Behring_elainequestao Soc Direitos
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8/4/2019 Behring_elainequestao Soc Direitos
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Questao social e direitos
Elaine Rossetti Behring
Professora da Faculdade de Service social/UERJ
Silvana Mara de Morais dos Santos
Professora do Departamento de Service Social/UFRN
8/4/2019 Behring_elainequestao Soc Direitos
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Questao social e direitos
Apresentacao
Estamos diante de dois temas historicos, visceralmente articulados, e este texto busca
explicitar as condicoes que produziram e produzem esse vinculo. Trata-se de desvelar a
cornpreensao da "questao social"! e as polemicas que cercam 0 seu entendimento como
materia do Service Social e processo, cujas expressfies requisitam intervencoes sisternaticas
na forma das politicas sociais, a partir do Estado, e das acoes desencadeadas pelas classes.
Veremos que as lutas sociais dos trabalhadores tornaram direitos reclamaveis varlas dessas
intervencoes, desde as duras conquistas em torno da jornada de trabalho, no seculo XIX,
que Marx caracterizou como as primeiras vitorias da economia politica do trabalho contra 0
capital. 0 movimento do texto sera 0 de fornecer elementos para pensar a questao social e
suas expressfies a partir da lei geral da acumulacao, em primeiro lugar, para observar, na
sequencia, 0 advento dos direitos na sociedade capitalista, bus cando trazer 0 debate para a
particularidade brasileira, onde os direitos tern sido mais excecoes que regra e as
expressfies da questao social sao verdadeiramente dramaticas, 0 que evidencia
caracterfsticas da formacao social brasileira.
1 Questao social: eixo central e polemico no Service Social2
Entre os anos de 2005 e 2006, a Associacao Brasileira de Ensino e Pesquisa de Service
Social (ABEPSS) conduziu urn importante levantamento da implementacao das Diretrizes
Curriculares, de abrangencia nacional (Cf. ABEPSS, 2008). Acerca do eixo questao social, a
direcao nacional da ABEPSS colocava as seguintes indagacfies a serem perseguidas no
processo de avaliacao: "considerando como objeto do trabalho profissional, e, portanto, da
1Esta sera a primeira e ultima vez que usaremos as aspas ao nos referirmos a questao social. Seu uso ou nao
se relaciona a polernica que sera explicitada no decorrer do texto.
2 Este item incorpora parte do texto revisado das conferenctas realizadas por Elaine R. Behring, nas Oficinas
Nacionais Descentralizadas, promovidas pela ABEPSS, em 2006, sobre 0 eixo questao social nas Diretrizes
Curriculares.
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formacao profissional, 0 conjunto das sequelas da questao social, qual tratamento vern
sendo dispensado a esta categoria? Estaria ocorrendo urn reducionismo nessa
incorporacao, a partir da negacao da perspectiva de totalidade que supoe a leitura da
questao social como resultante da contradicao capital/trabalho?" Numa perspectiva
reducionista e positivista, em geral, a questao social aparece como problema social, fato
social, fenomeno social desvinculado da forma com que a sociedade produz e reproduz as
relacfies sociais. Nesse sentido e interpretando as preocupacoes da ABEPSS na ocasiao, ao
inves de transversalizar 0 curriculo, a questao social apareceria fragmentada em disciplinas
que tratam das suas expressfies,
Vejamos 0 que propugnam as Diretrizes Curriculares da ABEPSS no que diz respeito a
questao social. Os documentos de 1996 e 1999, efetivamente apontaram a questao social
como 0 elemento que da concretude a profissao, ou seja, que e "sua base de fundacao
historico-social na realidade" e que, nessa qualidade, portanto, deve constituir 0 eixo
ordenador do curriculo, diga-se, da formacao profissional. Assim, a questao social
adquire urn "novo" estatuto no projeto de formacao profissional engendrado pelo service
social brasileiro da decada de 1990.
Como caudatario do projeto polltico-profissional dos anos 1980, 0 documento das
Diretrizes (1996) reconhece que a realidade social brasileira ja era colocada como centro
nos debates que conduziram ao currlculo de 1982. Nesse sentido, apontar a questao social
como eixo ordenador nao constituiria exatamente uma novidade, mas uma precisao,
Tratou-se da realizacao de uma direcao anunciada em 1982, que foi sobreposta, porem, por
urn conjunto de exigencias teorico-politlcas de qualificacao profissional e capacitacao
docente, que levaram ao acerto de contas teorico-metodologtco que perpassou a decada de
1980, cujas linhas gerais estao publicadas nos Cadernos ABESS, especialmente os mimeros
urn e tres, A maior consequencia desse processo foi privilegiar as disciplinas de historia (do
service social, e nao considerando 0 service social na historia], teoria e metodologia como
eixo basico, desvinculadas dos elementos que dao substancia a profissao na realidade e
tambern de sua dim ensao operativa. Na proposta das Diretrizes da ABEPSS (1996 e 1999),0
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nucleo da questao social articula todo 0 processo formativo e impfie exigencias que
apontam para urn maior equilfbrio entre as dimensoes teorico-metodolcgica, etico-pclitica
e tecnico-operativa.
Os processos de revisao dos currfculos plenos de fins dos anos 1980 e infcio dos anos
1990 estiveram atentos aos limites do currlculo mfnimo de 1982 e procuraram engendrar
novos caminhos, os quais repercutiram nos debates da revisao curricular e resultaram nas
diretrizes, muitas vezes como polernicas, Foi 0 caso da proposicao da politica social como
nucleo basi co, que marcou, na epoca, a proposta da UERJ. Ainda que essa perspectiva
identificasse componentes e mediacoes essenciais da acao profissional, esteve distante de
convencer que a politica social seria 0 componente essencial demandado por essa
especializacao do trabalho coletivo, mesmo que a politica social seja urn eixo
importantfssimo.
Outra direcao apontada naquela ocasiao foi a protecao social, cuja fundarnentacao
tendeu a obscurecer a particularidade historica que reveste a proflssionalizacao do Service
Social, ao ressaltar as regularidades historicas de longa duracao que atravessam a protecao
social - sobretudo quanta aos usos e costumes culturais - ao longo dos tempos. Dessa
forma, a compreensao do Service Social como uma configuracao particular da divisao social
do trabalho, tfpica do capitalismo em sua fase monopolista - e, se lancarnos mao da
periodlzacao de Mandel, tfpica da passagem do imperialismo classico para 0 capitalismo
tardio (BEHRING, 1998) - fica dilufda, bern como 0 sentido da atividade profissional na
contemporaneidade, que se altera na medida em que muda 0 padrao de acumulacao e,
consequentemente, de regulacao social, com impactos na configuracao da questao social e
suas formas de enfrentamento pelas classes e pelo Estado, este ultimo a partir de sua
direcao de classe. Com isso, nao se quer negar a riqueza de possibilidades que existe no
estudo dos fenornenos de larga duracao, como nos mostram as descobertas de E. P.
Thompson e F. Braudel ou as reflexoes de urn Walter Benjamin. Porem, tal perspectiva
mostrou-se claramente insuficiente para fundamentar 0 entendimento do significado do
Service Social numa perspectiva ontologica, sobretudo quando se distancia
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irrevogavelmente de formulacfies sem as quais a tradicao marxista perde sua substancia e
forca, como a lei do valor, por exemplo.
Na verdade, as politicas sociais e a forrnatacao de padrfies de protecao social sao
desdobramentos e ate mesmo respostas - em geral setorializadas e fragmentadas - as
expressfies multifacetadas e complexas da questao social no capitalismo. A questao social
se expressa em suas refracoes (NETTO, 1992) e, por outro lado, os sujeitos hist6ricos
engendram formas de seu enfrentamento. Contudo, sua genese esta na maneira com que os
individuos se organizam para produzir num determinado momenta hist6rico e que tern
continuidade na esfera da reproducao social.
2 Producao, reproducao e questao social
Vale destacar que, quando se fala em producao e reproducao das relacfies sociais
inscritas num momenta hist6rico - e aqui e born deixar explicito: 0momenta de emersao e
consolidacao da sociedade burguesa -, sendo a questao social uma inflexao deste processo,
trata-se da producao e reproducao (movimentos inseparaveis na totalidade concreta) de
condicfies de vida, da cultura e da riqueza. Nao ha, pois, nenhuma reducao economicista,
politicista ou culturalista, donde se evitam as mterpretacoes unilaterais dos processos
sociais e os monocausalismos de varias especies, sobretudo nestes tempos de fragmentacao
e p6s-modernismo. Essa perspectiva de abordagem da questao social esta delineada nas
diretrizes quando se aponta a "apreensao do processo social como totalidade, reproduzindo
o movimento do real em suas manifestacoes universais, particulares e singulares, em seus
componentes de objetividade e subjetividade, em suas dimensoes economicas, politicas,
eticas, ideol6gicas e culturais, fundamentado em categorias que emanam da teoria crltica"
(ABESS,1997, p. 152).
Poder-se-ia argumentar, e desde a aprovacao das diretrizes tais argumentos tern
estado presentes no debate (Cf. REVISTATEMPORALIS, n. 3, 2001) que, a rigor, a categoria
da questao social nao pertence ao quadro conceitual da teoria critica, diga-se, da tradicao
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marxista, crftica empreendida por Netto (2001), com argumentos muito consistentes e que
remetem a relacao entre questao social e lei geral da acumulacao, apos situar sua apreensao
historica pelo pensamento conservador. Chega-se mesmo a dizer, por outro angulo. que
colocar a questao social no centro do projeto de formacao profissional seria retomar a ideia
de "situacao social-problema", tao cara ao Service Social tradicional. Dentro disso, esta
seria uma proposicao paradoxal, diante da orientacao teorica adotada pela revisao
curricular.
Observemos cuidadosamente esses argumentos para explicitar 0 que se entende como
questao social. Em primeiro lugar, vale lembrar que esta na base do trabalho teorico
presente na crftica da economia politica empreendida por Marx, com a colaboracao de
Engels, a perspectiva de desvelar a genese da desigualdade social no capitalismo, tendo em
vista instrumentalizar sujeitos politicos - tendo a frente 0 movimento operario - para sua
superacao, Esse processo, diga-se, a configuracao da desigualdade e as respostas
engendradas pelos sujeitos a ela, se expressa na realidade de forma multifacetada como
questao social. Desse ponto de vista, e correto afirmar que a tradicao marxista empreende,
desde Marx e Engels ate os dias de hoje, urn esforco explicativo acerca da questao social,
considerando que esta subjacente as suas manifestacoes concretas 0 processo de
acumulacao do capital, produzido e reproduzido com a operacao da lei do valor, cuja
contraface e a subsuncao do trabalho pelo capital, a desigualdade social, 0 crescimento da
pauperizacao absoluta e relativa e a luta de classes. A questao social, nessa perspectiva, e
expressao das contradicoes inerentes ao capitalismo que, ao constituir 0 trabalho vivo
como unica fonte de valor, e, ao mesmo tempo, reduzi-lo progressivamente em decorrencia
da elevacao da cornposicao organica do capital - 0 que implica num predomfnio do trabalho
morto (capital constante) sobre 0 trabalho vivo (capital variavel] - promove a expansao do
exercito industrial de reserva (ou superpopulacao relativa) em larga escala.
o estudo de David Harvey (1993) ace rca das expressfies dessas tendencias
constitutivas do modo de producao no capitalismo contemporaneo e repleto de indicacfies
acerca da potencializacao da constituicao de uma superpopulacao relativa sobrante, com 0
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