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José Guilherme de Araújo Jorge Bazar de Ritmos

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José Guilherme de Araújo Jorge

Bazar de Ritmos

1ª edição - 1935

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Índice (Por ordem alfabética)

01 – A dor maior...02 – A igrejinha de S. Sebastião03 – A luz04 – A outra voz...05 – A paineira e o poente06 – A uma artista07 – Adivinha-se08 – Adoração suprema09 – Ante a estátua do Soldado Desconhecido10 – Aurora11 – Bazar de ritmos...12 – Boa noite13 – Bonecas... bonecos...14 – Borboletas15 – Carta a um amor do passado16 – Cartas17 – Cheguei tarde18 – Chuva19 – Cigarra morta20 – Confidência amarga21 – Depois...22 – Derradeira inspiração23 – Despertando24 – Despetalando25 – Destinos26 – Digo que esqueço27 – disseste28 – Distração29 – E os teus olhos assim...30 – Ele me disse31 – Eu...32 – Eu abri os meus olhos33 – Exaltação34 – Exaltação do amor35 – Exortação36 – Fatalismo37 – Filosofando

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38 - Fraqueza39 – Fugitivo40 – Glorificação da dor41 – Gotas42 – História de um orgulho43 – Incerteza44 – Inutilidade45 – Inutilmente46 – Linda47 – Linhas paralelas48 – Mãe49 – mas para que contar?50 – Mas... sorriste!51 – Meu primeiro amor52 – Moleque53 – Mosaico54 – Música!55 – Negativo56 – Noite57 – Noite de Junho58 – Nuance59 – O acordar da cidade60 – O balão61 – O destino de uma flor62 – O meu poema sem nome63 – O que eu amo em você64 – O Verbo Amar65 – Orgulhosa66 – Paisagem...67 – Paisagem do silêncio68 – Partiste!... Voltarás?...69 – Pontos finais70 – Pôr do Sol71 – Prisioneiro72 – Psicologia73 – Quadro74 – Quadros de Verão75 – Quando76 – Razões77 – Se...78 – Ser ou não ser...

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79 – Silenciosamente80 – Soldado81 – Sonhadores82 – Sozinho83 – Supremo Orgulho84 – Tarde85 – Tormentas86 – Torpor...87 – Tuas mãos88 – Tudo... nada...89 – Uma palavra a mais90 - Vencido

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A dor maior

Não quis julgar-te fútil nem banale chamei-te de criança tão-somente,- reconheço, no entanto, infelizmente,que, porque te quis bem, julguei-te mal.

Pensei até, ( e o fiz ingenuamente...)ter encontrado a companheira ideal...Quis julgar-te das outras diferente,e és como as outras todas afinal...

Hoje, uma dor estranha me consomee um sentimento a que não sei dar nomefaz-me sofrer, se lembro o amor perdido...

A dor maior... A maior dor, no entanto,vem de pensar de Ter-te amado tantosem que ao menos tivesses merecido!...

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A Igrejinha de S. Sebastião

(Em Rio Branco. capital do Estado do Acre)

Igrejinha pequena... bem pequena,com sua torre branca para os céuse um sino que batia ao vir da tardequando os olhos do dia se nublavame a noite desdobrava pelo espaçoos seus primeiros véus...

Igrejinha de S. Sebastiãoonde num dia claro e muito azul,todo cheio de sole para mim tão cheio de esperanças,em meio aos vultos brancos das criançaseu fiz minha primeira comunhão...

Vives comigo, em todas as lembranças,como um símbolo antigoe muito amigode um tempo que ficou longe demais...Mas o tempo que passa e tudo vencenão consegue tirar-te da minha alma,não consegue apagar-te dos meus olhosnem da minha memória te desfaz...

Vejo bem tua torre para o céunos domingosem meio ao povaréuda minha cidade natal,onde a alma da minha gente é clara como cristal...Ainda escuto o teu sino no ar rolando,badalando...badalando...

Seus alegres Dlin-dlons

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numa festa de sons- ainda escuto o teu sino, como as crianças,a pular e a brincar,e que era eu muita vez que ia puxarquando faltava o velho sacristão...

Igrejinha de S . Sebastião,toda branquinha como um lírio branco,às margens argilosas do barranco,perto da praça e de um grande jardimbonito como nenhum,- onde havia um coreto e onde eu trepavaàs quintas-feiras para ouvir a bandaque sempre começava:- “tara-tchim!...”tara-tchim!...”tara-tchim!... bum!...

Igrejinha de S . Sebastião,rodeada de mangueiras e de sombrasc ao lado de uma ingàzeira,onde eu, o sacristão e a molecada.( aquele com a batina arregaçada...)- fugindo aos raios do sol,jogávamos futeboldepois da missa... pela tarde inteira...

Igrejinha da terra onde eu nasci,perdida na distânciados mais longínquos sertões,erguendo para o azul a torre esguia,sempre cheia de sinos e de criançasnas minhas recordações...

Hoje, na minha vida tão mudada,na minha alma descrentee já cansadaés o vulto distante da ilusão,toda branquinha como um lírio branco,não às margens vermelhas do barranco,mas no barranco do meu coração!...

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A luz

Ela veio... (E a minha alma tinha a portaaberta, e ela entrou... Casa vaziae estranha, esta que em plena luz do dialembrava a tumba de uma noite morta...)

Que ela havia chegado, eu nem sabia...Mas, pouco a pouco, e a data não importa,minha alma, por encanto, se conforta,e há risos pela casa... E há alegria...

Quem abrira as janelas? Quem levarao fantasma da dor sempre ao meu lado?Os antigos retratos, quem rasgara?

E acabei por fazer a descoberta:- ela espantara as sombras do passadoe a luz entrara pela porta aberta!ão quis julgar-te fútil nem banale chamei-te de criança tão-somente,- reconheço, no entanto, infelizmente,que, porque te quis bem, julguei-te mal.

Pensei até, (e o fiz ingenuamente...)ter encontrado a companheira ideal...Quis julgar-te das outras diferente,e és como as outras todas afinal...

Hoje, uma dor estranha me consomee um sentimento a que não sei dar nomefaz-me sofrer, se lembro o amor perdido...

A dor maior... A maior dor, no entanto,vem de pensar de Ter-te amado tantosem que ao menos tivesses merecido!...

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A outra voz...

“Se te pertence a vida, se em verdademuito mais do que andaste ainda terás,se com a esponja da tua mocidadeapagas tudo o que deixas atrás,

- esquece essa tristeza e as horas más,crê na alegria e na felicidade...”

E eu apenas falei:- pensa e verásque essa tua alegria é falsidade...

Confesso que a tristeza me apavora,- mas para que de mim se desintegresó matando a minha alma, onde ela mora...

E... tristeza maior, sei que ainda existe,é essa tristeza de fingir-se alegrenuma alegria duplamente triste!

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A paineira e o Poente

Vai desmaiando a tarde ao longe, muito em calma,atrás de uma paineira enfeitada e florida...Esse poente é o meu Ser... a paineira, a minha alma,e o quadro, uma visão do fim da minha vida.......................................................................................

Imagino esse fim: - “os anos desfolhados   e as folhas na lembrança em turbilhão rolando...   - curvado, olhos sem luz, sozinho, vou passandoentre vagos perfis, distantes e apagados...”

“Silêncio... Solidão... Saudades ao redor...No horizonte uma cruz, ponto final da estrada.E eu passando sozinho a murmurar de cor   um verso derradeiro à minha alma cansada...”

“Nem um olhar sequer... No entanto, em minha vidaquantas mulheres tive ao meu lado e em meus braços...- mas nenhuma, sincera, soube ser querida,   e é por isso que escuto apenas os meus passos...”

“Passaram uma a uma...    E afinal como floresdeixei-as para trás nas estações de outrora...Nesse tempo o meu peito era um buquê de amores,meus olhos tinham luz... minha alma era sonora...”

“Nesse tempo eu sabia amar e fazer versos...Quantos sonhos sonhei... Quantos lindos desejos...E os poemas que compus e que deixei dispersoseram feitos de amor... e pontuados de beijos...”

Eis como vejo tudo: - “o meu vulto curvado,a cabeça branquinha assim como o algodão...Para trás, uma estrada imensa: - o meu passado...

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Para a frente, mais nada: - uma cruz sobre o chão...”...................................................................................

A minha alma, no entanto, enfeitada há de estar,florindo de lembranças e recordações,e os seus ninhos de amor há de sempre ostentarvazios, relembrando o tempo das canções...

E arrastando os meus pés, caminharei sorrindo,findando esse destino errante e sonhador..................................................................................

e o meu poente há de ser, como esse dia lindomorrendo por trás de uma paineira em flor!...

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A uma artista

Sinto inveja de ti, quando os segredosda música, te pões a desvendar,- quando tua alma brinca nos teus dedosnum teclado de lâminas de luar...

Ah!... Também eu quisera interpretaras músicas do céu... dos arvoredos...a voz do homem na terra, e a voz do marespumando a cantar os penedos...

Sinto inveja de ti, quando te vejoa transformar tua alma em harmonias,porque eu quisera - e era esse o meu desejo:

- do músico e do poeta, unir as rotas,e se já escrevo em versos, em poesias,falar no idioma universal das notas!...

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Adivinha-se

Quando tu passas, sob o teu vestidona ousadia das formasadvinha-se- o desejo incontido,- essa vontade,da carne que se sente prisioneirae que arrogantemente se rebelaem ânsias de liberdade....

Adivinha-se o desejoda carne que não tarda a ser mulher...- da semente que quer romper o chão...- da flor que abre a corola ao sola esperado louro pólen da fecundação!...

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Adoração Suprema

Quando cerro os meus olhos, na minha grande noiteeternamente vejo a tua imagem,tua doce figuracomo uma silhueta de luz a recordas a sombra...

Se eu cerrasse os meus olhos neste instante a derradeira vez,na última tarde da vidae mandassem revelar depois minhas retinas,veriam tua imagem refletida...

Por que eu hei de levar comigo essa imagem de luzque ilumina a minha alma triste e enche o meu pensamentoquando cerro os meus olhos e medito...

Hei de levar-te dentro dos meus olhos tristesquando a morte os vidrar,e eles serão talvez para a tua imagem adorada e queridao caixão de vidro da Branca de Neve morta, entre os anões da lenda,que moram muito longe, muito alto,num longínquo planalto,num bosque encantado e feliz sobre uma rocha imensa de granito...

Hei de levar-te comigo, para que possas guiar meus passospor entre as sombras que despencarão sobre as nossas cabeçaspara além do infinito!

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Ante a estátua do Soldado Desconhecido

Lá está... a glória o ergueu em pedestaissobre o preito fictício dos altares...- é o símbolo daqueles que aos milharestransformaram-se em hordas de chacais...

Mentiram-lhe palavras por ideaise ele destruiu seu lar e os outros lares,- deixou crianças chorando sem ter pais,corpos sem vida em todos os lugares!

Muita vez, perguntou-se: - aonde tu vais?E outra voz respondeu: - segue! Não pares!- seguiu!. .. E ao fogo da metralha, e ao gásrolou na terra e despencou nos ares.........................................................................

Hoje - naquela estátua se consome,a própria história não guardou seu nomee a glória azinhavrou seu falso brilho...

Vendo-o, no entanto, com que imensa dor:- quantas noivas dirão: - é o meu amor!e quantas mães murmurarão: - meu filho!...

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Aurora

Surgiste em minha vida como a aurorasurge no céu radiosa de esplendor,- e a minha alma de errante sonhadorseguiu-te o vulto pelo mundo afora...

E como aquela flor que se enamorada luz do sol, tal como aquela flor,- acompanhei-te pelos céus, e agoranão te posso seguir no seu sol-pôr...

Partiste... Doloroso esse teu poenteque fez cair a noite da saudadeestrelando-a de angústias tristemente....................................................................

Fiquei... tal como a flor ficou também...- Ela à espera do sol, da claridadee eu de uma Aurora que nunca mais vem!...

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Bazar de ritmos

Nas vitrinas há luz!... Está em festa o bazarde ritmos, de sons, estranhos e diversos,- onde canta a minha alma dentro dos meus versoscomo num búzio canta e ecoa a voz do mar!

Quantos versos compus!... E que diversidadede momentos... de estado de alma... nos meus sons!- traduz bem um bazar, a minha mocidadena confusão febril das suas sensações...

Sensações que são minhas, por meu Ser sentidas,mesmo aquelas talvez mais rubras... mais bizarras...- sinfonia de uma alma onde há notas perdidasde violinos, pardais, pandeiros e cigarras!

Violinos, - nos meus poemas vagos, doloridos...pardais, - nos meus trinados de alegria e amor...pandeiros, - na cadencia ruim de meus sentidos,e cigarras, nos versos cheios de calor!

Há dentro do bazar a estranha sinfoniaque escrevi para o mundo em toda orquestração,- é a música da vida, um ser de cada diaa desdobrar os "eus" da minha multidão...

Há ritmos que riem! Ritmos que gritam!- vibrações como guizos finos e estridentes...- emoções como sinos brônzeos e soturnos...

E, assim, nessa alternância, no meu Ser se agitam- pedaços de rapsódias vivas e contentes...- trechos emocionais e tristes de noturnos!...

Nas vitrinas há luz!... Está em festa o bazar!Há sonhos... ilusões... lembranças... e segredos...

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Tudo isto para a vida criança vir comprar,e insensível destruir meus últimos brinquedos!

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Boa noite

Boa noite, meu amor, - diz boa noite, querida,vou deitar-me, e sonhar contigo ainda uma vez,a noite assim azul, cheia de luz, não vês?Parece que nos chama e a sonhar nos convida...

O céu é aquela folha onde deixei perdidaa história de um amor, que te contei talvez,- hoje, nela eu não creio, e tu também não crês,- mas, para que falar nessa história esquecida?...

Boa noite, meu amor... Vê se sonhas também...“Um castelo encantado... um país muito aléme um príncipe ao teu lado amoroso e cortês...”

Com o céu azul assim, talvez dormir consiga,vou sonhar...vou sonhar contigo, minha querida,vê se sonhas também comigo alguma vez!

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Bonecas... bonecos...

IUma vez, apanhei a boneca mais rica,a boneca mais rica e mais graciosaque a minha prima tinha...Na Corte, só formada de bonecas,minha prima a julgava a mais formosae a elegera a rainha...

Foi certa vez - ainda me lembro bem,era um garoto assim pelos seis anose por ouvir falar em coração,quis ver se na boneca tão bonitaexistiria um coração também.

E se isso quis sabere se eu assim pensava,era porque essa prima me mostravaum boneco vestido de palhaço,alegre e folgazão,por quem - dizia ela muitas vezes -tinha a boneca um grande amor ocultoe uma grande paixão.

Um dia, apanhei a boneca, e escondidorasguei o seu vestidoe furando-a no peito com a tesoura,vi, com surpresa, em vez de sangue humanosó pedaços de pano...

Não achei no seu corpo o que queriae vendo que a boneca era vaziae o boneco também,o que senti na minha alma de criançaexplicar já não sei,- lembro-me apenas, e isso com certeza.

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- tenho bem vivo ainda na lembrança -que não achando os corações no peitodos bonecos...- chorei...

IIHoje. .. vai bem distante esse episódionos sem-fins da memória,e por certo talvez o esqueceriase você não entrasse em minha vidatransformando o episódio numa história...

Em meu viver, você representouo papel da boneca;- eu, simplesmente,fiz a criança de novo, e ingenuamentemais uma vez a vida me enganou...

Ao descobrir, no entanto, o meu enganovendo-a tão fútillinda, mas vazia,- já não chorei minha desilusão...Mas fiz - com que tristeza!... - esta poesia,invejando o destino dos bonecosque nascem sem coração!

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Borboletas

Aos casais... - ante a espessa ramariaverde, e rendada ao sol deste verão- livres, felizes, cheias de alegriaas borboletas pelos céus se vão...

Despreocupadas... pela floraçãose perdem, numa inquieta correria...- Onde foram?... e em que lugar estão?Já não se vê o olhar que as perseguia...

Mas... de repente, voltam pelo espaço,- trêmulas e amorosas de cansaço,asas roxas e azuis coo violetas...

E invejoso pensei, vendo-as pelo ar:- quem me dera nascer, viver e amar,como aqueles casais de borboletas!

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Carta a um amor do passado

Vou fazer este verso e o entregar. ao correio;ele é a carta que escrevo a um amor do passado.- Endereço não tem - e o meu maior receioé que não chegue nunca e se perca no meioda viagem, sem achar a quem foi destinado...

Escrevo-o muito embora - é que hoje necessitorecordar tempos bons quando eu era feliz,- e ao pensamento vem enquanto assim medito,um passado distante intérmino e infinitoque guardei para mim nas memórias que fiz...

Vou tentar, meu amor... (perdoa-me se aindaquero chamar assim ao que não volta mais...)- vou tentar revolver uma lembrança lindaque em meu peito não morre e em minha alma não findae ao meu viver de agora um sorriso me traz...

Não te lembras, bem sei... - não importa, no entanto,tão feliz hás de ser que hás de julgar-me um tolo...- mas eu que vivo sempre a amargar o meu prantoque fiz da minha vida um grande desencantoencontro na lembrança dele algum consolo................................................................................

Mas, não... não devo mais procurar o romanceonde este amor ficou como uma flor sem vida...Que a minha alma sozinha e plácida descansee guarde a flor que lembra uma indecisa nuance- antes que ela desfolhe essa ilusão querida...

Não devo revolver cinzas quase apagadasnem uma brasa extinta ao meu sopro atiçar...Depois... a minha vida e a tua, hoje afastadas,jamais hão de se unir: são folhas desgarradas

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que nunca ao mesmo ramo hão de poder tornar................................................................................

Perdoa-me portanto esta carta, se acasoalgum dia ela for parar em tuas mãos...Ninguém sabe quem és... e assim, não faças caso,ela é o raio de luz de uma ilusão no ocasoe o sepulcro final dos meus desejos vãos...

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Cartas

Vou correndo buscá-las - são tão leves!mas trazem a minha alma um grande encanto,- por que as cartas que escreves custam tanto?- por que demora tanto o que me escreves?

Não deves torturar-me assim, não deves!- Do teu silêncio muita vez me espanto...Mando-te longas cartas - e entretantocomo tuas respostas são tão breves!...

Recebes cartas minhas todo dia,e elas não dizem tudo o que eu queriamas falam-te de amor... de coisas belas!

Tuas cartas... Mas dou-te o meu perdão,- que me importa afinal ter razão,se gosto tanto de esperar por elas!

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Cheguei tarde

Cheguei tarde, bem sei... E após minha chegadafoi que eu vi, afinal, que tu tinhas partido...Mas teu vulto, distante, em sombras já perdido,divisar ainda pude, ao longe, pela estrada...

Seguia-te outro vulto, - o alguém desconhecidoque primeiro encontraste em tua caminhada...Partiste! ...E eras feliz, porque partiste amada,e eu fiquei, entretanto, infeliz e esquecido...

Já não te vejo mais... Vai distante talvez...E ainda hoje tenho o olhar na estrada, sem ninguém,por onde tu partiste, um dia, certa vez...

Fiquei...Curtindo a dor de um destino atrasado...- Sorrindo, por te ver feliz... Junto de alguém,- chorando, por não ter mais cedo te encontrado!...

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Chuva

Há tanto tempo que não chove assim!O dia veste um céu triste e cinzento,e ouço a chuva a cair como um lamentono seu rumor monótono... sem fim...

Que estranha sensação de isolamento!- Nem uma voz ouço ao redor de mim,escuto apenas lá por fora, o ventoa desfolhar as flores no jardim...

Ninguém ao meu redor... ninguém me fala...- e me deixo a ficar num tédio imenso,na tóxica penumbra desta sala...

Que inquietude vazia há dentro de mim!- Não sei se existo... não sei bem se penso...Há tanto tempo não chove assim!

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Cigarra morta

Vês... É uma cigarra morta, assas douradascompletamente roídas e estragadas,levada pelas formigas...

Olhaste-me e eu te pude compreender...

Não diga nada, meu irmão, não digas,- os poetas... as cigarrasnão deviam morrer...

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Confidência amarga

Ela veio, sentou-se ao meu lado e me disseem palavras febris, sua história de amor...Uma história comum, um sonho, uma tolice,que fizera tão grande e amara com meiguicea ponto de entregar seu coração em flor...

Falou-me sem sentir, em toda a sua vidae no amor de alguém que a fez sofrer tão cedo...Julgava-se infeliz... sozinha... incompreendida,não sabia a razão por que fora esquecida,e revelo-me assim seu íntimo segredo...

E cruzou seu olhar tão cheio de amargura   com o meu olhar surpreso, e num tom muito brando:   

“... sei que você é um poeta e aqui estou à procurade alguém para curar a minha desventura,meu pobre coração abatido e sangrando...

...busquei-o sem cessar... aqui estou quase morte,arrastando a minha alma após meu desengano,   venho da minha dor, bater à sua porta,       porque sei que você tem a voz que confortae pode compreender o sofrimento humano...       ... conto-lhe o meu romance, a minha vida, e assim        faço-o meu confidente, e o chamo meu amigo...       - não me pergunte nunca as razões por que vim,        apenas sei dizer que escutei dentro em mimalguém que me mandou aqui, pedir-lhe abrigo...

... confesso-me a você, é apenas confissão.Não quero ser perdoada, e adoro os meus pecado,espero uma palavra... um pouco de ilusão...- o poeta é um sacerdote, e a sua religião

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manda-o para falar de amor aos desgraçados...”

E silenciou chorando. O seu rosto pendeu.Mortas nas minhas mãos as suas mãos ficaram.Num segundo, o silêncio a nós dois envolveu,depois... sentindo a luz do seu olhar no meu,- contei-lhe a minha história... e outras que me contaram...

Disse de cor também, versos que ainda nem fiz,e cheguei a inventar contos que nem sei mais,- com o tempo... o seu sofrer, lentamente desfiz,e um dia... - ela de novo, erguendo-se felizagradeceu, partiu e não voltou jamais..............................................................................................

Ela que me chegou triste como uma palmacurvada - vi seguir sorrindo outro caminho,tão outra... tão feliz... tão mudada... tão calmaque nem reconheceu que eu lhe dera a minha alma,o pouco que era meu...e que fiquei sozinho...................................................................................

...O destino é afinal, irônico e insensível,tronou-me o confidente da mulher que amei...E eu para a ver feliz... fiz-me feliz - é incrível...Sufoquei meu amor... amarguei o impossível.................................................................................

Mas quando a vi partir, não pude mais, chorei...

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Depois...

Há de ser desta vez... Dir-lhe-ei contentetodo este amor que no meu Ser se abriga,e tomando-lhe as mãos bem docementerelembrarei a nossa infância antiga...

E a dúvida que guardo e que a alma sentehei de acabar dizendo: “minha amiga,quero ouvi-la afinal sinceramentesem recear ferir com o que me diga...”

Penso assim... E no entanto, quantas vezestenho-a encontrado, e inutilmente os mesese os anos vão passando entre nós dois...

Basta vê-la... e em minha alma acovardada,- já não sei nada, nem me lembro nadae deixo tudo pra dizer depois!

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Derradeira inspiração

Este é o último verso onde talveza tua imagem seja percebida,- o instante derradeiro em que te vêsa inspirar o meu verso e a minha vida...

Guarda-o depois das linhas que tu lêsmorrerás... e hás de ser sempre esquecida...- não tornarei sequer uma só veza falar na lembrança mais querida...

Este é o último adeus que ainda te dou,- termina aqui a imensa trajetóriaque o teu destino sobre o meu traçou...

Daqui por diante... avançarei sozinho,e nunca mais te encontrarás na históriados versos que fizer em meu caminho!

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Despertando

Escancaro as janelas para o dianessa manhã de sol, quente e sadia,em toda a sua intensa claridade...E a alma da sombra é expulsa, ante a alegriada luz que em jorros o meu quarto invade...

..........................................................

E eu vendo luz... Pensei: - ah! Se eu pudesse- essa minha alma tão sombria e triste,abrir ao sol que lá por fora existedourando as cousas e tornando-as belas!...

..........................................................

E fiquei a pensar: - ah! Se eu pudesseabrir minha alma aos céus como as janelas!... 

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Despetalando

Vou traçando estes versos displicentemente......................................................................

A mão vai caminhando a esmo no papelcomo um bêbedo andando pela ruaa acompanhar seus passos distraídos...

Vou traçando estes versos indolentemente...e eles traduzem... vagos... preguiçososas saudades e os gozosque ficaram ressoando em meus sentidos...

Arranco-os... são pedaços de mim mesmocheios de ti, de ti que estás presentedentro do meu amor,

vou traçando-os assim, bem displicente,a esmo,- despetalando tudo o que a minha alma sentecomo quem despetala alguma flor!...

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Destinos

A alma do poeta é assim como límpida correnterolando sem parar,transformando os seus sons constantementena alegria incontida de quem sentecada vez mais, vontade de cantar...

E o poeta, - é esse rio a encantar a florestarefletindo em seu seio o esplendor dessa festade milhares de flores aos cabelos das mataspresas e penduradas,enfeitando os cipós e bordando as ramadasque sobre as águas pendem vaidosas demais...

O rio é o poeta, - e a sua alma, a água cantanteque refletindo a vida e as flores, passa adiantee vai seguindo sempre sem voltar jamais...

E como o rio de águas marulhandoque em espumas seu corpo vai sangrandona corrente que passa ora inquieta, ora calma,

- o poeta vai também a sua alma arrastandosobre as pedras da vida, a ferir-se e a cantar,e solta então seus versos como bolhas de ararrebentando em sons e espuma à tona da alma!

Pensando bem, - o destino de um rioé o destino da gente,- e a vida vai rolando a nossa alma a cantarcomo a água vai cantando a rolar na corrente!

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Digo que esqueço

Creio que te esqueci... de agora em diantejá não há nada entre nós dois, não há,- achaste-me orgulhoso e intolerantee eu te achei menos fútil do que má...

Foi um momento só... foi um instanteessa nossa ilusão, e hoje, onde estáaquele amor inquieto e delirante?- Bem que pensava: - é falso! morrerá!

Sinto apenas que tenha te adorado,e que hoje sofra em vão, inutilmenteprocurando apagar todo o passado...

Digo que esqueço... que não penso em ti!- Mas não te esqueço nunca, e justamenteporque fico a pensar que te esqueci.

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Disseste

“Olha a noite! Olha o céu! A tarde vai partindo!Empurrou-a no além um vendaval de luz...- nunca pude supor que o céu fosse tão lindoe a noite luminosa assim, nunca supus.

Há em tudo encantamento! A minha alma é enlevadanuma felicidade em suspensão pelo ar...!”

Disseste...E eu te fitei, mas não te disse nadaporque tinha os meus olhos só para te olhar............................................................................................

“Escuta! Ouve o rumor que transborda dos ramos,na orquestração feliz dos pássaros nos ninhos,- quantos sons dentro da alma, alegres, nós levamos!- quantos sons no arvoredo à borda dos caminhos!

Tudo é vida, é harmonia, é música encantada,-que magia me embriaga, infinita e sem par!...”

Disseste...E eu te escutei, mas não te disse nadaporque só tinha ouvidos para te escutar...

“Levanta as mãos! Apanha!... Estes galhos floridospesados como estão, radiantes, multicores,parecem se ofertar aos teus braços, vencidos,quando soltam pelo ar um punhado de flores...

Fazem sombra e enflorescem todo o vão da estrada!Colhe-os. Pára um momento para os apanhar!...”

Disseste...E eu continuei, e não te disse nada

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porque só tinha braços para te enlaçar!

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Distração

Ao meu lado: - ninguém...O olhar vazio da janela abertacomo a órbita fria de uma estátuapor onde fito o além.............................................................................

O luar entra em meu quarto, suave,tão de leve,em seu alvor de neve,que eu só o sinto presente, quando a sua luzna pontinha dos pés, atravessando o quarto,sobre na minha mesa e indiscreta vem lero derradeiro verso que compus...

Nesses momentos... longe...distraído   deixo em minha alma outra janela abertapara o recreio do meu pensamentoe onde se vai, sozinha, debruçarminha imaginação...E existe um outro céu... E existe um outro luarque a encontrando vaziae me vendo sozinho,vai entrando em minha alma tão mansinhoque os seus passos nem pisam pelo chão..............................................................................

Esqueço sempre essa janela aberta,não sei se por querer, não sei por que...Talvez eu goste desse luar tão leveporque ele entra em minha alma como a imagemda imagem de você...

Pela janela do meu pensamento,nas horas de tristeza e solidão,você chega em minha alma

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tão de leveque eu vejo a sua luz por mim passandoe nem ouço os seus passos pelo chão...

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E os teus olhos assim...

 Nos teus olhos existe uma tortura imensa,uma sombra de noite entre vagos clarões,essa expressão inquieta e incerta de quem pensae vive o terror das interrogações...

E ao tempo que se esvai, cada vez mais se adensaa noite em teu olhar ocultando aflições...Parece que morreste, ou que sofres da doençaterrível da loucura ou das meditações...

A tua alma parou... A tua alma tão moçanão é como a água viva em loucas enxurradas,mas como a água parada e morta de uma poça...

E os teus olhos assim... lembram, nessa negrura,duas janelas rindo, aos céus, escancaradas,numa casa vazia abandonada e escura! 

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Ele me disse

 ”Se te pertence a vida, se em verdademuito mais do que andaste ainda terás,se com a esponja da tua mocidadeapagas tudo o que deixaste atrás,- esquece essa tristeza e as horas más,crê na alegria e na felicidade...”

..............................................................

E eu apenas falei: - pensa e verásque essa tua alegria é falsidade...

Confesso que a tristeza me apavora,- mas para que de mim se desintegresó matando a minha alma, onde ela mora...

E... tristeza maior, sei que ainda existe,é essa tristeza de fingir-se alegrenuma alegria duplamente triste!

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Eu abri os meus olhos

Eu abri os meus olhos para a noitee o céu se debruçou sobre minhas retinas...

Eu abri os meus olhos para a noitee a claridade entrou pela minha alma escuracomo gritos de festa...-e a escuridão ao rasgou-me ante os punhais da luzcravados na minha alma,como as clareiras cravam lâminas de luzno corpo da floresta...

Dos profundos mistérios do meu Sernum estranho rumor de asas rufandoveio uma sombra que era luz na sombrae que brotou do chão,- veio... pousou nos meus olhos abertose voou buscando o céu que viu lá forabatendo as asas da imaginação.................................................................................

Senti-me como a estátua de mim mesmo...O meu corpo ficou como uma catedralsonâmbula e vaziaonde se côa a luz mortiça dos vitrais...E a minha alma fugiu(pobre alma sonhadora !)pelos raios de luz dos vitrais dos meus olhos,- tal como foge semprena ilusão de subir e não pousar jamais!...

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Eu...

Não vês? - vai por ali passando neste instante,tem o rosto sulcado... e as feições contraídas...É uma vida, talvez, contendo muitas vidasnum destino impreciso e eternamente errante...

Não fala com ninguém... É vago e extravagante...No olhar cheio de luz andam visões perdidas,- quando chora, em seu pranto há lágrimas sentidas,e quando ri, seu riso é mordaz e arrogante...

Despreza todo mundo... Anda consigo, a sós,- não há quem lhe conheça os segredos do olhar,nem quem lhe tenha ouvido a verdadeira voz. . .

Vai passando em minha alma. . . e nela se escondeu...Se por ele algum dia eu for te perguntar, responderás: -“é um louco!...” E eu te direi: - “sou Eu!...”

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Exaltação ao amor

Sofro, bem sei... Mas se preciso forsofrer mais, mal maior, extraordinário,sofrerei tudo o quanto necessáriopara a estrela alcançar... colher a flor...

Que seja imenso o sofrimento, e vário!Que eu tenha que lutar com força e ardor!Como um louco, talvez, ou um visionáriohei de alcançar o amor... com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu,se é fogo que em meu peito se acendeu,e lavra, e cresce, e me consome o Ser...

Deus o pôs... Ninguém mais há de dispor...Se esse amor não puder ser meu viver,há de ser meu para eu morrer de Amor!

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Exaltação

Gosto de te entrever na penumbra sensualmorna e doce do leito,com os olhos semicerradosonde a tua alma foge como um sol no poente...e os lábios entreabertosonde tua alma aflora como sol nascente!...

Gosto de te entrever, despida e quase nua,na carícia dos momentos silenciososcheios de ânsias,gemidose suspiros nervosos...quando teus seios brancos, brancos, da cor da lua,ou como luas túmidas, talvez,parecem quartos crescentesfugindo do teu vestidoe anunciando o esplendor das luas cheiasdespontando na sombra em completa nudez!

Gosto de te sentir a carne luminosaquando, através do tato, eu te admiro e vejocomo uma mancha branca na penumbra,uma estranha e envolvente nebulosa...Uma estranha e envolvente nebulosaque me abraçame cega,me alucina,e põe na minha boca um gosto de desejoe deixa na minha alma uma impressão divina...

Gosto de te sentir... de descobrir teu corpofeito de leite e luar,feito de carne e luz,e entontecer meus olhos deslumbradose pousar os meus lábios excitados

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sobre os bicos pequenos dos teus seios nus.

Gosto de te sentir tateando nos meus dedos,enchendo as minhas mãos ansiosas e vaziase infiltrando-se em mim... em minha alma... em meus nervos...como a aragem que é a vida e a alma dos arvoredos...

E vem-me esta impressão, quando estamos unidoscompletamente sós,que misturamos todos os sentidose que somos, assim, como troncos fundidos,pelo abraço amoroso e estreito dos cipós!

Gosto de te sentir bem junto, palpitante,desabrochando desejos,multiplicando emoções,para ao contato ardente do teu corpoesculturar-te inteiramente em minhas mãos - que loucas!na escultura mental das minhas sensações!

E gosto de esquecer de mim mesmo e de tudo,mergulhar o meu rosto em teus cabelos negros,onde há a frescura da noitee um cheiro de mato em flor,e vendo um céu maior que o êxtase descerraatingir o Infinito e despencar na Terravivendo a sensação de que morri de amor!..

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Exortação

 Sonha, poeta!... O sonho é o entorpecente,o mais sublime tóxico do mundo,a morfina ideal do teu viver...- sonha um sonho infinito, azul, profundo,indefinidamente,e esquece a vida que tu tens presentepela vida maior que há no teu Ser!

Esquece tudo, o próprio mundo esquece,e esquece a tua vida, porque a tua vidavale mais se a souberes fazer grandee cada vez maiorna tua exortação...Se o teu destino é estranho e é diferente,se não nasceste igual a toda gente,- ensina o canto livre e a vida novaaos Prometeus da Razão!

Faze tu mesmo, o teu próprio Universo,- tua terra- teu céu- tua vida- teu verso...E o Universo dos homens que te importa então?Sê louco!... Que a loucura é essa subidade pequenez restrita da verdadeà grandeza infinita da Ilusão!

O teu sonho não traz o pedestal na terra,teu espírito é assim como um condor boiandonos espaços azuis...Sobe... devassa os céus, de lado a lado,vê se existe algum poeta, além, por outros mundos,esse poeta que à noite escreve com as estrelas,não tendo ao solo acorrentado os pés!

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Sonha, poeta!... Eu quero ver-te aflitosacudir os teus braços na amplidãoa ferir com teus dedos o Infinito...

E ao baixar tuas mãos,de novo ao vê-las,hás de exclamar, tenho-as de ouro e lilás!e olhando para o céuverás o céu sangrandode estrelas,e as tuas mãos, a transbordar estrelasassombrado verás!

Não trouxeste o destino de arrastara tua ânsia na terraonde os homens pregados vão de rastros...

Solta a tua alma azul no espaço azul,os teu sonhos semelham-se a bandeirasfremindo ao vento no cordel dos mastros!- vai brincar com os cometas sem destinoe conversar com os astros!

Sonha! Que este sonhar só bem te faz!Sê sempre o mesmo:Um louco!Um incomum!Não te sujeites a domínio algum,e que o teu sonho não acabe mais!

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Fatalismo

Se eu for contar, hão de sorrir talvez...- é o fim de um grande amor sereno e nobreque um fatalismo estranho já desfezcom razões torpes que este mundo encobre...

Morreu... e que se apague de uma vez,- que dele nada subsista ou sobre...   - onde a pureza e o amor?... se a vida fezum nascer rico e o outro nascer pobre.

Que guardem esse amor. Eu o desconheço!Não tenho em moedas o seu alto preçoe sou feliz por ser tão desgraçado!

Que o guardem!... Para os ricos! Para os reis!- o amor que eu quero não tem preço ao lado,não tem correntes, nem conhece leis!

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Filosofando

Interessante!... Aquele passarinhoque pelo espaço imenso, incerto, adejanão tem nadaporque nada deseja,e no entanto tem tudo:a terra verde é sua...o céu azul é seu...

Interessante!... Aquele passarinhotem muito mais que eu!

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Fraqueza

Entrei não sei por que na catedral sombriamuito alta... muito grande... e sonora... e vazia,numa vaga penumbra entre imensos vitrais...Distante... bem na sombra, os altos castiçaispousados sobre  o  altar e segurando as velasenfeitavam  de  luz  as  imagens  mais  belas...

Um silêncio profundo... Os seus passos ecoavamsobre as lajes do chão, e os vultos que passavamvez em quando ao meu lado eram sombras curvadasde místicas talvez... de pobres desgraçadas...

No ambiente, um ar pesado e estranho, essa impressãode suave morbidez que enche a alma e o coraçãonos instantes de dor, de silêncio e tristeza...Sussurros de orações... Muitas sombras de costasrecurvadas em prece, olhos baixos, mãos postas,humilhadas na fé, ante os pés de Jesus...

Entrei na catedral cheia de sombra e luznão sei por que, não sei... e senti na minha almauma paz interior... uma infinita calmainundando o meu ser, fazendo-o sossegar...e depois que saí... cheguei mesmo a invejardentro do meu descrer... dos sofrimentos meuso destino de alguém que acredita num Deus..................................................................................

Um segundo depois sorria... Era a descrença...que voltava a anunciar sua amarga presença...

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Fugitivo

Sou moço, eu sei... Mas já vivi bastante...Para a vida acordei cedo demais...- Vou seguindo no entanto sempre adiante,nunca voltando o rosto para trás...

Muita vez me interrogo: - aonde tu vaisó caminheiro, em teu destino errante?- Mas vou sempre avançando... e avanço maisvendo o caminho se alongar distante...

Fugitivo da minha própria vida,- ando atrás da ilusão que não se alcançapara esquecer uma ilusão perdida...

E hei de atingir essa felicidade...- sempre seguindo os passos da esperança,e fugindo às passadas da saudade!

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Glorificação da dor

Sofro... Sinto que sofro... E esse Deus sofrimentonão consegue destruir o meu Ser triunfante...Tenho a taça da dor entre as mãos, transbordante,e hei de bebe-la inteira, aos poucos, sem lamento...

Sinto sede de dor... Saboreio o tormentoque envolve a minha alma e me incita a que cante...- é sofrendo que avanço, a dor é o estimulantepara a minha ascensão aos céus, sem desalento...

Molho a pena em minha alma e rabisco estas rimas,e tenho para mim, que as minhas obras-primasse alguma vez na vida as conseguir compor,

serão filhas da dor... expressões do martírioporque o artista é maior quando atinge o delíriocomo o gênio é mais Gênio embriagado de dor!

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Gotas

Na ponta de uma folha há uma gota indecisa,vai crescendo, redonda, pequenina,límpida e cristalinacomo o esquife de um raio de luz...

De repentea aragem tênue que passoutremulou,caiu...

E a gota pequenina sobre a terra fofadesapareceu,e o esquife de cristal partiu-se, e pelo espaçolivre, o raio de luz ressuscitou...fugiu...

Eu conheço outra gota parecida:a vida...

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História de um orgulho

IConheci-a orgulhosa, a fronte erguida e altiva,nessa expressão de império e superioridade,- possuía uma atitude estranhamente vivae a sua maior glória era fazer-se esquivaao domínio de alguém que a amasse de verdade

Gostava de saber-se amada - e o seu olhartinha então certa luz de incontida alegria,- mas seu prazer maior, notava-se em seu arousado - era o prazer de poder dominar,já que nunca ao domínio se curvar sabia...

Linda, era inconstante, em suas afeições,e quanta história ouvi falando em seus amores...Culpavam-na da dor de muitos coraçõesque ela fizera encher de vagas ilusõespara os despetalar como se fossem flores...

Tinha sempre um sorriso a lhe bailar na boca,num momento era criança e logo após, mulher...- “É adorável...” dizia alguém, e um outro: - “É louca...”Trazia uma atração que bem sei não é pouca,e havia no seu todo um mistério qualquer...

IIFoi assim: no momento em que a encontreisenti que seu olhar foi frio e displicente,julgava-se rainha... E eu então como um reidisplicente também com o seu olhar cruzeie falei-lhe num tom cortês e indiferente.

O tempo foi passando. A vida foi seguindoo seu curso normal, e a encontrei muitas vezes...

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Uma festa... um passeio... um chá... E um dia lindoquando estávamos sós, ela estranhou sorrindoque só me conhecesse apenas há dois meses...

Eu (nem sei mais por que...) - talvez por prevençãotratava-a sempre bem - mas tudo o que diziatinha oculto um sentido incerto, onde a afeiçãoguardava quase sempre uma vaga expressão,com um pouco de altivez e um pouco de ironia...

E concluí por fim, que na minha presençaela não tinha mais o antigo ar superior...Cerrava o seu olhar, assim como quem pensa,e notei, muita vez, uma ternura imensa,bem dentro da sua alma, a inundando de amor...............................................................................

Uma tarde... nós dois, a sós, nos encontramos,nos seus lábios havia a inquietação de uma ânsia,nos seus olhos dois sóis... nos seus braços dois ramos,- mudos... por muito tempo, unidos nós ficamos,olhos longe no céu, perdidos na distância...

Ia a noite chegando... E entre clarões, o poenteera um lenço de adeus, colorido, a partir...Nessa hora, junto a mim, senti seu rosto ardente,e havia no seu corpo uma alma diferenteque não sabia mais negar... nem discutir...

Estreitei-a submissa... meiga... quase escrava...a boca se entreabria úmida de desejo,- pelos olhos, sua alma inteira se entregavae enquanto a sua mão na minha desmaiavadesfaleceu vencida... e rendeu-se ao meu beijo...

IIIConheci-a orgulhosa, altiva e arrogante,nesse estado de alguém que não sabe o que quer...Hoje, tenho-a de encontro ao peito, terna e amante,

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- maldizendo esse tempo em que foi dominante...- bendizendo este tempo em que é apenas mulher!...

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Incerteza

Desde a manhã tristonha em que partisteque não posso pensar senão em ti,tenho a louca impressão que te perdique nada mais entre nós dois existe...

Ao te ver a sorrir, como sorristeno instante da partida, compreendi,- que talvez, nunca mais voltes aqui...- que hei de viver eternamente triste...........................................................................

Por que tu me deixaste a duvidar?Preferia mil vezes a certeza,Já que um dia a certeza há de chegar...

Nem sabes a amargura que me invade,- a vida que hoje levo, é uma tristeza,um misto de tristeza e de saudades!

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Inutilidade

Tenho vontade, as vezes, de sair da vida,bato asas sofregamenteaté que cansado jogo-me em mim mesmoe desperto na queda da inutilidade...

Invejo o destino livre da fumaça,tenho pena de mim,tenho pena dos homens,vendo aquele besouro a procurar espaçoe a bater na vidraça...

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Inutilmente

Há de ser desta vez... Dir-lhe-ei contentetodo este amor que no meu Ser se abriga,e tomando-lhe as mãos bem docementerelembrarei a nossa infância antiga...

E a dúvida que guardo e que a alma sentehei de acabar dizendo: - “minha amiga,quero, ouvi-la afinal sinceramentesem recear ferir com que me diga...”

Penso assim... E no entanto, quantas vezestenho-a encontrando, e inutilmente os mesese os anos vão passando entre nós dois...

Basta vê-la e em minha alma acovardada,- já não sei nada, nem me lembro nadae deixo tudo pra dizer depois !

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Linda

Intimamente sinto uma grande vontadede não mais duvidar do que você me diz,- de acreditar enfim na sua falsidadee fingir que me iludo em me julgar feliz...Quero crer... na inconstância e volubilidadedos seus olhos azuis ou verdes, não sei bem,e tentar convencer-me da felicidadede que é meu o seu amor, só meu...de mais ninguém...

Quero nessa ilusão - minha íntima esperançatransformar na feliz e invejável certezados que sabem gostar e podem ter confiança...Mas é inútil, bem sei... A dúvida não finda!E ao sentir seu olhar e ao ver sua belezanão sei como confiar em quem nasceu tão linda!

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Linhas paralelas

Compreendemo-nos sempre incompreendidos,como dois orgulhosos, sempre assim,- não gostava de ti... nem tu de mim...afirmávamos ambos convencidos...

Isso dava-se outrora, em tempos idos,antes do nosso amor chegar ao fim...- hoje, depois de tanto orgulho, enfim,nem somos vencedores nem vencidos...

Foi pouco tempo de namoro o nosso,- não me esqueces no entanto totalmente,como de todo te esquecer não posso...

Linhas iguais... Nascemos como um parque, em paralelas, orgulhosamentehá de seguir sem nunca se encontrar!...

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Mãe

Era pobre... infeliz... bem pequeninotronou-se um revoltado - e, certa vez,dormiu nas lajes frias de um xadrezpor andar pelas ruas sem destino...

Votou-lhe a sociedade onde se fezo desespero e a dor - e ainda meninopor ter fome - roubou; fez-se assassinoem defesa legítima, talvez...

Acabou como um pobre encarcerado,o mundo o desprezou - e ele, sozinho,só teve um ser que lhe ficasse ao lado...

Olhos mortos... cansados... já sem brilho...E uns lábios que diziam com carinho:- assassino e ladrão... mas é meu filho!

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Mas para que contar?

Quando passas por mim depressa, indiferente,e não me dás sequer, um sorriso... um olhar...- como um vulto qualquer, em meio a tanta genteque costuma nos ver sem nunca nos notar...

Quando passas assim, distraída, nesse arde quem só sabe andar olhando para a frente,e finges não me ver, e avanças sem voltaro rosto... e vais seguindo displicentemente...

- eu penso com tristeza em tua hipocrisia...Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencidoe que um dia choraste... e que choraste um dia...

Mas para que contar?... Que sejas sempre assim!E que ninguém descubra nunca em tua vidaas razões por que passas sem olhar para mim!...

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Mas... sorriste!...

  Quando ficaste nua... inteiramente nua...vi-te como uma estátua em tua perfeição,e não ousei me aproximar sequer...

......................................

Mas sorriste...E o teu sorriso quebrou todo o “encanto”...- Matou em mim o artista... e o homem despertou!- Matou em ti a estátua... e surgiu a mulher!

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Meu primeiro amor

O meu amor primeiro... o meu primeiro amor,foi anseio, e viveu na incerteza de uma ânsia,- botão que não se abriu... que não chegou a flor,- um pedaço de céu, quase limpo e sem corperdido nos senfins azuis da minha infância...

Silhueta a se apagar, mas que o meu Ser divisa,uma emoção feliz que nem foi emoção...- nuvem leve a fugir aos impulsos da brisa,tênue... vaga... sutil... bem distinta e imprecisa,passando na memória do meu coração...

O meu primeiro amor, - um vulto que esquecinum canto da lembrança a dormir empoeirado,- um rosto que apagou porque nunca mais vi,- um quadro que se esvai, e que deixei aliesquecido no sótão velho de um passado...

Alma de uma ilusão pequenina e simplóriaque se dissolve em mim... e aos poucos se desfaz...parece outro destino, outra vida, outra história,quando o tento arrancar das sombras da memóriatão longe... que ao lembrar-me... eu nem me lembro mais...

O meu primeiro amor... A primeira esperançaque abriu asas de sonho a procurar o além,- hoje, é apenas lembrança a brincar na lembrançalevado na tristeza do que não se alcança,na saudade de tudo o que nunca mais vem!

Pétala que entre um livro amarelou, perdida,há muito tempo, há muito tempo... por alguém que o leu,- e hoje, ao encontrá-la, seca e fenecidano romance sem fim da minha própria vidanem sei se quem a pôs entre as folhas fui eu...

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O meu primeiro amor... O meu amor primeiro,foi uma história azul dessas de; era uma vez;...

- uma história feliz... um conto verdadeiroque um dia o meu Destino, um velho feiticeiro,quis fazer mas não soube terminar talvez...

Minha glória primeira... e o meu maior desejode crescer, de subir, de explicar o Universo!Passou... Foge de mim... mas ainda o sinto e o vejo,- porque ele é a sensação do meu primeiro beijoe a impressão imortal do meu primeiro verso!

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Moleque

Eu fui moleque como ninguém!

Desde cedo andei nas ruas entre os bandosdos filhos dos pobres,andei descalço... e apanhei muitas surraspor faltar às lições...

Tinha orgulho de ser o mais ousadoe sempre o mais sabido,e era tão atrevidoe malcriadoque muita vez soltava sem quereruma gíria de feios palavrões...

Houve um tempo em que na rua em que eu moreio nosso futebolera a maior de todas as desgraças...

Que o dissessem as janelas que se abriamem desaforos e ameaças- e que eram apenas janelas,pois já não tinham vidraças...

Do nosso grupo, todos se afastavam,era o terror das mamãesque chamando os seus filhos, avisavam:“- não quero ver vocês junto a moleques,esses não servem para companhia...”

E quantas vezes não sorri, ouvindoa mesma fraseque ao chegar em casapara o moleque-mor, mamãe dizia...

Como me lembro desse velho tempo

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eternamente criança em meu passado,- como me lembro bem !E ainda hoje sinto orgulho quando pensono garoto que fui, tão malcriado,moleque como ninguém!...

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Mosaico

Cada verso que escrevo, vez em quandoretalho-o da minha alma, e assim um diaterei a colcha imensa da poesiaque com a agulha do ideal vou costurando...

Um verso... um outro mais... e enfim um bandode versos, e a minha alma - quandiria?- com os pedaços da minha fantasiavai de novo em meus livros se formando...

É o jogo de paciência do meu sonho,que vou fazendo aos poucos, muito em calma,com as pedrinhas dos versos que componho...

Solto-os... E embora os deixe assim dispersos,vou desenhando a imagem da minha almasobre o estranho mosaico dos meus versos !

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Música

Silêncio... Solidão... - sinto pelo ar que existeem surdina, no céu, tempestuoso e cinzento,- um ritmo... um compasso... um solo muito lento...de uma obra de Chopin... nervosamente triste...

Repentinos clarões !... Lá pelo espaço se ouvementre a voz dos trovões e os sons das ventanias,os brados de aflição... de estranhas sinfoniaslembrando a orquestração da “nona” de Beethoven...

Há música nos céus... Há música em minha alma...Ficou na natureza um Liszt interpretandoa rapsódia de amor que enche a noite de calma...

Já não há no infinito as tormentas e o caos...- O azul, traz de Mozart o tom sereno e brando,e o arvoredo cicia as músicas de Strauss!...

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Negativo

Me sinto como se estivesse dormindoe sonhasse com a vida...- como se tudo passasse ante meus olhosnuma corrida louca de sombras...

Minhas mãos são dois vultos decepadosdois seres estranhos de cinco pernasdançando sobre o teclado a dança sonora do pensamento

Os sentidos são cinco caminhos dentro da noiteprocurando o desconhecido

Meus olhos fugiram das órbitas,ficaram boiando ante as minhas sugestõescomo duas luas sem céu...e eu vi com esse olhar de sombra das minhas órbitas vaziaso avesso das cousas e dos seresum Universo negativo de sombras irreveladas...

Os homens são todos negros,todos sombras negras que são brancasno negro bem mais negro das paisagens negras....

Meus olhos estão me olhando com suas pupilas de luae estou olhando os meus olhos com meu olhar de estátua...

Vivo segundos de sugestãode uma vida por dentro, feita em baixo relevocomo se a minha imagem imprecisa e distante,estranha como um borrão de tinta

não se estivesse definidonem se tivesse fixado sobre a realidade...

Me sinto como se estivesse desligado os sentidos

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dos meus próprios sentidos,como se estivesse dormindoe sonhasse com a vida....

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Noite de Junho

Escancaro a janela aos céus, de par em par...Noite fria de junho. O céu negro e cinzento.Lá na altura há balões tocados pelo ventoe há foguetes rasgando a amplidão, sem parar...

Sem querer... sem sentir... eu me ponho a pensare a saudade me invade o peito e o pensamento...- A luz dos foguetões, de momento a momento,é um cometa sem rumo em difusão pelo ar...

A cidade está quieta... Os ruídos distanciadosdos fogos ; muito ao longe, espalham nostalgiapor sobre a placidez friorenta dos telhados...

E ao jogo dos balões que o céu todo acendeu,vai passando em minha alma a visão fugidiade um antigo S. João que há muito já morreu!...

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Noite

Há na expressão do céu um mágico esplendore em êxtase sensual, a terra está vencida,deixa enlaçar-te toda... A sombra nos convida,e uma noite como esta é feita para o amor...

Assim... Fica em meus braços, trêmula e esquecida,e dá-me do teu corpo esse estranho calor,ao pólen que dá vida, em fruto faz-se a flor,e o teu corpo é uma flor que não conhece a vida...

Há sussurros pelo ar... Há sombras nos caminhos...E à indiscrição da Lua, em seu alto mirante,encolhem-se aos casais, os pássaros nos ninhos...

Astros fogem no céu... ninguém mais pode vê-los...procuram, para amar, a noite mais distante,e eu, para amar, procuro a noite em teus cabelos!...

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Nuance

O céu lembra uma taça fina de cristalsobre o mundo emborcada,e a tarde,lá na beira do horizonte(talvez a imagem seja um tanto louca)parece a marca rubra de uma bocasobre o cristal manchada...

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O acordar da cidade

A aurora despontou berrante como um hurra!Nas olheiras noturnas do horizonteo dia abriu os olhos...

E o sol gritou mil raios estridentese assustou as estrelas boêmiase embriagadasque ainda ficavam pelo azul perdidas

.As montanhas respiram,e enchendo os pulmões          arrebentaram nos peitos fortes as vestes das nuvens

A terra sorriu feliz - e a dentadura branca das areiasdas suas praias  sem fim                      foi lavar com a espuma fresca e dentifrícia das ondas

Enfim, completamente nu sobre o horizonte,o dia jogou o balde do sol cheio de luzsobre a terra,e acordou a alma da cidadeem suas algazarras e escarcéus...

E a cidade abriu as pálpebras das cortinas de aço,bocejou com o apito das fábricas no espaço- se espreguiçou -e  então se levantouerguendo os braços longos dos arranha-céus!... 

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O balão

Azul e cor-de-rosa, amarelo e encarnado- um palhaço de gás, feito em papel cetim...Ei-lo pronto e já aceso, o bojo arredondadonão tarda há de ser erguer pela amplidão sem sim...

A criançada da rua ajoelha-se ao seu ladoe ele arqueja ao calor da chama carmesim...Há vivas!... Alegria!... E pelo céu, listradode louros foguetões, ei-lo ascendendo enfim...

Vai subindo contente, sem parar, sem rumo,até que num momento, entre as luzes bordadasno céu, - cai desmaiado, em vômitos de fumo...

Então... Põe-se a descer sereno... De repenteas crianças de outra rua atiram-lhe pedradas............................................................................

E o balão cai do céu como cai toda gente!...

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O destino de uma flor

Era um lindo botãoaquele, o do meu jardim...

Para enfeitar a jarra da tua vaidadetu o cortaste da roseirasem necessidade,- a roseira de uma alma que floresce em mim..............................................................................

E na jarra da tua vaidadeo botão foi se abrindo, e aos poucos se fez florao sol de uma ilusão... e na felicidadede enfeitar teu amor...

Foi assim,que algum tempo viveu esplêndida e viçosaa rosa,até que foi cansando o teu olhar...

E ontem, quando a apanhaste para pôr uma outra,- outro lindo botão no seu lugar,depois que tanto tempo a deixaste esquecida:- ao toque da tua mãopor encanto desfez-se em pétalas no chãoa flor da minha vida !.............................................................................

E só tu, não soubeste ver naquela floro fim de um grande amor!

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O meu poema sem nome

(Nietzscheano)

Nasci trazendo na alma estranha confusãofujo às vezes da vida e não desejo a morte,- adoro o meu silêncio... odeio a multidão...e desespero achar quem me ame e me conforte

Há instantes em que sinto uma necessidadede fugir... mas alguém me diz:- deveis conter-vos!E é a custo que consigo em tão forte ansiedadeamarrar-me e prender-me com os meus próprios nervos...

Nessas horas preciso a presença da Ausência       e vivo onde outro alguém morreria de tédio,       - na solidão retorno à calma e à sã consciência        e encontro no silêncio o meu maior remédio   ............................................................................   Tenho em Nietzsche um irmão... vejo-o se os olhos cerro,   - a cabeça entre as mãos convulsas, pensativo,   cérebro iluminado e aceso corno um ferro   vermelho, cor de brasa, incandescente e vivo!

Sinto-o, nas convulsões de uma tortura imensa,   incompreendido e só, num meditar profundo,   só sabendo que existe porque sofre e pensa,   e a abismar-se sozinho no seu próprio mundo. . .   

Vejo-o, - seu ar não sei se é o de um viciado de ópioseus olhos nada vêem... olham para o interior...- e o Pensamento, é como estranho microscópio   por onde ele examina a sua própria dor...

Selvagem. . . quase louco, a buscar-se a si mesmo,sem amores que o prendam, afeições que o domem,

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- um Diógenes genial, a andar inquieto e a esmo,na incansável procura do seu super-homem!

E' Nietzsche o meu irmão!... compreendo a sua fuga,o seu egocentrismo e o seu isolamento;- há instantes em que nada o "eu" do meu Ser subjuga,e é cósmico e fantástico o meu sofrimento.. ........................................................................................

Procuro a solidão... busco-a porque preciso,sem saber afinal as causas e as razões,sentindo o coração no peito, como um guizobater, sacolejando as minhas pulsações...

Os instantes em que eu vejo como demôniosos homens, e sem crer, mostro-lhes sempre a cruz,- e me quedo a escutar o rumor dos neurôniosque cada pensamento ao despertar produz...

Depois... tento fugir até dos próprios pés,não quero ver ninguém... nem ouvir um conselho...- certa vez blasfemei: - quem és? sim, tu quem és?E era eu a me fitar ante o cristal do espelho...

Desde esse dia, odeio os espelhos e os aços,quero estar só, bem só, nos instantes de fel,- até que a morte faça o meu Ser em pedaçoscomo em pedaços fiz o meu espelho fiel...

0 ruído me enlouquece !... A multidão me assombra!Adoro o meu silêncio de silêncios feito,- às vezes me incomoda a minha própria sombrae irrita-me o pular do corarão no peito...

Enfastio-me até... da própria companhia,faz-me mal escutar minha respiração,- e é tão grande... tão funda... essa obsessão doentiaque eu quisera existir como uma abstração!...

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O que amo em você

O que eu amo em você - é esse seu ar de meiguice,esse tom de falar com tanta suavidade,é esse olhar de carinho inundado de luze de felicidade...

O que eu amo em você - são esses olhos mansos,pedacinhos de um céu todo cheio de luar,e as suas mãos pequenas como duas conchasdessas que andam bordando a areia à flor do mar...

O que eu amo em você - é essa fragilidadedos gestos, na inquietude viva do seu ser...- é essa doçura meiga... esse sorriso brandoque aflora sem querer em seus lábios brincandosem que eu possa entender...

O que eu amo em você - é essa graça tristonhaque às vezes você põe no que diz ou que faz,a expressão indecisa e vaga de quem sonha,que me prendeu quase insensivelmentee não me solta mais...

O que eu amo em você - é essa inquieta belezaque um momento está viva... e outro instante nublada...É esse orgulho sutil que a torna ainda mais linda,é tudo isso afinal, e é muito mais aindaporque não disse nada...

O que eu amo em você - é essa facilidadede me contrariar, de fazer quase sempreaquilo que não quero e que você desejasem me magoar sequer,- é essa maneira sua de pedir, graciosa,é esse poder estranho - essa atração estranha

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de saber ser bonita... e saber ser mulher!

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O verbo amar

Te amei: - era de longe que eu te olhavae de longe me olhavas vagamente...Ah, quanta coisa nesse tempo a gentesente, que a alma da gente faz escrava...

Te amava: - como inquieto adolescente,tremendo ao te enlaçar... E te enlaçavaadivinhando esse mistério ardentedo mundo, em cada beijo que te dava!

Te amo: - e ao te amar assim vou conjugandoos tempos todos desse amor, enquantosegue a vida, vivendo... e eu, vou te amando...

Te amar é mais que um verbo, é a minha lei:- e é por ti que o repito no meu canto:te amei, te amava, te amo e te amarei!

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Orgulhosa

O seu rosto parece em mármore talhadoe o perfil faz lembrar uma fibra antiga,- É linda e orgulhosa... e é preciso que eu digaque é esse orgulho talvez, que me deixa encantado.

Transparece em seu ar, um todo de nobrezae na figura altiva há uma expressão qualquerque empresta a essa arrogância ousada de mulherum todo de mistério e exótica beleza...

Guarda interrogações em seu olhar sombrio,e me fascina e atrai, por ser dessa maneira,- não sei se no seu corpo há uma alma prisioneiraou se é somente estátua, e o seu corpo é vazio...

Fiquei preso a essa altiva e estranha indiferença- mas seu gesto orgulhoso acendeu-me o desejode uma vingança atroz... de uma esperança imensa...

E hei de dar meu viver, para tê-la vencida,sem orgulho e mistério, a implorar o meu beijo,- sentindo-se mulher... humilhada e possuída!

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Paisagem do silêncio

Tenho a janela para os céus aberta,e entre a renda dos ramos da mangueira,- timidamente a luz do luar se esgueirae anda na sombra, vagamente, incerta.

A noite está de estrelas recobertae a “via-láctea...” a esparramar-se, inteira,- parece uma florida trepadeiraabrindo os astros na amplidão deserta...

Sob a sombra das árvores, - no chão,as rodelas de luz, tremeluzindo,lembram moedas de prata em profusão...

É profundo o silêncio... tudo em calma...Chego a ter a impressão de estar ouvindoo rumor dos meus sonhos na minha alma!...

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Paisagem...

Desde cedo há o passar dos caminheirosquando ainda longe vem a madrugada,e nas sombras da noite sossegadavão despertando os galos nos terreiros

Há ruídos de carroças nos caminhose ouve-se a voz do boiador cantando:-” Ô!... Arisco!... Ô!...” E no ar,de quando em quandohá o rumor dos primeiros passarinhos...

Abrindo sulcos... machucando o barrosob a força dos bois, vencendo a terra,as rodas gemem, e que angústia encerraos gemidos das rodas de algum carro...

Na frescura das matas orvalhadasonde lampejam pirilampos no arvão se apagando as curvas das estradasque se somem na noite a caminhar...

Pausadamente pelos céus ecoa,numa impressão de indefinível mágoa,o coá-coá de algum sapo de lagoaque mora à beira de uma poça d'água...

Pelo alto... entre as estrelas aos cardumeso Cruzeiro adormece para o Sul,e as estrelas parecem vaga-lumesmortos, num leito de veludo azul...

Empalidece todo o espaço exangue!- e as estrelas feridas, apagadas,fazem lembrar gotículas de sangueà luz do sol nascente coaguladas...

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De repente decide-se a batalha:o horizonte da sombra se reduz!E a granada do sol rompe e estraçalhao azul dos céus numa explosão de luz!...

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Partiste!... Voltarás?...

IDei-te tudo que tinha - era bem pouco,sei bem que era bem pouco o que te dei,- devia compreender como era loucotodo o sonho de amor que idealizei...

Quando passaste à minha porta, um dia,a procura de um pouco de calor,ofertei-te a minha alma, então vazia,- e a minha alma se encheu toda de amor...

Aquela noite... - como vai distante!- sentindo-te em meus braços, infeliz,ao teu ouvido, como um terno amante,disse-te coisas que ninguém mais diz...

Senti-te reviver... Dei-te outra vida...Muitas horas velei teu sono - e assim,com palavras de amor, adormecida,tu te apoiaste a noite inteira em mim...

Quando o céu se tingiu com o vir da aurora,eu, cansado, talvez... adormeci...ouvindo o canto dos pardais lá fora...

Ao despertar... - senti a tua ausência ...E desde então eu nunca mais te vi,nem cruzaste jamais minha existência !...

IIHoje tenho a minha alma diferente,uma alma triste que não sei se é a minha,- e o que sinto, bem sei - e o que ela senteé a dor imensa de se achar sozinha...

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Na saudade infinita que a consomenão tem ninguém à sua cabeceira,e vai morrendo a murmurar um nomenuma prece de amor, que é a derradeira...

Vai dizendo o teu nome com tristeza,e eu sofro... e tenho pena de a escutar.- porque a vejo morrer, tendo a certeza,tendo a certeza que ainda vais voltar...

Fiquei só    Tu deixaste-me sozinho,mas sentirás a falta dos meus braços,e hás de voltar ansiosa de carinho...

No teu andar por essa vida em fora,- ha de a saudade dirigir teus passospara a pousada onde estiveste outrora...

Voltarás... E por certo arrependidabaterás novamente à minha porta,a mesma, onde uma vez foste acolhida...

Baterás... E ninguém há de atender...É que a minha alma, então, já estará morta,- cansada de esperar... e de sofrer!...

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Pontos finais

Todo o teu corpo é um poemaque não teria fimna arrogância das linhas e das formastúmidas e sensuais,- se a natureza, sábia, não pusessenos pontos culminantes de teus seiosdois pontinhos finais!...

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Pôr de Sol

(Aquarelas)

Pelo vão da janela escancaradaTenho os olhos pousados no horizonte,até que atrás da terra o luar despontena noite só de estrelas pontilhada...

Lá embaixo - como a fita de uma estradasob a arcada mourisca de uma ponteas águas cristalinas de uma fontesão o espelho da tarde iluminada...

Há chilreios na sombra do arvoredoe no ouvido das árvores passandoo vento diz baixinho algum segredo...

Multiplicam-se as sombras nas quebradas.e as nuvens lembram na distância, um bandode pétalas de luz, ensangüentadas!

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Prisioneiro

Nunca tive ninguém para entendero meu chorar... o sofrimento meu...Alguém que suavizasse o meu viveronde um resto de vida se perdeu...

Ninguém pôde jamais me compreender,porque a minha alma estranha já nasceu...Vivo sozinho dentro do meu Serno cárcere infinito do meu “eu”!...

Adoro esse Universo em que me abismoquando encontro ao meu lado a solidãona mesma cela onde a sofrer eu cismo...

Sou desse mundo à parte, prisioneiro!E a prisão onde vivo, é urna prisãoem que o preso é o seu próprio carcereiro!...

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Psicologia

Foi hoje que notei: - em nosso face a faceencontrei teu olhar, e assim como se devefazer em tal momento, um cumprimento levedos meus lábios fugiu sem que sequer notasse...Foi hoje que notei: - tu passas orgulhosae nem deste resposta ao meu sorriso antigo,- voltaste o rosto até, assim como quem posae foste indelicada a um teu sincero amigo...

Perdôo-te... É que sinto o quanto me adoraste,do contrario, farias como eu faço, enquantonão nego um cumprimento ao ver que tu passaste...Ainda sofres, bem sei... És tolinha demais...- foi tanto o teu amor, e o teu amor é tantoque ao passares por mim nem cumprimentas mais!

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Quadro

Pelo vão da janela escancaradatenho os olhos pousados no horizonte,até que atrás da serra o luar despontena noite só de estrelas pontilhada...

Lá embaixo, - como a fita de uma estradasob a arcada mourisca de uma ponteas águas cristalinas de uma fontesão o espelho da tarde iluminada...

Há chilreios na sombra do arvoredoe no ouvido das árvores, passando,o vento diz baixinho algum segredo.

Multiplicam-se as sombras nas quebradas,e as nuvens lembram na distância, um bandode pétalas de luz, ensangüentadas!

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Quadros de Verão

(Aquarelas líricas)

ICéu limpo. Na alvorada cor de sangueas estrelas se afundame vão perdendo a luz como pupilas baças...Tudo é luz de repente!... E o céu azul... azul...de ouro todo se encheu,nem um vulto lembrando o desenho das nuvenscomo errantes fumaças...

A terra é verde... o mar é verde... é verde a vidaque desponta em botões arrebentando a terra...

- algazarram em bandos loucos, como folhaslevadas pelo vento em escarcéusnas estradas sem fim, os pássaros, que os ninhos   trocaram pelas sombras dos caminhose pelas amplas vastidões dos céus...

Salpicando as campinas... sobre os camposas borboletas de asas multicores   confundem-se com as flores,   - e que estranha e que linda confusão!...(As borboletas, como flores vivas,   fazem roda pelo ar,   - e as flores - lembram mortas borboletasque deixaram as asas pelo chãoe não puderam nunca mais voar!...)

IIAs horas rolam... passa o dia... e a tardenão tarda vai fazendo o céu violeta- e o calor não sufoca... e o sol não arde...

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O poente faz lembrar uma palhetade exótico pintor,e o céu, é um quadro cheio de poesia,é como um poema de policromiaque poeta algum jamais pôde compor!

Há de novo algazarra pelos ramos,estranhas algazarrasque enchem de sons as árvores inquietas...e a música e o zizio das cigarrasnas milhares de estrídulas fanfarrasocultas na ramaria,espalham pelos céus a orquestraçãoda sinfonia verde do verãoao fim de cada dia !...

IIINoite alta... pelas matas sossegadasos vaga-lumes surgem nas ramadascomo brotos de luz!No espaço... vão voltando novamenteas estrelas, e em pouco todo o céuvibra... palpita... e entre clarões transluz...

Luz no céu... luz na terra... E nos tranqüilosermos das sombras, sob as copas verdes,onde o luar raramente se desata,- há os ruídos - quase música, - dos grilosque respondem às últimas cigarrasna quietude da mata...

Como um rebanho feito de algodãoas nuvens se amontoam lentamente,e lentamente, tal como um rebanho,que entre a relva dos astros caminhasse,aos poucos vão fugindo... vão fugindonum canto da amplidão...

A Lua ora se esconde... ora aparece

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entre o rebanho imenso... e faz lembraruma poça no céu, cheia de prata,onde os cordeiros todos, vez em quando,vão de novo os setor pêlos pratear...

IVCalor... não se balança uma ramagemnem uma vibração- cigarras... borboletas... passarinhospirilampos... estrelas... muita luz!E no verde de toda naturezaos quadros... e as paisagens de verão- que eu para os versos, sem querer transpus!...

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Quando

Quando o pano das pálpebras cairsobre o palco fechado das retinasque já não podem ver,e onde passaram todos os bonecose fantoches, que em vida me ajudaramna pantomima estranha do meu Ser...

Quando as últimas luzes se extinguiremapós os derradeiros obstáculos,e ficarem vazias minhas órbitascomo os grandes anfiteatros silenciososdepois dos espetáculos...

Quando sobre o meu peito as minhas mãos de ceragélidas se entrelaçaremjá sem vida,como que se despedindo mutuamentena última despedida...

Quando dentro da rocha do meu peitoo coração morrer... não pulsar mais,e ficar enterrado no meu corpocomo os diamantes no interior da terra,- trocando a sua vida humana e tristepela vida feliz dos minerais...

Quando sobre os meus lábios entreabertosficar sorrindo um último sorriso,- esse mesmo sorriso das estátuase dos corpos que uma alma já não tem...

Que ninguém chore ao meu redor!... Ninguém!

Mais razões haveria para o prantono instante em que no mundo despertei!...

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E quem chorou? Ninguém chorou!- no entantoque ridículas festas me fizeram,até parece que nascia um rei!

Que ao vir portanto o derradeiro dia,o fim do meu penoso despertar,- que haja música, risos e alegriae que eu, apenas eu, tenha o direitode, ao deixá-los na vida, interiormenteno meu sorriso à morte,soluçar...

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Razões

Quando passas por mim depressa, indiferente,e não me dás sequer, um sorriso... um olhar...- como um vulto qualquer, em meio a tanta genteque costuma nos ver sem nunca nos notar...

Quando passa assim, distraída, nesse arde quem só sabe andar olhando para frente,e finges não me ver, e avanças sem voltaro rosto... e vais seguindo displicentemente...

- eu penso com tristeza em tua hipocrisia...Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencidae que um dia choraste... e que choraste um dia...

Mas para que contar? Que sejas sempre assim,e que ninguém descubra nunca em tua vidaas razões por que passas sem olhar pra mim!...

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Se...

Se eu pudesse parar a minha vidae dar eternidade a um só momento,se eu não tivesse o meu destino presoao destino das coisas nos espaços...

Se eu pudesse destruir todas as leise dentro do Universo que se movepara meu mundo:

havia de escolher esse segundoem que Você estivesse nos meus braços!

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Ser ou não ser...

IÀs vezes fico triste... É profundo esse tédioque intoxica a minha alma e não sei de onde vem...Meu coração é assim como um presídio imensoonde há milênios vivo em sombras, sem ninguém...

Nem um ruído de passos que se arrastem,leves como os passos dos monges dentro dos conventos...Nem um canto de folhas ao sabor da aragemnem o menor rumor de asas soltas aos ventos...

A escuridão fechou-se dentro de si mesmae a solidão correu de si mesma, e fugiu!O silêncio morreu no esquife do silêncioe em silêncio, o seu próprio enterro conduziu ...................................................................................

Na escuridão total do meu próprio homicídioquando tu me apareces nessa escuridão,vens... para me lembrar que vivo num presídio,como um raio de luar que iluminando a celareflete da janela as grades sobre o chão...

IITrazes-me essa ânsia vaga e inútil dos que sofrem...Lembras-me o meu viver de enclausurado e monge...Depois... quando te vais... E me encontro mais sócomo te sinto na alma cada vez mais longe!

Há em mim esta tortura dos que já cansaramde andar, e não desejam procurar um fim...Se há sombras que ainda vivem dentro de minha almanas brumas de meu tédio há fantasmas de esplim...

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Sou o homem primitivo que ao meu Ser voltou,a fonte de água pura onde ninguém bebeu,sou o irmão de Ariel, que sobrevive anônimoporque o outro de há muito o mundo já perdeu...

Para ser bem sincero, eu não sei quem sou eu...

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Silenciosamente

Seguimos assim, juntos, felizes,Juntos, felizes, pela vida a fora...- Tu, no silêncio em que mais coisas dizes!- Eu, no silêncio em que me encontro agora!

Meu passo há de seguir por onde pises!E a tua mão, que em minha mão demora,há de, com o tempo, até criar raízes,unindo vida a vida, hora por hora...

Seguiremos assim, como bem poucos,bendizendo na nossa trajetóriaos que souberam como nós ser loucos...

Loucos de amor, ébrios de amor - seguindopara um mundo de sonhos, para a glóriado silêncio que vamos repartindo!

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Soldado

Por um momento treme... Ao seu lado sibilao tiro cego... a bala inconsciente e voraz...Dilatam-se-lhe os globos turvos da pupila:quer pensar... quer fugir!... Mas já é tarde demais...

Pensa na sua vida, antes bela, tranqüila,no campo verde, ao sol... nas farturas da paz...E o combate!... ao seu lado, homens postos, em fila,hão de semear a morte... e deixá-la pra trás...

Pensa por um momento em seu lar, em seu filho.Receia ser covarde... E o dedo no gatilhoaperta, a perguntar-se em transe: que fazer?

Nesse instante, ouve um grito de comando no ar...E apercebe-se então, autômato, a avançar,que somente um direito lhe assiste: morrer...

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Sonhadores

Há um cigarro a sonhar sobre o cinzeiro...E eu vejo fugir seus sonhosnas finas fitas azuisda fumaça a subir pelo ar brincando...

Há um cigarro a sonhar - e ao vento que entrapela janela aberta,brilha um fogo em sua alma, e ele se acendeà proporção que em cinzas vai ficando......................................................................

Noutro cinzeiro eu sou como o cigarro abandonadojunto a uma janela aberta para o mundo,sonhando fumaça azul que sobe no ar...E o meu grande prazer... é, ao vento do destino,que entra na minha vida,- sentir essa volúpia que a minha alma sentede se ir assim queimando, aos poucos... lentamente,a sonhar... a sonhar...

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Sozinho

Já tenho o eu destino há muito desvendado.hei de ser sempre só... já não sei querer bem...- depois que me prendi no amor... fui desprezado,e hoje quero ser livre e não amar ninguém...

Começo um novo mundo. É estranho o meu passado,e sigo para frente, olhos fitos no além...- Sem Ter o que buscar, eu mesmo, desolado,muita vez me pergunto: - a quem procuro? a quem?

Felizmente estou só... e ninguém me diz nada...- há apenas uma luz na distância vaziafugindo, e vai ficando mais vazia a estrada...

É tanta a solidão que ela mesma se assombra,e enquanto se afasta a luz que ainda me guiaquer fugir de meus pés a minha própria sombra!

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Supremo orgulho

Nunca soube pedir...Nunca soube implorar...Nasci, tendo este orgulho em minha lama irriquieta,- há  um brilho que incendeia o meu altivo olharde crente superior... de indiferente asceta...

Minha fronte, jamais, eu soube curvarna atitude servil de uma existência abjeta...Ninguém é mais que eu!... Ninguém... e este meu arde orgulho, vem da glória imensa de ser poeta...

Sou pobre - mas riqueza alguma há igual à minha,- a mulher que eu amar terá a glória supremade um dia se sentir maior que uma rainha....

Terá a glória de saber o seu nomeperpetuado por mim nas estrofes de um poema,desses que a História guarda e o Tempo não consome!

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Tarde

Hora roxa da tarde... hora em que a alma senteuma vontade louca de fugir da gente.....................................................................

É a hora em que a alegria e a saudadeandam juntas no céu de lado a lado...- até pareço vê-las...

A saudade da luz que vai fugindo,levando um dia lindo,e a alegria da noite que ergue os braços negrospor traz dos montes que se vão minguandopelo infinito, a mancheias jogandoum turbilhão de turbilhões de estrelas!

Hora de acolhimento e de vagas tristezas,hora de retornar...Ao arvoredo voltam pelos céus em bando,felizes, os passarinhos;voltam também, mas nem sempre felizes,os homens para o lar...

Todos voltam... os homens como os pássaros,a noite volta... o luar também não tarda,Há de vir novamente...Mas o dia partiu ... Mas a luz teve fim...

Hora rosa da tarde... E eu sinto que a minha alma   incompreendidamentesente um desejo louco de fugir de mim!...

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Tormentas

Ouço lá fora o ruído da tormentae através do emabaciado da vidraça- vejo um clarão que as nuvens despedaçaao rimbombar de uma explosão violenta...

Há uma luta de massa contra massana amplidão que rasga e se arrebenta,- e o vento chora, e o vento geme, e o vento passa,e o vento grita, e o vento brada, e o vento venta...

E eu só... sozinho... este meus versos faço...- Que bem me faz ver os clarões no alémcomo nervos de luz brechando o espaço...

E o que sinto - ninguém, certo, advinha,só eu mesmo, talvez, porque sei bemque ante essa outra tormenta esqueço a minha!

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Torpor

Saíste neste instante...

Ainda há pelo ar suspensoo perfume sutil que havia em teus cabelos,e o leito ainda transpira as carícias de amor,Deixaste-me sozinho...

E enquanto, a sós, eu penso,sinto na minha boca esse sabor intensodos beijos que tu dás. . . E não posso esquecê-losporque vive em meu corpo ainda o teu calor............................................................................

Lá fora. . . num bocejo a tarde se espreguiçae o dia se derrama pelo azul no poente...Vagamente... no quarto, entra uma luz mortiçaque se vai apagando progressivamente...

As cousas vão fugindo entre a sombra que desce,vão perdendo os perfis... dissolvendo-se no ar...- no céu, há o misticismo errante de uma precee a terra em oração, recurvada, parece,ante um Deus que estrebucha em sangue sobre o altar!...............................................................................................

Cerro os olhos... No ambiente há amorosos cansaços...Vem a noite... e abre o olhar dos astros nos espaços...

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Tuas mãos

Estávamos os dois... sonhando... distraídos...- completamente esquecidos..........................................................................

Nas minhas, tuas mãos, pequenas, delicadas,deixava-as por querer, juntas, abandonadas,nessa atitude de desejos vãos...

E eu sentindo-as assim, pensei - (linda mentira)...- que para as tuas mãos a tua alma fugirasó para se sentir também nas minhas mãos...

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Tudo... nada...

É isso mesmo a vida, - eu que tenho ao meu ladoa espera do primeiro gestomulheres que desprezo e que me tem paixão,- imploro o teu amor, de joelhos, desprezado...

- És feliz, dizem uns; és querido e admirado;outros dizem; - no entanto, eu sinto o coraçãovazio, e ninguém sabe que em minha alma estãopresos, - um grande amor e um sonho imensurado...

- Podes ter aos teus pés o mundo e o que quiseres;afirmam-me... E eu sorrio, amargurado e mudoante a oferta de amor de inúmeras mulheres...

Tanta cousa!... E a minha alma triste e amargurada!- Que me adianta esse amor, esse mundo, isso tudo,Se Tudo para mim, sem teu amor, é o Nada!...

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Uma palavra a mais

Não devia mais existir nada entre nós dois,- tudo já terminou... tudo ficou pra trás...Este verso, no entanto, a minha alma o compôsno desejo incontido e vão de sofrer mais!...

O destino entre nós - um dia - se interpôse eu vi que num segundo um sonho se desfaz...Fora tudo ilusão ! E um segundo depois,acordado, senti ter sonhado demais...

Já não posso negar ter tido um grande amor,- foi ele que, ao partir, deixou minha alma inquieta,a transformar em verso o sofrimento e a dor...................................................................................

Uma palavra a mais... Um verso a mais somente...- ao desgraçado amor que um dia me fez poetae ensinou a minha alma a dizer o que sente!...

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Vencido

Bem que te quis dizer as palavras mais duras,gritar que te desprezo... que te odeio enfim...fingir que já não tenho um mundo de torturano mundo de aflições que sinto dentro de mim...

Bem que quis te ocultar as minhas desventuras,escarnecer da dor que ao meu viver deu fim,relembrar a sorrir as tuas falsas jurase ofender-te, e magoar-te, e me vingar assim...

Bem que tudo tentei. Mas nada consegui.E maldigo-me agora, e sofro, e desespero,porque não soube odiar... porque não te ofendi...

Foste cruel... Entretanto, em meu tormento atroz,- foge-me a própria vida se esquecer te quero...- se te quero ofender, falta-me a própria voz!