Bastide, Roger

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BASTIDE, ROGER. Estudos Afro Brasileiros. Editora Perspectiva, São Paulo, 1973 Um dos primeiros trabalhos a pensar a produção cultural negra por uma perspectiva desvinculada do folclore foi o de Roger Bastide, sobre a poesia afro-brasileira e a imprensa negra em São Paulo. Buscava o autor desenvolver “O estudo dos negros brasileiros enquanto criadores de cultura” (PXIX) O autor afirma que durante o romantismo, o negro não adentrara na comunhão nacional. O mulato se afirma nessa literatura como branco, buscando assim, se afastar de sua negritude. “E vemos pelo contrário que os mulatos que chegam à cultura, em conseqüência da revogação da antiga estrutura social que se seguiu à independência, procuram no Romantismo não um meio de se distinguir, mas, pelo contrario, um meio de penetrar mais impunetemente na grande familia branca” ( p 31) A imprensa negra no Estado de São Paulo Rpger BAstide busca discernir, através da imprensa negra “a mentalidade de uma raça” p 129 Pode-se dividir a imprensa negra em três períodos. O que acompanha ou vem em seguida à guerra de 14, com a Princesa do Oeste (195), O Bandeirante (1918), O Alfinete (1918), A liberdade (1918, Kosmos (1922), O Clarim da Alvorada (1924), A Tribuna Negra (1928, Quilombo (1929), Xauter, etc.. jornais esses em que a parte social tem e geral, uma importancia considerável, mas nos quais se insuna cada vez mais a política de protesto racial. Sente-se que a guerra, divulgando idéias de livberdade e igauladade, apresentando- se como o grande combate da democracia, despertou nas massas trabalhadoras de cor aspirações por melhor sorte. Ao

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BASTIDE, ROGER. Estudos Afro Brasileiros. Editora Perspectiva, So Paulo, 1973

Um dos primeiros trabalhos a pensar a produo cultural negra por uma perspectiva desvinculada do folclore foi o de Roger Bastide, sobre a poesia afro-brasileira e a imprensa negra em So Paulo. Buscava o autor desenvolver O estudo dos negros brasileiros enquanto criadores de cultura (PXIX)O autor afirma que durante o romantismo, o negro no adentrara na comunho nacional. O mulato se afirma nessa literatura como branco, buscando assim, se afastar de sua negritude. E vemos pelo contrrio que os mulatos que chegam cultura, em conseqncia da revogao da antiga estrutura social que se seguiu independncia, procuram no Romantismo no um meio de se distinguir, mas, pelo contrario, um meio de penetrar mais impunetemente na grande familia branca ( p 31)

A imprensa negra no Estado de So Paulo Rpger BAstide busca discernir, atravs da imprensa negra a mentalidade de uma raa p 129

Pode-se dividir a imprensa negra em trs perodos. O que acompanha ou vem em seguida guerra de 14, com a Princesa do Oeste (195), O Bandeirante (1918), O Alfinete (1918), A liberdade (1918, Kosmos (1922), O Clarim da Alvorada (1924), A Tribuna Negra (1928, Quilombo (1929), Xauter, etc.. jornais esses em que a parte social tem e geral, uma importancia considervel, mas nos quais se insuna cada vez mais a poltica de protesto racial. Sente-se que a guerra, divulgando idias de livberdade e igauladade, apresentando-se como o grande combate da democracia, despertou nas massas trabalhadoras de cor aspiraes por melhor sorte. Ao mesmo tempo temos a indcios dos primneiros efeitos da poltieca de educao no Brasil, o resultado do magnfico esforo da Repblica no desenvolver o ensino gratuito primrio. P131

O segundo perodo o que vai de 1930 a 1937, com O Progresso (1931), Promisso (1932), Cultura social e esportiva (1934), O Clarim (1935), e sobretudo A Voz da Raa (1936). o periodo da formao, do desenvolvimento e do apogeu da Frente Negra, a passagem da reivindicao jornalstica para a reivindicao poltica. P 132

Nessa poca, se dvida os partidrios da Frente Negra se insurgem contra os que crem que esse movimento est ligado a um novo racismo; o que a associao quer luytar contra os preconceitos de cor e para isso criar ym partido poltico negro. Como na Amrica do Norte, Entretanto, evidente que esses lderes esto obsedados pelas mimagens fascistas. Criam uma milcia negra para policiar os meetings raciais e A Voz da Raa escreve : Hitler, na Alemanha, anda fazendo uma poro de coisas profundas. Entre elas a defesa da raa alem. O Brasil deve seguir o exemplo, mas defender a raa brasileira no defender a arianizao do Brasil; ao contrrio, defender a raa tal qual elas e formou pela mustura dos trs sangues. Que nos importa que Hitles no quieira, na sua terra, o sangue negro?Isso mostra unicamente que a Alemanha Nova se orgulha da sua raa. Ns tambm, ns brasileiros temos raa. No queremos saber de arianos. Queremos o brasileiro negro e mestio que nunca traiu nem trara a Nao. Mas esta defesa bnao pode fazer-se no quadro da democracia liberal, que levanta os indivifuos ins contra os outros, mas, ao contrario pela submisso de todos a um Fuher , a um super-homem, a um Mises de bano. P132/133A futura extino do partido negro pelo Estado Novo, acaba com a Frente Negra e os jornais negros. De 1937 a 1945 o vazio. preciso esperar a volta ao regime democrtico para ver surgir de novo a imprensa de cor, com Alvorada e Senzala. Agora a apologa da ditiadura a apologia da liberdade que sucede e , Palmares, em vez de ser a Repblica autoritria do Zambi, a Repblica, fraternal cooperativa, liberal. P 133

Notar-se- igualmente que essa valorizao do preto no vai at a frica. No entanto, a frica tambm apresenta um quadro animador, com seus baixos-relevos do Daom, seus desenhos dos Bosqumanos, suas mscaras que renovaram a esttica moderna, e seus remanescentes de civilizaes antigas. Dir-se-ia que esses jornalistas tm medo de lembrar sua origem, de evocar uma frica, brbara em seus pensamentos, um pas que imaginado quase como um pas selvagem. E isso a tal ponto que os negros no Brasil se erguem contra as idias de Garvey, as de volta frica; querem permanecer brasileiros, e preciso subentender: membros de uma nao civilizada. Numa palavra, a valorizao no se estende para alm do perodo brasileiro, o glorificado no jamais o africano, mas o afro-brasileiro. (p149)

Notamos que a poltica entre os negros se dava sobre uma pratica assimilacionista, ou seja, assimilar o mundo do branco para ser aceito neste. Assim surge entre os negros algo que Roger Bastide chama de uma tica puritana, em que o negro busca assimilar os valores da burguesia branca na tentativa de destruir imagens esteriotipadas e negativas da populao negra, tais como vadiagem, alcolismo. Roger Bastide encontra na imprensa negra uma tica puritana que condena o abuso do lcool, que tranforma o homem em animal e que considerado sob a forma de bebedeira, como distintivo da classe baixa (Jornal A Voz da Raa, apud BASTIDE, p 151). Esse puritanismo chegar at a regulamentar o modo de se vestir, pois o que vale o que se v, por causa da associao que no se deixa de fazer entre o exterior e as disposies da alma: no se pode admitir as moas de cor com vestidos muito curtos, as pernas sem meias ( A VOZ DA RAA, I) A Voz da raa cria uma seo, sob o titulo O que ns devemos saber: por um leno na boca antes de espirrar, no sair com meias furadas ou com roupas sujas, no convidar os amigos para matar o bicho, mas sim para tomar um caf, no fumar em casa de famlia quando se est de visita, a menos que o dono da casa tenha j comeado a fumar... Numa palavra, preciso criar um meio digno, respeitoso, srio de trabalho e de honestidade, de boas maneiras e de linguagem decente (BASTIDE, 152)A nota de Bastide nos apresenta as tcnicas sociais pelas quais os negros buscavam se assimilar a sociedade burguesa branca, a seo do jornal, quase que um manual de etiqueta para negros, nos faz lembrar as analises de Norbert Elias em sua obra O Processo Civilizador, para o socilogo, o processo civilizador surge como um processo de individuao e autocontrole dos indivduos, as normas civilizadas, na maioria das vezes (variveis) na verdade revelavam formas de distino de grupos sociais que detinham o poder. Neste sentido, ao buscar os padres da civilizao branca, os negros estariam adentrando no jogo e assimilando regras de civilidade criadas pelo mundo branco. Da a negao, apontada por Bastide, dos batuques, e elementos folclricos da cultura negra, Em geral, porm, esta imprensa se levanta com indignao contra os batuques, os sambas, as danas populares herdadas dos antepassados. Sente-se que se quer esquecer tudo o que liga um pouco mais de perto o preto contemporneo sua ptria de origem. O emburguesamento triunfa aqui do orgulho racial p 153Assim, h um duplo movimento, destacado por BAstide, um que faz o negro se separar em seus bailes e confrarias negras, e outro que busca a assimilao. Um que busca a conscincia de cor, enquanto o outro busca a mistura. P 153

Analisando a poesia afro-brasileira o socilogo Roger Bastide assinala tmidas manifestaes da literatura negra:O escravo, quer do campo, quer da cidade, mantem os seus velhos cantos religosos ou improvisa, sobre novos temas, canes de trabalho, rias de danas, contos que relatam os seus sofrimentos e esperanas. Mas esta uma liuteratura puramente popular que no chega a ultrapassar a linha de hierarquia dos gneros. (gneros nobres e gneros baixos). Entretanto alguns mulatos livres, at mesmo alguns negros, por fora do hbitop feliz do apadrinhamento, conseguem penetrar no mundo cultural dos brancos. Foi o caso, por exemplo, de Manuel Incio da Silva Alvarenga (1730-1814) ou de Domingos Caldas Barbosa (1738-1800). Mas o primeiro cuidados destes parvenus da inteligncia era copiar a luiteratura dos brancos, esquecendo assim a sua ancestralidade africanas. Eles no tiveram o propsito de vuscar, em suas origens, uma fonte nova de inspirao, de partir do folclore por exemplo, ara faze-lo penetrar nos domnios da poesia erudita, de fazer o que Mistral deveria realizar mais tarde na Frana, partindo do dialeto do povo provenal para a elaborao de uma lngua e escrever nesta lngua obras primas impregnadas da sensibilidade e ate mesmoda tcnica potica dos bhomens do povo. Todavia nada h de surprender bna ausncia desse propsito, o que sucedeu no Brasil deu-se, mutantis mutandi, na mesma poca, nos Estados Unidos: a coexistncia de uma poesia popular folclrica entre os escravos com uma poesia erudita copiada pelos intelectuais negros que calcavam nos padres da poesia dos brancos. (p24/25)