Baroak a lua quarto crescente

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Beatriz tenta retomar as rédeas de sua vida ao procurar seu primeiro amor, mas o destino a joga novamente em um mundo jamais sonhado por ela. Após algumas investidas sem sucesso sobre o passado que considera ideal, a jovem viaja para a Índia com um novo grupo de amigos e vive uma aventura que revela o verdadeiro sentido de sua existência. Afinal, o amor nos aprisiona ou nos liberta?

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São Paulo, 2015

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Baroak: A Lua Quarto CrescenteCopyright © 2015 by Cris MottaCopyright © 2015 by Novo Século Editora Ltda.

gerente editorialLindsay Gois

editorialJoão Paulo PutiniNair FerrazRebeca LacerdaVitor Donofrio

gerente de aquisiçõesRenata de Mello do Valeassistente de aquisiçõesAcácio Alvesauxiliar de produçãoLuís Pereira

coordenaçãoLetícia Teófilo

preparaçãoFabrícia Romaniv

diagramaçãoEquipe Novo Século

revisão Lótus Traduções

capaAndré Siqueira

novo século editora ltda.Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455-000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – BrasilTel.: (11) 3699-7107 | Fax: (11) 3699-7323www.novoseculo.com.br | [email protected]

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 10 de janeiro de 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, sP, Brasil)

Motta, Cris P. P.Baroak: a lua quarto crescenteCris Motta.Barueri, SP: Novo Século Editora, 2015.

1. Ficção brasileira. I. Título.

15 -04020 CDD -869.93

Índice para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

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AgrAdecimentos

Sempre a Deus e a minha família linda. Igor, Diego e Ian, meus príncipes, meu orgulho. Amor imensurável.

Marcelo, companheiro de jornada e melhor amigo, te amo! Vovó, mãe, irmãs, sobrinhos e meu afilhado Bruno Adler, todos vocês

me encorajam e colorem minha vida. Amo, amo e amo!!!

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Prefácio

Quem em algum momento da vida não quis ter um desejo realiza-do? Imagina três? E se gênios pudessem mesmo transformar pe-

didos em certezas? Quando fui convidada a escrever um breve prefácio para este livro, me enchi de sorrisos. Não acreditei que poderia entrar na história de Beatriz Comarin e participar das aventuras do mundo de Clair e de Pietroh. Sim, escrever o prefácio seria fazer parte desta magia. Parte de um sonho também de uma jornalista que é exemplo. Cris Motta quis entrar no mundo da literatura, fixou uma meta e foi. Com a oportunidade de fazer o melhor dela, Cris obteve sucesso. Nas-ceram personagens com quem você vai se identificar. Em Baroak, a Lua Quarto Crescente, você ainda vai encontrar mensagens de sabedoria, conhecer outras culturas, vivenciar uma atmosfera incrível, além de mergulhar numa história de um amor improvável, e é claro, você vai se encantar com a luz de Beatriz Comarin.

Roberta Barroso, jornalista e apresentadora da Rede Bandeirantes

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Prólogo

A ideia de ser consumida pelo fogo sempre me fascinou. Pode pare-cer loucura, mas nunca tive medo. O calor sempre me atraiu. Em

algum momento, sabia que o meu corpo e minha alma iriam se mistu-rar às faíscas latentes. Com ardor e paixão… Não me sinto diferente por isso. Essa ideia sempre esteve comigo. Objetos sagrados e livros de oração me chamavam atenção desde pequena. Sempre amei a lua e seu signifi-cado. Olhava o céu, as estrelas de forma diferente. Quase sagrado. Não dava para ser diferente… Por isso, não me escandalizei com a aparição de Clair. Por esse motivo, encarei com naturalidade, por mais louca que fosse, toda minha trajetória com Pietroh. Claro que, às vezes, achava que estava no limite da razão. Alguns me viam como insana, mas quem não é? Sei que mergulhei! Fui fundo na minha alma… no meu coração. Só assim nos conhecemos de verdade. Só assim alcançamos nosso propósito na vida. Só assim nos libertamos. Mas essa libertação tinha um preço, e eu estava disposta a pagá-lo.

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sem roteiro

Um vento quente soprava à noite, mas não era agradável. Não dava para identificar os barulhos dos pássaros ou diferentes bichos. Eu só tinha uma certeza: algo ruim estava para acontecer. Beatriz acelerou os passos e preferiu andar pelo meio da rua. A sen-

sação de ser perseguida por algo ou alguém a deixava sem ar. Não havia ninguém por perto. Ela estava só e à mercê do perigo, exposta a qualquer alguém, a qualquer coisa. Os pés já não sentiam o chão. Bia corria sem rumo, olhando para trás, até que, no meio de uma praça, onde só havia o terreno arenoso e alguns arbustos sem vida, a jovem teve certeza de que era o fim. Ali, no centro do local, ela se fechou feito uma concha e esperou o inimigo se revelar.

De repente, o chão abriu-se e Beatriz começou a cair… O imenso buraco era angustiante e seco, e ela não conseguiria sobre-

viver à queda. Seus olhos arregalados de pavor eram a única coisa que se movia. O grito não saía de sua garganta, ela não teria esse último suspiro de vida… Seria uma morte muda, reprimida.

– Nãoooo! – gritou Beatriz voltando do pesadelo. – Por que isso ago-ra? Meu Deus, proteja-me…

Bia ficou algum tempo na cama até conseguir respirar fundo e le-vantar-se para beber um pouco de água. Abriu a janela do quarto e, ao contrário do mau sonho, o amanhecer estava lindo. Ainda havia estrelas

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no céu, e a lua parecia um desenho de criança, pronta para que um pe-quenino dormisse na sua curva de fase quarto crescente.

Beatriz pensou na amiga distante. O que ela estaria fazendo agora? Clair…

Como sentia saudades das gafes, dos improvisos, dos risos, dos en-sinamentos de sua djinn. A jovem não entendia o motivo pelo qual não podiam conviver, serem amigas para sempre. “Best friends, aquelas que fecham!”, como Clair costumava dizer quando tentava parecer humana. Por que poderiam se ver apenas algumas vezes? De quanto em quanto tempo? Isso não era justo… O que elas tinham a ver com todas as juras e pactos dos seres celestiais, infernais ou mediadores? Elas eram somente amigas e se queriam muito bem. Amavam-se como irmãs, feitas do mes-mo material pelo dono do Universo.

Pietroh era outra indignação, mas preferia não pensar sobre isso.Beatriz caminhou até o guarda-roupa, colocou o banquinho em fren-

te à porta e subiu para mexer na parte de cima do móvel. Alcançou as duas caixas e as colocou com cuidado sobre a cama.

A estrela de cristal…Bia sentiu um arrepio percorrer o corpo ao lembrar que tudo havia

começado devido àquele pote. Devido à sua vontade de ir ao mercado popular comprar uma lembrança de uma cultura tão fascinante e tão di-ferente da dela. Fechou os olhos e viu o rosto feliz de Clair, mas não ma-terializado, apenas na lembrança. Quantos momentos bons! Mas, agora, o pote não tinha luz, não tinha vida… não havia mais sua amiga djinn habitando aquela morada.

Da outra caixa retirou um objeto bem embrulhado em um tecido azul aveludado. Um arrepio, diferente do que sentiu ao olhar a estrela, quase a travou. Com receio e cuidado, desembrulhou a adaga que ganha-ra no último dia em que viu Pietroh. No dia em que ela percebeu que sua vida jamais seria normal. Bia não entendeu muito bem o que o anjo falou, apenas sabia que Pietroh, Clair e ela poderiam fazer contato se desejas-sem. Mas Beatriz sempre teve medo de desejar isso. Não queria enfrentar o inferno novamente. Ela não podia, não conseguiria.

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O despertador avisou que era hora de se preparar para ir à faculdade. O dia sempre era longo, tendo que se dividir entre os estudos e o novo trabalho. Bia jogou o pijama em cima da cama e foi nua para o banheiro. A água morna a acordava devagar, como um aconchego. Secou o corpo e olhou o rosto no espelho. Enrolou a toalha na cabeça e pegou outra, seca, para envolver o corpo. Escovou os dentes, desembaraçou os fios dos seus cabelos e passou um batom cor de boca. Puxou a gaveta da cômoda e escolheu suas peças íntimas. Abriu o armário e não pensou muito: “Calça jeans e camisa polo, combinação certa”.

– Ih, é hoje a apresentação do trabalho sobre o Egito! – Beatriz me-xeu em sua bolsa. – Preciso imprimir esse troço. Cadê meu pen drive? Vamos lá, dona Beatriz, procure com calma – dizia para si.

Bia dava voltas em seu quarto. Abriu o guarda-roupa várias vezes. Procurou nas gavetas, nas bolsas, nos casacos, mas não encontrava a pes-quisa que estava salva em um único dispositivo portátil. A apresentação do trabalho sobre o Egito seria dentro de algumas horas, e ela não havia salvado nem o título em seu computador.

– Droga! Não acredito que toda minha anotação se perdeu, tudo o que pesquisei, digitei… Nãoooo! Como se não bastasse tudo o que venho vivendo nestes últimos meses… Terei que começar do zero.

Um choro nervoso externou a pressão que ela vivia há algum tempo. Não foi a perda do trabalho da faculdade. Não era o dia maravilhoso acontecendo lá fora, o qual ela não podia aproveitar, devido às suas obri-gações sem graça e que a traziam para realidade. O que deixava Beatriz apreensiva era sua própria bagunça interior.

“Sinto-me perdida. Perdida em tudo… Não consigo saber ao certo o que desejo fazer, tenho vontade de sumir!”. Os olhos de Bia ardiam, esta-vam vermelhos, e seu rosto empolado de tanto esforço ao chorar.

Um ano se passara desde que o evento mais improvável de sua vida havia acontecido: a visita aos Baroak e ao inferno dos djinns. Nem as aulas de História, nem as amigas inseparáveis, com as quais bebia mo-caccinos ou capuccinos às quatro da tarde, a faziam feliz. Beatriz osci-lava entre o tédio e a angústia. Costumava dizer que a visita ao inferno a fizera trazer uma parte dele para dentro dela. Joanna, sua ex-babá e

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principal confidente, dizia que isso era falta de um namorado. A ga-rota perdeu as contas das vezes em que Jo pediu a ela que ligasse para Rodrigo. Em vão! Bia não achava certo aparecer na vida dele depois de tanto tempo em silêncio. O rapaz não merecia. Mas ela também não poderia fugir o tempo todo do que seria inevitável: um reencontro. Eles continuavam fazendo parte do mesmo círculo de amigos, moravam no mesmo bairro e frequentavam os mesmos lugares. No entanto, para a sorte de Bia, nunca mais tinham se encontrado desde o dia em que re-solveu trocá-lo por Pietroh.

Pietroh… Esse, sim, era o motivo daquela agonia que a jovem Coma-rin carregava. Um projeto inacabado de vida… “Mas que vida?”, Bia cos-tumava se perguntar quando se deparava com seus devaneios. Ela sabia que nunca houve projeto, algum rascunho de algo que envolvesse Pietroh Baroak. Assim como chegou, partiu… Fez-se fumaça. Desde o início sa-bia que era loucura. Ter Clair ao seu lado foi uma insanidade, Pietroh então… A “felicidade” de Beatriz esteve o tempo inteiro sentada no sofá de sua casa, esperando que ela se decidisse entre a verdade e a ilusão. Ro-drigo fazia falta em sua vida.

Cansada de tanto medo, pesadelos e inseguranças, em um gesto im-pensado, pegou o telefone do criado-mudo e tentou resolver sua aflição.

– Alô? – uma voz soou do outro lado da linha.O coração de Bia batia de forma descompassada. Então, tomou coragem:– Rodrigo? – Ela não acreditava no que estava fazendo.Não houve resposta. Bia também emudeceu. Ambos escutavam o eco

da respiração que soava aos ouvidos pelo telefone.– Rodrigo, é Beatriz. Você pode falar comigo? – arriscou.– E por que você acha que não poderia? – ele foi sarcástico.– Bom, eu pensei que você estivesse chateado comigo depois de tudo

o que…Ele não deixou Bia terminar de falar.– Ah, sim! Depois de ficar sem falar comigo por quase um ano, sem

dar qualquer explicação, depois de ordenar à Joanna que não me dissesse nada sobre você e muito menos que a chamasse ao telefone. Era só ver o meu carro que você dava um jeito de fugir de mim, como se eu sofresse

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de alguma doença contagiosa. Oh, é claro que estou muito chateado e confesso que não sei se desligo agora mesmo ou se escuto o absurdo que você tem a dizer!

– Por favor, me perdoe. Fiz isso tudo, fui uma idiota, mas eu não estava bem, Rodrigo. Quase me perdi para sempre. Acho que fiquei no limite da sanidade mental.

– É? Então por que ninguém me deu satisfação? Foi um completo descaso comigo! Com meus sentimentos, com o amor que eu sentia… – A voz dele parecia embargada.

– Perdão, Rodrigo. Olha, sei que não fui legal, que não sou digna de ter sua amizade, mas, pelo menos, me perdoe.

– Por que deveria? Por que isso agora?– Porque me sinto tola. Perdi o maior tesouro que tinha. Por egoís-

mo, talvez. O pior é que não sei por que escolhi as estradas que me leva-ram para longe de você.

Rodrigo vacilou. O nó na garganta ficou mais apertado ao ouvir de Bia: “Não sei por que escolhi as estradas que me levaram para longe de você”.

“Seria isso uma afirmação de que ela havia se arrependido? Beatriz ainda me ama?”, o rapaz pensava sentindo seu coração quase explodir, mas se conteve.

– Bia, se você quer ouvir que está perdoada, tudo bem, passou. Agora preciso desligar, porque tenho um compromisso. Afinal, mal co-meçou o dia.

Rodrigo tentou ser frio, e conseguiu, mas não era isso que Bia espe-rava. Ela se despediu e ficou sentada na cama, olhando para o espelho de sua penteadeira. Seu rosto estava péssimo: as olheiras pareciam máscaras de um baile à fantasia, e as manchas vermelhas, causadas pela forte emo-ção, ainda estampavam sua pele.

A jovem se aproximou do móvel e começou a olhar, com precisão, os seus traços. Depois, verificou sua feição. Por último, fechou os olhos e observou sua alma. Tudo estava sem cor. Desde o invólucro até o interior do embrulho… O mais sensato a se fazer era sair de casa rumo à univer-sidade e enfrentar a desconfiança da professora quanto à composição do

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trabalho que deveria apresentar naquela manhã. Ela tentaria explicar à Bernadete o que havia acontecido, mesmo sabendo que era um absurdo de sua parte salvar um documento apenas em um arquivo.

Beatriz entrou pela sala de aula com ar de desânimo. Passou os olhos rapidamente pelo lugar e deu um meio sorriso ao encontrar Priscila. Ar-rumou-se na cadeira e tirou o caderno da bolsa.

– Perdi o trabalho.– Como assim? Aquele que você vai apresentar hoje?– Eu ia apresentar. Salvei a pesquisa toda em um único pen drive,

acredite se quiser.– Putz, Bia, não é possível! Bernadete não vai engolir essa. – Sei lá, deve ter sido algum descuido. Mas eu sei que fiz e perdi, essa

é a verdade! Se ela não acreditar, não posso fazer nada. Estou cansada de ficar provando sempre alguma coisa a alguém.

– Eu hein, que humor! Isso é fome, não é? Precisa ser alimentada, do contrário, desfalece, não é, Tamagoshi? – Priscila deu uma piscadela para Bia com o intuito de descontrair a amiga.

– Boba! Eu me alimentei bem no café da manhã. Opa, a professora chegou!

A aula transcorreu normalmente e vários trabalhos foram apresenta-dos. Bia explicou à professora o que acontecera ao seu trabalho, e, para a surpresa da jovem, Bernadete acreditou.

A turma desceu na hora do intervalo, e apenas meia dúzia de estu-dantes ficou em volta da mestra tentando receber mais pontos pela apre-sentação da pesquisa.

– Meu Deus, quanto puxa-saco! Profissãozinha chata a de professor! Ganha mal e ainda atura essas malas!

– Também não é assim, Pri. Professor universitário recebe um salário razoável – ponderou Clara.

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– Ah, está bom! Logo você, que adora viajar e trazer bolsas e sapatos lá de fora, está falando isso? Tente viver apenas com esse ordenado, Clara – retrucou Priscila.

– Ei, estou com fome. Vamos descer, vamos? – Beatriz puxou as ami-gas em direção à lanchonete.

Priscila era alta, loira, tinha a pele bronzeada e chamava a atenção dos rapazes. Bastava descer os degraus da escada da praça de alimentação para atrair olhares, tanto dos meninos quanto das meninas.

As amigas procuraram uma mesa na qual pudessem colocar suas bolsas e puxaram cadeiras para se sentarem. A praça era cercada por lan-chonetes para todos os gostos: os adeptos à comida natural, os apaixona-dos por fast food e a turma dos salgadinhos. O clima era descontraído, mas muitos cercavam os professores para tirar dúvidas sobre trabalhos e notas de prova. Todos se encontravam na aula de “praçologia”, como Priscila gostava de chamar a hora do intervalo. Jovens de todas as tribos faziam parte daquele cenário: a galera com ar de intelectual, ao mesmo tempo “largada”, do curso de Cinema; os “animados” e “arrumadinhos” da Publicidade; e “os caras de preto” do curso de Direito. Estes últimos eram os mais paquerados, devido ao jeito elegante de se vestirem, já que a maioria ia para faculdade de terno.

– Ai, Bia, amo homens de terno com mochila nas costas… Acho lin-do! – Pri divagava enquanto dava uma generosa mordida em seu crois-sant de ricota.

– Você desce para comer besteiras com a boca e para devorar os “ho-mens de preto” com os olhos – Bia polemizou.

– Você está um porre! Nossa, Beatriz Comarin, por que você não volta para o convento? – Priscila ironizou.

– Lá não era convento.– Não, imagina! Sua faculdade era ótima. Só tinha múmia e gárgulas.

Você foi salva por mim quando eu a chamei para vir para cá. Tem é que me agradecer para sempre. Ser eternamente grata, como os ETs verdi-nhos do Toy Story.

Beatriz riu da amiga, e o clima tenso foi quebrado. Não demorou muito para as duas conversarem sobre tudo e todos. Mari e Katy chega-

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ram logo depois e se juntaram às meninas. Olhares, sorrisos e cochichos eram intermináveis na hora do intervalo.

– Bia, sabe o Vinicius?– Sei.– Tá apaixonado por você – Katy tentou animar Beatriz a se interes-

sar por alguém.– Jura? O cara de camelo? – Priscila foi espontânea.– Caraca, Pri! Você sempre apelida os outros. Isso é horrível. Já se

olhou no espelho? – Mari defendeu Katy.– Ih, peraí, você se acha a lindástica?– Parem, vocês duas! – Bia pediu.– Tucano! – Mari continuava.– Olheiras de coala – retrucou Priscila.– Parem! – Clara falou num tom mais alto. – Comam “na paz”! Eu,

hein!– O Vinicius é lindo! Por falar nisso, olha quem está chegando… –

Katy virou os olhos para o lado. Da praça de alimentação dava para ver quem saía das salas de aula

em direção às lanchonetes. Vinicius era um dos “caras de preto” mais cobiçados da UFG (Universidade Federal Guanabara). Cabelo castanho--claro, olhos azuis, sorriso largo. Quando descia para lanchar, não tinha espaço para mais ninguém… Todas se derretiam por ele. O apelido de “camelo” pegou quando ele postou uma foto em que aparecia em cima do tal animal, em um passeio que fez quando viajou para a Índia.

Mesmo rodeado por belas e interessantes mulheres, seus olhos se voltavam para Beatriz. Mas ela sempre desviava.

– Ai, Bia! Não dá para entender! Eu sou uma gata, mas o Vinicius se encanta por você, a Carrie1 da facul? Peraí! – brincou Pri.

– Tucano! – Beatriz apertou o nariz da amiga, e as cinco jovens caí-ram na gargalhada. – Gente, sabe o que é…? Sei que estou chata, mas

1. Personagem criado por Stephen King em romance homônimo que retrata uma jovem com comportamento diferente dos demais. Já ganhou algumas adaptações cinematográficas.

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estou vivendo um momento… Bom, eu sei que não é justo, mas vou falar: procurei o Rodrigo.

– Não! – Priscila se indignou.– É, eu sei, podem falar o que vocês quiserem. Katy já reprovou mi-

nha decisão, mas…Katy cortou a amiga:– Alto lá, Comarin! Você é superindecisa, louca de pedra, deixa todas

as suas amigas piradas. Poxa, você queria tanto o Rodrigo e depois, quan-do o tinha nas mãos, se apaixonou pelo irmão da sua siamesa!

– Siamesa? Tá brincando! Que bizarro! – Priscila quis ser engraçada. – Você acredita em tudo, hein? É o jeito de falar. A Clair, a melhor e

mais amada amiga da Bia, só vivia grudada nela.– Ah, Katy, ciúmes? Jura? – Beatriz estava sem paciência para reme-

xer o passado. – Só disse que liguei para o Rodrigo e que foi horrível. Eu estou me sentindo horrível! Por isso o cara de preto com mochila nas costas e olhos da cor do oceano não me anima.

– Você é um ET, querida. Para não te chamar de outra coisa – brin-cou Mari. – Mas, como conhecemos bem essa cabecinha de berinjela, te perdoamos, viu?

– Beatriz Comarin, você precisa participar do “bondalelé”, às quin-tas-feiras. Vamos lá para o Biombo. Fica superanimado e vai todo mundo da facul! – Clara tentou animar a amiga.

– Pode ser… – foi a única resposta de Bia.O sinal tocou, convidando os alunos a subirem para as salas de aula.

Ao ouvir a campainha que indicava o término das aulas, Bia olhou o relógio e deu um suspiro. Ainda faltavam algumas horas para completar sua jornada diária de responsabilidades, pois a jovem teria que enfrentar a rotina de seu trabalho. Após alguns minutos no trânsito, estacionou o carro um pouco distante do local em que trabalhava e caminhou pelas ruas do centro da cidade. Beatriz olhava tudo em sua volta como se assis-tisse a algum filme. Conseguia se concentrar em cada gesto das pessoas,

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em cada acontecimento à sua frente. Olhava mulheres e homens sentados à mesa, almoçando, conversando, com sorriso largo no rosto ou tensas expressões. Admirava o repórter que, cheio de energia, fazia a matéria na rua com sua equipe. Chegou a se perguntar se estaria mais feliz se tivesse optado pelo jornalismo, pois seu trabalho nunca cairia na rotina. Viveria sempre uma nova emoção, acompanhada por vários colegas de profissão. A verdade é que se sentia só em seu local de trabalho. Momentos felizes só existiam quando as crianças faziam visita guiada pela biblioteca ou consultavam algum livro para suas pesquisas de escola. Meninos e me-ninas eram transparentes em seus sentimentos, espontâneos, enérgicos, divertidos. Sempre puxavam conversa.

– Tia, me dá uma dica de livro para fazer um trabalho sobre Literatu-ra Nacional? Mas tem que ter gravuras, tá? E também… a letra não pode ser muito pequena. Sabe, na minha turma só tem pateta, e já vi que vai sobrar para mim. Olha lá, tia! Estão fazendo bagunça! Fala com eles que tem que ter educação aqui dentro! – falava uma menina robusta, com bochechas vermelhas, aparentando ter doze anos.

“Tia”, Beatriz repetia para si mesma, achando graça da naturalidade da aproximação dos “pré-adolescentes” (daquela forma como os maiores de nove e menores de quatorze anos costumam se definir) para com ela.

Bia contornou a situação com o grupo de oito jovens que logo se sen-tou à mesa central, a maior da biblioteca, para fazer o trabalho do colégio. Bia olhava para aquela algazarra e lembrava-se de sua infância com me-lancolia. Sempre se sentiu sozinha. Talvez pela maturidade incompatível com sua idade.

Beatriz ficou reflexiva, pensou em vários momentos de sua vida e, num lampejo de coragem, decidiu que não perderia mais tempo. A felici-dade dela dependia de algumas atitudes, de um pouco mais de ousadia. E esse seria o seu próximo passo.

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