commission on Social Determinants of Health. A conceptual framework for action on the social deter-minants of health. Discussion paper. 2007.

    Figura 1 Determinantes Sociais de iniquidade em sade.Figure 1 - Social determinants of health inequities.

    Fonte/Source: WHO. Commission on Social Determinants of Health. A conceptual framework for action on the social deter-minants of health. Discussion paper. 2007.

    Figura 2 - Modelo para ao no enfrentamento dos determinantes sociais das desigualdades em sade.Figure 2 - A framework of action for addressing social determinants of health inequalities.

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    a elaborao das polticas de sade, pois elas acabam por determinar o desenho das propostas de interveno com impacto sobre os resultados.

    Frolich e Potvin8 identificam trs abor-dagens distintas nas intervenes popu-lacionais em sade: o enfoque de risco, o enfoque de massa e o enfoque baseado na vulnerabilidade.

    O enfoque de risco foi formalizado em 1974 no relatrio LALONDE e est baseado na idia de que as intervenes devem ser focalizadas nos grupos populacionais em maior risco de adoecer ou morrer, permi-tindo assim maior racionalidade no uso de recursos habitualmente escassos, aumen-tando a relao custo-benefcio, uma vez que apenas aqueles com alta probabilidade de apresentar o problema seriam objeto das intervenes8.

    Esta abordagem alvo de inmeras crti-cas, principalmente porque as intervenes so voltadas para a modificao de compor-tamentos individuais, favorecendo a culpa-bilizao das vitimas, apresentando baixa capacidade de modificar a distribuio das exposies, baixo impacto na dimenso populacional e pequena efetividade, uma vez que raramente os grupos com maior exposio conseguem se beneficiar das intervenes8.

    O enfoque de massa defendido por Rose baseia-se na premissa de que a maioria dos casos ocorre entre indivduos com nveis mdios de exposio, e que a interveno massiva, de preferncia independente de decises individuais, resulta sempre em maior efetividade, pois ao atingir todos sem distino, acaba necessariamente tambm alcanando aqueles com maior risco9.

    As crticas abordagem massiva des-tacam os custos geralmente elevados para alcanar coberturas capazes de alterar a distribuio dos problemas na populao versus o numero de casos efetivamente evitados e a possibilidade de manter as desigualdades sociais, na medida em que os grupos mais vulnerveis poderiam no ser beneficiados por dificuldades de acesso, por exemplo8.

    Em face dessas limitaes, alguns auto-res propem o enfoque baseado no conceito de vulnerabilidade, como complementar s estratgias massivas exatamente para evitar a manuteno ou o aprofundamento das desigualdades sociais. Os grupos vulner-veis so definidos a partir do compartilha-mento de caractersticas que configuram desvantagens sociais ao longo da vida e maior concentrao de situaes de risco8.

    Assim, cada poltica pblica poder ter distintas abordagens, lanando mo de es-tratgias particulares, diversas modalidades segundo a dimenso da organizao social que visam alterar, e ainda se para a modifi-cao de determinantes sociais especficos.

    As relaes entre epidemiologia e po-lticas pblicas podem ser analisadas dos dois lados da equao: de um lado, quanto e como as polticas sociais influenciam o perfil epidemiolgico; de outro, como a epi-demiologia pode participar da formulao, implementao e avaliao das polticas pblicas.

    Impacto das Polticas Pblicas sobre o Perfil Epidemiolgico

    Uma das preocupaes centrais relativas atuao sobre os determinantes sociais em sade promover polticas intersetoriais que tenham na sua formulao a preocu-pao com os impactos sobre a sade e na reduo das desigualdades sociais. Esta preocupao frequentemente traduzida pelo lema Sade em todas as polticas.

    Alcanar esse objetivo, todavia, no fcil. Entretanto, existem exemplos de po-lticas pblicas que, embora no tenham sido elaboradas sob essa ptica, produzem resultados que impactam positivamente o perfil epidemiolgico exatamente porque so capazes de modificar alguns dos deter-minantes sociais importantes na produo de problemas de sade especficos ou no.

    A reduo da desnutrio infantil no Brasil nos ltimos 15 anos, bem como a reduo da desigualdade de prevalncia entre estratos sociais, pode ser usada como exemplo do impacto de polticas pblicas

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    sobre o perfil epidemiolgico da populao, mesmo que estes efeitos sobre a sade no estivessem no centro da formulao dessas polticas.

    Estudo realizado por Monteiro e cola-boradores10, analisando dados de quatro inquritos nacionais realizados entre 1974 e 2007, evidencia a importante reduo na desnutrio em crianas brasileiras menores de 5 anos de idade. Em 1974-75, a prevalncia foi de 37,1% (IC: 34,6 39,6) ,com razo de prevalncia entre o primei-ro e o quinto quintil de renda igual a 4,9, indicando assim risco 5 vezes maior de desnutrio entre as crianas mais pobres. O ltimo inqurito realizado em 2006-2007 mostra prevalncia de 7,1% (IC: 5,7 8,5) e

    razo de prevalncia de 2,6. Embora persista a desigualdade entre os estratos de renda, a diferena caiu pela metade, enquanto a prevalncia total apresentou reduo de mais de 80% no perodo.

    Entre 1996 e 2006-2007, cerca de 2/3 da reduo na prevalncia de desnutrio pode ser explicada por quatro fatores, todos eles objetos de polticas pblicas executadas nesse perodo: aumento da escolaridade materna, aumento do poder de compra das famlias, ampliao da cobertura de assistncia materno infantil e aumento da rede de gua e esgoto.

    O aumento no poder aquisitivo das famlias est relacionado principalmente a trs aspectos da poltica econmica: a

    Inqurito Prevalncia (IC 95%) RP (Q1/Q5)1974-1975 37,1 (34,6-39,6) 4,9

    1989 19,9 (17,8-21,9) 7,71996 13,5 (12,1-14,8) 6,3

    2006-2007 7,1 (5,7-8,5) 2,6Fonte/Source: Adaptado de Monteiro CA, Benicio MHA, Conde WL, Konno S, Lovadino AL, Barros AJD, Victora CG, Narrowing socioeconomic inequality in child stunting : the Brazilian experience, 1974-2007, Bull WHO 2010; 88:305-311 / Adapted from Monteiro CA, Benicio MHA, Conde WL, Konno S, Lovadino AL, Barros AJD, Victora CG. Narrowing socioeconomic inequality in child stunting: the Brazilian experience, 1974-2007. Bull WHO 2010; 88:305-311.

    Figura 3 - Prevalncia de desnutrio em crianas menores de 5 anos e razo de prevalncia entre o primeiro e o quinto quintil de renda em quatro inquritos nacionais de sade e nutrio, Brasil.Figure 3 - The prevalence of malnutrition in children under 5 years of age and the prevalence ratio (PR) between the first and fifth income quintiles in four national surveys on health and nutrition in Brazil.

    Indicador1996 2006-207

    Pobres (Q1) Ricos (Q5) Pobres (Q1) Ricos (Q5)Escolaridade materna > 8 anos 5,6 73,5 29,4 92,54 ou mais consultas de pr-natal 37,5 93,7 80,0 97,7Domiclio com gua tratada 39,9 80,9 65,3 89,2Domiclio com ligao de esgoto 2,4 60,0 22,5 69,2Ordem de nascimento < 5 69,5 98,4 91,3 99,7Intervalo inter partal > 24 meses 69,2 91,3 82,5 93,5Uso de contraceptivo 51,1 79,6 93,9 93,7Fonte: Adaptado de Monteiro CA, Benicio MHA, Conde WL, Konno S, Lovadino AL, Barros AJD, Victora CG. Narrowing socioeco-nomic inequality in child stunting : the Brazilian experience, 1974-2007. Bull WHO 2010; 88:305-311 / Adapted from Monteiro CA, Benicio MHA, Conde WL, Konno S, Lovadino AL, Barros AJD, Victora CG. Narrowing socioeconomic inequality in child stunting: the Brazilian experience, 1974-2007. Bull WHO 2010; 88:305-311.

    Figura 4 - Escolaridade materna, assistncia pr-natal, rede de gua e esgoto, indicadores de sade reprodutiva segundo quintis de renda, Brasil, 1996-2007.Figure 4 - Maternal education, prenatal care, water supply and sanitation, and indicators of reproductive health according to income quintiles, Brazil, 1996-2007.

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    retomada do crescimento da economia brasileira como um todo, a poltica de au-mentos reais (acima da inflao acumulada no perodo) sistemticos do salrio mnimo e programas de transferncia de renda como o Bolsa Famlia e o programa de Benefcios Previdencirios Continuados.

    A Figura 5 mostra a curva de evoluo do salrio mnimo desde 1995. Em todo o perodo considerado os valores cresceram, mas o aumento foi acelerado a partir do ano 2000. Aps 2003, os valores foram reajusta-dos sempre acima da inflao registrada nos ltimos 12 meses, o que representou ganhos reais e auxiliou no processo de redistribui-o de renda.

    A Figura 6 mostra a curva do ndice de Gini para o mesmo perodo. Observa-se

    estabilidade dos valores at 1999 e queda a partir do ano 2000. O valor ainda bastante alto, mostrando a desigualdade na distribui-o de renda no pas. Entretanto, na ltima dcada as diversas iniciativas de poltica econmica tm contribudo para amenizar em parte este quadro.

    O programa Bolsa Famlia surgiu em 2004, da fuso de quatro programas de transferncia de renda criados a partir de 2001. O programa foi fortemente expandido aps 2004, estando atualmente implantado em todos os municpios brasileiros, atingin-do aproximadamente 11 milhes de famlias e beneficiando 46 milhes de pessoas11.

    Santos e colaboradores12 avaliaram alguns impactos do programa, destacando sua contribuio para a reduo do ndice

    Fonte/Source: Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social IPARDES / Paran Institute of Economic and Social Development

    Figura 5 - Evoluo do salrio mnimo no Brasil, 1995-2011.Figure 5 - The evolution of the minimum wage in Brazil, 1995-2011.

    Fonte/Source: IPARDES

    Figura 6 - Evoluo do ndice Gini, Brasil, 1995-2008.Figure 6 - The Evolution of the Gini Index, Brazil, 1995-2008.

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    de Gini, aumento do gasto das famlias com alimentos, reduo da proporo de famlias em situao de insegurana ali-mentar, menores taxas de evaso escolar e diminuio do trabalho infantil. No foram observadas diferenas significativas na cobertura vacinal, provavelmente porque as taxas so normalmente elevadas mesmo entre as famlias mais pobres.

    O principal impacto direto sobre a sade foi a reduo do risco de desnutrio para as crianas das famlias atendidas. As crianas das famlias atendidas tiveram probabili-dade 26% maior de apresentar adequada altura para idade e peso para a idade11.

    O programa foi elaborado como parte da estratgia de reduo da fome e da pobre-za no pas e incluiu, entre os indicadores de acompanhamento, a frequncia escola e a utilizao de servios de sade. Entretanto, o impacto sobre a desnutrio infantil ocorreu principalmente pelo aumento do poder aquisitivo das famlias em situao de misria ou pobreza.

    Trs temas estratgicos

    Embora a epidemiologia tenha contri-buies para virtualmente todas as polticas pblicas em sade, trs questes se impem atualmente como compromissos da sade pblica, frente aos quais todas as disciplinas e saberes do campo da sade coletiva de-vem confluir: a reduo das desigualdades sociais em sade, a promoo da sade e a regulao exercida pelo Estado sobre bens e servios com consequncias sobre a sade.

    A contribuio da epidemiologia para o controle de doenas e agravos sade, bem como para o planejamento e a organizao de servios de sade, sem dvida continua sendo importante. Entretanto, por consti-turem tarefas tradicionais do campo, no sero objeto desta reflexo.

    Pellegrini13 sugere que as polticas de en-frentamento das desigualdades sociais em sade devem ser suportadas por trs pilares: conhecimentos cientficos que analisem os modos de produo das desigualdades e demonstrem a efetividade de intervenes

    voltadas para a modificao desses proces-sos; coordenao intersetorial, uma vez que os determinantes esto em sua maioria fora do setor sade; e participao social ampla, no sentido de envolvimento da populao na busca de solues para seus prprios problemas.

    Entretanto, o prprio autor aponta para as inmeras dificuldades presentes na elaborao de polticas para a reduo das desigualdades sociais, destacando a com-plexidade dos processos sociais envolvidos na determinao da sade e da doena e dos padres de desigualdade existentes em diferentes populaes; escassez de estudos de efetividade de polticas e a complexidade das intervenes que constituem uma po-ltica pblica; escassa documentao dos efeitos e mecanismos de ao das macro-polticas sociais, obrigatoriedade de ajuste das polticas s necessidades, capacidades e prioridades locais; pequena possibilidade de transferncia de experincias entre po-pulaes distintas; e a configurao poltica dos interesses dos diversos atores sociais.

    As polticas para promoo da sade tambm deveriam ter seu foco nos determi-nantes sociais do processo sade-doena. A transformao das condies produtoras de doena, do mesmo modo que no enfoque para a reduo das desigualdades sociais, depende da compreenso dos processos envolvidos nas diferentes dimenses de organizao da vida social. Muitas das iniciativas de promoo da sade, princi-palmente aquelas calcadas exclusivamente em programas de educao em sade, demonstram pequena efetividade, visto que a interveno dirigida aos indivduos visando mudana de comportamentos sem alterar os processos que determinam estes comportamentos.

    Retirar o foco dos indivduos e buscar compreender a complexidade das media-es entre as diferentes dimenses da vida social imprescindvel para a elaborao, implementao e avaliao de polticas de promoo de sade.

    Barreto3 tambm ressalta a necessidade de se desenvolver alternativas de promoo

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    e preveno que sejam tecnicamente vi-veis, com grande potencial de impacto populacional, efetivas para um ou mais pro-blemas de sade, social e individualmente aceitveis e com viabilidade poltica.

    As atividades reguladoras, na medida em que se exercem principalmente atravs de instrumentos legislativos com grande alcance e implicaes para diversos setores da vida social, so particularmente sujeitas a todos os tipos de presso econmica, poltica, social e cultural. Em um sistema democrtico pautado pelo respeito aos direitos humanos, as polticas regulatrias que habitualmente incluem intervenes que infringem ou restringem a liberdade individual devem necessariamente ser pautadas em legislao especfica que possa garantir o contexto da inviolabilidade de direitos e a aplicao do poder do Estado14.

    O papel da epidemiologia importante tanto na determinao dos nexos e me-canismos causais subjacentes proposta de interveno quanto na avaliao dos impactos alcanados. Tecnologias prprias das prticas epidemiolgicas como a vigi-lncia e o monitoramento podem ser teis na implementao dessas aes.

    A contribuio da Epidemiologia na formulao, implementao e avaliao de polticas pblicas em sade

    Como assinalam Souza e Contan-driopoulos15, a idia de que utilizar co-nhecimentos cientficos uma prtica recomendvel para os tomadores de deci-so est baseada no pressuposto de que polticas formuladas com base em conhe-cimentos racionais sero mais eficazes e eficientes. Entretanto, essa no uma tarefa facilmente realizvel.

    Diferentes estudos sobre as relaes entre pesquisadores e formuladores das polticas tm apontado como problemas frequentes do lado dos cientistas: a in-genuidade no mbito da poltica, pouco conhecimento sobre o processo poltico em si, expectativas irreais sobre o alcance

    dos conhecimentos produzidos, timing ina-dequado s necessidades da ao prtica, formato pouco amigvel utilizado na divul-gao dos resultados cientficos, escassez de respostas prticas como custos e impactos esperados, entre outros16.

    Por outro lado, na perspectiva dos pesquisadores, a utilizao dos resultados parece mais provvel quando os conhe-cimentos produzidos se referem a riscos singulares que podem ser manejados a partir de intervenes simples, quando so oportunos, quando as evidncias so vistas como parte de um quebra-cabea amplo em que cada parte pode contribuir para o quadro geral e quando h relaes prximas entre cientistas e formuladores17.

    No entanto, h relativa semelhana no ciclo de trabalho de formuladores de pol-ticas e pesquisadores, o que pode favorecer essa aproximao. O ciclo da pesquisa cientfica pode ser simplificado em qua-tro etapas: a construo de um problema cientificamente relevante, a formulao do projeto de pesquisa, a execuo da pesquisa e a avaliao e interpretao dos resultados18.

    O ciclo de trabalho da formulao de polticas semelhante, ainda que com contedos distintos. Neste caso, as etapas so: a identificao de problemas social-mente relevantes, a formulao da poltica propriamente dita, a implementao e a avaliao18.

    A epidemiologia pode contribuir na etapa de identificao dos problemas so-cialmente relevantes atravs do estudo da distribuio dos problemas de sade e de seus determinantes nos diversos grupos sociais, fornecendo informaes tcnicas para embasar as decises polticas, tanto no mbito dos movimentos sociais quanto no mbito governamental, somando-se a outros tipos de informao a serem consi-deradas no processo de tomada de deciso.

    Na etapa de formulao das polticas, os conhecimentos epidemiolgicos sobre os mecanismos de produo dos problemas de sade e sobre a eficcia ou eficincia dos instrumentos de interveno, novamente

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    podem se somar a conhecimentos oriundos de outras cincias do campo da sade cole-tiva e de outros campos do conhecimento para auxiliar os formuladores na compreen-so da complexidade do problema e de seu contexto, definio de objetivos e metas, e seleo das intervenes.

    Na etapa de implementao, a epide-miologia pode contribuir no acompanha-mento atravs de tecnologias como a vigi-lncia epidemiolgica e o monitoramento.

    Finalmente, no processo de avaliao os conhecimentos epidemiolgicos podem ser teis principalmente na anlise dos impactos previstos e alcanados. Santos e Victora19 chamam a ateno para a srie de eventos e etapas que se interpem entre a proposio de determinadas intervenes ou polticas de sade e a avaliao de seus efeitos ou impactos sobre o perfil epide-miolgico da populao. Evidentemente, para que ocorra o impacto e a modificao do perfil epidemiolgico obrigatrio que ocorram eventos decorrentes da poltica implementada. No entanto, h uma srie de fatores que podem ser modificados por pro-cessos independentes da implementao da poltica e que tambm modifiquem o perfil epidemiolgico, tornando particularmente difcil a anlise de desempenho.

    Tendo em vista essas dificuldades, a avaliao das polticas pblicas em sade pode assumir trs modalidades distintas: avaliao de adequao, na qual se procu-ra demonstrar o alcance de certas metas e objetivos, supondo-se a atuao efetiva da poltica avaliada; avaliao de plausibilida-de, na qual o foco posto na demonstrao de que os objetivos alcanados o foram pela existncia do programa ou poltica avaliada; e, finalmente. a avaliao de probabilidade na qual se busca estimar a probabilidade estatstica de que o programa ou poltica realmente tenha efeito.

    Cada uma dessas etapas apresenta de-safios particulares para a atuao e a con-tribuio dos epidemiologistas. Partindo da ideia de que o que pode ser medido pode ser feito, geralmente o estabeleci-mento de prioridades para a ao envolve

    a resposta a quatro questes prticas: Existe um problema? Sabemos como resolv-lo? Quanto vai custar? O impacto esperado ser alcanado?20

    Tradicionalmente, a contribuio da epidemiologia para a resposta primeira pergunta no apresenta maior dificuldade, visto que possumos os instrumentos con-ceituais e pragmticos para identificar os problemas de sade relevantes para diferen-tes grupos populacionais, identificando os padres de distribuio, as desigualdades, as tendncias temporais, a magnitude etc.

    Para responder segunda pergunta, ou seja, se sabemos resolver os problemas identificados, a contribuio da epidemio-logia pode ser dividida em dois grandes conjuntos: o conhecimento sobre os pro-cessos de produo da sade e da doena, e a avaliao da eficcia e eficincia dos instrumentos de interveno disponveis. Embora grande parte da pesquisa epide-miolgica atual seja dirigida para a produ-o de conhecimentos nesses dois aspectos, e a metodologia epidemiolgica seja til nos dois casos, h ainda muita polmica sobre a solidez do conhecimento produzido, dado o carter observacional da pesquisa em epidemiologia, e sobre a objetividade e a neutralidade nos processos de avaliao tanto dos riscos quanto das medidas de regulao.

    Boffetta e colaboradores21 reavivaram a polmica sobre os resultados das pesquisas epidemiolgicas ao discutirem resultados falsos positivos no campo da pesquisa em cncer. Os autores atribuem a existncia de tantos resultados que em pouco tempo so desacreditados, sendo substitudos por novas constataes, a uma tendncia de sobreinterpretao e falta de ceticismo dos pesquisadores face a associaes ob-servadas em estudos com amostras peque-nas, multiplicidade de comparaes, sem hipteses iniciais claramente formuladas, deficincias no ajuste de variveis de con-fuso e relao dose-resposta ausente ou incoerente. Segundo os autores, concluses prematuras podem ser evitadas por inter-pretaes mais cautelosas, alm de maior

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    cuidado metodolgico na conduo dos estudos. O recurso a maior censo critico e ceticismo diante dos achados pode ajudar a remediar o problema.

    Membros destacados da International Epidemiological Association22 saram em defesa da disciplina alegando, entre outras coisas, a enorme contribuio dos conhe-cimentos epidemiolgicos para o avano da sade pblica. Segundo eles, uma das grandes vantagens da epidemiologia ela ser uma cincia aplicada, isto , baseada nas condies do mundo real. Como um dos saberes a disposio dos formuladores de polticas, a informao produzida ser obje-to de escrutnio e deliberao, normalmente buscando equilibrar as consequncias tanto de resultados falsos positivos quanto de resultados falsos negativos22.

    A polmica ganha maior importncia por extrapolar os aspectos conceituais e ter claras implicaes para a atividade regulat-ria. Neste sentido, Blair e colabores recorrem afirmativa feita por Sir Bradford Hill, em defesa de seu ponto de vista:

    buscar por evidncias fortes no signi-fica resolver tudo antes de agir. Todo tra-balho cientfico provisrio seja experi-mental ou observacional. Todo trabalho cientfico passvel de modificao ou denegao pelo avano do conhecimento cientfico. Isto no nos confere a liberdade para ignorar o conhecimento j obtido ou retardar a ao que necessria neste momento. (p. 1812)22

    O segundo aspecto importante, prin-cipalmente na etapa de formulao das polticas regulatrias, diz respeito aos procedimentos de avaliao dos impactos de certos fatores de risco sobre a sade, objeto da regulao pretendida. Grande parte dos problemas identificados hoje no perfil epidemiolgico das populaes relaciona-se a produtos produzidos pelas grandes corporaes e, portanto, o seu en-frentamento envolve inmeros interesses e mecanismos de presso poltica explcita ou implcita.

    As metodologias disponveis para avaliao dos impactos sobre a sade de diferentes produtos tm sido vistas como capazes de introduzir maior racionalidade ao processo de formulao das polticas. Entretanto, o acesso a documentos internos de grandes corporaes do setor de produ-o de cigarros demonstra que o processo pode estar favorecendo os interesses desses atores contra os objetivos de preservao da sade23.

    Segundo Smith e colaboradores23, a in-fluencia das corporaes ocorre atravs de quatro mecanismos: anlise de custo-bene-fcio, na qual mais fcil prever o impacto econmico sobre o setor produtivo do que os custos difusos dos benefcios potenciais advindos da regulao; informaes neces-srias ao processo regulatrio fornecidas pelas prprias indstrias; monetarizao dos benefcios; e manobras protelatrias baseadas no questionamento das evidn-cias disponveis.

    Como consequncia da atuao polti-ca das grandes corporaes, muitas vezes as polticas regulatrias deixam de estar baseadas no princpio da precauo. Cada vez mais, o nus da prova recai sobre as agencias reguladoras e os interesses eco-nmicos normalmente se impem frente s necessidades sociais ou ambientais23.

    Tickner4, analisando as aes regulat-rias relativas ao estabelecimento de limites de segurana para riscos qumicos, aponta a inadequao do enfoque predominante nas agncias. Os produtos qumicos, assim como outros contaminantes, so vistos como seguros at que seja provado o seu efeito deletrio sobre o ambiente e a sade humana. No processo de estabelecimento dos nexos causais, as indstrias traba-lham no sentido de aumentar a incerteza, questionando as informaes disponveis, prolongando e adiando o processo de deliberao. Do ponto de vista da sade coletiva seria mais produtivo, utilizando o princpio da precauo, buscar alternativas seguras aos produtos qumicos objetos de preocupaes plausveis. Ao longo do tem-po tem-se verificado que, muitas vezes, a

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    mobilizao social tem sido mais eficiente e rpida no estabelecimento de restries do que as polticas governamentais.

    Apesar de todas as restries e dificul-dades anteriormente apontadas, as pol-ticas de sade, sejam elas voltadas para a promoo de comportamentos saudveis, sejam dirigidas para a regulao da produ-o e comercializao de produtos nocivos sade, so instrumentos imprescindveis para a ao em sade coletiva, e os conhe-cimentos epidemiolgicos so importantes componentes do processo.

    Finalmente, na etapa de avaliao do impacto, a epidemiologia, alm dos seus indicadores habituais de anlise de impacto, pode contribuir para o aprimoramento e a aplicao de novas metodologias, como a elaborao de cenrios que auxiliam o processo de tomada de deciso, projetan-do possveis consequncias da adoo de distintos cursos de ao.

    A modelagem de cenrios complexos vem se desenvolvendo muito, fornecendo projees cada vez mais vlidas e confiveis. Os modelos podem ser usados para infor-mar o debate poltico entre as alternativas, dar suporte a aes de defesa de interesses (advocacy) de grupos sociais ou do governo e analisar os impactos da implementao de programas ou polticas24.

    A construo de cenrios requer mui-tos dados alem de modelos adequados de determinao dos processos de sade e doena e suas interaes. O primeiro passo povoar o modelo com dados atuais e calibr-lo para garantir resultados con-sistentes. O segundo, criar um cenrio de referencia, que projeta a manuteno das condies vigentes na ausncia de qualquer interveno, para servir de comparao. O terceiro passo gerar vrios cenrios para informar a deciso, que possam ser comu-nicados aos gestores de forma fcil mas com contedo relevante. 24 Estes mesmos cen-rios podero ser utilizados na avaliao dos impactos do programa ou da poltica atravs da comparao dos dados observados com os esperados, ou seja, com aqueles gerados pelos modelos.

    Alguns exemplos do papel da epidemiologia em polticas pblicas de promoo da sade

    Dois dos principais consumos de risco para a sade humana na atualidade so o consumo de tabaco e o consumo de lcool. Os exemplos que passaremos a analisar re-ferem-se a polticas voltadas para o controle dessas duas exposies, nas quais a con-tribuio da epidemiologia teve destaque.

    lcool

    Motivado pelo numero elevado de acidentes fatais envolvendo motoristas de empresas de transporte, o Congresso americano aprovou em 1991 uma lei esta-belecendo a obrigatoriedade da testagem alcolica em empregados de transporta-doras. O programa inclua a testagem pr admissional, testagens aleatrias a partir da admisso, testagem em situaes de suspeio de consumo de lcool e testa-gem ps-acidentes. Os motoristas que em qualquer dessas testagens apresentassem nveis alcolicos acima de 0,04 g/dl eram imediatamente suspensos. Obviamente, a lei gerou muita controvrsia, com forte oposio por parte dos sindicatos e dos empresrios, e reclamaes quanto falta de evidncias sobre aos benefcios para a segurana no trfego25.

    A anlise de tendncia dos acidentes fatais segundo motoristas de transportes particulares ou comerciais e o nvel de al-coolemia mostrou que, entre 1982 e 2006 (perodo anterior e posterior aprovao da lei), houve reduo de 80% no nmero de motoristas de empresas de transportes alcoolizados e envolvidos em acidentes fatais contra 41% de reduo para os de-mais motoristas. A anlise epidemiolgica mostrou que cerca de 23% da reduo nos acidentes fatais em geral e 48% da reduo nos acidentes de motoristas comerciais po-deriam ser atribudos poltica de testagem obrigatria25.

    Paschall e colaboradores26 desenvol-veram um ndice para classificar os pases

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    Barata, R.B. et al.

    segundo suas polticas de controle de con-sumo de lcool e analisaram sua correlao com a prevalncia do consumo em jovens nos ltimos 30 dias, consumo de risco e in-cio do consumo antes dos 13 anos de idade.

    O ndice de poltica de controle do consumo de lcool foi construdo com informaes relativas a cinco domnios: disponibilidade (restries etrias para compra, horrio de venda etc), contexto (treinamento dos vendedores, viso pblica sobre o consumo etc.), preo, propaganda (restries veiculao) e medidas de con-trole referentes a consumir lcool e dirigir veculos a motor26.

    O estudo mostrou correlao inversa (R = 0,57) entre o ndice e o consumo per capita nos 30 pases analisados. Para cada 10 pontos no ndice observou-se reduo no consumo de um litro per capita. Observou-se associao significativa entre a prevaln-cia do consumo entre jovens e a frequncia do consumo no ltimo ms e o ndice de avaliao das polticas de controle26.

    Em ambos os exemplos apresentados, estudos epidemiolgicos foram impor-tantes para a identificao do problema, a formulao das polticas e a avaliao dos resultados.

    Tabaco

    Diferentes estratgias tm sido utili-zadas para reduzir o consumo de tabaco, diminuindo o nmero de pessoas que iniciam o hbito, restringindo o consumo dos fumantes e incentivando fumantes a deixarem o hbito. Entre elas destacam-se iniciativas para estabelecer reas livres de tabaco em ambientes de trabalho e espaos pblicos, campanhas educativas na mdia, aumento do preo unitrio, restrio propaganda, advertncias nas embalagens, entre outras27.

    As anlises de impacto dessas iniciativas sugerem que abordagens mais compreen-sivas, ou seja, baseadas na combinao de vrias estratgias, parecem ter maior efeti-vidade do que aes isoladas28.

    O programa de controle do tabaco na

    Califrnia, por exemplo, inclui campanhas de mdia, preveno em escolas, programas de cessao do uso em servios de sade, programas comunitrios, educao dos profissionais de sade, restries propa-ganda, leis de ambientes livres de fumo do tabaco e taxao. Levy e colaboradores28 desenvolveram um modelo de simulao para analisar quatro componentes dessa poltica: taxao, lei de ambientes livres do fumo do tabaco, campanha de mdia e restries ao acesso pelos jovens.

    O modelo incluiu dados desde 1988 e comparou a previso feita para 2004 com os dados observados. O modelo de referncia, ou seja, aquele construdo com a projeo na ausncia de intervenes, indicava redu-o de 24% na taxa de fumantes em 2004. Na vigncia da poltica, a reduo prevista pelo modelo era de 41% e a observada foi de 49%. A maioria da reduo (59%) pode ser atribuda taxao. Um aumento de US 1,00 no preo produz 5% de reduo na taxa de fumantes. As campanhas de mdia respon-dem por 28% da reduo estimada e a lei de ambientes livres de tabaco, 11%. O menor impacto foi observado para as restries do acesso dos jovens ao cigarro (2%)28.

    Consideraes Finais

    Este ensaio procurou refletir sobre o pa-pel da epidemiologia nas polticas pblicas setoriais de sade, ou em outras polticas sociais, reafirmando o compromisso po-ltico e social dessa disciplina cientfica e reconhecendo a necessidade de articular os conhecimentos epidemiolgicos a ou-tros saberes, no intuito de garantir melhor sade para a populao e, portanto, melhor qualidade de vida.

    Relembrando Juan Samaja29, podemos encontrar inspirao no trabalho intelec-tual de Milton Santos, destacando o papel potencial dos conhecimentos que produ-zimos para fazer da nossa atualidade um presente menos doloroso e mais promissor para homens concretos (p.106).

    Afinal, podemos nos perguntar, com James Marks5, o que as pessoas esto

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    querendo quando aspiram a uma vida saudvel? Ele cr que o que as pessoas realmente querem uma vida satisfatria e significativa, na qual possam fazer as coisas que valorizam e desfrutar daquilo que lhes d prazer.

    Nossa tarefa parece ser conciliar esse desejo por uma vida plena, satisfatria e prazerosa com o mximo de sade e o mnimo de injustia. um desafio e tanto para o qual precisaremos de toda a nossa energia e capacidade aliadas a um firme compromisso poltico.

    A autora declara no possuir conflitos de interesse em relao s posies aqui apresentadas, no mantendo nenhum vnculo com instituies responsveis pela execuo das polticas aqui analisadas nem com agncias reguladoras, e nem ainda com produtores de bens ou servios no campo da sade.

    Por no se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos, a mesma no foi submetida a nenhum comit de tica, sendo de total responsabilidade da autora as afirmaes e os posicionamentos aqui exarados.

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    Recebido em: 25/11/11Verso final apresentada em: 02/02/12

    Aprovado em: 23/05/12