BASTOS, Noel de Oliveira DESVIOS DE FINALIDADE NO DCTB …...que viabilizam as suas fiscalizações...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO NOEL DE OLIVEIRA BASTOS DESVIOS DE FINALIDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: aspectos estruturais e teleológicos da tributação na constituição federal de 1988 NATAL 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

NOEL DE OLIVEIRA BASTOS

DESVIOS DE FINALIDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: aspectos estruturais e teleológicos da

tributação na constituição federal de 1988

NATAL 2012

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NOEL DE OLIVEIRA BASTOS

DESVIOS DE FINALIDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: aspectos estruturais e teleológicos da

tributação na constituição federal de 1988

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional.

Orientador: Professor Doutor André de Souza Dantas Elali.

NATAL 2012

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NOEL DE OLIVEIRA BASTOS

DESVIOS DE FINALIDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL

TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: aspectos estruturais e teleológicos da tributação na constituição federal de 1988

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional.

Aprovado em: ___/___/____.

BANCA EXAMINADORA

Professor Doutor André de Souza Dantas Elali Presidente - UFRN

Professor Doutor Hugo de Brito Machado Segundo 1º Examinador - UFC

Professor Doutor Artur Cortez Bonifácio 2º Examinador - UFRN

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RESUMO O ensaio em apreço tece considerações sobre as modalidades de desvios de finalidade mais recorrentes no Direito Constitucional Tributário brasileiro, de modo a descortinar as faces dogmáticas das práticas eivadas de vícios de ilegalidade (desvio de poder) e inconstitucionalidade (tredestinação) responsáveis pela frustração paulatina dos escopos positivados na Constituição Federal de 1988 (CF de 1988). Para tanto, utilizam-se sistematicamente dos procedimentos metódicos de interpretação, com especial atenção às fecundas premissas lógicas e estruturalistas da regra matriz de incidência tributária, aliadas ao critério de correção material de cunho finalista de Ihering, sem se olvidar da pertinente contextualização dos eixos temáticos, com o Estado fiscal brasileiro, em uma releitura teleológica do Sistema Tributário Nacional e de outros temas transversais relevantes. Compreende-se por desvio de poder todo e qualquer desvio de finalidade que enseja ao aumento de alíquota presente no critério quantitativo da regra matriz dos impostos elencados no regime constitucional das normas tributárias indutoras do §1º, do artigo 153, da CF de 1988, com finalidade predominantemente arrecadatória. Por sua vez, entende-se por tredestinação o desvio de finalidade que “desvincula” (rectius, desafeta) os recursos tributários arrecadados e de antemão destinados à concretização de fins constitucionais específicos. Por derradeiro, ao identificar os veículos introdutores de normas instrumentalizadores dos desvios, foram propostas, em ultima ratio, algumas interpretações que viabilizam as suas fiscalizações e invalidações, no intuito de restaurar a compatibilidade lógico-finalística desses atos normativos, com os fins positivados no sistema de direito constitucional tributário inaugurado pela Carta Constitucional de 1988. Palavras-chave: Tributação. Desvio de finalidade. Invalidação.

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ABSTRACT

This work deals with considerations regarding common types of tax misuse that are present in the 1988 Brazilian Constitution. Thus, the work aims to unveil dogmatic features present in these practices that are considered illegal and are beset with vices such as power misusage. The research also aims to acknowledge the unconstitutionality issues regarding other guidance on behalf of goods that are responsible for the gradual positive approach realized by the 1988 Brazilian Federal Constitution. Thus, the work systematically used methodological procedures that aim to interpret the logical premises present as in the structure proposed by incidence rule matrix as in Ihering´s correction criteria considered as effective in itself. This is done also considering themes such as the Brazilian Public Tax legal matters. The work also performs a teleological debate of the Brazilian National Tax System as well as other related themes. It is understood that power misusage or any regards increase in aliquots. This can be observed in the quantitative criteria present in central aspects regarding taxes that are described in the constitutional regime either regulatory or induced nature, such as §1º, of the normative information present in article number 153 which is considered predominantly as tax raising such as pointed out in the 1988 Brazilian Constitution. On the other hand, it is seen that the type of misguidance with goods is understood as a practice that deviates as well as cuts connection with (rectius, unattaches) tax resources that are gathered and destined to specific constitutional purposes. At the end, the work deals with issues that aim to identify possible causes that lead to the use of norms and patterns that regulate such deviations. The research emphasizes ratio issues that are present in tax inspection proposals and invalidation that aim to restore the logical compatibility of these normative actions included in the Constitutional Tax Legal matters that was put forth by the 1988 Brazilian Federal Constitution. Key-Words: Taxation. Misuse of Purpose. Invalidation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

Capítulo 1 - HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO .................................................................................. 16

1.1 ESCORÇO HISTÓRICO-TEORÉTICO DAS ESCOLAS DE INTERPRETAÇÃO 16

1.1 ESCOLA DA EXEGESE ......................................................................................... 20

1.2 ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO..................................................................... 23

1.3 POSITIVISMO KELSENIANO NORMATIVISTA ............................................... 26

1.4 ESCOLA PÓS-POSITIVISTA ................................................................................. 29

1.5 ESCOLA FINALISTA ............................................................................................. 32

Capítulo 2 - ESTADO BRASILEIRO, INTERVENCIONISMO E TRIBUTAÇÃO INDUTORA ............................................................................................................................ 42

2.1 O ESTADO BRASILEIRO E SEU PERFIL REGULATÓRIO..................................... 42

2.2 MODALIDADES DE INTERVENÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO ....................... 45

2.3 INTERVENCIONISMO TRIBUTÁRIO: DA “EXTRAFISCALIDADE” À CONSOLIDAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO INDUTORA ....................................................... 48

Capítulo 3 - RELEITURA FINALISTA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL ... 55

3.1 TEORIA DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: UMA BREVE APRESENTAÇÃO .. 55

3.2 COMPETÊNCIA ARRECADATÓRIA: CLASSIFICAÇÕES E CARACTERÍSTICAS 58

3.2.1 Incaducabilidade .................................................................................................... 60

3.2.2 Indelegabilidade ..................................................................................................... 61

3.2.3 Facultatividade ....................................................................................................... 63

3.3 COMPETÊNCIA REGULATÓRIA: PODER DE REGULAR E TRIBUTAÇÃO INDUTORA .......................................................................................................................... 64

3.4 CONCEITO DOGMÁTICO DE TRIBUTO E SUA DECOMPOSIÇÃO .................... 66

3.4.1 Conteúdo do elemento “prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir” ......................................................................................... 66

3.4.2 Conteúdo do elemento “não se constitua em sanção de ato ilícito” ................... 71

3.4.3 Conteúdo do elemento “instituía em lei” ............................................................. 72

3.4.4 Conteúdo do elemento “cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” ................................................................................................... 74

3.5 CLASSIFICAÇÕES DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS E SEUS PERFIS CONSTITUCIONAIS .......................................................................................................... 76

3.5.1 Imposto enquanto tributo não vinculado e seus perfis arrecadatório e indutor 76

3.5.2 Taxas enquanto tributos vinculados e seus perfis arrecadatórios e indutores . 79

3.5.3 Contribuição de melhoria enquanto tributo indiretamente vinculado e seu perfil indutor .................................................................................................................... 81

3.5.4 Empréstimo compulsório enquanto tributo de destinação específica e seus perfis arrecadatório e indutor ........................................................................................ 82

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3.5.5 Contribuições especiais enquanto tributos de destinações específicas e perfis indutores ........................................................................................................................... 85

3.6 REGIME CONSTITUCIONAL DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS ARRECADADORAS: LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS CLÁSSICAS AO PODER DE TRIBUTAR .................................................................................................................... 86

3.6.1 Cláusula da legalidade tributária no regime constitucional arrecadatório ...... 87

3.6.2 Cláusula da anterioridade: espécies ..................................................................... 89

3.6.3 Cláusula de vedação do efeito confiscatório ........................................................ 92

3.7 REGIME CONSTITUCIONAL DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS INDUTORAS: LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS RELATIVIZADAS AO PODER DE TRIBUTAR 93

3.7.1 Relativização da cláusula da legalidade tributária ............................................. 94

3.7.2 Relativização da cláusula da anterioridade: incidências imediatas .................. 95

3.7.3 Relativização da cláusula da vedação do efeito confiscatório ............................ 96

Capítulo 4 - DESVIOS DE FINALIDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO .............................................................................................. 98

4.1 PROPOSIÇÕES CONTEXTUAIS DOS DESVIOS DE FINALIDADE E SEUS VEÍCULOS INTRODUTORES DE NORMAS ................................................................... 98

4.2 DESVIO DE PODER COMO DESVIO DE FINALIDADE TRIBUTÁRIA EM MATÉRIA DE TRIBUTAÇÃO INDUTORA ................................................................... 102

4.2.1 Interpretação do enunciado normativo do § 1º, do artigo 153, da Constituição Federal de 1988 .............................................................................................................. 105

4.2.1.1 Reserva legal formal relativa e condições de recepção do art.97, do CTN ..... 108

4.2.1.2 Uma proposta de compreensão do enunciado normativo “é facultado ao Poder Executivo”: uma análise estruturalista a partir dos pressupostos de validade dos atos administrativos............................................................................................................. 116

4.2.1.3 Alcance semântico da expressão “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos i, ii, iv e v” 127

4.2.2 Regra matriz de incidência tributária: um instrumento de fiscalização da competência tributária regulatória ............................................................................. 131

4.2.3 Esquema de compatibilização lógico-finalística ................................................ 135

4.2.3.1 Críticas ao modelo proposto ............................................................................ 139

4.2.3.2 Esquema de compatibilização lógico-finalística e segurança jurídica ............ 141

4.2.4 Concessão e revogação dos incentivos fiscais no âmbito da tributação indutora 145

4.2.5 Desvio de finalidade e equilíbrio orçamentário: instrumentos inadequados de compensação de receita ................................................................................................. 148

4.3 TREDESTINAÇÃO COMO DESVIO DE FINALIDADE EM MATÉRIA DA DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL DA RECEITA TRIBUTÁRIA ............................. 150

4.3.1 Tredestinação e tributos de destinação específica ............................................. 152

4.3.2 Tredestinação e exceções à regra da não afetação da receita dos impostos .... 154

4.3.3 Regra matriz de destinação e tredestinação: exame do critério finalístico ..... 156

4.3.4 Tredestinação mediante aprovação de créditos orçamentários suplementares 159

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4.3.5 Tredestinação por emendas constitucionais ................................................... 164

4.3.6 Fiscalização constitucional da tredestinação: mecanismos no sistema constitucional ................................................................................................................. 167

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 170

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 173

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Dedicado a André de Souza Dantas Elali, a Artur Cortez Bonifácio,

A Ivan Lira de Carvalho e a Vladimir da Rocha França,

Juristas de tomo de nossa Escola Constitucional.

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AGRADECIMENTOS

Por mais que existam palavras no vernáculo para expressar meus sinceros

agradecimentos, de antemão, este momento não seria real, nem sequer racional, sem a

presença intensa de minha Família Pinheiro & Oliveira Bastos & Aby Faraj, que, nas pessoas

de meus Pais, agradeço a todos, com um abraço fraterno, estendendo esses agradecimentos, a

uma nova fase que se proclama, diante da Família Pereira & Dantas, da qual igualmente farei

parte, com especial afeto.

Aos amigos, pela confiança e pelo suporte, em momentos de crise, provando

que existem vínculos que transcendem os laços consanguíneos, por força do Espírito Absoluto

de Hegel.

A Universidade Potiguar – UNP LAUREATE INTERNATIONAL UNIVERSITIES e a

Faculdade Natalense de Ensino e Cultura - FANEC, ambientes sistêmicos nos quais exerço

minhas aberturas cognitivas, agradeço aos Diretores Acadêmicos e aos Diretores

Administrativos, pela confiança profissional depositada em minha pessoa, com especial

abraço para minhas Manas Professoras, que, de bom grado, auxiliaram-me na busca de

soluções conciliatórias, evitando choques de horários das turmas com os créditos do

Mestrado.

Aos meus incentivadores, sejam eles professores, alunos ou funcionários do

Escritório, pelo suporte na produção acadêmica e na advocacia tributária.

Aos meus amigos e colegas “marxistas”, pelas brincadeiras “socialistas” e

elucubrações ao estilo Fuzzy, sem se olvidar de meu guru tecnológico, pelo entusiasmo nas

tertúlias platônicas, regadas ao café espresso.

Por derradeiro, agradeço com incomensurável entusiasmo a meus colegas e a

meus amigos que fiz no Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CSSA, PPGD, durante a pós-

graduação do Curso de Mestrado em Direito Constitucional – UFRN, sem os quais não

poderia, igualmente, concretizar esta relevante fase, em minha modesta vida acadêmica.

Natal-RN, 31.07.2012.

N. O. B.

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“[...] é necessário ver e pesquisar o direito como estrutura

e a sociedade como sistema em uma relação de interdependência recíproca.”.

Niklas Luhmann. Sociologia do Direito I, p. 15.

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INTRODUÇÃO

Objeto de prestigiosos estudos durante o século XX no Brasil, a receita pública

tributária alçou foros de notória autonomia didática1 perante a disciplina jurídica das

finanças públicas. Sem sombra de dúvidas, o rigor do corte metodológico foi a marca

responsável pela diferenciação entre a ciência do Direito Tributário e a do Direito

Financeiro.

A sobredita conquista foi obtida em razão da austeridade técnica implementada

por estudiosos do quilate de Geraldo Ataliba2 e de Paulo de Barros Carvalho3, nitidamente

inspirados pela robusta escola positivista normativista, capitaneada por Hans Kelsen4.

Preocupados em agrilhoar o Estado brasileiro às disposições legislativas,

sobremaneira em tempos de obscura autocracia, os eminentes estudiosos procuraram

emoldurar5 o Poder de Tributar nos estritos limites da legalidade tributária.

Com esse desiderato, foram arquitetadas as construções lógico-formais

denominadas hipótese de incidência tributária e a sua sofisticada sucessora regra matriz de

incidência tributária6, pautadas na subsunção inerente à aplicabilidade da lógica deôntica.

No entanto, o Poder de Tributar aprendeu a mover-se na moldura normativa

kelseniana de maneira fluida, a ponto de perpetrar arbitrárias intervenções na propriedade do 1 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 47-48. Ressalte-se, todavia, que o eminente tributarista argumenta no sentido da impossibilidade da autonomia científica do direito tributário positivo em razão do princípio da unidade do sistema jurídico. Em sentido contrário, admitindo a autonomia científica da sobredita disciplina: ANDRADE, Valentino Aparecido de. Os impostos reais e a progressividade fiscal. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 89, p.108. 2 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência, p. 58-59, passim. Nesse contexto, o eminente tributarista supera a Escola do Fato Gerador de Amílcar Falcão ao estremar a hipótese de incidência tributária (dever-ser ou Sollen) do fato concretamente realizado (ser ou Sein). 3 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 47. Nesse sentido, “estamos em que o direito tributário é o ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto das proposições jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. Compete à Ciência do Direito Tributário descrever esse objeto, expedindo proposições declarativas que nos permitam conhecer as articulações lógicas e o conteúdo orgânico desse núcleo normativo, dentro de uma concepção unitária do sistema jurídico vigente.”. 4 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 6. Nas tintas do jurista de Praga, tem-se que, “na verdade, a norma é um dever-ser e o ato de vontade de que ela constitui o sentido é um ser”. Ainda, com propriedade, assevera a respeito das sobreditas categorias, in verbis: “No entanto, este dualismo de ser e dever-ser não significa que ser e dever-ser se coloquem um ao lado do outro sem qualquer relação. Diz-se: um ser pode corresponder a um dever-ser, o que significa que algo pode ser da maneira como deve ser”. 5 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 390. 6CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 408-419. Crítica exacerbada feita à teoria carvalhiana é encontrada na obra de COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica, p. 32. No entanto, a mordaz crítica abarca também o pensamento de Geraldo Ataliba quanto à questão do dever-ser e do ser, uma vez que ambos os teóricos perfilham-se ao positivismo lógico-formal. A propósito: “[...] porque a teoria carvalhiana incisivamente procede à separação kantiana entre Sein e Sollen, asseverando muito amiúde que o dever-ser não toca nunca a instância do ser”.

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contribuinte/responsável de maneira escamoteada, sem se olvidar da deturpação dos fins

constitucionais, no tratamento do destino específico dos recursos públicos.

Subjacente a esse cenário estão as ações dos burocratas e políticos que

constantemente planejam o aumento da receita pública tributária à revelia das Limitações

Constitucionais ao Poder de Tributar, em face da hipertrofia do aparato administrativo, da

proliferação de entes federativos7 e das pretensões regulatórias sobre o Domínio Econômico e

Social.

A título de delimitação temática, o ensaio em apreço versa sobre duas grandes

modalidades de desvios de finalidade praticadas à revelia do Sistema Tributário Nacional da

CF de 1988.

A primeira modalidade é perpetrada mediante expedição de decretos federais

ou outros atos administrativos respaldados em interpretação literal do §1º, artigo 153, da CF

de 1988, que, tão somente a aríete, enquadram-se no regime jurídico de tributação indutora

na totalidade de suas disposições, uma vez que apenas buscam reequilibrar o orçamento

fiscal, em face dos necessários incentivos fiscais em matéria de Imposto sobre Produtos

Industrializados - IPI, de Imposto sobre Importações - II, de Imposto sobre Exportações – IE

e de Imposto sobre Operações Financeiras - IOF.

Nesse cenário, pondere-se que os incentivos ou benefícios fiscais8 são

necessários para a implementação dos pilares normativos da Ordem Econômica e Social, mas,

por outro lado, não devem ser outorgados ao talante das irritações oriundas do subsistema

7 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Norma antielisão e sigilo bancário. In: Direito tributário e reforma do sistema, p. 42 (Pesquisas tributárias, nova série, 9). Também há referência às limitações constitucionais enquanto direitos de defesa do contribuinte. MARTINS, Ives Gandra da Silva. A defesa do contribuinte na constituição federal. In: A defesa do contribuinte no direito brasileiro, p. 6. 8 MURARO, Leonardo. Benefícios fiscais: natureza, características e sua aplicação na busca do desenvolvimento sustentável. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, ano 14, n. 68, maio-junho de 2006, São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 259-260. Os incentivos fiscais também são conhecidos por benefícios fiscais. SIMÕES, Argos Campos Ribeiro. Guerra fiscal no ICMS – Benefícios fiscais: questões pontuais. In Congresso Nacional de Estudos Tributários e os Conceitos de Direito Privado. PAULA JÚNIOR, Aldo de [et al.]. São Paulo: Noeses, 2010, p.133-134 Em sentido dogmático, ensina Argos Simões, a partir da Lei Complementar 24/75, quanto ao conceito jurídico positivo da locução benefício fiscal, a saber: “A maioria dos Estados adota como critério bastante para identificar juridicamente um incentivo como fiscal o simples fato da utilização de normas tributárias (obrigacionais ou não) na concessão de tais incentivos, sem a preocupação de uma contextualizada normativamente de quais seriam os requisitos para que um benefício concedido seja considerado beneficio fiscal. Em face de nossa visão de Direito vista acima, entendemos que para que um incentivo seja considerado fiscal deve sua aplicação redundar em redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus tributário, seja através de uma concessão de isenção, seja através da concessão de créditos presumidos (dedutíveis efetiva ou potencialmente de débitos futuros), seja através de uma concessão de isenção, seja através de concessão de créditos presumidos (dedutíveis efetiva ou potencialmente de débitos futuros), seja através de quaisquer outros incentivos ou favores. Nossa convicção resta alicerçada unicamente no que prescreve o ordenamento. Há o entendimento de que a Lei complementar 24/75 fora recepcionada pelo atual ordenamento constitucional como o veículo normativo adequado ao tratamento da matéria em questão”.

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político, muitas vezes atabalhoadas, como ocorre na sobredita espécie de desvio de finalidade,

enquanto desvio de poder.

Por outro viés, a segunda modalidade de desvio de finalidade é exercitada

através de veículos introdutores de normas de natureza legislativa, como a aprovação de

créditos orçamentários suplementares ou emendas à CF de 1988.

A propósito, opera-se desvio da destinação específica dos recursos públicos,

previamente afetados por cláusulas constitucionais, que se propõem a promover determinados

fins, como as Ordens Social e Econômica, como se depreende do enunciado prescritivo do

caput, do artigo 149, da CF de 1988.

Enquanto hipótese, o ponto de vista lógico-formal desvinculado de todo e

qualquer estudo finalístico9 das finanças públicas10 acaba por esvaziar os fins constitucionais

inaugurados pela Constituição Federal de 1988, diante das ingerências supostamente

legalizadas do Estado Fiscal brasileiro, por desvirtuamentos dos destinos específicos dos

recursos públicos arrecadados.

Superada a delimitação temática, arquitetar-se-á o plano investigativo do

presente ensaio a partir do corte metodológico estruturalista da norma jurídica tributária11,

cujo ponto de partida é o sistema de direito constitucional positivo, enquanto objeto

9 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 59. Coube ao jurista Jhering o estudo das finalidades do Direito, em sua obra A finalidade do direito (Der Zweck im Recht), como bem preleciona Karl Larenz. Também nesse sentido: GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, p. 26-27; ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais, p. 23, destaque-se os fins no Direito Tributário. Contudo, advirta-se que tomamos como ponto de partida o direito positivo brasileiro, no qual há a positivação da finalidade, especialmente, quanto ao estudo do ato administrativo. Por outro lado, no que tange às finalidades tributárias, a par da controvérsia, inclusive na doutrina estrangeira, desposamos da tese finalista para otimizar as possibilidades dogmáticas de fiscalização dos desvios finalísticos. Por fim, no que tange às controvérsias, examinar a posição favorável de TIPKE, Klaus. Sobre a unidade da ordem jurídica tributária, p. 68, ao tratar dos “impostos extrafiscais” e LEHNER, Moris. Consideração econômica e tributação conforme a capacidade contributiva. Sobre a possibilidade de uma interpretação teleológica de normas com finalidades arrecadatórias, pp. 145-146, admitindo restritiva interpretação finalística, conforme seu arremate, a saber: “A dificuldade específica, no direito tributário, de efetuar a interpretação teleológica dirigida a uma finalidade concreta da norma consiste em que apenas as normas regulatórias têm finalidades diferenciáveis, e portanto úteis para uma interpretação teleológica, em relação a seus destinatários.” In SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio (Coord.) Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998. 10 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças, p. 30. Nesse sentido, não há mais que se falar em finanças neutras (locução pertinente à retórica liberal), de sorte que há, inclusive na Constituição de 1988, objetivos desenvolvimentistas e de redução das desigualdades regionais e sociais. Esses escopos constitucionais podem ser alcançados através das finanças funcionais, por meio de uma intervenção no domínio econômico mediante a tributação indutora responsavelmente aplicada, do ponto de vista da Lei de Responsabilidade Fiscal, como veremos a seguir. 11 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método, p. 611. A regra matriz de incidência tributária represente excelente exemplificação da metodologia estruturalista a ser aplicada, no presente estudo. MOURA, Frederico Araújo Seabra de. Lei complementar tributária, p. 42. Igualmente, o tributarista potiguar cita Tárek Moysés Moussallem, para fins de esclarecimento da locução corte metodológico: “O autor capixaba também chama atenção para a necessidade de haver um corte metodológico, para que se possa falar em conhecimento científico.”.

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cognoscível a ser compreendido mediante aplicação dos procedimentos interpretativos

elencados pela Hermenêutica Jurídica, conjugados com o finalismo jurídico12, como critério

material de correção do juspositivismo13.

Nesse cenário, impende ressaltar a inicial relevância do escorço histórico-

teorético das Escolas de interpretação, para a determinação metódica de toda a abordagem

estrutural e finalista do tema em apreço.

Por sua vez, enquanto objetivos gerais deste ensaio, investigar-se-ão as

influências mais pertinentes das escolas de interpretação do direito, o perfil regulatório do

Estado brasileiro e suas modalidades de intervenção no Domínio Econômico e Social,

buscando ressaltar as suas implicações nos regimes constitucionais tributários, sob a óptica

da CF de 1988, no intuito de fornecer as indispensáveis premissas para identificação e

invalidação das modalidades de desvios de finalidades.

Destarte, como objetivos específicos, examinar-se-ão as modalidades de

desvios de finalidade no Direito Constitucional Tributário brasileiro, a partir dos respectivos

veículos introdutores de normas, como pontos estruturais de partida para elucidação das

possíveis ilegalidades e inconstitucionalidades que, porventura, ostentem, por desvirtuamento

dos escopos constitucionalizados, mediante aplicação do critério de correção finalístico

inerente ao pensamento de Von Ihering.

12 IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito, tradução de José Antonio Faria Correa. Rio de Janeiro: Rio, 1979, v. 1, et passim. Conferir no Direito Tributário, ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais, São Paulo: Malheiros, p. 23. Para o eminente tributarista, “Há fins e fins no Direito”. 13 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O direito constitucional internacional e a proteção dos direitos fundamentais. São Paulo: Método, 2008, p. 30. Desposando das premissas da Teoria Material da Constituição, destaquem-se as lições do constitucionalista potiguar a respeito da multifacetada composição conteudística da Constituição.

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Capítulo 1 - HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

Sumário 1.1 Escorço histórico-teorético das escolas de interpretação 1.2 Escola da exegese 1.3 Escola histórica 1.4 Positivismo normativista kelseniano 1.5 Escola pós-positivista e suas relações com a interpretação conforme a constituição e sua utilidade no estudo da regra matriz enquanto mecanismo de fiscalização dos desvios de finalidade 1.6 Escola finalista.

1.1 ESCORÇO HISTÓRICO-TEORÉTICO DAS ESCOLAS DE INTERPRETAÇÃO

Cumpre ao jurista a egrégia tarefa de compreender o sistema de direito

positivo, desvendando-o e descrevendo-o em sua estrutura e finalidade, a partir das

conquistas hermenêuticas, no decorrer histórico da experiência jurídica.

A investigação do sistema de direito constitucional positivo em suas estrutura

e finalidade, tão somente pode ser implementada mediante a aplicabilidade de uma plêiade de

procedimentos metódicos encontrados na Hermenêutica Jurídica14.

Esse vetusto ramo do saber é responsável pela teorização e sistematização de

métodos de interpretação dos textos legais. Inicialmente, a teoria da interpretação jurídica

encontra raízes filosóficas15, por vezes menos ou mais expostas, a depender das correntes

interpretativas16, em razão de suas variadas matizes teóricas.

14

ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação. Tradução MF. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 34. Quanto à etimologia do vocábulo hermenêutica, são relevantes as preleções do estudioso, no sentido da volatilidade inerente aos possíveis resultados dos processos interpretativos, a saber: “Fascinada pela infinidade, a civilização grega, ao lado do conceito de identidade e não-contradição, constrói a idéia de metamorfose contínua, simbolizada por Hermes. Hermes é volátil e ambíguo, é pai de todas as artes, mas também o deus dos ladrões – juvenis et senex ao mesmo tempo. No mito de Hermes, encontramos a negação do princípio de identidade, de não-contradição, e do terceiro excluído, e as cadeias causais enrolam-se sobre si mesmas em espirais: o ‘depois’ precede o ‘antes’, o deus não conhece limites espaciais e pode, em diferentes formas, estar em diferentes lugares ao mesmo tempo.”. 15 SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação, p. 93. A título de exemplo, o método gramatical também é muito utilizado na filosofia, enquanto possibilidade de “Compreender o discurso e a composição a partir da língua.”. Ancorando-se em premissa flusseriana, destaque-se o viés filosófico da hermenêutica jurídica em: DIAS, Ana Carolina Carvalho. Limites à interpretação das normas tributárias: transformação do texto em norma. In Vilém Flusser e juristas: comemoração dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho, p. 697. 16 LOSANO, Mário. Sistema e estrutura no direito: o século XX, p. 33, v. 2. A respeito do positivismo jurídico, tem-se: “A herança do positivismo clássico sobre a teoria do direito no século XX se manifestava no difuso desconhecimento de um direito natural e na recusa em incluir juízos de valor no raciocínio jurídico. Nessa separação dos elementos metafísicos, a herança do positivismo filosófico confluía na da Escola Histórica do direito.”.

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Por sua vez, encontra-se anacrônica a postura meramente declaratória do

intérprete, sintetizada no antigo brocardo romanista in claris cessat interpretatio (desde que a

norma esteja clara, dispensável a interpretação)17.

Evidentemente, não encontra mais assento nos estudos jurídicos

contemporâneos o conceito limitado de interpretação como ato de desvendar o sentido e

alcance das expressões do Direito18.

Portanto, apenas podemos asseverar que a interpretação é ato de cognição ou

compreensão do sistema de direito constitucional positivo. Dessa maneira, em distintas

tradições, a interpretação será influenciada por conteúdos pré-compreensivos distintos19.

Porém, nunca poderão ultrapassar os limites dos enunciados normativos dos textos legais.

A propósito, o Judiciário como intérprete autêntico igualmente tem de se ater

aos limites hermenêuticos, sem se ofuscar pela Górgona do poder20, sob pena de tornar-se

verdadeiro legislador positivo21, usurpando para si o poder de inovar na ordem jurídica, como

no estágio atual de ativismo judicial, por desprezar a consolidação dos métodos de trabalho de

interpretação22.

17

SILVEIRA, José Roberto da. Brocardos latinos – termos jurídicos: latim-português. São Paulo: Universitária de Direito, 2000, p. 55. A propósito, o autor igualmente traz a expressão equivalente, isto é, Lex clara non indiget interpretatione. Por outro lado, deveras interessante é o brocardo “In claris non fit interpretatio – Estando clara a norma legal, não se faz interpretação (exegese).”. 18 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, pp. 9-10. No sentido de superação da corrente do saudoso Carlos Maximiliano: ROCHA, Sérgio André. Evolução histórica da teoria da hermenêutica: do formalismo do século XVIII ao pós-positivismo. In: Direito tributário: homenagem a Hugo de Brito Machado, pp. 192-193. A respeito da pré-compreensão e da tradição, a partir do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002). 19 ROCHA, Sérgio André. Evolução histórica da teoria da hermenêutica: do formalismo do século XVIII ao pós-positivismo. In: Direito tributário: homenagem a Hugo de Brito Machado, p. 191. 20 LOSANO, Mário. Sistema e estrutura no direito, v. 2, p. A propósito, a locução “Górgona do poder” é de Hans Kelsen, ao remeter à busca incessante da validade do direito, in casu, crítica direcionada ao jusnaturalismo, como bem preleciona Mário Losano. Mas, a frase kelseniana é aplicável a quaisquer outros fundamentos extrajurídicos, a exemplo do subsistema político. 21 KELSEN, Hans. Quem deve ser o guardião da Constituição? In: Jurisdição constitucional, p. 263. Desde 1930-31, o jurista de Praga defende a tese do Tribunal Constitucional investido na prerrogativa de legislador negativo, em sede de controle de constitucionalidade abstrato, responsável pela invalidação e retirada de eventual enunciado normativo incompatível com a Constituição. Tal entendimento foi desposado para rechaçar a posição autocrática de Carl Schmitt, defensor do Presidente do Reich como guardião da Constituição. 22 A propósito, o Supremo Tribunal Federal – STF endossou uma postura de ativismo judicial, ao considerar constitucional a união homoafetiva, de tal sorte que rompeu com o mais comezinho, mas não menos importante método gramatical, no qual dispõe que a sociedade conjugal pode ser instituída apenas por homem e mulher, na literalidade do §6º, do artigo 226, da CF de 1988. Por conseguinte, a partir da ADI 4277 e da ADPF 132, nossa Suprema Corte criou uma incoerência na interpretação do sistema de direito positivo vigente, pelo seguinte entendimento: a eficácia declaratória e vinculante das decisões subverteram o critério basilar do casamento, que é a diversidade sexual. Portanto, data maxima venia, o STF usurpou a prerrogativa do legislador constitucional de promover e proteger os anseios da sociedade, nessa temática da união homoafetiva. A propósito, MÜLLER, Friedrich. Metodologia do direito constitucional, p. 74, a respeito dos limites impostos a todos os intérpretes pelo método gramatical, a saber: “O teor literal demarca as fronteiras extremas das possíveis variantes de sentido, i.é, funcionalmente defensáveis e constitucionalmente admissíveis”. No mesmo sentido da função do método

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No atual estágio investigativo, é temerário, portanto, cantar a superioridade de

qualquer das posturas teóricas a seguir expostas, uma vez que cada qual ostenta suas virtudes

e seus vícios, em razão de suas distintas pretensões epistemológicas. Dessa maneira, mister

faz-se aplicá-los sistematicamente, como bem preleciona Juarez Freitas23.

Destarte, diante desse cenário exegético, impende adequar os diversos métodos

à realidade do Direito Constitucional Tributário brasileiro, cujo objeto investigativo, ora

delimitado, é o Sistema Nacional Tributário, a partir das mais variadas correntes e escolas de

interpretação jurídica.

A propósito da temática, quanto à postura da Escola da Exegese, representada

por uma plêiade de jurisconsultos franceses, de tendência ultralegalista e estatizante do

Direito24, exsurge como corrente interpretativa geralmente menosprezada.

Destaque-se, nesse contexto, a grande relevância de seu pensamento para a

manutenção do dogma da separação funcional dos poderes, pois o procedimento gramatical

ou filológico é ponto de partida indispensável, enquanto limites semânticos impostos pelo

legislador.

Por sua vez, a dogmática da Escola da Histórica, enquanto reação à postura

exegética, enraizada na cultura jurídica do Direito de inspiração continental europeu,

capitaneada por Gustav Hugo e Friedrich von Savigny25.

Evidencia-se que a sobredita tendência busca sua inspiração metodológica do

Direito, como representação de evolução histórica, a partir da valorização do costume,

enquanto real expressão de fonte jurídica.

Igualmente, desponta como posição de enorme relevância metodológica, a

escola lógico-formal do Positivismo Normativista, concebida enquanto construção

monumental de autoria de Hans Kelsen26.

Nesse estágio, apesar de a interpretação kelseniana expressar caráter

subjetivista ou volitivo, as preleções do jurista de Praga são de indiscutível relevância para as

bases dogmáticas do estudo estrutural da norma jurídica, como já ressaltado oportunamente,

especialmente para fins de investigações do desvio de finalidade, no Direito Tributário.

gramatical, DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito, p. 147; DANTAS, David Diniz. Interpretação constitucional no pós-positivismo, p. 243. 23

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito, 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, et passim. 24

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 50. 25 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 9-19. MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes, p. 17. Também consultar VERDÚ, Pablo Lucas. O sentimento constitucional, p. 113-114, ao destacar a importância da Escola Histórica para a dogmática jurídica. 26 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, passim.

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Por outro viés, a postura da Escola pós-positivista27, como é costumeiramente

encontrada na literatura contemporânea, exsurgem as contribuições de Ronald Dworkin, entre

outros juristas da estirpe de Robert Alexy e Friedrich Müller, a partir da diferenciação inicial

entre o enunciado normativo e a norma jurídica, sendo aquele o próprio texto jurídico e, esta

o resultado interpretativo.

Igualmente relevantes são as contribuições em sede de interpretação

sistemática28, a partir da visão de supremacia constitucional, tecnicamente chancelada na

doutrina pátria como interpretação conforme a Constituição29, enquanto técnica de

sistematização hierarquizante do ordenamento jurídico pátrio30.

Ademais, a técnica decisória de interpretação conforme proporcionou, sem

imperiosa de declaração de inconstitucionalidade, a limitação do alcance compreensivo das

disposições “normas gerais”, em matéria tributária e financeira, de tal sorte que tanto os

diplomas normativos relevantes para nossas exposições foram recepcionados como leis

complementares, em suas respectivas cargas eficaciais, como se depreende da jurisprudência

do Supremo Tribunal Federal – STF31.

27 MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes, p. 11. O próprio teórico refere-se ao termo pós-positivista do direito, empregado por ele desde a 1ª edição da Juristische Methodik, em 1971. Criticável o prefixo “pós”, uma vez que essa proposta apenas buscou ressaltar mais o influxo dos valores ou preceitos morais nas normas de direito positivo, a exemplo do inesgotável embate entre positivismo e jusnaturalismo. O “pós”-positivismo apenas ressalta uma mitigação do estudo estruturalista de cunho kelseniano, ao considerar outros elementos que compõem a mensagem deôntica normativa. A propósito, Hans Kelsen nunca negou tais elementos, apenas os separou para fins de construir uma Ciência, como métodos e objeto próprios. 28 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 74. Ressaltem-se as ponderações do autor, quanto às suas importantes assertivas para o intérprete jurídico na atualidade, in verbis: “[...] mister afirmar, com os devidos temperamentos, que a interpretação jurídica é sistemática ou não é interpretação.”. 29 MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 156. Nesse sentido, reconhecendo as contribuições estadunidenses da técnica de interpretação conforme e o seu subseqüente aperfeiçoamento pela jurisprudência alemã, tem-se: “[...] O que é autônomo, por um lado, é o imperativo da interpretação conforme a constituição, desenvolvido pela Corte Constitucional Federal da República Federativa da Alemanha”. Igualmente, conferir no direito pátrio MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, 4ª ed, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 1302-1303, a saber: “Consoante postulado do direito americano incorporado à doutrina constitucional pátria, deve o juiz, na dúvida, reconhecer a constitucionalidade da lei. Também no caso de duas interpretações possíveis de uma lei, há de se preferir aquela que se revele compatível com a Constituição. Há muito se vale o Supremo Tribunal Federal da interpretação conforme à Constituição”. Ainda, conferir: MENDES, Gilmar. Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 341, que trata da Representação 948/SE, Rel. Moreira Alves, DJ 18-3-1977, p. 1523; RTJ: 82/51-6. 30

ZILVETI, Fernando Aurélio. Interpretação, tipo e linguagem na aplicação do direito tributário In FERRAZ, Roberto (Coord). Princípios e limites da tributação 2: os princípios da ordem econômica e a tributação, p. 97. Nesse contexto, o douto tributarista preleciona a respeito da compatibilidade entre a interpretação conforme a Constituição e a metódica sistemática, uma vez que ambas rechaçam as contradições no interior do sistema. 31Conferir RE 562.276 – STF, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-11-2010, Plenário, DJE de 10-2-2011, no qual se declarou a inconstitucionalidade do artigo 13, da Lei ordinária n. 8.620/1993, por alteração da regra matriz de responsabilidade tributária do Código Tributário Nacional – CTN, referente ao artigo 135, inciso III.

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No que atina à postura da Escola finalista32, originária da última fase do

pensamento de Rudolf von Ihering, com influências na corrente funcionalista da lavra de

Norberto Bobbio33.

A propósito de nossa temática, o estudo adequado do desvio de finalidade

requer a reaproximação da abordagem estruturalista dogmática de uma postura de

perseguição dos fins das normas tributárias34, que ora exsurgem mais fortemente

arrecadadoras, ora mais indutoras ou como praticamente toda literatura pátria prefere expor,

como expressão da intervenção tributária, pela “extrafiscalidade”.

Por derradeiro, intensamente relevante a postura teleológica, pois é dela que se

compreendem os fins constitucionais a serem concretizados por determinadas espécies

tributárias, a exemplo das contribuições especiais, tributos finalísticos por conceituação, por

força da destinação específica de seus recursos, como instrumentos de atuação da União na

Ordem Social e Econômica da CF de 1988.

1.1 ESCOLA DA EXEGESE

Indubitavelmente, a Escola da Exegese foi a postura investigativa amplamente

recepcionada pelos sistemas normativos de inspiração continental europeia, a exemplo da

ampla legislação infraconstitucional brasileira de nítida estrutura codificada, a exemplo do

sistema de direito positivo brasileiro, ancorado em grandes codificações, como os Códigos

Civil, de Processo Civil e Tributário Nacional etc.35.

Indiretamente, vê-se a recepção do diploma tributário como lei complementar perante a jurisprudência do STF. Em matéria financeira, conferir ADI 1726 – MC, Rel. Maurício Corrêa, julgamento em 16-9-1998, Plenário, DJ de 30-4-2004, que, explicitamente, considera o status de lei complementar da Lei 4.320/1964. 32 IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito, Tradução de José Antonio Faria Correa, Rio de Janeiro: Rio, 1979, v. 1, et passim. 33 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, 6ª ed, São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 26-27. A propósito, a circunstância de o Estado passar a desempenhar um novo papel na ordem social produziu sensíveis reflexos na própria teoria geral do direito – vide Bobbio (1977/87). Supera-se a idéia de que a pesquisa da finalidade e das funções do direito seja tarefa monopolizada da sociologia a leitura de von Ihering (Der Zweck im Recht) torna-se atual”. 34 ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais, Malheiros: São Paulo, 2011, p. 31. Nesse sentido, explicitamente o eminente autor descreve as finalidades tributárias, como “fiscais” e “extrafiscais”.

35 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 50 et passim.

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Em busca de previsibilidade e certeza das decisões jurídicas, os juristas que

representaram essa postura teórica reconheceram como única expressão legítima do Direito as

disposições legais emanadas pelo Estado36.

Assim, é pertinente afirmar que o exegetismo do século XIX inspirou-se nas

correntes filosóficas iluministas, sobremaneira no “paradigma rousseauniano-montesquiano”,

amplamente difundido na Europa continental, como bem elucida Emílio Santoro37.

Nessa ordem de considerações, uma plêiade de juristas franceses do século

XIX direcionou seus estudos às estruturas codificadas, enquanto expressões normativas

lapidarmente esculpidas pelo legislador, como o paradigmático Código Civil Napoleônico38.

A sobredita postura teórica se caracterizou pelo estatalismo e legicentrismo, no

intuito de expurgar qualquer arbitrariedade do intérprete diante dos textos legais ou

valorações, de tal sorte que buscavam a neutralidade da ciência do direito39.

Nesse sentido, ancorados em raciocínios lógico-dedutivos, para os exegetas

franceses e os pandectistas alemães, toda e qualquer decisão jurídica seria facilmente

alcançada mediante a aplicação do raciocínio silogístico, no qual a premissa maior seria a lei,

a menor um fato advindo do mundo fenomênico e a conclusão, a decisão jurídica

precisamente deduzida do esquema normativo40.

Para fins de disciplinar a atividade interpretativa, por ser o legislador o único

representante estatal investido na função de produzir o Direito, os exegetas buscaram apenas

compreender os textos legislados mediante processos de compreensão baseados nas

interpretações gramatical (filológica) e lógica, em respeito à elucidação da vontade do

legislador41.

No entanto, em razão da insuficiência desse método, admitiram a utilização das

perspectivas histórica e sistemática, para fins de complementação dos métodos gramatical e

lógico, mas, sempre de maneira a respeitar a vontade ou intenção do legislador42.

36 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. Tradução de Gilmar F. Mendes. Porto Alegre: Fabris Editor, 1997, 2002, p.43. No âmbito das correntes de concretização do direito, a postura hermenêutica da Escola da Exegese é amplamente rechaçada, a exemplo da afirmação exposta pelo eminente Professor de Augsburg -RFA: “A teoria da interpretação tem a tendência de superestimar sempre o significado do texto.”. 37 SANTORO, Emílio. Estado de direito e interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do estado de direito, p. 25. 38 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 51. 39 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 53. A respeito do legicentrismo presente no pensamento europeu, do século XIX, SANTORO, Emílio. Estado de direito e interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do estado de direito, p. 25. 40 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 52. 41 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 51. 42 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, pp. 51-52

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De maneira subjacente, por conseguinte, buscou a Escola da exegese uma

“hermenêutica de bloqueio dos poderes/funções do Estado”43, postura esta tomada em razão

dos antigos abusos políticos perpetrados durante o ancien régime, cujas bases foram

solapadas pela Revolução Francesa.

Evidentemente, a postura exegeta deve ser resgatada com os necessários

temperamentos, diante das honrosas preocupações doutrinárias evidenciadas nas maiores teses

em matéria de segurança jurídica em Direito Tributário.

Destaquem-se os enunciados normativos dos artigos 105 e 106, do Código

Tributário Nacional – CTN, que disciplinam o regime da cláusula constitucional da

irretroatividade da lei tributária na incessante busca a segurança jurídica no sentido da

interpretação/aplicação jurídica.

A interpretação conforme44 dos enunciados supramencionados impõe como

normalidade jurídica a mensagem deôntica no sentido proibitivo, quanto aos efeitos

retrospectivos da lei tributária mais gravosa, ao disposto no artigo 150, inciso III, alínea a, do

Texto Constitucional brasileiro de 1988.

Excepcionalmente, diante do dirigismo hermenêutico45, exsurge o modal

permitido na diretriz de estabilizar os sentidos possíveis canalizados numa espécie de

interpretação autêntica do legislador tributário, de tal sorte que permitem a retroatividade dos

feixes deônticos das leis interpretativas em quaisquer casos, excluídas as penalidades

decorrentes das novas significações introduzidas diante dos signos já estabelecidos no sistema

de direito positivo, como se depreende do disposto do artigo 106, inciso I, do CTN.

A par dessa possibilidade de irradiação de efeitos em fatos pretéritos, existem

outras aplicabilidades retroativas para casos não definitivamente julgados nas esferas

administrativa e judicial, quanto aos conceitos pertinentes ao direito tributário sancionador,

como se depreende do artigo 106, inciso I, e suas alienas, do CTN.

É válido asseverar que o disposto no artigo 106, incisos I, e suas respectivas

alíneas, do CTN, permite a retroatividade benigna da lei tributária aos casos pendentes de 43 MORAIS, José Luis Bolzan de. Prefácio brasileiro à obra de SANTORO, Emílio. Estado de direito e interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do estado de direito. A frase “hermenêutica de bloqueio dos poderes/funções do Estado” é de autoria de José Luis Bolzan de Morais, em nota de rodapé 22, p. 16. 44 FREITAS, Juarez. Interpretação sistemática do direito, 4ª ed, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 79. A propósito, da relação estreita entre interpretação literal, filológica ou gramatical do direito e a interpretação conforme a Constituição (die Verfassungskonforme Auslegung). 45 TÔRRES, Heleno Taveira. Boa fé e argumentação na interpretação das normas tributárias. In Congresso nacional de estudos tributários: direito tributário e conceitos de direito privado, p. 551, que, a propósito, ensina-nos brilhantemente que “As leis interpretativas são frutos da pretensão de dirigismo hermenêutico promovido pelos detentores do poder de tributar, o que variou segundo as épocas.”.

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julgamento definitivo, quando “deixe de defini-lo como infração” (alínea a), “quando deixe de

tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido

fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo (alínea b) e, por

derradeiro, “quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao

tempo da sua prática” (aliena c).

As lições da Escola da exegese ainda são atualíssimas, sobremaneira no

sentido de resgatar o primado da linguagem do direito legislado46 para bloquear os excessos

da Administração Fiscal, diante da hierarquia estipulada no controle dos atos do Poder de

Tributar, quando contrastados com o espectro de proteção da cláusula da legalidade prevista

no artigo 150, inciso I, da CF, e sua respectiva disciplina no artigo 97, do CTN.

Enfim, igualmente será de extrema utilidade o método gramatical, como

procedimento preliminar da interpretação sistemática47, de investigação na modalidade de

desvio de finalidade, enquanto desvio de poder o alcance compreensivo da locução “Poder

Executivo”, presente no enunciado normativo do §1º, do artigo 153, da CF de 1988.

1.2 ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO

De indiscutível repercussão dogmática, a Escola histórica do direito foi

impulsionada pelos estudos de Gustav Hugo, mas encontrou seu esplendor com as

prestigiosas pesquisas de Friedrich Karl von Savigny48, enquanto célebre autor da reação

contra o legicentrismo da Escola da exegese, também encontrado corrente pandectista alemã.

Os métodos desenvolvidos pela posição historicista perpassam pelas

tradicionais abordagens histórica e genética, enquanto vertente oposicionista ao reducionismo

exegeta.

46 A rigor, trata-se de lição inesgotavelmente aplicável na atualidade, pois não cabe a qualquer sujeito da interpretação, como a administração tributária e o judiciário, valer-se de abertura semântica absoluta dos textos normativos. Nesse viés: PASINATO, Rosana. A impossibilidade lógica e semântica da interpretação literal do direito tributário. In Vilém Flusser e juristas: comemoração dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho, p. 470. “Para que fique claro, entendemos que o texto normativo não possui abertura absoluta que permita ao intérprete subverter significação de base, conteúdo semântico mínimo presente no contexto histórico em que ela se processa”. Na jurisprudência do STF, conferir RE 166.772-9 RS Pleno, rel. Ministro Marco Aurélio, DJ 16.12.1994, julgado em 12.05.1994) DIAS. Nesse sentido, DIAS, Ana Carolina Carvalho. Limites à interpretação das normas tributárias: transformação do texto em norma. In Vilém Flusser e juristas: comemoração dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho, p. 701-702. 47 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 78. 48

ROCHA, Sérgio André. Evolução histórica da teoria da hermenêutica: do formalismo do século XVIII ao pós-positivismo. In: ELALI, André; Hugo de Brito Machado Segundo; Terence Trennepohl (Coord.) Direito tributário: homenagem a Hugo de Brito Machado, p. 168.

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Ademais, tanto no Direito brasileiro49 quanto no Direito alemão50, há diletas

utilizações dos métodos clássicos para fins de desvendar os sentidos dos textos jurídicos,

como se vislumbra nos respectivos precedentes judiciais51 do século XX.

A ampla elucidação dos pressupostos de validade dos atos administrativos

concessivos de incentivos fiscais - artigo 153, §1º, da CF de 1988, pressupõe o exame de

alguns influxos metodológicos historicistas para fins de delimitação dos planos jurídicos.

O sobredito enunciado normativo explicitamente outorga a relativização da

cláusula da legalidade - artigos 150, inciso, I, 153, §1º, todos da CF de 1988 c/c 97, do CTN

de 1966, mediante o permissivo deôntico de alteração de alíquotas de alguns impostos

federais, como se observa na expressão “É facultado ao Poder Executivo”52.

Importante influxo historicista dá-se na aplicação do critério histórico-

evolutivo, sobre os planos jurídicos dos atos administrativos expedidos no exercício dessa

competência discricionária regulatória. Assim, tais atos devem não apenas existir, mas

também valer perante o sistema constitucional.

Isso ocorre no momento da consideração dos planos da existência dos atos

administrativos em simetria com os planos de existência do ato jurídico civil, ambos

extraídos do revogado artigo 1º do Código Civil de 1916 (CC/1916).

Por óbvio, antes de valer (juízo de validade) é necessário existir perante o

sistema de direito positivo, consoante lições insuperáveis do tratadista Francisco Cavalcanti

Pontes de Miranda53.

A existência de qualquer ato jurídico, enquanto instância ontológica

irredutível do sistema de direito positivo compreende a presença de sujeitos de direito,

objetos de direito e suas relações, como se deduz do revogado artigo 1º do CC/1916.

49 DANTAS, David Diniz. Interpretação constitucional no pós-positivismo: teoria e casos práticos, p. 243; BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 129. 50 BVerfGE 11, 126 – Nachkonstitutioneller Bestätgungswille – vontade de homologação pós-constitucional – No sobredito julgado o Tribunal Constitucional Federal dá especial atenção aos métodos clássicos de interpretação como instrumentos de definição dos contornos da teoria da recepção, destinada à resolução dos problemas de direito intertemporal constitucional. Nesse sentido: MARTINS, Leonardo. (Organização e introdução, coletânea original de J. Schwbe). Cinquenta anos de jurisprudência do tribunal constitucional federal alemão, p. 132. 51 SILVEIRA, Alípio. Os métodos de interpretação da lei em nosso supremo tribunal. Revista Forense Comemorativa – 100 anos, t. 2, especialmente, p. 416-417. 52 A propósito, destaque-se a disposição literal do enunciado normativo do artigo 153, §1º, da CF: “§1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”, ou seja, Impostos de Importação, de Exportação, sobre Produtos Industrializados e sobre Operações Financeiras, respectivamente. 53 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, tomo 4, p. 48. Nesse sentido: “Existir, valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser, valer e não-ser eficaz.”.

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Numa interpretação histórico-evolutiva, enquanto no Direito privado os

sujeitos de direito devem ser plenamente capazes, em Direito público, ainda exige-se que

sejam competentes54, sem se olvidar dos demais pressupostos de validade pertinentes ao

objeto de direito, a exemplo de exigência de motivo, procedimento, finalidade, causa e

formalização, como oportunamente será abordado.

Assim, os atos administrativos de concessão dos incentivos fiscais outorgados

a partir da competência discricionária do artigo 153, §1º, da CF de 1988, devem obedecer aos

planos da existência e da validade jurídica, como reflexo de interpretação histórica

deflagrada a partir do revogado artigo 1º, do CC/1916.

Ainda, apesar de o costume exaltado pela Escola histórica não ostentar assento

cativo no Direito Tributário por força do primado da cláusula de legalidade tributária - artigo

150, inciso I, da CF de 1988 c/c artigo 97, do CTN de 1966, reconhece-se um mínimo influxo

consuetudinário nas “práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas”

que, observadas pelo contribuinte/responsável, outorga-lhes segurança jurídica, excluindo

multas, cobrança de juros e atualização monetária da base de cálculo, em consonância com o

enunciado normativo do artigo 100, caput, inciso III, e seu parágrafo único, do CTN.

Encontra incrível relevância no estudo da segunda modalidade de desvio de

finalidade, enquanto desvirtuamento dos destinos específicos dos tributos, a aplicação do

procedimento histórico, de tal modo que o problema da Desvinculação de Receitas da União

– DRU, presente no caput, do artigo 76, do ADCT, com redação dada pela EC n.º 68/2011,

chega ao ponto de resgatar as origens liberais dos impostos, enquanto receitas tributárias

desafetadas.

Enfim, ainda no desvio de finalidade, enquanto tredestinação, o procedimento

histórico desponta como meio de identificar a evolução histórica da DRU, a partir do estudo

dos Fundos Social de Emergência - FSE e o de Estabilização Fiscal - FEF, num resgate do

pensamento de Friedrich Karl von Savigny55.

54 Sobre a capacidade civil do agente , consultar artigos 1º e 104, inciso I, todos do Código Civil de 2002, bem como a respeito de competência administrativa vislumbrar os artigos 6º, inciso I e, especialmente, 11, 12 e 13, da Lei 9.784/1999 – Lei de Processo Administrativo Federal, bem como artigo 2º, alínea a, da Lei 4.717/1965 – Lei da Ação Popular. 55 SAVIGNY, Friedrich Karl von. Metodologia jurídica, Tradução de Heloísa da Graça Buratti. São Paulo: Rideel, 2005, p. 26. Nesse sentido, toda interpretação possui “a) uma parte lógica que consiste na apresentação do conteúdo da lei na sua origem, o que apresenta a relação das partes entre si [...] b) uma parte gramatical, uma condição necessária da lógica. [...] c) uma parte histórica. A lei é dada num momento determinado, para um povo determinado. Então, é preciso conhecer as condições históricas para captar o pensamento da lei. Só é possível a apresentação da lei através da apresentação do momento em que existe a lei”.

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1.3 POSITIVISMO KELSENIANO NORMATIVISTA

Por seu turno, com amparo no princípio da pureza metodológica, o positivismo

normativista de Hans Kelsen perseguiu a superação da corrente historicista, empenhando-se

na hercúlea tarefa de construir uma teoria científica do Direito, na qual fosse expurgada toda

e qualquer influência de outros ramos dos saberes extrajurídicos, como a ideologia, a política

ou a moral, que dificultassem a compreensão da estrutura lógico-formal dos arquétipos

normativos.

As felizes lições de Hans Kelsen chamaram a atenção da comunidade jurídica

internacional para as falhas provenientes da herança jurídica precedente, a exemplo da

distinção entre direitos pessoal e real56, bem como das questões atinentes às origens dos

direitos subjetivos57.

Enquanto importante contribuição à ciência do direito, coube também ao

jurista de Praga distinguir a norma da proposição jurídica58, aperfeiçoando a estrutura do

pensamento lógico-formal.

Pelo fato de Hans Kelsen ter sido muitas vezes incompreendido ou mal

interpretado, surgiram os “kelsenianos”, como supostos seguidores do fundador da Escola de

Viena, que injustificadamente contribuíram para a repulsa do seu pensamento na comunidade

jurídica após a Segunda Grande Guerra Mundial59.

56 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 145-146. Nesse sentido, “de primária importância é a relação entre indivíduos, a qual também no caso dos chamados direitos reais consiste no dever de uma determinada conduta em face de um indivíduo determinado. A relação com a coisa é de secundária importância, pois apenas serve para determinar com mais rigor a relação primária. Trata-se da conduta de um indivíduo em relação a uma determinada coisa, conduta que todos os outros indivíduos são obrigados, em face do primeiro, a suportar”. 57 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 145. Quanto à origem dos direitos subjetivos, tem-se: “Se se afasta a hipótese dos direitos naturais e se reconhecem apenas os direitos estatuídos por uma ordem jurídica positiva, então verifica-se que um direito subjetivo, no sentido aqui considerado, pressupõe um correspondente dever jurídico, é mesmo este dever jurídico”. 58 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 229. Quanto ao mérito de estremar as noções de norma e proposição jurídicas, ressalte-se que, “contudo, a asserção (enunciado) que descreve uma ordem normativa afirmando que, de acordo com esta ordem, uma determinada norma é válida, e, especialmente, a proposição jurídica, que descreve uma ordem jurídica afirmando que, de harmonia com essa mesma ordem jurídica, sob determinados pressupostos, deve ser ou não deve ser posto um determinado ato coercivo, podem – como se mostrou – ser verdadeiras ou falsas. Por isso, os princípios lógicos em geral e o princípio da não-contradição em especial podem ser aplicados às proposições jurídicas que descrevem normas de Direito e, assim, indiretamente, também podem ser aplicados às normas jurídicas. Não é, portanto, inteiramente descabido dizer-se que duas normas jurídicas se ‘contradizem’ uma à outra”. Reconhecendo o feito kelseniano, consulte LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 350 e LOSANO, Mário. Sistema e estrutura no direito, p. 364-365, v. 1. 59 LOSANO, Mário. Sistema e estrutura no direito: o século XX, p. 25, v. 2. A propósito, contextualiza o eminente professor italiano com suas pertinentes lições: “Na ciência jurídica do século XX, o pensamento sistemático mais rigoroso é o do positivismo jurídico, e sua formulação mais completa é a teoria pura do direito. [...] alcançou seu ápice e iniciou seu declínio nos anos em que, na filosofia, afirmavam-se as filosofias irracionalistas e, na política, os regimes totalitários. O fato de que em 1933 os nacional-socialistas tenham

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A propósito, esclareça-se equívoco grosseiro quanto aos pilares jurídicos do

Direito Nacional-Socialista da Alemanha. Nesse contexto histórico, comumente atribui-se a

suposta pecha de direito “formalista” ao regime jurídico implementado pelo Nazismo.

No entanto, essa posição infundada não prospera diante das aguçadas lições da

Professora Emérita da Universidade de Frankfurt, Ingeborg Maus, ao ressaltar o caráter

material do direito nazista, de sorte que havia verdadeira doutrinação dos magistrados para

que se libertassem das amarras legais, dando-lhes como mecanismos de “sincronização do

judiciário com o nazismo” as cláusulas gerais, que deveriam ser interpretadas conforme o

“senso popular” ou a “vontade do Führer”60.

Por todas essas razões, até os dias atuais, o rochedo da Teoria pura permanece

inabalável a quaisquer ataques, uma vez que o principal propósito de Kelsen foi alcançado:

uma teoria única do Direito aplicável a quaisquer sistemas jurídicos, independentemente das

posturas ideológicas ou morais em que se fundamentam.

Quanto à interpretação das normas jurídicas, Hans Kelsen não avançou na

construção da hermenêutica jurídica ao adotar uma concepção subjetivista e volitiva do ato de

interpretação, como se depreende do último capítulo de sua Teoria pura do direito61.

Dessa maneira, enquanto relevante ponto de partida, as arbitrárias práticas de

desvio de finalidade são perpetradas inúmeras vezes no âmbito da moldura normativa do

artigo 153, §1º, da CF de 1988, com aparente constitucionalidade, de tal sorte que se supõe

respeito às literais disposições constitucionais.

Assim, a moldura normativa do sobredito enunciado normativo apenas oferece

possibilidade de controle jurídico do critério quantitativo, isto é, a partir do contraste do

tomado o poder na Alemanha e de que em 1934 tenha sido publicada – obviamente, não na Alemanha – a primeira edição da Teoria pura do direito é uma epifania no sentido joyciano do termo”. 60 MAUS, Ingeborg. O judiciário como superego da sociedade, p. 66-67. A propósito, essa doutrinação da classe dos magistrados era instrumentalizada através das “Cartas aos Juízes, publicadas desde 1942 pelo ministro da justiça do Reich [...]”. Igualmente, ressalte-se excelente lição que dissipa qualquer nebulosidade quanto ao caráter francamente opositor de Carl Schmitt ao positivismo normativista, a saber: SÁ, Alexandre Franco de. A coerência de Carl Schmitt In VIEIRA, Luiz Vicente; COSTA, Danilo Vaz-Curado R. M. Costa. Carl Schmitt contra o “Império”. Recife: e. Universitária da UFPE, 2009, p. 21 “O decisionismo distingue-se então através da reivindicação de que a vigência da ordem jurídica, a vigência da norma, não pode deixar de pressupor o reconhecimento de um poder soberano determinado precisamente pela possibilidade de estabelecer uma excepção a essa mesma norma. É isso que permite a Schmitt determinar o soberano – segundo a lapidar frase inicial de Teologia Política – como ‘aquele que decide sobre o estado de exceção’. É a partir daí que Schmitt pode concluir acerca desta possibilidade de um poder soberano estabelecer uma excepção à ordem jurídica: [...].”. 61 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 393. Nesse sentido: “Justamente por isso, a obtenção da norma individual no processo de aplicação da lei é, na medida em que nesse processo seja preenchida a moldura da norma geral, uma função voluntária”.

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permissivo deôntico de alterar a alíquota dos impostos federais de critérios materiais

inicialmente delimitados pelos artigos 153, incisos I, II, IV e V, da CF de 1988.

Por outro lado, é possível ampliar o âmbito de controle jurisdicional sobre o ato

do Poder Executivo ao conjugar o estudo do critério quantitativo da regra matriz de

incidência tributária dos impostos em tela, com a disciplina da invalidação judicial por desvio

de finalidade, de tal sorte que os veículos normativos aptos a manejar essas alíquotas têm

naturezas de atos administrativos, como decretos, v.g., n.º 6.809/2008 e n.º 7.567/201162 ou

outros atos administrativos normativos, v.g., resoluções da Câmara de Comércio Exterior-

CAMEX63.

Ademais, a vontade dos exercentes do Poder de Tributar que visa à criação

dessas normas jurídica, mas não as fundamentam validamente64, pode ser contrastada

judicialmente com maior facilidade e clareza, ao associar-se a construção lógico-formal da

regra matriz de incidência com estudos pertinentes ao vício de desvio de finalidade dos atos

administrativos em matéria de concessão de reequilíbrio orçamentário, em face dos incentivo

fiscais concedidos.

Igualmente, exsurge igual relevo no pensamento kelseniano do momento de

estudo do desvio de finalidade enquanto tredestinação dos recursos arrecadados, porquanto,

as molduras normativas que afetam obrigatoriamente determinados recursos tributários a

determinados fins constitucionais, como a Ordem Social e Econômica, presentes no caput, do

artigo 149, da CF de 1988, apenas podem ser afastadas, por outra moldura permissiva

presente no enunciado do artigo 76, do seu ADCT, pois se tratam de enunciados do mesmo

escalão normativo.

Noutra oportunidade, a tredestinação não logrou êxito em escalão normativo

infraconstitucional, pois a abertura de créditos suplementares em leis orçamentárias não tem o

condão de afastar a afetação obrigatória dos recursos da CIDE-Combustíveis, como

eventualmente destacado.

Portanto, não foi por outro motivo, que, em reação, o Congresso Nacional

igualmente “desvinculou” inclusive a CIDE, a partir do escalão normativo estabelecido pelo

62 A propósito do decreto 7.567/2001, declarou-se a inconstitucionalidade da incidência imediata do IPI sobre carros importados, sem observância da anterioridade nonagesimal, nos termos da ADI 4661-STF. 63Nesse sentido, RE 570.680/RS-STF, a respeito das resoluções da CAMEX, enquanto atos administrativos aptos a exercerem a competência discricionária do artigo 153,§1º, da CF. 64 ALVES, Alaôr Caffé. Fundamentos dos atos de vontade e práxis lingüístico-social no direito. Kelsen e Wittgenstein II. In Vilém Flusser e juristas: comemoração dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho, p. 81. Segundo o eminente jusfilósofo Alaôr Alves: “A vontade cria o sentido normativo, mas não é seu sentido. A vontade, para Kelsen, cria a norma jurídica, mas não é seu fundamento.”.

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caput, do artigo 76, do ADCT, de maneira a proporcionar mais uma deturpação dos fins

constitucionais originários.

1.4 ESCOLA PÓS-POSITIVISTA

Ainda durante o século XX, hasteou-se bandeira pretensamente renovatória nas

paragens da dogmática jurídica, especialmente com o advento da década de setenta.

A nova corrente intitulava-se de pós-positivista, enquanto expressão de

pensamento reformulatório do positivismo jurídico, de credibilidade abalada após a Segunda

Grande Guerra Mundial, por suposta inexistência de critério material de autocorreção65.

Nesse sentido, as contribuições de Ronald Dworkin foram intensas para o

aperfeiçoamento da Teoria do direito, como se constata em seu estudo The model of rules66.

As formulações do professor da New York University têm claras raízes na Common Law67 e,

portanto, ostentam postura metodológica distinta das correntes examinadas, todas construídas

a partir da tradição da Civil Law.

Assim sendo, Ronald Dworkin implementou forte ataque ao positivismo

jurídico, acusando-o de inabilidade para tratar de casos de extrema dificuldade (hard cases)68,

65 MAUS, Ingeborg. O judiciário como superego da sociedade. Tradução de Geraldo de Carvalho e Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 43. Quanto à suposta ausência de critérios materiais de autocorreção do positivismo, apresente-se a elucidativa lição da eminente Professora de Frankfurt, a respeito do critério de legitimação inerente à matriz juspositivista, no âmbito do contexto de ausência de resistência do Judiciário às leis nazistas, a saber: “A falta de resistência do judiciário estaria, então, explicada pelo fato de que lhe faltariam critérios jurídicos materiais, por meio dos quais ela poderia ter examinado e condenado as ‘leis’ positivas no nazismo. Essa acusação não percebe que o positivismo jurídico conhece inteiramente critérios de correção e condições de legitimação antecedentes ao direito positivo, mas que são de natureza puramente procedimental: residem no próprio conceito de lei.”. Nesse sentido, a respeito das posturas sociológicas pertinentes, BONAVIDES, Paulo. A constituição aberta. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996. A propósito arremata “Habermas, nesse último ponto, faz menção de uma assertiva de Luhmann em Legitimation durch Verfahren.”. 66 DWORKIN, Ronald. The model of rules, passim. 67 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 36. Assim, tem-se: “Foi na tradição anglo-saxônica que a definição de princípios recebeu decisiva contribuição. A finalidade do estudo de Dworkin foi fazer um ataque geral ao Positivismo (general attack on Positivism), sobretudo no que se refere ao modo aberto de argumentação permitido pela aplicação do que ele viria a definir como princípios (principles)”. DAVID, René. O direito inglês, p. 13. A propósito, quanto à força do precedente inerente ao sistema da common law, adverte René David no seguinte sentido: “A autoridade reconhecida aos precedentes é, por via de conseqüência, considerável, pois pode revelar-se como sendo a própria condição de existência de um direito inglês.”. 68 SERBENA, Cesar Antonio; CELLA, José Renato Gaziero. Lógica deôntica paraconsistente e hard cases. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE FILOSOFIA, 6., São Paulo. Anais... São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), 1999, p. 1-2. Interessante o estudo realizado pelos autores no sentido do aperfeiçoamento da lógica deôntica apenas fundamentada no critério lógico-dedutivo. Para os pesquisadores, os hard cases (casos difíceis ou complexos) não são solúveis como os casos corriqueiros, através da mera aplicação de subsunção, inerente ao formalismo jurídico lógico-dedutivo. Os hard cases necessitam de “justificação externa” para solução, ou seja,

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nos quais apenas princípios seriam aptos a produzir decisões jurídicas que conciliassem

direitos colidentes.

A engenhosa criação da validade enquanto aplicabilidade in concreto auxilia a

correta compreensão do pensamento de Ronald Dworkin69. Em razão disso, a validade

mencionada pelo professor da New York University não se confunde com a amplamente

difundida na tradição continental europeia, exclusivamente pertinente ao Direito codificado.

Para Ronald Dworkin, a validade equivale à dimensão de aplicação das regras

jurídicas em casos levados ao Judiciário, de tal sorte que as referidas normas jurídicas estão

submetidas ao regime do all-or-nothing (tudo ou nada)70.

Destarte, a não aplicação de determinada regra em eventual momento não

possui o condão de revogar, de expurgar a disposição normativa do sistema de direito

positivo; apenas se afasta a aplicação regrada em situação específica.

Já as normas de caráter principiológico não se sujeitam ao regime de validade

inerente às regras, mas sim ao regime da dimension of weight (dimensão do peso), como se

vislumbra em seu notório estudo The model of rules, de Ronald Dworkin 71.

Ainda no âmbito dessa postura renovatória, exsurgem as preleções do professor

Robert Alexy da Universidade Christian Albrechts, em Kiel, cuja influência é notada a partir

da obra Teoria da argumentação jurídica, na qual o eminente autor analisa o discurso jurídico

como caso especial do discurso prático geral72.

Nesse estágio, não há mais como confundir o enunciado normativo com a

norma jurídica, pois o primeiro nada mais é que o texto legal, isto é, as disposições

da “opção dentre dois ou mais valores caros à sociedade, os quais são em geral especialmente tutelados pelos ordenamentos jurídicos existentes”. 69 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, p. 36. 70 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, p. 36. Segundo o autor, “[...] as regras são aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-nothing), no sentido de que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a conseqüência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. No caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida”. Também, no original: DWORKIN, Ronald. The model of rules, p. 25. A propósito, as “Rules are applicable in an all-or-nothing fashion. If the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision”. 71 DWORKIN, Ronald. The model of rules, p. 27. Nesse sentido, referenciando caso de política de proteção ao consumidor e o princípio da liberdade de contratar, tem-se a diferença essencial entre princípios e regras jurídicas, a saber: “This first difference between rules and principles entails another. Principles have a dimension that rules do not – the dimension of weight or importance. When principles intersect (the policy of protecting automobile consumers intersecting with principles of freedom of contract, for example), one who must resolve the conflict has to take into account the relative weight of each”. (Grifo nosso). 72 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, p. 45.

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positivadas pelo legislador. Já a segunda tão somente surge enquanto resultado ou produto

significativo da atividade interpretativa, nos dizeres de Robert Alexy73.

A respeito da distinção na doutrina pátria, são insuplantáveis as considerações

de Eros Roberto Grau no sentido de que o Direito é alográfico74, de tal sorte que apenas se

aperfeiçoa com a atividade do intérprete sobre o texto normativo.

Retomando a postura de Robert Alexy, tem-se que o referido autor avança no

sentido de aperfeiçoar a teoria das regras e dos princípios jurídicos, declarando-os como

pilares fundamentais de sua Teoria dos direitos fundamentais75.

Quanto à teoria dos princípios, Robert Alexy esclarece que os princípios

jurídicos também ostentam natureza normativa, além de serem verdadeiros mandados de

otimização76, sujeitando-os ao regime de ponderação, em eventual colisão.

Por sua vez, quanto ao estudo das regras jurídicas, advoga o professor de

Christian Albrechts que igualmente existe possibilidade de colisão entre regras, cuja solução

dworkinana limita-se à aplicação do regime all-or-nothing. Assim sendo, para Robert Alexy,

a superação do sobredito problema se perfaz mediante a aplicação de cláusulas de exceção77,

além da viabilidade de declaração de invalidade normativa, enquanto soluções relativas às

colisões entre regras jurídicas.

Igualmente, relevante contribuição à Teoria do direito foi dada pela metódica

estruturante de Friedrich Müller, responsável por tentar desconstruir a dicotomia ser/dever

ser, tão evidente no pensamento de Hans Kelsen, e, ainda, por construir sua teoria a partir do

método indutivo78.

No entanto, destaquem-se as suas preleções quanto à técnica chancelada pelo

Direito Constitucional pátrio, de interpretação conforme a Constituição, de inspiração

73 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, p. 51. “El enunciado ‘Ningún alemán puede ser extraditado al extrajero’ significa que está prohibida la extradición al extranjero. Uma norma es, pues el significado de um enunciado normativo.”. (grifo nosso). 74 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre aplicação/interpretação do direito, p. 31-32. 75 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 85. “Para a teoria dos direitos fundamentais, a mais importante delas é a distinção entre regras e princípios. Essa distinção é a base da teoria da fundamentação no ambito dos direitos fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais”. 76 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 90. “O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes”. 77 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 92. 78 MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes, p. 11.

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estadunidense e aperfeiçoamento alemão, que conduz, entre duas ou mais interpretações

possíveis, buscar-se judicialmente a mais compatível com a CF de 198879.

A propósito das preleções “pós”-positivistas, impende destacar a possível

aplicação da teoria das regras jurídicas no que diz respeito ao estudo da regra matriz de

incidência tributária.

Assim sendo, as normas-regras trazem em seu bojo uma mensagem

deonticamente orientada por um modalizador obrigatório, permitido ou proibido, de modo a

disciplinar determinada conduta intersubjetivamente relevante para o sistema de direito

positivo.

Nesse cenário, a regra matriz é espécie de norma-regra que conduz a uma

relação jurídica obrigatória no consequente normativo entre sujeitos obrigacionais, cujo

quantum debeatur é de antemão fixado na conjugação de alíquota e base de cálculo de

determinado tributo, a partir da incidência do antecedente em fato que consubstancia em signo

presuntivo de riqueza, em determinado espaço e tempo.

Assim, os princípios de per se não são aptos a delimitar a incidência tributária,

porquanto o fenômeno sub examine se refere às condutas que são normalmente disciplinadas

por normas-regras jurídicas, como destacado na regra matriz de incidência tributária.

À evidência de sua fantástica aplicabilidade no tema em apreço, a partir do

realinhamento teórico da regra matriz de incidência, exsurgem as possibilidades dogmáticas

de, mediante prévio exame seu arquétipo constitucional, enxergar cristalinos vilipêndios a

seus critérios, através de práticas de desvios de finalidade, tanto na vertente de desvio de

poder, como em caso de tredestinação, como oportunamente será destacado.

Por fim, a regra matriz de incidência tributária presta-se, com habitual

elegância lógica, a descortinar os abusos perpetrados, mediante ofensas aos critérios

quantitativo, Cq (bc x al), em caso de desvio de poder, e finalístico, Cf (Sa + Sr), em se

tratando de tredestinação dos recursos arrecadados.

1.5 ESCOLA FINALISTA

As dificuldades de entrelaçamento entre o enfoque estruturalista80 e finalista

apresentam-se maiores, em razão de algumas discrepâncias de tratamentos ao estudo da 79

MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 156. No mesmo sentido, FREITAS, Juarez. Interpretação sistemática do direito, 4ª ed, São Paulo: Malheiros, p. 79.

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função e da finalidade, no regime jurídico-dogmático brasileiro, especialmente, quando se

propõe um veemente diálogo entre conceitos administrativistas, tributários e financistas,

enquanto instrumentos indispensáveis de interpretação dos desvios de finalidades.

Inicialmente, destaque-se que o enfoque estruturalista é a maior expressão do

direito formal81, cuja metodologia se sobressai a partir de uma construção semântico de

arquétipos regidos pela lógica deôntica.

Por sua vez, o pensamento teleológico busca a ratio de determinado Direito

posto, em determinado espaço e tempo, ora, na vontade do legislador ora, no sistema de

direito positivo. Destaque-se, que a primeira corrente de caráter subjetivo investiga a vontade

psicológica do legislador não é mais bem vista, desde as abordagens de Gustav Radbruch82.

Assim, prevalece a corrente objetiva, na qual se busca os fins83 positivados na

ordem jurídica em vigência, cuja obra da segunda fase do pensamento de Rudolf von Ihering

exsurge como enfoque de complementação da metodologia lógico-formal, inerente ao

estruturalista, no presente ensaio.

80 LOSANO, Mário. O pensamento de Norberto Bobbio, do positivismo jurídico à função do direito. In: Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito, p. XL. Com sua precisão natural, Mário Losano faz referência à corrente estruturalista kelseniana, ou seja, ao positivismo normativista. 81 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, 6ª ed, São Paulo: Malheiros, p. 33. O eminente jurista relata as dificuldades e vícios metodológicos da teoria estruturalista, a partir de Kelsen, a saber: “Os kelsenianos são vítimas também da postura metodológica que assumem diante do direito, como objeto de conhecimento, divisando-o apenas enquanto forma. Isso conduz, inexoravelmente, a um método peculiar de apreciação das noções jurídicas: a lógica dessas noções é buscada exclusivamente na razão teórica.” No entanto, não merece prosperar a crítica de “esvaziamento” do Direito posto, de tal sorte que o estruturalismo é o ponto de partida mais seguro, inclusive juridicamente, tanto para os juristas como para os jurisdicionados, que ora sofrem em face do exacerbamento de posturas materiais do Direito. Enfim, o enfoque estruturalista é essencial, sim, para a interpretar o direito, mas, obviamente, trata-se de ponto de partida para qualquer enfoque material, pois são teorias que se complementam. 82 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito, Tradução de Marlene Holzhausen, 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, p. 163. A propósito, ensina o eminente jusfilósofo germânico, a saber: “Os legisladores não são os autores da lei; a vontade do legislador não é a vontade coletiva dos participantes do processo legislativo, mas, ao contrário, a vontade do Estado. O Estado, todavia, não se pronuncia pelas manifestações pessoais dos participantes na produção da lei, mas tão-somente pela própria lei. A vontade do legislador coincide com a da lei.”. 83 IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito, Tradução de José Antonio Faria Correa. Rio de Janeiro: Rio, 1979, p. 19. Nesse sentido, “A própria natureza indicou ao homem o caminho que deve tomar, para aliciar outrem para seus fins: trata-se da ligação do objetivo individual com o interesse alheio. Toda a nossa vida humana repousa sobre esta fórmula: o estado, a sociedade, o comércio e as relações. Uma cooperação de diversos homens, visando ao mesmo fim, só se efetua na medida em que os interesses de todos convirjam para o mesmo ponto. Pode ser que nenhum deles almeje a finalidade como tal, mas cada um seu próprio interesse, um fim subjetivo inteiramente diverso daquela finalidade objetiva, mas a coincidência de todos os interesses com o fim geral faz com que cada um, ao esforçar-se meramente por si próprio, atue, ao mesmo tempo, pelo último”. Nesse mesmo sentido, GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, p. 88. A propósito, resgata que “Isso importa lembrarmos de von Ihering (1884/424): ‘O direito existe em função da sociedade; não a sociedade em função do direito’”.

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Portanto, urge adentrar nas necessárias distinções entre finalidades e funções

positivadas no sistema de direito positivo brasileiro, com a necessária releitura da literatura

pertinente à teoria geral do direito, buscando suas aproximações e diferenças semânticas.

A investigação conteudística do que se compreendo por função e por finalidade

na paragem do Direito encontra inúmeras inspirações teóricas, das quais se destacam o

finalismo jurídico, de von Ihering e o funcionalismo jurídico, de Norberto Bobbio.

Deveras, ambos os teóricos em seus respectivos tempos, convergiram para uma

mesma matriz teórica, uma vez que buscaram compreender o Direito, enquanto instrumento

de consecução de determinados escopos ou fins sociais.

Em seu teleologismo, von Ihering contrapôs-se ao rigor do pensamento

formalista da jurisprudência dos conceitos84, por entender o Direito como meio de se atingir

determinados fins sociais e individuais85, surgindo o telos como elemento norteador de toda

interpretação jurídica, a partir da aplicação do critério relativo de finalidade, como assevera

Maria Helena Diniz86.

Ressalte-se que o ponto de inspiração do funcionalismo de Norberto Bobbio é

nutrido pela perspicácia do pensamento teleológico de von Ihering, ao adiantar, em quase um

século, a essência do que se costuma chamar de Direito Premial (ou Recompensatório) que,

ganhou, ulterior esplendor na Itália, como o sobredito jurista de Turim, e, no caso brasileiro,

com Eros Roberto Grau, no Direito Econômico.

Nesse sentido, destaque-se a habitual genialidade da afirmação iheringuiana na

sutil constatação das técnicas aptas a obtenção de determinados fins sociais, quais sejam: a

recompensa - sanção positiva - e a pena - sanção negativa.

84

ZILVETI, Fernando Aurélio. Interpretação, tipo e linguagem na aplicação do direito tributário, In FERRAZ, Roberto (Coord). Princípios e limites da tributação 2: os princípios da ordem econômica e a tributação, p. 88. Elucidando com lapidar precisão as relações existentes entre a jurisprudência dos conceitos e o modelo de Estado Liberal, o eminente jurista Fernando Aurelio Zilveti ensina-nos, in verbis: “De origem no pandectismo alemão, funda-se a jurisprudência dos conceitos na tese de que os conceitos e categorias jurídicas representam a realidade social expressa na norma, de modo que é defeso ao intérprete rever tais conceitos. Essa forma de interpretação, característica do Estado Liberal, premia outras teses, como da primazia do Direito Civil sobre o Direito Tributário, da legalidade estrita, da autonomia da vontade e do caráter absoluto da propriedade e, ainda, da antijuridicidade da capacidade contributiva.”. 85 IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito, v. 1, p. 31. Nesse sentido, “Os fins de toda a existência humana dividem-se em dois grandes grupos: os do indivíduo e os da comunidade (sociedade)”. 86 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, 19ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 59. Nesse sentido, “Para Ihering, deve-se, portanto, interpretar a norma levando ern conta seus fins, esclarecendo que a norma jurídica não é um fim em si mesma, mas um meio a serviço de uma finalidade, que é a existência da sociedade. Se a sociedade não pode subsistir sob o regime jurídico dominante numa determinada época, e se o direito se mostrar ineficaz para manter a sociedade de forma adequada, a força entra em ação abrindo caminho para uma nova ordem jurídica, que se mostre como meio idôneo e apropriado para realizar aquela finalidade.”

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A propósito, destaca von Ihering que houve franco retrocesso do Direito, como

instrumento de consecução dos fins sociais, à sua época.

Segundo seu exame percuciente do Direito Romano, isso ocorreu por

hipertrofia da técnica punitiva (pena), em detrimento da técnica premial (recompensa), uma

vez que ambas foram muito utilizadas de maneira equilibrada, em Roma, na Antiguidade

clássica87.

A partir desse ensejo, o pensamento de von Ihering pautou a produção jurídica

de maturidade de Norberto Bobbio, em uma série de ensaios, cuja compilação foi nominada

Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito88.

Igualmente atento às modificações estruturais do Estado moderno durante o

século XX, Norberto Bobbio tratou de fazer uma releitura do positivismo normativista

kelseniano, enquanto ponto de partida de sua abordagem funcionalista do direito, que, a

propósito, nada mais é que a versão contemporânea do finalismo jurídico.

Ao sair de sua primeira fase, de nítida inspiração kelseniana, por investigar o

Direito como norma estruturada de maneira lógico-formal, com nítida feição de técnica de

controle comportamental por punição passou, em sua obra de maturidade, a se debruçar nas

funções promocionais do Direito, mediante técnicas recompensatórias.

Assim sendo, Norberto Bobbio passou a estudar outras funções jurídicas,

especialmente a promocional ou premial do direito (sanção positiva), instrumentalizada

mediante a concessão de prêmios ou incentivos, os quais visam a mudanças estruturais da

realidade social89.

87 IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito, v. 1, p. 99. Em supina lição, exalte-se a atualidade do pensamento de Ihering, cuja origem histórico-evolutiva encontra suas raízes no Direito Romano, a saber: “O emprego que a sociedade hodiernamente faz da recompensa, bastante inferior em relação à pena. Neste sentido, fez um grande retrocesso em relação à antigüidade. Em Roma, recompensa e pena equiparavam-se perfeitamente como os dois meios postos à disposição da sociedade para a perseguição de seus objetivos, aos olhos dos políticos sociais. Um jurista romano não teme, no que respeita à questão da finalidade do direito, em assestar a recompensa e a pena em um única e mesma linha.” 88 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito, et passim. Nesse ponto, Eros Grau apresenta posição que se aproxima da identidade entre fim e função do direito, ao citar a obra de Rudolf von Jhering, o Fim no Direito e a de Norberto Bobbio, Da Estrutura à Função. GRAU, Eros. Direito posto e pressuposto, pp. 25-30. Também nesse sentido, aproximam-se as lições de MIRANDA, Jorge. Funções do estado. In: Revista de Direito Administrativo, v. 189, pp. 85-99; 89 LOSANO, Mário. O pensamento de Norberto Bobbio, do positivismo jurídico à função do direito. In BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito, pp. XLII-XLIII.

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Para o jurista de Turim, por conseguinte, entende-se por função toda e

qualquer “prestação continuada” de determinado órgão para a manutenção da vida90,

exsurgindo, assim, algumas influências das ciências biológicas em sua enunciação.

Dessa maneira, segundo Norberto Bobbio desponta o fim como elemento

constitutivo das funções do direito, como uma amalgama teórica a serviço da concretização de

escopos ou fins positivados pelos ordenamentos jurídicos.

A propósito, existe coincidência teórica a respeito desse entrelaçamento entre

as funções do direito e suas finalidades, no pensamento do constitucionalista Jorge Miranda.

O Professor de Coimbra destaca a plurivocidade do termo função, ao tecer

elucidativas considerações no seu ensaio Funções do estado. Nesse contexto, os dois sentidos

ressaltados são por Jorge Miranda são, a saber: função como tarefa (incumbência) ou função

como atividade91.

À semelhança de Norberto Bobbio, o jurista português arremata que o

conteúdo semântico de função do direito ou do estado sempre está imbuído por algum fim a

ser realizado, como verdadeiro elemento teleológico92.

No Direito pátrio, destaque-se o pensamento de Eros Roberto Grau93 que, ao

desposar das premissas de intervenção do Estado, por indução, preserva a atualidade

enquanto do teleologismo idealizado por von Ihering. Nas plagas do Direito Tributário,

90 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito, p. 103. A propósito, tem-se que função é a “[...] prestação continuada que um determinado órgão dá à conservação e ao desenvolvimento, conforme um ritmo de nascimento, crescimento e morte, do organismo inteiro [...].”. Não adstrita à matriz biológica da qual se serviu Norberto Bobbio, existe didático ensaio sobre os pontos de vista estrutural e funcional, de Francesco Carnelutti. CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do direito, p. 52. Nessa perspectiva: “Mas considerar em todas as suas partes um instituto do Direito é menos fácil do que observar por todos os lados um animal. Recordemos que, em sua realidade, um instituto é um complexo de homens que operam dando ordens e recebendo-as. Há que se ajudar confrontando o mecanismo. Que fazemos quando queremos observar uma máquina? Oriento-me deste modo. A primeira questão que se propõe em tal caso é: para que serve? Isso quer dizer que se a considera, antes de mais nada, pelo lado de sua função; fixa-se a atenção sobre o opus que ela proporciona. E uma máquina de escrever ou uma máquina de coser? Depois vem outra pergunta que muda a posição do observador: como está feita? Esse é o ponto de vista da estrutura. A distinção que comecei a estabelecer entre o lado funcional e o lado estrutural dos institutos jurídicos não é mais do que uma questão de multiplicação dos pontos de vista na observação, isto é, multiplicação das imagens resultantes da observação como remédio àquela inferioridade de nossa percepção, pela qual toda imagem, em relação a seu objeto, é parcial.” 91 MIRANDA, Jorge. Funções do estado. In: Revista de Direito Administrativo, v.189, p. 85. Assim, tem-se: “I — São dois os sentidos possíveis de função do Estado: como tarefa ou incumbência, correspondente a certa necessidade coletiva ou a certa zona da vida social; e como atividade com características próprias, modo de o poder político se projetar em ação”. 92

MIRANDA, Jorge. Funções do estado. In: Revista de Direito Administrativo, v.189, p. 86. Nesse sentido: “II — Numa e noutra acepção, manifesta-se um elemento finalístico: diretamente, na função como tarefa; indiretamente, na função como atividade”. 93 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, 6ª ed, São Paulo: Malheiros, pp. 26-27.

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servindo-se do pensamento finalístico, destaquem-se as posições de Humberto Ávila94 e de

Fernando Aurelio Zilveti95.

Por derradeiro, assevere-se que a postura estruturalista é complementada96

pela funcionalista ou finalista jurídicos, preenchendo os arquétipos formais do Direito, pois,

só assim torna-se possível visualizar o vício de desvio de finalidade, enquanto abuso de

direito na manipulação do arquétipo lógico-normativo do Direito Constitucional Tributário.

Superadas as considerações inerentes aos enfoques funcionalista e finalista da

teoria geral do direito, cabe ao investigador se debruçar nas possíveis interpretações sobre

finalidades e funções positivadas no sistema de direito positivo brasileiro.

No regime jurídico brasileiro, é possível estremar a função da finalidade,

apesar de seu entrelaçamento originário97.

Assim, a finalidade é explorada enquanto pressuposto de validade ou

regularidade dos atos jurídicos administrativos98, numa nítida tentativa de agrilhoar o agente

público aos fins legais, como se vislumbra no diploma legal de n.º 4.717/1965, art.2º, alínea e,

e parágrafo único e99.

Por outro lado, também é regulamentada no que se destina à interpretação dos

enunciados normativos, dos quais se extraem as normas jurídicas administrativas, como

presente na Lei federal, n.º 9.784/1999, art. 2º, parágrafo único, XIII100.

94

ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 138 e pp. 334-335. Em inúmeras passagens, o eminente tributarista atravessa resgata sua premissa teleológica. 95

ZILVETI, Fernando Aurélio. Interpretação, tipo e linguagem na aplicação do direito tributário In FERRAZ, Roberto (Coord). Princípios e limites da tributação 2: os princípios da ordem econômica e a tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 98. Nesse sentido: “Se a igualdade na tributação é um fim em si mesmo, pretensão normativa implícita, o método de interpretação mais indicado para aplicar a justiça tributária seria o teleológico.”. Contra o pensamento teleológico, destaque-se: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Apontamentos necessários à compreensão da repartição constitucional de competências tributárias – as contribuições especiais – a importância da base de cálculo In Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 156, set/2008. São Paulo: Dialética, pp. 95-108. 96 LOSANO, G. Mário. O pensamento de Norberto Bobbio, do positivismo jurídico à função do direito In Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito, Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Barueri, São Paulo: Manole, 2007, p. XLI . A propósito, destaque-se a pertinente exposição do respeitável jurista italiano, Mário Losano, em prefácio à tradução brasileira da obra de Bobbio, a saber: “Aceitar a função como elemento essencial do direito não implica, contudo, a rejeição de uma visão estrutural do direito. Trata-se, não de um repúdio, mas sim de um complemento: [...]”. 97

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, p. 32. No mesmo sentido de Norberto Bobbio e de Jorge Miranda, averba o administrativista Marçal Justen Filho um dos sentidos relevantes de função “[...] É utilizado também para indicar a natureza instrumental de um objeto ou de uma atividade, colocando-se relevo na existência de um fim a ser atingido. [...]”. 98

MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo, p. 191. A propósito, ensina Ricardo Marcondes Martins a respeito do pressuposto finalístico, nos seguintes termos: “A finalidade é o pressuposto teleológico de regularidade do ato administrativo [...]”. 99 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, p. 169. 100 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, p. 169.

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Nesse sentido, tem-se que fim é o bem jurídico alvejado pelo sistema de direito

positivo e, por conseguinte, pelos agentes públicos.

Em contrapartida, a função jurídica no regime jurídico administrativo é mais

próxima do estudo da competência dos agentes públicos.

Sob o enfoque lógico-formal, não vislumbramos outra fundamentação

dogmática senão a aplicação do princípio ou critério da divisão do trabalho101, para a

caracterização da Separação Funcional do Poder, em função legislativa, executiva e judicante,

assim como o estudo orgânico das funções públicas no próprio direito administrativo.

Corroborando essa visão dogmática, a respeito do princípio ou critério da

divisão do trabalho, assevera Ruy Cirne Lima no sentido de que há “[...] a necessidade, para

maior eficiência do serviço público, de uma delegação de funções (princípio econômico da

divisão do trabalho).”102.

Por sua vez, sob as lentes da politicidade, trata-se de técnica de limitação do

poder como já observará, de maneira orgânica, o Barão de Montesquieu, na teoria tradicional

do Estado103.

Nesses contornos, tradicionalmente, prevalece a concepção da trilogia das

funções estatais, vale dizer, funções legislativa, executiva (administrativa) e judicante,

atribuídas e distribuídas organicamente aos respectivos órgãos legislativo, executivo e

judiciário, na esteira da clássica divisão funcional do Poder104.

101 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 172-173. Assevera o jurista de Praga que “Já existe um mínimo de divisão do trabalho quando o ordenamento— por exemplo, um ordenamento jurídico primitivo — determina que certas funções, como a verificação do (ato ilícito e a execução da conseqüência do ilícito prevista, não sejam desempenhadas por quaisquer indivíduos sujeitos ao ordenamento mas apenas por indivíduos que tenham uma certa idade: ou quando, segundo o Direito vigente, para a constituição de um costume jurídico não é necessária a conduta de todos os indivíduos sujeitos ao ordenamento jurídico, mas basta tão-só a conduta da maioria dos indivíduos com capacidade de exercício; ou quando, segundo o Direito vigente, só as pessoas que tenham atingido uma certa idade e sejam psiquicamente normais podem regular as suas relações econômicas mútuas através de negócios jurídicos [...]”. Na doutrina brasileira, a respeito da aplicação do princípio ou critério da divisão do trabalho, MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo, v. I, pp. 56-57. 102 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo, p.118. Itálico acrescido nas frases “maior eficiência do serviço público” e “princípio econômico da divisão do trabalho”. 103 SANTORO, Emílio. Estado de direito e interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do estado de direito. Tradução de Maria C. J. Buonfiglio e Giuseppe Tosi. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 36. 104 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo, p. 27 Nesse sentido:“[...] há uma trilogia de funções no Estado: a legislativa, a administrativa (ou executiva) e a jurisdicional.” Ademais, v. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Princípios de direito administrativo, v.I, p. 29. Neste mesmo sentido, “Divide o exercício da função pública entre Poderes distintos, embora harmônicos, no exercício da ação legislativa, executiva e judicante”. Ademais, também entre os administrativistas, FAGUNDES, Miguel SEABRA, in O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, p. 3.

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De se ressaltar sobre o tema, apenas, a posição dissonante de Hans Kelsen, sob

seu enfoque lógico-formal. Pugna o jurista de Praga pela dualidade de funções estatais, qual

sejam: função jurídica de criação e de aplicação das normas jurídicas, atribuídas às três

esferas de Poder estatal105.

No entanto, a par do notório reconhecimento da teoria dogmática kelseniana,

prevalece a trilogia aperfeiçoada por Montesquieu106, no enunciado normativo do artigo 2º,

da CF de 1988.

Dessa maneira, compreende-se função jurídica como o poder jurídico107

exercido nos limites das regras de competências constitucional e legalmente outorgadas aos

agentes públicos (limites de atuação), em abono à divisão do trabalho, por força da paulatina

105 KELSEN, Hans, Teoria pura do direito, p. 325. “As funções atribuídas ao Estado dividem-se, segundo a tradicional teoria do Estado, em três categorias: legiferação, administração (incluindo a governação) e jurisdição. Todas três são— como se mostrou — funções jurídicas, quer sejam funções jurídicas no sentido estrito de funções de criação e aplicação do Direito, quer sejam funções jurídicas num sentido mais amplo que também inclui a função de observância do Direito. Se a legiferação, isto é, a criação de normas jurídicas gerais (de um escalão relativamente elevado) é considerada como função do Estado, (...)” (itálico acrescido). 106 PINTO, Bilac. Regulação efetiva dos serviços de utilidade pública. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp.161-162. Como bem assevera o saudoso estadista e ministro do STF, Bilac Pinto, sobre o itinerário da limitação do poder político na filosofia política ocidental, a saber: “92. Como cautela preliminar convém que se estabeleça distinção absoluta entre a caracterização das funções do Estado em normativas, administrativas e jurisdicionais, registrada por ARISTÓTELES e que tem tido, em todos os tempos, a irrecusável comprovação dos fatos e a chamada doutrina da separação dos poderes. Ao atribuir cada uma dessas funções, com caráter privativo, a determinado órgão e ao imprimir-lhe a designação de poder MONTESQUIEU afastou-se totalmente de ARISTÓTELES para filiar-se à corrente dos pensadores e filósofos que se preocuparam principalmente com a mecânica do poder. [...] Os primeiros lineamentos dessa preocupação de simetria e equilíbrio dos órgãos do Estado forma encontrados na obra do historiador grego POLYBIUS (c. 200 – c. 120 A.C.) em cuja teoria do governo misto estavam implícitas a separação dos poderes e o chamado princípio de pesos e contrapesos que lhe é correlato (Together - a separação dos poderes – with the related theory of checks and balances it may be considered implicit in the theory of mixed government stated by POLYBIUS...).” 107 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, p. 33. Com sua habitual precisão, entende Marçal Justen Filho que: “[...] o conceito de função em sentido finalístico complementa-se pela integração de três aspectos, a saber: a) a titularidade alheia de interesse a ser realizado; b) o dever do sujeito de perseguir a realização desse interesse e promover a obtenção de um fim; c) a atribuição de poder jurídico necessário para a realização desse interesse. O conceito de função desenvolveu-se no direito público, mas a evolução sociopolítica-econômica produziu a generalização de sua aplicação também ao direito privado. Por isso, pode-se afirmar a indiferença, atualmente, da formal participação de pessoa de direito público para configura-se uma função. Assim, por exemplo, alude-se à ‘função social da propriedade’, da ‘empresa’ ou do ‘contrato’ para indicar que os particulares também exercitam poderes vinculados à consecução de fins transcendentes”. KELSEN, Hans, Teoria pura do direito, p. 166. Por sua vez, é lícito ressaltar que o jurista de Praga identifica “competência” com “função”, ou seja, um “poder jurídico”, no seu enfoque lógico-formal. No entanto, parece-nos mais condizente como o regime jurídico brasileiro, diferenciar as regras de competência, que demarcam a atuação dos agentes públicos do exercício de seus encargos, de suas funções, que implicam em poderes. E utilizamos poderes atribuídos em razão da lição de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, in verbis: “Além de disciplinar a organização essencial do Estado e das respectivas atribuições dos seus órgãos fundamentais, como decorrência do sistema político, o Direito Constitucional delimita a ação do Estado, através do governo, de modo negativo - estabelecendo-lhe barreiras, em favor dos direitos proclamados e assegurados aos indivíduos e aos grupos sociais menores, por esses formados – como, ainda, de modo positivo - prescrevendo seu programa ideológico em prol da coletividade. Por conseguinte, assinala a compreensão e extensão da liberdade e igualdade dos indivíduos, fixa os contornos da propriedade e giza a ingerência do Estado no terreno social”, in: Princípios de direito administrativo, v.I, p. 29. (itálico acrescido ao vocábulo “atribuídos”).

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necessidade de especialização das tarefas estatais, no intuito de concretizar os fins ou

objetivos constitucionalmente estabelecidos - artigo 3º, da CF de 1988, enquanto expressões

de deveres funcionais108 no Estado Democrático de Direito brasileiro.

Assim, não há livre querer do agente público na sua atuação. Inicialmente, a

CF de 1988 demarca as competências legislativas e administrativas como limites

constitucionais de atuação, conforme o critério da divisão do trabalho109.

Seguindo o escalonamento normativo, advém a lei, enquanto ato normativo

geral, abstrato e vinculante, emanado da autoridade investida em competência legislativa, que,

ato contínuo, demarca o aspecto material da hipótese de incidência de atuação (matérias) do

agente investido na função jurídica administrativa. São por essas razões que “A competência

resulta de lei e por ela é delimitada”, nos dizeres de Hely Lopes Meirelles110.

Trata-se, dessa forma, de enfoque estruturalista nitidamente voltado ao

esclarecimento da semântica função jurídica, ou seja, de seu significado no mundo do dever-

ser.

Assim sendo, a função é exercida na persecução dos resultados, fins ou

objetivos almejados pela ordem jurídica pátria a serem concretizados pelo Estado brasileiro,

e.g., como as presentes no enunciado do art.3º, da CF de 1988, vale dizer, constituir uma

sociedade livre, justa e solidária.

Não é por outra razão, que se entende por fim o bem jurídico objetivado,

enquanto expressão da tipologia normativa descrita no sistema de direito positivo, como bem

preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello111.

A propósito da temática, o STF pugnou pela constitucionalidade da lei que

implementou o “passe livre” para portadores de deficiência, enquanto política pública que

beneficia os portadores de deficiência (subsumindo-se ao fim da solidariedade)112, no

exercício da função legislativa - Lei 8. 899/1994.

108 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, p. 34. Destaca a posição ativa (poder) e a passiva (dever) inerentes às funções no direito. Daí, a expressão poder-dever, para caracterizar toda função, ainda que na órbita do direito privado. 109 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 41; p. 172 e p. 173, enquanto exemplos de alusão ao princípio ou critério da divisão do trabalho, que inspira as atuais regras de competência. 110 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 147. 111 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo, p. 370. Assim, tem-se que “Finalidade é o bem jurídico objetivado pelo ato. Vale dizer, é o resultado previsto legalmente como o correspondente à tipologia do ato administrativo, consistindo no alcance dos objetivos por ele comportados. Em outras palavras: é o objetivo inerente à categoria do ato.”. 112 STF, ADI 2649, Rel. Min. Carmén Lúcia, julgamento em 8-5-2008, Plenário, DJE, 17-10-2008. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp > Acesso em 07-03-2011.

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Nesse mesmo sentido, considerou constitucional a outorga de isenção

tributária de IPI - Lei 8.393/1991, art.2º, sobre a cana de açúcar, no sentido de promover o

desenvolvimento nacional113, em homenagem à redução das desigualdades regionais e

setoriais, presente no art.170, finalidade também encartada no art.3º da CF de 1988.

Assim, não há de se confundir função ou plexo de poderes atribuídos dentro de

regras de competência (princípio da divisão do trabalho) com finalidade (objetivo da ordem

jurídica), de sorte que a primeira é exercida na persecução e concretização da última, no

sistema de direito positivo brasileiro.

A título de exemplificação, a função legislativa foi exercida com a aprovação

da lei do “passe livre” para portadores de deficiência, consoante o fim presente art.3º, da

Constituição brasileira, ou seja, o objetivo de construir uma sociedade, livre, justa e solidária.

Enfim, em sede de direito positivo brasileiro, uma coisa é função jurídica -

plexo de poderes e deveres atribuídos a determinado sujeito - e outra, é competência enquanto

delimitação legal do exercício da função, conforme o princípio da divisão do trabalho.

113 STF, AI 360.461-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6-12-2005, Segunda Turma, DJE de 28-3-2008. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp > Acesso em 07-03-2011.

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Capítulo 2 - ESTADO BRASILEIRO, INTERVENCIONISMO E TRIBUTAÇÃO

INDUTORA

Sumário 2.1 O estado brasileiro e seu perfil regulatório 2.2 Modalidades de intervenção do estado brasileiro 2.3 Intervencionismo tributário: da “extrafiscalidade” à consolidação da tributação indutora.

2.1 O ESTADO BRASILEIRO E SEU PERFIL REGULATÓRIO

O Estado Democrático de Direito brasileiro inaugurado pela Constituição

Federal de 1988 (CF de 1988) não é neutro, porquanto ostenta princípios e fins

socioeconômicos encartados no seio do sistema jurídico constitucional114.

Levando em conta a grande extensão territorial brasileira, a Constituição de

1988 outorgou ao nosso modelo de Estado o dever de promover certas finalidades, a exemplo

do desenvolvimento nacional, sem se olvidar das metas de redução das desigualdades

regionais e sociais, os quais podem ser paulatinamente concretizados mediante incentivos

fiscais115.

114 BASTOS, Noel de Oliveira. Falibilidade do critério de intervenção para delimitação do modelo de estado liberal. In Revista Eletrônica Direito e Liberdade da Magistratura do Rio Grande do Norte, Ano 6, Volume 12, n. 2, jul/dez 2010, passim. Em outra oportunidade sustentamos: “Ao reflexo desta postura omissiva na estruturação financeira do Estado liberal, atribuía-se a locução finanças neutras, destacando-se a vertente da economia política na tributação. Não é por outra razão, senão a sobredita (neutralidade), que o tributo apenas deve ser instituído para fins de abastecimento dos cofres públicos, enquanto forma de manutenção geral da atividade estatal minimalista. Desta maneira, a referida tese pugna que os tributos não se dirigiam a outro fim distinto da arrecadação, ao menos de maneira ostensivamente ideológica.”. No mesmo sentido: ELALI, André. Tributação e regulação econômica, p. 18. ELALI, André; ZARANZA, Evandro. Indução econômica por meio da tributação: incentivos fiscais nas microrregiões. Aspectos pontuais da Lei 11.196/2005. In Revista Tributária e de Finanças Públicas (coord. Dejalma de Campos), ano 14, n. 71, novembro-dezembro de 2006, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 9. ELALI, André. Algumas considerações sobre neutralidade e não-discriminação em matéria de tributação. In Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 85 | p. 26 | Mar / 2009 | DTR\2009\706. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 1. 115 ELALI, André. Tributação e regulação econômica, p. 33 e, especialmente, p. 67-76. Também nesse sentido: SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 99. Quanto à potencialidade de modificação do status quo em busca da concretização de objetivos ou fins mediante incentivos fiscais, conferir também ELALI, André. Algumas considerações sobre neutralidade e não-discriminação em matéria de tributação. In Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 85 | p. 26 | Mar / 2009 | DTR\2009\706: “O fato é que se, por natureza, os incentivos fiscais visam a promover mudanças no status quo dos sistemas econô- micos, com elas não combina a tese da neutralidade. Estudos recentes, aliás, demonstram que, de fato, a idéia da neutralidade é mais uma ilusão do que uma realidade. Ou seja, a neutralidade da tributação se apresenta de forma evidentemente restrita, pois ainda não se constatou, mesmo hipoteticamente, um tributo (e em especial um imposto) completamente neutro, uma vez que toda e qualquer obrigação de cunho tributário, como lembra Santos, atinge e modifica a ordem preestabelecida das coisas, exercendo efeitos sobre a produção e o consumo, a circulação e sobre o rendimento e a propriedade, resultando até mesmo em reações psicológicas”.

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Buscou-se, portanto, realizar determinados escopos ou fins positivados pela

Ordem Constitucional de 1988, no intuito de constituir uma sociedade livre, justa e solidária,

de garantir o desenvolvimento nacional, de erradicar a pobreza e a marginalização e de

reduzir as desigualdades sociais e regionais etc., conforme incisos do artigo 3º da CF de

1988.

Esses objetivos presentes no Título I – Dos princípios fundamentais, enquanto

expressão normativa de princípios dotados de extrema generalidade em suas pretensões

finalísticas116 devem ser interpretados/aplicados através das lentes constitucionais dos Títulos

VI – Da tributação e do orçamento, VII – Da ordem econômica e financeira, sem prejuízo do

disposto no Título VIII – Da ordem econômica, para garantir a unidade e coerência sistêmicas

da CF de 1988.

Nessa linha, a partir da singela leitura dos fins constitucionais sobreditos, o

Estado brasileiro não se enquadra em um modelo puramente liberal, nos moldes clássicos do

laissez-faire dos franceses, ou mesmo na versão anglo-saxônica do night-wachtman state -

Estado guarda-noturno ou minimal state - Estado mínimo117.

Por outro lado, nosso modelo de Estado também não pode ser enquadrado na

fórmula keynesiana do welfare state (Estado social)118, de sorte que a referida tipologia estatal

116ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, p. 79. Nesse sentido: “Como se vê, os princípios são normas imediatamente finalísticas. Eles estabelecem um fim a ser atingido. Como bem define Ota Weinberger, um fim é idéia que exprime uma orientação prática. Elemento constitutivo do fim é a fixação de um conteúdo como pretendido. Essa explicação só consegue ser compreendida com referência à função pragmática dos fins: eles representam uma função diretiva (richtungsgebende Funktion) para a determinação da conduta. Objeto do fim é o conteúdo desejado. Esses, por sua vez, podem ser o alcance de uma situação terminal (viajar ate algum lugar), a realização de uma situação ou estado (garantir previsibilidade), a perseguição de uma situação contínua (preservar o bem-estar das pessoas) ou a persecução de um processo demorado (aprender o idioma Alemão). O fim não precisa, necessariamente, representar um ponto final qualquer (Endzustand), mas apenas um conteúdo desejado. Daí se dizer que o fim estabelece um estado ideal de coisas a ser atingido, como forma geral para enquadrar os vários conteúdos de um fim. A instituição do fim é ponto de partida para a procura por meios. Os meios podem ser definidos como condições (objetos, situações) que causam a promoção gradual do conteúdo do fim. Por isso a idéia de que os meios e os fins são conceitos correlatos.” Igualmente, compartilha a mesma posição, FRANÇA, Vladimir da Rocha. Anotações à teoria das normas jurídicas. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, n. 60, ano 13, março-abril, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 19-20. A saber: “O princípio jurídico é uma norma jurídica que estabelece as diretrizes que devem ser alcançadas com a concretização do sistema do direito positivo. Instituem o dever jurídico de realizar os comportamentos necessários para a preservação ou realização de um estado ideal de coisas. Esse estado ideal de coisas é composto de uma finalidade, de um valor, ou seja, de uma preferência intersubjetivamente compartilhada.” 117 SUNDEFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador, p. 14. Em um viés dogmático, “A idéia de poder de polícia foi cunhada para um Estado mínimo, desinteressado na economia, voltado sobretudo à imposição de limites negativos à liberdade e à propriedade, criando condições para a convivência de direitos [...]”. Por outro lado, numa visão não dogmática, por destacar razões político-ideológicas de um ultraminimal state (Estado ultramínimo), NOZICK, Robert. Anarchy, State and Utopia, pp. 26-27 e, especialmente, p. 149 ss. 118 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos), p. 49. “É preciso revisitar o Estado Moderno, para esmiuçar mais a fundo o que significa, sob esse novo enfoque, e qual a profundidade de seu papel regulatório em economias subdesenvolvidas. Nelas não parece haver dúvida sobre a necessidade de propulsão do Estado do processo de desenvolvimento. Não se trata, no entanto, da

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adentrou em declínio na década de setenta na Europa e na década de oitenta na América

Latina, do século XX119.

A rigor, trata-se de um Estado regulador (artigo 174, caput, da CF)120, em uma

formulação intermediária121 entre os dois modelos ressaltados (Liberal e Social),

reconhecendo os ditames pertinentes às livres iniciativa e concorrência e sua respectiva

regulação, visíveis nos princípios gerais das atividades econômicas, topograficamente

presente no Título VII – Da ordem econômica e financeira, da Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, os sobreditos princípios122 são evidenciados em vários

dispositivos constitucionais de nossa Ordem Constitucional de 1988, de maneira explícita ou

subjacente a certos fundamentos no sistema de direito constitucional pátrio.

propulsão anticíclica do tipo keynesiano. É necessária uma propulsão apta a resolver ou minimizar os problemas estruturais dessas economias e, ao mesmo tempo, apta a difundir o conhecimento econômico. Será preciso, então, repensar o modelo jurídico de propulsão econômica estatal”. 119 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito financeiro e tributário, p. 13, v. 5. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório, p. 73. No mesmo sentido: ELALI, André. Incentivos fiscais internacionais, p. 28. 120 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório, p. 79. Nesse sentido: “No Brasil, como se verá, a regulação social também foi adotada, em complemento da econômica”. Nesse mesmo sentido, destaque-se: CORRÊA, Rodrigo de Oliveira Botelho. Análise do conceito positivo de renda à luz da teoria da indução econômica. In Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 80 | p. 189 | Mai / 2008 | DTR\2008\334. In verbis: “O constituinte de 1988 adotou posicionamento muito claro no que tange ao papel do Estado na economia, situando o Brasil no contexto de pós-modemidade. Merece destaque, nesse sentido, o seu Capítulo I, Título VII. Como destaca Eros Roberto Grau, restaram bem claras três possibilidades de atuação do Estado na economia: (i) através da exploração direta de atividade econômica (art. 173 da CF/1988 (LGL 1988\3), (ii) como prestador, direta ou indiretamente, de serviço público (art. 175 da CF/1988 (LGL 1988\3), (iii) como agente normativo e regulador da atividade econômica (art.174 da CF/1988 (LGL 1988\3).” Igualmente, conferir SANTANNA, Ana Carolina Squadri. Regulação da ordem econômica e discricionariedade legislativa In Revista dos Tribunais | vol. 877 | p. 75 | Nov / 2008 | DTR\2008\689. Igualmente, no sentido do Estado regulador, a saber: “Assumindo o Estado, preponderantemente, a função reguladora, isto é, deixando de atuar diretamente na economia para estabelecer regras de conduta dos agentes econômicos, cabe analisar o papel do Poder Legislativo na implementação do sistema regulatório”. 121 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo, p. 31, v. 1. Nas lições do professor Oswaldo Aranha, o eminente jurista utiliza-se da extrema concepção pertinente ao coletivismo, ou seja, o Estado socialista. Ressalte-se que o Estado social é possível em bases econômicas capitalistas. Assim, “Essa diversidade de posições varia em virtude da diretriz político-social do Estado-poder, em função de concepções doutrinárias, desde o Individualismo – que quase reduz sua ação à proteção dos direitos dos particulares, através de normas jurídicas, a fim de deixá-los fazer, ao respectivo sabor, sua vida social – ao Socialismo, na sua forma máxima de coletivismo integral, em que absorve a totalidade das atividades dos particulares de prestação de obras e serviços aos seus semelhantes. Compreende, ainda, posição intermédia, flexível, ora mais ora menos extensa, em que intervém na ordem social para ajudar os particulares, seja através do fomento das suas atividades, seja substituindo-se a eles em diferentes setores da vida social”. Nesse mesmo sentido, mas alertando a respeito da carência de estudos sistemáticos sobre regulação econômica: SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos), p. 19. 122 Em um panorama constitucional, vislumbram-se tais disposições sobremaneira em enunciados normativos presentes nos fundamentos da República Federativa do Brasil, artigo 3º, especialmente, incisos II e III, perpassando pela competência da União, artigo 21, incisos IX e XX, pela Ordem Econômica, artigo 170, incisos V ao IX, e pelo Sistema Tributário Nacional, artigo 148, inciso II, artigo 151, inciso I, parte final, sem se olvidar de outras menções em matéria de Direito Financeiro, artigo 165, §§1º, 2º e 4º, todos da Constituição Federal de 1988.

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Assim sendo, o desenvolvimentismo123 encartado na Constituição de 1988 pode

ser concretizado a partir dos modelos de intervenção do Estado no domínio econômico, com

ênfase no regime jurídico da tributação indutora.

Ademais, para fins de investigação dogmática da Constituição de 1988, não há

como aceitar a premissa neutralidade das finanças124, tipicamente exaltado na retórica

liberal, em face dos referidos objetivos da República Federativa do Brasil.

Por conseguinte, busca-se estudar a modalidade de indução tributária enquanto

instrumento de regulação e seus limites quanto à validade da intervenção encartados na

Constituição Federal de 1988, diante da competência regulatória presente no §1º, do artigo

153, do Sistema Tributário Nacional.

2.2 MODALIDADES DE INTERVENÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

A compreensão do fenômeno intervenção, em qualquer modelo de Estado,

inclusive o Estado brasileiro, requer a delimitação a priori de problemas a respeito das

tarefas a ele outorgadas pela ordem jurídica correspondente.

No que tange aos modelos de Estado pós-revolução francesa, o discurso ocidental

pautou seus dogmas na demarcação bem clara das fronteiras públicas e as privadas, estas

últimas pertinentes aos agentes econômicos125.

Ao Poder Público couberam as tarefas consideradas de interesse público, com a

prestação de serviços públicos, sobremaneira, a segurança pública e a administração da

litigiosidade perante a justiça, inicialmente aos moldes do night-watchman state126.

123 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos), p. 46. A propósito, entende o autor que os princípios desenvolvimentistas declarados na Constituição de 1988 não são autoconcretizáveis. Daí, a necessária regulação e difusão do conhecimento econômico para a preservação da liberdade de escolha e da liberdade econômica individuais. 124 BRAZUNA, José Luís Ribeiro. Defesa da concorrência e tributação à luz do artigo 146-A da constituição, p. 141. 125Admoeste-se que essas fronteiras não são tão cristalinas, diante da vagueza da locução “interesse público”. A depender do sistema de direito positivo a exploração de energia nuclear e enriquecimento de minérios radioativos podem ser de “interesse público” ou não. No nosso ordenamento pátrio, coube à União a exploração monopolizada de tais atividades, como se vislumbra nos artigos 21, inciso XXIII e 22, inciso XXVI, todos da Constituição Federal de 1988. 126 BASTOS, Noel de Oliveira. Falibilidade do critério de intervenção para delimitação do modelo de estado liberal. In Revista Eletrônica Direito e Liberdade da Magistratura do Rio Grande do Norte, Ano 6, Volume 12, n. 2, jul/dez 2010, passim. Nesse sentido: “Como reflexo desta postura, pautou-se o orçamento liberal majoritariamente em receitas públicas tributárias estritamente necessárias ao provimento das (supostamente) poucas despesas estatais, em razão de sua tendência de não interventor na ordem econômica e social, sobressaindo-se a característica de espectador social ou de Guarda-Noturno.”.

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Por outro lado, outorgaram-se aos agentes da iniciativa privada a exploração

de atividades econômicas, em regime de livre iniciativa e livre concorrência, decorrências

lógicas dos direitos fundamentais de liberdade e propriedade privada. Essa estrutura

constitucional revela o Poder Público como sujeito estranho à exploração de atividades

econômicas, com fins lucrativos, algo reservado aos particulares.

Então, a intromissão estatal nesse âmbito competitivo, ou seja, explorando ou

regulando o que de antemão compete à iniciativa privada, consubstancia-se em intervenção

do Estado direta ou indiretamente, no Domínio Econômico.

Enquanto espaço de livre ação dos multifacetários agentes econômicos - artigo

170, da CF de 1988, existem inúmeras das seguintes modalidades de intervenção do Estado

taxonomicamente elencadas por Eros Roberto Grau127 na Ordem Econômica de 1988,

distribuindo-se em dois grandes flancos, que se subdividem em duas modalidades.

Na vertente da intervenção direta do Estado no Domínio Econômico, é

possível destacar duas subespécies de técnicas de atuação, a saber:

i) por absorção, na qual se exclui qualquer campo de ação da iniciativa

ordem privada, v.g., com excepcional monopólio estatal em sede de

energia nuclear no Brasil, com nítida estatização do aparelho produtivo

(artigo 21, inciso XXIII; artigo 22, inciso XXVI; artigo 177, inciso V e

artigo 225, §6º, da CF de 1988);

ii) por participação, na qual se admite a presença do Estado empresário

como agente no Domínio Econômico, respeitados todos os ditames da

livre iniciativa e livre concorrência. Nessa modalidade, afastam-se todas e

quaisquer prerrogativas estatais em face dos demais players do mercado

em razão do conteúdo jurídico do princípio da igualdade (artigo173, §1º,

da CF de 1988);

Por outro lado, no flanco da intervenção indireta do Estado sobre o Domínio

Econômico, exsurgem as seguintes técnicas, a seguir expostas:

127 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, p. 27. Também nesse sentido: BRAZUNA, José Luís Ribeiro. Defesa da concorrência e tributação à luz do artigo 146-A da constituição, p. 26.

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i) por direção, em que o Estado impõe à iniciativa privada, sob ameaça de

sanção negativa, padrões normativos de comportamento no mercado, a

exemplo de tabelamento ou congelamento de preços128;

ii) por indução, na qual, em respeito às demandas do livre mercado, o Estado

introduz dispositivos normativos convidativos e sedutores, do ponto de

vista das vantagens que podem oferecer, v.g., incentivos fiscais e

subvenções, em matéria de Direito Tributário e Financeiro,

respectivamente (artigo 150, §6º; artigo 153, §1º , artigo 155, XII, g, artigo

177, §4º, incisos I e II, todos da CF de 1988).

É inegável, por conseguinte, que o Estado brasileiro possui nítida faceta

regulatória, uma vez que, na Ordem Econômica, tem competência meramente indicativa para

disciplinar o setor privado - artigo 174, caput, CF de 1988, em virtude do regime jurídico de

liberdade econômica - artigo 170, CF de 1988.

Diante desse panorama, o estudo da “extrafiscalidade” migrou das finanças

funcionais, enquanto objeto da Política Fiscal, para povoar as paragens do Direito Tributário,

a partir da perspectiva da tributação indutora.

Assim, para fins de arremate no nosso contexto constitucional, indicação

estatal deve ser exercida por normas jurídicas indutoras, caracterizando-se por ser a única

expressão normativa de intervenção do Estado apta a respeitar as leis de mercado e as

liberdades de iniciativa e concorrência dos agentes econômicos.

128 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Introdução à ordem constitucional econômica à luz do direito e desenvolvimento In Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 651 p. 202 | Out/ 2008 | DTR\2008\804. No sentido das possibilidades de intervenção por direção: “O Estado intervém sobre o domínio econômico, ou seja, sobre o campo da atividade econômica em sentido estrito, desenvolvendo ação como regulador da citada atividade. Ao intervir por direção, o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica. Essa intervenção se dá por meio das normas de intervenção por direção, que são comandos imperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem cumpridos pelos agentes econômicos, inclusive pelas próprias empresas estatais que a exploram, citando como exemplo de tais normas, as que instrumentam o controle de preços, para tabelá-los ou congelá-los”.

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2.3 INTERVENCIONISMO TRIBUTÁRIO: DA “EXTRAFISCALIDADE” À

CONSOLIDAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO INDUTORA

Percebeu-se com o tempo que o tributo além de ostentar seu natural caráter de

instrumento de arrecadação de recursos econômicos, também gerava efeitos estranhos aos

sobreditos fins, sobre os agentes econômicos.

A partir da Escola liberal, iniciou-se a negação desses efeitos estranhos aos

fins arrecadatórios, no intuito de consolidar a suposta neutralidade129 das exações tributárias,

em face da doutrina da invisible hand - “mão invisível”.

Em outra oportunidade, sustentamos que a intervenção sempre foi traço

característico das mais importantes modalidades de Estado, apenas expressando modificações

em graus de interveniência: ou seja, ora o Estado intervém de maneira mais leve, sob influxo

dos dogmas liberais, ora, de maneira mais veemente, a partir dos imperativos sociais130.

Dessa maneira, trata-se de argumento falível defender qualquer postura

absolutamente abstencionista ou de neutralidade dos entes estatais, uma vez que a

intervenção lhe é inerente.

Na via tributária, os sobreditos efeitos que extrapolavam os desígnios

arrecadatórios ou nomeadamente fiscais, passaram a ser conhecidos pela larga expressão da

“extrafiscalidade”131.

Assim, o sobredito vocábulo traz o significado de intervenção do Estado

mediante utilização de técnica de tributação voltada a fins de estímulo ou desestímulo de

condutas sociais, de um lado desejáveis e, de outro, indesejáveis.

Com a conjugação do prefixo extra (do latim, fora) ao radical fiscal tem-se na

sua literalidade que a expressão consigna aparentemente uma característica jurídica que não 129 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças, p. 30. Também sobre a neutralidade liberal: PAULA, Marco Aurélio Borges de. Algumas notas sobre o paradigma clássico e o paradigma keynesiano: as mudanças relacionadas à neutralidade econômica do Estado, ao equilíbrio orçamental e à certeza da tributação. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, ano 14, n. 71, novembro-dezembro de 2006, São Paulo: Revista dos Tribunais, p.160. 130 BASTOS, Noel de Oliveira. Falibilidade do critério de intervenção para delimitação do modelo de estado liberal. In: Revista Eletrônica Direito e Liberdade da Magistratura do Rio Grande do Norte, Ano 6, Volume 12, n. 2, jul/dez 2010, passim. Nesse sentido, “Por sua vez, em matéria de tributação, destaque-se a regulação, ainda que mínima, do Estado liberal dentro do plano do protecionismo alfandegário, como indícios de utilização da carga tributária com fins diversos de arrecadação (extrafiscal ou regulatório), enquanto mais uma expressão de sua postura intervencionista.” 131 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças, p. 30. MELO, José Eduardo Soares de. IPI: teoria e prática, pp. 215-216. BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI: princípios e estrutura, p. 53. ANDRADE, Valentino Aparecido de. Os impostos reais e a progressividade fiscal. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 89, p. 107. LEITÃO, José Geraldo da Costa. O princípio da capacidade contributiva e seus reflexos na constitucionalidade da EC 29/2000- IPTU progressivo. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 86, p. 82.

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se enquadraria de antemão no regime jurídico tributário ou arrecadatório, de tal sorte que a

sobredita expressão significa, em sua literalidade, fora da fiscalidade132.

Por conseguinte, suas disposições jurídicas seriam alheias ao regime jurídico

tributário, não se submetendo o poder de tributar aos clássicos grilhões nominalmente

reconhecidos pela locução Limitações Constitucionais.

Por oportuno, ressalte-se a crítica no mesmo sentido de autoria de Luís

Eduardo Schoueri133 direcionada à expressão “extrafiscalidade”, de tal sorte que leva

erroneamente a ser interpretada de maneira a excluir as normas jurídicas do regime

constitucional tributário de proteção do contribuinte, isto é, excluir as limitações

constitucionais ao poder de tributar.

Visando à superação da vetusta linguagem, elegeu a locução norma tributária

indutora, enquanto expressão jurídica da tributação regulatória, em substituição à vaga

expressão “extrafiscalidade”.

Hodiernamente, porém, é ainda muito usual a expressão, sendo comum a

referência à diluição da finalidade fiscal na “extrafiscal” (regulatória ou indutora), uma vez

que acompanham cada espécie tributária, pari passu ou, metaforicamente, cada modalidade

tributária ostenta as duas faces, como uma moeda.

Nesse sentido, mesmo as pertinentes lições de Ricardo Lobo Torres trabalham

as expressões aparentemente contraditórias ou mutuamente excludentes num âmbito

132 SOUZA, James J. Marins de; TEODOROVICZ, Jeferson. Extrafiscalidade sócio ambiental In Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 90 | p. 73 | Jan / 2010 | DTR\2010\291. Nesse mesmo sentido, a propósito da crítica quanto à imprecisão e impropriedade do vocábulo “extrafiscal”, in verbis: O uso do termo ‘extrafiscalidade’ ou, ‘extrafiscal’ ou, ‘tributo extrafiscal’ poderia, em primeiro momento, causar certa confusão terminológica. Afinal, como poderia um tributo ser extrafiscal? O que é tributo extrafiscal? Ou melhor, o que é extrafiscalidade? É o oposto da fiscalidade, sua antítese? É tudo que foge à fiscalidade? Para responder essas perguntas, é importante partirmos de um rápido pressuposto. Em análoga alusão à já clássica diferenciação entre o ‘jurídico’ e o ‘extrajurídico’, a extrafiscalidade poderia ser remetida no sentido de tudo que não é fiscal, ou seja, de tudo que não diz respeito à fiscalidade, ao tributo, ao direito tributário. No entanto, estamos nos referindo à "extrafiscalidade" enquanto técnica vinculada à idéia de fiscalidade. Fiscalidade no sentido de fisco, fiscalismo, arrecadação pura e simples. Atrelada a essa idéia de fiscalidade, a noção de extrafiscalidade significa tudo que, dentro do âmbito de atuação dos tributos, alcance objetivos que escapem, primária ou secundariamente, à meta de arrecadação, ou finalidade fiscal. Portanto, em primeira aproximação, a extrafiscalidade pode ser entendida como a utilização de tributos (e por isso a idéia de fiscalidade), com o objetivo que não seja prioritariamente a arrecadação. E os tributos, no aspecto da fiscalidade e da extrafiscalidade, alcançam importância fundamental, praticamente o núcleo da delimitação conceitual, a ferramenta que a fiscalidade e a extrafiscalidade utilizarão.”. (Grifo nosso). 133 SCHOUERI, Luís Eduardo. Norma tributária indutora e intervenção econômica, p. 37. Dessa maneira, o eminente autor abandona a utilização da expressão “extrafiscalidade”, para deixar forte a intenção de delimitar seu brilhante estudo sobre a Intervenção tributária por indução, a partir das “funções tributárias”, e não das “finalidades”, como preferimos, em razão de nosso objeto de estudo pautar-se no controle de desvio de finalidade.

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conceitual de diluição ou vinculação, ou seja, modernamente, a “extrafiscalidade” está

inseparavelmente diluída na “fiscalidade”134.

Como uma amálgama, segundo o germanista, as expressões “fiscal” -

finalidade predominantemente arrecadatória e “extrafiscal” - finalidade regulatória ou

indutora, encontram-se ligadas, ou, mesmo combinadas, em graus diversificados a depender

de cada potencialidade de intervenção oferecida por determinada espécie de tributo.

No entanto, a imprecisão terminológica da expressão “extrafiscal” leva-nos a

utilizá-la com as devidas ressalvas, de tal sorte que se pretende maior rigor metodológico no

presente ensaio.

Dessa maneira, os vocábulos “fiscalidade” e “extrafiscalidade” sempre

presentes neste estudo serão empregados nos sentidos de finalidades arrecadatória e

regulatória ou indutora, respectivamente, para fins metodológicos.

Ressalte-se, portanto, que a arrecadação e a regulação/indução tributárias

devem ser interpretadas a partir do enfoque teleológico dos tributos135, pois há de se

reconhecer sua utilidade dogmática no afã de controle e fiscalização de atos eivados de

desvios de finalidade, seja na modalidade de desvio de poder, como em sede de tredestinação

dos recursos arrecadados.

Assim, deve-se conceituar finalidade predominantemente arrecadatória como

aquela que visa ao abastecimento dos cofres públicos, enquanto motivo preponderante de sua

instituição ou majoração da carga tributária. As suas balizas são as clássicas limitações

constitucionais ao poder de tributar consubstanciadas nas vedações do artigo 150, da CF de

1988.

Por sua vez, é imperioso conceituar a finalidade regulatória ou indutora

enquanto aquela que visa à intervenção ou à regulação de determinado Domínio Econômico e

134 TORRES, Ricardo Lobo Torres. A política industrial da era Vargas e a constituição de 1988. In Curso de direito tributário e finanças públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico, p. 257. 135 ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais, São Paulo: Malheiros, 2011, p. 31. A propósito, utilizando-se do viés teleológico das finalidades tributárias, conferir a seguinte lição: “Nesse espaço a tributação obedece a limites decorrentes do princípio da igualdade segundo a capacidade contributiva, caso tenha por finalidade prevalente a obtenção de receita dos particulares, ou decorrentes postulado da proporcionalidade, na hipótese de finalidade preponderantemente extrafiscal”. Igualmente, nesse sentido BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, p. 633. Ensina o eminente doutrinador Alfredo Becker especificamente quanto às finalidades dos tributos, que “[...] na construção jurídica de todos e de cada tributo, nunca mais estará ausente o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão sempre agora de um modo consciente e desejado – na construção jurídica de cada tributo; apenas haverá maior ou menor prevalência neste ou naquele sentido [...]”.

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Social, como motivo predominante de sua instituição/extinção ou majoração/redução dos

tributos.

Quanto à relevância do critério teleológico nesse campo, destaque-se a lição de

Fernando Aurelio Zilveti136 no sentido de que “Na indução a finalidade desempenha papel

central, o que implica necessariamente na interpretação teleológica.”.

Desposando desse entendimento, em outra oportunidade destacamos a

relevância da metódica teleológica, para a compreensão da tributação indutora e da

relativização da legalidade tributária137.

Nessas paragens, as balizas da tributação indutora são as respectivas

relativizações das limitações constitucionais ao poder de tributar, a exemplo do §1º, do artigo

153, da CF de 1988.

Em algumas espécies de impostos, a finalidade regulatória ou indutora se

manifesta mediante aplicação de outras orientações normativas constitucionais, como a

seletividade e a função social da propriedade privada, senão vejamos.

A seletividade, estudada enquanto “princípio”, obrigatoriamente baliza a

incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, de conformidade com o

enunciado normativo do §3º, inciso I, do artigo 153, da CF de 1988 e, facultativamente, em se

tratando do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, em homenagem ao

disposto no inciso III, do §2º, do artigo 155, do mesmo Texto Constitucional.

Cuida-se de elemento que institui discrímen apto a separar produtos ou bens e

serviços, quanto à sua essencialidade de consumo. Em se tratando de produtos essenciais à

manutenção do mínimo existencial, o IPI deve incidir de maneira a desonerar o quanto

possível, para ampliar o seu acesso a todos os estratos sociais, por indução positiva

(estímulo).

Por outro lado, caso o produto saia do espectro da essencialidade definida na

CF de 1988, caindo nas raias da nocividade ou futilidade, deve o IPI incidir de forma a onerar

o quanto possível, no intuito de inibir o consumo do respectivo bem, por indução negativa

(desestímulo).

136 ZILVETI, Fernando Aurélio. Interpretação, tipo e linguagem na aplicação do direito tributário In FERRAZ, Roberto (Coord). Princípios e limites da tributação 2: os princípios da ordem econômica e a tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 104. 137 BASTOS, Noel de Oliveira. Métodos de interpretação como chaves compreensivas dos limites da recepção constitucional da mitigação da legalidade tributária brasileira In Juris Rationis, Ano 5, n.º 2, abr./set. 2012, p. 17. “Como grande referência no desenvolvimento desse procedimento metódico, sobressaíram-se as lições do notório jurista Rudolf von lhering, segundo o qual, enfoque teleológico destina-se a descobrir o sentido da norma sob o ângulo do motivo prático.”.

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Mas, a propósito, qual seria o espectro constitucional da essencialidade dos

produtos? Indubitavelmente, por interpretação sistemática é imperioso concluir pela cláusula

que define, exemplificativamente, as necessidades que devem ser providas pelo salário

mínimo, porquanto se consubstanciam em expressões do mínimo existencial, conforme

enunciado normativo do artigo 7º, inciso IV, da nossa CF de 1988.

Porém, com as devidas cautelas, não se deve reduzir o estudo da finalidade

regulatória ou indutora à investigação da seletividade, uma vez que apenas encontra

aplicabilidade constitucional aos referenciados impostos.

Note-se, por outro lado, que há enorme carga regulatória /indutora nos

Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU e Imposto Territorial Rural - ITR, os quais

escapam aos influxos da seletividade.

Nesse caso, o princípio informador é a função social da propriedade, seja na

zona urbana, como na rural, a indicar o tratamento tributário destinado aos imóveis

inutilizados, subutilizados ou improdutivos.

O primeiro imposto real - IPTU pode ser utilizado como instrumento de

ordenação do solo urbano (regulação ou intervenção), através da técnica de

proporcionalidade de alíquotas, que podem chegar ao teto de 15%, conforme Estatuto da

Cidade.

Por sua vez, o segundo imposto em apreço – ITR igualmente pode ser utilizado

como instrumento secundário de reforma agrária (regulação ou intervenção), ao tributar mais

veemente as glebas improdutivas138, com alíquotas mais altas139.

É digna de nota, igualmente, a utilização da “extrafiscalidade” com

fundamento em preceitos orientadores da proteção do meio ambiente sadio, conforme artigo

225, da CF de 1988.

138 LUSTOZA, Helton Kramer. Da não incidência de imposto territorial rural sobre bens afetados às concessões de energia elétrica. In Revista Tributária e de finanças públicas, 71, novembro-dezembro de 2006, São Paulo: Revista dos Tribunais, pp.95-104. 139 BORBA, Fernanda Estima; FRANÇA, Vladimir da Rocha. O postulado da proporcionalidade na tributação indutora: aplicação e efetividade na defesa do meio ambiente In Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 891 p. 1021 Nov / 2009 | DTR\2009\757. Nesse sentido: “A preocupação com a tributação indutora não é tão recente: trata-se de manejo e uso dos tributos com função distinta da meramente arrecadatória, a qual vem sendo utilizada, ao longo do tempo, para estimular práticas que não seriam adotadas espontaneamente pelo contribuinte. Os casos clássicos de indução tributária que a doutrina cita verificam-se no imposto Territorial Rural (ITR) progressivo, para desestimular o latifúndio, o absenteísmo e a improdutividade rural, e no Imposto sobre a Propriedade e a Territorialidade Urbana (IPTU), para inibir a especulação imobiliária urbana e a disfunção social da propriedade nas cidades”.

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Em paragens europeias140, já se faz uso do tributo como mecanismo de

desestimular atividades nocivas ao meio ambiente ou enquanto instrumento de estímulo a

posturas que conciliem a exploração econômica e a proteção ambiental.

Dessa maneira, não há como restringir o estudo da “extrafiscalidade” ao

princípio setorial da seletividade, de tal sorte que nosso sistema de direito constitucional

positivo possibilita inúmeros fundamentos de utilização da tributação indutora, através de

procedimento metódico sistemático, em homenagem à unidade da Constituição.

Por sua vez, ressalte-se que, atualmente, no estudo da intervenção indireta do

Estado pela via da tributação, a “extrafiscalidade” é abandonada pelas impropriedades que

pode causa diante do estudo do regime jurídico das normas tributárias indutoras, objeto

fundamental dos estudos de Luís Eduardo Schoueri, em sua obra paradigmática Norma

tributária indutora e intervenção econômica.

Nesse sentido, verdadeira revolução dogmática no estudo do Direito Tributário

brasileiro foi implementada pela investigação do eminente Professor Titular de Direito

Tributário da USP141.

A partir de premissas rigorosamente selecionadas na teoria pragmática da

norma jurídica142 e na taxonomia da intervenção do Estado no e sobre o domínio econômico,

Luís Eduardo Schoueri promoveu, de modo inaugural na doutrina brasileira, a consolidação

do estudo dogmático do regime jurídico das normas tributárias indutoras, demonstrando,

com isso, que não existe a relação dicotomizante fiscalismo/ indução enquanto searas

jurídicas apartadas.

140

Nesse sentido, confronte-se a respeito da tributação em abono ao meio ambiente: GUSMÃO, Omara Oliveira de. Proteção ambiental e tributação: o tributo como coadjuvante na concretização do valor constitucional “meio ambiente”. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 66, p.113, janeiro 2006, DTR\2006\150, in verbis: “A Noruega instituiu, desde 1970, um imposto sobre a emissão de óxidos de enxofre, redundando, após 1992, em função da majoração de alíquota, na retirada do mercado do denominado óleo combustível pesado que possui alto teor desse composto químico. A Espanha utiliza estímulos fiscais e financeiros reconhecendo determinados benefícios às empresas que realiza investimentos em mecanismos corretivos ou depuradores da contaminação atmosférica; instituiu, em 1992, imposto sobre hidrocarbonetos sobre a fabricação, importação e circulação interna destes; possui tributação sobre o uso da água para compor os custos dos investimentos em infra-estrutura hidráulica (Lei das Águas de 02.08.1985). A Alemanha adota, pela via dos impostos, incentivos à produção de veículos com menor cilindrada, catalisadores, e com gasolina sem plomo (chumbo), bem como tributa embalagem e talheres descartáveis. A França criou um tributo sobre emissão de poluentes, assim como sobre rejeitos não recicláveis. Os espaços verdes e áreas de lazer são custeados por recursos oriundos da imposição de impostos municipais sobre edifícios urbanos.” 141 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, passim. 142 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 4. A respeito da aproximação pragmática de seu objeto de estudo, ou seja, do regime jurídico das normas tributárias indutoras. FERRAZ JÚNIOR, Tércio. Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio sobre a pragmática da comunicação normativa, p. 53-57.

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A rigor, a partir da tese de Luís Eduardo Schoueri, todo e qualquer tributo pode

instrumentalizar simultaneamente as funções arrecadatória e indutora (ou finalidades, como

preferimos), desde que respeitadas as respectivas competências para tributar e para regular

encartadas no arcabouço da CF de 1988.

Desse modo, todas as espécies tributárias do Sistema Tributário Nacional

podem, umas mais e outras menos, ostentar uma carga de indução tributária, a depender das

respectivas competências.

Por outro lado, sob a ótica dos sistemas autopoiéticos, assim como a

Constituição assume o papel de acoplamento estrutural entre os subsistemas político e

jurídico143, os tributos fazem as vezes de vínculo estrutural entre os subsistemas político e

econômico.

As irritações provenientes do subsistema político (poder de tributar) devem se

ater às premissas constitucionais de redução das desigualdades regionais e da busca do

desenvolvimento enquanto expressões da faceta “extrafiscal” dos tributos.

A rigor, os tributos sempre irritaram o subsistema econômico (instrumento de

intervenção), ao contrário do retórico discurso das “finanças neutras”, de cunho liberal-

individualista.

Portanto, o atual estágio da dogmática das normas tributárias indutoras já

poderia ter sido vislumbrado de antemão no âmbito macroestrutural, caso a vertente

funcionalista luhmanniana fosse devidamente apreciada sob a ótica dos tributos como

acoplamento estrutural entre os subsistemas político e econômico, demonstrando com isso o

indisfarçável caráter “extrafiscal” ou indutor de toda e qualquer exação tributária.

143 BASTOS, Noel de Oliveira. O pêndulo simbólico-instrumental do direito penal brasileiro: crimes contra a ordem tributária como expressão instrumental da ordem punitiva. In Juris Rationis, ano 5, n.1, out.2011/mar.2012, EdUnp, Natal-RN, p. 13. Em outra oportunidade, aplicamos a metodologia sistêmico-funcionalista de Niklas Luhmann, para compreensão do acoplamento estrutural, no que tange à abertura cognitiva dos subsistemas sociais e aos respectivos fechamentos operacionais, a saber: “Todavia, esta autopoiese ou auto-referência não significa a ausência de comunicação (ausência de irritações), ou mesmo, a transformação dos subsistemas em verdadeiras ilhas inacessíveis. Assim, há fluxo e contrafluxo de informações entre os sistemas que se perfazem mediante verdadeiras pontes de comunicação desse diálogo, sempre buscando o aprendizado recíproco entre os subsistemas, através das respectivas regras procedimentais. Num sentido metafórico, os sobreditos fluxos e contrafluxos cognitivos equivaleriam à passagem de pedestres (irritação), uma vez que os respectivos transeuntes, ao atravessarem mutuamente as ilhas (subsistemas), trazem novas informações as estas (abertura cognitiva). Por sua vez, a ponte seria o acoplamento estrutural (strukturelle Kopplung) que proporciona a irritação entre os subsistemas (fluxo e contrafluxo de transeuntes), mas mantêm as respectivas autonomias operacionais dos subsistemas, que funcionam segundos seus próprios códigos binários. Dessa maneira, o papel do acoplamento é fornecer uma estrutura de comunicação entre os subsistemas (Komunikationssysteme), permitindo o fluxo e contrafluxo de informações através de irritações mútuas, nas precisas lições de Nikolai Häussermann (HAUSSERMANN, 2005, p. 7).”

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Capítulo 3 - RELEITURA FINALISTA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

Sumário 3.1 Teoria da competência tributária: uma breve apresentação 3.2 Competência arrecadatória: classificações e características 3.2.1 Incaducabilidade 3.2.2 Indelegabilidade 3.2.3 Facultatividade 3.3 Competência regulatória: poder de regular e tributação indutora 3.4 Conceito dogmático de tributo e sua decomposição 3.4.1 Conteúdo do elemento “prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir 3.4.2 Conteúdo do elemento “não se constitua em sanção de ato ilícito” 3.4.3 Conteúdo do elemento “instituía em lei” 3.4.4 Conteúdo do elemento “cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” 3.5 Classificações das espécies tributárias e seus perfis constitucionais 3.5.1 Imposto enquanto tributo não vinculado e seus perfis arrecadatório e indutor 3.5.2 Taxas enquanto tributos vinculados e seus perfis arrecadatórios e indutores 3.5.3 Contribuição de melhoria enquanto tributo indiretamente vinculado e seu perfil indutor 3.5.3 Contribuição de melhoria enquanto tributo indiretamente vinculado e seu perfil indutor 3.5.4 Empréstimo compulsório enquanto tributo de destinação específica e seus perfis arrecadatório e indutor 3.5.5 Contribuições especiais enquanto tributos de destinações específicas e perfis indutores.

3.1 TEORIA DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: UMA BREVE APRESENTAÇÃO

Tema de indiscutível relevância para o Direito Tributário é a teoria da

competência tributária, a qual repousa em pilares teóricos consolidados. Assim, antes de uma

breve incursão em seus caracteres, necessário se faz se debruçar sobre possível conceituação,

a partir da natureza jurídica da competência tributária e suas relações com outros temas

transversais.

A competência tributária é a aptidão de instituir tributos, em clássica lição de

Luciano Amaro144. É, nesse contexto, a distribuição constitucional do poder de tributar entre

as esferas federativas, isto é, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios145.

Decorre, por conseguinte, do exercício competencial a possibilidade de

majorá-los ou reduzi-los, como consectários do poder de tributar146.

144 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 15ª ed, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 99. 145

ELALI, André. Tributação e regulação econômica: um exame da tributação como instrumento de regulação econômica na busca da redução das desigualdades regionais, São Paulo: MP, 2007, pp. 107-108. A propósito, destacando essa distribuição, tem-se: “No primeiro mecanismo, o poder de criar tributos é repartido entre os entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor as espécies tributárias dentro da esfera que lhe é assinalada pela Constituição”. 146 TÔRRES, Heleno Taveira. Segurança jurídica do sistema constitucional tributário. Tese apresentada ao concurso público de títulos e provas para provimento do cargo de Professor Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2009, p. 543. A propósito, conferir

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Como delimitação do poder outorgado a cada corpo político, a competência

tributária ostenta natureza jurídica de competência legislativa - artigo 6º, do CTN147 com

diretrizes específicas ou, por assim dizer, com características148 que lhes são próprias, as

quais podem ser extraídas não apenas da CF de 1988, mas também do CTN de 1966.

Por outro lado, o poder de tributar ou de instituir tributos decorre da própria

estrutura federativa149, de tal sorte que a sobredita forma de Estado pressupõe autonomia

política e, consequentemente, financeira, para concretização das decisões em cada esfera

governamental, as quais devem sempre buscar a concretização das finalidades

constitucionalizadas em todo espectro da CF de 1988.

É certo que a União detém o maior arsenal tributário para compor suas

receitas públicas tributárias, sobremaneira, no que tange à competência para instituir ou

majorar impostos incidentes sobre signos presuntivos de riqueza previstos no artigo 153, da

CF de 1988, a exemplo de operações alfandegárias de importação/exportação, operações

decorrentes de industrialização, operações financeiras etc., consubstanciando-se em

verdadeiras competências privativas, exercitáveis mediante edição de leis ordinárias150,

exceto para fins de incidência sobre grandes fortunas, que se exige lei complementar, em seu

inciso VII.

Ainda, no âmbito dessa ampla fonte de financiamento, há a competência

residual da União, prevista no artigo 154, do mesmo Texto Constitucional, cujo exercício

excelente conceito de poder de tributar e suas relações intrínsecas com a teoria da competência tributária, a saber: “[...] o poder de tributar equivale à totalidade da repartição constitucional de competências em matéria tributária, exercida pelo princípio da legalidade tributária”. 147Nesse sentido, corroborando a natureza legislativa da competência tributária, conferir: TÔRRES, Heleno Taveira. Segurança jurídica do sistema constitucional tributário. Tese apresentada ao concurso público de títulos e provas para provimento do cargo de Professor Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2009, p. 543, in verbis: “Quando se está diante dos poderes atribuídos ao legislador, a função de tributar qualifica a competência legislativa, pela atribuição originária de poderes para emanação de leis em matéria tributária. Ter competência legislativa em matéria tributária equivale ao mesmo que ter poderes para instituir tributos, com todos os seus elementos, criar os mecanismos para sua cobrança, obrigações acessórias, regras isentivas e, para os casos do seu descumprimento de qualquer das regras, a imputação de sanções”. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 25ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 507. Igualmente, “Conforme já consignamos, o exercício da competência tributária é uma das manifestações do exercício da função legislativa, que flui da Constituição [...]”. Igualmente, conferir as disposições do enunciado normativo do artigo 6º, do CTN: “Art.6º. A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei”. (grifo nosso). 148 MEDEIROS, Jorge Pedro. Competência tributária. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, n.70, setembro-outubro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 47. 149 ELALI, André. Tributação e regulação econômica: um exame da tributação como instrumento de regulação econômica na busca da redução das desigualdades regionais, São Paulo: MP, 2007, p. 106. 150 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 15ª ed, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 99.

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depende de observância de quorum qualificado, em vista de se caracterizar reforço

orçamentário decorrente de impostos não previstos no disposto do artigo 153, supracitado151.

Compete aos Estados e ao Distrito Federal a instituição de impostos incidentes

sobre os signos presuntivos de riqueza relativos à transmissão causa mortis e doações, de

quaisquer bens ou direitos, sobre circulação de mercadoria e prestação de serviços de

transportes interestaduais e intermunicipais, inclusive sobre serviços de comunicação, ainda

que as operações e prestações se iniciem no exterior, sem se olvidar da incidência sobre a

propriedade de veículos automotores, na forma do artigo 155, incisos I, II e III, da CF de

1988.

Por outro lado, aos Municípios compete a instituição de impostos sobre os

signos presuntivos de riqueza relativos à propriedade predial e territorial urbana, à

transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza

ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão

de direitos a sua aquisição e a serviços de qualquer natureza, não constantes no inciso II, do

artigo 155, da CF de 1988, conforme a Lei Complementar n.º 116/2003.

Geralmente, entende-se por competência comum toda demarcação do poder de

tributar conferida para instituir tributos da mesma espécie, como as taxas de serviço público

específico e divisível, de exercício regular de poder de polícia, bem como contribuições de

melhoria.

No entanto, a posição tradicional não merece ser acolhida, porquanto tanto os

tributos não vinculado, como os vinculados quanto às hipóteses de incidência enquadram-se

na competência privativa, de tal modo que todos os entes políticos podem instituí-los, mas,

com as devidas ressalvas de que devem incidir sobre diferentes signos presuntivos de

riqueza, como os impostos.

Noutro sentido, os tributos bilaterais, como as taxas e a contribuição de

melhoria, devem representar a contraprestação equivalente e correspondente às distintas

competências administrativas do Poder Público152, em suas respectivas esferas federativas.

151 SCHOUERI, Luís Eduardo. Discriminação de competências e competência residual. In SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio. Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p.84. Sobre o início da relevância da competência residual no Brasil, citem-se as lições de Luís Eduardo Schoueri no sentido de que “A partir de 1934, com a substituição do chamado ‘federalismo financeiro centrífugo’ pelo ‘centrípeto’, surgiu a necessidade de se elencarem diversos impostos de competência privativa da União (artigo 6º), dentre os quais os de importação, de consumo, de renda e de transferência de fundos para o exterior.”. 152 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 25ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 659. Quanto ao forte diálogo entre as competências tributária e administrativa, destaque-se a seguinte lição síntese conclusiva: “Portanto, a criação legislativa da taxa ou da contribuição de melhoria pressupõe a

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Em oposição a essa privatividade, destacam-se o empréstimo compulsório e as

contribuições especiais enquanto tributos de competência exclusiva. Essa exclusividade

decorre do fato de que apenas um único ente político poder instituí-los.

O primeiro destina-se a arrebanhar receitas extraordinárias, em face de

despesas extraordinárias, conforme enunciados normativos dos artigos 148, da CF de 1988 e

15, do CTN de 1966.

Por sua vez, as contribuições especiais são fortíssimas fontes decorrentes de

competência exclusiva153 para financiamento de atividades nos setores sociais, econômicos e

corporativos, cuja demarcação inicial encontra-se no artigo 149, da CF de 1988.

Em arremate, todo esse arranjo atual da repartição das competências

tributárias privativas e exclusivas entre os entes tributantes revela a superioridade financeira

da União em relação aos demais entes políticos, mesmo em face da técnica de repartição de

receitas tributárias154.

3.2 COMPETÊNCIA ARRECADATÓRIA: CLASSIFICAÇÕES E CARACTERÍSTICAS

Nas discussões clássicas, falar-se em competência arrecadatória pode

transparecer certa tautologia, de tal modo que o poder de tributar visa predominantemente ao

abastecimento dos cofres públicos, nos limites e condições constitucionais.

existência da competência administrativa da pessoa política tributante. Dito de outro modo, a competência para instituir tributos vinculados está ligada ao exercício ao exercício da competência administrativa que a entidade tributante recebeu da Constituição para prestar o serviço público, para praticar ato de polícia ou para realizar a obra pública”. 153 O enunciado normativo do artigo 149, da CF de 1988, declara ostensivamente a “exclusividade” na instituição das contribuições especiais da União. No entanto, essa exclusividade cai por terra ao se analisar a possibilidade constitucional prevista no §1º, do mesmo dispositivo, das contribuições previdenciárias dos Regimes Próprios de Previdência Social, de cada ente federativo, com o intuito de financiar os benefícios dos servidores estatutários, conforme artigo 40, do mesmo Texto Constitucional. Ressalte-se, por sua vez, que realmente é exclusiva a competência federal quanto às demais contribuições especiais, exceto, como ressaltado, para fins de previdência social. 154 ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema tributário nacional. São Paulo: MP, 2005, p. 43. A propósito, veja excelente assertiva do tributarista potiguar, sobre a importância da técnica federalista de discriminação de competências, que denota, ao final, um agigantamento das rendas da União, em detrimento dos outros membros da federação brasileira, a saber: “Ressalte-se que a discriminação de rendas com tributos é um dos indicadores do modelo federalista proposto a um Estado, e também método de constatação dos graus de autonomia dos entes que o forma.” Mais incisivo, quanto ao atual estágio do federalismo fiscal, DOMINGUES, José Marcos. Contribuições sociais – desvinculações prescritas por emendas constitucionais. In Revista Dialética de Direito Tributário, Nov/2011, n. 194. São Paulo: Dialética, p75. Nesse sentido, “Hoje, os Estados e Municípios não têm recursos próprios em volume que lhes permitam desenvolver seus projetos autônomos ou custear minimamente os seus serviços públicos; estão de pires na mão de novo, dependentes de recursos federais para ações padronizadas por Brasília e pelo partido eventualmente no poder [...]”. (Grifos no original).

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Em sendo assim, a rigor, a essência de toda competência tributária revela-se

finalidade predominantemente arrecadatória155, sobremaneira, diante das diretrizes do

federalismo fiscal brasileiro após a Lei de Responsabilidade Fiscal, LC n.º 101/2000, que

condiciona a gestão fiscal responsável ao amplo exercício das competências fiscais,

especialmente quanto à instituição dos tributos, conforme caput, do seu artigo 11.

Porém, é inegável que qualquer exercício competencial envolve uma

graduação da carga tributária que, por sua vez, intervém no Domínio Econômico, por

indução positiva ou negativa, ainda que a finalidade primordial não seja regulatória ou

indutora.

Assim, mesmo o Imposto sobre a Renda – IR, cujo caráter arrecadatório é

mais acentuado, pode servir como mecanismo ordinatório, de tal sorte que o exacerbamento

da tributação tem o condão de desencorajar ou, por outro lado, sua redução terá o efeito

inverso, isto é, encorajar determinadas condutas em harmonias com os fins constitucionais, a

exemplo de deduções, da base de cálculo in concreto, das importâncias destinadas ao

reflorestamento, como bem preleciona Roque Antonio Carrazza156.

Portanto, o exercício da competência predominantemente arrecadatória

produz, ainda, que de maneira indireta, efeitos interventivos do Estado brasileiro no Domínio

Econômico, uma vez que toda norma tributária arrecadadora é indutora, em maior ou menor

grau.

De posse das anotações às questões iniciais da teoria da competência

tributária, cumpre ressaltar a relevância do estudo circunstanciado de suas características

para compreender mais percucientemente as especificidades dessa competência legislativa

distribuída no intuito de outorgar autonomia financeira, em face do pacto federativo do

Estado brasileiro.

Evidentemente, a privatividade competencial inicialmente abordada quanto aos

impostos de cada esfera federativa é, igualmente, uma característica da competência

155 Contra: LEHNER, Moris. Consideração econômica e tributação conforme a capacidade contributiva. Sobre a possibilidade de uma interpretação teleológica de normas com finalidade arrecadatórias. In SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio. Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 146. A propósito da premissa teleológica, o Professor da Universidade de Munique a considera imprópria, quanto às normas predominantemente arrecadatórias, porquanto o exercício da competência tributária se estabeleceria na finalidade de perseguir “mais alta arrecadação tributária”. 156 CARRAZZA, Roque Antonio. Impostos sobre a renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 134. A propósito, sobre de indução tributária em abono ao meio ambiente, destaca o eminente tributarista que “Por aí se vê que estava afinada neste diapasão a Lei 5.106/1966, que autoriza a dedução, da base de cálculo do tributo, das importâncias gastas pelo contribuinte em projetos de reflorestamento.”.

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tributária, conforme as lições de Roque Antonio Carrazza. Para o eminente autor, por

conseguinte, toda e qualquer competência é privativa ou exclusiva157.

No entanto, para o presente ensaio, não se considera a privatividade como

característica, mas apenas como uma das classificações, cujo critério se estriba nas potenciais

espécies tributárias postas à disposição de cada ente político.

Assim, os impostos seriam de competências privativas, pois, mesmo incidindo

sobre signos presuntivos de riquezas distintos158, são espécies tributárias distribuídas entre

todos os entes federativos.

Igualmente, enquadram-se as taxas e as contribuições de melhoria nessa

classificação159, porquanto devem ser instituídas e exigidas conforme as respectivas e

distintas competências administrativas. Porém, por serem exações privativas, resgate-se que

todos os entes federativos podem instituí-las.

Destaque-se, em sentido diametralmente oposto à competência privativa, a

competência exclusiva. Nesse caso, não existe, nem sequer potencial permissividade

constitucional de outro ente político instituir determinada espécie tributária, a exemplo do

empréstimo compulsório, segundo a interpretação sistemática dos enunciados normativos dos

artigos 15, caput, do CTN e 148, caput, da CF de 1988.

A propósito, a maioria das contribuições especiais previstas no enunciado

normativo do artigo 149, caput, da CF de 1988 são exclusivas da União, com exceção das

destinadas ao financiamento dos Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS, conforme

§1º, do sobredito enunciado normativo.

Portanto, é possível estremar as competências arrecadatórias em privativas e

em exclusivas, sendo, despiciendo outorgar outro rótulo para distingui-las, em matéria de

delimitação do poder de tributar.

3.2.1 Incaducabilidade

A partir da interpretação do artigo 157, inciso VII, da CF de 1988 e do

enunciado normativo do artigo 8º, do CTN de 1966, é possível vislumbrar a

157

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 25ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 520-521. 158 A título de exemplificação, basta conferir as distintas riquezas descritas abstratamente nas competências da União (art.153 e 154, da CF de 1988), dos Estados (art. 155, da CF de 1988) e dos Municípios (art. 156, da CF). 159 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 25ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 657. Nesse mesmo sentido, tem-se: “A doutrina tradicional tem sustentado que, em matéria de taxas e contribuição de melhoria (tributos vinculados), a competência tributária é comum às pessoas políticas. [...] Só que – damo-nos pressa em explicar – não as mesmas taxas, nem a mesma contribuição de melhoria”.

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incaducabilidade160 como a perenidade do poder de tributário, mesmo diante da inércia do

legiferante do ente federativo, durante incomensurável lapso temporal.

É de unânime sabença que inexiste no atual sistema de direito positivo pátrio o

Imposto sobre Grandes Fortunas - IGF, cuja instituição pela União depende de lei

complementar federal para tanto.

Poder-se-ia indagar se o decurso do tempo impediria a União de exercer seu

poder de tributar, quanto à instituição do IGF. A resposta, a propósito, seria negativa,

porquanto o decurso do tempo na esfera competencial não diz respeito à segurança jurídica

em matéria de Direito Tributário e, por conseguinte, não exaurindo a possibilidade de criação

dessa exação, ainda ausente, mas latente na competência privativa do ente político federal.

Em outras palavras: a competência tributária é incaducável, não se sujeitando,

portanto, aos efeitos jurídicos proveniente do decurso temporal em eventual não exercício, em

conformidade com o enunciado normativo do artigo 8º, do CTN161.

A título de arremate, a incaducabilidade acaba por garantir a autonomia

financeira dos entes federativos, em face do decurso do tempo. Portanto, a sobredita

característica faz-se necessária para a manutenção do pacto federativo, representando uma

decorrência da cláusula de perenidade da federação, inscrita na § 4º, inciso I, do artigo 60, da

CF de 1988.

3.2.2 Indelegabilidade

Antes de adentrar no estudo da indelegabilidade da competência tributária,

impende destacar suas relações com o pacto federativo, no Estado brasileiro.

Essa forma de estruturação do Poder Político pressupõe autonomia das

decisões políticas162 das respectivas esferas de atuação do Poder Público, em virtude do artigo

1º, caput e do artigo 60, §4º, I, CF de 1988.

160 MEDEIROS, Jorge Pedro. Competência tributária. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, n.70, setembro-outubro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 48. 161 Certa confusão foi feita pelo legislador ao quase repetir o teor semântico do enunciado normativo do artigo 7º, no qual veda a delegação da competência tributária no artigo 8º, a respeito do seu não exercício, porquanto a inércia não “defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído”. Deve-se compreender o artigo 8º como a matriz da incaducabilidade e da facultatividade da competência tributária, e não da indelegabilidade, pois trata de inércia legiferante. 162 CUNHA, Elke Mendes; FRISONI, Vera Bolcioni. Igualdade: extensão constitucional. In Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 16 | p. 248 | Jul /1996 | DTR\1996\286. Deveras interessante é a abordagem das juristas, a respeito da autonomia de decisão política ou “auto-determinações parciais” na estrutura federativa, a saber: “Federalismo e República são princípios que se sobrepõem a qualquer outro, e são manifestações de normas que submetem todos os órgãos do Estado brasileiro. O Estado Federal se caracteriza pela coexistência de auto-determinações parciais, que dizem respeito à descentralização jurídica, em decorrência

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Por sua vez, o federalismo fiscal decorre logicamente da respectiva

organização e distribuição das competências, pois é a partir delas que são predeterminadas as

receitas para fazer face às respectivas despesas de cada ente político participante do sistema

federativo.

O federalismo fiscal constitui-se na discriminação estruturada das finanças

públicas de maneira a demarcar as respectivas esferas impositivas dos entes políticos, no

intuito de assegurar-lhes autonomia econômica. Dessa maneira, inexistindo autonomia

financeira e orçamentária dos entes da Federação brasileira, esvazia-se a autonomia política

inerente à forma de Estado eleita pela CF de 1988163.

Cada ente político, portanto, deve ostentar meios legislativos de criação de

fontes intangíveis pelos demais, evitando colisão de interesses instransponíveis ou “conflitos

de competência”, em sede de Lei Complementar - artigo 146, da CF de 1988, através da

repartição de competências tributárias que, em última análise, corresponde a uma

discriminação de rendas tributárias164.

Não é por outro motivo que a competência tributária além de incaducável é

indelegável. Pode-se afirmar que a indelegabilidade é a vedação de delegação do poder de

tributar entre os entes políticos da federação, algo que garante a intangibilidade e

estabilidade da fonte das receitas no pacto federativo.

Assim, o enunciado normativo do artigo 7º, do CTN é absoluto em seu

operador deôntico, ao vedar a delegação da competência tributária entre os entes federativos

brasileiro, em homenagem à rigidez do sistema do pacto federativo165.

De se ressaltar, por fim, que a aparente ressalva166 do disposto não se refere à

competência tributária, e sim à capacidade tributária ativa (artigos 119 e 194, do CTN), cuja

da qual convivem numa ordem jurídica. Mas é o princípio republicano que mais de perto interessa ao tema estudado. E também ele que auxilia a "promoção" da igualdade a principio tão relevante.” 163 ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema tributário nacional. São Paulo: MP, 2005, p. 46. Nesse sentido, “Em verdade, o sistema federativo brasileiro, para manter-se harmônico, precisava conter uma divisão rígida de competências tributárias, sob pena não poder garantir a efetiva autonomia dos entes que o constituem”. 164 ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro In Revista Tributária e de Finanças Públicas, n.70, setembro-outubro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 20. A propósito, “Ressalte-se que a discriminação de rendas com tributos é um dos indicadores do modelo federalista proposto a um Estado, e também método de constatação dos graus de autonomia dos entes que a formam”. 165

ELALI, André. O federalismo fiscal brasileiro e o sistema tributário nacional. São Paulo: MP, 2005, p. 44. 166 A inteligência da ressalva do artigo 7º, do CTN, refere-se à delegabilidade da capacidade tributária ativa, de sorte que é possível outorgar a condição de sujeito ativo (credor) ao outro ente de direito público, em consonância com artigo 119, do mesmo Código Tributário. “Art.7º. A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do §3º do art. 18 da Constituição”. (Grifo nosso).

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natureza é de instituto pertinente à administração tributária (fiscalizar e arrecadar)

decorrentes da condição de sujeito ativo de qualquer exação tributária, como se verá

oportunamente.

3.2.3 Facultatividade

Outra característica é a facultatividade do exercício da competência para

tributar. Classicamente, entende-se que não existe dever de exercício das competências

tributárias, como respeito às autonomias política e financeira de cada ente tributante.

A propósito, resgate-se o Imposto sobre Grandes Fortunas - IGF, prevista no

inciso VII, do artigo 153, da CF de 1988, como excepcional exemplificação de inexistência de

obrigatoriedade de exercício competencial da União.

Em decorrência, é imperioso asseverar que a Constituição não cria ou institui

tributo, mas tão somente demarca competências.

Em regra, quanto à temática do veículo introdutor apto ao exercício

competencial, apenas a lei ordinária possui o condão de instituir tributos - obrigação

tributária principal, bem como a teratológica e restrita possibilidade de instituição pela via da

medida provisória, de conformidade com o artigo 62, §2º, da CF de 1988167.

Somente, por exceção, cabe à lei complementar168 instituir tributos, como nos

emblemáticos exemplos do Imposto sobre Grandes Fortunas - IGF, Empréstimo

Compulsório, sem se olvidar dos Impostos e Contribuições Especiais Sociais Residuais.

Frise-se, que interessante problema decorrente da forma de Estado é a

repartição de receitas tributárias, especialmente, no tocante ao federalismo cooperativo. Essa

característica do federalismo brasileiro pressupõe a desigualdade material de fontes de

financiamento dos respectivos entes tributantes. Em outros dizeres, a própria CF de 1988

167 Lamentavelmente, a Constituição Federal de 1988 deu azo a essa verdadeira aberração fiscal, consubstanciando em verdadeiro calcanhar de Aquiles dos direitos de resistência dos contribuintes/responsáveis, sobremaneira diante da afirmação histórica da legalidade tributária, a qual desde 1215, com João Sem-Terra, requer-se o consenso, e não unilateralidade, como embrião do processo legislativo para a criação de exações tributárias. A propósito, “Art.62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. [...] §2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada”. 168

Cabe à lei complementar instituir apenas os seguintes tributos: empréstimo compulsório (artigo 148, caput, da CF), imposto sobre grandes fortunas (artigo 153, inciso VII, da CF) e tributos de competência residual, v.g. dos impostos inominados, desde que sejam não cumulativos e não possuam “fato gerador” (leia-se hipótese de incidência) e base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição Federal de 1988(artigo 154, inciso I, da CF) e contribuições sociais residuais (artigo 195, §4º, da CF).

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reconhece que existem entes federativos mais abastados que outros, ao impor uma repartição

do produto arrecadado, sob a alcunha constitucional de Fundos de Participação - FP.

Assim, em razão da facultatividade, no intuito de esvaziar os recursos de entes

menores, pode a União optar pela instituição ou majoração de tributos que não sejam

passíveis de repartição, a exemplo da maioria das contribuições especiais.

Por outro lado, a sobredita característica não se apresenta concretamente no

exercício das competências tributárias dos entes menores da federação brasileira, por expressa

imposição de instituição e arrecadação das receitas tributárias, como requisito de gestão

responsável.

Em suma, a facultatividade pode ser utilizada pela União para distorcer o

sistema de cooperação entre os entes federativos e se apresentar como virtual, para os entes

menores, em face das sanções financeiras da LC n.º 101/2000, constituindo-se em proibições

de transferências voluntárias para os Estados e Municípios que não instituírem todos os seus

impostos, conforme enunciado do parágrafo único, do seu artigo 11169.

3.3 COMPETÊNCIA REGULATÓRIA: PODER DE REGULAR E TRIBUTAÇÃO

INDUTORA

Ciente de que a competência tributária possui caráter predominantemente

arrecadador, exsurge como consectário do manejo constitucional das normas tributárias

indutoras a necessidade de interpretação sistemática da competência regulatória ou para

regular170, perante as demarcações constitucionais previamente distribuídas pela CF de 1988.

169 HARADA, Kiyoshi. Responsabilidade fiscal: lei complementar n. 101/200 comentada e legislação correlata anotada. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 52. A propósito da sanção institucional, como vedação de repasses de recursos federais para entes menores, por transferência voluntária, conferir a posição do autor, a saber: “O parágrafo único veda a realização de transferências voluntárias para o ente político que descumpra o dispositivo do caput no que se refere aos impostos. Interessante notar que este parágrafo impõe sanção institucional apenas para o ente que descuidar da instituição, previsão e arrecadação de impostos e não, de tributos como está no caput. Pode ter sido cochilo do legislador. Pode ser, também, que o legislador quis instituir a punição apenas em relação ao tributo de maior expressão financeira nos Estados e Municípios, representado pelo imposto. No âmbito da União a arrecadação de contribuições sociais vem superando a arrecadação de impostos, mas, o preceito não tem aplicação em relação a ela pelo simples fato de que ela não é destinatária de qualquer transferência voluntária. De fato, nos termos do art. 25 da LRF, transferência voluntária é a entrega de recursos financeiros a outro ente político, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde. Sabidamente, a União, detentora da maior fatia do bolo tributário, é a entidade política que, tradicionalmente, vem socorrendo as finanças dos Estados e Municípios”. (Negrito do autor). 170 LEHNER, Moris. Consideração econômica e tributação conforme a capacidade contributiva. Sobre a possibilidade de uma interpretação teleológica de normas com finalidade arrecadatórias. In SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio. Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São

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Partindo dessa necessária diferença entre poder de tributar e poder de regular,

Luís Eduardo Schoueri preleciona que as competências tributárias foram outorgadas em

capítulo especial, a partir do enunciado normativo do artigo 145, da CF de 1988171.

Por sua vez, averbe-se sobre o caráter regulatório inscrito nas competências

dispostas sobremaneira no enunciado do artigo 24, da CF de 1988, que além de contemplar a

natureza concorrente em matéria tributária, dispõem sobre inúmeros temas afetos ao poder

de regular172.

No entanto, para fins deste ensaio, o poder de regular encontra-se delimitado

no próprio corpo do Sistema Tributário Nacional, bem como na Ordem Econômica e Social,

especialmente nos próprios enunciados normativos dos incisos I, II, IV e V, §1º, do artigo

153173, bem como pela prescrição regulatória do artigo 174.

Portanto, para que as normas tributárias indutoras sejam veículos introdutores

aptos à regulação desses domínios econômicos, impõe-se, a partir do emprego metódico de

procedimentos interpretativos, uma visão una e harmônica174 dos Domínios Econômicos

sujeitos à regulação tributária, no afã de evitar deturpações teleológicas ensejadoras das

práticas de desvios de finalidade, enquanto desvio de poder, sem se olvidar das tredestinações

dos recursos da CIDE-combustíveis, como se observará oportunamente.

Paulo: Dialética, 1998, p. 145. Quanto à diversidade de efeitos ou finalidades das normas tributárias, anota o eminente Professor de Munique que existe a diferenciação de normas arrecadatórias e regulatórias, como utilizamos neste ensaio. Por fim, menciona ainda normas responsáveis pela “repartição da carga tributária”. 171 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 327. A propósito, “A distinção entre o poder de tributar e o poder de regular se faz sentir, em termos constitucionais brasileiros, também quando se trata do tema da competência: conquanto tenha o constituinte, nos artigos 22 a 30, tratado do último, sem deixar de prever, no artigo 24, a "competência concorrente" para tratar de Direito Tributário, ali não se viu incluída a competência tributária, que foi regulada em capitulo próprio, a partir do artigo 145 da Constituição Federal”. 172 ELALI, André. Tributação e regulação econômica: um exame da tributação como instrumento de regulação econômica na busca da redução das desigualdades regionais. São Paulo: MP, 2007, p. 109; SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 327. 173 PADILHA, Liana Carlan. A redução de alíquotas do IPI no contexto da crise econômica 2008-2009: extrafiscalidade e normas indutoras. In ELALI, André; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; TRENNEPOHL, Terence (coord.) Direito tributário – homenagem a Hugo de Brito Machado. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 564-565. Conferir abordagem a respeito da regulação do domínio econômico da produção industrial, enquanto exemplificação dessa interpretação sistemática das competências tributária e regulatória, mediante aplicação das normas tributárias indutoras do IPI. Igualmente, sobre o domínio econômico alfandegário, conferir FOLLONI, André Parmo. Tributação sobre o comércio exterior. São Paulo: Dialética, 2005, p. 13. 174 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, p. XVIII. Nesse sentido, mesmo de maneira genérica, admoesta o autor: “A interpretação do direito é interpretação do direito, no seu todo, não de textos isolados, desprendidos do direito. Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços”.

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3.4 CONCEITO DOGMÁTICO DE TRIBUTO E SUA DECOMPOSIÇÃO

Após os enfoques arrecadatório e indutor das competências constitucionais,

especialmente, no que tange às normas tributárias indutoras, urge destacar o conceito de

tributo, o estudo das espécies tributárias e as limitações constitucionais ao poder de tributar,

com o intuito de estabelecer distinção científica dos regimes jurídicos na CF de 1988

pertinentes à tributação brasileira.

Para tanto, os objetivos de identificação e de compreensão dos limites de

controle de validade dos desvios de finalidade como desvio de poder e como tredestinação,

apenas serão alcançados com a reestruturação do Sistema Tributário Nacional,

especialmente, quanto à releitura do conceito de tributo, por se tratar de instrumento por

excelência para consecução de fins arrecadatórios e regulatórios.

3.4.1 Conteúdo do elemento “prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor

nela se possa exprimir”

A conceituação de tributo decorre da conjugação legal de elementos tidos

como relevantes para a formação da moldura normativa da exação pública com finalidade

predominantemente arrecadatória e seus respectivos perfis indutores, a partir do enunciado

normativo do artigo 3º do CTN e da CF de 1988175.

De antemão, destaque-se o caráter obrigacional de todo e qualquer tributo176,

de toda sorte que ele enseja à constituição de uma relação jurídica inter partes estranha aos

influxos dos direitos oponíveis em caráter erga omnes.

175 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário:linguagem e método, 4ª ed., São Paulo: Noeses, 2011, p. 402. A propósito de ser conceito dogmático, por construção do direito positivo tributário brasileiro, destaque-se o conceito do eminente tributarista: “Tributo é nome de uma classe de objetos construídos conceptualmente pelo direito positivo”. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 33. Ressalte-se, igualmente, em tom de admoestação que nem mesmo o artigo 3º, do CTN pode se sobrepor às matrizes conceituais de todos os tributos na CF de 1988. In verbis: “Constrói-se o conceito jurídico-positivo de tributo pela observação e análise das normas jurídicas constitucionais”. 176 OLIVEIRA, Gustavo Goiabeira de. Considerações sobre a relação jurídica tributária. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, n. 60, ano 13, março-abril, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 45. Nesse mesmo sentido: “Dessa forma, com a individualização da obrigação tributária dentro do conceito de relação tributária, aquela seria unia relação unitária, cujo objeto é somente o dever de pagar o tributo, correspondente, portanto, ao aspecto material daqueles que adotam a posição de uma relação tributária complexa. Assim, existiria uma relação de gênero c espécie entre relação jurídica tributária e obrigação tributária”. Igualmente, conferir o caráter obrigacional do tributo em ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 34-35.

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Trata-se, portanto, de natureza de direito pessoal delimitado no âmbito do

sistema de direito positivo brasileiro, mormente, quando vislumbrada sua natureza na CF de

1988 e no CTN de 1966, verdadeiros pilares normativos de toda incidência tributária.

É nesse sentido que o próprio enunciado do artigo 3º, do CTN, declara ser

“prestação pecuniária compulsória”, porquanto encerra a natureza de direito pessoal cujo

conteúdo pode ser avaliado “em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir”, isto é,

verdadeira obrigação de dar quantia certa.

Na decomposição dos elementos obrigacionais envolvidos, destacam-se três

grandes grupos, a saber: os subjetivos, os objetivos e o imaterial.

Os sujeitos obrigacionais, mais tarde analisados como integrantes do critério

pessoal do consequente da regra matriz (Cst), necessariamente devem compor a relação

jurídica tributária uma pessoa jurídica de direito público, como sujeito ativo - artigo 119, do

CTN, e, do outro lado, como sujeito passivo177, determinada pessoa física ou jurídica que

exponha qualquer signo presuntivo de riqueza – artigos 145, §1º, da CF e 121, parágrafo

único, incisos I e II, do CTN, ou, seja beneficiária de atuação estatal específica, relativa a ela.

O sujeito ativo traz em seu cerne o instituto da capacidade tributária ativa -

artigo 119, do CTN. Dessa maneira, basta para tanto, que se trate de pessoa jurídica de direito

público designada em lei, a exemplo dos entes da administração direta e indireta, autárquica e

fundacional178.

177 BECHO, Renato Lopes. As modalidades de sujeição passiva tributária no ordenamento jurídico brasileiro. In Revista Dialética de Direito Tributário, n. 192, set/2011. São Paulo: Dialética, p. 120. A propósito da sujeição passiva, é importante ressaltar a precariedade técnica antes do Código Tributário Nacional, com se depreende das lições do autor, in verbis: “Frente ao que foi relatado, podemos verificar como a sujeição passiva tributária estava pouco desenvolvida antes do Código Tributário Nacional. Alguns dos maiores especialistas em Direito Tributário à época não conseguiam elaborar uma classificação para os sujeitos passivos nos moldes como a conhecemos atualmente. Contudo, o CTN auxiliou na compreensão do assunto, notadamente pelo seguinte dispositivo: ‘Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando lenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador. II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.’ Com essa redação, ainda que com palavras diferentes, parece-nos que o legislador adotou aquela que talvez, seja a classificação usual - ainda que criticável - para a sujeição passiva, dividindo-a em sujeição passiva direta (inciso I) e sujeição passiva indireta (inciso II)”. 178 Em sentido contrário, mantendo sua posição a respeito da possibilidade de pessoa jurídica de direito privado ser sujeito ativo de obrigações tributárias: CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método, 4ª ed., São Paulo: Noeses, 2011, p. 630. A propósito, “O sujeito ativo, no direito tributário brasileiro, pode ser uma pessoa jurídica pública ou privada, mas não visualizamos óbice para que seja uma pessoa física”. Nesse ponto, a par da notoriedade e inquebrantável respeitabilidade intelectual do eminente mestre, discordamos da possibilidade dogmática de ostentar pessoa jurídica de direito privado capacidade tributária ativa, em face da inerente condição de superioridade e interesse público desse elemento subjetivo, sobremaneira, em face do enunciado normativo do artigo 119, do CTN. Em suma, não há espaço para qualquer procedimento metódico sistemático, nem sequer mediante interpretação conforme a CF de 1988, apta a alçar pessoa jurídica de direito privado para esse plano subjetivo público, porquanto lhe é inerente o uso das atribuições administrativas de

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Oportuno asseverar, aliás, que a capacidade tributária ativa é apenas a

condição de sujeito ativo do tributo, podendo figurar como agente de cobrança administrativa

e judicial de seu crédito. Sua disciplina, por conseguinte, é afeta à administração tributária.

Portanto, a capacidade tributária ativa não se confunde com a condição

constitucional de titular de poder de tributar, mas, decorre logicamente desta.

Enquanto titular de competência tributária, apenas podem figurar entes

políticos, como os membros do pacto federativo brasileiro com seus respectivos parlamentos,

isto é, a União, os Estados-membros, Distrito Federal e, finalmente, as Municipalidades.

Singela conclusão que se extrai é que autarquias, fundações públicas ou mesmo

consórcios públicos nunca poderão, pelo nosso sistema constitucional tributário, instituir

tributos, de modo que não possuem poder legiferante: poderão, apenas, figurar como sujeitos

ativos de tributos, como o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, antes da Super-

Receita, instituída pela Lei n. 11.457/2007.

Por conseguinte, não cabe mais à Procuradoria Federal do INSS patrocinar a

maioria das execuções fiscais ou mesmo ser sempre intimada para liquidação judicial em

processo trabalhista das contribuições sociais da Seguridade Social, de maneira que desde

2007, gradativamente, a União - Fazenda Nacional passou a fiscalizar e cobrar os créditos,

por força da avocação legal da capacidade tributária ativa.

De outro lado, também é relevante ressaltar o instituto do destinatário do

produto da arrecadação tributária. Assim como a competência para tributar tem natureza

jurídica legislativa e a capacidade tributária ativa, natureza jurídica administrativa, exsurge

por igual decorrência o estudo do destinatário dos recursos da arrecadação, enquanto traço

teleológico dos tributos.

Nesse último caso, o instituto se refere ao destino constitucional ou legal de

determinado tributo, que pode ser uma pessoa jurídica de direito público interno ou de direito

privado, que atue em consonância com algum interesse público.

Em tese, a regra deveria ser a coincidência do sujeito competente, capaz

tributariamente e também destinatário dos aportes financeiros, em face do dogma da

autonomia financeira, própria das federações clássicas.

É o caso do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - artigo

156, inciso I, da CF de 1988. A municipalidade ostenta competência tributária para instituir,

fiscalização, arrecadação e cobrança extra e judicialmente dos tributos: pode, por outro lado, ser destinatária dos recursos arrecadados, como os sindicatos, mas, nunca, no nosso sistema, ser credor de tributos.

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bem como é capaz tributariamente para cobrá-lo, sem se olvidar de ser a destinatária dos

recursos arrecadados.

Mas, nem sempre há essa coincidência no sistema de direito positivo brasileiro.

Assim, no momento em que o constituinte originário expediu a linguagem competente para

impor (modal deôntico obrigado) a Repartição das Receitas Tributárias - artigo 157 ao artigo

162, da CF de 1988, que mitigou a autonomia financeira clássica, revelando, ao menos em

tese, um federalismo cooperativo.

Nesse sistema cooperativo, no qual a República Federativa do Brasil se

enquadra, vislumbra-se que uns têm menos recursos econômicos que outros, a par da

isonomia jurídica existente entre os entes federativos179, como oportunamente ressaltado.

Calha à obviedade, portanto, que a União, em face de sua vastíssima

competência tributária - artigos 153, 148, 149, inclusive único ente a possuir competência

residual, artigos 154, inciso I e artigo 195, §4º, todos da CF de 1988, tem o erário federal bem

mais abastado que os demais entes federativos, como anteriormente tratado.

Dessa forma, coube à União a maior parcela de distribuição do seu produto

arrecadado, a exemplo do produto da arrecadação dos Impostos sobre a Renda e Produtos

Industrializados, a base de 48% (quarenta e oito por cento) para os Fundos de Participação

dos Estados-membros, do Distrito Federal e Municípios, conforme enunciado normativo do

artigo 159, inciso I, alíneas a, b, c e b, da CF, de 1988.

A título de arremate, quanto aos sobreditos impostos, a União é competente

para tributar, assim como é capaz tributariamente para arrecadar, mas, não é destinatária de

todo o produto da arrecadação, como se vislumbra. Então, nem sempre haverá coincidência

do sujeito competente, capaz e destinatário dos recursos arrecadados.

Delimitados os elementos subjetivos e institutos afins, é possível asseverar que

os elementos obrigacionais objetivos são dissociados em imediato e mediato.

179 A propósito, a imunidade recíproca entre os entes federativos, suas respectivas autarquias e fundações públicas decorre não apenas do pacto federativo, mas igualmente da isonomia jurídica entre eles. Conferir: FERNANDES, Edison Carlos. Imunidade da contribuição social sobre o lucro líquido – CSLL para as receitas de exportação após a emenda constitucional n.º 33, de 2001. In Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 86, Nov/2002. São Paulo: Dialética, p. 9. Assim sendo, “A imunidade, ao contrário, é uma expressa vedação à competência tributária, é uma barreira à tributação. Não por acaso, o artigo 150 da Constituição Federal, consolida em um único dispositivo vários casos de imunidade tributária (inciso VI), está inserido na seção das limitações ao poder de tributar. Por meio da imunidade, o Texto Constitucional, que é uma carta jurídico-política, define os contornos da competência tributária, criando uma barreira intransponível, sequer por Emenda Constituição, nos termos do artigo 60, § 4º, IV da mesma Constituição”.

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Diz-se, assim, imediato o elemento que se consubstancia na conduta a ser

realizada pelo sujeito passivo (contribuinte ou responsável tributário), de regra, dar quantia

certa às pessoas jurídicas de direito público - obligatio ad dandum.

Em se tratando de obrigação tributária acessória, por sua vez, o dever se

consubstancia em um fazer ou não fazer, condutas conhecidas pelos tributaristas por deveres

instrumentais de arrecadação180.

Enquanto elemento mediato, cronologicamente posterior ao imediato, em se

tratando de obrigação tributária principal, é o bem fungível dinheiro181, enquanto moeda

corrente nacional.

Porém, a par dessa regra, permite-se, por interpretação sistêmica, a autorizar

(modal deôntico permitido) outra forma de solver indiretamente a obrigação tributária

principal sem quantia em dinheiro, a saber: mediante dação em pagamento de bens imóveis,

conforme artigos 3º e 159, inciso XI, acrescentado ao CTN de 1966, pela Lei Complementar

104/2001.

A propósito, os bens imóveis como visto podem solver as obrigações tributárias

principais, desde que haja aceitação do Ente tributante em jogo, algo que corrobora a

expressão “cujo valor nela se possa exprimir” - artigo 3º, do CTN.

É digna de menção a notícia sobre projeto de Lei Complementar potiguar,

“admitindo o pagamento de crédito tributário devido à União por médicos, através do

atendimento profissional a pessoas carentes, o se caracterizaria em pagamento in labore”,

como bem alerta o jurista Carlos Roberto de Miranda Gomes182.

Enfim, ainda que teoricamente, vislumbra-se uma tendência ampliativa das

formas de solver as obrigações tributárias, tanto no exemplo da datio in soluto positivada no

CTN, como nessa proposta parlamentar ressaltada pelo ilustre Professor potiguar.

180 A título de exemplificação são deveres instrumentais: emitir cupom fiscal, nota fiscal-eletrônica, escrituração de livro fiscal, expedir declarações/guias e não obstruir a fiscalização. 181 MACHADO, Hugo de Brito. Impossibilidade de tributo sem lançamento. In Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 90, mar/2003, São Paulo: Dialética, p. 57. A respeito da natureza pecuniária, têm-se as seguintes lições: “Realmente, em qualquer dos casos trata-se de uma prestação pecuniária e existe a necessidade de ser feito o seu acertamento, vale dizer, a determinação do respectivo valor. No caso da aquisição do automóvel é certo que esse acertamento ocorre, em princípio, no ato da celebração do contrato. Entretanto, pode dar-se que o contrato não se tenha consumado, e tenha sido feita a entrega do automóvel em confiança ao adquirente, ficando o preço a ser posteriormente ajustado. Mesmo assim a obrigação de pagar o preço será uma obrigação voluntária, ou contratual.”. 182 GOMES, Carlos Roberto de Miranda. O tributo. In Direito tributário: homenagem a Hugo de Brito Machado, p. 55-67.

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3.4.2 Conteúdo do elemento “não se constitua em sanção de ato ilícito”

Não é pertinente à natureza do tributo o conteúdo punitivo: assim, a obrigação

de dar quantia certa não é expressão do jus puniendi do Poder Público, em face de infração à

ordem jurídica, na atualidade183.

O tema em apreço demanda considerações pertinentes ao Direito Financeiro,

uma vez que o Direito Tributário não oferece elementos suficientes para elucidação.

É o tributo, em verdade, uma quantia destinada ao financiamento das

necessidades públicas, enquadrando-se nas chamadas entradas públicas definitivas ou

receitas públicas tributárias184.

Sendo assim, o Poder Público lança mão de exigências monetárias não para

punir ou fustigar os cidadãos, mas para angariar economias necessárias às despesas públicas

correntes, de capital entre outras previstas na Lei n.º 4.320/1964, especialmente, em razão das

prestações positivas de caráter social, pertinentes à Seguridade Social, as quais são custeadas

pelas Contribuições Especiais da Seguridade Social - artigos 149 e 195, da CF, de 1988.

Por óbvio, o Direito Tributário Sancionador é relativo às multas tributárias,

decorrentes de infrações às obrigações tributárias acessórias ou deveres instrumentais. Nesse

terreno, realmente, a quantia em dinheiro é destinada à punição dos contribuintes que

executam manobras para burlar a fiscalização tributária185.

Mesmo assim, a temática da punição é nebulosa na seara administrativa, uma

vez que as imposições de multas devem atender à referibilidade, distinguindo-se as multas

tributárias em indenizatórias e em pedagógicas.

183 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 17. É bem verdade que historicamente o tributo foi eventualmente utilizado para subordinar povos vencidos em guerras ou escravizados, tangenciando a natureza de jus puniendi, em tempos antigos. Mas, atualmente, o tributo não ostenta caráter punitivo. 184 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Receitas públicas tributárias In Revista tributária e de finanças públicas, ano 12, n. 58, setembro-outubro de 2004, Revista dos Tribunais: São Paulo, pp. 201-202. 185 A respeito dos problemas da fiscalização do crédito, é relevantíssimo distinguir evasão de elisão fiscal. Nessa linha, destaque-se RIBEIRO, Ricardo Lordi. A elisão fiscal e a LC n.º 104/01. In Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 83, ago/2002, Dialética: São Paulo, p. 146. A propósito, “Tal tendência arraigada a um positivismo normativista influencia sobremaneira doutrina sobre a evasão e elisão fiscal no Brasil, tolerando-se, em nosso país, um sistema baseado na elisão fiscal abusiva, onde a obrigação de pagar tributo pode ser afastada pela astúcia do contribuinte, sob os aplausos da parcela majoritária de nossos jurisconsultos. Representativa dessa linha no Brasil, é a obra de A. R. Sampaio Dória, onde o autor diferencia a evasão (ilícita) da elisão (lícita), pelo momento em que a ação do contribuinte para evitar a ocorrência do fato gerador ocorre: no primeiro caso, contribuinte pratica o fato gerador mas, através de um expediente ilícito, foge ao pagamento do tributo, o que se daria pelo dolo, fraude ou simulação. Segundo essa corrente, a atuação do contribuinte por meio de ato lícito, ou seja. que não envolva dolo, fraude ou simulação, se traduziria em elisão admitida pelo ordenamento”. (sic)

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Sob a ótica da sistêmica luhmanniana, por sua vez, cabe ressaltar que o Direito

Penal Tributário é de certo modo despiciendo, de tal sorte que, é apenas um exemplar de

legislação instrumental: isto é, intervenção penal desnecessária e desproporcional no status

libertatis do cidadão, pois visa simplesmente à otimização da arrecadação, em contraponto à

ineficiência da Administração Tributária, mesmo com a predominância do lançamento por

homologação186.

Assim, sua ineficácia é patente, de modo que os bens jurídicos tutelados não

ostentam aceitação social quanto à gravidade das condutas tipificadas, especialmente, as

pertinentes ao tipo penal de sonegação - artigo 1º, da Lei 8.137/1990. Destarte, acrescente-se

que o benefício de extinção de punibilidade reforça a falta de gravidade dos Crimes Contra a

Ordem Tributária.

Em síntese conclusiva, o tributo não se confunde com sanção187, nem sequer

de caráter penal, porquanto tem natureza de prestação pecuniária destinada ao financiamento

geral das tarefas estatais, que expressam, em última ratio, as necessidades públicas.

3.4.3 Conteúdo do elemento “instituía em lei”

Um dos elementos mais relevantes da cláusula conceitual do tributo brasileiro

é sem dúvida a temática de sua “fonte”. A propósito, quanto à temática, é mais científico

substituir a expressão utilizada como ponto de partida do Direito, pela locução instrumento

ou veículo introdutor de normas.

186 BASTOS, Noel de Oliveira. O pêndulo simbólico-instrumental do direito penal brasileiro: crimes contra a ordem tributária como expressão instrumental da ordem punitiva. In Juris Rationis, ano 5, n.º 1, out.2011/mar.2012, EdUnp, Natal-RN, p. 14. Disponível em http://repositorio.unp.br/index.php/juris Acesso em 23.10.11, 23:46. A propósito: “Assim, oportunamente, elegeu-se a criminalização de bens jurídicos tributários (tutela do crédito tributário), postulando-se a intimidação de posturas que possam diminuir a arrecadação de receita pública tributária, através da edição da Lei n. º 8.137/1990. Nesse estatuto penal, existem tipificações penais pertinentes aos Crimes praticados por particulares na Seção I; e, na Seção II, aos tipos definidos como Crimes praticados por funcionários públicos, em face das necessidades financeiras inerentes ao modelo do Estado Fiscal (Steuerstaat), nos dizeres de Luís Eduardo Schoueri (SCHOUERI, 2005, p. 1). Neste sentido, as seguintes disposições legais denotam a faceta instrumentalista da Lei n. º 8.137/1990, ao prever punições de condutas que dificultem a arrecadação dos ‘recursos materiais alocados pelos cidadãos’ (CORRÊA, 1996, p.1) [...].”. 187 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método, 4ª ed. São Paulo: Noeses, p. 403. Elucidando a natureza não sancionatória do tributo, tem-se: “Como derradeiro marco, assinale-se a circunstância de o tributo não constituir sanção de ato ilícito. Elemento sumamente relevante para a compreensão de "tributo" está objetivado nessa frase, em que se determina a feição de licitude para fato que desencadeia o nascimento da obrigação tributária. Foi oportuna a lembrança trazida pelo artigo 3° do CTN, uma vez que os acontecimentos ilícitos vêm sempre atrelados a providência sancionatória e, fixando-se o caráter lícito do evento, separa-se, com clareza, a relação jurídica do tributo da relação jurídica atinente às penalidades exigidas pelo descumprimento de deveres tributários. Como são idênticos os vínculos isoladamente observados, é pela associação ao fato que lhe deu origem que pode ser reconhecida a índole da relação”.

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Sendo o sistema de direito positivo brasileiro ordenado em escalões

hierarquicamente distribuídos a partir da CF de 1988, tem-se a mesma como fundamento

primeiro de validade de todos os demais veículos introdutores normativos primários, isto é,

ejetados no mundo jurídico tributário mediante prévio processo legislativo, denominados leis,

enquanto instrumentos responsáveis pelas inovações188, mormente, no Direito Tributário,

como se observa nos artigos 150, I, da CF e artigo 97, do CTN de 1966.

Não é por outro motivo que a hipótese de incidência tributária (Ht), enquanto

antecedente da regra matriz de incidência encontra-se acalentado pelo manto da legalidade

tributária, que demarca as fronteiras da incidência normativa, ao recortar abstratamente as

qualidades dos aspectos material (Cm), temporal (Ct) e espacial (Ce) do evento eleito pelo

legislador a ser tributado.

Por sua vez, no consequente (Cst) da regra matriz, igualmente encoberto pela

legalidade tributária, é responsável por delimitar o tributo, enquanto relação jurídica

obrigacional entre os seus sujeitos e, ademais, responsável por quantificar a obligatio ad

dandum pecuniária, conforme seu critério quantitativo - Cq (bc x al).

Enquanto importantíssima consequência dessa estrutura, tem-se que o tributo

não advém de qualquer manifestação de vontade das partes envolvidas em seu vínculo:

portanto, nem mesmo a confissão de dívida em parcelamento tributário tem o condão de

extrapolar os limites da legalidade tributária, quanto aos critérios da regra matriz de

incidência tributária de cada tributo.

Decorre daí, portanto, a possibilidade de discussão judicial de dívida fiscal

parcelada189, uma vez que o tributo provém exclusivamente da lei em sentido estrito que o

autorizou: em regra, lei ordinária e, por exceção, lei complementar190.

188 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 90. Em suas preciosas ponderações sobre a superação da terminologia “fonte do direito”, cumpre destacar a lição do Professor Titular da USP e PUC/SP, a saber: “Entenda-se ‘lei’ no sentido amplo e teremos o quadro dos instrumentos primários de introdução de normas no direito brasileiro, válido para as quatro ordens jurídicas que compõem o sistema total. A lei e os estatutos normativos que têm vigor de lei são os únicos veículos credenciados a promover o ingresso de regras inaugurais no universo jurídico brasileiro, pelo que as designamos por ‘instrumentos primários’. Todos os demais diplomas regradores da conduta humana, no Brasil, têm sua juridicidade condicionada às disposições legais, quer emanem preceitos gerais e abstratos, quer individuais e concretos. São, por isso mesmo, considerados ‘instrumentos secundários’ ou ‘derivados’ não apresentando, por si só, a força vinculante que é capaz de alterar as estruturas do mundo jurídico-positivo”. 189 Deveras, teoricamente, apenas haverá empecilho às possíveis teses a serem ventiladas contra a exigibilidade em execução fiscal, uma vez que o parcelamento tem o condão de interromper o lapso prescricional da dívida, por força do parágrafo único, inciso IV, do artigo 174, do CTN. 190 A propósito das correntes sobre as diferenças normativas, endossamos a posição de que não há hierarquia, mas apenas distinções formais (quorum) e materiais (âmbito de regulamentação) entre leis ordinária e complementar, porquanto encontram seus respectivos fundamentos de validade na CF de 1988. Nesse mesmo sentido, NOHARA, Irene Patrícia. Controvérsia entre lei complementar e lei ordinária: um estudo com base na

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Enfim, o tributo é obrigação que nasce independentemente da vontade dos

sujeitos ativo e passivo, de tal sorte que se trata de vínculo ex lege, e não ex voluntate191.

3.4.4 Conteúdo do elemento “cobrada mediante atividade administrativa plenamente

vinculada”

Enquanto última cláusula constitutiva do conceito de tributo exposta no

enunciado normativo do artigo 3º, do CTN de 1966, exsurge a necessidade de investigar a

natureza jurídica dos meios legais de cobrança do crédito tributário.

Deveras, cumpre ressaltar que o sobredito enunciado prescritivo deve ser

investigado a partir da óptica das diversas sujeições tributárias, sob pena de esvaziamento das

possíveis interpretações.

Em geral, essa cláusula é identificada com o ato jurídico de apuração do

débito tributário, tecnicamente designado de lançamento tributário, a ponto de abalizada

doutrina192 atribuir a exclusividade desse ato jurídico ao Fisco, por exclusiva interpretação

gramatical.

No entanto, a sobredita tese não merece prosperar em todos os seus pontos,

uma vez que a Administração Tributária mantém todos os poderes inerentes à sua capacidade

tributária ativa - artigo 119, do CTN, mas, por outro lado, vem cada vez mais atribuindo ao

próprio contribuinte ou responsável o dever de interpretar a legislação tributária193 e, ato

anômala técnica legislativa do art. 86 do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. In Revista de Direito Administrativo, n.º 247, jan/abr. 2008, São Paulo: Atlas, p. 129: “Não há hierarquia entre as duas espécies legislativas tendo em vista que ambas encontram igual fundamento de validade no texto constitucional. Contudo, entendemos que elas se diferenciam quanto ao quorum de aprovação e no que diz respeito ao âmbito material de abrangência, uma vez que o texto constitucional discrimina quais matérias devem ser necessariamente disciplinadas por lei complementar e permite que as demais normas constitucionais não auto-executáveis sejam desdobradas por outras espécies normativas”. 191 MACHADO, Hugo de Brito. Impossibilidade de tributo sem lançamento. In Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 90, mar/2003, São Paulo: Dialética, p. 57. Nessa esteira, destaque-se: “Quando alguém aufere renda, assume a obrigação de pagar o imposto correspondente. Trata-se neste caso de uma obrigação legal, ou ex lege, porque decorre diretamente da lei tributária que, por se haver concretizado sua hipótese de incidência, incidiu e gerou a obrigação tributária, independentemente da vontade daquele que auferiu a renda”. 192 MACHADO, Hugo de Brito. Impossibilidade de tributo sem lançamento, In Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 90, mar/2003, São Paulo: Dialética, p. 56. Nesse sentido, artigo clássico do eminente tributarista cearense, a saber: “No Direito Tributário brasileiro o legislador utilizou-se de uma fórmula segundo a qual o lançamento é privativo da autoridade administrativa e nos casos em que a lei estabelece para o sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento do valor que ele próprio apura o lançamento dá-se por homologação, ainda que apenas tácita, neste caso configurada com o decurso do prazo de decadência do direito de a Fazenda Pública efetuar o lançamento. Para os tributaristas que sustentam a existência de tributo sem lançamento, porém, nosso legislador utilizou-se de artifícios perfeitamente dispensáveis.”. 193 MÉLO, Luciana Grassano de Gouvêa. Estado social e tributação: uma nova abordagem sobre o dever de informar e a responsabilidade por infração. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2008, p. 153. Atenta às modificações da interpretação do ato constitutivo do crédito tributário na atualidade, conferir esclarecedor

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contínuo, aplicá-la, constituindo o crédito tributário194, mediante sua apuração em

lançamento por homologação, conforme artigo 150, do mesmo CTN de 1966.

Cada vez mais rara é a atuação exclusiva da Administração Tributária no ato

de lançamento, de tal sorte que este é, na maioria das vezes, realizado pelo contribuinte ou

responsável195, cabendo à primeira apenas homologar e, em verificando alguma diferença a

partir do exame dos atos de controle instrumentalizados pelas obrigações acessórias, lançar

de ofício o tributo recolhido a menor ou não recolhido.

Assim, pelo procedimento histórico-evolutivo o lançamento não pode mais ser

conceituado como ato administrativo, de tal sorte que cabe ao contribuinte ou ao responsável,

enquanto sujeito passivo, interpretar a complexa e contraditória legislação tributária e, ainda

lançar, adiantando o pagamento do tributo.

Em síntese conclusiva, deve-se interpretar que a cláusula final do enunciado

prescritivo do artigo 3º, do CTN, refere-se aos lançamentos ex officio e aos demais atos

inerentes ao poder-dever de fiscalizar, inerentes à capacidade tributária ativa, deflagrados a

partir da procedimentalidade da Administração Tributária.

comentário da eminente autora, a saber: “Essa mudança de papel está a exigir novos paradigmas hermenêuticos que garantam tanto efetividade às atividades de fiscalização e controle, exercidas pela Administração tributária, com vistas à concretização do princípio da capacidade contributiva, como garantias para o cidadão, especialmente no que concerne à aplicação de sanções em razão de comportamentos irregulares, pois, com o lançamento por homologação, o sujeito passivo da relação tributária passou definitivamente a assumir a carga de interpretar e aplicar as normas tributárias, o que implica em se gravar o particular com uma pesada e complexa tarefa, que se agrava ainda mais diante da rápida sucessão de normas legais e administrativas que modificam as precedentes, antes mesmo que as últimas tenham sido assimiladas até pela própria Administração, que dirá pelo contribuinte.”. (Grifo nosso) 194 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário, 1ª ed., 2ª tir., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 228. A rigor, não é mais possível aceitar a compreensão do lançamento enquanto ato jurídico exclusivo das autoridades tributárias. É praticamente inviável a exegese literal, nos dias atuais. A sobredita autora esclarece a realidade brasileira da constituição do crédito, como se observa a seguir: “O gradativo crescimento da população elevou, em conseqüência, o número de contribuintes, situação que impôs ao Estado a renúncia ao lançamento generalizado, em favor de um lançamento seletivo. Paulatinamente, a lei veio a cingir a aplicação do lançamento de oficio a pouquíssimas hipóteses, deixando o encargo de apuração do débito tributário, como regra, ao próprio contribuinte. A atuação do Fisco traduz-se, hodiernamente, muito mais na expedição de atos de controle do que na prática do lançamento propriamente dito.”. 195 Igualmente, são relevantíssimas as preleções de COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário, 1ª ed., 2ª tir., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 228. Nesse sentido: “O melhor e mais antigo exemplo de técnica de privatização da gestão tributária no Direito Brasileiro vem a ser o lançamento por homologação, aplicado à maioria dos tributos nos sistemas jurídicos contemporâneos”.

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3.5 CLASSIFICAÇÕES DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS E SEUS PERFIS

CONSTITUCIONAIS

3.5.1 Imposto enquanto tributo não vinculado e seus perfis arrecadatório e indutor

Classificar nada mais é que distribuir determinados objetos de estudo - in

casu, tributos previstos em nossa CF de 1988, em grupos homogêneos - classes, debaixo de

critério ou qualidade eleita para tal agrupamento196.

A par das impropriedades positivadas no Código Tributário Nacional - CTN,

desponta como rigoroso critério de classificação dos tributos pátrios a descrição hipotética e

abstrata da matéria tributada prevista na hipótese de incidência tributária, em razão das

inesquecíveis lições de Geraldo Ataliba197.

Nesse sentido, conceitua-se imposto como todo e qualquer tributo cuja hipótese

de incidência descreva expressão de riqueza tributável198, independentemente de atividade

estatal específica dirigida ao contribuinte/responsável - artigos 145, inciso I, CF de 1988 e 16,

do CTN de 1966, consubstanciando-se em exação cuja cobrança é desvinculada (não

vinculada) à prestação de determinada atividade estatal (critério intrínseco)199.

A propósito, vender mercadorias, receber rendimentos ou introduzir

mercadorias no território do país200 são elucidativas exemplificações de hipóteses de

incidências próprias dos impostos no nosso sistema de direito constitucional positivo.

De evidente constatação, os impostos são as modalidades exacionais mais

vocacionadas à indução tributária (positiva ou negativa), especialmente em face do atual

regime jurídico constitucional brasileiro, a exemplo das disposições do § 1º, do artigo 153.

A carga extrafiscal impingida pela CF de 1988 a certos impostos é altíssima, a

qual se constata a iniciar pelos impostos de competência federal, como os Impostos de

196 CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do direito, p. 57. 197 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 58-59, passim. Nesse contexto, o eminente tributarista supera a Escola do Fato Gerador de Amílcar Falcão ao estremar a hipótese de incidência tributária (dever-ser ou Sollen) do fato concretamente realizado (ser ou Sein). CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 309. Nesse excerto, interessante referência faz Paulo de Barros Carvalho a respeito do aperfeiçoamento da tecnologia jurídica alcançado por Geraldo Ataliba, a partir das mordazes críticas de autoria de Alfredo Augusto Becker sobre a expressão equívoca e anticientífica “fato gerador”. 198 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 137. A sobredita riqueza tributável é igualmente inteligível a partir da aplicação do princípio da capacidade contributiva, de tal sorte que “Esse fato é indicativo de capacidade contributiva de alguém que será, precisamente, posto na posição de sujeito passivo”. 199 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 128. 200 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 65. Exemplificações dadas pelo saudoso Professor da PUC/SP.

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Importação e Exportação - II e IE201 e os Impostos sobre Operações Financeiras - IOF e

sobre Produtos Industrializados - IPI202, dado que os respectivos aspectos materiais revelam

operações ínsitas ao domínio econômico.

Destaque-se, ainda, a fortíssima potencialidade indutora do Imposto sobre

Produtos Industrializados - IPI, em face de princípio que lhe é inerente, ou seja, a obrigatória

seletividade203, inscrita no artigo 153, §1º, inciso I, da CF de 1988.

A seletividade se consubstancia na discriminação da tributação de bens

conforme a inversa necessidade de consumo da população, a partir do exame da necessidade

ou caráter de supérfluo do produto industrializado.

Assim, os artigos de luxo são onerados com veemência tributária, em razão do

caráter de produto industrializado supérfluo204, caso comparado com produtos de gênero

alimentício.

A propósito da vinculação da seletividade, em termos administrativistas,

Eduardo Domingos Bottallo205 assevera a natureza de “poder/dever” imputado ao legislador

ordinário, quanto à tributação do IPI, segundo o princípio da obrigatória seletividade de

incidência tributária.

Ainda nas circunscrições competenciais da União, desponta o Imposto

Territorial Rural – ITR, enquanto instrumento de implementação da função social da

propriedade rural, uma vez que tributa mais onerosamente as glebas inexploradas ou

subaproveitadas mediante aplicação da técnica de progressividade fiscal, conforme artigo

153, inciso VI, §4º, inciso I, da CF de 1988206.

Igualmente, atende à concretização dos princípios desenvolvimentistas os

incentivos fiscais outorgados em matéria de tributos federais, com base na redução das

201SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 124. Nesse excerto, há menção à potencialidade indutora dos impostos alfandegários (sobre importação e exportação) no Brasil. Ver também CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 287. A propósito, “Os tributos aduaneiros – impostos de importação e de exportação – têm apresentado relevantíssimas utilidades na tomada de iniciativas diretoras da política econômica. Haja vista para a tributação dos automóveis importados do exterior, desestimulante ao extremo, para impulsionar a indústria automobilística nacional”. 202 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 287. A respeito da essencialidade aplicada às alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), incidindo mais onerosamente em produtos supérfluos, enquanto exemplificação de indução negativa ou desestimulante. 203 Destaque-se a obrigatoriedade da seletividade do IPI, uma vez que a seletividade não é exclusiva dessa espécie de imposto. Nesse sentido, a seletividade pode ser aplicada ao ICMS, de maneira facultativa, e não obrigatória como no caso do IPI. 204

BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI: princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 53. 205 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI: princípios e estrutura, São Paulo: Dialética, 2009, p. 53. 206 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 287.

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desigualdades socioeconômicas e regionais, como se depreende dos artigos 3.º, II, III, e da

parte final inciso I, do artigo 151, todos da CF de 1988.

Em se tratando de competência estadual, destaca-se o Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, principalmente no que atina à tributação

guiada pela facultada essencialidade do produto ou do serviço, de conformidade com artigo

155, §2º, inciso III da CF de 1988.

Igualmente, a partir da seletividade, convencionou chamar de ICMS

Ecológico207 o imposto sobre circulação menos oneroso incidente sobre produtos de “baixo

impacto ambiental” ou a cargo de contribuintes que promova a exploração “racional e

sustentável de matéria-prima florestal”, a exemplo do que ocorre em alguns Estados

brasileiros208.

Ademais, em virtude da reforma constitucional promovida pela EC n.º

42/2003, o ICMS passou a possuir nova limitação de incidência no sentido de desoneração in

totum sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, bem como sobre serviços

prestados a destinatários no exterior, consubstanciando-se em verdadeiro incentivo fiscal em

matéria de exportações, instrumentalizado mediante regra imunizante especial, de

conformidade com artigo 155, § 2º, inciso X, alínea a, da CF de 1988.

Ainda, em matéria de competência tributária estadual sistematicamente

interpretada com a regulatória pertinente ao “controle da poluição” - artigo 24, caput, inciso

VI, parte final, da CF de 1988, há de se destacar o IPVA instituído no Rio de Janeiro ostenta

207 SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação e políticas públicas: o ICMS ecológico. In Revista de Direito Ambiental, n.º 38, ano 10, abril/junho 2005, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 112. Tanto é possível a implementação do ICMS Ecológico mediante combinação das competências para arrecadar e para regular, como para promover políticas públicas ecológicas intergovernamentais, mediante repartição de receita tributária entre entes federativos, numa espécie de federalismo fiscal ambiental. Nesse contexto, “Experiência vitoriosa e bastante difundida é a da implantação do ICMS Ecológico cm Minas Gerais. Com a adoção da Lei Estadual 12.040/95 – conhecida como ‘Lei Robin Hood’ - Minas Gerais revolucionou os critérios dc repasse dos 25% de ICMS aos municípios, passando a beneficiar não apenas os municípios que abrigam unidades de conservação, como também aqueles que possuem sistema de tratamento de esgoto ou disposição final de lixo - atendendo a maior parte da população – introduzindo também critérios de educação, patrimônio histórico e saúde, entre outros”. 208 GUSMÃO, Omara Oliveira de. Proteção ambiental e tributação: o tributo como coadjuvante na concretização do valor constitucional “meio ambiente”. In Revista Tributária e de Finanças Públicas (coord. Dejalma de Campos), v. 66, p.113, janeiro 2006, DTR\2006\150. Nesse sentido: “Alguns estados brasileiros concedem incentivos fiscais a contribuintes de ICMS que adotam posturas ambientais adequadas. Não obstante o Estado do Amazonas ainda não tenha adotado o chamado ICMS ecológico, como veremos a seguir, a Lei Estadual 2.826/2003 prevê a concessão de incentivos fiscais e extrafiscais àqueles que, além de satisfazerem duas outras condições de dez previstas naquele instrumento normativo, "concorram para a utilização racional e sustentável de matéria-prima florestal e de princípios ativos da biodiversidade amazônica, bem como dos respectivos insumos resultantes de sua exploração" (art. 4.º, § 1.º, VII). Lei estadual n. 2.826, 29.09.2003. Regulamenta a Política Estadual de Incentivos Fiscais e Extrafiscais nos termos da Constituição do Estado e dá outras providências. DOE do Amazonas, Manaus/AM, 29.09.2003. Republicada em 01.10.2003. Disponível em: [http://www.suframa.gov.br/mzfm_topico.cfm?id=8]. Acesso em 18.10.2011.

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forte caráter indutor, ao outorgar incentivos ou benefícios fiscais a automóveis a base de

combustíveis renováveis, conforme a Lei estadual n.º 948/1985, com disciplina atual dada

pela Lei n.º 2.877/97209.

Por derradeiro, no âmbito da competência municipal, ressalta-se o Imposto

Predial Territorial Urbano - IPTU, cuja potencialidade indutora negativa desponta em abono

ao desenvolvimento da política urbana, mediante aumento de alíquota até a máxima de 15%

(quinze por cento) para todo e qualquer titular de imóvel na zona urbana que não fizer jus à

função social da propriedade, segundo disposições legalmente chanceladas pelo disposto nos

artigos 182, §§ 1º e 2º, inciso II, da CF de 1988 e 7º, §1º da Lei n.º 10.257/2001 – Estatuto da

Cidade.

3.5.2 Taxas enquanto tributos vinculados e seus perfis arrecadatórios e indutores

Por seu turno, as taxas despontam como tributos cujas hipóteses de incidência

descrevem como motivos de cobrança determinadas atividades desenvolvidas pelo Estado

brasileiro em favor de determinados contribuintes/responsáveis - artigos 145, II, CF de 1988

e 77 usque, do CTN210. Por isso, segundo Luís Eduardo Schoueri, são tributos alçados à

categoria de tributos vinculados211.

Ademais, são tributos de caráter contraprestacionais ou sinalagmáticos212, de

tal sorte que ensejam a sua cobrança tão somente se o Estado, previamente descrito na

moldura normativa, desempenhar determinada atividade de prestação de serviço público

específico e divisível (efetiva ou potencialmente) ou exercer regularmente poder de polícia213.

No que atina às suas espécies, de mais difícil aplicação da indução tributária

são as Taxas de Serviço Público Específico e Divisível - artigo 145, inciso II, da CF de 1988.

209 GUSMÃO, Omara Oliveira de. Proteção ambiental e tributação: o tributo como coadjuvante na concretização do valor constitucional “meio ambiente”. In Revista Tributária e de Finanças Públicas (coord. Dejalma de Campos), v. 66, p.113, janeiro 2006, DTR\2006\150. 210 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 146. A propósito, “Definem-se os tributos vinculados como aqueles cujo aspecto material da h.i. [hipótese de incidência] consiste numa atuação estatal”. 211SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 168. 212 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 168-169. “Do texto constitucional se extrae, pois, a natureza vinculada do tributo à prestação estatal. Mais ainda, se a taxa é cobrada ‘em razão’ da atividade do Estado, tem-se nítida a idéia do sinalagma: a taxa é a contraprestação que o contribuinte paga ao Estado em razão de (por causa de) sua atuação em função daquele”. 213 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 22ª ed, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 70-72.

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A par da controvérsia a respeito da natureza jurídica das custas judiciais214, a

prestação jurisdicional, a nosso sentir, caracteriza-se como serviço público específico e

divisível - uti singuli.

A propósito, enquanto expressão da indução negativa (desestímulo) é possível

a instituição de preparo recursal com alíquota mais elevada, para fins de hostilizar a

procrastinação processual, lamentavelmente tão comum em nossa prática forense brasileira.

Assim, deve-se outorgar certa atenção às custas judiciais calculadas sem

limites sobre o valor da causa, pois, caso instituídas, caracterizam flagrante

inconstitucionalidade, por ofensa à cláusula da inafastabilidade do controle jurisdicional215,

enquanto núcleo rígido inviolável de nossa CF de 1988.

Ainda quanto às espécies, ressalte-se que mesmo não sendo exação

vocacionada à indução como os impostos, vê-se, como excelente aplicação

desenvolvimentista da função socioambiental da propriedade automotora - artigos 170,

incisos III e VI, e 225, caput, todos da CF de 1988, a instituição de taxa de inspeção veicular,

como possível critério material de instituição de taxa de poder de polícia.

A cautela é relevante para fins de instituição constitucional dessa espécie de

Taxa. Isso decorre do fato de que há imperiosa necessidade de respeito à competência

concorrente regulatória estadual216, no que concerne à criação de legislação ambiental de

tutela do ar puro enquanto expressão de controle da poluição, conforme enunciado

prescritivo do artigo 24, VI, parte final e do artigo 225, caput, todos da CF de 1988.

Superada a problemática do respeito às competências tributárias e regulatórias,

a referida Taxa de polícia pode instituir, por indução negativa, alíquotas mais elevadas para

fins de inibir a utilização e o comércio de carros usados que atentem contra os padrões

mínimos de emissão de gases tóxicos no meio ambiente urbano.

Ademais, com supedâneo em doutrina estrangeira, Luís Eduardo Schoueri217

registra a utilização de Taxa de poder de polícia mais elevada para aviões que superem

determinados níveis de poluição sonora (ruídos).

214 Conferir artigo 24, IV, da CF de 1988, sobre competência outorgada à União para legislar sobre custas forenses. 215 Supremo Tribunal Federal - STF, enunciado da súmula 667: “Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa”. 216 ELALI, André. Tributação e regulação econômica, p. 109-110. 217 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 176. Nesse sentido, “Sobre o tema, a doutrina não é pacífica, embora em sua maioria, não aponte incompatibilidade entre o caráter contraprestacional da taxa e o emprego das normas tributárias indutoras. Assim, Gosch sugere o emprego de normas tributárias indutoras de caráter ambiental em taxas, cobrando-se, por exemplo, taxo de polícia mais elevada para os aviões que ultrapassem um certo nível de ruído”.

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Por derradeiro, advirta-se que qualquer ato de fiscalização da liberdade, da

propriedade e dos interesses privados (condução de veículos e seus requisitos), caracterizador

do exercício regular do poder de polícia, apenas pode ser remunerado por taxa e nunca por

Preço público218, sob pena de delegação inconstitucional do ius imperii aos particulares, fato

impraticável perante nossa Constituição Tributária em voga.

3.5.3 Contribuição de melhoria enquanto tributo indiretamente vinculado e seu perfil

indutor

Indubitavelmente, a sobredita espécie tributária encontra guarida na CF de

1988, no artigo 145, inciso III. A propósito, em sede de controvérsia afeta ao direito

intertemporal, discute-se se o Decreto-Lei n.º 195/1967, disciplinador da cobrança da referida

exação, foi revogado pelas disposições presentes a partir do artigo 81, do Código Tributário

Nacional - CTN.

No entanto, a discussão é um tanto inócua, de tal sorte que as disposições de

ambos os diplomas legais não se colidem, mas, certamente, complementam-se, como decorre

da leitura atenta dos enunciados normativos.

Para fins de perfil constitucional, repete a CF de 1988 a fórmula consagrada na

legislação infraconstitucional, segundo a qual é devida a contribuição de melhoria (betterment

tax ou special assessment)219, na ocasião de determinada obra pública proporcionar, após a

sua conclusão, melhoria ou mais valia aos imóveis220 que estão em seu entorno, tecnicamente

denominado zona beneficiada, a propósito dos lineamentos do artigo 82, inciso I, alínea d, do

CTN.

Alerta-se a respeito de sua natureza sinalagmática, sendo, portanto, um tributo

bilateral, para efeito de motivação da cobrança. Dessa maneira, a contribuição de melhoria

218 AGUIAR, João Marcelo Novelli. Diferença da natureza jurídica da taxa e do preço público. In Revista Tributária e de Finanças Públicas (coord. Dejalma de Campos), ano 14, n. 68, maio-junho de 2006, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 122 . A respeito do conceito de preço público, tem-se a seguinte lição: “Ou seja, preço consiste na remuneração cobrada pelo Estado (atuando como pessoa jurídica de Direito Privado) pela prestação bem ou serviço de cunho mercantil, ou seja, no exercício de atividade econômica. Sua fixação e cobrança estão sujeitas ao regime jurídico de Direito Privado, naquilo que não se contrapor aos princípios do regime jurídico administrativo”. 219 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 182-183. Ressalte-se que a expressão betterment tax é de origem inglesa e remonta a 1215. Já a expressão special assessment é empregada nos Estados Unidos da América. 220 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico, p. 380. O eminente Professor Titular de Direito Econômico da USP, fazendo uso da terminologia pertinente a law and economics, denomina de externalidade positiva a mais valia ou valorização imobiliária alcançada após a conclusão de obra pública.

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somente é devida após aferição e comprovação de valorização imobiliária dos respectivos

bens de raiz da zona beneficiada.

Em sintética enunciação, trata-se de tributo vinculado, mas cuja referibilidade

é indireta, pois sua cobrança não depende apenas da atuação estatal em relação a

determinados contribuintes/responsáveis tributários, mas também da constatação das

respectivas valorizações imobiliárias221.

Do ponto de vista da indução tributária, é possível outorgar incentivos fiscais

através de isenções em matéria de Betterment Tax222, após a conclusão de obras públicas de

infraestrutura, com o escopo de revitalizar determinada zona urbana, induzindo à renovação

da ocupação do solo urbano, desde que haja previsão em lei específica - artigo 177, caput,

inciso I, do CTN e a obra seja deflagrada pela municipalidade, de sorte a respeitar a sua

competência de ordenação do solo urbano - artigo 4º, inciso IV, especialmente, alíneas b e c,

da Lei n.º 10.257/2001.

Para fins de arremate, apesar de sugestão abalizada no sentido de utilização da

betterment tax como instrumento de ressarcimento em face de externalidades negativas –

poluição, em desabono ao meio ambiente, o enunciado normativo do artigo 145, inciso III,

apenas abre permissivo deonticamente orientado ao ressarcimento de externalidades positivas

- valorização imobiliária223.

3.5.4 Empréstimo compulsório enquanto tributo de destinação específica e seus perfis

arrecadatório e indutor

De irrecusável natureza tributária, o empréstimo compulsório é

competentemente outorgado à União, segundo as cláusulas permissivas do artigo 148, incisos

221 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 147-148. Nesses termos, “O ponto de toque está pois – no que concerne à distinção entre taxa e contribuição – no modo de atuação estatal referir-se ao obrigado. Se a referibilidade for direta: taxa. Se a referibilidade for indireta: contribuição”. 222 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 189, a respeito da possibilidade de introdução de normas tributárias indutoras na contribuição de melhoria. 223 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico, p. 380. Assim, refere-se o eminente doutrinador: “O Brasil possui no seu arsenal tributário uma contribuição especial, chamada contribuição de melhoria. É aplicada muito pouco ou timidamente no caso de obras públicas, cuja conseqüência seja uma valorização muito grande para imóveis vizinhos, como no caso da abertura de uma avenida ou estrada. Já se percebeu que a sua finalidade é capturar externalidades positivas geradas por uma iniciativa custeada por recursos de toda a sociedade. Tal contribuição poderá perfeitamente ser cobrada, à guisa de compensação financeira ou ressarcimento pelos danos ambientais, externalidades negativas causadas pela atividade econômica. A contribuição de melhoria, nesse caso, destinar-se-ia a melhorar o ambiente inquinado”.

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I e II, da CF de 1988, que recepcionaram praticamente todas as hipóteses presentes no artigo

15, a exceção do inciso III, do CTN de 1966224.

A título de considerações preliminares, há dificuldade de aplicar a classificação

quanto à hipótese de incidência, na espécie em comento, uma vez que são tributos que, por

natureza, necessariamente têm seus recursos arrecadados destinados a determinados fins,

enumerados nos incisos I e II, do artigo 148, da CF de 1988.

Deveras, a par da relevantíssima utilidade da classificação quanto à hipótese de

incidência, esta se afigura insuficiente para estremar a espécie tributária em apreço dos

impostos, das taxas, bem como da contribuição de melhoria.

Por outro lado, cabe registrar a puerilidade de suposta classificação baseada

em critério que destoa das próprias disposições constitucionais e infraconstitucionais, ao

enquadrar o empréstimo compulsório - artigo 148, caput, da CF de 1988 e as contribuições

especiais - artigo 149, caput, da CF de 1988, como tributos de “arrecadação vinculada”.

A sobredita “classificação” – se é que assim pode ser chamada – é reproduzida

inconscientemente em ambientes despreocupados com o rigor científico, pelos motivos a

seguir elencados.

Em primeiro plano, para fins de definição da natureza tributária do

empréstimo compulsório, segundo exegese do parágrafo único do artigo 148, da CF de 1988,

encontram-se revogadas tacitamente as disposições do inciso II, do artigo 4º, do CTN de

1966, que excluíam a “destinação legal do produto de sua arrecadação”, como possível

componente constitutivo da natureza jurídica tributária, em razão da Teoria da recepção.

Dessa maneira, a partir da nova Constituição Tributária de 1988, é sim

relevantíssima a destinação do produto arrecadado225 dos empréstimos compulsórios para

classificá-los de maneira rigorosa, uma vez que são instituídos com a exclusiva finalidade de

reforço orçamentário, em casos de despesas extraordinárias - calamidade pública, guerra

externa ou sua iminência e de gastos enquadráveis em investimento público de caráter

urgente e relevante interesse nacional. 224 Art. 15. “Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios: I – guerra externa, ou sua iminência; II – calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis; III – conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo” – Código Tributário Nacional. 225 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 79. Elucidativas as preleções do eminente tributarista no mesmo sentido de que é sim relevante a destinação do produto arrecadado para fins de definição tributária do empréstimo compulsório, em face das sobreditas disposições constitucionais. A propósito, “Ademais, há situações em que a destinação do tributo é prevista pela Constituição como aspecto integrante do regime jurídico da figura tributária, na medida em que se apresenta como condição, requisito, pressuposto ou aspecto do exercício legítimo (isto é, constitucional) da competência tributária”. Ainda, tem-se que “A destinação, em regra, não integra a definição do regime jurídico dos tributos.”.

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Em segundo plano, sendo a atividade financeira do Estado226 toda e qualquer

ação pública voltada à arrecadação, à gestão e à despesa públicas responsáveis, tem-se como

impropriamente empregada no critério de classificação tributária a locução “arrecadação

vinculada”, de tal sorte que todo ato de arrecadação deve ser vinculado, na esfera tributária,

em face da parte final do artigo 3º, do CTN de 1966.

Trata-se, dessa forma, de competência administrativa vinculada impingida aos

servidores da administração pública tributária, consubstanciando-se em redundância da

locução sub examine, sem se olvidar que o exercício irregularmente discricionário pode se

subsumir aos tipos penais dos incisos I e III, do artigo 3º, da Lei n.º 8.137/1990 – Crimes

contra a Ordem Tributária227.

Em singelas palavras, a locução alvejada é imprestável para fins de integrar o

critério científico de classificação, de toda sorte que não é útil, nem mesmo precisa para

estremar um tributo de outro, merecendo ser banida da literatura nacional.

Dessa maneira, tecnicamente o mais apropriado às disposições constitucionais

atuais é eleger o critério classificatório da destinação vinculada ou específica228 em

substituição à locução “arrecadação vinculada”, pelos motivos sobreditos.

Por sua vez, quanto à potencialidade indutora229 do Empréstimo Compulsório,

a cláusula permissiva do inciso II, do artigo 148, da mesma Carta Constitucional pode

estimular, por indução positiva, a iniciativa privada a fazer outros investimentos

complementares, em caso de prévia participação do Poder Público federal na realização de

investimento público de caráter urgente e relevante interesse nacional, a exemplo de arenas

ou alojamentos para eventos desportivos de visibilidade internacional – Olimpíadas ou Copa

do mundo.

226 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro, p. 59. Nesse sentido, o eminente Professor Titular de Direito Financeiro da USP preleciona: “A atividade financeira é, pois, a arrecadação de receitas, sua gestão e a realização de gastos, a fim de atender às necessidades públicas.”. 227 BASTOS, Noel de Oliveira. O pêndulo simbólico-instrumental do direito penal brasileiro: crimes contra a ordem tributária como expressão instrumental da ordem punitiva. In Juris Rationis, ano 5, n.1, out.2011/mar.2012, EdUnp, Natal-RN, p. 14. 228 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, especialmente p. 77-79. 229 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 192. Relata, a propósito, a hipótese indubitavelmente não recepcionada de instituição de empréstimo compulsório para fins de absorção temporária de poder aquisitivo, em face de situação conjuntural, prevista no vetusto artigo 15, inciso III, do CTN. Antes da Constituição de 1988, o empréstimo compulsório dispunha de maior potencialidade indutora, até mesmo pela nítida intervenção no domínio econômico aventada no enunciado normativo revogado.

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3.5.5 Contribuições especiais enquanto tributos de destinações específicas e perfis

indutores

No âmbito da plástica competência federal das contribuições especiais

previstas nas disposições do artigo 149, da CF de 1988, recordem-se as críticas direcionadas

ao enunciado normativo do inciso III, artigo 4º, do CTN de 1966, no sentido de sua revogação

- não recepção-, também diante das contribuições especiais, uma vez que a destinação

específica é requisito relevantíssimo na definição da natureza constitucional dos tributos em

tela230.

Corroborando essa perspectiva, destaque-se a Contribuição para o Custeio do

Serviço de Iluminação Pública - COSIP, que, a par de ter sido uma manobra política evasiva

à declaração de inconstitucionalidade Taxa de Iluminação Pública - TIP, por ausência dos

requisitos de especificidade e divisibilidade do serviço público (artigo 145, inciso II, da

Constituição Federal), tem como destinação específica o custeio de iluminação pública (uti

universi).

No que se refere ao perfil indutor das sobreditas contribuições, é imperioso

destacar as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, enquanto fortes

instrumentos de caráter regulatório.

Por sua vez, apesar da controvérsia que paira a respeito da natureza

tributária231 das exações destinadas ao Fundo de Universalização do Serviço de

230 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 78. Nesse sentido, refere-se às contribuições sociais disciplinadas no artigo 195, da Constituição, in verbis: “Meditemos sobre alguns exemplos. Se a União instituir tributo sobre o faturamento das empresas, sem especificar a destinação exigida pelo art. 195 da Constituição, a exação (ainda que apelidada de contribuição) será inconstitucional, entre outras possíveis razões pela invasão de competência dos Estados ou dos Municípios (conforme se trate de faturamento de mercadoria ou de serviço). Outro exemplo: se a União, sem explicitar na lei (complementar) uma das destinações referidas no art. 148 da Constituição, instituir empréstimo compulsório, este será inconstitucional”. Destaque-se, por outro lado, que as contribuições especiais sociais ostentam natureza fiscal, a par de controvérsias doutrinárias infrutíferas. São inegavelmente exações regidas pelas limitações constitucionais ao poder de tributar, a exemplo da exigência de instituição pela via da legalidade e cumprimento da anterioridade especial da noventena, conforme disposto no artigo 195, §§ 4º e 6º, respectivamente. A propósito das teorias geralmente utilizadas para delimitação da natureza jurídica dessas exações sociais, inclusive fazendo referência à anacrônica e imprecisa alcunha “contribuições parafiscais”, conferir: MUSSI, Cristiane Miziara. A natureza jurídica tributária das contribuições sociais. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, n. 60, ano 13, março-abril, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 193, a saber: “4.5. Teoria fiscal. Sustenta essa teoria que a contribuição social é uma prestação pecuniária compulsória paga ao Estado (lato sensu), com a finalidade de constituição de fundo econômico destinado ao fomento do sistema de seguridade social (assistência, saúde e previdência social). Logo, a aludida contribuição é um tributo.” 231 COIMBRA, Paulo Roberto; OLIVEIRA, Saryta de Kássia. Contribuição ao FUST. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 83, p. 126-140, ago. 2002, a favor da natureza de CIDE da contribuição ao FUST. Ainda a favor da natureza tributária, COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; MOREIRA, André Mendes. Inconstitucionalidades da contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre remessas ao exterior – CIDE Royalties In Revista Dialética de Direito Tributário, n. 89, fevereiro, São Paulo: Dialética, 2003,

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Telecomunicação - FUST – Lei n.º 9.998/2000 e ao Fundo para o Desenvolvimento

Tecnológico das Telecomunicações - FUNTTEL – Lei n.º 10.052/2000, não há como recusar

o notório sucesso das respectivas destinações para a concretização do desenvolvimento

nacional e da livre concorrência, em sede de telecomunicações no Brasil.

Dessa forma, a utilização dos recursos arrecadados pelas sobreditas

contribuições econômicas foi responsável por uma verdadeira revolução tecnológica e

concorrencial no campo da telecomunicação brasileira, ao democratizar e popularizar o uso

da telefonia móvel, a partir da compreensão sistemática dos artigos 3º, inciso II, e 170, inciso

IV, todos da CF de 1988.

Por fim, toda essa revolução tão somente foi implementada em razão da

melhoria da infraestrutura tecnológica, que preparou, por indução positiva, investimentos

privados nas últimas décadas do século XX e nas primeiras deste século.

3.6 REGIME CONSTITUCIONAL DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS ARRECADADORAS:

LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS CLÁSSICAS AO PODER DE TRIBUTAR

Sumário 3.6 Regime constitucional das normas tributárias arrecadadoras: limitações constitucionais clássicas ao poder de tributar 3.6.1 Cláusula da legalidade tributária no regime constitucional arrecadatório 3.6.2 Cláusula da anterioridade: espécies 3.6.3 Cláusula de vedação do efeito confiscatório 3.7 Regime constitucional das normas tributárias indutoras: limitações constitucionais relativizadas ao poder de tributar 3.7.1 Relativização da cláusula da legalidade tributária 3.7.2 Relativização da cláusula da dupla anterioridade: incidências imediatas 3.7.3 Relativização da cláusula da vedação do efeito confiscatório.

p. 72. In verbis: “As contribuições de intervenção no domínio econômico somente podem ser instituídas pela União se esta efetivamente intervir na ordem econômica, fiscalizando ou fomentando atividades referidas no capítulo da Constituição Federal que trata da ordem econômica e financeira. Salta à vista, contudo, que as políticas de intervenção estão prestes a desaparecer em face de um mundo que prega a diminuição do tamanho do Estado, as privatizações e a desregulamentação estatal da iniciativa privada. As políticas ideais são as de concessões de benefícios fiscais, e não de atuação direta do Estado na economia Contudo, em que pesem as críticas que a espécie tributária in examen tem sofrido, a CIDE tem-se tornado figura cada vez mais freqüente. A União Federal, ao que parece, redescobriu esse filão tributário, e tem criado contribuições para os mais diversos fins, como Fust e Funttel (Telecomunicações). CIDE sobre combustíveis (Lei nº 10.336/01), CIDE sobre cinema (Condecine), CIDE sobre Royalties, sem mencionar os diversos projetos de lei cm tramitação no Congresso Nacional, que prevêem a instituição de contribuições destinadas a criar fundos para o financiamento de ações de tratamento aos doentes vítimas de alcoolismo, para o financiamento de ações de tratamento de doentes vítimas do fumo, cigarro e tabaco, de apoio à agroindústria e à fruticultura, dentre outros. Enfim, as hipóteses são inesgotáveis, e as possibilidades de arrecadação idem. razão pela qual o tema deve ser tratado com a devida cautela”. Contra a natureza tributária da CIDE, conferir: TORRES, Ricardo Lobo. A política industrial da Era Vargas e a constituição de 1988, In: Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas, p. 261. Para o eminente professor Ricardo Lobo Torres, “É indisfarçável que as contribuições econômicas só a martelo têm natureza jurídica tributária”.

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3.6.1 Cláusula da legalidade tributária no regime constitucional arrecadatório

Do étimo, o vocábulo fiscal encontra suas raízes na expressão latina fiscus

enquanto cesto no qual se guarda dinheiro ou como caixa do Estado232.

Nesse sentido, entende-se por fiscalidade233 toda e qualquer finalidade

arrecadatória234 voltada a angariar recursos econômicos para os cofres públicos, no intuito de

financiamento geral das tarefas do Estado fiscal brasileiro.

A propósito, remonta às disposições da Magna Carta de 1215235 que a

fiscalidade não pode ser exercida de maneira atabalhoada, sob pena de caracterização de

arbitrária intervenção do Estado na propriedade dos súditos.

Não é por outra razão que a máxima anglo-saxônica no taxation without

representation (não pode haver tributação sem representação) encontrou assento nobre entre

os direitos fundamentais dos contribuintes e responsáveis tributários, sob o novel rótulo da

legalidade tributária, ao destacar a representação parlamentar como condição sine qua non

de legítima imposição tributária por autoconsentimento236.

Destacada a condição orgânica ou formal237 da imposição tributária inerente à

legalidade tributária, igualmente, há de se ressaltar a condição material238 pertinente à função

232 SILVA, Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 622-624. 233 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código tributário nacional, p. 6. MELO, José Eduardo Soares de. IPI: teoria e prática, p. 215. 234 TIPKE, Klaus. Sobre a unidade da ordem jurídica tributária. In SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio. Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 68. Desposando da premissa teleológica, o eminente Professor da Universidade de Colônia ensina que “Por todo o mundo existem, além de tributos com finalidades fiscais (cujo objetivo primordial é cobrir as necessidades financeiras do Estado e dos municípios), os extrafiscais (cuja finalidade primeira é de política econômica ou social, principalmente diretiva, em sentido largo). Um parâmetro justo para tais impostos extrafiscais não é o princípio da capacidade contributiva”. 235 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código tributário nacional, p. 8. Também referência ao princípio no taxation without representation, cuja representação que permitia a tributação cabia ao vetusto “conselho do reino”, embrião do órgão parlamentar. 236 MÉLO, Luciana Grassano de Gouvêa. Estado social e tributação: uma abordagem sobre o dever de informar e a responsabilidade por infração. Recife: Editora Universitária, 2008, p. 91. A propósito da essência da legalidade tributária moderna, como autoconsentimento da tributação, conferir excelente lição de Luciana Mélo, a saber: “A Constituição Federal brasileira não se restringe a estatuir o princípio da legalidade em sua concepção de autoimposição, autotributação ou autoconsentimento dos impostos, no sentido de que os mesmos devem ser aprovados pelos órgãos legislativos competentes”. 237 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, p. 25-26. Destacando o critério formal, tem-se a lição do eminente mestre potiguar: “10. No sentido formal ou orgânico, a lei é o ato do órgão investido, constitucionalmente, na função legislativa. Todo ato emanado das entidades às quais a Constituição atribua função legislativa, se praticado no uso da competência constitucionalmente outorgada, é lei do ponto de vista formal. Tem a forma de lei. Poderá acontecer que, ao mesmo tempo, apresente a substância do ato legislativo, como se contiver uma regra geral e impessoal de conduta, imperativamente imposta para o ordenamento da vida coletiva. Neste caso será também lei no sentido material”. 238 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, p. 22. Por sua vez, destacando o critério material, in verbis: “9. Lei, no sentido material, é o ato jurídico emanado do Estado com o

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legislativa na máxima germânica não haverá intervenção na liberdade e na propriedade sem

lei, decorrente das formulações dos constitucionalistas tedescos do século XIX239.

Dessa forma, deve-se acrescentar à condição formal outra condição de

natureza material para fins de determinar as fronteiras da incidência tributária, uma vez que

ela cumpre estabelecer todos os critérios da hipótese tributária (Ht) e do seu consequente

(Cst), como oportunamente será abordado no Capítulo 4.

Portanto, em singelas palavras: tão somente é possível tributar a riqueza dos

contribuintes ou responsáveis mediante prévia autorização de lei em sentido estrito - artigo

97, do CTN, ou seja, ato emanado no exercício da função legislativa e dotado de generalidade

e abstração e poder de inovação no ordenamento jurídico, com exceção da autocrática

permissão prevista no artigo 62, § 2º, da CF de 1988.

Por sua vez, não basta o respeito à legalidade estrita para fins de regrada

investida contra o patrimônio dos contribuintes/responsáveis, é necessário bem mais, ou seja,

como o respeito à igualdade tributária - artigo 150, inciso II240, à irretroatividade da lei

tributária gravosa - artigo 150, inciso III, alínea a, às anterioridades do exercício financeiro e

da noventena da lei tributária gravosa - artigo 150, inciso III, alíneas b e c, e à vedação do

efeito confiscatório dos tributos - artigo 150, inciso IV, todos da CF de 1988.

As sobreditas cláusulas são requisitos condicionantes de toda incidência

tributária brasileira, enquanto expressão do regime constitucional arrecadador no qual

exsurge a finalidade predominantemente arrecadatória241.

caráter de norma geral, abstrata e obrigatória, tendo como finalidade o ordenamento da vida coletiva. Estes caracteres, e o de modificação na ordem jurídica preexistente, que decorre da sua qualidade de ato jurídico, se somam para caracterizar a lei entre os demais atos do Estado”. 239 No âmbito da crítica à teoria do direito, destacando o procedimentalismo e a representação imanentes ao conceito juspositivista de lei, enquanto critérios materiais de correção e de legitimação do direito posto, conferir MAUS, Ingeborg. O judiciário como superego da sociedade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 43, no capítulo “Vinculação legal do Judiciário e a estrutura das normas jurídicas nazistas”. Por sua vez, em sentido dogmático, conferir DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 58. 240 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A incidência do imposto sobre produtos industrializados na importação de veículos automotores destinados a consumidor final. In Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 195, out/2011. São Paulo: Dialética, p. 90. Enquanto exemplo de implementação da isonomia tributária, no campo da incidência tributária sobre bens importados, deve-se destacar importante lição, a saber: “[...], a não incidência dos tributos internos sobre bens importados é a garantia do princípio da igualdade em todos os seus significados relevantes para a produção e o consumo nacionais. Dessa forma, a não incidência de um dos tributos internos em importações, especialmente no caso dos autos, implica violação da lei que prevê a incidência do tributo e, sobremais, violação do princípio constitucional da igualdade”. 241 ZANELLO, Cristina. Normas arrecadadoras tributárias como instrumento de intervenção do estado no domínio econômico. In Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 80 | p. 78 | Mai /' 2008 | DTR\2008\331. Ressaltando igualmente o caráter interventivo das normas tributárias com finalidade predominantemente arrecadadora, conferir o seguinte posicionamento: “De conseguinte, o Estado não poderá arrecadar a qualquer custo, de forma a criar obstáculos ao exercício da atividade econômica a ponto de desestimular, por exemplo, o investimento no setor produtivo e, conseqüentemente, na geração de empregos. No aspecto tributário, tem sido defendido o caráter interventor do Estado através de normas tributárias indutoras (incentivos fiscais etc). No

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Como bem preleciona Roque Antonio Carrazza, consubstanciam-se em largo

catálogo de direitos fundamentais242 dos contribuintes e responsáveis, na seara da tributação.

Para fins deste ensaio, portanto, examinaremos tão somente as cláusulas da

anterioridade tributária e da vedação ao efeito confiscatório dos tributos, encartadas no

Sistema Tributário Nacional, enquanto expressão da Constituição Tributária.

3.6.2 Cláusula da anterioridade: espécies

Indiscutível a natureza de direito de resistência das espécies de anterioridades

tributárias - do exercício e da noventena, em face da ampla e pacífica consolidação da

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF243, no sentido de que se trata de exemplar

direito fundamental topograficamente encravado no Sistema Tributário Nacional.

A rigor, a essência da anterioridade é encontrada na não surpresa244 dos

contribuintes/responsáveis, de tal sorte que é excessivamente perniciosa àqueles a criação ou

majoração de tributos de maneira traiçoeira e obscura, sem proporcionar-lhes lapso temporal

consideravelmente amplo para replanejamento fiscal.

Esse lapso temporal que proporciona tempo suficiente para o replanejamento

fiscal dos agentes econômicos coincide com a duração do exercício financeiro, pela CF de

1988.

Por interpretação gramatical, entende-se por exercício financeiro o intervalo de

tempo correspondente ao ano civil, segundo enunciado normativo do artigo 34, da Lei n.º

4.320/1964245.

entanto, apresentam-se argumentos, através do presente trabalho, no sentido de que as normas tributárias arrecadadoras são, também, instrumentos de intervenção do Estado sobre o domínio econômico, pela observação do sistema econômico e da interpretação sistemática do ordenamento jurídico vigente”. 242 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 26. A propósito, a locução largo catálogo pertence ao eminente tributarista, como se depreende de suas lições: “Os tributos, porém, longe de poderem ser exigidos atabalhoadamente, precisam respeitar largo catálogo de direitos fundamentais dos contribuintes (estrita legalidade, anterioridade, igualdade, razoabilidade. proporcionalidade etc.), que, por assim dizer, faz o contraponto ao inegável dever, que a ordem jurídica lhes impõe, de suportá-los”. 243 Conferir paradigma do STF, a respeito da natureza jurídica das limitações ADI 939-7/ DF, STF. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266590>. Acesso em: 04 jul. 2011. 244 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 120. Confrontar nota de rodapé n. 14, a respeito do princípio da não surpresa. Nesse mesmo sentido: BOTTALLO, Eduardo. Princípio da anterioridade – uma proposta para sua interpretação. In Revista Dialética de Direito Tributário, n. 83, agosto, São Paulo: Dialética, 2002, p. 29. 245 MACHADO JR., J. Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 comentada. 31ª ed. Rio de Janeiro: IBAM, 2002/2003, p. 91. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 121.

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Porém, o legislador brasileiro, muitas vezes desatento às próprias produções,

ignorou a definição legal de ano civil, presente na Lei n.º 810/1949, a qual proclama ser o ano

civil lapso de tempo correspondente a doze meses, “contado do dia do início ao dia e mês

correspondentes do ano seguinte” - artigo 1º.

Dessa maneira, em interpretação sistemática, levando em conta todo dia 1º de

janeiro de determinado ano como início, o ano civil terá seu fim em todo 1º de janeiro do ano

subsequente.

Assim, a rigor, o exercício financeiro deveria ser correspondente ao ano-

calendário, e não ao ano civil, como erroneamente foi positivado no sobredito artigo 34, da

Lei n.º 4.320/1964. Nesse sentido, é da praxe fiscal associar o ano civil ao lapso

correspondente ao ano-calendário, isto é, lapso temporal com início em 1º de janeiro e com

término em 31 de dezembro, ambos os termos pertinentes ao mesmo ano246.

Dessa maneira, a partir do aspecto formal, o que interessa no estudo do

exercício financeiro são os seus limites, ou seja: 1º de janeiro e 31 de dezembro, ambos no

mesmo ano.

Em síntese, independentemente do número de dias contados (metros

percorridos) do dia da publicação da lei tributária gravosa até o limite de 31 de dezembro,

tem-se como formalmente cumprida a cláusula da anterioridade do exercício, mesmo se a lei

for publicada em 31 de dezembro de 2011 para vigorar imediatamente em 1º de janeiro de

2012, como hodiernamente ainda pode ocorrer em eventual criação/majoração de Imposto

sobre a Renda, por exceção, conforme enunciado prescritivo do artigo 150, §1º, da CF de

1988.

Antes da Emenda Constitucional – EC n.º 42/2003, a referida prática tornou-se

regra geral, a ponto de a cláusula da noventena das contribuições especiais sociais (que

concede apenas 90 dias da publicação da lei tributária) outorgar maior proteção aos

contribuintes/responsáveis dessas exações, em comparação com a proteção teoricamente mais

ampla da anterioridade do exercício financeiro, em virtude do enunciado normativo do artigo

195, §6º, da CF de 1988.

Esse fato decorria da sutil diferenciação entre as formalidades do cômputo nas

espécies de anterioridades do exercício financeiro e da noventena, a saber: na primeira, como

246

Superada a conceituação técnica de exercício financeiro, é imperioso compreendê-lo metaforicamente como um terreno demarcado e os dias como metros. Com as cautelas que as comparações impõem, considere-se que independentemente dos metros percorridos, todo e qualquer transeunte que cruze algum dos limites demarcados estará em outro terreno, isto é, em outro exercício financeiro.

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dito, o que mais interessa são seus limites temporais, suas demarcações - 1º de janeiro e 31 de

dezembro do mesmo ano; por outro lado, na segunda, o que interessa é o número mínimo de

dias (ao menos noventa dias) considerados aptos a resguardar os contribuintes/responsáveis

de surpresas quanto à exigência de contribuições especiais sociais - artigo 195, § 6º, da CF de

1988.

A propósito, demonstrou real interesse em oferecer maior segurança jurídica

aos contribuintes e aos responsáveis tributários, a interpretação proposta por Eduardo

Domingos Bottallo, publicada antes da EC n.º 42/2003.

Oportunamente, sustentou que a exceção da noventena não poderia ser mais

abrangente em sua proteção e eficácia, quando comparada com a regra da anterioridade do

exercício financeiro.

Àquela época, fundamentou o eminente tributarista que a interpretação

sistemática do enunciado normativo do artigo 150, III, alínea b, da CF de 1988, seria a de

conceder um dia a mais à noventena, permitindo-se apenas a publicação da lei instituidora ou

majoradora, até dia 02 de outubro do exercício anterior, consubstanciando numa proteção de

91 (noventa e um dias)247.

Apesar desse brilhante esforço hermenêutico de bloqueio da arbitrariedade

estatal, a EC n.º 42/2003 pôs termo à referenciada prática esvaziadora e meramente

formalista, uma vez que, ao conjugar as duas espécies de anterioridades – do exercício

financeiro e da noventena, tornou-se a sobredita cláusula um duplo escudo de proteção do

contribuinte e responsáveis tributários contra as investidas do poder de tributar, ressalvadas

algumas hipóteses decorrentes do regime tributário regulatório ou indutor- artigo 150, inciso

III, alíneas b e c, da CF de 1988.

247 BOTTALLO, Eduardo. Princípio da anterioridade – uma proposta para sua interpretação. In Revista Dialética de Direito Tributário, n. 83, agosto, São Paulo: Dialética, 2002, p. 30. Nesse sentido: “Pois bem. Se a Lei Maior, cuidando de disciplinar um caso de abrandamento ou limitação (conquanto parcial) do princípio da anterioridade, fixou o período mínimo de noventa dias para a exigência de contribuição social nova ou majorada, então, parece lógico e conseqüente sustentar que a correta intelecção da regra do art.150, III, b, exige que a lei nova, instituindo ou aumentando tributo, obedeça a antecedência de pelo menos um dia maior, em relação ao exercício financeiro em que a exação criada ou majorada possa ser exigida. Na verdade, esta interpretação bem se presta a combater o crescente e acelerado esvaziamento que o princípio da anterioridade vem sofrendo e que, se não for vigorosamente contido, acabará por decretar, na prática, o seu desaparecimento do rol das garantias constitucionais do contribuinte. (grifo nosso).” Interessante destacar o dies a quo da contagem, segundo o autor, que não seria o atual, a partir do dia 3 de outubro (90 dias), mas sim dia 2 de outubro do exercício anterior (91 dias), conforme a nota de rodapé n. 8, p. 30, a saber: “Assim esta lei haveria de ser publicada, no máximo, até o dia 2 de outubro do exercício anterior”. (Grifo nosso).

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3.6.3 Cláusula de vedação do efeito confiscatório

Entende-se por efeito confiscatório toda e qualquer incidência tributária que

aniquila o patrimônio ou inviabiliza o exercício de atividade econômica dos

contribuintes/responsáveis, enquanto sujeitos formalmente titulares das liberdades de

iniciativa e de concorrência no Domínio Econômico248.

Por ser um conceito jurídico indeterminado249, assim como notável saber, há

especial dificuldade de encontrar critérios objetivos para delimitar o que é ou o que não é de

efeito confiscatório, por inexistir expressão numérica que o traduza250.

No entanto, existe na legislação tributária alíquota indiscutivelmente

confiscatória, cujo percentual atinge 300% (trezentos por cento)251, a exemplo da incidente

sobre alguns produtos fumígenos que escapam à vedação constitucional em apreço,

desestimulando a produção e o consumo dos sobreditos produtos, por indução negativa, em

prol da saúde pública.

Ademais, no Brasil, sob a ótica dos sistemas luhmannianos, a referida cláusula

mais aparenta ser um exemplar de legislação simbólica252, apenas constitucionalizada para

dar satisfação social aos agentes econômicos que se replanejam anualmente para suportar

uma carga tributária cada vez mais escorchante.

248 SILVA, Luís Carlos Gomes da. Uma teoria do confisco: reflexão sobre a adin 2.010-2/DF. In Revista Tributária e de Finanças Públicas (coord. Dejalma de Campos), ano14, n. 70, setembro-outubro de 2006, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 99. Há quem não vislumbre subjetividade na matéria de vedação do efeito confiscatório. Nesse outro sentido, “O confisco não é matéria de conclusão subjetiva. Se está diante do confisco, em todas as ocasiões em que o poder do Estado se sobrestar aos interesses constitucionalmente garantidos aos cidadãos. Este paradigma pressupõe como alegado no voto da ADIn 2.010-2/DF, aferir se a cobrança de uma exação tributária, não afeta somente aos tributos, mas todas as suas conseqüências, juros e multas, permanecesse assegurado como pressuposto a sua capacidade contributiva e também o patrimônio, restando limitada ação estatal a um termo de ponderável razoabilidade, sem o que se está subtraindo a coisa alheia indebitamente.” 249 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 827-828, a respeito da relação entre a estrutura lógico-normativa da discricionariedade e os conceitos jurídicos indeterminados, a exemplo de pessoas “pobres”, “calvas” ou de “notório saber”, em razão da imprecisão e vagueza das expressões e contra a locução “conceito jurídico indeterminado”, de sorte que seria falaciosa contraditio in terminis. Para Eros Roberto Grau, todo conceito pressupõe determinação; GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, p. 196-197, especialmente. 250 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 827-828, no que atina à exigência de expressão numérica para expurgar a vagueza dos conceitos indeterminados. 251

Conferir código 2402.20.00 na Tabela de Incidência sobre Produtos Industrializados – TIPI versão 2012 – Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/decretos/2011/dec7660.htm#Anexo Único <Acesso em 26.05.2012, 18:16> 252 NEVES, Marcelo. Constitucionalização simbólica, especialmente, p. 36-38. No mesmo sentido, a respeito da perniciosidade das legislações simbólicas: BASTOS, Noel de Oliveira. O pêndulo simbólico-instrumental do direito penal brasileiro: crimes contra a ordem tributária como expressão instrumental da ordem punitiva. In Juris Rationis, ano 5, n.1, out.2011/mar.2012, EdUnp, Natal-RN, et passim.

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3.7 REGIME CONSTITUCIONAL DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS INDUTORAS:

LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS RELATIVIZADAS AO PODER DE TRIBUTAR

A par do sucintamente enumerado catálogo de direitos fundamentais,

destaque-se que toda exposição até agora se ateve aos direitos de resistência referentes às

imposições tributárias com finalidade predominantemente arrecadatória.

Em razão disso, o regime jurídico tributário arrecadatório proporciona maior

resistência às investidas do poder de tributar contra o patrimônio e liberdade dos

contribuintes e responsáveis tributários, uma vez que se apresenta como verdadeiro bloco de

condicionamento da tributação, constitucionalmente determinado pela CF de 1988.

Por sua vez, a “extrafiscalidade”, ou melhor, a finalidade predominantemente

indutora desponta como faceta inerente a toda e qualquer tributação, de sorte que, no Brasil,

antes da obra Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, de autoria de Luís

Eduardo Schoueri, a indução tributária era estudada de maneira superficial e pouco científica,

como elucidado no Capítulo 2.

Dessa maneira, todo e quaisquer tributos pode promover estímulos ou

desestímulos tanto no Domínio Econômico, como instrumentos regulatórios com distintos

graus de vocação para indução tributária253, a título de intervenção indireta do Estado

brasileiro.

Evidentemente, a competência regulatória por indução tributária seria

dificilmente exercitada, caso houvesse a aplicação in totum dos sobreditos direitos

fundamentais imanentes à resistência dos contribuintes/responsáveis nas paragens do regime

constitucional arrecadatório, ou seja, predominantemente de fins arrecadatórios.

Dessa maneira, os constituintes estruturam um regime jurídico relativizado que

viabiliza a canalização dos fluxos indutores oriundos do Estado brasileiro no Domínio

253 ZANELLO, Cristina. Normas arrecadadoras tributárias como instrumento de intervenção do estado no domínio econômico In Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 80 | p. 78 | Mai / 2008 | DTR\2008\331. A propósito, nesse sentido: “Especificamente, as normas tributárias indutoras podem implicar maior tributação ou isenção de determinados tributos com o intuito de reprimir ou incentivar determinado fato que reflita na economia. Valendo-se as normas indutoras do veículo tributário, interesse do presente estudo, não há como admitir a flexibilidade característica do direito econômico, devendo sujeitar-se ao princípio da legalidade tributária, ainda que elas impliquem isenção, inclusive porque nem sempre é possível distinguir as normas tributárias arrecadadoras das indutoras. Mas existem normas tributárias indutoras decorrentes de cláusulas gerais e conceitos indeterminados como, por exemplo, as normas que tratam dos incentivos fiscais na área da Amazônia entre outras, concedendo a redução do imposto de renda às pessoas jurídicas que tenham projeto aprovado para instalação, ampliação enquadrada em setores da economia considerados em ato do Poder Executivo, prioritários pelo desenvolvimento regional (Schoueri, 2005, p. 252)”.

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Econômico e na Ordem Social como nítida adequação às normas tributárias indutoras, como

se destacará a seguir.

3.7.1 Relativização da cláusula da legalidade tributária

Enquanto expressão maior do regime constitucional das normas tributárias

indutoras, a reserva de lei formal é relativa254 representa a instrumentalização da técnica de

alterabilidade de alíquotas255 conforme a finalidade regulatória ou indutora256, em matéria

tributária.

Alvejando determinados escopos, o constituinte outorgou ao legislador

infraconstitucional a autorização (modal deôntico permitido) de promulgar veículos ou

instrumentos introdutores de normas primários que atendessem às necessidades regulatórias

decorrentes das naturais oscilações do Domínio Econômico, a exemplo das searas

alfandegária, da produção industrial e do mercado financeiro257.

254 MÉLO, Luciana Grassano de Gouvêa. Estado social e tributação: uma abordagem sobre o dever de informar e a responsabilidade por infração. Recife: Editora Universitária, 2008, p. 92. Nesse sentido, sobre a reserva legal formal relativa, tem-se que “No caso do sistema constitucional brasileiro, a reserva de lei formal é apenas relativa, na medida que é aceitável a criação ou majoração de tributos (para os quais a Constituição Federal não exija lei complementar) por meio de medida provisória (art. 62, §1° , II c/c §2°), além de que, quanto aos impostos da União, previstos no art. 153, I, II, IV e V, é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as suas alíquotas, e quanto às contribuições de intervenção no domínio econômico, a sua alíquota pode ser reduzida e restabelecida, também, por ato do Poder Executivo (art. 177, § 4º, b).”. 255 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 308-309. A propósito sobre a técnica utilizada pelo legislador constitucional, “Alterar, como é cediço, pressupõe algo preexistente. Só se altera o que já está posto. No caso, só se alteram as alíquotas dentro dos limites e condições que a lei previamente traçou. Se a lei não estabelecer limites mínimo e máximo para as alíquotas, o Executivo nada poderá fazer, neste particular. A Constituição concede ao legislador a prerrogativa de apontar as alíquotas mínima e máxima de certos impostos, consentindo, assim, que o Executivo atue. Donde tudo nos leva a concluir que: a) os impostos alfandegários, o IPI e o IOF devem ser criados ou aumentados por meio de lei; b) tal lei, no que se refere aos impostos alfandegários e ao IOF, poderá conceder ao Poder Executivo a faculdade de alterar-lhes as alíquotas, dentro dos parâmetros mínimos e máximos que fixar; c) esta lei poderá, ainda, fixar – sempre para os impostos alfandegários e o IOF – uma única alíquota, e, neste caso, cairá por terra o permissivo constitucional, isto é, nada será facultado ao Poder Executivo quanto à majoração ou mitigação destes impostos.” 256 ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 31. Deveras elucidativa é a abordagem de Humberto Ávila quanto às correlações finalidade predominantemente arrecadatória x capacidade contributiva e finalidade regulatória ou indutora x proporcionalidade. A propósito, “Nesse espaço a tributação obedece a limites decorrentes do princípio igualdade segundo a capacidade contributiva, caso tenha por finalidade prevalente a obtenção de receita dos particulares, ou decorrentes do postulado da proporcionalidade, na hipótese de finalidade preponderantemente extrafiscal”. 257 ZANELLO, Cristina. Normas arrecadadoras tributárias como instrumento de intervenção do estado no domínio econômico In Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 80 | p. 78 | Mai / 2008 | DTR\2008\331. A propósito, a sobredita autora destaca a necessidade de adequação da legalidade tributária às intervenções nos domínios econômicos elencados, a saber: “A importância das cláusulas gerais e conceitos indeterminados está na adequação do veículo tributário, sujeito ao princípio da legalidade, à flexibilidade do cenário econômico. Na busca do equilíbrio entre segurança jurídica e os princípios da ordem econômica que demandam dinamismo, é que se encontra a aplicação para as cláusulas gerais e para os conceitos indeterminados, enquanto instrumentos de adaptação da própria lei. No entanto, há casos expressos na Constituição Federal (LGL 1988\3) de mitigação

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Nesse diapasão, ciente dos permissivos constitucionais, as leis ordinárias

podem viabilizar as alterações das alíquotas (al), entre um intervalo percentual mínimo e

máximo, pertinente ao critério quantitativo de algumas espécies tributárias mais vocacionadas

à indução tributária.

Em suma, no âmbito competencial da União, apenas os impostos relacionados

no §1º, do artigo 153 e a CIDE-combustíveis, com fulcro no §4º, I, alínea b, do artigo 177 da

CF de 1988258 podem se sujeitar às alterações das alíquotas, respeitados os limites mínimo e

máximo predeterminados em leis ordinárias, que integram a eficácia limitada259 dessas

disposições, enquanto espécies tributárias finalisticamente voltadas à regulação tributária,

como oportunamente será abordado no Capítulo 4, sobre a interpretação das sobreditas

cláusulas.

3.7.2 Relativização da cláusula da anterioridade: incidências imediatas

Igualmente relevante para a viabilização das intervenções indiretas do Estado

brasileiro no Domínio Econômico são as regras constitucionais que eximem determinadas

espécies tributárias, em abono a explícitas finalidades constitucionais, da dupla proteção da

anterioridade tributária, inscrita no artigo 150, III, alíneas b e c, da CF de 1988.

De fato, de nada adiantaria para a implementação das finalidades regulatórias

de determinados Domínios Econômicos a possibilidade de alterar as alíquotas (al), mediante

atos administrativos, se os mesmos tributos se sujeitassem ao primado da não surpresa da

tributação.

do princípio da legalidade, admitindo que, nos limites da lei, as alíquotas de certos tributos podem ser fixadas pelo Poder Executivo no âmbito de sua competência regulatória, os quais são veículos para as normas tributárias indutoras, como a regulação do comércio exterior, do consumo, dos produtos industrializados, dentre outros”. 258 DOMINGUES, José Marcos. Contribuições sociais – desvinculações prescritas por emendas constitucionais. In Revista Dialética de Direito Tributário, n. º 193, nov./2011. São Paulo: Dialética, p.77. Relevante crítica à relativização da reserva legal formal é feita pelo sobredito financista, a saber: “Importa aqui anotar uma temática preocupante nessa emenda, que foi. a meu ver, um grande desvio de finalidade material, com quebra das cláusulas pétreas da separação de poderes e da irredutibilidade dos direitos e garantias individuais (art. 6º , III e IV). Refiro-me à delegação de competência ao Poder Executivo para reduzir e restabelecer alíquotas de Cide-combustíveis art. 177, parágrafo 4º, I, b) e do ICMS (art. 155, parágrafo 4º, IV, c), sem observância da anterioridade, numa verdadeira desconstitucionalização da legalidade tributária (ou uma deslegalicização do tributo) [...].”. 259 Nesse mesmo sentido, sobre a natureza de normas constitucionais de eficácia limitada: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 10ª ed. Rio de Janeiro: 2009, p. 187, in verbis: “O dispositivo constitucional, está à vista, é de eficácia limitada (not self-executing), em que pesem doutas opiniões discrepantes, ao argumento de que, em relação aos impostos alfandegários e ao IFI, existem leis autorizativas aproveitáveis, o mesmo ocorrendo com o IOF.”.

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A propósito, cumpre ressaltar que essa dupla proteção apenas se aplica à

instituição ou à majoração da carga tributária. Por outro lado, não há de se falar em

anterioridades e suas espécies, em caso de redução de alíquotas ou bases de cálculos,

porquanto se trata de medida que desonera o contribuinte e responsável tributário.

Em arremate, no âmbito do regime constitucional indutor, existe regra

específica que eximem as espécies tributárias dessa cláusula, admitindo-se a incidência

imediata, a exemplo dos impostos alfandegários, sobre operações financeiras que dispensam

qualquer lapso temporal para instituição ou majoração das alíquotas e das bases de cálculo,

conforme §1º, do artigo 150, da CF de 1988.

3.7.3 Relativização da cláusula da vedação do efeito confiscatório

Como nebuloso tema no âmbito do regime constitucional das normas

tributárias indutoras, destaca-se a vedação do efeito confiscatório dos tributos enquanto

intrincado problema diante dos limites da finalidade regulatória ou indutora, especialmente,

diante de alíquotas estratosféricas, incidentes sobre os produtos fumígenos e sobre as bebidas

alcoólicas, classificados através de códigos na Tabela de Incidência de Produtos

Industrializados – TIPI260, mediante atos administrativos do mesmo escalão infralegal.

Não apenas na doutrina261 como na jurisprudência do STF262, os limites da

carga tributária, mesmo diante de finalidade regulatória, esbarra na proibição do excesso,

260 ELALI, André. IPI: aspectos práticos e teóricos. Curitiba: Juruá, 2004, p. 76. A propósito, da classificação dos produtos industrializados na TIPI, conferir a lição do tributarista potiguar, a saber: “ No caso do IPI, as alíquotas estão dispostas na TIPI - Tabela de Incidência do IPI, atualmente de acordo com o Decreto 4.544, de 26.12.2002, classificando -se as mercadorias por diferentes seções, capítulos e subdivisões”. 261 TÔRRES, Heleno Taveira. Segurança jurídica do sistema constitucional tributário. Tese apresentada ao concurso público de títulos e provas para provimento do cargo de Professor Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2009, pp. 1046-1047. Nesse sentido, “A vedação do confisco como corolário da proibição de excesso é hoje um princípio consagrado em muitos ordenamentos. A doutrina mais qualificada tem insistido na importância. A doutrina mais qualificada tem insistido na importância de uma delimitação dos seus efeitos, mas reconhecidamente ainda falta uma clara determinação dos seus contornos”. 262 Conferir na jurisprudência do STF, ADC 8-MC, sobre a aferição da carga tributária confiscatória, a saber: “Tratando-se de matéria sujeita a estrita previsão constitucional – CF, art. 153, § 2º, I; art. 153, § 4º; art. 156, § 1º; art. 182, § 4º, II; art. 195, § 9º (contribuição social devida pelo empregador) – inexiste espaço de liberdade decisória para o Congresso Nacional, em tema de progressividade tributária, instituir alíquotas progressivas em situações não autorizadas pelo texto da Constituição. Inaplicabilidade, aos servidores estatais, da norma inscrita no art. 195, § 9º, da Constituição. (...) A tributação confiscatória é vedada pela CF. – A jurisprudência do STF entende cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de a Corte examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não confiscatoriedade, consagrado no art. 150, IV, da Constituição. Precedente: ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello. – A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga

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diante do direito fundamental de propriedade, encartado no artigo 5º, inciso XII, da CF de

1988.

Nesse contexto, o decreto n. º 6.809 (DOU 31.03.2009) foi responsável por

algumas das seguintes medidas de política econômica, a saber: veículos automotores (redução

de alíquotas), eletrodomésticos ou linha branca (redução de alíquotas) e cigarros ou

fumígenos (aumento de alíquota), esta última com nítida carga confiscatória, tolerantemente

admitida por parte da doutrina nacional.

Por outro lado, admoesta Ricardo Lobo Torres263 que nenhuma medida

“extrafiscal”, isto é, com finalidade regulatória ou indutora justifica a utilização do efeito

confiscatório, como mecanismo de desestímulo de determinados setores, do contrário,

admitir-se-ia a proibição indireta da conduta pela via da tributação.

Enfim, o mecanismo de aferição de eventual efeito confiscatório terá como

ponto de partida o exame da proporcionalidade264 do aumento da carga tributária, mesmo em

sede de regime constitucional regulatório ou indutor, porquanto as técnicas de intervenção

indiretas não podem suprimir ou proibir indiretamente o sobredito direito fundamental de

propriedade.

tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público (...).’ (ADC 8-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-10-1999, Plenário, DJ de 4-4-2003.)” Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp Acesso 10-05-2012, 23:29. 263 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: os direitos humanos e a tributação, 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 164, V. III. Com base na doutrina germânica, alerta Ricardo Lobo Torres que a “[...] extrafiscalidade não justifica o tributo confiscatório.” (grifo nosso). 264 ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 25. Nesse contexto, são elucidativas as preleções do ilustre tributarista, a saber: “Quando os impostos tiverem uma finalidade extrafiscal (fim externo), o parâmetro-medida da desigualdade será a proporcionalidade [...]”.

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Capítulo 4 - DESVIOS DE FINALIDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL

TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

4.1 PROPOSIÇÕES CONTEXTUAIS DOS DESVIOS DE FINALIDADE E SEUS

VEÍCULOS INTRODUTORES DE NORMAS

Em virtude das considerações presentes nos Capítulos anteriores, torna-se

imperioso enfrentar as duas modalidades de desvios de finalidade mais recorrentes no Direito

Constitucional Tributário brasileiro, através das lentes metodológicas do estruturalismo e

teleologismo.

Para tanto, é imperioso investigar os veículos ou instrumentos introdutores de

normas265, com arrimo no Sistema Tributário Nacional inaugurado pela CF de 1988266, de

modo a elucidar os contornos da problemática em pauta.

De antemão, é lícito asseverar que a expressão desvio de finalidade não é

unívoca, apresentando, ao menos, duas acepções267, no âmbito dos debates tributários, a

depender do veículo introdutor de norma examinado.

Destacam-se, por conseguinte, duas grandes espécies de desvios de finalidade

no Direito Constitucional Tributário, a seguir contextualizadas.

A primeira espécie é perpetrada mediante atos administrativos, enquanto

veículos introdutores de normas de escalão infralegal, cujo fundamento de validade encontra

guarida no enunciado normativo da reserva legal formal relativa do §1º, do artigo 153, da CF

de 1988; esse contexto preambular demanda pormenorização da estrutura dos atos

265CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 84. A respeito da temática, em oposição à superada terminologia “fontes formais do direito”, in verbis: “De fato, as normas ingressam no ordenamento por intermédio de instrumentos designados por aqueles nomes conhecidos (lei, decreto, portaria, ato de lançamento, acórdão, sentença etc.), que são de extrema relevância para alojarmos o preceito nos escalões do sistema, mas que também são regras de direito positivo”. 266AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. O positivismo jurídico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 13. A propósito do tema, assevera o eminente administrativista que “O Direito brasileiro está construído em escalões superpostos. No primeiro escalão, estão as normas constitucionais. No segundo, as normas legais. No terceiro, os atos administrativos, as decisões judiciais e os negócios jurídicos”. 267ROSAS, Roberto. Do abuso de direito ao abuso de poder. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 86. Em outra acepção, tem-se que “O Estado tem o poder, mas não poderá exagerar no seu uso. Assim entendeu o STF, através da palavra do insigne Orozimbo Nonato: ‘O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade. É um poder cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui. a doutrina fecunda do détournement de pouvoir’(RE18.331,RF145/164)”.

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administrativos, para a identificação e invalidação de eventuais desvios de finalidade, em

matéria de tributação indutora268.

Quanto à primeira modalidade a ser examinada inicialmente neste Capítulo,

trata-se de desvio de finalidade como desvio de poder, através do manejo tecnocrata da

indução tributária, enquanto mecanismo de burla aos respectivos regimes constitucionais das

normas tributárias arrecadadoras e normas indutoras, uma vez que, mesmo diante de nítida

finalidade predominantemente arrecadatória, utiliza-se como fundamento de validade dessas

medidas, o regime constitucional regulatório ou indutor.

Essa primeira expressão semântica do desvio de finalidade encontra

emblemático exemplo no decreto n.º 6.809, DOU 31.03.2009, que, por um lado, reduziu as

alíquotas de veículos automotores de baixa cilindrada e, por outro lado, aumentou a carga

tributária sobre produtos fumígenos, à revelia dos regimes constitucionais das normas

tributárias269.

Hipoteticamente, o desvio de finalidade enquanto desvio de poder enseja à

invalidação judicial do ato administrativo, porquanto o mesmo não atende, em plenitude, à

compatibilização lógico-finalístico do regime constitucional utilizado com a finalidade

pretendida, como se vislumbra no esquema a seguir:

268 Nessa modalidade de desvio de finalidade, pode-se asseverar que o fim representa o objetivo da manipulação da carga tributária. Assim, nesse contexto o Estado brasileiro utiliza o tributo como instrumento de promoção de dois grandes objetivos, a saber: o primeiro constitui-se da intencionalidade pública de angariar recursos públicos, isto é, auferir receita pública para fazer face às necessidades públicas, a exemplo da manutenção dos serviços públicos uti universi ou singuli, mediante a instituição de tributos. Tradicionalmente, essa finalidade é ínsita a toda e qualquer espécie tributária, uma vez que é conhecida pelos vocábulos “fiscalidade” ou “fiscal”, enquanto signos que remetem ao significante “arrecadação”. Por outro lado, o segundo objetivo ou o segundo fim perseguido pelo Estado brasileiro é a regulação do Domínio Econômico, mediante técnicas de intervenção indireta, a partir do manejo discricionário da carga tributária. Nesse último contexto, a tributação assume o papel de meio extremamente ágil de intervenção no Domínio Econômico e Social, tornando-se objeto de prestigiosos estudos, sob a ótica da tributação indutora. Como já ressaltado, utiliza-se equivocadamente o signo “extrafiscalidade” para designar tais objetivos estatais de regulação. Ademais, repita-se que se trata de intervenção sobre o Domínio Econômico por indução pela via da tributação, como visto no Capítulo 2. Por fim, a dificuldade de abordagem se apresenta em face da ausência de positivação clara, distinta e evidente dessas finalidades dos tributos, de tal modo que mais se expressam em sede doutrinária, como características ou traços implícitos dessas exações e não, como algo de antemão evidente ao estudioso. 269 Conferir capítulo 3 a respeito dos regimes constitucionais das normas tributárias arrecadadoras e indutoras. A despeito da exposição circunstanciada dos regimes constitucionais das normas tributárias indutoras e arrecadadoras no Capítulo 3, faz-se mister realinhar alguns temas correlatos ao problema, a exemplo da interpretação constitucional da reserva da lei formal relativa prevista no enunciado normativo do §1º, do artigo 153, da CF de 1988; da estrutura dos atos administrativas no contexto da tributação indutora, sem se olvidar utilidade da regra matriz de incidência tributária e seus critérios.

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Figura 1 BASTOS, Noel de Oliveira.

No entanto, a utilidade desse esquema de compatibilização lógico-finalístico

esbarra na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - STF, uma vez ele

reiteradamente chancelou a dispensa de explícita motivação do ato administrativo, reservando

sua exigência apenas para o processo administrativo270 que o deflagrou, como se vislumbrará

oportunamente, em sede de exame estrutural dos pressupostos de validade dos atos

administrativos.

Dessa forma, o combate a essa prática de desvio de finalidade como desvio de

poder dependerá muito mais de uma modificação da jurisprudência de nossa Corte Suprema,

a qual, em último grau e instância, compete a guarda da CF de 1988.

Por outro lado, em regra271, a segunda modalidade de desvio de finalidade é

perpetrada mediante veículos introdutores de normas de natureza legiferante (leis ou

emendas constitucionais), cujo fundamento de validade encontra-se pulverizado na disciplina

constitucional da destinação específica dos tributos e disposições atinentes às finanças

públicas272.

270 Conferir RE 225.602, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 25-11-1998, Plenário, DJ de 6-4-2001.) No mesmo sentido: RE 441.537-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 5-9-2006, Segunda Turma, DJ de 29-9-2006”. <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp#visualizar>. Acesso em 03-01-2012, 16:56. 271 Frise-se a ressalva, uma vez que a tredestinação pode ser perpetrada por desobediência de determinado sujeito ativo (Sa), dotado de capacidade tributária ativa, aos comandos constitucionais e infraconstitucionais, como oportunamente será abordado no estudo do critério finalístico (Cf) da regra matriz de destinação dos recursos, infra. 272 Por sua vez, o desvio de finalidade nessa segunda modalidade apresenta-se na ordem do dia da preocupação de tributaristas e financistas, enquanto prática perpetrada em vilipêndio aos objetivos, aos fins instituídos

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Quanto à segunda modalidade de desvio finalístico, verifica-se verdadeiro

desvio dos recursos arrecadados273 previamente afetados por certas cláusulas constitucionais,

constituindo-se em efetiva prática de modificação inconstitucional dos destinos ou fins

constitucionais específicos.

Indubitavelmente, a supracitada prática é responsável pela frustração paulatina

de inúmeros fins constitucionais relevantes, como a Saúde Pública, o Meio Ambiente, a título

de exemplos274.

Em certa medida, essa segunda modalidade de desvio de finalidade é

perpetrada de maneira menos sofisticada, de tal modo que é mais facilmente perceptível que a

primeira, porém, não menos grave, em termos de violação da ordem jurídica interna275.

Enquanto veículos de tredestinação devem ser ressaltados prioritariamente a

lei orçamentária, mediante rubrica de créditos suplementares e as desvinculações de receitas

da União, através de emendas constitucionais276.

Ademais, quanto às possibilidades de fiscalização, impende ressaltar a

importância do controle de constitucionalidade dos orçamentos públicos como problemática,

cuja evolução é nítida no Pretório Excelso, como mecanismo de controle jurisdicional dessa

segunda modalidade de desvio de poder, enquanto tredestinação dos recursos.

expressamente pelo Texto Constitucional de 1988. Esses fins são, dogmaticamente, mais evidentes que os já ressaltados na primeira modalidade de desvio. Não se tratam de características ou mesmo traços de institutos, como os tributos. São, em evidência, finalidades ou intenções jurídicas positivadas e difundidas na ordem constitucional, como a Ordem Social (artigo 195, da Constituição Federal de 1988) e seus aportes financeiros de amparo aos cidadãos aptos ou não ao trabalho produtivo no ambiente da livre iniciativa (Seguridade Social). Esses objetivos, sem a intenção de exauri-los em sua completude constitucional, têm cristalinos reforços orçamentários consubstanciados nas contribuições especiais sociais (artigo 149, da Constituição Federal de 1988), sem se olvidar da afetação (“vinculação”) da receita dos impostos, enquanto exceção louvável feita pela parte final do inciso IV, do artigo 167, da Constituição Federal de 1988, para a finalidade de manter e expandir a tutela financeira da Ordem Social. No entanto, lamentavelmente, os burocratas vêm solapando essas finalidades constitucionais mediante expedientes de desafetação dessas receitas tributárias, a exemplo da utilização de fundos financeiros ou da Desvinculação de Receita da União - DRU. 273 NEVES, Luís Fernando de Souza. Limites da competência e contribuições de intervenção no domínio econômico – CIDE In Congresso Nacional de Estudos Tributários. Direito tributário e os conceitos de direito privado. PAULA JÚNIOR, Aldo de (et ali.). São Paulo: Noeses, 2010, p. 891. 274 Nesse ponto, cumpre destacar as desvinculações dos recursos da CPMF, inauguralmente instituída com o fim de fomentar a Saúde Pública. Igualmente, a CIDE Combustíveis também é francamente desviada de seus fins, como o financiamento de projetos ambientais, como se abordará oportunamente. 275 SCAFF, Fernando Facury. 3ª Parte: a desvinculação de receitas da união - DRU e supremacia da constituição In Jurisdição constitucional e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 97. 276

Por sua vez, também é imperioso realinhar alguns temas correlatos ao problema, a exemplo da classificação dos tributos, quanto à destinação específica dos seus recursos, como exposto no Capítulo 3; novos critérios da regra matriz de incidência; bem como problemas afetos à norma-regra de vedação da afetação das receitas dos impostos e à polêmica evolução do instituto de Desvinculação de Receita da União – DRU.

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Destarte, constatar-se-á que o combate à tredestinação dos recursos

arrecadados é mais efetivo pelo STF, de tal maneira que oportunamente já se declarou a

inconstitucionalidade das alterações de destinos específicos de Contribuição sobre

Intervenção no Domínio Econômico - CIDE 277.

4.2 DESVIO DE PODER COMO DESVIO DE FINALIDADE TRIBUTÁRIA EM

MATÉRIA DE TRIBUTAÇÃO INDUTORA

Sumário 4.2 Desvio de poder como desvio de finalidade em matéria de tributação indutora 4.2.1 Interpretação do enunciado normativo do § 1º, do artigo 153, da Constituição Federal de 1988 4.2.1.1 Reserva legal formal relativa e limites da recepção da regulamentação da legalidade tributária do art.97, CTN 4.2.1.2 Uma proposta de compreensão do enunciado normativo “é facultado ao Poder Executivo”: uma análise estruturalista a partir dos pressupostos de validade dos atos administrativos 4.2.1.3 Alcance semântico da expressão “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos i, ii, iv e v” 4.2.2 Regra matriz de incidência tributária: um instrumento de fiscalização da competência tributária regulatória 4.2.3 Esquema de compatibilização lógico-finalística 4.2.3.1 Críticas ao modelo proposto 4.2.3.2 Esquema de compatibilização lógico-finalística e segurança jurídica 4.2.5 Desvio de finalidade e equilíbrio orçamentário: instrumentos inadequados de compensação de receita

O desvio de finalidade enquanto prática de desvio de poder aproxima-se, em

grande extensão, ao estudo do vício de legalidade consolidado nas jurisprudências francesa e

brasileira, pertinente à estrutura eivada dos atos administrativos278.

Mutatis mutandis, distingue-se do clássico desvio de finalidade tanto pela

natureza do fim desviado, pois se trata de desvio do itinerário regulatório para o

arrecadatório (ambos públicos), bem como pela utilização incompatível do regime

constitucional regulatório para perseguir fins nitidamente arrecadatórias, respeitando-se a

277 Nos precedentes do Supremo Tribunal Federal – STF, conferir ADI 2.925/DF. 278 Nesse sentido, destacando o viés da responsabilidade política do desvio de finalidade, por força do regime republicano: ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 67. “Deveras, o conteúdo dos mandatos e a natureza das funções ditam os regimes jurídicos das sanções aplicadas aos casos de excesso de mandato, desvio de função, prevalecimento ou corrupção. Tais irregularidades ferem o princípio republicano na medida em que os poderes e meios postos nas mãos do agente - para exato desempenho de funções determinadas – sejam postos a serviço de outros fins, pessoais do agente, em detrimento do cargo ou função. Aliás, basta que os poderes em que investido o agente sejam usados para fins que não o melhor exercício da função, e já se configura o abuso de poder, que macula o ato e enseja a responsabilização, nos termos da lei.” (grifo nosso).

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letra fria do §1º, do artigo 153, da CF de 1988, prevista para o exame da finalidade da

alteração da carga tributária279.

Superadas essas diferenciações, deve-se investigá-lo sob a orientação do

enunciado normativo do §1º, do artigo 153, da CF de 1988, conforme a jurisprudência pátria e

o plexo de procedimentos metódicos de interpretação apresentados.

Assim sendo, nesse momento, apenas interessa-nos a investigação de eventual

vício de finalidade, a partir das premissas do regime jurídico público consolidadas no Direito

Administrativo brasileiro.

Nessa ordem de considerações, cumpre investigar a finalidade (inclusive as

tributárias) pelas lentes da matriz administrativista, construída a partir das decisões do vetusto

Conselho de Estado da França280, por grande aproximação às atuais práticas governamentais

instrumentalizadas pelo regime constitucional regulatório dos Impostos sobre Importações -

II, sobre Exportações - IE, sobre Operações Financeiras - IOF e sobre Produtos

Industrializados - IPI, por decretos presidenciais, a exemplo do decreto n.º 6.809, DOU

31.03.2009.

A propósito de sua contextualização, urge destacar que o regime jurídico

administrativo é informado pelo princípio da finalidade281. Não é por outro motivo, que a

relação de administração é entabulada na persecução de determinado bem público

abstratamente previsto em determinada hipótese de incidência administrativa.

Dessa maneira, toda e qualquer atividade pública está imbuída no poder-dever

de perseguir fim público, desde sua gênese legal ao seu exaurimento prático, mediante

aplicação da lei de ofício, como preleciona o notável jurista potiguar Miguel Seabra

Fagundes282.

Em desconformidade com a persecução das finalidades públicas e

constitucionais, ainda vigora incontestável máxima montesquieuniana de que quem tem o

279 CRETELLA JÚNIOR, José. O “desvio de poder” na administração pública. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 57. Para o eminente administrativista, que faz interpretação restritiva do caso Lesbats, no qual a finalidade pública tão somente considera-se desviada para satisfazer interesses privados, e não outro interesse público genérico. Assim, para o autor apenas poder-se-ia considerar como ato administrativo viciado, apenas aquele que sofreu esse desvio de itinerário finalístico. Então, conclui no seguinte tom: “Em suma, desvio de poder é o uso indevido da competência para consecução de fins privados. O uso da competência discricionária para obtenção de fins públicos é perfeitamente legítimo, não interessando no caso, que a edição de ato administrativo, informado por fins públicos genéricos, mas enquadrando uma determinada espécie, sofra alteração, quanto a esta espécie, desde que a finalidade última – a finalidade pública, ainda se conserve”. 280 TÁCITO, Caio. O desvio de poder no controle dos atos administrativos, legislativos e jurisdicionais. In Revista de Direito Administrativo, 228, pp. 1-2. 281 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 97. 282 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, p. 3.

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poder, é levado a abusar dele, desvirtuando-o para outros fins, geralmente apartados dos

desígnios constitucionais ou legais283.

Dessa forma, no Brasil, em 1948, o reconhecimento do desvio de finalidade

como vício de legalidade teve como leading case284 acórdão da relatoria do inesquecível de

Miguel Seabra Fagundes, no qual se aplicou a exegese do desvio de poder - détournement de

pouvoir285, nos moldes do precedente francês denominado caso Lesbats.

O contexto fático se circunscrevia à ofensa ao direito à livre concorrência no

sentido de limitação da liberdade de tráfego intermunicipal de determinada empresa de

transporte coletivo submissa ao abuso de poder ou ilegalidade de autoridade estadual de

trânsito, para fins de beneficiar interesses privados de empresa concorrente286.

A propósito, concedeu-se ordem no sentido de nulidade do ato, de tal sorte que

não atendia ao fim de regular funcionamento dos serviços de transportes intermunicipais,

como bem narra Caio Tácito287.

Em arremate, superado seu alinhamento tradicional, torna-se imperioso

enfrentá-lo, com supedâneo na interpretação do enunciado normativo do §1º, do artigo 153,

da CF de 1988, em razão das lições do Capítulo 1 para a elucidação do desvio de finalidade

no novo contexto da tributação indutora, estranho às clássicas lições dos administrativistas.

283 NEVES, Marcelo. Constitucionalização simbólica. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p 60. Sob a óptica da teoria dos sistemas autopoiéticos, a par da notoriedade, mesmo após a pressão evolutiva exercida pelo constitucionalismo europeu, no qual se outorgou à Constituição o papel de acoplamento estrutural entre a política e o direito, os interesses escusos sempre poderão contaminar potencialmente a expedição dos atos administrativos, desviando-os de suas finalidades constitucionais ou legais. Nesse mesmo sentido, LEITE, Glauco Salomão. A “politização” da jurisdição constitucional: uma análise sob a perspectiva da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. In Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 64, Jul/2008/DTR\2008\420, p. 151, in verbis: “A diferenciação funcional do direito ocorre com o advento do Estado moderno, que surge com as revoluções burguesas dos sécs. XVII e XVIII, sob o influxo do constitucionalismo liberal. Na sociedade pré-moderna, prevaleciam as relações estamentais, não havendo nenhum acoplamento estrutural entre direito e política, ou seja, existia apenas o reconhecimento jurídico das distinções entre os níveis de estamento. Nessa perspectiva, o direito se encontrava subordinado à política, ou melhor, o código específico do direito estava sobredeterminado pelo código específico da política”. 284 VELLOSO, Galba. Desvio de poder: doutrina, jurisprudência e aplicação prática. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 23. 285 TÁCITO, Caio. O desvio de poder no controle dos atos administrativos, legislativos e jurisdicionais. In Revista de Direito Administrativo, n.º 228, p. 1. 286

VELLOSO, Galba. Desvio de poder: doutrina, jurisprudência e aplicação prática. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 23. A propósito do precedente, o sobredito autor destaca a AC 1.422 - Empresa de Transportes Potiguar Ltda. vs. Inspetoria Estadual de Trânsito. 287 TÁCITO, Caio. O desvio de poder no controle dos atos administrativos, legislativos e jurisdicionais. In Revista de Direito Administrativo, n.º 228, pp. 2-3.

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4.2.1 Interpretação do enunciado normativo do § 1º, do artigo 153, da Constituição

Federal de 1988

O desvio de finalidade tributária na modalidade de desvio de poder deve ser

apreciado, a partir das preleções da hermenêutica jurídica, com arrimo nos procedimentos

metódicos expostos no Capítulo 1, cujo foco de estudo é o enunciado normativo do §1º, do

artigo 153, da CF de 1988, em face do caráter dogmático da matéria.

Assim, a essa altura da exposição, fica evidenciada a tese segundo a qual a

outorga constitucional dos incentivos fiscais, enquanto casos de induções positivas288, a partir

do permissivo deôntico extraído do enunciado normativo do §1º, do artigo 153, da CF de

1988, depende da definição dos limites interpretativos289 da reserva da lei formal relativa dos

impostos de competência federal ali referenciados.

Inicialmente, deve-se entender que espécie de reserva de lei se está

interpretando, na cláusula permissiva do §1º, do artigo 153, da CF de 1988.

Apesar de abalizada doutrina elencar seis espécies de reserva da lei, tão

somente interessa ao presente ensaio quatro espécies, distribuídas conforme dois critérios de

classificação, a saber: a) reserva da lei formal ou material, que se distinguem pela natureza

do Órgão emanador do ato normativo e; b) reserva da lei absoluta ou relativa, que se

diferenciam pelo grau de densificação normativa outorgado ao Poder Legislativo, como bem

ensina Gustavo Binenbojm290.

288 Importa ressaltar, a propósito, que o permissivo deôntico do enunciado normativo do §1º, do artigo 153, presta-se, simultaneamente, a outorga de incentivos fiscais (indução positiva), como expressão das finalidades e funções do Direito e a regulação por desestímulo fiscal (indução negativa), de tal sorte que é “facultado” alterar a carga tributária, mediante manejo da alíquota (para mais ou para menos), de conformidade com a conveniência e oportunidade da intervenção do Estado brasileiro. 289 DIAS, Ana Carolina Carvalho. Limites à interpretação das normas tributárias: transformação do texto em norma. In Vilém Flusser e juristas: comemoração dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho, p. 701-702. Nesses termos, elucidativas são as lições de Ana Carolina Carvalho Dias, nas quais busca amparo em aresto da relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio, in verbis: “Pela interpretação gramatical, as hipóteses de interpretação são formuladas por meio do uso das regras gramaticais, e pela análise do sentido ordinário e do sentido técnico dos textos legais. Ou seja, interpretação gramatical é a análise sintática do texto legal objeto de interpretação. É utilizada para compreensão do conteúdo do texto legal. E, além disso, tal interpretação garante a existência de um limite interpretativo, ou seja, o resultado da interpretação somente pode ser algo que caiba nos limites dessa compreensão primeira. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal se manifestou (RE 166.772-9 RS Pleno, rel. Ministro Marco Aurélio, DJ 16.12.1994, julgado em 12.05.1994): ‘CONSTITUIÇÃO – ALCANCE POLÍTICO – SENTIDO DOS VOCÁBULOS – INTERPRETAÇÃO. O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceitos estabelecidos com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos, quer, no caso do direito, pela atuação dos Pretórios [...].’”. 290 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 149. No que atina às espécies elencadas pelo

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Nesse contexto, o enunciado normativo sub examine pode ser classificado,

quanto ao primeiro critério, como reserva legal formal, porquanto se exige lei emanada do

Congresso Nacional para delimitar todos os critérios dos impostos federais elencados, não

podendo a Administração inovar quanto ao antecedente e ao consequente das normas

tributárias, uma vez que se trata de matéria reservada ao Poder Legislativo291.

No que atina ao segundo critério, trata-se de reserva legal relativa, pois cabe à

lei estabelecer os Standards máximo e mínimo das possíveis alternâncias da carga tributária,

deixando, por conseguinte, ao Poder Executivo, apenas a discricionariedade de modificar as

alíquotas nessas margens292.

O constituinte originário positivou a sobredita reserva de lei exercitável por

ato do Poder Executivo, no intuito de otimizar a eficácia da regulação mediante técnicas de

tributação indutora, pertinentes um fragmento formativo do critério quantitativo presente no

consequente ou prescritor da regra matriz dos impostos federais em comento e, não para fins

de gerir o equilíbrio orçamentário.

Dessa maneira, apenas parte do critério quantitativo dos Impostos de

Importação - II, de Exportação - IE, sobre Operações Financeiras - IOF e sobre Produtos

Industrializados - IPI, é utilizado como instrumento de manejo, em sede de tributação

indutora, qual seja: a alíquota293.

administrativista carioca, conferir as classificações e os critérios eleitos, a saber: “Quanto às reservas de lei estabelecidas constitucionalmente, destacam-se seis espécies, sob três perspectivas distintas: (a) de uma primeira perspectiva, de acordo com o órgão responsável pela normatização de uma questão, a reserva de lei pode ser formal ou material, (b) sob outro enfoque, de acordo com o grau de densificação normativa exigida ao encarregado da função legislativa, que dará ao aplicador maior ou menor espaço de conformação, a reserva pode ser absoluta ou relativa; e (c) de uma terceira perspectiva, de acordo com o dirigismo de uma determinada finalidade constitucional, a reserva de lei pode ser qualificada ou não qualificada”. 291 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 308-309. A propósito, sobre a reserva formal da lei tributária, conferir a assertiva feliz de Roque Carrazza, sendo, portanto, impróprio falar-se em “mitigação” da legalidade, in verbis: “A Constituição concede ao legislador a prerrogativa de apontar as alíquotas mínima e máxima de certos impostos, consentindo, assim, que o Executivo atue. Donde tudo nos leva a concluir que: a) os impostos alfandegários, o IPI e o IOF devem ser criados ou aumentados por meio de lei; b) tal lei, no que se refere aos impostos alfandegários e ao IOF, poderá conceder ao Poder Executivo a faculdade de alterar-lhes as alíquotas, dentro dos parâmetros mínimos e máximos que fixar; c) esta lei poderá ainda fixar - sempre para os impostos alfandegários e o IOF - uma única alíquota, e, neste caso, cairá por terra o permissivo constitucional, isto é, nada será facultado ao Poder Executiva quanto à majoração ou mitigação destes impostos”. (Grifo nosso). 292 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 151. Nesse sentido, “A reserva relativa de lei, por seu turno, tem destaque como forma de limitação do poder regulamentar da Administração Pública. Isto é: a validade da expedição de atos administrativos de efeitos normativos dependerá sempre da existência de standards mínimos fixados em lei”. 293 MÉLO, Luciana Grassano de Gouvêa Mélo. Estado social e tributação: uma abordagem sobre o dever de informar e a responsabilidade por infração. Recife: Universitária da UFPE, 2008, p. 92. No mesmo sentido, identificando o §1º, do artigo 153, da CF de 1988, como reserva legal formal e relativa.

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Em tese, o constituinte originário ofereceu uma moldura normativa mais

plástica294 para que o Poder Público federal alcance e regule a Ordem Econômica, mediante

juízo de conveniência e oportunidade, em face da necessidade de maior celeridade de

resposta regulatória nessas paragens econômicas.

Surge, por sua vez, o dilema entre o fundamento de validade da arrecadação e

a eficácia da regulação na tributação indutora, por força dessa relativização da legalidade

tributária.

Sem sombra de dúvidas, essa plasticidade jurídica é inquestionável relevância

regulatória do ponto de vista eficacial, por otimizar os efeitos da intervenção do Estado

brasileiro por indução tributária, proporcionando resposta célere na fungibilidade da carga

tributária e, por conseguinte, mais efetiva da União Federal nas áreas já delimitadas na

Ordem Econômica, numa nítida finalidade regulatória do Governo Federal.

Então, existe uma tensão imanente em todo ato de regulação estatal no

Domínio Econômico representável no binômio jurídico validade/eficácia que exsurge dessa

relativização da cláusula da legalidade tributária, uma vez que dificultaria medidas

regulatórias por parte do Estado fiscal brasileiro, caso a reserva legal fosse absoluta.

Nesse ensaio, a propósito, ressaltar-se-á com tintas fortes o primeiro aspecto da

regulação, que é a crise de legalidade da alterabilidade da carga tributária, exercitável

semanticamente no limite do vocábulo “alterar”, que se encontra no texto do artigo 153, §1º,

da CF de 1988, como problema nuclear da prática de desvio de finalidade, enquanto desvio

de poder.

Esse aspecto regulatório, inicialmente, pode ser encontrado na estrutura da

norma tributária, do §1º, do artigo 153, em apreço. E, em segundo plano, na funcionalidade

ou finalidade295 da sobredita estrutura normativa perante os desideratos regulatórios do

Estado brasileiro.

294 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 292. A propósito da necessidade de adequação do sistema de direito ao devir social, tem-se que: “Para flexibilizar a rigidez do direito moderno, a burguesia [= o Terceiro Estado] inicialmente lançou mão das ordenanças de necessidade [= os regulamentos] e da discricionariedade concebida, ambiguamente, não apenas como formulação dc juízos de oportunidade”. Em seguida, o eminente autor expõe que a equidade foi introduzida para calibrar a flexibilização e plasticidade do sistema jurídico, sob a rubrica de proporcionalidade e razoabilidade. 295 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 311. A propósito, da finalidade regulatória ou indutora instrumentalizada pela reserva legal formal relativa, tem-se que “Tais idéias conduzem à inexorável conclusão de que, apontando o art. 153, § 1º, da CF uma finalidade, os poderes daquele a quem foi outorgada esta função - no caso, o chefe do Poder Executivo - devem ser manejados instrumentalmente, ou seja, de modo a atender aos objetivos que justificaram a outorga”. Discordamos, tão somente, quanto à competência para manejar as alíquotas, porquanto a expressão “Poder

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Dessa maneira, exsurge do enunciado normativo do §1º, do artigo 153, da CF

de 1988, a finalidade regulatória da Ordem Econômica, mediante aplicação de técnica de

tributação indutora, cujo fim maior é a intervenção do Estado brasileiro nessas paragens,

como exposto no Capítulo 2.

Por derradeiro, após o exame circunstanciado da reserva legal formal relativa,

enfrentar-se-á o problema do desvio de finalidade através das lentes da regra matriz de

incidência tributária, que será de utilidade ímpar para determinar que tão somente a alíquota

se sujeita à alteração - artigo 153, §1º, da CF de 1988 ou à redução ou ao restabelecimento -

artigo 177, §4º, I, alínea b, da mesma Carta Constitucional296: em outros dizeres, apenas

fragmento do critério quantitativo é manejado na estrutura dessas das normas tributárias

indutoras.

4.2.1.1 Reserva legal formal relativa e condições de recepção do art.97, do CTN

Explique-se a evolução dessa faceta regulatória do §1º, do artigo 153, da CF

de 1988, a partir do contexto do direito constitucional intertemporal e da teoria da recepção,

por ser o CTN de 1966, direito pré-constitucional.

De antemão, seguramente é possível asseverar que não houve recepção ampla

da reserva formal relativa de todo o critério quantitativo, ou seja, da possibilidade de

alteração da base de cálculo e da alíquota, como dantes era previsto, conforme artigo 97,

CTN de 1966.

Por ser a norma jurídica uma proposição, revela-se de primeira importância o

método gramatical para a elucidação da estrutura linguística do texto jurídico, enquanto

âmbito preliminar do processo de compreensão textual297.

Visando à identificação da matéria recepcionada pela CF de 1988, o intérprete

brasileiro deve tomar como ponto de partida de compreensão o seguinte enunciado normativo

do CTN de 1966, a saber: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: [...]; IV - a fixação da

Executivo” é mais ampla, isto é, outorga competência igualmente para outros órgãos, como a CAMEX, como oportunamente será abordado. 296 DOMINGUES, José Marcos. Contribuições sociais – desvinculações prescritas por emendas constitucionais, In Revista Dialética de Direito Tributário, n. 194, novembro-dezembro. São Paulo: Dialética, 2011, pp. 75. Para o autor, em crítica à mitigação da legalidade do §4º, do artigo 177, quanto à redução e ao restabelecimento da alíquota em CIDE-Combustíveis tratam-se, em verdade, de delegações inconstitucionais do poder de tributar ao Executivo. 297 MÜLLER, Friedrich. Metodologia do direito constitucional, p. 74. A propósito, Friedrich Müller chama o teor literal de programa normativo. Igualmente, destaca a importância do “método” gramatical, uma vez que: “O teor literal demarca as fronteiras extremas das possíveis variantes de sentido, i.é, funcionalmente defensáveis e constitucionalmente admissíveis”.

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alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39,57 e

65.”.

Trata-se, portanto, da regulamentação infraconstitucional da cláusula da

legalidade tributária, prevista no artigo 150, inciso I e artigo 153, §1º, ambos da CF de 1988,

compreendendo grande relevância na realização do direito fundamental em apreço, como

assevera Claus-Wilhelm Canaris298.

Como se verifica na primeira parte do inciso IV, do artigo 97, do CTN de

1966, apenas permite-se (modal deôntico permitido) tributar mediante edição de lei formal

emanada de órgão parlamentar brasileiro, de acordo com as respectivas esferas

competenciais de imposição tributária.

Em singelas palavras, apenas lei formal pode alterar alíquotas e bases de

cálculo dos tributos, enquanto expressão de direito constitucional de resistência do

contribuinte, como já devidamente exposto299.

Por outro lado, na parte final do próprio enunciado normativo, abre-se a

possibilidade de restringir o âmbito de resistência do direito fundamental da cláusula da

legalidade, através de outros instrumentos normativos emanados do Poder Executivo.

Dessa forma, excepcionalmente permite-se a alteração da carga tributária por

atos administrativos, em matérias afetas à intervenção do Estado sobre Domínio Econômico,

por técnica de indução300.

Assim, ordinariamente, a tributação brasileira opera-se mediante edição de

prévia lei formal emanada do Parlamento brasileiro - nullum tributum sine lege, dado que se

coaduna com as disposições do inciso I, artigo 150, da CF de 1988301.

Sob a ótica gramatical, apenas excepcionalmente permite-se a alteração

(majoração ou redução) de tributos, mediante instrumentos normativos oriundos do Poder

Executivo, excluindo-se, por completo, a ingerência do Poder Judiciário, no que se refere à

298 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamental e direito privado. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. 2ª reimp. Coimbra: Almedina, 2003, p. 116. Nesse contexto, ensina o Professor Catedrático de Munique, que “[...] é, no entanto, efectivamente correcto que o direito infra-constitucional pode, em parte substancial, ser apreendido como realização da função dos direitos fundamentais de imperativos de tutela”. 299 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 59. 300 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, p. 27. Também nesse sentido: BRAZUNA, José Luís Ribeiro. Defesa da concorrência e tributação à luz do artigo 146-A da constituição, p. 26. 301 BORGES, José Souto Maior. Interpretação da isenção no Código Tributário Nacional (CTN). In ELALI, André; Hugo de Brito Machado Segundo; Terence Trennepohl (Coord.) Direito tributário: homenagem a Hugo de Brito Machado, p. 324.

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fungibilidade da carga tributária302, salvo para fins de controle de constitucionalidade e de

legalidade.

Por sua vez, essa excepcionalidade é justificável por ser a cláusula da

legalidade um direito fundamental de primeira dimensão, que adquiriu excepcional status de

direito de resistência para a consolidação do ideário liberal, durante a superação histórico-

dialética do ancien régime.

O procedimento histórico revela as matizes históricas dessa atmosfera de

transição, a qual proporcionou a expressão dos anseios da maioria burguesa, através do corpo

político parlamentar, em contraponto às demais Instituições, como o Judiciário e Executivo,

dominadas pela classe aristocrática, àquela época303.

Igualmente útil é a aplicação do procedimento sistemático e da interpretação

conforme a Constituição, para elucidação interpretativa do §1º, do artigo 153, da CF de 1988,

em harmonia com a parte final, do inciso IV, do artigo 97, do CTN.

Assim, a unidade e a completude são identificadas na teoria do ordenamento

jurídico como premissas indispensáveis ao estudo das normas jurídicas em conjunto ou em

contexto, como bem preleciona Norberto Bobbio304.

Dessa maneira, para ampla compreensão dos limites materiais da recepção da

relativização da cláusula da legalidade tributária presente na parte final do inciso IV, do

302 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II, p. 11. Aqui não se emprega o termo fungibilidade na acepção técnico-dogmática, ou seja, não se trata da possibilidade de substituição de um bem por outro de mesma espécie, quantidade e qualidade, como se vislumbra no artigo 85, do CC de 2002. Utiliza-se, no contexto de texturas sociais complexas, porquanto em tais sociedades exsurge a necessidade de um direito fungível, substituível, modificável, isto é, adaptável às constantes evoluções sociais. Pertinentes são as lições de Niklas Luhmann a respeito da concepção do direito como instrumento de mudança planificada da realidade social, in verbis: “[...] Outras matérias do direito, como por exemplo, muitas medidas de política econômica, servem de reação a situações momentâneas, e podem constituir-se como normas de direito apenas porque o direito não mais pretende uma vigência eterna. A disponibilidade temporal do direito possibilita, assim, um alto grau de detalhamento de normas jurídicas frente a circunstâncias rapidamente mutáveis e fortemente diferenciadas. O direito torna-se cada vez mais um instrumento de mudança planificada da realidade em inúmeros detalhes.”. (grifo nosso). 303 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. Nessa linha de entendimento, corroboram Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, no esclarecimento do contexto histórico da consolidação da cláusula da legalidade tributária, como garantia fundamental do Estado de direito, in verbis: “Em um contexto social marcado por turbulências e rupturas, o constitucionalismo francês tinha como principal alvo os aparatos da Administração e da Justiça, dominados pelos representantes e pela mentalidade do ‘ancien régime’ e confiava no Parlamento que era composto, em sua esmagadora maioria, por representantes da burguesia, sendo apresentado, no plano da ideologia política, como único legítimo representante da soberania nacional e do ‘interesse geral’ [...]. Por isso que a principal preocupação era a garantia do princípio da legalidade (positivada pela primeira vez na terceira Constituição francesa de 1795), isto é, prevalência da lei, submetendo a essa as decisões dos demais poderes e aguardando do legislador a tutela e harmonização dos direitos fundamentais [...].”. 304 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 7 ed. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: UnB, 1996, p. 35. Nesse sentido: “Todo ordenamento jurídico, unitário e tendencialmente (se não efetivamente) sistemático, pretende ser completo”.

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artigo 97, do CTN de 1966, é necessário interpretar sistematicamente as disposições

presentes no inciso I, do artigo 150, e suas conexões com §1º, do artigo 153, da CF de 1988.

Destacando o ângulo interpretativo da exposição do motivo prático do Direito,

o procedimento ou método teleológico visa à elucidação das finalidades das leis 305.

Após essa exposição metódica, portanto, surge a necessidade de delimitar quais

as matérias sujeitas à cláusula da legalidade tributária - artigos 150, inciso I, da CF de 1988

e 97, do CTN de 166, para só então definir os contornos da recepção constitucional da parte

final do inciso IV, do artigo 97, do CTN de 1966, em cotejo com o §1º, do artigo 153, da CF

de 1988.

No âmbito da regulamentação dessa Limitação Constitucional ao Poder de

Tributar (artigo 146, II, da CF de 1988), vislumbra-se seu detalhamento nas matérias

elencadas no enunciado normativo do artigo 97, do CTN de 1966.

A propósito desse detalhamento material da legalidade tributária, sujeitam-se

à estrita legalidade, conforme artigo 97, do CTN de 1966:

a) a instituição ou extinção de tributo (inciso I);

b) a sua majoração ou redução (inciso II);

c) a definição do “fato gerador”306, ou melhor, da hipótese de incidência da

obrigação tributária principal e do seu sujeito passivo, seja ele

contribuinte ou responsável tributário (inciso III);

d) a fixação de alíquotas e bases de cálculo (inciso IV);

e) o regime jurídico sancionador pertinente à cominação de penalidades

(definição de infrações tributárias) para ações ou omissões previstas em

leis tributárias (inciso V)307;

305 IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito, v. 1, p. 22. Igualmente, nesse sentido: FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação judicial da discricionariedade administrativa: no regime jurídico-administrativo brasileiro. Forense: Rio de Janeiro: 2000 p. 31. In verbis: “Os fins do Estado estão determinados na Constituição Federal vigente, constituindo elementos essenciais para a regulação jurídica da ação dos órgãos legislativos, administrativos e jurisdicionais.”. 306 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Ensaios e pareceres de direito tributário material, p. 41. Ainda utilizando a denominação “fato gerador”, tem-se que “O mesmo Código Tributário Nacional, no artigo 97 prescreve que cabe ao legislador ordinário não só a instituição de tributos e a sua extinção, como a definição do fato gerador da obrigação tributária e do seu sujeito passivo”. 307 A propósito, deve-se interpretar sistematicamente que o regime jurídico sancionador em Direito Tributário, abarca não apenas as infrações de ordem administrativa, mas também as de caráter criminal. Sobre o caráter instrumental dos tipos penais de tutela da Ordem Tributária, a partir do modelo sistêmico luhmanniano, conferir nosso: BASTOS, Noel de Oliveira. O pêndulo simbólico-instrumental do direito penal brasileiro: crimes contra a ordem tributária como expressão instrumental da ordem punitiva. In Juris Rationis, ano 5, n.1, out.2011/mar.2012, EdUnp, Natal-RN, et passim.

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f) bem como a definição das causas de exclusão, suspensão e exclusão de

créditos tributários, sem se olvidar da pertinente disciplina legal da

dispensa ou redução de penalidades (inciso VI).

A par das ressalvas nos dispositivos dos incisos III, IV, apenas interessa ao

presente ensaio a exceção pertinente à parte final do inciso IV, do artigo 97, do CTN de 1966,

que se abordará oportunamente após o enfrentamento da discussão a respeito da natureza

legal desse diploma geral de Direito Tributário.

Então, no elenco normativo hodierno do processo legislativo nacional regido

pela CF de 1988, destacam-se as seguintes possibilidades normativas nas quais se poderia

discutir o enquadramento do CTN de 1966, a saber: leis complementares ou leis ordinárias,

conforme incisos II e III respectivamente do artigo 59, da CF de 1988.

Através do crivo do procedimento histórico-evolutivo, o Código Tributário

Nacional - CTN de 1966 foi promulgado sob a égide da Constituição de 1946308, na qual

inexistia a espécie legislativa conhecida por lei complementar, que atualmente exige quorum

qualificado de maioria absoluta, para a devida aprovação, como se observa no artigo 69, da

CF de 1988. Portanto, à época, o CTN de 1966 foi promulgado com as formalidades

legislativas de lei ordinária.

No entanto, o sobredireito elucida que se deve respeitar o primado da

continuidade da ordem normativa, no sentido de compatibilizar ou expurgar as disposições

materiais diante da nova Ordem Constitucional, por recepção ou por revogação309.

Dessa maneira, mesmo aprovado originalmente como lei ordinária, pelos

procedimentos gramatical e sistemático, é imperioso compreender que o CTN de 1966 tem

função de lei complementar de caráter nacional, em face da atual exigência estruturante do

artigo 146, da CF de 1988310.

308 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 170. 309 GUASTINI, Riccardo. Estudios de teoría constitucional. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2001, p. 55. Nesse cenário, para o entendimento percuciente da matéria: “Normalmente, la promulgación de una nueva Constitución implica no la abrogación de todas las leyes promulgadas bajo la Constitución anterior, sino más bien la (tácita) recepción en bloque de todas las leyes precedentes. Por otro lado, está claro que la Constitución puede poner límites a la legislación futura, pero no a la legislación pasada. Sin embargo, la nueva Constitución —si es rígida— limita el ingreso (mediante recepción) en el nuevo ordenamiento de las normas pertenecientes al ordenamiento anterior. Este límite no se refiere en modo alguno al procedimiento de formación de las leyes: es claro que las viejas leyes no son formalmente válidas según el parámetro de la nueva Constitución, ni nunca podrían serlo (no tendría sentido pretenderlo).” (Grifo nosso). 310 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 15ª ed. São Paulo: Saraiva, p.170. A propósito, “Na época, foi veiculado como lei ordinária, editando normas gerais de direito tributário, regulando as limitações constitucionais do poder de tributar, e dispondo sobre conflitos de competência em matéria tributária”.

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Assim sendo, houve recepção formal dos Diplomas Tributário e Financeiro311,

de tal sorte que a ordem constitucional atualmente vigente apenas permite sua modificação,

mediante leis complementares, como as referenciadas.

No que tange à recepção material, não se pode afirmar o mesmo, porquanto

houve substancial modificação das bases constitucionais, inclusive com alterações das

esferas competenciais com a promulgação da CF de 1988, fatos que tornaram diversas

disposições incompatíveis com o CTN de 1966312.

Por sua vez, lançando os olhares sobre o disposto no enunciado normativo da

parte final do inciso IV, do artigo 97, do CTN, vislumbra-se que o Poder Executivo gozava de

maior liberdade de intervenção sobre a propriedade privada, em sede de regulação

tributária313.

Dessa maneira, pode parecer ao leitor desatento, que as exações veiculadas

nesse contexto não se vinculam ao rigoroso rol das Limitações Constitucionais ao Poder de

Tributar314: algo inadmissível no atual estágio da Ciência do Direito Tributário.

Em evidência, a parte final do inciso IV, do enunciado normativo do artigo 97,

do CTN de 1966, remete o intérprete, com arrimo nos procedimentos gramatical e

sistemático, às várias possibilidades de modificação de alíquotas e bases de cálculos por

outros instrumentos normativos distintos da lei formal.

311 Conferir ADI 1.726-MD, que corrobora a recepção da Lei n.º 4.320/61 com eficácia de lei complementar, a saber:"A exigência de prévia lei complementar estabelecendo condições gerais para a instituição de fundos, como exige o art. 165, § 9º, II, da Constituição, está suprida pela Lei 4.320, de 17-3-1964, recepcionada pela Constituição com status de lei complementar; embora a Constituição não se refira aos fundos especiais, estão eles disciplinados nos arts. 71 a 74 desta Lei, que se aplica à espécie: a) o FGPC, criado pelo art. 1º da Lei 9.531/1997, é fundo especial, que se ajusta à definição do art. 71 da Lei 4.320/1963; b) as condições para a instituição e o funcionamento dos fundos especiais estão previstas nos arts. 72 a 74 da mesma Lei." (ADI 1.726-MC), Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 16-9-1998, Plenário, DJ de 30-4-2004.). Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp>, Acesso em 06.06.2012, 02h16. 312 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 15ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 171. A propósito, corroborando o entendimento que aqui se advoga, tem-se: “Esse tipo de problema, na verdade, é resolvido pelo princípio da recepção: as normas infraconstitucionais anteriores à Constituição são recepcionadas pela nova ordem constitucional, salvo no que contrariarem preceitos substantivos do novo ordenamento. Quanto à forma de elaboração da norma, obviamente não se aplica a Constituição nova; ter-se-á aplicado a velha, e a lei ou terá nascido formalmente perfeita sob a antiga Constituição, ou desde então já não se legitimaria e padeceria de inconstitucionalidade formal”. 313Tradicionalmente, essa regulação tributária é conhecida pela cambiante expressão “extrafiscalidade”. No entanto, após as conquistas científicas de autoria de Luís Eduardo Schoueri, observa-se que a expressão somente gera confusões, no domínio da Dogmática Jurídica do Direito Tributário, conforme preleções do Capítulo 2. 314 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 34, a saber: “Tratando-se, entretanto, do objeto central do presente estudo, não parece adequado manter a expressão "extrafiscalidade", já que, como visto, pode o mesmo termo ser empregado ora para o gênero, ora para a espécie. Ao mesmo tempo, a expressão pode implicar constituírem normas que já não se incluem na fiscalidade, com isso se desvencilhando dos ditames próprios do regime tributário.”.

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Nesse contexto, o conteúdo estrutural da norma tributária indutora relaciona-

se sistematicamente com os enunciados normativos dos artigos 21, 26, 39, 57 e 65, do próprio

CNT de 1966. Os dispositivos dos artigos 21 e 26 são pertinentes respectivamente aos

impostos sobre o comércio exterior, isto é, impostos sobre importação - artigo 19, do CTN de

1966 e sobre exportação - artigo 23, do CTN de 1966.

Prescreve-se permissivamente que o “Poder Executivo pode, nas condições e

nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim

de ajustá-lo aos objetivos da política cambial e do comércio exterior” (Grifo nosso).

Sem sombra de dúvidas, houve recepção dessa demarcação competencial da

União pela CF de 1988, em decorrência dos incisos I e II, do seu artigo 153315.

Porém, os sobreditos enunciados normativos não foram totalmente

recepcionados, pois, sob a égide da CF de 1988, somente permite-se a alteração de alíquotas

dos tributos alfandegários, excluindo-se por completo qualquer possibilidade de modificação

de base de cálculo sem lei formal, conforme §1º, do artigo 153.

Já o enunciado normativo do artigo 39, do CTN de 1966, referia-se aos limites

(máximo e mínimo) de alíquotas de imposto sobre transmissão sobre bens imóveis e de

direitos eles relativos - ITBI de competência dos Estados, àquela época.

Esclareça-se, a propósito, que a incidência sobre transmissão de direitos reais

de bens imóveis era amplíssima316, a ponto de abarcar toda e qualquer transmissão, por força

da expressão “a qualquer título” (inter vivos, causa mortis, a título oneroso ou gratuito),

exceto quanto aos direitos de garantia, conforme interpretação sistemática dos enunciados do

inciso II e do parágrafo único, do artigo 35, do CTN de 1966317.

As alíquotas mínimas, por resolução do Senado, atenderiam a finalidade de

induzir a aquisição de imóveis, em face do déficit habitacional naquele contexto urbano.

315 FOLLONI, André Parmo. Tributação sobre o comércio exterior. São Paulo: Dialética, 2005, p. 113 e p.124. A propósito das sobreditas competências tributárias sobre negócios aduaneiros, conferir, sobre o II: “Encontra-se o Imposto de Importação previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 153, I, que outorga à União a competência para instituir impostos sobre a importação de produtos estrangeiros. E o fez aqui pessoa jurídica de direto público, ao editar o Decreto-Lei n. 37/66”. Igualmente, conferir regulamentação do IE, in verbis: “Prescrita no art. 153, II, da Constituição da República, a competência para instituição do Imposto de Exportação é da União. Quando da vigência Constituição de 1967 (Emenda n. 1 de 1969), a União editou o Decreto-Lei. 1.578/77, criando o tributo.”. 316

SCHOUERI, Luís Eduardo. Discriminação de competências e competência residual. In SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio. Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 84. Nesse contexto, Luís Eduardo Schoueri elucida essas raízes históricas em sede de repartição de competências tributárias, consignando que, a partir de 1934, “Reservaram-se aos Estados (art. 8º) o da propriedade territorial (exceto a urbana), o da transmissão causa mortis e, no caso de bens imobiliários, inter vivos, consumo de combustíveis, exportações, vendas e consignações e indústria e profissões.”. 317 PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, p. 699.

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No entanto, a sobredita disposição não encontra guarida no sistema

constitucional vigente, de tal sorte que até mesmo a competência para tributar a transmissão

de bens imóveis foi repartida entre Estados318, como se depreende do artigo 155, inciso I

(“quaisquer bens ou direitos”), e Municípios, conforme artigo 156, inciso II (“de bens

imóveis”), todos da CF de 1988.

Interessante que não há repetição da sobredita norma tributária indutora,

porquanto o próprio §2º, do enunciado normativo do artigo 156, da CF de 1988, apenas

proporciona status imunizante da antiga não incidência do tributo, conforme o artigo 36, do

CTN, de 1966.

In casu, ainda na ressalva da parte final do inciso IV, do artigo 97, do CTN de

1966, há referência ao artigo 57, revogado expressamente pelo Decreto-Lei n.º 406, de 1968.

Assim sendo, não há o que se discutir a respeito de recepção ou não, nessa hipótese.

Por outro lado, a ressalva da parte final do inciso IV, do artigo 97, do diploma

geral de Direito Tributário, também remete o intérprete ao enunciado normativo do artigo 65,

do próprio CTN de 1966.

Nesse contexto, há uma repetição inicial das disposições literais dos

enunciados normativos dos artigos 21 e 26, do mesmo Diploma Geral Tributário; porém,

modifica-se o âmbito de indução tributária para a “política monetária”.

Assim sendo, o sobredito dispositivo encontra-se também parcialmente

revogado, porquanto o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre

operações relativas a títulos e valores mobiliários - IOF permanece no âmbito competencial

da União - artigo 153, inciso V, da CF de 1988, mas somente permite-se mitigar a legalidade

quanto às alíquotas, como se depreende do §1º, do artigo 153, da CF de 1988.

Diante disso, conclui-se que o constituinte de 1988 foi cauteloso, ao

possibilitar a alteração por ato do Poder Executivo, apenas do fragmento do critério

quantitativo que é a alíquota.

318 BARRETO, Aires F. Curso de direito tributário municipal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 282. Destaque-se o posicionamento do tributarista, no sentido de que, ao citar o não recepcionado caput do artigo 35, do CTN, quanto à antiga competência estadual para instituição do ITBI, asseverou, em nota de rodapé de n.º 165, que “A Constituição de 1988 outorgou aos Municípios e ao Distrito Federal a competência para instituir esse imposto, que até então era estadual.”. Nossa afirmação não colide com essa posição abalizada, mas apenas destaca que os arquétipos constitucionais do ITIV e do ITCMD, diferenciam-se inicialmente pelos seguintes argumentos: o primeiro pela específica menção aos bens imóveis na hipótese de incidência, recaindo em negócios jurídicos inter vivos e a título oneroso; o segundo, pela amplitude da hipótese de incidência, quanto a bens de qualquer natureza, inclusive, imóveis, diferenciando-se pela descrição de negócio jurídico gratuito ou de forma de transmissão de direitos por sucessão.

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4.2.1.2 Uma proposta de compreensão do enunciado normativo “é facultado ao Poder

Executivo”: uma análise estruturalista a partir dos pressupostos de validade dos atos

administrativos

O constituinte originário positivou reserva legal formal relativa exercitável por

ato do Poder Executivo, mediante juízo de conveniência e oportunidade, no intuito de

otimizar a eficácia formativa319 da regulação mediante técnicas de tributação indutora,

pertinentes um fragmento formativo do critério quantitativo presente no consequente ou

prescritor da regra matriz dos impostos federais em comento.

Grande parte da doutrina costuma fazer interpretação restritiva do sobredito

elemento da reserva legal em apreço, fato que dificulta o controle e fiscalização da legalidade

de outras autoridades administrativas, igualmente competentes para tanto.

No entanto, a jurisprudência mais atenta à interpretação sistemática, calhou

por determina a amplitude do que se entende por “Poder Executivo”, nessa seara da tributação

indutora.

Em sendo assim, os atos administrativos aptos a alterar as cargas tributárias

desses tributos não são apenas os decretos320, mas igualmente as portarias321 e as

resoluções322, mesmo sendo estes dois últimos veículos ou instrumentos introdutores de

normas de escalão inferior aos atos expedidos pela chefia do Poder Executivo.

Esse cenário contextualizador dos limites da cláusula “é facultado ao Poder

Executivo” depende do exame analítico das estruturas dos atos administrativas, uma vez que

o desvio de finalidade enquanto desvio de poder caracteriza-se como vício de legalidade que

contamina a estrutura do ato jurídico administrativo.

319 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, 5ª ed. São Paulo: 2012, p. 138. Apesar de premissas diversas e de nomenclaturas divergentes (v.g., normas diretivas), a lição do eminente tributarista elucida a eficácia própria das normas tributárias indutoras, uma vez que se pautam em “recomendações”, a saber: “Porque as normas diretivas possuem eficácia formativa que se exterioriza normalmente por meio de recomendações comportamentais, a intensidade dos comandos deve ser examinada. Aqui tem significado o dever de proporcionalidade”. 320 MELO, José Eduardo Soares de. IPI: teoria e prática, p. 216. Igualmente, sobre a possibilidade de alteração por decretos, conferir: ELALI, André. IPI: aspectos práticos e teóricos, p. 76. 321 PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, p. 302. Conferir precedente TRF 5ª Região, Tribunal Pleno, INAMS 94.05.46994/PE, rel. Juiz Ridalvo Costa, mar/98, DJU de 04.05.1998, p. 811. 322RE 570.680/RS, STF: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO. ALTERAÇÃO DE ALÍQUOTA. ART. 153, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA NÃO CONFIGURADA. ATRIBUIÇÃO DEFERIDA À CAMEX. CONSTITUCIONALIDADE. FACULDADE DISCRICIONÁRIA CUJOS LIMITES ENCONTRAM-SE ESTABELECIDOS EM LEI. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO”.

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Assim sendo, é imperioso enfrentar meteoricamente as premissas estruturais

dos atos jurídicos, para somente então, contextualizá-las no âmbito da tributação indutora.

A jurisprudência civilista francesa apenas invalidava casamentos não

enquadráveis, por subsunção, nas hipóteses rigorosamente previstas no Código Civil, por

força da máxima pas de nullité sans texte323.

Assim, a partir da imperfeição jurídica elencada como critério de classificação

dos atos jurídicos, Zachariae von Lingenthal, coautor do Cours de Droit Civil Français,

estremou os atos em dois grandes grupos taxonômicos: inexistentes ou existentes perante o

Direito Civil francês324.

Os atos inexistentes não eram objetos de desconstituição judicial, de tal sorte

que não adentraram no mundo jurídico, em razão da falta de previsão no texto legal. Por

outro lado, os atos existentes diante da ordem jurídica francesa se subdividiriam, quanto aos

vícios que os inquinariam, em nulos e anuláveis.

Já os atos viciados poderiam ser invalidados pelas autoridades jurisdicionais,

pois já teriam ingressado no mundo jurídico, mesmo que de maneira imperfeita ou débil325.

Por sua vez, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda326 tratou de sistematizar o

estudo dos planos da existência, da validade e da eficácia do mundo jurídico, outorgando

preciosa contribuição científica ao estudo da incidência normativa sobre fatos de relevância

jurídica.

Para o notável jurista alagoano, ingressa no plano da existência jurídica todo e

qualquer fato ocorrido no mundo fenomênico, que ostenta prévia descrição abstrata no

antecedente normativo, descritor normativo ou suporte fático327.

O enciclopédico jurista admoesta para os diferenciados planos, de tal sorte que

“existir, valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser, valer

e não-ser eficaz”328, partindo de uma dimensão ontológica do estudo do sistema de direito

positivo.

323 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 122. 324 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 122. 325 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000, tomo 4, p. 63. 326 MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000. t. 4, p. 48 e, especialmente, 53, tomo 4. Nesse mesmo sentido: MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 122-123. 327 BORGES, José Souto Maior. Interpretação da isenção no código tributário nacional. In: ELALI, André; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; TRENNEPOHL, Terence (coord). Direito tributário: homenagem a Hugo de Brito Machado. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 321. 328 MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000. t. 4, p. 48.

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Essa situação caracteriza na teoria pontesiana a infalível incidência

normativa329 apta a transportar determinado fato ocorrido no mundo fenomênico para as

paragens do Direito, nas quais o fato passa a disciplinar-se conforme seus operadores ou

modais deônticos (obrigatório, permitido ou proibido)330, em face do consequente normativo,

verificando-se, destarte, a configuração de fato jurídico propulsor da pertinente relação

jurídica entre sujeitos de direito e deveres.

Nessa ordem de considerações, para que se considere existente um fato e,

consequentemente, mereça o adjetivo jurídico, nas paragens da teoria pontesiana, faz-se

mister que no evento concreto constem todos os elementos essenciais exigidos pelo descritor

normativo - elementos nucleares331, numa relação de suficiência do suporte fático, sob pena

de se configurar inexistência jurídica332.

Ontologicamente, satisfeito o plano da existência, o fato jurídico, previamente

desenhado no descritor normativo, hipótese normativa, hipótese de incidência333 ou suporte

fático334, deve, por sua vez, possuir atributos adicionais ou complementares, para tornando-se

perfeito e vinculante - não deficiente; satisfeitos esses atributos, tem-se o ingresso do fato no

segundo plano, que é o da validade jurídica335.

329 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 122-123. 330 ATIENZA, Manuel; RUIZ, Juan. Las piezas del derecho: teoría de los enunciados jurídicos. 2. ed. Barcelona: Ariel, 2004. p. 88, especialmente, nota de rodapé 10, in verbis: “Como el lector recordará, utilizamos el término ‘normas deónticas o regulativas’ para referirnos a todas aquellas normas em cuyo consecuente aparece un operador deóntico (sea éste ‘obligatorio’, ‘prohibido’ o ‘permitido’)”. 331 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 123. 332 MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000. t. 4, p. 53. 333 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 33. Nesse sentido, porém, com terminologia distinta, Vladimir da Rocha França utiliza como sinônimo de descritor a locução “hipótese normativa”, na qual “[...] há a descrição de um evento (ou uma classe de eventos que pode ocorrer na realidade circundante do homem. Para tanto, é preciso que haja a fixação dos critérios material (no que consiste), espacial (onde deve ocorrer) e temporal (quando deve ocorrer) do evento jurídico, que devem estar presentes no evento relatado no fato jurídico”. A propósito, o eminente administrativista potiguar trata do tema da incidência jurídica de maneira detalhada, sob inspiração das inesquecíveis lições do mestre Lourival Vilanova. Também, no mesmo sentido, mas utilizando a locução “hipótese de incidência”, ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. 334 MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000, tomo 3, p. 36. A propósito, destacando o aspecto material ou nuclear do suporte fático, ensina-nos o genial mestre: “Elementos necessários do suporte fático. No suporte fático dos negócios jurídicos, hão de estar os elementos necessários a todos os negócios jurídicos, a certa subclasse deles, ou a certa categoria jurídica. Naturalmente, hão de estar, precipuamente, os elementos necessários aos fatos jurídicos, porque negócio jurídico já é subclasse. A capacidade de direito é pressuposto necessário comum a todos os atos jurídicos. A capacidade civil, se falta, torna deficiente o suporte fático e faz nulo [...]. A falta de capacidade de direito determinaria a inexistência do negócio jurídico, porque não seria só deficiente, mas insuficiente, o suporte fático”. 335 MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000, tomo 3, p. 36. Nesse mesmo sentido: MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 123.

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Nas inestimáveis lições do mestre Lourival Vilanova336, superado o plano

ontológico da existência, o sistema de direito positivo pode ser simbolicamente representado,

na esfera da validade, por um círculo, no qual se contrapõem as partes do domínio do válido

com a do domínio do inválido337.

Assim, não basta para fins de validade jurídica a mera existência de sujeitos de

direito. Eles devem ser não somente plenamente capazes conforme a ordem jurídica

privada338, mas também, competentes para a esfera do Direito Público, de conformidade com

a legislação pertinente339.

Não é por outra razão que estando presentes os pressupostos de existência340

torna-se imperioso observar os pressupostos de validade do ato jurídico na esfera do direito

comum, no contexto do enunciado normativo presente no artigo 104, do Código Civil vigente,

a saber: agente capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável, sem se olvidar da

forma prescrita ou não defesa em lei, em face dos interesses particulares envolvidos341.

No último plano do mundo jurídico – o eficacial –, há de se estremar algumas

espécies de maior interesse, quais sejam: a) eficácia normativa; b) eficácia jurídica e, por fim,

c) eficácia fática ou fenomênica.

Entende-se por eficácia normativa o próprio fenômeno da incidência

normativa, de tal sorte que consolidado o suporte fático, bem como presentes os pressupostos

de validade342, tem-se a verificação da sobredita espécie eficacial, conforme a teoria

pontesiana.

336 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relações no direito, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 303. 337 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relações no direito, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 303. A propósito da metáfora, tem-se “[...] um círculo com duas partes complementares: numa fica o domínio do válido, noutro o domínio do não válido [...]”, que, em arremate, “[...] são subdomínios que tiram seu sentido da contraposição complementar.”. 338 Conferir artigos 1º e 104, inciso I, todos do Código Civil de 2002. 339 Conferir artigo 6º, inciso I e, especialmente, os artigos 11, 12 e 13, da Lei 9.784/1999 – Lei de Processo Administrativo Federal; bem como artigo 2º, alínea a, da Lei 4.717/1965 – Lei da Ação Popular. 340 Resgate-se a cláusula revogada do Código Civil de 1916 (Lei 3.071/1916), porquanto ainda bastante elucidativa para efeito de compreensão de toda a estrutura do direito privado brasileiro: “Art.1º Este Código regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às suas relações.”. 341 A propósito, é importante também revisitar as cláusulas que ensejam à invalidação do negócio jurídico, no Código Civil vigente, in verbis: “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção”. 342 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 139.

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120

Por outro lado, em decorrência da incidência jurídica, a norma jurídica produz

efeitos sobre os sujeitos e objetos envolvidos em situações ou em relações jurídicas343, que

passam a reger-se pelos ditames prescritos no consequente normativo, consistentes em

condutas obrigatórias, permitidas ou proibidas, em virtude de um entrelaçamento decorrente

de vínculo implicacional344. Ato contínuo, observa-se nesse sentido outra espécie eficacial: a

eficácia jurídica345.

Existe ainda um terceiro tipo de eficácia que independe absolutamente do

mundo do dever-ser, mas pertence ao plano do ser, enquanto potencialidade de ser

efetivamente aplicada e observada em sociedade.

Nessa ordem de considerações, elucida Ricardo Marcondes Martins346 que a

sobredita eficácia também é denominada por Hans Kelsen de eficácia fática ou fenomênica.

Em síntese, os atos administrativos que instrumentalizam a intervenção do

Estado fiscal brasileiro, desviados de suas finalidades constitucionais podem ser enxergados

tanto pela ótica da trilogia dos planos jurídicos, assim como pelos três ângulos eficaciais, por

exemplo, a eficácia formativa, de tal modo que a indução tributária busca atingir

potencialmente posturas dos agentes econômicos, com “recomendações comportamentais”,

nas preleções de Humberto Ávila347.

i) Pressuposto subjetivo: sujeito emissor do ato administrativo na

tributação indutora

Evidencia-se que todo e qualquer exame estrutural dos atos jurídicos,

inclusive dos administrativos, requer a observância de condições subjetivas para sua emissão

validamente chancelada pelo sistema de direito positivo.

343 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 140-141. 344 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 95-96. Nesse mesmo sentido: FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 33. 345 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 140-141. 346 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 142, nota de rodapé n. 65. Confira, a propósito, KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 11-12. Nesse sentido, ensina-nos com a maestria que lhe é peculiar: “Como a vigência da norma pertence à ordem do dever-ser, e não à ordem do ser, deve também distinguir-se a vigência da norma da sua eficácia, isto é, do fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos. Dizer que uma norma vale (é vigente) traduz algo diferente do que se diz quando se afirma que ela é efetivamente aplicada e respeitada, se bem que entre vigência e eficácia possa existir uma certa conexão”. 347 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.138.

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121

Por ser o direito privado âmbito natural de interesses particulares, a par de

algumas derrogações em abono à função social348, sem dúvida há maior liberdade individual

na emissão de ato ou na celebração de negócio jurídicos nas planícies da ordem jurídica

privada.

Nesse arcabouço civilista, constata-se que existe maior facilidade de emissão

validade de atos jurídicos pelos sujeitos de direito, desde que respeitados os institutos

indispensáveis da capacidade de direito, da possibilidade e licitude do objeto em jogo,

veiculados pela forma livre de emissão, enquanto regra.

Por outro lado, os atos jurídicos emanados no regime jurídico de direito

público produzem feixes deônticos constitutivos, modificativos ou extintivos de relações de

administração, nas quais exsurgem determinados bens públicos tutelados, de conformidade

com as preleções de Ruy Cirne Lima349.

Assim sendo, para a constituição, modificação ou extinção de relações de

administração não basta ser o agente capaz civilmente. Cumulativamente, necessário se faz

que o sujeito emissor350 seja investido regularmente em sua competência administrativa351

para expedir validamente o ato jurídico administrativo, em homenagem ao princípio da

divisão do trabalho.

Nesse contexto, segundo Vladimir da Rocha França352, para efeito de regular

exercício competencial devem existir três outras condições concretamente verificáveis, a

saber: a) agente regularmente investido em competência para atuar concretamente na tutela

de interesse público previsto em hipótese de incidência; b) pessoa jurídica cujo ato a ser

348

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, p. 33. Veja também as cláusulas distribuídas no Código Civil vigente, a respeito do princípio da função social, a saber: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”; “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.[...]” 349 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo, p. 105. Nesse sentido: “2. A relação jurídica que se estrutura ao influxo de uma finalidade cogente, chama-se relação de administração (Ruy Cirne Lima, Sistema de Direito Administrativo Brasileiro, t. I, Porto Alegre, 1953, § 3, p. 25). Chama-se-lhe relação de administração, segundo o mesmo critério pelo qual os atos de administração se opõem aos atos de propriedade (Código Civil Francês, art. 1.988).” 350 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 363. Prefere o eminente autor chamar o pressuposto subjetivo de “produtor do ato”. 351 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo, p. 180. A propósito, conceitua competência como “[...] plexo de atribuições outorgadas pela lei ao agente administrativo para consecução do interesse público postulado pela norma”. 352 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, p. 77.

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imputado também esteja legalmente inserida em sua competência administrativa exercida

pelo seu longa manus; e, por fim; c) inexistência de incidência de modal deôntico proibitivo

ao seu exercício do agente investido, à guisa de impedimento ou de suspeição, in concreto.

Como elucidativo exemplo, vislumbre-se a competência regulatória atribuída

ao Poder Executivo quanto à possibilidade prevista no enunciado normativo do §1º, do artigo

153, da CF de 1988, pertinente à reserva formal relativa da cláusula da legalidade tributária.

Dessa maneira, trata-se de trecho de regulamentação infraconstitucional da

cláusula da legalidade tributária, prevista no artigo 150, inciso I e §1º, do artigo 153, ambos

da Constituição Federal de 1988.

Em arremate, a natureza da competência do sujeito ou do agente emissor dos

atos administrativos em apreço é discricionária, uma vez que, diante das vicissitudes e

alterações conjunturais do Domínio Econômico, outorga-se ao Poder Executivo a

possibilidade de emitir juízo de conveniência e oportunidade para regulá-lo. É, portanto,

inviável a caracterização de competência vinculada, em matéria de tributação indutora, como

se depreende do §1º, do artigo 153, da CF de 1988.

ii) Pressupostos objetivos: motivo e procedimento dos atos administrativos

na tributação indutora

Não basta ao sujeito estar imbuído de competência administrativa de

conformidade com as balizas legais para a expedição válida de ato administrativo.

É necessário, ainda, que o agente público vislumbre motivos para a introdução

de comandos deonticamente destinados aos administrados, sob pena ensejar à invalidação do

ato administrativo353.

Nessa ordem de considerações, há de se ressaltar que o critério de distinção

entre motivos de direito e de fato, leva em conta a dicotomia lógico-formal exposta por Hans

Kelsen, ou seja: a dimensão do ser e do dever-ser , como enfrentado no Capítulo 1354.

Assim, por um lado, o motivo de direito355 corresponde à hipótese de

incidência administrativa que atribui plexo de permissões deonticamente orientadas ao agente

público para expedir determinado ato administrativo, enquanto expressão do dever-ser.

353 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, pp. 78-79. 354 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 6. Nesse sentido, “No entanto, este dualismo de ser e dever ser näo significa que ser e dever-ser se coloquem um ao lado do outro sem qualquer relação. Diz-se: um ser pode corresponder a um dever-ser, o que significa que algo pode ser da maneira como deve ser.” 355 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo, p. 364. Quanto à dicotomia, Celso Antônio Bandeira de Mello utiliza a nomenclatura “motivo legal” (motivo de direito) e “motivo do ato” (motivo

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Por outro lado, o sujeito imbuído na competência administrativa detém o

poder-dever de identificar na realidade vivenciada qual fato se enquadra na moldura da

hipótese de incidência administrativa.

Realizada a sobredita cognição, por subsunção lógico-formalista, tem-se

configurado o motivo de fato do ato (motivo do ato)356, enquanto expressão do ser.

Para efeito de contextualização, a competência regulatória presente no §1º, do

artigo 153, da CF de 1988, traz como motivo de direito a regulação estatal sobre o Domínio

Econômico, especificamente, quanto à produção industrial - IPI, ao mercado financeiro -

IOF, sem se olvidar de possíveis proteções alfandegárias - II e IE, tudo mediante indução

tributária.

Enquanto motivo de fato, compete ao Presidente da República ou outros órgãos

administrativos, como a CAMEX, identificar na conjuntura nacional as possíveis crises que

ensejam à indução tributária hipoteticamente subsumíveis ao enunciado normativo em

apreço.

O motivo não deve ser confundido com motivação357. Esta, por conseguinte,

coincide com fundamentação, uma vez que demonstra linguisticamente a existência dos

motivos de direito e de fato.

Por sua vez, enquanto corolário do princípio democrático, demandando,

portanto, a participação do administrado na formação do ato jurídico administrativo, desponta

a procedimentalidade358 como segundo pressuposto objetivo de validade359 dos atos

administrativos.

Nesse contexto, o sobredito pressuposto de validação enfeixa dúplice

possibilidade ao administrado, perante a Administração Pública, a saber: a) de um lado,

viabiliza a observância do andamento da atividade administrativa, até a expedição final do ato

de fato). A propósito, “motivo” não se confunde com o “móvel”, elemento psicológico, consubstanciado na vontade do agente. 356 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo, p. 181. Utiliza a expressão “motivo como pressuposto fático, ou acontecimento do mundo fenomênico, que postula, exige ou possibilita a prática do ato. Difere do motivo legal, que é o pressuposto descrito na norma”. 357 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, p. 80. Nesse mesmo sentido: Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, p. 366. 358 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 370. MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução, p. 220-221. Sobre as raízes do processo administrativo, Odete Madauar remete o leitor à “[...] lei espanhola de procedimento, em 1889, destinada a fixar normas uniformes a serem observadas pelos ministérios na elaboração de regulamentos para disciplinar assuntos de sua competência; introduziu o registro de entrada de documentos e previu um sistema de recursos.” 359

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, p. 80. Em sentido oposto: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na constituição de 1988, pp. 81-86. A sobredita professora apenas aponta cinco elementos do ato administrativo, vale dizer: sujeito, objeto ou conteúdo, forma, motivo e finalidade.

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administrativo; e b) de outro, outorga ao administrado a possibilidade de participar da

formação do ato administrativo, tanto para fins de esclarecimento e como para efeito de

defesa de seu direito perante a Administração Pública.

O procedimento administrativo revela a face participativa do administrado na

formação do ato administrativa, como corolário do princípio democrático360.

Em sede de tributação indutora, a procedimentalidade não é prestigiada a

partir desse viés democrático, de tal maneira que o procedimento administrativo que deflagra

marcha tendente à intervenção do Estado sobre Domínio Econômico não é acessível a todos,

fato que dificulta a análise dos motivos e da motivação do ato administrativo que altera a

alíquota dos tributos referidos no §1º, do artigo 153, da CF de 1988, como se observa na

jurisprudência mansa e pacífica do Supremo Tribunal Federal - STF361.

Nessa ordem de considerações, para facilitar a controlabilidade e exame de

validade das alterações das alíquotas em sede de tributação indutora, urge modificação desse

entendimento desposado pelo Supremo Tribunal Federal - STF, desde 1998362.

A propósito do tema, admoesta abalizada doutrina de Vladimir da Rocha

França363, no sentido de que a controlabilidade jurisdicional dos desvios de poder, em sede de

exercício de competência discricionária, torna-se viável tão somente quando há possibilidade

de apreciação sob a ótica lógico-formal.

360 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, p. 82. 361 No sentido oposto ao princípio democrático, vislumbrar os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), a saber: "Imposto de importação: alteração das alíquotas, por ato do Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei: CF, art. 153, § 1º. A lei de condições e de limites é lei ordinária, dado que a lei complementar somente será exigida se a Constituição, expressamente, assim determinar. No ponto, a Constituição excepcionou a regra inscrita no art. 146, II. A motivação do decreto que alterou as alíquotas encontra-se no procedimento administrativo de sua formação, mesmo porque os motivos do decreto não vêm nele próprio. Fato gerador do imposto de importação: a entrada do produto estrangeiro no território nacional (CTN, art. 19). Compatibilidade do art. 23 do DL 37/1966 com o art. 19 do CTN. Súmula 4 do antigo T.F.R.. O que a Constituição exige, no art. 150, III, a, é que a lei que institua ou que majore tributos seja anterior ao fato gerador. No caso, o decreto que alterou as alíquotas é anterior ao fato gerador do imposto de importação.", RE 225.602, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 25-11-1998, Plenário, DJ de 6-4-2001.) No mesmo sentido: RE 441.537-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 5-9-2006, Segunda Turma, DJ de 29-9-2006”. (Grifo acrescido). <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp#visualizar>. Acesso em 03-01-2012, 16:56. 362 Para boa técnica de controle, dever-se-ia exigir dos órgãos do Poder Executivo a transparência dos motivos e motivação não apenas no procedimento administrativo, mas igualmente no decreto, na resolução ou portaria que modificasse a alíquota dos impostos presentes no §1º, do artigo 153, da Constituição Federal de 1988. 363 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação judicial da discricionariedade administrativa: no regime jurídico-administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 143. Nesses termos, “Enquanto no abuso de poder temos a quebra direta da juridicidade (pela ofensa à legalidade administrativa), no desvio de poder, o alentado ao ordenamento jurídico ocorre no exercício da competência discricionária, regularmente concedida ao agente público. Ambos são modalidades do excesso de poder. [...] A eficiência do emprego da competência discricionária constitui aspecto indissociável de sua submissão ao regime jurídico-administrativo, mas o controle jurisdicional somente será admissível quando for viável sua apreciação em termos jurídico-formais.”

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Em sendo assim, o entendimento do Supremo Tribunal Federal - STF dificulta

o exame da validade, fato que caminha em sentido contrário ao regime jurídico-administrativo

brasileiro e, de modo subjacente, avilta o princípio democrático.

Por derradeiro, nessa matéria, deveria prevalecer o entendimento do Superior

Tribunal de Justiça - STJ, que entende por bem exigir exposição da motivação, quando

houver alteração de alíquotas364.

iii) Pressuposto teleológico: finalidades tributárias na tributação indutora

Resgate-se,oportunamente, que a finalidade é explorada enquanto requisito de

validade365 dos atos jurídicos administrativos, numa nítida tentativa de agrilhoar o agente

público aos fins legais, como se vislumbra no diploma legal de n.º 4.717/1965, alínea “e”, do

art.2º, alínea “e”, do parágrafo único366.

Nesse contexto, tem-se que fim é o bem jurídico alvejado pelo sistema de

direito positivo e, por conseguinte, pelos agentes públicos. Não é por outro motivo, que Rui

Cirne Lima367, destaca a governança implícita de toda relação de administração ou seja, o

interesse público, enquanto bem jurídico visado por toda atuação da Administração Pública.

Essa perspectiva traz a necessária correlação finalística entre as competências

predominantemente arrecadatória e reguladora, no nosso sistema constitucional tributário,

como visto no Capítulo 3.

De fato, cada qual das competências dispõe de um regime constitucional

próprio, em relação à interpretação dos direitos fundamentais dos contribuintes/responsáveis.

Por conseguinte, em se tratando de incidência tributária com fins

predominantemente arrecadatórios exsurgem as limitações constitucionais ao poder de

tributar em sua plenitude de direitos de resistência, a exemplo das cláusulas da legalidade

tributária, da isonomia, da irretroatividade, das anterioridades do exercício e da noventena,

bem como da vedação do efeito confiscatório dos tributos, como contrapontos aos investidas

do Estado fiscal brasileiro.

364 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, p. 94, nota de rodapé n.13. Nesse sentido, conferir a controvérsia quanto à exigência ou não de motivação nos atos administrativos na esfera tributária, no que atina à alteração de alíquotas. A propósito, REsp 40.719-SP, rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 31.5.1996, v.u. pelo provimento, DJ 19.6.1996. 365 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo, pp. 370-371. 366 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, p. 169. 367 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo, p. 105.

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Assim sendo, caso haja fins predominantemente regulatórios na incidência

tributária368, há de se observar as relativizações impostas às referidas cláusulas, nas condições

especificamente constitucionais, a exemplo do permissivo deôntico quanto à expedição de

decretos ou outros atos administrativos de majoração ou redução de carga tributária, aos

moldes do §1º, do artigo 153, da CF de 1988.

Enfim, destaque-se que esse parâmetro de controlabilidade apenas pode ser

potencializado em se tratando concretização do amplo acesso ao procedimento administrativo

e à exposição da motivação no próprio ato administrativo, que modifica a alíquota, para se ter

em conta se a fundamentação demonstra a finalidade maior de arrecadar ou de intervir sobre

o Domínio Econômico, mediante técnica de indução tributária.

iv) Pressuposto lógico: causa na tributação indutora

Por causa entende-se a relação de compatibilidade lógica entre o conteúdo do

ato administrativo - o comando deonticamente previsto - e seu motivo369, tendo em conta o

exame do fim público perseguido pela ordem jurídica.

Enquanto elucidativo enlace de adequação entre conteúdo do ato

administrativo e seu motivo, vislumbre-se a relação entre o permissivo deôntico de alteração

de alíquotas por decretos ou outros atos administrativos, para fins de arrefecer determinada

crise em setor industrial, a exemplo da regulação da produção de veículos automotores

através da incidência de Imposto sobre Produto Industrializado - IPI.

Em arremate, há previsão implícita da causa370, como pressuposto lógico de

validade do ato administrativo na lei de processo administrativo.

v) Pressuposto formalístico: formalização e suas relações com a tributação

indutora

Como “revestimento lingüístico”371, desponta a formalização como requisito de

validade do ato administrativo, ou seja, o modo que deve ser estruturado,

conforme o sistema de direito positivo, como bem preleciona Vladimir da

Rocha França.

368 Em outros dizeres, bem jurídico pertinente à intervenção ou à regulação estatais. 369 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, p. 84. Também: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 373. 370 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, p. 84. 371 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo, p. 85. Expressão utilizada pelo autor “revestimento lingüístico”.

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Destarte, adverte a abalizada doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello,

que a formalização não se confunde com a forma372, uma vez que a última é o modo de ser de

estruturação e organização do ato jurídico público, em determinado caso concreto, a exemplo

das reduções de alíquotas introduzidas no sistema de direito posto pelo decreto n. º 6.809,

DOU 31.03.2009373.

4.2.1.3 Alcance semântico da expressão “atendidas as condições e os limites estabelecidos em

lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos i, ii, iv e v”

Enquanto expressão do enunciado normativo constitucional, o permissivo

deôntico presente no § 1º, do artigo 153, da CF de 1988, ainda apresenta algumas

dificuldades, nas circunstâncias da tributação indutora brasileira.

Estruturalmente, há possibilidades reais de controlabilidade judicial dos

desvios de finalidades a partir do enfoque lógico-formal da estrutura dos atos

administrativos, como veículos introdutores de normas infralegais nessa seara jurídica, como

será examinado oportunamente.

No entanto, o exercício eficaz dessa controlabilidade encontra sérias barreiras

na complacente jurisprudência de nosso Supremo Tribunal Federal - STF, como

oportunamente ressaltado.

Noutro pórtico, pende a análise de ponto relevantíssimo, quanto à natureza da

classificação desse enunciado normativo constitucional. Isto é, tratar-se de que tipologia

normativa constitucional? Seria, então, um exemplar de norma de eficácia plena?

Caso seja afirmativa a resposta, aplicam-se todas as considerações e

dificuldades de controle jurisdicional a respeito do tema.

Por outro lado, em sendo negativa a resposta, o enunciado normativo sub

examine mais aponta para a classificação de norma constitucional de eficácia limitada,

porquanto remete ao legislador infraconstitucional a conformação das “condições e limites”

do exercício da competência regulatória, em sede de tributação indutora. Nesse ponto, a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - STF não se manifesta expressamente. No

entanto, ao chancelar indiretamente essa possibilidade de exercício de competência

372 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 376. 373 Especialmente, nos setores de veículos automotores, produção de eletrodomésticos e de materiais de construção e edificação, no Brasil, em 2008/2009, conforme decreto federal de n.º 6.809, DOU 31.03.2009, atualmente revogado.

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discricionária, corrobora em dificultar mais ainda a defesa dos direitos fundamentais dos

contribuintes/responsáveis, de tal modo que outorga eficácia plena ao enunciado normativo

que, a rigor, somente ostenta eficácia limitada, pela própria estruturação semântico-sintática.

A propósito, entende Sacha Calmon Navarro Coêlho374 que o enunciado

normativo do §1º, do artigo 153, da CF de 1988, enquanto expressão de norma de eficácia

limitada, pendente de regulamentação e conformação infraconstitucional pelo legislador pós-

constitucional.

Em sede de direito pré-constitucional, ao observar o diploma normativo

referenciado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - STF, vê-se que, a rigor, “as

condições e limites” exigidas no enunciado normativo constitucional em apreço, sequer são

conformadas em harmonia sistêmica com a Ordem Constitucional de 1988.

São isso, sim, interpretadas a partir de disposições pré-constitucionais, v.g.,

Decreto-lei 1.578, de 11 de outubro de 1977375, especialmente, em contendas relativas às

alterações de alíquotas dos impostos relativos ao Domínio Econômico alfandegário, como o

Imposto sobre Exportações -IE.

Não se discute, nessa altura da exposição, questões óbvias, como a

compreensão de que não compete apenas ao Presidente da República manejar as alíquotas,

conforme juízo de conveniência e oportunidade, mas também compete a outros órgãos do

Poder Executivo, a exemplo da Câmara de Comércio Exterior – CAMEX, fazer uso dessas

funções regulatórias376.

Por oportuno, a par dessa possibilidade quanto à alíquota, cumpre ressaltar a

flagrante não recepção, em sede da definição dos contornos da base de cálculo do sobredito

tributo alfandegário. 374 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 187. Nesse sentido, sobre a natureza da norma constitucional, conferir: “O dispositivo constitucional, está à vista, é de eficácia limitada (not self-executing), em que pesem doutas opiniões discrepantes, ao argumento de que, em relação aos impostos alfandegários e ao IPI, existem leis autorizativas aproveitáveis, o mesmo ocorrendo com o IOF”. 375 Contra nosso posicionamento de não recepção de inúmeros dispositivos do Decreto-lei 1.578/1977, conferir: FOLLONI, André Parmo. Tributação sobre o comércio exterior. São Paulo: Dialética, 2005, p. 124. Discordamos veementemente dessa posição, que, por honestidade acadêmica, deve ser destacada: “Quando da vigência Constituição de 1967 (Emenda n. 1 de 1969), a União editou o Decreto-Lei n. 1.578/77, criando o tributo. Tal Decreto-Lei, a exemplo do que ocorre com o Decreto-Lei n. 37/66, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com eficácia de lei ordinária, de modo que apenas pode ser modificado ou revogado mediante esse instrumento normativo (v. subitem 3.5.1). A última alteração foi levada a efeito com a edição da Lei n. 10.833, de 29 de dezembro de 2003”. (Grifo nosso). 376 Por óbvio, decorre de singela aplicação do procedimento gramatical, de tal modo que a locução Poder Executivo enquadra um plexo incomensurável de órgãos administrativos. A propósito, as disposições desse Decreto-Lei 1.578, de 11 de outubro de 1977, que, entendemos não recepcionado amplamente pela CF de 1988, com algumas alterações pós-constitucionais, aplica-se, no que couber, manejo tributário do Imposto de Importação- II, de conformidade com seu artigo 8º.

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Há de se observar, primeiramente, que tão somente Lei Complementar pode

definir bases de cálculo dos tributos, ex vi do artigo 146, inciso III, alínea “a”, da CF de 1988.

No entanto, o próprio artigo 2º do sobredito Decreto-Lei 1.578/77, com

redação dada pela Medida Provisória n. º 2.158-35, de 2001, enuncia que a base de cálculo

do imposto é o preço normal, que o produto ou seu similar, ostentaria, ao tempo do ato de

exportação, em livre concorrência, “observadas as normas expedidas pelo Poder Executivo,

mediante ato da CAMEX – Câmara de Comércio Exterior”.

A propósito, eis a primeira matéria não recepcionada pela CF de 1988, pois

base de cálculo é matéria legiferante de reserva de Lei Complementar.

Em segundo lugar, a base de cálculo não pode ser alterada nem sequer

regulamentada377 por ato do Poder Executivo, uma vez que o próprio enunciado normativo do

§1º, do artigo 153, da CF de 1988, disciplina a discricionariedade no manejo indutor apenas

das alíquotas.

Eis a segunda matéria não recepcionada, porquanto, trata-se de ofensa ao

sobredito enunciado normativo, que, deonticamente permite alterações de alíquotas, e não de

base de cálculo.

O grande problema é a aceitação retumbante e pacífica na jurisprudência da

premissa de que o enunciado normativo do § 1º, do artigo 153, da CF de 1988, compreende,

em sua interpretação/aplicação, a utilização de veículos introdutores de normas pré-

constitucionais com sérios indícios de não recepção, sem nenhum exame percuciente de

compatibilidade material com a Ordem Constitucional inaugurada em 1988.

Destarte, para arrematar essa discussão, caso a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal - STF reconhecesse expressamente a limitação da eficácia do enunciado

normativo na oportunidade de sua interpretação/aplicação, ao menos, impulsionaria o

Parlamento a sair do estado inercial de mora legiferante, para outorgar tratamento dignamente

compatível com a CF de 1988, em termos de reserva da legalidade formal relativa.

Supondo-se essa virada hermenêutica jurisprudencial, ter-se-ia salutar pressão

sobre o Poder Legislativo, despertando-o de seu sono esplêndido para regulamentar o

enunciado normativo em apreço, de tal modo que o Poder Executivo, como um todo, ficaria

377 O poder regulamentar advém do trecho: “observadas as normas expedidas pelo Poder Executivo”, como exsurge da redação da Medida Provisória 2.158-35, de 2001.

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impedido ou proibido exercitar a competência regulatória em apreço, sem diplomas

infraconstitucionais aptos a disciplinar harmonicamente o sobredito problema378.

Porém, a par da digressão, cumpre enfrentar a realidade da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal - STF, a respeito dos diplomas infraconstitucionais que

disciplinam as “condições e limites”.

Nesse contexto, quanto à interpretação da locução “Poder Executivo”, o RE n.º

570.680, de relatoria do eminente Ministro Ricardo Lewandowski, reconheceu a

constitucionalidade, em repercussão geral, cuja compreensão transcende a esfera

competencial da Presidência da República, presente no artigo 84, caput, IV, parágrafo único,

da CF de 1988, para fixar o entendimento sobre a compatibilidade constitucional material de

alterações de alíquotas pela CAMEX.

Por outro lado, o RE n.º 225.602, julgado em 1998, de relatoria do eminente

Ministro Carlos Velloso, igualmente assenta o núcleo semântico da compreensão da

expressão “condições e limites estabelecidos em lei”, no sentido de que a sobredita lei ostenta

natureza de lei ordinária, uma vez que a própria cláusula constitucional não exige para tanto

lei complementar, com incidência específica a partir da disciplina do enunciado normativo do

artigo 146, da CF de 1988.

Além dessa interpretação, o sobredito aresto estabeleceu o entendimento de

que a motivação379 para alteração da carga tributária por alíquota, não necessita estar

estampada expressamente no decreto, v.g., mas, exigível, apenas no procedimento

administrativo prévio, que inicialmente deflagrou o exercício da competência discricionária.

Lamentavelmente, esse entendimento identicamente desposado no RE 441.537

– AgR, julgado em 2006, de relatoria do Ministro Eros Grau, dificulta substancialmente o

378 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 187. Concordamos, parcialmente, com a voz abalizada e dissonante do doutro tributarista mineiro, que os diplomas infraconstitucionais, isto é, o Decreto-lei n.º 37/66, bem como o de n.º 1.578/77 não foram amplamente recepcionados para regulamentar a cláusula da reserva legal formal relativa pertinente ao § 1º, do artigo 153, da CF. A propósito: “Discordamos, visto que tais autorizações são velhas, em dessintonia com a Constituição, e estão em desacordo com o sistema ora implantado. Regras claras devem ser emitidas pelo Congresso Nacional para disciplinar a espécie. Agora se exige lei complementar para regular limitação ao poder de tributar, com renovado vigor”. Quanto à nossa discordância parcial, é quanto à necessidade de edição de lei complementar para regulamentação dessa matéria. Importa ressaltar que não carece de lei complementar para tanto, uma vez que o próprio § 1º, do artigo 153, não faz menção à reserva da lei complementar expressamente. Enfim, haveria pertinência da exigência de reserva de lei complementar caso a alteração fosse igualmente possível para base de cálculo dos impostos, em virtude do enunciado prescritivo do artigo 146, inciso III, alínea “a”, parte final, da CF de 1988. 379 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 311. No mesmo sentido de exigência de motivação, não apenas no procedimento administrativo, in verbis: “Conquanto nossa ordem constitucional outorgue liberdade para que o Executivo eleja alíquota dos impostos mencionados no art. 153, §1º, da CF, dentro dos parâmetros legais, isso está longe de significar que tal faculdade pode converter-se em ação arbitrária e irrazoável. Pelo contrário, seu exercício deve ser motivado” (Grifo nosso).

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controle jurisdicional em sede de desvio de finalidade, enquanto desvio de poder, como já

asseverado.

A par desse panorama, desponta inconstitucionalidade patente na medida

provisória 2.158-35, de 2001380, que deu redação ao artigo 32, do Decreto-Lei 37, de 18-11-

1966, atribuindo-se o regime específico de responsabilidade solidária em matéria de

tributação aduaneira, sem, contudo, compatibilizar-se com a exigência de Lei Complementar

para tanto, em face do artigo 146, da CF de 1988.

Em sede de interpretação da expressão “nas condições e limites definidos em

lei”381, presente no §1º, do artigo 153, da CF de 1988, o Imposto de Importação - II é regido,

no que couber, em sede de interpretação sistemática do artigo 3º e 8º, do Decreto-Lei 1.578,

de 11 de outubro de 1977, que regula a mesma temática quanto ao Imposto de Exportação -

IE.

Destarte, como é possível concluir, todos esses diplomas com força de lei, em

larga medida, não passariam por um crivo rigoroso de compatibilidade constitucional,

especialmente em sede de teoria da recepção.

4.2.2 Regra matriz de incidência tributária: um instrumento de fiscalização da

competência tributária regulatória

Na perspectiva estruturalista, as possíveis alterações das alíquotas dos tributos

não vinculados quanto à hipótese de incidência pertinentes ao §1º, do artigo 153, da CF de

1988, somente podem ser elucidadas, com o auxílio da prestigiada regra matriz de incidência

tributária, simbolicamente representada pela seguinte estrutura formal:

380 Decreto-Lei 37/1966: “Art. 32, [...] Omissis. Parágrafo único. É responsável solidário: I - o adquirente ou cessionário de mercadoria beneficiada com isenção ou redução do imposto; II - o representante, no País, do transportador estrangeiro; III - o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora.”. 381 Conferir as condições e limites da reserva legal formal relativa presente no Decreto-Lei 1.578, de 11 de outubro de 1977: “Art. 3o A alíquota do imposto é de trinta por cento, facultado ao Poder Executivo reduzi-la ou aumentá-la, para atender aos objetivos da política cambial e do comércio exterior. (Redação dada pela Lei nº 9.716, de 26.11.1998). Parágrafo único. Em caso de elevação, a alíquota do imposto não poderá ser superior a cinco vezes o percentual fixado neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 9.716, de 26.11.1998); conferir também: “Art. 8º - No que couber, aplicar-se-á, subsidiariamente, ao imposto de exportação a legislação relativa ao imposto de importação.”.

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Figura 2 CARVALHO, Paulo de Barros.

Como se observa acima, a estruturação da regra matriz de incidência tributária

do eminente tributarista Paulo de Barros Carvalho382 evidencia é a aplicação da lógica

deôntica aos critérios tributários eternizados por Geraldo Ataliba, em sua magistral obra

hipótese de incidência tributária383.

Assim, a estrutura da regra matriz simboliza a norma jurídica tributária (Njt),

num esquema proposicional regidos por duas cópulas hipotético-condicionais (dever-ser)384.

O dever-ser neutro (DSn), isto é, não modalizado, simbolizado pelo vetor de

único sentido385, que rege a relação implicacional entre hipótese e consequente normativos é

responsável pela condução de evento juridicamente relevante experimentado no mundo

fenomênico (ser), que exterioriza riqueza, para as paragens da Ciência do Direito Tributário

(dever-ser).

A partir da eleição de evento juridicamente relevante descrito pelo legislador

na hipótese normativa, como critério material da incidência tributária (Cm), configura-se a

incidência no instante da prática de conduta, sintaticamente articulada por um verbo e seu

respectivo complemento verbal (v. c), a exemplo de circular juridicamente produtos

industrializados, de importar produto estrangeiro, de exportação produto nacional ou de 382 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 411. A mesma estrutura lógica pode ser observada de maneira mais singela, mas, não menos precisa, em sua recente obra CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 611. O ponto (.) entre os critérios da regra matriz representa o conectivo lógico conjuntor. 383 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência, p. 58-59, et passim. 384 TOLEDO, Cláudia. Introdução à edição brasileira In ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. 2 ed, São Paulo: Landy, 2005, p. 24. Ressalte-se a diferença da cópula na lógica apofântica, que se expressa por “é”, e não pelo “dever-ser”, como ocorre na lógica deôntica. 385 Essa neutralidade decorre da inexistência de prescrição de comportamento obrigatório, permitido ou proibido, nesse momento da incidência da norma jurídica. Por isso, é designado de dever-ser neutro, por ausência de qualquer prescrição por modal ou modalizador deôntico. Por outro lado, na oportunidade de prescrição de comportamento, em algumas dessas modalidades prescritivas, tem-se um dever-ser modalizado, de tal modo que se impõe juridicamente ao sujeito passivo a tomada de certa conduta obrigada, ou permitir-lhe a comissão ou omissão, ou, ainda, prescrever-lhe proibição de conduta, sob pena de sanção negativa.

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realizar operações financeiras, enquanto atividades produtivas dos agentes econômicos

atuantes nas esferas reguladas pela União, em sua competência regulatória do §1º, do artigo

153, da CF de 1988.

Tais eventos descritos no critério material (Cm) são impulsionados por ações

humanas ou de pessoas jurídicas, linguisticamente representadas por um verbo, como

importar (v) e seu respectivo complemento produto estrangeiro (c), cuja aplicação deve ser

estendida aos demais tributos não-vinculados, como bem ressaltado supra.

Ocorrido o fato que exterioriza riqueza, previamente descrito na hipótese de

incidência, suporte fático ou antecedente normativo, cujo núcleo é o critério material (Cm),

cumpre, doravante, determinar o lugar ou espaço de sua ocorrência, isto é, a identificação do

critério espacial (Ce), a exemplo do território nacional, nos impostos de competência federal.

Não se deve olvidar, por sua vez, que a hipótese ou antecedente da norma

jurídica tributária (Njt) ficaria incompleto, sem a necessária determinação do momento ou

tempo de sua ocorrência, ou seja, a identificação do critério temporal (Ct).

Por outro lado, o dever-ser neutro (DSn) transporta as qualidades fáticas

previamente relatadas pelo legislador, na estrutura da hipótese de incidência, desencadeando,

por conseguinte, outra implicação constitutiva de relação jurídica modalizada pelo functor

deôntico obrigatório representada pelo vetor em dúplice sentido, que proporciona acesso à

subestrutura basilar da regra matriz, denominada consequente primário (Cst).

Dessa maneira, por ser o tributo uma obrigação decorrente de lei em sentido

estrito, cumpre ao consequente primário (Cst) predeterminar os sujeitos envolvidos no

entrelaçamento obrigacional, através da eleição do critério pessoal (Cp), que se decompõe em

sujeito ativo (Sa)386, apto a fiscalizar, constituir e cobrar extrajudicial e judicialmente o

386 A capacidade tributária ativa nada mais é que a condição legal de credor do tributo, que ostenta as atribuições competenciais de fiscalizar, arrecadar e cobrar extra e judicialmente o crédito tributário. Essa titularidade tão somente pode ser atribuída, legalmente, a pessoas jurídicas de Direito Público, por exigência do enunciado normativo do artigo 119, do CTN. Portanto, apenas as pessoas jurídicas da Administração Direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), bem como as suas respectivas figuras descentralizadas de natureza autárquica e fundacional públicas podem exercer, por decorrência lógica da titularidade do exercício de cada competência tributária ou, por delegação legal da capacidade tributária ativa, a condição de credor do crédito tributário. Destarte, lembremos que a competência é indelegável, mas, como devidamente ressaltado, a capacidade tributária ativa pode sim ser delegada e inclusive avocada, enquanto emblemático exemplo da Super-Receita, instituída pelas disposições dos enunciados normativos dos artigos 1º, 2º e 3º, da Lei 11.457, de 16 de março de 2007, que resgatou a capacidade tributária ativa para a União – Secretaria da Federal Receita do Brasil - órgão da administração direta-, quanto à fiscalização, à constituição e às cobranças das contribuições especiais sociais, dantes outorgada ao próprio Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS, autarquia federal - administração indireta.

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crédito tributário em desfavor do sujeito passivo (Sp), posto pela lei como contribuinte ou

responsável pela prática do fato exteriorizador de riqueza descrito na hipótese normativa (Ht).

Em face dessas considerações, depreende-se que não basta ao estudioso saber o

quê é tributado (Cm), onde ocorreu o evento tributado (Ce) e quando ele ocorreu (Ct).

É assaz necessário determinar igualmente quem foi entrelaçado no vínculo

obrigacional tributário (Cp) e identificar o quantum debeatur abstratamente predeterminado

em lei, mediante identificação do critério quantitativo (Cq), que decorre da conjugação da

base de cálculo (bc) e com a alíquota (al).

Visualizando aos Impostos encartados no §1º, do art. 153, da CF de 1988, pelas

lentes da regra matriz de incidência, vê-se que a permissão de alterabilidade da carga

tributária (modal deôntico permitido), abre-se apenas no regime constitucional indutor

expressão da regulação tributária tão somente se adstringe a um único fragmento do critério

quantitativo da regra matriz de incidência tributária, ou seja, relaciona-se com a alíquota (al),

costumeiramente representada por percentual ou cota parte devida ao Poder Público,

aplicável sobre determinada mensuração de riqueza expressada através da base de cálculo

(bc).

Assim sendo, praticamente, toda a estruturação da regra matriz de incidência

tributária está submetida à reserva legal formal absoluta, como expressão do manto da

legalidade.

Por exceção, em matéria de tributação indutora, prescreveu-se modalizador

deôntico permitido de alteração das alíquotas (al) nos impostos federais, no §1º, do artigo 153,

da CF de 1988, em face da reserva legal formal relativa.

A representação simbólica da regra matriz de incidência acaba por possibilitar

a visualização do arquétipo da norma jurídica tributária (Njt), enquanto mecanismo de

fiscalização estrutural das finalidades tributárias, viabilizando a fiscalização da alteração de

alíquota para fins predominantemente arrecadatórios, sem o pertinente encaminhamento de

projeto de lei para tanto, sob pena de caracterizar-se cobrança autocrática387, por desvio de

finalidade enquanto desvio de poder.

Em suma, o desvio de poder nessa acepção deturpa a relativização da

prescrição permissiva do §1º, do art.153, da CF de 1988, por extirpar do legítimo manto da

387 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 26. Nesse contexto, “Os tributos, porém, longe de poderem ser exigidos atabalhoadamente, precisam respeitar largo catálogo de direitos fundamentais dos contribuintes (estrita legalidade, anterioridade, igualdade, razoabilidade, proporcionalidade etc.), que, por assim dizer, faz o contraponto ao inegável dever, que a ordem jurídica lhes impõe, de suportá-los.”

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legalidade tributária a determinação de alíquota com fins predominantemente

arrecadatórios.

4.2.3 Esquema de compatibilização lógico-finalística

A identificação da natureza jurídico dessa modalidade de desvio de finalidade

enquanto desvio de poder é de substancial relevância tanto para a compreensão dessa

corriqueira prática, em sede de tributação indutora.

Igualmente, a sobredita identificação possibilita seu adequado regime jurídico

no ordenamento pátrio, no intuito aperfeiçoar as possíveis metodologias de fiscalização e

controle de validade do desvio de poder no exercício da competência regulatória de finalidade

indutora prevista no enunciado prescritivo do §1º, do artigo 153 da CF de 1988.

De antemão, cumpre destacar que não se trata de vício impugnável pela

metodologia constitucional, de tal modo que os atos administrativos, enquanto expressões do

poder regulamentar do Poder Executivo têm função de veículos introdutores de normas

secundários, na escorreita cientificidade do eminente Paulo de Barros Carvalho388.

Por conseguinte, tratam-se de veículos ou instrumentos introdutores

secundários ou derivados das prescrições legais, situados em escalão inferior à lei em sentido

estrito, reverberando nem aquém, nem além dos enunciados normativos legais, como se

depreende dos artigos 99 e 100, do CTN.

Dessa maneira, não se sujeitam às técnicas de cassação constitucional, em

razão de seu escalão inferior à lei em sentido estrito, que tem seu âmbito de normação bem

delimitado, pelo enunciado normativo do artigo 97, do CTN.

Sujeitam-se, sim, os atos administrativos expedidos para fins de tributação

indutora, a exemplo dos decretos, das portarias, das resoluções, das instruções normativas,

ao controle de legalidade, diante de determinada incompatibilidade com o veículo introdutor

primário.

Dessa forma, para fins de fiscalização da legalidade dos desvios de finalidade,

existem parâmetros consolidados no ordenamento jurídico brasileiro.

388 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 90. Assim, o veículo introdutor de normas por excelência no Direito brasileiro é a lei em sentido amplo, como produto procedimental da atividade parlamentar, uma vez que é o ponto de partida de todo escalonamento das prescrições deônticas no sistema de direito positivo. Nesse contexto, “Sintetizemos, para assertar que os instrumentos introdutórios de normas se dividem em instrumentos primários – a lei na acepção lata – e instrumentos secundários ou derivados – os atos de hierarquia inferior à lei, como os decretos regulamentadores, as instruções ministeriais, as portarias, circulares, ordens de serviço etc.”.

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Por sua vez, a invalidação judicial é viabilizada pela aplicabilidade da teoria

dos vícios, pertinente ao plano da validade dos atos administrativos, sobremaneira no que

atina à sindicância dos vícios de motivo e de finalidade, retirando-os do sistema normativo,

com efeitos ex tunc, como bem preleciona o administrativista Vladimir da Rocha França389.

A título de casuística, em face da consolidação jurisprudencial de que o

enunciado normativo do §1º, do artigo 153, da CF de 1988, refere-se à permissão (modal

deôntico permitido) que é franqueada ao Poder Executivo de alterar as alíquotas, por ato

administrativo, nas condições e limites legais, enquanto expressão de reserva legal relativa.

Como já ressaltado, essas condições são encontradas no Decreto-Lei 1.199/77,

para o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI390, assim como no Decreto-Lei 1.578/77,

artigo 3º e 8º, para os Impostos Alfandegários - II e IE, destacando-se que todos esses

diplomas foram recepcionados com eficácia de lei ordinária, para parte da doutrina391.

Nessa ordem de considerações, vejamos a alíquota básica do Imposto de

Exportação - IE, que é de 30% (trinta por cento). O enunciado normativo do artigo 3º, do

Decreto-Lei 1.577/77, prescreve modal deôntico permissivo, autorizando o Poder Executivo a

reduzir ou majorar a alíquota do sobredito imposto alfandegário para fins regulatórios ou de

indução tributária.

Por sua vez, em caso de majoração da alíquota mínima de 30% (trinta por

cento), permite-se, como limite máximo, que a mesma alcance o teto de cinco vezes o mínimo

estabelecido, isto é, poderá o aumento alcançar o percentual de 150% (cento e cinquenta por

389 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação judicial da discricionariedade administrativa: no regime jurídico-administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 132. Com sua habitual precisão metodológica, ensina o administrativista que não apenas há a retirada do ato jurídico administrativo do sistema de direito positivo, mas, igualmente, pelo princípio da nulidade, a desconstituição das relações jurídicas oriundas dos suportes fáticos invalidados. 390 ELALI, André. IPI: aspectos práticos e teóricos. Curitiba: Juruá, 2004, p. 76. Nesse contexto, “Em face de ser o IPI excepcionado em relação a alguns princípios constitucionais, as suas alíquotas não precisam ser modificadas por leis em sentido formal, bastando manifestação do Chefe do Executivo Federal, in casu o Presidente da República, por meio de Decretos, desde que atendendo às limitações constitucionais (CF/88, art. 153). E isto porque a própria norma constitucional admite, havendo sido tal autorização regulamentada pelo Dec.-lei 1.199/71”. 391 FOLLONI, André Parmo. Tributação sobre o comércio exterior. São Paulo: Dialética, 2005, p. 124. O sobredito autor assevera que tais diplomas foram recepcionados com eficácia de lei ordinária, a ponto das alterações legislativas mais recentes serem realizadas por leis ordinárias, a exemplo da lei 10.833/2003. Por outro lado, insurge-se contra essa posição a doutrina abalizada de Sacha Calmon Navarro Coêlho, no sentido de que as relativizações da cláusula da legalidade são matérias reservadas à normatização das Leis Complementares, em razão da natureza de limitação constitucional ao poder de tributar, como já especificado no Capítulo 3. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 187. “É necessário, portanto, que uma lei complementar (lei nacional) ou dispositivo dela forneça as condições e os limites necessários a que possam as alíquotas do IPI, do ISOF, do I.IP e do I.EX sofrer alterações”.

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cento), em matéria de tributação indutora sobre o comércio exterior, por força do parágrafo

único, do artigo 3º, cuja redação foi dada pela Lei 9.716/1998.

Note-se, por sua vez, que inexiste óbice jurisprudencial na atualidade para

enfrentar uma majoração dessa monta, com fins predominantemente arrecadatórios,

enquanto medida de compensação de renúncia de receita decorrente de outorga de incentivo

fiscal em outras áreas do Domínio Econômico recortados na incidência do §1º, do artigo 153,

da CF de 1988.

Caso determinado ato administrativo, como uma resolução da CAMEX ou um

decreto presidencial vise ao aumento da arrecadação, no afã de reequilibrar o orçamento

público, sob o pálio da aparente legalidade do artigo 3º, parágrafo único do Decreto-Lei

1.578/77, é possível corrigir e restabelecer a juridicidade decorrente da legalidade tributária,

mediante invalidação judicial por incidência de desvio de finalidade, desde que haja

circunstanciada exposição de motivos de fato e de direito, sem se olvidar da pertinente

exposição teleológica da medida em jogo.

A invalidação judicial nesse ponto seria viabilizada na própria estrutura do ato

administrativo que o majorou, à revelia da finalidade regulatória, imanente à face da

tributação indutora no comércio exterior.

Assim, diante da exposição circunstanciada dos motivos e finalidades nesses

veículos introdutores de normas secundários possibilitaria a ampla fiscalização da

compatibilidade com o regime constitucional arrecadatório ou regulatório, a depender da

circunstância.

Esquematicamente, é possível estruturar uma concatenação lógico-finalística

para o exame hermenêutico do ato administrativo que veicula a alteração da alíquota,

conforme o cotejo do motivo com a finalidade a ele imanentes, de tal maneira que

discricionariedade administrativa à luz do §1º, do artigo 153, da CF, pode ser invalidável por

quebra da “juridicidade e publicidade”392.

À evidência, a sobredita proposição é corroborada, porquanto “O motivo e a

finalidade integram a ‘legalidade interna ou subjetiva’ do ato administrativo’”, e, ato

contínuo, advirta-se que “Embora perfeito sob a ótica da legalidade administrativa [...] pode

392 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação judicial da discricionariedade administrativa: no regime jurídico-administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 147.

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haver quebra da juridicidade e da publicidade pelo atentado aos princípios da motivação,

impessoalidade e proporcionalidade”, como bem assevera Vladimir da Rocha França393.

Em face dessa possibilidade de sindicar judicialmente o motivo, em cotejo com

a finalidade, a partir de pressupostos fáticos e jurídicos pertinentes ora a arrecadação

tributária, ora a regulação tributária, tem-se a seguinte possibilidade de esquema de

compatibilização lógico-finalístico, de acordo com cada regime constitucional tributário

pertinente, a saber:

Figura 3 BASTOS, Noel de Oliveira.

Assim, a consecução da sindicância judicial da juridicidade e publicidade do

ato administrativo discricionário depende do exame do binômio motivo/finalidade, a partir da

aferição dos pressupostos fáticos e jurídicos de cada regime constitucional tributário

(predominantemente arrecadatório ou regulatório), sob pena de invalidação judicial em razão

de crise de legalidade, por desvio de finalidade enquanto desvio de poder.

Por ser a invalidação causa de extinção administrativa ou judicial, motivada

pela presença de algum vício nos pressupostos de validade do ato administrativo, in casu, de

eiva do pressuposto teleológico, impende destacar que sua declaração possui eficácia ex tunc,

de tal sorte que a sobredita invalidade não pode gerar direito adquirido.

Dessa maneira, ao contribuinte lesado pela majoração ilegal, é plenamente

possível, pelo esquema de compatibilização lógico-finalístico, pleitear a repetição do indébito

393 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação judicial da discricionariedade administrativa: no regime jurídico-administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 147.

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cumulada com compensação394, como maneiras legais de reaver o crédito tributário

ilegalmente majorado.

4.2.3.1 Críticas ao modelo proposto

Impõe-se, por outro lado, algumas considerações a respeito do sobredito

modelo, sobremaneira, quanto às suas próprias limitações e eventuais imperfeições.

Em evidência, como devidamente mencionado em Capítulos anteriores, não há

mais como conceber qualquer espécie tributária à luz de um regime puramente arrecadatório

ou, por outro lado, meramente indutor ou regulatório395.

Não se está mais na vetusta época da “neutralidade” das finanças liberais,

época em que, para fins retóricos, considerava-se o tributo como instrumento de mera

arrecadação, para prover as necessidades públicas.

Portanto, toda exação tributária é necessariamente arrecadadora/indutora, de

tal sorte que, qualquer incidência, por menor que seja, visando ao estímulo (indução positiva)

de determinado Domínio Econômico, tem o condão de arrecadar e vice-versa396.

Enfim, não é possível mais estremar uma norma tributária arrecadadora de

outra indutora. São realidades normativas inquebrantáveis e indissociáveis397.

394 Conferir disposições dos artigos 165 e seguintes, do CTN de 1966, quanto às regras de repetição do pagamento indevido, inclusive para tributos que geram repercussão do encargo econômico, especialmente, conforme enunciado normativo do artigo 166, do mesmo diploma legal tributário e enunciado da súmula 546 - STF, no seguinte teor: “Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo”. 395 TIPKE, Klaus. Sobre a unidade da ordem jurídica tributária. In SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio (Coord.) Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 68. Na dogmática tributária germânica, o Professor da Universidade de Colônia destaca sobre o conteúdo teleológico presente do código tributário tedesco, a saber: “O § 3°, I, do código tributário alemão, dispõe que a finalidade arrecadativa de um imposto (a finalidade de financiar Estados e municípios) pode ser subsidiária. E esta finalidade subsidiária geralmente está sempre presente. O objetivo principal, por exemplo, do imposto sobre o álcool e do imposto sobre o tabaco é, para dizer assim, de política de saúde. É uma finalidade subsidiária muito bem-vinda, entretanto, que estes impostos também contribuam para as necessidades do Estado”. 396 GRECO, Marco Aurelio. Planejamento fiscal e interpretação da lei tributária. São Paulo: Dialética, 1998, p. 156. Em crítica a respeito do pensamento dualista subjacente ao estudo do direito, o Professor Marco Aurélio Greco já chamara a atenção de que a lógica bivalente não é suficiente para comportar a realidade de outras ciências, inclusive a jurídica. Muito dos teóricos do direito conduzem institutos nebulosos a uma categoria tertium ou tertius genus, isto é, com características híbridas, isto é, com impurezas. Portanto, chama a atenção para a lógica fuzzy, muito utilizada em outras ciências, para identificar intervalos entre categorias extremas. Nesse contexto, “Dificuldades como esta enfrentada pela doutrina tem sua origem na premissa de que seria possível reconduzir toda realidade sempre a duas categorias opostas e, por conseqüência, a interpretação deveria se orientar no sentido de identificar a qual delas pertenceria o objeto”. 397 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 34. Destacando essa ambivalência de toda norma tributária (arrecadadora e indutora), ensina o eminente Professor Titular da USP, que “O tributo, na função arrecadadora, tem uma relação mediata com as funções fiscais, tendo em vista que é o meio mais relevante para a obtenção de recursos financeiros pelo Estado. Caberá ao jurista, neste ponto,

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Então, para quê se presta a esquematização proposta? Ora, a relevância

dogmática ora atestada é de trabalhar em sede de exame da finalidade do agente público398,

que se deve ater às condições e aos limites definidos em leis, visa ao controle jurisdicional de

sua finalidade predominante diante da consolidada dogmática de controle de legalidade dos

atos administrativos.

Ressalte-se que, ao desprezar essa consolidação e seus préstimos pragmáticos

na sindicância jurisdicional da legalidade, acaba-se por esmorecer o postulado da segurança

jurídica dos contribuintes399, cuja expressão brasileira é encontrada em amplo espectro nos

enunciados normativos do artigo 150, inciso, I, da CF e sua respectiva regulamentação

inscrita no artigo 97, do CTN. Do contrário, admitir-se-ia inconstitucional delegação do

poder de tributar ao Poder Executivo400.

Destarte, a par de inexistir a pureza na norma jurídica tributária (sendo, em

um único momento, arrecadadora e indutora) extraída das casuísticas tributárias, enquanto

frutos da interpretação/aplicação, impõe-se, para fins de segurança jurídica, estremar, as

seguintes situações.

investigar se os recursos orçamentários são arrecadados e aplicados na forma da lei. [...] Paralelamente, pode-se apontar no tributo uma relação imediata com aquelas funções, quando se tem em conta sua função indutora de comportamentos”. 398 No nosso ordenamento pátrio, como já ressaltado, conferir a Lei n.º 4.717/1965, alínea “e”, do art.2º, alínea “e”, do parágrafo único, sobre o pressuposto teleológico dos atos administrativos. 399ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica no direito tributário: entre permanência, mudança e realização. Tese apresentada para o concurso de provas e títulos para provimento do cargo de Professor Titular do Departamento de Direito Econômico e Financeiro, área de Direito Tributário, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. USP, São Paulo: 2009, p. 252. Quanto à questão imanente legalidade tributária, enquanto instrumento de segurança jurídica, tem-se que “A exigência de lei é, por si só, instrumento de segurança jurídica, porque, ao demandar normas gerais e abstratas, dirigidas a um número indeterminado de pessoas e de situações, contribui, de um lado, para afastar a surpresa decorrente tanto da inexistência de normas escritas e públicas quanto do decisionismo e das decisões circunstanciais ad hoc; de outro, favorece a estabilidade do Direito, porque somente graças a determinados procedimentos é que a legislação vigente pode ser modificada. A exigência de legalidade, além de favorecer o ideal de participação democrática, ainda privilegia aos governados tranqüilidade, confiança e certeza quanto à tributação”. (Grifos nossos em “privilegia aos governados tranqüilidade, confiança e certeza quanto à tributação). 400 DOMINGUES, José Marcos. Contribuições sociais – desvinculações prescritas por emendas constitucionais, In Revista Dialética de Direito Tributário, n. 194, novembro-dezembro. São Paulo: Dialética, 2011, pp. 75. Mesmo não fazendo parte de nossas premissas, entende o autor, com fulcro na moralidade fiscal, em recente ensaio crítico, especificamente quanto à EC 33/2000, no sentido de que “Importa aqui anotar uma temática preocupante nessa emenda, que foi, a meu ver, um grande desvio de finalidade material, com quebra das cláusulas pétreas da separação dos poderes e da irredutibilidade dos direitos e garantias individuais (art. 6º, III e IV). Refiro-me à delegação da competência ao Poder Executivo para reduzir e restabelecer alíquotas de Cide-combustíveis (art. 177, parágrafo 4º, I, b) e do ICMS (art. 155, parágrafo 4º, IV, c), sem observância da anterioridade, numa verdadeira desconstitucionalização da legalidade tributária (ou uma deslegalicização do tributo) e da restrição temporal de eficácia dos aumentos de tributos. Não vinga o argumento de que se trata de apenas restabelecer por ato administrativo uma carga tributária já conhecida e autorizada em lei anterior; trata-se, sim, de substituir o legislador de forma permanente, por um lado, e desconsiderar a segurança jurídica, de outro. Argumentação permissiva e formalista não pode sobrepor-se às finalidades maiores da Constituição, que é comprometida com a proteção da boa-fé objetiva e da confiança legítima da cidadania fiscal no Estado”.

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Ostentando o ato administrativo, enquanto veículo introdutor de normas,

finalidade preponderantemente arrecadadora, impende destacar a sua absoluta ilegalidade,

pelo exame do binômio motivo/finalidade, por desvio de finalidade tributária.

Por derradeiro, se no exame do binômio motivo/finalidade exsurgir finalidade

predominantemente indutora, considerar-se-á válido o veículo introdutor de normas tributárias

sub examine, de tal sorte que a finalidade perseguida pelo agente público coaduna-se com o

regime constitucional regulatório, motivando a incidências das relativizações das Limitações

Constitucionais ao Poder de Tributar.

4.2.3.2 Esquema de compatibilização lógico-finalística e segurança jurídica

Diante desse quadro esquemático, urge destacar sua utilidade dogmática para

fins de implementação de maior grau de certeza da tributação401, sobremaneira no atual

estágio estatal de intervencionismo inspirado na tendência de retração do aparelho

burocrático402.

Enquanto expressão da segurança jurídica no Direito Tributário403, a certeza

da tributação foi gradualmente abandonada a partir das necessidades intervencionistas e

401 PAULA, Marco Aurélio Borges de. Algumas notas sobre o paradigma clássico e o paradigma keynesiano: as mudanças relacionadas à neutralidade econômica do Estado, ao equilíbrio orçamental e à certeza da tributação. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, ano 14, n. 71, novembro-dezembro de 2006, São Paulo: Revista dos Tribunais, respectivamente, p. 172 e pp. 200-201. Em seus lineamentos, afirma o autor que, a par da premissa liberal da “neutralidade fiscal” aqui inteiramente rechaçada, “[...] Adam Smith acabou por atribuir grande relevo aos impostos, estabelecendo, via de conseqüência, certos pilares sobre os quais o fenômeno da tributação tinha que se alicerçar para a manutenção do capitalismo concorrencial. Eis, pois, o legado (smithiano) das finanças clássicas em matéria fiscal: os impostos tinham que obedecer a estas quatro máximas: justiça, certeza, comodidade e economia”. Por sua vez, a partir do paradigma keynesiano, houve o abandono da certeza da tributação em prol da maior intervenção do Estado no Domínio Econômico, de tal sorte que “É sintomático que, para a promoção do desenvolvimento econômico, do pleno emprego e da estabilização da conjuntura, o fenômeno fiscal tenha sido politizado (racionalidade política), em ordem à mais eficaz realização daqueles fins; que aos responsáveis pela concretização de tais finalidades tenha sido atribuída uma ampla margem de manobra tendente à adaptação dos instrumentos fiscais à evolução do estado da economia.”. 402 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p.27. Nesse sentido, “Se no Estado Social, a sociedade pagava um preço para o Estado atingir o desiderato coletivo, no Estado do Século XXI a sociedade passa a compreender que o preço tornou-se muito alto e o resultado, pífio. A tributação excessiva torna-se inconciliável com o modelo do Estado do Século XXI, pois implica retirar recursos que a própria coletividade necessita para seus fins. A transferência excessiva de recursos ao Estado pela sociedade tolhe a iniciativa desta, reduzindo ou impossibilitando o desenvolvimento econômico”. 403 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica no direito tributário: entre permanência, mudança e realização. Tese apresentada para o concurso de provas e títulos para provimento do cargo de Professor Titular do Departamento de Direito Econômico e Financeiro, área de Direito Tributário, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. USP, São Paulo: 2009, p. 93. A propósito da temática, no plano de sua tese, ensina-nos que, a partir de uma pertinente metáfora do iceberg, que “O princípio da segurança jurídica determina a busca dos ideais de cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade no Direito. Esses ideais (porém, e com a permissão para o emprego de uma metáfora) compõem apenas a parte da segurança jurídica que pode ser vista acima do mar, tal qual um iceberg, cuja ponta esconde uma imensa, extensa e profunda base submersa. Como o princípio da segurança jurídica delimita os contornos daquilo que é indispensável para que o cidadão possa, de acordo com o

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desenvolvimentistas inicialmente implementadas pelo modelo do Estado Social Fiscal, o qual

não mais se coaduna o hodierno contexto de atuação do Estado fiscal brasileiro.

Nesse contexto, houve uma verdadeira flexibilização404 das garantias

constitucionais do contribuinte, em prol de desideratos intervencionistas mais eficientes 405,

do ponto de vista do planejamento da atuação estatal perante o Domínio Econômico e Social.

Por outro lado, o Estado fiscal brasileiro não mais se coaduna com esse

espectro de incerteza da tributação, sobremaneira pela guinada constitucional que implicou

em um modelo de retração estatal, privilegiando modelos de intervenção indireta, por

aplicação de regime constitucional regulatório ou indutor, conforme a nossa Ordem

Econômica, exposta no enunciado normativo do artigo 170, da CF.

Então, o esquema de compatibilização lógico-finalístico proposto tem o condão

de expor, mediante prévio exame do binômio motivo/finalidade dos veículos introdutores de

normas - decretos, resoluções da CAMEX, etc., a real finalidade que se pretende alcançar

com a medida de intervenção, com arrimo no exercício discricionário da competência do §1º,

do artigo 153, da CF de 1988.

Indubitavelmente, por aumentar os poderes de fiscalização jurisdicional, no

âmbito da aferição de compatibilidade lógico-finalística do ato de intervenção do Estado

brasileiro, o esquema lógico-finalístico tem a vantagem de escalonar de maneira mais

transparente as intenções iniciais da União (predominantemente arrecadatórias ou indutoras),

Direito, plasmar o seu presente e planejar, livre e autonomamente, sem engano ou injustificada surpresa, o seu futuro, inquiri-lo é, a um só tempo, investigar, de um lado, os direitos de liberdade, de igualdade e de dignidade e, de outro, os princípios relativos à atuação estatal”. 404 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica no direito tributário: entre permanência, mudança e realização. Tese apresentada para o concurso de provas e títulos para provimento do cargo de Professor Titular do Departamento de Direito Econômico e Financeiro, área de Direito Tributário, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. USP, São Paulo: 2009, p. 258. Quanto à temática relativização da legalidade tributária, expõe primorosamente Humberto Ávila, com arrimo em Luís Eduardo Schoueri, que “Importa observar, com SCHOUERI. que tal previsão implica uma correção sistemática do próprio conceito de segurança jurídica, no sentido exclusivo de previsibilidade. Isso porque, se as garantias tributárias exigem previsibilidade, a atuação indutiva do Estado implica flexibilidade, de modo a permitir que o Estado possa efetuar os ajustes, positivos e negativos, exigidos para manter o domínio econômico no rumo prestigiado pelo constituinte”. (Grifo nosso em “implica flexibilidade”). 405 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p.32. Recusando amplamente a terminologia “finalidade” arrecadadora ou regulatória aqui utilizada, por implicar em conjunção de elementos históricos próprios dos métodos clássicos de interpretação, Luís Eduardo Schoueri faz uso das locuções função arrecadadora e indutora, em representação ao “[...] estudo do dilema entre eficiência e equidade”, que, em nosso refletir, pode fragilizar a possibilidade de controle de legalidade, mediante o estudo de nosso esquema lógico-finalístico, de exame do motivo/finalidade das medidas administrativas, à luz do§1º, do artigo 153, da CF de 1988.

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com o resultado de implementação da certeza da tributação à luz do §1º, do artigo 153, da

CF, enquanto corolário da segurança jurídica tributária, em sua faceta juspositivista406.

Trata-se, como bem assevera Humberto Ávila, de exigência de maior

“inteligibilidade pela clareza normativa”407, no exercício da sobredita competência

regulatória tributária.

Deve-se evitar, por assim dizer, descrições normativas excessivamente

generalistas ou por demais detalhadas, uma vez que os extremos dificultam a inteligibilidade

do conteúdo normativo a ser examinado, especialmente, em se tratando de atos

administrativos, que são de escalão infralegal.

Tome-se, a título exemplificativo, a casuística do Decreto n. 6.809, DOU 31 de

março de 2009, que foi claro quanto à finalidade regulatória, no que tange à redução das

alíquotas dos veículos automotores, referentes aos códigos da Nota Complementar – NC (87 -

4) , apesar de inexistir motivos explícitos no bojo do próprio ato administrativo408.

No entanto, explicitando mais uma vez a relevância temática, foram obscuras

as modificações das alíquotas quanto aos produtos fumígenos na NC (24 -1), no período

compreendido entre 2007 e 2009, fatos que dificultaram a cognoscibilidade das finalidades

tributárias em jogo.

406 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica no direito tributário: entre permanência, mudança e realização. Tese apresentada para o concurso de provas e títulos para provimento do cargo de Professor Titular do Departamento de Direito Econômico e Financeiro, área de Direito Tributário, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. USP, São Paulo: 2009, p. 115. Desposamos nesse ensaio da concepção dogmática de segurança jurídica, no âmbito das prescrições normativas dos modais deônticos, permitido, proibido ou obrigado, como exsurge da lapidar lição de Humberto Ávila, a saber: “A segurança jurídica, nessa concepção, não significa a possibilidade de alguém prever as conseqüências jurídicas de fatos ou de comportamentos, mas, sim a prescrição para alguém adotar comportamentos que aumentem o grau de previsibilidade. A segurança jurídica, nesse aspecto, é matéria de Direito posto. Trata-se, assim, de uma concepção juspositivista segurança jurídica.” (Grifos nossos em “adotar comportamentos” e “aumentem o grau de previsibilidade”). 407 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica no direito tributário: entre permanência, mudança e realização. Tese apresentada para o concurso de provas e títulos para provimento do cargo de Professor Titular do Departamento de Direito Econômico e Financeiro, área de Direito Tributário, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. USP, São Paulo: 2009, p. 345. 408 Decreto n.º 6.809, de 30 de março de 2009. Altera a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aprovada pelo Decreto n.º 6006, de 28 de dezembro de 2006. “O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos incisos I e II do art. 4º do Decreto-lei n.º 1.199, de 27 de dezembro de 1971, DECRETA: [...] ‘NC (87-4) Ficam reduzidas a 7,5% por cento as alíquotas relativas aos veículos de fabricação nacional, de transmissão manual, com caixa de transferência, chassis independente da carroçaria, altura livre do solo mínima sob os eixos dianteiro e traseiro de 200 mm. altura livre do solo mínima entre eixos de 300 mm, ângulo de ataque mínimo de 35o, ângulo de saída mínimo de 24o, ângulo de rampa mínimo de 28o, de capacidade de emergibilidade a partir de 500 mm, peso bruto total combinado a partir de 3.000 kg., peso em ordem de marcha máximo de até 2.100 kg, concebidos para aplicação militar ou trabalho agroindustrial, classificados nos códigos 8703.32.10 e 8703.33.10.’ (NR)”

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A tabela que expõe as classes dos produtos e o valor majorado das alíquotas

em nada esclarece as suas finalidades tributárias, revelando um verdadeiro “dark side” do

binômio motivo/finalidade da União, na feliz expressão de José Carlos Vieira de Andrade409.

Evidentemente, esse contexto é dogmaticamente desafiador diante desse

quadro obscuro do motivo/finalidade ou do discurso justificativo que levou a Administração a

alteração dessas alíquotas.

A propósito, vislumbre-se a tabela que eleva as alíquotas dos fumígenos, sem

qualquer exteriorização dos motivos/finalidades tributárias, especialmente, no Anexo V, no

qual consta a NC (24 -1), a saber:

Classes Valor (reais/vintena)

I 0,764

II 0, 900 III-M 1,004 III-R 1,135 IV-M 1,266 IV-R 1,397

Fonte: Anexo V, do Decreto n.º 6.809, de 30 de março de 2009410

.

Em interpretação sistemática com o Decreto n.º 6.072, de 3 de abril de 2007,

as antigas alíquotas foram momentaneamente restabelecidas, em face da expressa revogação

do artigo 5º, do Decreto n.º 6.809, de março de 2009, pelo artigo 8º, do Decreto n.º 6.890, de

29 de junho de 2009, como se vislumbra a seguir:

Classes Valor (reais/vintena)

I 0,619

II 0,729

III-M 0,813

III-R 0,919

IV-M 1,025

IV-R 1,131 Fonte: TIPI 2007 alterada pelo Decreto 6.072, de 3 de abril de 2007411

409 ANDRADE, José Carlos Vieira de. O dever de fundamentação expressa de actos administrativos. Dissertação de doutoramento em ciências jurídico-políticas na faculdade de direito da Universidade de Coimbra. 2ª reimp. Coimbra: Almedina, 2007, p. 275. 410 Decreto n.º 6.809, de 30 de março de 2009: “[...] ANEXO V ‘NC (24-1) Nos termos do disposto na alínea “b” do § 2º, do art. 1º da Lei n.º 7.798, de 10 de julho de 1989, com suas posteriores alterações, as saídas dos estabelecimentos industriais ou equiparados a industrial dos produtos classificados no código 2402.20.00, ficam sujeitos ao imposto conforme a tabela a seguir: [...]”. Disponível em http://www.normaslegais.com.br/legislacao/decreto6809_2009.htm. Acesso em 31.10.2009.

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Hodiernamente, a revogação dessas alíquotas412 incidentes sobre produtos

fumígenos pelo Decreto n.º 7.660, de 23 de dezembro de 2011, em face do artigo 7º, que

passou a expurgar as sobreditas disposições, a partir de 1º de janeiro de 2012, a Tabela de

Incidência de Produtos Industrializados – TIPI, igualmente trouxe uma redução da carga

tributária sobre o produto do código 2402.20.00 (Cigarros contendo tabaco), de tal sorte que

ostenta atualmente alíquota de 300% (trezentos por cento)413.

Enfim, a legislação tributária nesse ponto atenta fortemente contra a

segurança jurídica, de tal sorte que é praticamente incognoscível e ininteligível, pelo

detalhamento exagerado de informações técnicas e abreviações pouco esclarecidas,

sobremaneira, pela ausência do binômio motivo/finalidade nos sobreditos atos

administrativos.

4.2.4 Concessão e revogação dos incentivos fiscais no âmbito da tributação indutora

Como anteriormente discutido, pelo esquema de compatibilização lógico-

finalístico proposto, não existem óbices à União de manejar as alíquotas, enquanto elemento

do critério quantitativo (Ct) dos impostos elencados no §1º, do artigo 153, da CF de 1988, de

tal sorte que são, inquestionavelmente, os tributos mais vocacionados para finalidade

regulatória414, em face dos respectivos perfis indutores, como abordado no Capítulo 3.

No entanto, o manejo dessa finalidade deve ser translucidamente exposto

através do binômio motivo/finalidade415, para que haja mais facilidade na aferição ou

411 Tabela de Incidência sobre Produtos Industrializados – TIPI versão 2007. Disponível em <www.portaltributario.com.br>. Acesso em 10.06.2010, 20h05. 412Sobrepostas à antiga de 330% sobre os cigarros contendo tabaco, com código 2402.20.00. Tabela de Incidência sobre Produtos Industrializados – TIPI versão 2007. 413 Conferir código 2402.20.00 na Tabela de Incidência sobre Produtos Industrializados – TIPI versão 2012 – Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/decretos/2011/dec7660.htm#Anexo Único <Acesso em 26.05.2012, 18h16> 414 ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais. São Paulo: Malheiros, p. 31. Utiliza a locução “finalidade extrafiscal”, ao invés de finalidade regulatória. Noutra oportunidade, utiliza a locução “norma diretiva”, a qual instrumentaliza veículo ou instrumento introdutor de normas tributárias com “eficácia formativa”. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 138. A propósito: “[...] as normas diretivas possuem eficácia formativa que se exterioriza normalmente por meio de recomendações comportamentais, a intensidade dos comandos deve ser examinada. Aqui tem significado o dever de proporcionalidade.”. 415 ANDRADE, José Carlos Vieira de. O dever de fundamentação expressa de actos administrativos. Dissertação de doutoramento em ciências jurídico-políticas na faculdade de direito da Universidade de Coimbra. 2ª Reimp. Coimbra: Almedina, 2007, p. 233. No sentido de exigência de fundamentação translúcida, tem-se que “Uma declaração obscura não é uma fundamentação, porque não contém sequer um discurso, faltando-lhe o conteúdo semântico”.

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cognoscibilidade da intentio do Poder Público Federal, em suas políticas regulatórias, em

homenagem à segurança jurídica416.

Assim sendo, como visto, existindo predominância de finalidade regulatória

indutora, a União Federal faz jus ao exercício da competência para regular, mediante

expedição de ato administrativo, que dispõe para intervir no Domínio Econômico com maior

celeridade, mas de maneira compatível com a reserva legal formal relativa, sem solapar o

regime constitucional das normas tributárias indutoras.

Confirma-se, por sua vez, que existindo predominância de finalidade

arrecadatória no ato administrativo expedido no exercício da competência indutora do §1º,

do artigo 153, da CF de 1988, tem-se, inquestionavelmente, ofensa à legalidade tributária.

Essa prática desafia a invalidação, enquanto fiscalização judicial de

manutenção da estabilidade do sistema jurídico, mediante juízo de compatibilização por

escalões normativos dos atos administrativos, em relação aos veículos introdutores de

hierarquia legal e, portanto, superiores àqueles.

Noutro pórtico, importa ressaltar a possibilidade de revogação dos atos

administrativos, que concedem incentivos fiscais, enquanto termo final do estímulo estatal,

por considerar a União inconveniente e inoportuna a permanência no sistema jurídico vigente

desses benefícios tributários.

À evidência, a revogação, enquanto provimento secundário, trata-se de causa

de extinção de todo e qualquer ato administrativo discricionário primário, por inexistir mais

interesse público/constitucional “superveniente, concreto e atual (e da mesma natureza),

atribuindo-se-lhe efeitos ex nunc.”, como bem preleciona Lucia Valle Figueiredo417.

Deveras, neste passo, não se cogita de ato visando à recomposição da ordem

jurídica418 porventura violada, em face de eventual sindicância e aferição de vício de

legalidade, mas, sim, de extinção por inconveniência e ausência de oportunidade na

continuidade da vigência da medida estatal de intervenção sobre o Domínio Econômico419.

416

CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2011, v. 1, p.38-39. A propósito, da clareza das disposições tributárias em abono à segurança jurídica, tem-se que “[...] ‘certeza do direito’ significa previsibilidade, isto é, o administrado tem o direito de saber, com antecedência, qual o conteúdo e alcance dos preceitos que lhe serão imputados, para que possa programar-se, tomando iniciativas e dirigindo suas atividades consoante a orientação advinda do direito vigente. E aquilo que alguns preferem chamar de princípio da não-surpresa.”. 417 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo, 5ª ed, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 240. 418 COSTA, José Marcelo Ferreira. Licenças urbanísticas, Belo Horizonte: Fórum, p. 2004, p. 143. 419 Impende ressaltar que eventuais decretos ou outros atos administrativos expedidos no exercício da competência discricionária, cujo último fundamento de validade, por escalonamento, seja o enunciado normativo do §1º, do artigo 153, da CF de 1988, são sucessivamente revogados, a exemplo, dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 6º do Decreto n.º 6.809, de 30 de março de 2009, revogados pelo de Decreto n.º 6.890, de 29 de junho de

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Questão tormentosa é a possibilidade de aferição do grau de concretização da

finalidade veiculada no ato administrativo expedido no exercício da competência regulatória:

em singelas palavras, se é possível saber se a medida interventiva foi efetivamente alcançada

ou não.

A propósito, entendemos, com arrimo nas lições de Humberto Ávila, que o

exame da conveniência e oportunidade do ato de intervenção relaciona-se à finalidade

qualificada como aspecto graduável de um estado de coisa420.

Sinteticamente, portanto, essa finalidade, ao contrário da finalidade qualificada

como estado de coisas, é de difícil aferição e controle, pois não há como determinar se foi

alcançada ou não, em virtude se seu intrínseco critério de graduação.

Significa afirmar, que não é possível precisar concretamente se determinado

incentivo fiscal421, como mais uma redução da alíquota do IPI, veiculada pelo Decreto n.º

7.660, de 23 de dezembro de 2011, poderá debelar satisfatoriamente ou não mais uma das

cíclicas crises no setor produtivo de veículos automotores.

Por outro lado, quanto à pertinência da revogação, existe impropriedade

técnica nas sucessivas revogações, por força do esquema de compatibilização lógico-

finalística.

Ora, esses atos administrativos, em rigor, não são passíveis de revogação422,

mas, sim, de invalidação, por patente ilegalidade tributária, no que tange às majorações de

alíquotas que pugnam pelo equilíbrio orçamentário, de finalidade predominantemente

arrecadatória.

Ademais, note-se que o grau de segurança jurídica nessas paragens é

praticamente inexistente, por ausência de previsibilidade e calculabilidade das ações

2009. Nos tempos hodiernos, ressalte-se a grande revogação feita pelo Decreto n.º 7 n.º 7.660, de 23 de dezembro de 2011, em face do artigo 7º, retirando todas essas disposições sobreditas da ordem jurídica vigente. 420 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 326. A continuidade da vigência em exame de revogação, em tese, deveria ser aferida a partir das finalidades. Em mais uma lição de extrema sutileza sobre a finalidade qualificada como aspecto graduável de um estado de coisas, tem-se que “A desvantagem preliminar dessa finalidade ser menos definida está no fato de que ela é mais dificilmente controlável, pois não permite avaliar um ponto específico em que pode ser considerada realizada: a fiscalização profissional, a assistência, a previdência e a saúde e as finalidades econômicas deverão ser continuamente buscadas, não se sabendo exatamente o ponto em que podem ser consideradas atingidas ou não.”. 421 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teleologia dos incentivos fiscais aprovados pela Suframa In Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 194, Nov/2011. São Paulo: Dialética, p.75. Contra: considerando que não há dificuldade de aferição do êxito dos incentivos fiscais, cumpre destacar a lição do eminente tributarista, a saber: “A visão de seus articuladores revelou-se, no tempo, consistente, sendo hoje a Zona Franca de Manaus e a Amazônia um polo de crescimento, graças a tais incentivos fiscais.”. 422 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo, 5ª ed, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 241. Conforme suas lições, tem-se que o ato revogatório “[...] Só atinge atos válidos, pois estaríamos diante de outra categoria (invalidação).”.

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regulatórias, de tal sorte a União já expediu inclusive o Decreto n.º 7.567/2001, visando, em

sua finalidade, ao desestímulo de importação de automóveis, à revelia da cláusula da

anterioridade especial ou noventena inerente ao Imposto sobre Produtos Industrializados -

IPI423.

Comparativamente, existe maior grau de segurança jurídica na revogação da

isenção424, técnica bastante conhecida de proceder à indução tributária, por estímulo, que,

caracteriza-se como renúncia de receita e como causa de exclusão do crédito tributário,

respectivamente nas Ciências do Direito Financeiro e do Direito Tributário.

Em arremate, em analogia às técnicas de revogação das isenções, seria mais

consentâneo com a segurança jurídica aplicá-las igualmente às revogações dos incentivos

fiscais, com fundamento no §1º, do artigo 153, da CF de 1988, uma vez que não ostentam

prazos ou condições certas.

4.2.5 Desvio de finalidade e equilíbrio orçamentário: instrumentos inadequados de

compensação de receita

Além das medidas de intervenção implementadas pelo Decreto n.º 6.809/2009,

a União, no átrio do ato normativo, majorou a carga tributária para compensar a renúncia de

receita sobre automóveis, como mecanismo de reequilíbrio orçamentário425.

Em termos retóricos a medida é aceitável, de modo que qualquer aumento da

carga tributária sobre a indústria de cigarros soa como compromisso constitucional de

concretização da Seguridade Social, no específico ramo da Saúde Pública.

É possível desestimular por indução negativa a indústria de fumígenos, em

abono à Saúde Pública426, mas não mediante desvio de finalidade, pois, nenhum discurso

423 ADI 4661 – Conferir a decisão que suspendeu, em medida cautelar, a vigência imediata imposta pelo enunciado normativo 16, do Decreto n. º 7.567/2011. 424 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro Forense: 2007, pp. 660-661. A propósito do regime de segurança jurídica das revogações das leis de isenção, entende-se “Assim, a lei de isenção, salvo o caso de ser restrita a prazo ou condicionada à prestação de ato ou fato do contribuinte, pode ser abolida pelo Poder tributante. Mas a vigência do dispositivo que extinguir ou reduzir a isenção entrará em execução somente com o início do exercício financeiro vindouro. Vale dizer: 1º de janeiro do ano seguinte. Inspirou-se o CTN ainda no princípio da anualidade, equiparando-se a abolição ou redução das isenções a tributo novo sobre a categoria de contribuintes favorecidos”. 425 DOMINGUES, José Marcos. Contribuições sociais- desvinculações prescritas por emendas constitucionais In Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 193, Nov/2011. São Paulo: Dialética, p. 75, em especial, nota de rodapé n.º 4, que discrimina os Decretos n.ºs 6.687/2008 e 6.809/2009 incentivadores da indústria automotora, entre outros produtos, como os da linha branca. 426 TIPKE, Klaus. Sobre a unidade da ordem jurídica tributária. In SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio. Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, p. 68.

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retórico deve ser enaltecido, a ponto de sobrepujar a força normativa da Constituição, como

bem preleciona Konrad Hesse427.

Como abordado, o desvio de poder em matéria de tributação indutora não

encontra suporte de validade ou constitucionalidade em absolutamente nenhum enunciado

normativo do sistema de direito constitucional brasileiro, especialmente pelo nítido efeito

confiscatório da alíquota impingida, à época, de 330% e, atualmente, de 300%428.

Essa ilícita prática estatal ocorre de maneira a escamotear a majoração de

tributos, para fins de compensação de renúncia de receita429, com ar de aparente legalidade,

dificultando, sobremaneira, a cognoscibilidade e aferição de compatibilidade com a ordem

constitucional.

Para comprovar que se trata da mais nefasta forma de autocracia (mera

aparência de legalidade), basta conjecturar, que uma vez outorgado incentivo fiscal em sede

de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI para automóveis, v.g., Decreto n.º

6.809/2009, coube à União, à revelia do §3º do artigo 14, da Lei de Responsabilidade Fiscal –

LRF, LC n.º 101/2000, utilizar a majoração do mesmo tributo sobre produtos fumígenos

(código 2402.20.00) para compensar a renúncia de receita.

A propósito, destaque-se a posição especializada sobre o tema, ancorada em

mandamento nuclear do equilíbrio orçamentário, como explícito no enunciado normativo do

artigo 1º, §1º, da LRF, que tais impostos com enorme vocação indutora não podem ser

utilizados como instrumentos de compensação de renúncia de receita, porquanto essa prática

demanda esforços e “mecanismos estáveis e duradouros”430.

427 HESSE, Konrad. Força normativa da constituição. Tradução de Gilmar F. Mendes. Porto Alegre: Fabris Editor, 1991, p.19. A propósito, é necessário que a vontade de poder não aniquile a vontade de constituição, como notavelmente ocorre no Estado regulador brasileiro. Nesse sentido: “Essa vontade de Constituição origina-se de três vertentes diversas. Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme.”. 428 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, V. III, p. 164. No sentido de admitir tributos excessivos com finalidades regulatórias, mas, não, confiscatórias. Conferir novamente ADC 8-MC e ADI 2.010-MC/DF, ambas Rel. Min. Celso de Mello. 429 Aliás, enuncia a prescrição do artigo 14, da Lei de Responsabilidade Fiscal, LC n.º 101/2000, que “A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: [...] II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio de aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição [...]”. A propósito, vislumbre-se que as medidas de compensação de renúncia de receita têm nítido caráter de instituição ou majoração de tributo, isto é, exercício de competência tributária que demanda discussão parlamentar em projeto de lei, ex vi dos artigos 150, inciso I, da CF e 97, do CTN. 430 FIGUEIREDO, Carlos Maurício; FERREIRA Cláudio; RAPOSO, Fernando et alii. Comentários à lei de responsabilidade fiscal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 107. A propósito, vislumbre-se a posição dos abalizados comentadores, a saber: “Assim, como esses impostos são instrumentos de política

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No entanto, a realidade tributária brasileira destoa em todos esses aspectos

normativos, na oportunidade que entra em jogo o equilíbrio orçamentário a qualquer custo,

soando como verdadeiro elogio da autocracia fiscal.

Em inúmeras oportunidades, o manto da legalidade fiscal foi rasgado, em face

da ausência de respeito em sua plenitude material, pois, no ensejo de redução de alíquota do

IPI (nítida finalidade regulatória) para veículos automotores, na crise do setor em 2009,

passou-se, ato contínuo, a compensar a sobredita renúncia de receita com a majoração

simultânea da alíquota do mesmo tributo incidente sobre produtos a base de tabaco (cristalina

finalidade arrecadatória).

Assim, a compensação de renúncia de receitas, em face do enunciado

normativo do artigo 14, da LC n.º 101/2000, não pode ser viabilizada nesse escalão

infralegal, demandando, por ser medida de estabilização orçamentária, prévia discussão e

votação legislativa, para relembrar as perenes lições de Hans Kelsen431.

Enfim, a União deve, mesmo tendo em mão o discricionário exercício da

competência do §1º, do artigo 153, da CF, encaminhar pertinente projeto de lei ao Congresso

Nacional para tanto, e não majorar mediante decreto ou outro ato normativo infralegal, como

se observa da concatenação do esquema de compatibilização lógico-finalística.

4.3 TREDESTINAÇÃO COMO DESVIO DE FINALIDADE EM MATÉRIA DA

DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL DA RECEITA TRIBUTÁRIA

Sumário 4.3 Tredestinação como desvio de finalidade em matéria de destinação constitucional da receita tributária 4.3.1 Tributos de destinação específica e a tredestinação 4.3.2 Tredestinação e exceções à regra da não afetação da receita dos impostos 4.3.3 Regra matriz de destinação e tredestinação: exame do critério finalístico 4.3.4 Tredestinação mediante aprovação de créditos orçamentários suplementares 4.3.5 Tredestinação por emendas constitucionais 4.3.6 Fiscalização constitucional da tredestinação: mecanismos no sistema constitucional

econômica, não podem ser utilizados para compensação de renúncia de receitas, porque esta pressupõe mecanismos estáveis e duradouros”. 431 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 247. A propósito, resgate-se que “A norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra [...].”.

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Superada a primeira modalidade de desvio de finalidade, cumpre enfrentar a

espécie subsequente, denominada de tredestinação dos recursos tributários arrecadados, por

ofensa às destinações específicas de determinadas espécies tributárias ou de outros desígnios

constitucionais432.

A segunda modalidade de desvio de finalidade como tredestinação dos

destinos específicos encontra seus alicerces contemporâneos na releitura dogmática do

enunciado prescritivo do artigo 4º, do CTN, em interpretação sistemática dos enunciados

normativos do artigo 167, inciso IV, da CF de 1988, quanto aos Impostos; artigos 148,

parágrafo único da CF de 1988, no que atina ao Empréstimo Compulsório, sem se olvidar do

artigo 149, caput, do mesmo Texto Magno, relativamente às Contribuições Especiais.

Decorre dessa assertiva, uma necessária reaproximação entre as Ciências do

Direito Tributário e do Direito Financeiro, de sorte que a temática deságua em questões

pertinentes à fiscalização, ao controle e à modificação do orçamento público, especificamente

federal, no qual se perpetram verdadeiras “manobras” legiferantes para atendimento dos fins

estranhos aos plasmados pela CF de 1988433.

Admoeste-se que os veículos introdutores de normas utilizados para

deturpação das finalidades constitucionais não são de escalão infralegais, sob as lentes do

escalonamento normativista, como foi verificado com o desvio de poder.

Como se vislumbrou, nos meandros do desvio de poder, a par da sutileza da

manobra estatal, enquanto meio de escamotear compensação de renúncia de receita, é

432 SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal. Direito tributário e direito financeiro: reconstruindo o conceito de tributo e resgatando o controle da destinação. In Curso de direito tributário e finanças públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 616. Assim, “Nessa linha, o estudo do Direito Tributário se formou em torno da incidência tributária (da produção das normas gerais e abstratas instituidoras de tributos às normas individuais e concretas documentadas no lançamento) e seus conceitos correlatos da teoria geral do direito (sistema do direito, fontes do direito, norma jurídica, interpretação etc.), deixando de lado as demais relações que se instauraram após a extinção da obrigação tributária, como aquela que decorre da destinação do produto da arrecadação dos tributos.”. 433 Conferir a destinação do produto da arrecadação enquanto concretização de fins constitucionais: ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, 5ª ed. São Paulo: 2012, Saraiva, p. 327. NEVES, Luís Fernando de Souza. “Limites da competência e contribuições de intervenção no domínio econômico – CIDE In Congresso nacional de estudos tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado (Coord. Aldo de Paula Jr.), São Paulo: Noeses, p. 2010, p. 891. SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal. Direito tributário e direito financeiro: reconstruindo o conceito de tributo e resgatando o controle da destinação. In Curso de direito tributário e finanças públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. (Coord. Eurico Marcos Diniz de Santi). São Paulo: Saraiva, 2008, p. 621.

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possível resolver eventual crise de legalidade, sanando a incompatibilidade normativa, sem

apelo aos meios de controle de constitucionalidade434.

Aqui, por outro lado, a incompatibilidade normativa é menos sofisticada,

porquanto a própria peça orçamentária435 pode revelar os novos e inconstitucionais destinos

dos recursos arrecadados.

Por conseguinte, no exame de eventual tredestinação, não há exame do

problema intrincado de se extrair o binômio motivo/finalidade eventualmente exposto em

procedimento administrativo praticamente inacessível, como lamentavelmente chancela a

própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - STF.

4.3.1 Tredestinação e tributos de destinação específica

Oportunamente, no estudo de certas modalidades tributárias, constatou-se a

insuficiência dogmática do critério intrínseco da hipótese de incidência tributária -, para a

cristalina delimitação da natureza jurídica dos empréstimos compulsórios e das contribuições

especiais, que mais se diferenciam pelos destinos dos produtos arrecadados, isto é, pelo

critério extrínseco436.

Assim, conforme enunciado do §2º, do artigo 145, da CF de 1988, a natureza

jurídica das espécies tributárias depende da aferição do binômio hipótese de incidência/base

de cálculo437, de modo que se proíbe a identidade das bases de cálculo, entre impostos e

taxas, para inibir bitributação ou bis in idem, perpetrada através de mudanças de rótulos438.

434 NASCIMENTO, Valéria Ribas do. O desvelar (alétheia) da jurisdição constitucional através da hermenêutica. Condição de possibilidade para efetividade da constituição In Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 63 | p. 285 | Abr / 2008 | DTR\2008\238. A propósito de nosso sistema misto de fiscalização constitucional, “Tanto o sistema difuso, como o concentrado foram adotados em diversos países. Nesse sentido é que foi instituída a Constituição brasileira de 1988, estabelecendo o sistema misto. Ademais, ultrapassou a visão rígida do positivismo jurídico e privatista para dar lugar a uma visão comunitária, tutelando os direitos fundamentais do ponto de vista social, como valores ou fins que a sociedade se propõe a seguir”. 435 NEVES, Luís Fernando de Souza. “Limites da competência e contribuições de intervenção no domínio econômico – CIDE In Congresso nacional de estudos tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado (Coord. Aldo de Paula Jr.), São Paulo: Noeses, p. 2010, p. 892. Destaque-se que a técnica utilizada foi a “suplementação de créditos na lei orçamentária”, como ensina o eminente autor. 436 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 159. 437 CARRAZZA, Roque. Imposto sobre a renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 259. Nesse pórtico, “Recordamos, rapidamente, que a base de cálculo é a dimensão legal da materialidade do tributo. Como confirma a hipótese de incidência tributária, exige-se que ambas guardem correlação lógica. Assim, só para ilustrar a idéia, se o tributo é sobre a renda, sua base de cálculo deve necessariamente mensurar um aspecto desta mesma renda (v.g., a renda líquida)”. Conferir igualmente CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4ª ed. São Paulo: 2011, Noeses, p. 404. 438Conforme enunciado da Súmula Vinculante n.º 29, do STF: “É constitucional a adoção, no cálculo do valor da taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.”.

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Por sua vez, no estudo dos tributos de destinações específicas439 deve-se

entender a finalidade, enquanto destino dos recursos tributários arrecadados, por expressa

vinculação constitucional, a exemplo do parágrafo único, do artigo 148, bem como do caput,

do artigo 149, da CF de 1988.

Então, visando à concretização dessas finalidades, estatuem-se prescrições

obrigatórias de alocação de recursos tributários para destinos específicos, como expedientes

técnicos que possibilitam criar novas fontes de financiamento, a exemplo do Empréstimo

Compulsório e das Contribuições Especiais Sociais, que se destacam pelo caráter de reforço

orçamentário em suas respectivas destinações440.

Nesse sentido, a partir do modelo de Estado social, as Contribuições Especiais

constituíram-se em mecanismos fiscais mais eficazes de concretização dos direitos

fundamentais econômicos e sociais441, como se depreende dos artigos 6º, 7º, 170 e 195, da CF

de 1988.

Por interpretação conforme a Constituição442, é imperioso reconhecer a

relevantíssima função da destinação específica da receita tributária na determinação da

natureza jurídica dos Empréstimos Compulsórios e das Contribuições Especiais, pois, do

contrário, constatar-se-iam, inúmeros bis in idem, a exemplo da identidade de bases de

cálculo443 entre Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ e Contribuição Sobre o

Lucro Líquido – CSLL.

439 SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal. Direito tributário e direito financeiro: reconstruindo o conceito de tributo e resgatando o controle da destinação. In Curso de direito tributário e finanças públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. (Coord. Eurico Marcos Diniz de Santi). São Paulo: Saraiva, 2008, p. 621. 440

Na vertente financista, existe o instituto da reserva de contingência, com o claro intuito de instituir fundo apto a ser utilizado em imprevisibilidades no decorrer da execução orçamentária, cumprindo função de válvula de escape de sua imanente rigidez legislativa. 441 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Contribuições e federalismo. São Paulo: Dialética, 2005, p.146. Sobre o assunto, compreende o eminente tributarista que as contribuições sociais e de intervenção no Domínio Econômico decorrem da mutação do perfil estatal, que relativizou os valores liberais retoricamente não intervencionistas. Nesse sentido, esses tributos visam à concretização dos direitos fundamentais de segunda e terceira dimensões, que são os Direitos Sociais e Econômicos. Igualmente, destacando as contribuições sociais como forma direta de financiamento dos Direitos Sociais e Econômicos: VIEIRA, Helga Klug Doin. Contribuições para o custeio da seguridade social In Congresso nacional de estudos tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado (Coord. Aldo de Paula Jr.), São Paulo: Noeses, p. 2010, p. 575. 442 Resgate-se que a destinação dos recursos arrecadados não é relevante para a determinação da natureza jurídica, caso haja interpretação isolada e literal do artigo 4º, inciso III, do CTN. 443 CARRAZZA, Roque. Imposto sobre a renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 260. Nesse sentido, a respeito da identidade das bases de cálculo do IRPJ e CSLL, tem-se que “Ora, a base de cálculo in concreto do IRPJ – como tantas vezes afirmamos ao longo do trabalho – é o lucro efetivamente obtido pela empresa, durante certo período de tempo (em geral, o exercício financeiro). O mesmo podemos dizer da base de cálculo da CSLL, tributo que segue na mesma trilha daquele.”

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Assim, os desvios por tredestinação são mais recorrentes em tributos de

destinação específica, porquanto, diferentemente dos impostos, aqueles têm em suas regras

de destinação arquétipos predeterminados, no que tange às finalidades que pretendem

concretizar.

Portanto, a tredestinação consubstancia-se em expediente legiferante de

realocação inconstitucional444 de recursos previamente determinados pelos enunciados

normativos constitucionais, conforme parágrafo único, do artigo 148 e caput, do artigo 149,

todos da CF de 1988.

4.3.2 Tredestinação e exceções à regra da não afetação da receita dos impostos

Tradicionalmente445, a destinação dos recursos arrecadados não é tema

inerente à caracterização da natureza tributária dos impostos, tributos desafetados446, quanto

aos seus destinos, em razão de sua afirmação histórica no contexto ideológico liberal447.

De outra perspectiva, como a financista, em razão das eventuais necessidades

intervencionistas do Estado brasileiro, não há mais como admitir a vigência absoluta da regra

444 No que atina à tredestinação realizada por meio de leis orçamentárias, conferir NEVES, Luís Fernando de Souza. “Limites da competência e contribuições de intervenção no domínio econômico – CIDE In Congresso nacional de estudos tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado (Coord. Aldo de Paula Jr.), São Paulo: Noeses, p. 2010, p. 892. Por outro lado, ressaltando o expediente legislativo de tredestinação por emendas constitucionais, DOMINGUES, José Marcos. Contribuições sociais- desvinculações prescritas por emendas constitucionais In Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 193, Nov/2011. São Paulo: Dialética, p. 75. 445 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4ª ed. São Paulo: 2011, Noeses, p. 403. 446 ORTIZ, Gaspar Ariño. A afetação de bens ao serviço público. O caso das redes In Revista de Direito Administrativo, vol. 258, Set/Dez. 2011, São Paulo: Direito Rio – FGV, pp. 15-16. Sobre o conceito de afetação, de matriz administrativista franco-espanhola, assevera o administrativista, in verbis: “Afetação que funcionaria não como título de propriedade, mas como título de potestade sobre elas. Essa concepção é mais coerente com o atual sistema de fins e atividades do Estado, que o leva a utilizar em grande medida bens alheios para a realização de tarefas que tem assumido como próprias.”. 447 PAULA, Marco Aurélio Borges de. Algumas notas sobre o paradigma clássico e o paradigma keynesiano: as mudanças relacionadas à neutralidade econômica do Estado, ao equilíbrio orçamental e à certeza da tributação. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, ano 14, n. 71, novembro-dezembro de 2006, São Paulo: Revista dos Tribunais, respectivamente, p. 171. Nessa ordem de considerações, tem-se que “[...], nos parece oportuno ressaltar a natureza neutral das finanças clássicas, uma vez que, deste modo, fica clara a linha limítrofe do que constitui uma tributação sadia ao curso natural do liberalismo econômico - a menor tributação possível ou, simplesmente, a não tributação -, e aquela tida como escorchate, quando, então, o pensamento liberal padeceria pela mitigação do seu princípio maior: a liberdade. Daí que não era escorreita a cobrança de impostos que estivesse fundada na vontade de quem dispunha do poder, pois que o mesmo estava cingido à função de angariação de receitas (correntes) para cobrir tão-somente aquelas despesas (imprescindíveis e suficientes à conservação da liberdade) apreciadas por Adam Smith. O imposto seria, pois, a contrapartida dos serviços prestados pelo Estado para a proteção das atividades que tornavam possível a obtenção e gozo dos rendimentos dos particulares [...]”. Na dogmática,

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jurídica da não afetação da receita dos impostos, de conformidade com o enunciado

normativo presente no inciso IV, do artigo 167, da CF de 1988448.

Não há de se falar em princípio nesse caso, de tal sorte que o enunciado

prescritivo expressamente institui vedação (modal deôntico proibitivo), quanto à afetação ou

à destinação predeterminada da receita dos impostos a órgão, fundo ou despesa de caráter

público, em quaisquer esferas competenciais, por qualquer veículo introdutor normativo, de

escalão inferior à CF de 1988.

Diante dessa realidade, o desvio de finalidade na faceta de tredestinação

apenas é factível pela ofensa a comandos previamente determinantes dos destinos dos

recursos arrecadados.

No escalão hierárquico constitucional, após a alteração dada pela EC n.º

29/2000, houve um alargamento das excepcionais hipóteses de afetação (“vinculação”) da

receita dos impostos.

Além de admitir-se a necessária repartição das receitas tributárias449, passou-

se a afetar mais aportes financeiros, para justificar maior intervenção do Estado brasileiro no

Domínio Econômico e na Ordem Social, como realocação financeira destinada às ações de

saúde e ensino, sem se olvidar da curiosa afetação aos órgãos da administração tributária.

Por óbvio, nas três primeiras exceções, há supedâneos constitucionais nos

enunciados normativos dos artigos 198, §2º, 212 e 37, XXII, todos do Texto Maior de 1988.

Já as outras afetações expressam meros expedientes técnicos para assegurar o

crédito público, ao permiti-las para fins de prestação de garantias às antecipações de receitas

feitas por entes federativos menores, conforme o artigo 165, §8º, assim como para garantir o

pagamento de débitos que beneficiam a União, em conformidade com o artigo 167, §4º, todos

da CF de 1988.

Apesar dessas importantes afetações, com exceção dos recursos prioritários

destinados à administração tributária450, todas as destinações predeterminadas à saúde e à

448 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 326. Deveras importante é a lição do eminente tributarista, quanto ao enunciado normativo do inciso IV, do artigo 167, da CF de 1988, quanto às “únicas vinculações relacionadas a impostos”. 449

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Contribuições sociais e federalismo. São Paulo: Dialética, 2005, p. 53. Em face do federalismo fiscal cooperativo, ressalte-se o papel da repartição de receitas tributárias como instrumento de redução das desigualdades regionais. 450 Setor administrativo constitucionalmente prioritário, como bem se vislumbra no inciso XXII, do artigo 37, da CF de 1988.

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educação são desviadas de seus fins institucionais, mediante a aplicação da técnica financeira

dos fundos, que evoluiu para a atual Desvinculação de Receitas da União - DRU451.

Portanto, afrontando a sua própria natureza jurídica dos impostos, a EC n.º

29/2000 passou a fragilizá-los diante das inúmeras permissões de afetação, sujeitando-os,

incongruentemente, a mais uma modalidade de desvio de finalidade, que é a tredestinação.

4.3.3 Regra matriz de destinação e tredestinação: exame do critério finalístico

Antes do enfrentamento dos desvios de finalidade mediante fundos e créditos

adicionais, mister se faz elucidar a regra matriz452, com supedâneo no critério finalístico,

como elucidativa estrutura de identificação da segunda modalidade de desvio de finalidade,

enquanto tredestinação, mediante ato administrativo.

Para uma compreensão estrutural, destaque-se a proposta de realinhamento

teórico da regra matriz, no sentido de acrescentar outros critérios à estrutura da norma

jurídica tributária, para ampla compreensão do desvio de finalidade enquanto tredestinação,

quais sejam:

i) o critério finalístico (obrigação do sujeito ativo de entregar o produto

arrecadado a um outro sujeito receptor ou outro destinatário dos

recursos arrecadados)453; e

451 SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal. Direito tributário e direito financeiro: reconstruindo o conceito de tributo e resgatando o controle da destinação. In Curso de direito tributário e finanças públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. (Coord. Eurico Marcos Diniz de Santi). São Paulo: Saraiva, 2008, p. 623. Deveras, muitos dos fundos se proliferaram mediante emendas constitucionais que desvirtuam o enunciado normativo do artigo 167, inciso IV, o qual expressamente veda qualquer afetação - “vinculação” da receita dos impostos a despesas, a órgãos ou a fundos, uma vez que essas afetações são características dos tributos de destinação específica, como as contribuições especiais, que, em muitas modalidades, apenas distinguem-se dos impostos pela destinação predeterminada pela matriz do enunciado normativo do artigo 149, da CF de 1988. 452 SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal. Direito tributário e direito financeiro: reconstruindo o conceito de tributo e resgatando o controle da destinação. In Curso de direito tributário e finanças públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. (Coord. Eurico Marcos Diniz de Santi). São Paulo: Saraiva, 2008, p. 623. Os autores propõem o rótulo de “regra-matriz de destinação”, para destacar a destinação enquanto critério teleológico dos tributos de destinação específica. Por outro lado, mantendo a nomenclatura tradicional, PAULA, Rodrigo Francisco de. Repensando a teoria dos tributos vinculados e não-vinculados e a esquematização formal da regra-matriz de incidência, In Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 46, Set/2002, p. 195. Este último autor, ao invés de alterar a nomenclatura, propõe novos critérios em um consequente secundário, dos quais se deve ressaltar o critério finalístico. 453 A rigor, a expressão “sujeito receptor” refere-se ao destino do produto arrecadado: pode ser uma pessoa jurídica de direito público ou de direito privado e, inclusive, ente despersonalizado como os fundos financeiros. Nesse sentido, têm-se as preleções de PAULA, Rodrigo Francisco de. Repensando a teoria dos tributos vinculados e não-vinculados e a esquematização formal da regra-matriz de incidência, In Revista Tributária e de

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ii) o critério da “receita tributária” (constitutivo de percentual, a título

remuneratório decorrente do exercício das qualidades de sujeito ativo,

v.g., fiscalização e cobrança do crédito tributário)454.

Essas propostas de novos critérios seriam esquematizados simbolicamente no

consequente secundário Cts’, e não no clássico consequente primário Cts, cuja nova

esquematização estruturante é atribuída ao autor Rodrigo Francisco de Paula455, enquanto

decorrência lógica da tradicional regra matriz de incidência tributária do eminente professor

Paulo de Barros Carvalho456.

Em sede de reestruturação da regra matriz tributária457, a partir das relações

de causalidade interna do sistema de direito positivo, destaque-se o seguinte esquema lógico

formal, a saber:

Figura 4 PAULA, Rodrigo Francisco de.

Finanças Públicas, vol. 46, Set/2002, p. 195, DTR\2002\425, in verbis: “Como exemplo de contribuição parafiscal, cujo sujeito receptor é uma entidade personalizada e cujo critério receita tributária não engloba a totalidade do produto da arrecadação, temos a contribuição do salário-educação. Aliás, o binômio base de cálculo/hipótese de incidência da contribuição do salário-educação é o mesmo da contribuição de seguridade social devida pelas empresas, conforme se depreende do art. 15 da Lei 9.424/96 O que muda é a matriz constitucional, que da contribuição do salário-educação é o art. 212, § 5º , da CF/1988 ( LGL 1988\3 ). Mas o sujeito receptor da contribuição do salário-educação è o FNDE, sendo o sujeito ativo o INSS (art. 15, § 1.°, da Lei 9.424/96).Quanto ao critério receita tributária, o sujeito ativo (INSS) retém 1% a título de administração da cobrança e fiscalização inerentes à exigibilidade da exação (= exercício do direito subjetivo), repassando ou FNDE o restante, respeitando, porém, a distribuição da quota federal e da quota estadual (art. 15, § 1.°, I e II. da Lei 9.424/96 c/c o art. 4.°, par. ún., da Lei 9.766/98).”. 455 PAULA, Rodrigo Francisco de. Repensando a teoria dos tributos vinculados e não-vinculados e a esquematização formal da regra-matriz de incidência, In Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 46, Set/2002, p. 268, DTR\2002\425. 456 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4ª ed. São Paulo: Noeses, p. 611. 457 PAULA, Rodrigo Francisco de. Repensando a teoria dos tributos vinculados e não-vinculados e a esquematização formal da regra-matriz de incidência, In Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 46, Set/2002, p. 268, DTR\2002\425.

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A inovação da estrutura da regra matriz de incidência tributária proposta por

Rodrigo Francisco de Paula458 decorre de sua derivação lógica em regra matriz de destinação

dos recursos, a partir do exame do consequente secundário (Cst’), que exsurge após o

momento lógico da extinção da obrigação tributária459, presente no consequente primário

(Cst), decorrente da causalidade interna ao sistema constitucional tributário, num resgate das

imperecíveis lições de Lourival Vilanova460.

No âmbito desse último consequente, inicialmente, encontra-se o critério

finalístico (Cf), que se constitui da associação do sujeito ativo (Sa) vinculado ao dever

constitucional de repassar os recursos arrecadados ao sujeito receptor (Sr), enquanto

expressão subjetiva de operacionalização do destino específico do tributo.

Finalizando a estrutura lógica, entendeu por bem acrescentar o critério da

receita tributário (Crt) ao consequente secundário (Cst’), que se constitui em retenção de

percentual, a título de remuneração do exercício das atribuições inerentes à delegação da

capacidade tributária ativa a outro ente público.

Após realinhar a regra matriz tributária conforme a destinação dos recursos,

vejamos a exemplificação dos novos critérios no caso da Contribuição Especial Social

salário-educação, presente no enunciado normativo do §5º, do artigo 212, da CF de 1988461.

Note-se, a propósito, que a Educação possui a sobredita contribuição como

fonte adicional de financiamento, sem se olvidar da afetação da receita dos impostos, na

parte final do artigo 167, inciso IV, da CF de 1988462.

Dessa forma, o critério finalístico da regra matriz do salário-educação

consubstancia-se na conjugação do sujeito ativo (Sa), que, à época, ainda era representado

pelo Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS, enquanto ente obrigado, após a

458 PAULA, Rodrigo Francisco de. Repensando a teoria dos tributos vinculados e não-vinculados e a esquematização formal da regra-matriz de incidência, In Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 46, Set/2002, p. 195, DTR\2002\425. 459 SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal. Direito tributário e direito financeiro: reconstruindo o conceito de tributo e resgatando o controle da destinação. In Curso de direito tributário e finanças públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. (Coord. Eurico Marcos Diniz de Santi). São Paulo: Saraiva, 2008, p. 609. Aliás, são elucidativas as preleções dos autores, uma vez que o discurso dogmático deixou de lado as “[...] demais relações que se instauram após a extinção da obrigação tributária, como aquela que decorre da destinação do produto da arrecadação dos tributos.”. 460 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 51. O celebrado teórico pernambucano ensina-nos que “No interior de cada sistema, tecem-se relações de causalidade (intra-sistêmica). Com base nela, na existência de uma ordenação objetiva de fatos econômicos, políticos e jurídicos, é que se programa o curso natural dos fatos.”. 461 Em disposições literais da CF de 1988, tem-se: “Art. 212 [...], §5.º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei.”. 462 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 326.

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correspondente retenção de 1%, a título de fiscalização e arrecadação (Crt), a repassar os

recursos arrecadados para o sujeito receptor (Sr), como destinatário dos recursos

arrecadados, ainda permanecendo nessa condição o Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação - FNDE, no escopo ou na finalidade de reforçar a dotação orçamentária da

educação básica pública.

Portanto, segundo as sobreditas preleções quanto ao salário-educação, o

sujeito receptor (Sr), desde aquela época, continua a ser o Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação - FNDE, o qual encarna o destinatário final dos recursos

arrecadados. Nesse contexto, o destinatário do produto da arrecadação é o critério finalístico

(Cf).

Pelo realinhamento teórico sobredito, tão somente se poderia falar em desvio

de finalidade, enquanto tredestinação, na oportunidade de infração do sujeito ativo (Sa) à sua

obrigação de repassar a verba arrecadada ao destinatário final do produto da arrecadação,

ou seja, o sujeito ou destino receptor (Sr), normalmente predeterminado constitucionalmente,

que, tão somente conjugados, atendem ao critério finalístico (Cf), da regra matriz de

incidência tributária.

Assim, poder-se-ia cogitar como outra faceta da tredestinação, na

eventualidade de desrespeito ao “critério finalístico” Cf (Sa + Sr), composto pelo dever do

sujeito ativo (Sa) em repassar o produto arrecadado ao sujeito receptor ou destinatário (Sr),

presente no consequente secundário (Cst’) da regra matriz tributária do Salário-Educação.

Em arremate, o sujeito ativo, nem mesmo por lei orçamentária estaria

autorizado (modal permissivo) à desafetação dos destinos previamente constitucionalizados,

como abordaremos a seguir463.

4.3.4 Tredestinação mediante aprovação de créditos orçamentários suplementares

Não menos elucidativa é abordagem sobre o fenômeno desvio de finalidade,

como tredestinação, sob a óptica orçamentária, mediante a aprovação de créditos

orçamentários suplementares464.

463 SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal. Direito tributário e direito financeiro: reconstruindo o conceito de tributo e resgatando o controle da destinação. In Curso de direito tributário e finanças públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. (Coord. Eurico Marcos Diniz de Santi). São Paulo: Saraiva, 2008, p. 623. Por outro lado, estaria autorizado à desafetação, caso fosse modificada a destinação específica por emendas constitucionais, a exemplo das relativas ao instituto da Desvinculação de Receitas da União – DRU.

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A problemática da tredestinação igualmente parte de outra contribuição

especial, que é a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE, em face da

matriz constitucional inserida no enunciado normativo do caput, do artigo 149, da CF de

1988.

Nesses contornos, esse desvio de finalidade apresentado por Luís Fernando de

Souza Neves aproxima-se ao anteriormente analisado, a partir do exame do consequente

secundário (Cst’) da regra matriz de destinação simbolicamente estruturada pelo tributarista

Rodrigo Francisco de Paula465.

No entanto, o desvio de finalidade nessa modalidade é perpetrado pelo sujeito

ativo (Sa), que, desobedecendo administrativamente às disposições normativas, não repassa

ao sujeito receptor ou outro destinatário (Sr), o produto arrecadado, configurando violação

ao critério finalístico (Cf).

Já nesse outra modalidade de tredestinação, o desvio de finalidade é

implementado por via legislativa, mediante aprovação de créditos suplementares, como

ocorreu com a CIDE466.

Partindo da vedação constitucional da afetação da receita dos impostos

presente no enunciado normativo do inciso IV, do artigo 167, da CF de 1988, Luís Fernando

de Souza Neves467 alerta que o STF, na oportunidade do julgamento da ADI 2.925/DF, com

amparo na interpretação conforme a Constituição, já se pronunciou sobre a

inconstitucionalidade de qualquer gasto ou destinação dos recursos arrecadados oriundos da

CIDE, que não se enquadrem nos estabelecidos no §4º, inciso II, do artigo 177, do Texto

Supremo.

À evidência, a União desvia os recursos decorrentes da supramencionada

exação para destinos ou destinatários diversos, isto é, das finalidades constitucionais

previstas nas alíneas “a”, “b” e “c”, do §4º, do inciso II, da CF de 1988, mediante a técnica

financeira de abertura de crédito suplementar. 464 NEVES, Luís Fernando de Souza. Limites da competência e contribuições de intervenção no domínio econômico – CIDE, In VII Congresso Nacional de Estudos Tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado. São Paulo: 2010, Noeses, pp. 891-892. 465 PAULA, Rodrigo Francisco de. Repensando a teoria dos tributos vinculados e não-vinculados e a esquematização formal da regra-matriz de incidência, In Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 46, Set/2002, p. 195, DTR\2002\425. 466 De antemão, necessário se faz esclarecer que é possível ocorrer o mesmo evento, em se tratando de empréstimo compulsório, uma vez que há expresso ditame constitucional no sentido de afetar o produto da arrecadação a determinada despesa, conforme dispõem os incisos I e II, parágrafo único, do artigo 148, do mesmo Texto Constitucional. 467 NEVES, Luís Fernando de Souza. Limites da competência e contribuições de intervenção no domínio econômico – CIDE, In VII Congresso Nacional de Estudos Tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado. São Paulo: 2010, Noeses, p. 892.

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Assim, não é por outra razão que Andrei Pitten Veloso outorga às

contribuições especiais a alcunha de tributos finalísticos468, pois insitamente perseguem fins

constitucionalmente pré-determinados pelo constituinte.

Por se tratarem de fins constitucionais, a exemplo do fomento à Ordem Social

(contribuições sociais), da tutela de categorias e corporações (contribuições de interesse de

categoria econômica ou profissional), bem como da regulação do Domínio Econômico -

CIDE, não é dado ao legislador infraconstitucional, mediante lei orçamentária ou qualquer

outra técnica, a exemplo da abertura de créditos suplementares, desviar os recursos para

outras áreas de interesse público, ainda que constitucionalizadas469.

Excelente exemplificação pode partir dos destinos específicos ou fins

constitucionais dos recursos arrecadados, a título de tributação por meio de CIDE, incidente

sobre atividades de importação ou comercialização de petróleo, gás natural e seus derivados,

e álcool combustível, de conformidade com §4º, do artigo 177, do Texto Constitucional, cuja

redação vigente foi dada pela EC n.º 33/2001.

Atento aos temas afetos aos combustíveis, o constituinte decidiu por bem

destinar os seus recursos tributários a problemas, como os dispostos respectivamente nas

alíneas “a”, “b” e “c”, do §4º, do enunciado normativo do artigo 177, do Texto

Constitucional, a saber:

i) pagamento de subsídios a preços e a transportes dos sobreditos

combustíveis (alínea “a”);

ii) financiamento de projetos ambientais afetos à indústria de petróleo e

gás natural (aliena “b”); e

iii) financiamento de projetos infraestruturais de transportes (alínea “c”)470.

468 VELLOSO, Andrei Pitten. Constituição tributária interpretada. São Paulo: Atlas, 2007, p. 88. Nesse sentido, “As contribuições interventivas - CIDEs - são instrumentos destinados a propiciar ou facilitar a intervenção, por parte da União, no domínio econômico. São, como qualquer contribuição especial, tributos teleológicos, vocacionados à promoção de fins determinados. E o fim imediato destas contribuições é a promoção da ‘intervenção no domínio econômico’, expressão cuja imprecisão configura a primeira dificuldade da análise das contribuições interventivas [...]”. 469 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 336. Igualmente, sobre tredestinação dos recursos da CIDE, destaque-se a seguinte lição, com fulcro, nos precedentes do STF: “Foi precisamente esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal quando declarou a inconstitucionalidade da contribuição de intervenção no domínio econômico porque a lei orçamentária comprovava, em caráter geral, o desvio de finalidade.”. 470 SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal. Direito tributário e direito financeiro: reconstruindo o conceito de tributo e resgatando o controle da destinação. In Curso de direito tributário e finanças públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. (Coord. Eurico Marcos Diniz de Santi). São Paulo: Saraiva, 2008, p. 612. Desafiando as prescrições dogmáticas, os autores constataram, a partir de

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162

Evidenciam-se, desse modo, as finalidades a serem perseguidas pelo legislador

infraconstitucional, com a arrecadação dos recursos da CIDE incidente sobre atividades de

importação ou comercialização de petróleo, gás natural e seus derivados, sem se olvidar do

álcool combustível, por força modal deôntico obrigado presente no §4º, do artigo 177, da CF

de 1988.

Indubitavelmente, a alínea “a”, do §4º, do artigo 177, destina-se a garantir a

intervenção do Estado ou sua atividade regulatória sobre a oferta e procura dos combustíveis,

na busca de pressionar a baixa do preço no mercado, mediante concessão de subsídios

econômicos, ou seja, vantagens econômicas concedidas pelo Poder Público com a finalidade

de reduzir o preço do produto final, junto ao seu fornecedor.

Nesse contexto, o subsídio econômico funciona como mola propulsora de

redução do preço final, mesmo diante das incertezas do mercado, para induzir o consumidor a

adquirir o produto a um valor mais módico, caso comparado ao valor sem a dedução

decorrente da vantagem econômica outorgada pelo Estado brasileiro.

Por sua vez, a alínea “b”, do §4º, do artigo 177, destina-se ao financiamento de

projetos ambientais relacionados à indústria do petróleo e do gás natural. Nesse dispositivo,

exsurge a tutela do meio ambiente - artigo 225, da CF de 1988471, por intermédio de indução

tributária positiva.

Ab initio, pelo procedimento gramatical, vislumbra-se a ausência de destinação

a projetos ambientais relativos à produção de álcool combustível. No entanto, por ser a

importação ou a comercialização de álcool combustível também critério material da CIDE

em apreço, deve-se interpretar sistematicamente no intuito de estender a tutela do meio

ambiente à produção de álcool combustível.

Assim, vislumbrar desvio de finalidade nessa hipótese seria obstruir a

concretização da tutela do meio ambiente, cuja destinação dos recursos se propõe pela

própria rubrica do critério material da CIDE.

gráfico utilizado pelo Professor Raul Velloso, que, ao invés de ocorrer o reforço orçamentário, com a CIDE, houve, por assim dizer, decréscimo, em descompasso total com o aumento da arrecadação. Eis um grande indício de desvio de finalidade, enquanto desvirtuamento dos destinos específicos presentes na CF de 1988. 471 SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação e políticas públicas: o ICMS ecológico. In Revista de Direito Ambiental, ano 10, abr./jun., 2005, n.º 38. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 105. Assumindo seu papel de gestor das políticas de interesse coletivo, deve o Estado buscar meios para atender à necessidade de proteção dos recursos naturais para a presente e para as futuras gerações, atendendo disposição inscrita no art.225 da nossa Constituição Federal e no art. 252 da Carta Constitucional Estadual do Pará, aliando o interesse público ao desenvolvimento sustentável [...].”.

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163

A par dessa observação, o constituinte andou bem ao destinar recursos da

CIDE a eventuais projetos ambientais de prevenção ou de recuperação do meio ambiente, em

razão dos riscos letais à fauna e à flora, inerentes à exploração da indústria do petróleo, gás

natural e seus derivados472.

De outra parte, a alínea “c”, do §4º, do artigo 177, trata da destinação de

recursos da CIDE a eventuais projetos de infraestrutura de transportes dos combustíveis

destacados no critério material da exação interventiva.

Dessa forma, a finalidade tributária novamente coincide com a noção de

destino ou destinatário dos recursos arrecadados, que informa as contribuições especiais e o

empréstimo compulsório473, enquanto traço naturalmente distintivo dos tradicionais tributos.

Então, a problemática do desvio de finalidade tributária enquanto alteração do

destino dos recursos arrecadados apenas pode ser arguido em espécies tributárias, nas quais

existem fórmulas constitucionais de comprometimento dos recursos arrecadados (afetação de

receitas), ou seja, em exações constitucionalmente comprometidas com determinados fins

constitucionais, a exemplo das contribuições especiais e empréstimos compulsórios, em

regra.

Como anteriormente visto, as contribuições especiais são tributos

instrumentais, cuja matriz constitucional está inscrita no enunciado normativo do artigo 149,

da CF de 1988.

Ali se encontram os destinos ou finalidades motivadoras da instituição dos

sobreditos instrumentos tributários de atuação da União, enquanto áreas que despontam no

interesse constitucional de intervenção do Poder Público federal, a exemplo da Ordem Social,

do Domínio Econômico e do domínio corporativo.

Por sua vez, o Empréstimo Compulsório também sofre essa prévia delimitação

constitucional em sua destinação, conforme alíneas “a” e “b”, do enunciado normativo do

artigo 148, do mesmo Texto Constitucional.

Assim, existe prévia afetação dos recursos arrecadados dessa exação

nitidamente emergencial, uma vez que apenas pode ser instituída para fazer frente às despesas

extraordinárias, como calamidade pública e guerra externa, ou sua iminência, sem se olvidar

472 Nesse contexto, deve-se incluir, enquanto finalidades constitucionais, tanto projetos de prevenção, como de recuperação do meio ambiente, em face da textura aberta da cláusula constitucional de destinação de modo a otimizar a tutela socioambiental. Por conseguinte, nem se fale em desvio de finalidade, porquanto a sobredita interpretação busca seu alento na completude sistemática do Texto Constitucional de 1988. 473 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 326. Contra: “O importante, aqui, é enfatizar que, embora a finalidade seja traço característico de outros tributos, não é qualidade que lhes seja distintiva ou preponderante, como o é no caso das contribuições”.

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da autorização constitucional de destinação para o vago e cambiante “investimento público de

caráter urgente e relevante interesse nacional”.

Ademais, frise-se que o próprio parágrafo único, do artigo 148, expressamente

afeta (“vincula”) os recursos arrecadados aos fins anteriormente descritos, sob pena de

incompatibilidade constitucional da exação extraordinária.

4.3.5 Tredestinação por emendas constitucionais

Superados os pontos de maior sutileza dogmática474, impende destacar o

problema da tredestinação, enquanto desvio de finalidade de recursos arrecadados, por

emendas constitucionais instituidoras de fundos e por Desvinculação de Receitas da União –

DRU475.

Nessa altura, torna-se facilmente compreensível que as sobreditas manobras

perpetradas pelos donos do poder são menos sofisticadas476, se comparadas com as

perpetradas por desvios de finalidades arrecadatórias e regulatórias, como anteriormente

discutido.

A propósito, esses expedientes legislativos utilizados para “desvinculação”

(rectius, desafetar)477, chegam a tosquiar a técnica jurídica de direito intertemporal,

denominada Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.

Indubitavelmente, a relevância das disposições transitórias é ímpar, no que

atina à temática do direito intertemporal, porquanto são elas que inibem eventuais colisões ou

incompatibilidade de comandos deônticos, dantes permitidos, mas, doravante, proibidos.

474 PAULA, Rodrigo Francisco de. Repensando a teoria dos tributos vinculados e não-vinculados e a esquematização formal da regra-matriz de incidência, In Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 46, Set/2002, p. 195, DTR\2002\425, que elucida sobre a regra matriz de destinação dos tributos. E, por sua vez, que ressalta sobre as tentativas de tredestinação mediante créditos orçamentários suplementares: NEVES, Luís Fernando de Souza. Limites da competência e contribuições de intervenção no domínio econômico – CIDE, In VII Congresso Nacional de Estudos Tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado. São Paulo: 2010, Noeses, pp. 891-892. 475 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Contribuições e federalismo. São Paulo: Dialética, 2005, p. 153. Conferir sobre a maior deturpação de maior irracionalidade no seio constitucional das contribuições enquanto tributos de destinações específicas. Em tom uníssono, DOMINGUES, José Marcos. Contribuições sociais – desvinculações prescritas por emendas constitucionais In Revista Dialética de Direito Tributário, n. º 193, Nov/2011. São Paulo: Dialética, p.75, cujo arranjo crítico às desvinculações por emendas se reverbera na locução “eixo do mal – FSE, FEF e DRU”. 476 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Contribuições e federalismo. São Paulo: Dialética, 2005, p. 153. Sobre essa perspectiva da falta de sofisticação na burla das finalidades constitucionais, mediante exame do artigo 76, do ADCT, destaque-se: “O nome ‘contribuição’, enfim, serve apenas de biombo, criando-se uma situação que nem mesmo MAQUIAVEL poderia imaginar: os fins, a rigor, passam a se justificar por si mesmos, numa inominável petição de princípios. A fraude à lei – ou, no caso, a fraude à Constituição – é evidentíssima, e representa o reconhecimento da verdadeira natureza das contribuições”. 477 ORTIZ, Gaspar Ariño. A afetação de bens ao serviço público. O caso das redes In Revista de Direito Administrativo, vol. 258, Set/Dez. 2011, São Paulo: Direito Rio – FGV, pp. 15-16.

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No Direito Constitucional Tributário, o ato das disposições constitucionais

transitórias possui a sobredita nobreza dogmática: em singelas palavras, destinam-se a

possibilitar o acomodamento das situações fácticas anteriores às atuais exigências

constitucionais, caracterizando-se como técnica jurídica de transição de ordens jurídicas no

tempo.

Em ilimitado exercício do Poder Reformador, o Congresso Nacional

continuamente mutila todo o arcabouço finalístico da CF de 1988, a exemplo dos reforços

orçamentários destinados à Seguridade Social, às questões afetas à Ordem Econômica, para

satisfazer interesses escusos, vilipendiando os limites implícitos, especialmente, os

teleológicos478, mediante supostos fundos ou, mesmo através da polêmica DRU.

De início, por ser ato das disposições constitucionais transitórias, é absurdo se

admitir emendas constitucionais posteriores à própria data da promulgação da CF de 1988,

sem patente violação do espírito constitucional originário479, uma vez que as demais

alterações constitucionais, hodiernamente, em mais de 67 (sessenta e sete), não são sequer

vistas com bons olhares dos constitucionalistas.

A propósito, entende Fernando Facury Scaff480 que a prática legislativa

conhecida de DRU, iniciou-se com as desafetações de receitas da União, através de inúmeros

fundos, enquanto início da sangria do pacto federativo originário.

A título de exemplificação, a EC de Revisão n.º 1, de 1º de março de 1994,

instituiu o Fundo Social de Emergência – FSE481, cujo escopo declarado foi o de “saneamento

478 GUASTINI, Riccardo. Estudios de teoría constitucional. Instituto de Investigaciones Jurídicas. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001 p. 195. A propósito dos limites implícitos decorrentes de procedimentos interpretativos, especialmente, o finalístico, destaquem-se que “Son límites implícitos los que se deducen del texto constitucional mediante otras —más controvertibles— técnicas interpretativas (interpretación extensiva, teleológica, sistemática, analógica, y algunas otras).”. 479 DOMINGUES, José Marcos. Contribuições sociais – desvinculações prescritas por emendas constitucionais In Revista Dialética de Direito Tributário, n. º 193, Nov/2011. São Paulo: Dialética, pp. 78-79. Nesse mesmo sentido, “A Emenda Constitucional n. 42º/2003 trouxe várias alterações ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e aqui merece crítica o desvio de finalidade com que se tem emendado o ADCT, transformando um capítulo de vigência ilimitada no tempo em verdadeiro escoadouro para mudanças sem fim na Constituição, mas, enfim, destacamos, no tema desta fala, a alteração do art.76, que trata da DRU – Desvinculação de Recursos da União, incluindo também as contribuições de intervenção no domínio econômico.”. (Grifos do autor). 480 SCAFF, Fernando Facury. 3ª Parte: a desvinculação de receitas da união (DRU) e a supremacia da constituição In SCAFF, Fernando Facury; MAUÉS, Antonio G. Moreira. Justiça constitucional e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 99-100. 481 Conferir Emenda Constitucional – EC n. º 10, de 4 de março de 1996, a saber: “Art. 1º O artigo 71 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 71. Fica instituído, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, bem assim no período de 1º de janeiro de 1996 a 30 de Juno de 1997, o Fundo Social de Emergência, com o objetivo de saneamento financeiro da Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica, cujos recursos serão aplicados prioritariamente no custeio das ações do sistema de saúde e educação, benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada, inclusive

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financeiro da Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica”, com aplicação

prioritária na Seguridade Social, na Educação e em “outros programas de relevante interesse

econômico e social”.

Essa última cláusula demonstra a intencional plasticidade interpretativa que se

utiliza para a desafetação de receitas tributárias pelo sobredito Fundo Financeiro. Diante

dessa disposição prescritiva, qualquer projeto político, em sede de implementação de direitos

sociais e econômicos, subsume-se à sobredita cláusula geral.

Essa moldura normativa demasiadamente aberta dificulta, sobremaneira, a

fiscalização orçamentária ou jurisdicional dos recursos econômicos ali aludidos, pois, trata-se

de verdadeiro “cheque em branco”, emitido em favor da União, após a desafetação das suas

receitas, por emenda constitucional, disponibilizando um verdadeiro manancial de

recursos482.

Nesse ponto, o FEF constituiu-se em peculiar veículo introdutor de normas de

escalão constitucional destinado a afastar o surreal percentual de 20% (vinte por cento) dos

recursos arrecadados e previamente afetados, de todas as constitucionais afetações da receita

dos impostos e, mais gravemente, das contribuições que viessem a ser criados, numa cláusula

abusivamente plástica, isto é, dos “já instituídos ou a serem criados”, como bem preleciona

Fernando Facury Scaff483.

Por sua vez, cumpre ressaltar a atual EC n.º 68, de 21 de dezembro de 2011,

enquanto última manobra perpetrada pelo nosso Congresso Nacional, que representa a mais

ampla forma de desvio de finalidade, enquanto tredestinação dos recursos, após o brevíssimo

percurso histórico-evolutivo do FSE e FEF.

Trata-se da famigerada Desvinculação de Receitas da União – DRU, que, à

revelia das disposições constitucionais instituidoras das finalidades, “desvincula” as receitas

previamente afetações dos impostos, presentes na parte final do artigo 167, inciso IV, bem

liquidação de passivo previdenciário, e despesas orçamentárias associadas a programas de relevante interesse econômico e social’.”. 482 SCAFF, Fernando Facury. 3ª Parte: a desvinculação de receitas da união (DRU) e a supremacia da constituição In SCAFF, Fernando Facury; MAUÉS, Antonio G. Moreira. Justiça constitucional e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 100, a propósito das fontes que alimentaram o FSE, vejamos: “a) O Imposto sobre a Renda retido na fonte sobre os pagamentos efetuados a qualquer título pela União, suas autarquias e fundações. b) A majoração decorrente das alterações produzidas pela Medida Provisória n° 4l9 (aumento do IOF) e pelas Leis n° 8.847/94 (aumento do ITR), n° 8.849/94 (aumento do IR), n° 8.848/94(aumento do IRFonte), e a majoração da alíquota da CSLL e do PIS das instituições financeiras nos exercícios financeiros de 1994 e 1995. c) Vinte por cento do produto da arrecadação de todos os impostos e contribuições da União, excetuados os acima mencionados.” 483 SCAFF, Fernando Facury. 3ª Parte: a desvinculação de receitas da união (DRU) e a supremacia da constituição In SCAFF, Fernando Facury; MAUÉS, Antonio G. Moreira. Justiça constitucional e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p.101.

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como do enunciado prescritivo do artigo 149, caput, em seus influxos sistemáticos com os

artigos 177, § 4º, inciso II, alíneas “a”, “b” e “c” e artigo 195, todos da CF de 1988.

O teor é semelhante e bem mais amplo que o antigo FEF, porquanto desvincula

o mesmo percentual de 20% (vinte por cento) de toda arrecadação da União, dos impostos,

das contribuições especiais sociais, inclusive da CIDE, “já instituídos ou que vierem a ser

criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais”, até 31 de

dezembro de 2015, conforme EC n.º 68/2001.

Destarte, esse explícito vilipêndio às finalidades constitucionais iniciou-se com

EC n.º 27, de 21 de março de 2000, com a sobredita alcunha de DRU484, uma vez que,

atualmente, os dois pontos críticos a respeito desse desvio de finalidade, por emenda

constitucional, são a ampliação do rol dos tributos desafetados485, bem como a verdadeira

farra orçamentária outorgada ao Chefe do Poder Executivo486.

Por derradeiro, o ponto nevrálgico das discussões em torno da DRU é

exatamente a ausência finalidades transparentes, a que se pretende desviar, em matéria de

recursos previamente afetados originariamente pela CF de 1988, diferentemente do que

ocorria com os sobreditos fundos, que, como alento, ainda instituía cláusulas de destinação

dos recursos.

4.3.6 Fiscalização constitucional da tredestinação: mecanismos no sistema constitucional

Superada a contextualização normativa do problema, eventual invalidação é

igualmente possível487, pois surge como mecanismo de manutenção da estabilidade e

484 SCAFF, Fernando Facury. 3ª Parte: a desvinculação de receitas da união (DRU) e a supremacia da constituição In SCAFF, Fernando Facury; MAUÉS, Antonio G. Moreira. Justiça constitucional e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 101. 485 SCAFF, Fernando Facury. 3ª Parte: a desvinculação de receitas da união (DRU) e a supremacia da constituição In SCAFF, Fernando Facury; MAUÉS, Antonio G. Moreira. Justiça constitucional e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 102. 486 OLIVEIRA, Regis Fernandes. Curso de direito financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 349. Nesse sentido, destacando a ausência de destinos ou fins especificados pelo legislativo, ensina o eminente professor, a saber: “Evidente está que o Poder Legislativo abriu mão de dar a palavra final sobre a destinação dos gastos públicos, restringindo sua competência para 80% das receitas, relegando ao critério exclusivo do Executivo os restantes 20%.”. 487 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 311. Nesse contexto, “A invalidade pode alcançar normas de diversas espécies: leis constitucionais de emenda à constituição (conflitos intraconstitucionais in thesis), leis complementares à Constituição, leis ordinárias e outros atos geradores de normas (atos normativos), e atos em execução de normas.”.

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coerência do sistema constitucional de direito, enquanto decorrência da supremacia

constitucional488.

No que tange ao controle de compatibilidade formal e material das leis

ordinárias, complementares, inclusive de emendas constitucionais que desviam os recursos

arrecadados dos fins constitucionalmente alvejados, são manejáveis as técnicas

constitucionais de controle abstrato de constitucionalidade, por derivação489 do escalão

constitucional superior.

A propósito da antiga posição do Supremo Tribunal Federal - STF a respeito

da impossibilidade de se exercer controle concentrado e abstrato em caso de

incompatibilidade formal e material de lei orçamentária com a CF de 1988, hodiernamente,

constata-se a superação dessa posição anacrônica desposada pela jurisprudência da Corte

Suprema brasileira.

Por conseguinte, em face da desnecessária arguição pela via difusa e incidental,

no que atina às deturpações das finalidades por leis orçamentárias490, houve evolução na

jurisprudência do STF, em prol da conservação das finalidades constitucionais, no sentido de

se admitir o controle abstrato e concentrado de suas disposições.

488 HARO, Ricardo. El rol paradigmático de las cortes y tribunales constitucionales em el ejercicio del control jurisdiccional de constitucionalidad. In GRAU, Eros Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvulo (Coord.) Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 470-471. 489 LINS, Robson Maia. O supremo tribunal federal e norma jurídica: aproximações com o constructivismo lógico-semântico. In HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson (Coord.) Vilém Flusser e juristas: comemoração aos 25 anos do grupo de estudos Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2009, p. 391. Quanto à derivação, enquanto problema inicial da análise do controle de constitucionalidade, in verbis: “A autonomia da norma jurídica revela o grau de derivação em relação à Constituição. Essa gradação da derivação normativa é medida pelo fundamento imediato de validade do ato normativo. Nessa linha, se o ato normativo deriva diretamente da Constituição, por exigência da própria Carta Maior, tem-se configurada sua autonomia, sendo qualquer desconformidade com a Norma Maior ofensa direta e, portanto, passível de controle via ADIn e ADC.”. 490 Conferir ADI 2.925 – DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Relator para o acórdão Min. Marco Aurélio, julgada em 19.12.03, DJ 04.03.05. Igualmente, "Controle abstrato de constitucionalidade de normas orçamentárias. Revisão de jurisprudência. O STF deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade." (ADI 4.048-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-5-2008, Plenário, DJE de 22-8-2008.) No mesmo sentido: ADI 4.049-MC, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 5-11-2008, Plenário, DJE de 08-5-2009. Em sentido contrário: ADI 1.716, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-12-1997, Plenário, DJ de 27-3-1998. No mesmo sentido, "Lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e destinatários certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado." (ADI 2.484-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 19-12-2001, Plenário, DJ de 14-11-2003.) No mesmo sentido: ADI 2.535-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-12-2001, Plenário, DJ de 21-11-2003. Em sentido contrário: ADI 4.049-MC, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 5-11-2008, Plenário, DJE de 8-5-2009; ADI 4.048-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-5-2008, Plenário, DJE de 22-8-2008.

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Igual raciocínio é aplicável na hipótese de promulgação de lei complementar

decorrente do exercício da competência residual da União, presente no §4º, do artigo 195, da

CF de 1988, que crie destino diverso da Seguridade Social, pode-se arguir a

inconstitucionalidade do sobredito veículo introdutor de normas mediante, mediante Ação

Direta de Inconstitucionalidade - ADI, em face do desrespeito aos desideratos constitucionais

previamente delimitados no artigo 149, do Texto Magno491.

Igualmente compatível é a impugnação pela técnica abstrata de emendas

constitucionais, como as que instituíram os FSE, FEF e, atualmente, a DRU, por desvincular e

vilipendiar os fins constitucionais concretizáveis em diversos graus pelos tributos de

destinação afetada, como são as contribuições especiais sociais e CIDE.

Em arremate, pode-se asseverar que o desvio de finalidade enquanto

tredestinação dos destinos específicos possui espectro de combate acentuadamente maior e

mais eficaz, se comparado ao restrito âmbito de invalidação por desvio de finalidade, como

desvio de poder, que exige maior grau de aferição das finalidades arrecadatória e indutora.

491 A propósito, aplica-se o mesmo raciocínio ao desvio de finalidade instituído em lei complementar que institua empréstimo compulsório para destinos diversos dos elencados nos incisos do artigo 148, da CF de 1988. Eventualmente, pode existir problemas na aferição da incompatibilidade material em sede de ADI ou outro instrumento constitucional, na hipótese do inciso II, do sobredito dispositivo. Isso decorre da natureza vaga e cambiante da locução “investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional”. Calha à obviedade, que essa finalidade deve ser interpretada restritiva e sistematicamente, uma vez que interesse nacional não pode coincidir com interesses constitucionais específicos das esferas federais, estaduais ou municipais. Por sua vez, para configura “investimento”, há de se recorrer aos préstimos classificatórios das despesas públicas presentes na Lei n.º 4.320/1964, que distingue despesas públicas de investimento, das demais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de indiscutível autonomia didática alcançada nas paragens das ciências

do Direito Tributário e Direito Financeiro, especialmente, a partir do século XX, vislumbram-

se duas modalidades mais recorrentes de desvios de finalidade, no Direito Constitucional

Tributário brasileiro, denominadas desvio de poder e desvio dos destinos específicos da

receita tributária ou tredestinação.

Estabeleceu-se, como premissa essencial para identificação e correção dos

desvios, a corrente positivista estruturalista, de inspiração kelseniana. Por sua vez, em razão

de seu caráter predominantemente lógico-formal, tornou-se necessário utilizar o finalismo

jurídico, como critério de correção material viabilizador da fiscalização dos desvios de

finalidade, em conformidade com o sistema de direito constitucional positivo brasileiro.

Fixadas as premissas hermenêuticas do presente ensaio, constatou-se a

ausência de neutralidade do Estado Democrático de Direito brasileiro inaugurado pela

Constituição de 1988, uma vez que esse modelo possui princípios e fins socioeconômicos

encartados no seio do sistema jurídico constitucional.

Nesse contexto, é inegável que o Estado brasileiro possui nítida faceta

regulatória, de tal modo que tem competência meramente indicativa para disciplinar o setor

privado, em virtude do regime jurídico de liberdade econômica, na Ordem Econômica de

1988, enquanto ambiente constitucional favorável às intervenções indiretas, especialmente,

por meio de técnicas de tributação indutora.

Ciente de que a competência tributária ostenta caráter predominantemente

arrecadador, exsurge, como consectário do manejo constitucional das normas tributárias

indutoras, a necessidade de interpretação sistemática da competência regulatória - para

regular -, perante as demarcações constitucionais previamente distribuídas pela CF de 1988.

Enfatizou-se, por conseguinte, que existem modalidades tributárias mais

vocacionadas para a regulação do Domínio Econômico e Social, a exemplo dos impostos

federais elencados no § 1º, do artigo 153, da CF de 1988, que despontam como robustos

instrumentos de canalização das finalidades regulatórias.

Delimitados os regimes constitucionais das normas tributárias arrecadadoras

e normas tributárias indutoras, passou-se ao estudo dos desvios de finalidade tributária, nas

modalidades de desvio de poder e de tredestinação.

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Diante desse contexto, a primeira espécie de desvio de finalidade (desvio de

poder) padece de vício de ilegalidade e a segunda (tredestinação), de inconstitucionalidade,

em razão da frustração dos escopos constitucionais enunciados no Capítulo I, Do Sistema

Tributário Nacional e no Capítulo, II, Das Finanças Públicas, pertinentes ao Título VI, sob a

rubrica Da Tributação e do Orçamento, da Constituição Federal de 1988.

As propostas de identificação e de fiscalização dessas modalidades de desvios

finalísticos, tornaram-se, ao menos, teoricamente viáveis, através da interpretação/aplicação

das fecundas premissas estruturalistas, inerentes ao positivismo normativista kelseniano,

aliadas ao teleologismo.

Como primeiro passo consistente na identificação dos desvios de poder

perpetrados na seara da tributação indutora, foram utilizados os procedimentos metódicos das

Escolas interpretativas, a análise estruturalista dos atos administrativos e a regra matriz de

incidência tributária, para compreender que o critério quantitativo dos impostos federais -

disciplinado pelo regime constitucional das normas indutoras - é regido pela reserva legal

formal relativa, em homenagem à finalidade regulatória a eles imanente.

Enquanto segundo passo, aplicaram-se os procedimentos metódicos de

interpretação e o esquema de compatibilização lógico-finalística, associado à análise

estruturalista dos atos administrativos, com o propósito de instrumentalizar a invalidação

judicial dos atos administrativos viciados, a partir do exame do binômio motivo/finalidade.

Por sua vez, quanto às interpretações de identificação dos desvios dos destinos

específicos da receita tributária ou tredestinação, utilizaram-se, respectivamente, os

procedimentos de interpretação, com especial ênfase nos métodos sistemático e teleológico,

em interpretação conforme a Constituição, para estabelecer a classificação dos tributos

quanto às destinações específicas, como exações finalísticas.

Nesse cenário, através do critério finalístico do consequente secundário da

regra matriz de destinação, de modo a delimitar outra possível forma de perpetrar a

tredestinação, mediante violação do dever constitucional ou infraconstitucional de repassar os

recursos arrecadados ao sujeito receptor ou destinatário das receitas tributárias.

Identificaram-se, além dessa modalidade, outras espécies de tredestinação

menos sofisticadas, após a interpretação dos enunciados normativos pertinentes à abertura de

créditos orçamentários suplementares e à teratológica Desvinculação de Receitas da União

(DRU).

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Em síntese, enfrentada a identificação dos vícios de inconstitucionalidade,

utilizaram-se igualmente os métodos de interpretação, mediante juízos de incompatibilidade

material e formal com a CF de 1988, para considerar viável a fiscalização constitucional da

tredestinação, mediante aplicação dos mecanismos de controle de constitucionalidade

abstrato.

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REFERÊNCIAS

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