Beira 100

6
Dilermando Gadelha e Rosyane Rodrigues S ão mais de 4.000 cursos de pós-graduação por todo o Brasil, entre mestrados, doutorados e mestrados profissionais. O País já é o 14º do mundo em relação à produção científica. Qual a contribuição da região amazônica para esse cenário? A resposta é sintomática: apenas 5% desses cursos estão na região. De acordo com a Avaliação Trienal da pós- graduação brasileira, realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no último triênio, os cursos de educação superior continuada cresceram cerca de 30% na Re- gião Norte. Entretanto os especialistas afirmam que esse crescimento precisa ser ainda maior para que o Brasil consiga desenvolver, de maneira equilibrada, as suas diversas regiões. Esse foi um dos temas debatidos pelos participantes do XXVII Encontro Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação. Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, o professor Lívio Amaral, coordenador de Avaliação da Capes, con- versou sobre o desafio de diminuir as assimetrias do desenvolvimento científico. 12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011 Pós-Graduação cresce na Região Norte Para diminuir as assimetrias, o crescimento precisa ser mais acelerado Entrevista Nem trá f ico, nem prostituição ISSN 1982-5994 JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXVI • N. 100 • DEzEmbRO, 2011 Projeto investiga consumo de drogas entre adolescentes Levantamento é coordenado por equipe multidisciplinar formada por professores dos campi de Bragança, Breves e do Instituto de Ciências Bio- lógicas (ICB) do Campus do Guamá. Págs. 6 e 7 Santarém Religião Saúde Agricultura urbana é fonte de renda. Pág. 8 Esmolação e marujada em Bragança. Pág. 9 Cada escola recebe um kit para auxiliar as discussões sobre o assunto Oswaldo Coimbra traz memórias da primeira Escola de Engenharia do Pará. Pág. 2 Opinião Entrevista O reitor Carlos Maneschy fala sobre as realizações de 2011 na UFPA. Pág. 2 O professor Lívio Amaral diz que é preciso acelerar o crescimento da pós-graduação. Pág. 12 Coluna da Reitoria A migração internacional de mulheres é um fenômeno que cresce na Amazônia. De acordo com a pesquisa realizada por Marcel Hazeu no Programa de Pós-Graduação do Núcleo de Altos Es- tudos Amazônicos (NAEA), é cada vez maior o número de migrantes nas periferias de Belém, nem todas são vítimas do tráfico, nem saem para exercer a prostituição. São mulheres jovens, que tomam a decisão de deixar o país diante de um momento díficil: divórcio, maternidade, desemprego, por exemplo. Entre as 27 famílias que participaram da pesquisa, foi possível verificar que há uma 'pioneira', a qual traça o trajeto e cria a rede de apoio para as 'seguidoras'.Pág. 11 Pesquisa identificou dois fluxos migratórios mais marcantes: um deles leva ao Suriname e o outro, à Europa Flores e hortaliças são cultivadas KAROL KHALED ACERVO DO PESQUISADOR ACERVO DO PESQUISADOR FOTOS KAROL KHALED Beira do Rio – O Brasil já consegue formar o número de mestres e doutores necessário para o desenvolvimento do país? Lívio Amaral – Não. A cada ano, nós estamos formando 12 mil doutores e 40 mil mestres. É um número considerável, entretanto muito aquém daquilo que o Brasil deveria ter. Alguns estudos mostram que o Brasil tem 1,4 doutores para cada mil habitantes; Portugal, quatro; o Canadá, quase oito; os EUA , 20, a Alemanha, 23 doutores por mil habitantes, e a Suécia, 30 doutores. Portanto, nós temos um número ínfimo. Para que o Brasil seja tão desenvolvido quanto os outros, precisa- ríamos multiplicar o número de doutores por 15 ou 20, assim, teríamos uma realidade compará- vel com essas outras. O novo Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020 traz um capítulo sobre quais as perspectivas e projeções de formação de doutores e mestres no Brasil nesse período, além de uma série de propostas dizendo que se o Brasil conseguisse aumentar em X o número de profes- sores, de recursos e de bolsas de pós-graduação poderia se aproximar de Portugal em 2015. Em outro cenário, com investimentos Y, poderíamos chegar ao patamar do Canadá. Nós esperamos alcançar uma situação sensivelmente melhor para o Brasil nesse período. Beira do Rio – Qual a situação da pós-gradu- ação no Brasil, hoje? Lívio Amaral – A pós-graduação, naquilo que nós chamamos de Sistema Nacional de Pós- Graduação (SNPG), é o conjunto de cursos que submeteram uma proposta para aprovação da Capes. Caso a proposta esteja adequada, ela será uma pós-graduação recomendada pela Capes e receberá uma nota, que varia de três a sete. Atualmente, o Sistema tem 4.700 cursos de pós- graduação em todas as regiões do País. Esses cursos são reavaliados a cada três anos – isso se chama Avaliação Trienal – e a nota com a qual ele entrou no Sistema poderá aumentar ou diminuir. Se no processo da avaliação trienal a nota for um ou dois, o curso será desativado, não poderá emitir diplomas e aceitar novos alunos. A nota três é o mínimo para que o curso seja considerado bom, nesse caso, ele cumpriu todas as exigências de qualidade necessárias para um curso de pós-graduação. Beira do Rio – Essa avaliação é comum para todos os programas de pós-graduação do Brasil? Lívio Amaral – Nesse momento, durante quatro semanas, todas as áreas do conhecimento – são 48, de acordo com o atual recorte feito pela Ca- pes – foram acompanhadas. A avaliação é feita com uma ficha comum para todos os programas de todas as instituições cadastradas no Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG). Essa ficha de inscrição examina como estão a estrutura cur- ricular, as disciplinas realizadas nos últimos três anos, avalia a produção científica do programa e a sua participação naquilo que chamamos inserção social. Beira do Rio – Qual o quadro da pós-graduação na Região Norte? Lívio Amaral – Quando olhamos o Brasil e per- guntamos: onde está o maior número de cursos de pós-graduação? Onde a pós-graduação está mais consolidada? As respostas nos levam às Regiões Sudeste, Sul e Nordeste, nessa ordem. Os menores números estão no Centro Oeste e no Norte, agora isso não é diferente dos demais indicadores so- cioeconômicos quando se trata do Brasil: Índice de Desenvolvimento Humano, renda per capita, PIB social, são todos diferentes entre as regiões. Portanto, a Região Norte tem um menor número de cursos de pós-graduação, e os que existem são muito mais recentes, quando comparados com os de outras regiões. É desigual, mas, nos últimos anos, algumas políticas e ações estão tentando estimular os cursos no Norte. Na avaliação trienal de 2010, o número de cursos de pós-graduação cresceu na Região Norte com um fator dois em re- lação ao Sudeste. É possível afirmar que as ações e editais do tipo Procad, Procad Casadinho, Min- ters e Dinters, Programa Bolsa Para Todos foram políticas que obtiveram êxito. Os objetivos foram alcançados, ou seja, crescemos mais no Norte do que nas outras regiões. No entanto, o número de cursos ainda é menor do que o de outras regiões. Por isso daremos continuidade a essas ações, talvez com um ritmo mais acelerado. Beira do Rio – Um dos temas debatidos no Encontro Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (ENPROP) é a internaciona- lização da pós-graduação. Qual a importância de internacionalizarmos os cursos? Lívio Amaral – Trata-se da própria natureza do conhecimento, que pode surgir em qualquer país, em qualquer região. A pós-graduação trabalha para formar pessoas que vão produzir o conheci- mento, isso feito, aquilo que foi produzido precisa ser contado e levado para o mundo. A internacio- nalização é necessária para agregar conhecimen- tos e trazer para o Brasil pessoas de excelente formação e lideranças científicas. Muitos países, em determinados momentos, fizeram políticas no sentido de tentar trazer grandes cientistas para seu território. Tipicamente, os Estados Unidos, por exemplo, fizeram uma política forte e consistente no pós-guerra, muitos dos grandes pensadores que estavam na Europa vieram para os EUA, ajudaram a avançar e a produzir conhecimento.

description

Beira do Rio edição 100

Transcript of Beira 100

Page 1: Beira 100

Dilermando Gadelha e Rosyane Rodrigues

São mais de 4.000 cursos de pós-graduação por todo o Brasil, entre mestrados, doutorados e mestrados profissionais. O País já é o 14º do

mundo em relação à produção científica. Qual a contribuição da região amazônica para esse cenário? A resposta é sintomática: apenas 5% desses cursos estão na região.

De acordo com a Avaliação Trienal da pós-graduação brasileira, realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no último triênio, os cursos de educação superior continuada cresceram cerca de 30% na Re-gião Norte. Entretanto os especialistas afirmam que esse crescimento precisa ser ainda maior para que o Brasil consiga desenvolver, de maneira equilibrada, as suas diversas regiões.

Esse foi um dos temas debatidos pelos participantes do XXVII Encontro Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação. Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, o professor Lívio Amaral, coordenador de Avaliação da Capes, con-versou sobre o desafio de diminuir as assimetrias do desenvolvimento científico.

12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011

Pós-Graduação cresce na Região Norte Para diminuir as assimetrias, o crescimento precisa ser mais acelerado

Entrevista

Nem tráfico, nem prostituição

issn

198

2-59

94

JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXVI • N. 100 • DEzEmbRO, 2011

Projeto investiga consumo de drogas entre adolescentes

Levantamento é coordenado por equipe multidisciplinar formada por professores dos campi de Bragança,

Breves e do Instituto de Ciências Bio-lógicas (ICB) do Campus do Guamá. Págs. 6 e 7

Santarém Religião Saúde

Agricultura urbana é fonte de renda.

Pág. 8

Esmolação e marujada em Bragança.

Pág. 9

Cada escola recebe um kit para auxiliar as discussões sobre o assunto

Oswaldo Coimbra traz memórias da primeira Escola de

Engenharia do Pará. Pág. 2

Opinião

Entrevista

O reitor Carlos Maneschy fala sobre as realizações de 2011 na

UFPA. Pág. 2

O professor Lívio Amaral diz que é preciso acelerar o

crescimento da pós-graduação. Pág. 12

Coluna da Reitoria

A migração internacional de mulheres é um fenômeno que cresce na Amazônia. De acordo com a pesquisa realizada por Marcel Hazeu no Programa de Pós-Graduação do Núcleo de Altos Es-

tudos Amazônicos (NAEA), é cada vez maior o número de migrantes nas periferias de Belém, nem todas são vítimas do tráfico, nem saem

para exercer a prostituição. São mulheres jovens, que tomam a decisão de deixar o país diante de um momento díficil: divórcio, maternidade, desemprego, por exemplo. Entre as 27 famílias que participaram da pesquisa, foi possível verificar que há uma 'pioneira', a qual traça o trajeto e cria a rede de apoio para as 'seguidoras'.Pág. 11

Pesquisa identificou dois fluxos migratórios mais marcantes: um deles leva ao Suriname e o outro, à Europa

Flores e hortaliças são cultivadas

Karo

l Kh

ale

d

acer

vo d

o P

esq

uis

ad

or

acer

vo d

o P

esq

uis

ad

or

Foto

s Ka

rol

Kha

led

Beira do Rio – O Brasil já consegue formar o número de mestres e doutores necessário para o desenvolvimento do país?Lívio Amaral – Não. A cada ano, nós estamos formando 12 mil doutores e 40 mil mestres. É um número considerável, entretanto muito aquém daquilo que o Brasil deveria ter. Alguns estudos mostram que o Brasil tem 1,4 doutores para cada mil habitantes; Portugal, quatro; o Canadá, quase oito; os EUA , 20, a Alemanha, 23 doutores por mil habitantes, e a Suécia, 30 doutores. Portanto, nós temos um número ínfimo. Para que o Brasil seja tão desenvolvido quanto os outros, precisa-ríamos multiplicar o número de doutores por 15 ou 20, assim, teríamos uma realidade compará-vel com essas outras. O novo Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020 traz um capítulo sobre quais as perspectivas e projeções de formação de doutores e mestres no Brasil nesse período, além de uma série de propostas dizendo que se o Brasil conseguisse aumentar em X o número de profes-

sores, de recursos e de bolsas de pós-graduação poderia se aproximar de Portugal em 2015. Em outro cenário, com investimentos Y, poderíamos chegar ao patamar do Canadá. Nós esperamos alcançar uma situação sensivelmente melhor para o Brasil nesse período.

Beira do Rio – Qual a situação da pós-gradu-ação no Brasil, hoje?Lívio Amaral – A pós-graduação, naquilo que nós chamamos de Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), é o conjunto de cursos que submeteram uma proposta para aprovação da Capes. Caso a proposta esteja adequada, ela será uma pós-graduação recomendada pela Capes e receberá uma nota, que varia de três a sete. Atualmente, o Sistema tem 4.700 cursos de pós-graduação em todas as regiões do País. Esses cursos são reavaliados a cada três anos – isso se chama Avaliação Trienal – e a nota com a qual ele entrou no Sistema poderá aumentar ou diminuir. Se no processo da avaliação trienal a nota for um ou dois, o curso será desativado, não poderá emitir diplomas e aceitar novos alunos. A nota três é o mínimo para que o curso seja considerado bom, nesse caso, ele cumpriu todas as exigências de qualidade necessárias para um curso de pós-graduação.

Beira do Rio – Essa avaliação é comum para todos os programas de pós-graduação do Brasil?Lívio Amaral – Nesse momento, durante quatro semanas, todas as áreas do conhecimento – são 48, de acordo com o atual recorte feito pela Ca-pes – foram acompanhadas. A avaliação é feita com uma ficha comum para todos os programas de todas as instituições cadastradas no Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG). Essa ficha de inscrição examina como estão a estrutura cur-ricular, as disciplinas realizadas nos últimos três anos, avalia a produção científica do programa e a sua participação naquilo que chamamos inserção social.

Beira do Rio – Qual o quadro da pós-graduação na Região Norte? Lívio Amaral – Quando olhamos o Brasil e per-

guntamos: onde está o maior número de cursos de pós-graduação? Onde a pós-graduação está mais consolidada? As respostas nos levam às Regiões Sudeste, Sul e Nordeste, nessa ordem. Os menores números estão no Centro Oeste e no Norte, agora isso não é diferente dos demais indicadores so-cioeconômicos quando se trata do Brasil: Índice de Desenvolvimento Humano, renda per capita, PIB social, são todos diferentes entre as regiões. Portanto, a Região Norte tem um menor número de cursos de pós-graduação, e os que existem são muito mais recentes, quando comparados com os de outras regiões. É desigual, mas, nos últimos anos, algumas políticas e ações estão tentando estimular os cursos no Norte. Na avaliação trienal de 2010, o número de cursos de pós-graduação cresceu na Região Norte com um fator dois em re-lação ao Sudeste. É possível afirmar que as ações e editais do tipo Procad, Procad Casadinho, Min-ters e Dinters, Programa Bolsa Para Todos foram políticas que obtiveram êxito. Os objetivos foram alcançados, ou seja, crescemos mais no Norte do que nas outras regiões. No entanto, o número de cursos ainda é menor do que o de outras regiões. Por isso daremos continuidade a essas ações, talvez com um ritmo mais acelerado.

Beira do Rio – Um dos temas debatidos no Encontro Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (ENPROP) é a internaciona-lização da pós-graduação. Qual a importância de internacionalizarmos os cursos?Lívio Amaral – Trata-se da própria natureza do conhecimento, que pode surgir em qualquer país, em qualquer região. A pós-graduação trabalha para formar pessoas que vão produzir o conheci-mento, isso feito, aquilo que foi produzido precisa ser contado e levado para o mundo. A internacio-nalização é necessária para agregar conhecimen-tos e trazer para o Brasil pessoas de excelente formação e lideranças científicas. Muitos países, em determinados momentos, fizeram políticas no sentido de tentar trazer grandes cientistas para seu território. Tipicamente, os Estados Unidos, por exemplo, fizeram uma política forte e consistente no pós-guerra, muitos dos grandes pensadores que estavam na Europa vieram para os EUA, ajudaram a avançar e a produzir conhecimento.

Page 2: Beira 100

Oswaldo Coimbra [email protected]

Coluna da REITORIA

OPINIÃO

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011 – 11

Idas e voltas de mulheres da Amazônia Migração internacional é uma realidade comum nas periferias de Belém

O ano se encerra com a certeza de que os muitos avanços al-cançados na UFPA, em 2011,

resultaram da combinação do com-promisso institucional com o talento profissional de todos os que, no dia a dia, moldam o caminho por onde a Universidade consolida a imagem de patrimônio humano de maior valor regional.

Entre as inúmeras conquistas registradas neste ano, um primeiro destaque deve ser dado ao enorme investimento na infraestrutura física e em equipamentos para todos os nossos campi, com maior proporção de recur-sos destinada às unidades do interior, como forma de consolidar o conceito de universidade multicampi.

Atualmente, são 62 obras sen-do executadas, com mais de 40000 m² em construção, ao custo acima de 60 milhões. No que diz respeito aos recursos destinados à melhoria das condições nos diferentes laboratórios da Instituição, foram despendidos em torno de 10 milhões em equipamen-tos, com maior prevalência aos de informática, para que as atividades

de ensino de graduação pudessem ser ofertadas e exercidas com maior competência.

No que concerne ao desempe-nho das atividades de graduação na Universidade, ressalte-se a melhoria expressa nas avaliações recentemente realizadas pelo INEP, as quais indi-caram um salto qualitativo médio no conceito geral dos cursos, com destaque para o resgate do curso de Medicina, que estava com a sua ma-nutenção ameaçada pelo resultado da última avaliação trienal.

A capacitação e a qualificação de servidores entraram, neste ano. em uma dimensão de atendimento sem precedente na UFPA. Hoje, quase 200 servidores (em torno de 100 técnicos e 100 docentes) estão inscritos em nossos programas de mestrado e dou-torado, números alcançados em de-corrência de uma política de estímulo àqueles programas que viabilizaram essa participação, sem, evidentemen-te, descuidar dos exigidos aspectos de mérito. É necessário também mencio-nar o lançamento da primeira oferta do curso de Graduação em Gestão

Pública para técnico-administrativos, ocorrido no mês passado e contando com a participação de 40 servidores da Instituição. Nos cursos de capacita-ção de curta duração, foram atendidos mais de 2000 servidores, num total que, nos últimos dois anos, já ultra-passou a marca de 6000.

Os indicadores referentes à assistência estudantil registraram um aumento bastante significativo nos apoios financeiros concedidos aos es-tudantes sob diferentes modalidades. Considerando Bolsas de Iniciação Científica, Moradia, de Extensão e de Trabalho, foram mais de 3400 discentes assistidos neste ano, mais do que o dobro do número verificado em 2009. A oferta diária de refeições no Restaurante Universitário atende 4200 pessoas, um aumento bastante expressivo quando comparada a de-manda hoje atendida àquela do início da atual gestão (1500). Mais de 20 mi-lhões foram empenhados nas diversas ações relativas à assistência estudan-til, o que representa um percentual bem maior do que os 12% da verba de custeio da Instituição (70 milhões

em 2011) que devem ser anualmente aplicados nessas ações.

Nas atividades de pós-gradu-ação, é importante destacar o início, neste ano, de 13 novos cursos (5 dou-torados e 8 mestrados). Um mestrado em Bragança e outro, a começar em 2012, em Marabá consolidam o esfor-ço institucional de expandir a oferta de programas de pós-graduação fora da capital.

Por último, cabe um destaque às atividades que a UFPA realizou envol-vendo cooperação com universidades estrangeiras, mais especificamente às que permitiram a participação de es-tudantes em experiências acadêmicas fora do país. Numa iniciativa pioneira, aproximadamente 100 alunos de todas as áreas tiveram ou estão tendo uma oportunidade extremamente enrique-cedora para suas formações.

Em resumo, 2011 foi um ano de muitas realizações, a projetar expecta-tivas de que muitas outras conquistas serão alcançadas no novo ano que se inicia. Com essa crença, desejo a todos Feliz Natal e um ano de 2012 cheio de venturas e paz.

As realizações de 2011 na UFPA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011

Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/[email protected] - www.ufpa.br

Tel. (91) 3201-8036

cio

Fer

reir

aa

lexa

nd

re M

ora

es

A sigla EEP, correspondente ao nome da Escola de Engenharia do Pará, perdeu-se quando,

nos anos de 1970, a instituição se transferiu para o Campus do Gua-má, em Belém. Mais de uma década antes, ela havia se fundido a outras poucas unidades superiores isoladas de ensino existentes no Pará, como a Faculdade de Direito, para dar origem à UFPA. Porém, enquanto funcionou na Rua Campos Sales, ao lado do Arquivo Público, a EEP se manteve como sigla forte, expressiva no cená-rio político-educacional do Estado.

A escola, na verdade, nunca foi extinta. Ao contrário, expandiu--se e diversificou-se. Do seu curso de Engenharia Civil, saíram os de Engenharia Elétrica e Engenharia Mecânica, gerando um conjunto de faculdades que compuseram o Centro Tecnológico, transformado, por sua vez, depois, no pujante Instituto de Tecnologia da UFPA.

De certo modo, o Instituto, com suas nove faculdades, é, atual-mente, a Universidade Tecnológica da Amazônia com a qual sonharam

os alunos da EEP no pior instante da sua história, vivido um mês antes da incorporação da Escola à Universida-de, em meados de 1957. A EEP, então, completava 26 anos de funcionamen-to e estava abandonada pelo governo do Estado, ao qual era subordinada. Seus alunos construíram uma parede na porta de entrada de seu prédio como protesto contra um professor acusado de despreparo. Naquelas circunstâncias, o professor atraíra para si toda a frustração que os alunos sentiam com a precariedade do estado físico da Escola e com o acúmulo de problemas pedagógicos.

O ensino aprimorado de En-genharia que eles queriam incluía seleção imparcial de candidatos nos vestibulares, contratação de pro-fessores por concurso, ampliação e melhoria de laboratórios, regimento interno, além de outros procedimen-tos e medidas implantados depois no ensino público superior do País. Hoje, apenas pesquisadores têm acesso aos registros mais implacáveis das deficiências da EEP, naquele perío-do atormentado. Curiosamente, os

registros foram feitos por alunos que não quiseram sair da Escola depois de formados. Tornaram-se professores. Numa demonstração de que, embora insatisfeitos, eles sentiam profunda identificação com a EEP. Foi exa-tamente esta identificação amorosa/crítica a marca que acompanhou a maioria dos alunos da Escola vida afora.

Quando Judah Levy falava de seus professores e colegas, quase sessenta anos depois de formado, mostrava que nunca os esquecera. A pouca voz - afetada por um derrame cerebral- deste engenheiro iniciador da verticalização de Belém, nos anos de 1940, era suficiente para exterio-rizar lembranças detalhadas das aulas na EEP. Como Judah, muitos outros profissionais ilustres incluíram a EEP em suas biografias, dando-lhe desta-que. Gente como Francisco Bolonha, Fernando Guilhon, José Maria Bassa-lo, Lutfala Bittar, Feliciano Seixas, Camilo Porto de Oliveira, Augusto Meira Filho, Angenor Porto Penna de Carvalho, José Maria Azevedo Barbosa, João Maria de Lima Paes,

entre muitos outros. Ainda hoje, a EEP continua

presente no âmbito do ensino e da prática da Engenharia no Pará, qua-tro décadas depois do seu desapare-cimento. Alunos da última fase da escola estão na Reitoria e na direção da Faculdade de Engenharia Civil da UFPA e, ainda, na presidência do CREA-PA.

Pesquisar a origem dos funda-dores desta Escola se constituiu numa grande satisfação profissional jorna-lística, proporcionada pelo Grupo de Memória da Engenharia e Atividades Interdisciplinares. Com a publicação da pesquisa no livro Crônicas dos jovens de 1886, esperamos colaborar para a valorização da documentação escolar dos alunos da EEP, felizmente preservada no ITEC. Afinal, nela se encerra, também, parte relevante do passado da UFPA.

Oswaldo Coimbra jornalista e co-ordenador do Grupo de Memória da Engenharia e de Atividades Interdis-ciplinares da Faculdade de Engenha-ria Civil do ITEC/UFPA.

A primeira Escola de Engenharia do Pará

kkkMigração

Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Prefeito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional Coordenação Luiz Cezar S. dos Santos; JORNAL BEIRA DO RIO Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Anne Beatriz Costa/Dilermando Gadelha/Ericka Pinto(1.266-DRT/PA) Flávio Meireles/Glauce Monteiro (1.869-DRT/PA)/Igor de Souza/Jéssica Souza(1.807-DRT/PA)/Paulo Henrique Gadelha/Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE)/Vito Ramon Gemaque; Fotografia: Alexandre Moraes/Karol Khaled; Secretaria: Silvana Vilhena/Débora Menezes; Beira On-Line: Leandro Machado/Diogo Adriel; Revisão: Júlia Lopes/Cintia Magalhães; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA; Tiragem: 4 mil exemplares.

Para o pesquisador, um dos principais ganhos da migração é a visão crítica da realidade. "Nenhuma das mulheres tem uma imagem romântica do Suriname ou da Europa. Elas voltam e re-avaliam sua realidade com uma visão mais crítica e este é um dos principais ganhos da migração: a releitura do mundo, do ser mu-lher e de sua própria vida". Um aspecto negativo é o preconceito, dentro e fora do Brasil.

"Elas são sempre as ou-tras. Lá fora, são as migrantes, as estrangeiras. No Brasil, ao retornarem, carregam o estigma da prostituição, mesmo quando não foram prostitutas ou per-maneceram pouco tempo na prostituição. Nenhuma diz aber-tamente ou com orgulho: eu fui para a Holanda, por exemplo. O casamento aparece como um sistema de proteção que as torna 'respeitáveis', é uma estratégia para se revalorizar na periferia, embora a acusação da prostitui-ção permaneça de forma velada", avalia Marcel Hazeu.

O preconceito torna difícil a interação dessas mulheres. "Ao longo da pesquisa e do mapea-mento das redes, umas indicavam outras, mas não interagiam entre si. Vi casos em que as duas pes-soas se conheciam, mas nunca conversaram sobre o assunto", lembra o pesquisador.

Um dos conceitos investi-gados durante a pesquisa foi a re-territorialização. "Esse conceito está relacionado a questões como 'a que lugar eu pertenço'? E isso significa que uma pessoa pode possuir algum domínio sobre o lugar e que este significa algo para ela. Mas no sentido políti-co, também se relaciona com a possibilidade de influenciar este espaço. A migração, nestes casos, é um processo sempre paralelo ao da marginalização", explica o pesquisador.

Por um lado, a migração envolve a desterritorialização: são pessoas que saem, porque não sentem que fazem parte deste espaço. De outro, é um esforço para se reterritorializar, seja lá fora, fixando-se; seja ao retornar, na esperança de ser valorizada pelo acúmulo de dinheiro ou pela diferenciação em relação aos que não migraram.

"Por isso é valido incenti-var a formação de uma imagem mais plural da mulher migrante, associando a imagem de 'traba-lhadora' a essa mulher. É preciso reconhecer que a migração vai além da prostituição e do tráfico de pessoas e que é bem mais coti-diana e complexa do que sabemos até o momento", conclui.

Karo

l Kh

ale

d

Glauce Monteiro

Pela primeira vez, o Censo da população brasileira, reali-zado em 2010 pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), incluiu perguntas sobre a migração internacional, questionando não apenas os motivos de entrada e saída do País, mas também os desti-nos e o tempo de permanência. Quan-do as respostas forem divulgadas, saberemos mais sobre um fenômeno, até o momento, quase invisível na Amazônia: a migração internacional de mulheres.

Ainda hoje, não se sabe ao certo quem elas são, para onde vão e a importância do que elas fazem, mas o fenômeno da migração internacio-nal de mulheres na Amazônia chama atenção pela sua dupla invisibilidade. Segundo Marcel Hazeu, aluno de dou-torado do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) da Universidade Federal do Pará (UFPA), de um lado, as pesquisas nacionais sobre migração retratam a Amazônia de forma homo-gênea. Por outro lado, as pesquisas sobre migração na Amazônia ainda não estabelecem diferenciação entre a migração masculina e a feminina, e aquelas que incluem as mulheres,

Conhecer alguém no país estrangeiro é garantia de entrada

Perfil é de jovens que vivem momento de crise �Entre os anos de 2009 e

2011, Marcel Hazeu entrevistou 27 famílias com mulheres migrantes. Em cada uma, ele identificou uma "pioneira" e suas "seguidoras". "Nos anos seguintes, irmãs, sobrinhas, primas, cunhadas seguem essa pri-meira mulher. Na pesquisa, foram identificadas 54 mulheres migrantes e dois fluxos migratórios mais mar-cantes", revela. O primeiro dirige-se ao Suriname e a alguns países localizados ao norte da América do Sul. O segundo destina-se a países europeus.

O perfil dessas mulheres é parecido. "São jovens que estão pas-sando por um momento marcante: divórcio, maternidade, desemprego

ou estão repensando e reavaliando suas vidas. O destino não é exata-mente 'escolhido'. Ele está relacio-nado mais ao contato ou à pessoa que permite ou motiva a migração do que às características do lugar. Muitas vezes, essas mulheres não sabem nada sobre o lugar para onde estão indo", diz o pesquisador.

A migração acontece sempre em redes. "Ou se conhece alguém que está lá, ou alguém que está indo. Esta é a única segurança e a garantia de entrada no país estrangeiro. Se, no aeroporto, a migrante tiver al-guém esperando por ela, a migração fica mais fácil e tem mais chances de se consolidar. Mesmo o tráfico de pessoas e a migração ligada à

prostituição acontecem em redes", explica Marcel Hazeu.

Das 27 pioneiras, 11 foram para o Suriname, local com maior atração, as outras 16 foram para países europeus. Mas o lugar em que as entrevistadas viviam antes de voltar para o Brasil nem sempre é o mesmo do destino inicial. Assim, embora, no início, onze tenham migrado para o Suriname, apenas oito delas voltaram diretamente de lá. As demais seguiram para outros lugares. "Quando a segunda mulher migra, ela vai 'atrás' da primeira. A seguidora traça o mesmo trajeto ou parte dele, justamente pela segurança que as redes representam", compara Marcel Hazeu.

Europa: casamento é estratégia para permanecer �Segundo Marcel Hazeu, a

permanência é uma das principais diferenciações entre as mulheres que migram para a América do Sul ou para a Europa, "a maioria das mulheres que vai para o Suriname volta. Já a maioria que vai para a Europa per-manece. No Suriname, as atividades estão muito ligadas ao garimpo e são naturalmente temporárias". Entre as 11 pioneiras que foram para o Suri-name, apenas uma continua no país. Enquanto das 16 que migraram para a Europa, apenas três retornaram para o Brasil.

As leis de migração também têm um papel decisivo. "No Surina-me, vários aspectos, como a relação mais próxima com o Brasil, a fluidez

maior na fronteira, a não perseguição dos migrantes e a maior possibilidade de conseguir autorização de trabalho, favorecem a migração, diferente do que ocorre na Europa", diz.

As rígidas leis de migração na Europa tornam o casamento uma das principais alternativas para perma-nência. O que está relacionado a uma questão de gênero e ao imaginário. Se muitas mulheres migram com a ideia de casar com europeus, também "é forte na Europa a ideia de que mulhe-res latinas são boas para casar", revela o pesquisador.

Entre as mulheres que conse-guiram permanecer na Europa, todas casaram. "Algumas por amor, outras por conveniência. Alguns relaciona-

mentos acabaram em divórcio, mas outros deram certo mesmo tendo se desenvolvido dentro desta lógica de casar para não voltar para o Brasil. E as redes também atuam para apresen-tar potenciais esposas e maridos". O pesquisador relata a situação de um casal que iniciou a relação porque ambos estavam sozinhos, mas asse-guram que, nove anos depois, estão apaixonados, "eles dizem que o amor também se constrói".

As mulheres que migraram para o Suriname também começam a estabelecer relações mais duradouras naquele país, mas esses relaciona-mentos acontecem no interior da comunidade brasileira migrante, com pouca interação com surinameses.

referem-se apenas ao tráfico interna-cional de pessoas.

Em sua dissertação de mestra-do, orientada pela professora Marília Emmi, o pesquisador analisou a migração de mulheres em periferias de Belém. "As mulheres que migram não são todas vítimas de tráfico, nem saem especificamente para exercer a prostituição. A realidade dessas idas

e vindas internacionais é mais com-plexa e envolve a mulher que migra, mas também toda a sua família e a sua comunidade. A migração é algo maior e presente no dia a dia dos bairros periféricos". A pesquisa observou trajetórias, destinos, causas e conse-quências desta migração para quem migra e para as famílias que perma-necem nas periferias da cidade.

Preconceito está �sempre presente

Carlos Maneschy [email protected]

Page 3: Beira 100

10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011 – 3

De ribeirinhos a quilombolas Estudo analisa construção de identidade em Caldeirão, no Marajó

Tratamento é bem-sucedido no ParáFatores para abandono e interrupção não são significantes

EtnicidadeHIV-AIDS

acer

vo d

o P

esq

uis

ad

or

Ericka Pinto

O Pará é o Estado que concen-tra o maior número de terras quilombolas tituladas. Foi

pioneiro no processo de consolida-ção dos direitos dessas comunidades em todo o Brasil. Os desafios ainda persistem, principalmente, o de con-solidação de identidade étnica para o reconhecimento do direito à titu-lação das terras de "remanescentes" de Quilombos em algumas regiões do Estado, como na comunidade de Caldeirão, localizada no município de Salvaterra, na Ilha do Marajó.

O assunto tornou-se objeto de pesquisa do Projeto de Iniciação Científica De Ribeirinho a Quilom-bola: Processos de Construção de Identidade Social no Marajó, do alu-no Edson Nascimento Cruz, do curso de Ciências Sociais, com ênfase em Sociologia, da Universidade Federal do Pará. O estudo foi realizado no período de agosto de 2010 a julho de 2011 e buscou investigar quais fatores impulsionaram os sujeitos da comunidade de Caldeirão a se autodefinirem como quilombolas e quais as perspectivas sociopolíticas vislumbradas pelo grupo diante dessa mudança.

O trabalho teve a orientação do professor Luis Fernando Cardoso

e faz parte do Projeto de Pesquisa intitulado Os Sentidos de (In)Justiça nas Associações de Comunidades Remanescentes de Quilombos da Ilha do Marajó – PA, vinculado ao Insti-tuto de Filosofia e Ciências Humanas

(IFCH/UFPA) . "A pesquisa não tem pretensão de contribuir diretamente com a formação da identidade dos grupos quilombolas do Marajó, mas de entender o processo de formação e organização política desses grupos. A

pesquisa quer saber como os grupos, que até pouco tempo se autodefiniam sobre outras bases, hoje, passam a construir uma história ligada à situ-ação de escravos de seus antepassa-dos", afirma Luis Cardoso.

Localidade é a mais populosa de Salvaterra e a mais próxima das principais cidades daquela região do Marajó

Comunidade dividida entre os de dentro e os de fora �Edson Nascimento identificou

dois grupos que compõem a comu-nidade de Caldeirão: os que se auto-definem como de dentro e os de fora. O primeiro é formado por pessoas originárias da própria comunidade, ou seja, por moradores mais antigos, bem como por seus filhos e netos. "A relação entre eles é mais específica, pela qual as crenças, a cultura e a forma de viver eram passadas aos mais novos. Quan-do estes chegavam à idade adulta e se casavam, o chefe da família já separava um pedaço de sua propriedade para que, ali, eles constituíssem seus novos lares", explica.

O segundo grupo surge com a

chegada dos indivíduos que compraram terras na comunidade. Estes indivíduos não possuem laço de parentesco ou histórico com o lugar. "Muitos mora-dores passaram a vender para pessoas de fora da comunidade os lotes de terra que recebiam de seus pais. Esse acontecimento fortaleceu o fluxo de entrada de novos moradores no local, dando origem ao grupo dos de fora", observou o estudante.

De acordo com Edson Nasci-mento Cruz, este grupo não possuía vínculo com Caldeirão, sobretudo o de consanguinidade, o que acabou "esfriando" a luta da comunidade. "A maneira como estes novos personagens

compreendem a realidade da comuni-dade, de certa forma, atenta contra a manutenção dos traços identitários do local e, portanto, afetam sua organiza-ção política", analisa.

O estudo apontou que, entre 1990 e 2007, ocorreu a consolidação dessa nova identidade étnica e a trans-formação social do grupo. "Consegui-mos encontrar, nessa trajetória, situa-ções de percalço, como a chegada dos de fora, cujas práticas atentam contra a etnicidade da comunidade, revelando que a identidade étnica de Caldeirão ainda está em processo de consolida-ção. Esse tipo de situação fragiliza a promissora perspectiva de conquistas

socioterritoriais em seu espaço social", concluiu o aluno.

Segundo o professor Luis Car-doso, o trabalho do aluno mostrou que os desafios são internos e externos ao grupo quilombola. Internamente, existem as várias forças conflitantes, principalmente as que são definidas entre os de dentro e os de fora. Exter-namente, estão as forças políticas locais que negam a existência das comunida-des quilombolas no Marajó. "Negar a existência de tais grupos é negar os seus direitos. Isso é uma forma de manter a situação de expropriação e humilhação a que esses grupos estão historicamente submetidos", afirma.

Censo da Nova Cartografia Social da Amazônia �A comunidade de Caldeirão

surgiu a partir da migração de famí-lias de outros locais do Marajó. Essas famílias saíram das comunidades de Mangueiras, Caçador, Valentin e San-ta Luzia. As primeiras a habitarem a comunidade foram as famílias Glória, Alcântara, Silva e Gonçalves. "Elas foram se organizando no território e criaram normas de convivência que permaneceram relativamente invio-ladas até a década de 1980, quando começa a aumentar o número de habitantes vindos de fora", relata Edson Cruz.

Caldeirão foi escolhida para a pesquisa por ser a comunidade mais populosa de Salvaterra. O censo bra-sileiro de 2010 registrou 920 pessoas

residindo nesta comunidade. Porém o dado populacional utilizado pelo pesquisador foi o da Nova Cartografia Social da Amazônia, de 2006, intitula-do "Quilombolas da Ilha do Marajó". O documento aponta que, em 2002, viviam cerca de 2.600 pessoas nas comunidades "remanescentes" de Quilombos em Salvaterra. Deste total, 24% moravam em Caldeirão, o que corresponde a 624 pessoas. A segun-da comunidade mais populosa é a de Mangueiras, com 442 moradores.

Edson Nascimento Cruz expli-ca que o processo de construção da identidade étnica de Caldeirão é refle-xo da movimentação pós-constituição de 1988. A primeira comunidade da região a buscar o reconhecimento

como remanescente de quilombo foi Mangueiras. A iniciativa estimulou as demais comunidades a seguirem o mesmo caminho.

Inicialmente, as articulações ocorriam entre lideranças e políticos com influência local. Mas o reconhe-cimento do direito à titulação territo-rial ocorreu de forma mais contunden-te a partir das articulações mantidas pela comunidade com o Centro de Estudo em Defesa do Negro no Pará (CEDENPA) e com pesquisadores vinculados à UFPA. “As articulações anteriores não deixaram de existir. Porém a discussão sobre etnicidade qualificou a atuação política das li-deranças da comunidade”, pontuou Edson Nascimento.

Africanos no Marajó

os africanos chegaram à ilha do Marajó no final do séc. xvii. na condição de escravos, eles exerciam trabalhos l igados à pecuária, agricultura e pesca. as condições de vida e de trabalho levaram muitos escravos a fugirem das fazendas. com isso, formaram-se comunidades em lugares distantes, os chamados quilombos, uma das maneiras de constituir espaços de liberdade e garantir a reprodução sociocultural. no século xxi, a titulação de terras tem sido a principal bandeira de luta dos descendentes dos quilombos. no Pará, o primeiro título coletivo de terras foi dado em 1995, no município de oriximiná.

De acordo com os resultados obtidos, não há nenhum fator de-terminante para o abandono do tra-tamento. "A interrupção do uso dos antirretrovirais, quando acontece, é muito curta. Nenhum fator é tão significante para que isso aconteça com frequência. Levando em consi-deração o número de entrevistados, pode-se dizer que, no Pará, o trata-mento é feito corretamente e tem bons resultados", avalia William Brito.

Apesar disso, o pesquisador lembra que é importante verificar em quais situações o medicamento é suspenso. Entre os entrevistados, o abandono do tratamento, quando aconteceu, foi devido aos efeitos colaterais, como náuseas, diarreia e dor de cabeça.

Os entrevistados reconheciam a utilidade da medicação para a constante melhora de seu estado de saúde. De modo geral, "o grupo era composto por pessoas que relataram

estar satisfeitas com o tratamento", reforça o estudante. William Brito destaca que o grupo declarou não ter deixado de tomar a medicação nas semanas anteriores à entrevista. Sobre os períodos em que deixaram de ingerir os antirretrovirais, os mo-tivos não eram especificados.

William Brito acredita que uma relação mais próxima entre pacientes e profissionais de saúde pode contribuir para que a inter-rupção do uso dos medicamentos

seja menos frequente, otimizando, assim, a eficácia do tratamento. "É fundamental que o paciente consi-ga construir com o profissional da saúde uma relação de confiança. Esse vínculo mais afetivo possibilita que os portadores do HIV se sintam à vontade para conversar com os médicos e enfermeiros, percebendo, com isso, que é possível ser feliz e ter qualidade de vida, mesmo con-vivendo com o vírus e a síndrome", finaliza.

ale

xan

dre

Mo

raesPaulo Henrique Gadelha

O Vírus da Imunodeficiência Humana 1 (HIV-1) e a Sín-drome da Imunodeficiência

Adquirida (AIDS) ainda representam um enigma para a área da saúde. Quem é portador do HIV sofre na-turalmente com a sua condição e, muitas vezes, com a discriminação da família e da sociedade. Em al-guns casos, os pacientes adotam o isolamento. Diante desta realidade, pouco se conhece sobre o modo de vida das pessoas que convivem com o vírus.

Para refletir sobre como vivem os portadores do HIV, enfocando a relação deles com a Terapia An-tirretroviral (TARV), o estudante William Botelho de Brito, do curso de Biomedicina do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal do Pará (UFPA), executou o plano de trabalho "Fatores associados a não adesão ao tratamento com antir-retroviral por indivíduos portadores de HIV atendidos em Belém, Pará, Brasil", sob orientação do professor Luiz Fernando Almeida Machado.

O estudo foi apresentado du-rante o XXII Seminário de Iniciação Científica da UFPA, realizado em se-tembro. O Plano de Trabalho integrou o Projeto de Pesquisa coordenado pelo professor Ricardo Ishak, Avaliação clínico-epidemiológica de fatores de natureza viral e de cunho infeccioso (coinfecções virais e bacterianas), os quais influenciam o curso da doença no indivíduo infectado pelo Vírus da Imunodeficiência Humana.

"Como o próprio título su-

Participantes da pesquisa são atendidos pela URE/DIPE, em Belém, onde recebem medicação e apoio psicológico

Entrevistados eram homens de 30 a 40 anos de idade �O estudo desenvolvido por

William Brito consistiu em entre-vistas com indivíduos portadores do HIV que faziam acompanhamento clínico-ambulatorial na Unidade de Referência Especializada em Doenças Infecciosas e Parasitárias Especiais (URE-DIPE)/Belém, por meio da aplicação de questionário epidemio-lógico, no período de fevereiro a setembro de 2010.

As questões perguntavam so-bre o histórico clínico do portador, bem como sobre o uso dos antirre-trovirais, medicamentos compostos

por um conjunto de drogas que visa conter a replicação do vírus HIV pelo corpo e é conhecido, popularmente, como coquetéis, e a relação destes com o infectado. "Com os antirretro-virais, a replicação do vírus declina e as células de defesa do organismo multiplicam-se, evitando que doenças oportunistas, como a toxoplasmose e a pneumonia, se instalem. Assim, a sobrevida desses portadores aumen-ta", explica o estudante.

Ao todo, 53 portadores do HIV-1 foram entrevistados. De acordo com William Brito, o perfil socioeco-

nômico e cultural do grupo era: ho-mens heterossexuais, com idade entre 30 e 40 anos, possuíam de um a três filhos, com parceiras não portadoras de HIV e renda familiar que variava entre um e dois salários mínimos.

Esses indivíduos não possuíam curso superior; a maioria era natural de Belém, mas alguns vinham do interior do Estado fazer o tratamento na capital. A maioria se declarou católico. Todos os participantes já haviam evoluído seu quadro clínico para a AIDS e estavam na URE-DIPE recebendo medicação e apoio

psicológico.Para verificar o uso e a relação

dos pacientes com os antirretrovi-rais, foram selecionados portadores que haviam iniciado e abandonado o tratamento algum tempo depois. "Portadores com esta característica eram os que teriam mais a dizer. Então, busquei descobrir os fato-res que levaram à interrupção do tratamento e o que esses pacientes pensavam sobre os medicamentos. Os resultados dariam o panorama desse tipo de tratamento no Pará, naquele momento", ressalta.

Não há fator significante para interrupção do tratamento �

gere, a proposta buscou identificar e avaliar os fatores que levam indi-víduos portadores do HIV, no Pará, a interromperem o tratamento com

antirretroviral, ou seja, quais as mo-tivações para o abandono do uso dos medicamentos", diz William Brito, ao explicar o objetivo do seu estudo.

"Além disso, busquei criar um perfil socioeconômico e cultural da popu-lação examinada", complementa o discente.

Page 4: Beira 100

4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011

Círio é tema para novo fazer educativo Professores da Escola de Aplicação associam festa à formação dos alunos

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011 – 9

As vozes da devoção em BragançaLivro analisa discursos sobre esmolação e marujada de São Benedito

ReligiãoEducação

acer

vo d

o P

esq

uis

ad

or

Leia a opinião dos alunos sobre o Círio de Nazaré

"O Círio emociona muita gente, emociona todos os tipos de pessoas: brancos, negros, gordos, baixinhos, crianças, jovens e idosos. O Círio é para todos. Defino o Círio como um poema de fé, amor, esperança, solidariedade e emoção..". Arthur brain, 10 anos, 4ª série do ensino fundamental, turma 404, ganhador do I Concurso de Redação do Círio da EAUFPA."Nossa Senhora de Nazaré é a padroeira dos paraenses. Durante a festividade arrumamos todas as ruas. No dia do Círio, também temos bonecos de miriti, barcos, canoas etc. Algumas pessoas são pagadoras de promessas. No dia do Círio, todas as pessoas pegam a corda do Círio e oram pelas suas famílias". Ayla Araújo, 10 anos, 4ª série do ensino fundamental, turma 402."O Círio é a maior demonstração de fé, devoção e amor que se pode encontrar reunida numa só festa, mostrando que nem tudo está perdido para o ser humano". Vitória Conceição, 10 anos, 4ª série do ensino fundamental, turma 402.

Karo

l Kh

ale

d

A coordenadora acredita que há muitas possibilidades de serem trabalhadas. "Realizar aulas-passeio em Icoaraci; ir ao Ver-o-Peso e observar os feirantes moendo as folhas de maniva. O grande e va-lioso retorno é a oportunidade de experimentar o novo com base no tradicional", complementa. Segundo Wanderleia Leitão, a ideia do Projeto nasceu durante a elaboração de sua tese intitulada "Miritibrincando, miritizando: ludicidade, educação e inclusão", defendida em 2006,

na Universidade de São Paulo. A proposta era usar os brinquedos de miriti como recursos pedagógicos inclusivos. "Concluída a pesquisa, verificamos que os brinquedos são capazes de promover a inclusão e demos continuidade ao trabalho na EAUFPA", relembra.

Assim, as atividades de ensino alusivas ao Círio foram sistema-tizadas por meio dos projetos de intervenção metodológica. "Hoje, é preciso repensar a nossa prática. Os procedimentos metodológicos

adotados nesses projetos exigem dos professores um novo fazer educati-vo. Imagine uma aula de Matemática que é concebida por brinquedos co-loridos, com movimentos graciosos que convidam a criança a pensar e imaginar um mundo melhor", instiga Wanderleia Leitão. "Não é nosso in-teresse trabalhar a temática do Círio pelo simples fato de se comemorar um evento, mas construir juntos qual o significado dessa Festa para a formação e a educação de nossos alunos", avalia a professora.

Jéssica souza

Comidas típicas, manifestações populares de teatro, música e dança, objetos que lembram

os ex-votos dos promesseiros, além dos variados e coloridos brinquedos de miriti. Esses são apenas alguns dos diversos elementos culturais que per-meiam o universo do Círio de Nossa Senhora Nazaré, em Belém do Pará, festa que possui mais de dois séculos de existência. De outubro em outubro, a quinzena em homenagem à Virgem gera grande expectativa entre paraen-ses e turistas. Imagine poder viver essa atmosfera mariana o ano inteiro!

Na Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará (EAU-FPA), isso é possível por meio do Pro-jeto "Educação e Cultura, o entrelaçar do Círio de Nazaré nas vivências da Escola de Aplicação", coordenado pelas professoras Wanderleia Lei-tão, Márcia Jares e Graça Bonfim. "O objetivo é desenvolver, com os estudantes da educação básica, prá-ticas educativas interdisciplinares, contempladas pelo pluralismo socio-cultural desencadeado pela expressão e significado marcante da quadra nazarena na cultura paraense", explica Wanderleia Leitão.

Apesar de a Escola de Aplica-ção comemorar o Círio há cerca de 20 anos, o Projeto foi colocado em prática em 2010, com o financiamento do Programa de Apoio a Projetos de Intervenção Metodológica (Papim), iniciativa da Diretoria de Projetos

Ações pedagógicas realizadas ao longo do ano foram concluídas com a realização da grande festa em outubro

da Pró-Reitoria de Ensino de Gra-duação da UFPA, que visa estimular metodologias de ensino inovadoras associadas a atividades de pesquisa e extensão entre docentes da educação básica, profissional e superior. Os projetos aprovados no Papim têm vigência de um ano.

Deste modo, após um ano de

vivências, os primeiros resultados do Projeto em questão estão sendo concluídos neste mês de dezembro. A expectativa é poder reeditá-lo para 2012, por meio do Edital Papim/2011. Alguns dos resultados já alcançados envolvem ações de capacitação e formação continuada de docentes; consolidação de parcerias com cur-

sos de licenciaturas e pós-graduação da UFPA, aliando a educação básica ao ensino superior; promoção e efe-tivação de práticas metodológicas inclusivas permeadas por atividades lúdicas; realização de eventos, como procissões culturais e pedagógicas, festivais de música, concursos de redação e de arte.

Alunos e familiares ajudam na organização �As atividades de ensino, pes-

quisa e extensão referentes à temática do Círio de Nazaré, desenvolvidas pelo Projeto, contam com a partici-pação de professores, técnico-admi-nistrativos, funcionários e familiares dos alunos. A parceria, no sentido de planejar, organizar e efetivar essas atividades, vai além e também alber-ga alunos dos cursos de licenciatura da UFPA, bem como professores de grupos de estudos que empreendem pesquisas na área da educação bá-sica, educação inclusiva, infância e diversidade.

Assim, o Círio da Escola de Aplicação, em 2011, realizado no úl-

timo mês de outubro, construiu-se de forma colaborativa. "E é justamente isso o mais importante, esse encon-tro entre sujeitos lúdicos, plurais e culturais: o pai de aluno que oferece o manto da Santa, a avó que borda o manto, os alunos, os professores e os demais funcionários compram as flores e decoram a berlinda. As merendeiras que capricham no pre-paro da maniçoba... é uma mistura de sonhos, sabores e respeito à di-versidade em todos os sentidos: na cultura e na fé. Até professores que não são católicos ficam à disposição para ajudar", conta a professora Wanderleia Leitão.

Atualmente, o Projeto integra as atividades do Grupo de Estudo, Pesquisa, Ensino e Extensão em Educação Inclusiva (GEPEEI), da Escola de Aplicação. Outros grupos envolvidos são: o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Rural na Amazônia, (GEPERUAZ/ICED) e o Grupo de Estudos, Pesquisas em Edu-cação, Infância e Filosofia (GEPEIF), do Campus de Abaetetuba.

Ainda como resultado do bi-ênio 2010-2011, os integrantes do Projeto "Educação e cultura..." visam organizar um livro com artigos que relatam as experiências e as vivências efetivadas durante esse período.

Atividades foram desenvolvidas durante o ano �

O início foi em 1798. A maru-jada e a esmolação começaram a ser realizadas pelos negros escravizados que habitavam a região bragantina. O culto ganhou força na região pela identificação que a população tinha com São Benedito, por causa de sua história: o Santo era cozinheiro e le-vava pão do seu local de trabalho para dar aos pobres. Um dia, para não ser pego, transformou os pães em flores, o que é considerado seu maior milagre e, por isso, em uma das imagens, ele aparece com flores nos braços.

É comum relacionar o período de escravidão no Brasil à fundação do culto a São Benedito. Entretanto ela é cada vez menos evidenciada nas manifestações. "O próprio discurso

religioso tenta fazer aquilo que Darcy Ribeiro chama de assimilação, ou seja, tratar todo mundo como igual. Então, você inclui a história [do negro], mas não dá visibilidade para esse elemento. Todos falam que a ma-nifestação veio dos negros, mas não aceitam que haja uma ligação entre a umbanda, a pajelança e a devoção ao Santo, por exemplo", explica José Guilherme.

Uma dessas identificações com a umbanda é a relação de São Benedito com a entidade Verequete. Essa relação é difundida em outras regiões do Brasil, mas pouco vista em Bragança. As cores utilizadas pelas mulheres nas danças da Marujada, principalmente o azul e o vermelho,

também remontam às raízes negras. O azul tem uma ligação maior com o Menino Jesus, mas o vermelho re-presenta, de acordo com as marujas, o sangue vertido pelos negros durante a escravidão.

Região Cultural – As dinâmicas de identidades e identificações, inclusão e exclusão aplicadas a outros aspectos do culto fazem parte daquilo que o professor caracteriza como Região Cultural, que consiste na formação de uma nova "região", baseada na participação de um grupo que não leva em consideração as fronteiras geográficas. "A Região Cultural se configura em uma territorialidade, ou seja, um território em que há a

participação de atores, ligados a uma determinada prática, neste caso, a devoção a São Benedito", explica o professor.

Ao observarmos o trajeto da esmolação durante os oito meses de peregrinação, encontramos evidên-cias de formação dessa Região Cultu-ral, uma vez que as três comitivas que fazem o culto – da praia, da colônia e do campo – ultrapassam o território bragantino. Há poucos anos, a de-voção chegou em Carutapera (MA), com um esmolador que se casou no município e deu início à prática da ladainha. "Quem sabe daqui a algum tempo haverá um grupo de esmolado-res que vai circular pelo Maranhão?", prevê José Guilherme.

Esmoladores trabalham divididos em três comitivas - da praia, do campo e da colônia

Dilermando Gadelha

O ápice da Marujada, a mais conhecida festa em homena-gem a São Benedito, aconte-

ce nos dias 25 e 26 de dezembro, em Bragança. Entretanto as atividades começam muito antes, ainda no mês de março, com a esmolação, uma peregrinação feita principalmente por homens da região nordeste do Pará, os quais levam a imagem do "Santo Preto" e pedem contribuições aos moradores e promesseiros que tiveram graças alcançadas ou querem alcançar alguma.

A esmolação dura cerca de oito meses. Ela se irradia em três núcleos e os peregrinos fazem um trajeto que ultrapassa o município de Bragança, chegando a locais como Carutapera, no Estado do Maranhão. Já a Maru-jada acontece quando as mulheres tomam as rédeas da festa e celebram o Santo com as danças já bastante conhecidas e o leilão dos bens con-seguidos durante a esmolação.

A devoção a São Benedito é o tema do livro Pés que andam, pés que dançam: memória, identidade e região cultural na esmolação e ma-rujada de São Benedito em Bragança (PA), escrito por José Guilherme Fernandes, professor da Faculdade de Letras da UFPA, no Campus de Bragança, e coordenador do Progra-

ma de Pós-Graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia (PPGLS), no mesmo Campus.

O livro foi lançado este ano, com o apoio de uma bolsa para Re-flexão Crítica em Culturas Populares e Tradicionais, concedida pela Fun-dação Nacional da Arte (Funarte), em 2010. De acordo com o professor, a ideia de escrever o livro nasceu de

um projeto de vida, que é "fazer uma 'cartografia' dessas práticas populares no nordeste do Pará. Trabalhar os vários discursos sobre a Amazônia, tanto da academia, quanto midiáticos, mas também os discursos e saberes populares. Isso vem de um projeto de doutorado e agora se estabelece como um projeto acadêmico e de vida", explica.

A pesquisa para o livro iniciou em março de 2010, com o objetivo de evidenciar as várias vozes presen-tes na devoção, que, muitas vezes, representam posições diferentes nas relações de poder. Para tanto, o pro-fessor privilegiou a linguagem oral, entrevistando os participantes de festa, desde os promesseiros até os representantes da Igreja e devotos.

Termo � bragantinidade é tentativa de homogeneizaçãoSegundo o professor, a oralida-

de foi escolhida como objeto de análise por ser a linguagem mais utilizada no cotidiano e por carregar os traços das histórias de vida e dos mitos. Durante a pesquisa, José Guilherme Fernan-des também utilizou textos teóricos e literários sobre a festa a São Benedito, escritos por poetas, historiadores e antropólogos.

A devoção a São Benedito tam-bém é um campo em que acontecem jogos de poder. Esses jogos têm como atores as várias pessoas que compõem os eventos, desde os promesseiros que abrem as suas casas para receber

as comitivas, até os marujos e as ma-rujas que dançam nos barracões do Santo. A elite econômica e política da região também participa desse jogo, utilizando-se de várias estratégias para exercer o seu poder.

Entre os conceitos aplicados e discutidos no livro, está o de Identida-de – e, por extensão, o de identifica-ção – uma das estratégias utilizadas nas disputas de poder. A identidade é um conceito que tende a unificar uma coletividade dentro de um grupo de símbolos pelos quais essa coleti-vidade é lembrada. De acordo com o professor, essa homogeneização

mascara a diversidade de pessoas e de lugares de enunciação.

"Algumas pessoas reproduzem os discursos 'nossas tradições', 'nossa cultura', 'nossa bragantinidade' como se todos participassem da devoção da mesma maneira, sem distinções sociais e culturais. Muitas vezes, esse discurso homogêneo cria uma tensão dentro do grupo. Eu procuro apontar essas manifestações de poder na devo-ção justamente para mostrar que não existe a homogeneidade, mas sim uma heterogeneidade de discursos sobre a devoção", explica José Guilherme.

Falar das manifestações do

Santo Preto utilizando o termo bra-gantinidade para caracterizá-las é uma tentativa de homogeneização. Segundo José Guilherme, essa nomenclatura não foi criada pelos promesseiros da esmolação, por exemplo. O termo é uti-lizado pelos "poderosos" que exercem o seu empoderamento por meio dessas identidades.

Em contrapartida à identidade única, existem as identidades moventes, ou seja, identificações que dependem da conjuntura. "As pessoas têm consciên-cia de que a bragantinidade funciona em alguns momentos, mas não em outros," explica o professor.

Símbolos remontam à história da escravidão no brasil �

Page 5: Beira 100

8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011 – 5

Agricultura urbana cresce em SantarémPlantar e criar em quintais é alternativa de renda para trabalhadores

Pós-GraduaçãoEstão abertas, até o dia 9 de dezem-bro, as inscrições para a seleção do Mestrado em Recursos Aquáticos Continentais Amazônicos, ofer-tado pelo Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas (ICTA) da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). São dez vagas destinadas a graduados em Ciências Biológicas, Ecologia, Engenharia de Pesca, Engenharia de Aquicul-tura e áreas afins. Mais informações pelo e-mail [email protected]

Educação e FilosofiaAcaba de ser lançado o livro Entre Educação e Filosofia: conheci-mento, linguagem e pensamen-to, organizado pelos professores Waldir Abreu, Damião Bezerra e João Batista Santiago. A obra reúne ensaios de professores dos campi de Abaetetuba, Altamira, Castanhal e Cametá e das facul-dades de Filosofia, de Psicologia e de Educação do Campus Belém. InteriorizaçãoDia 16, acontece o seminário em comemoração aos 25 anos de interiorização da Universidade. O evento faz parte do projeto proposto pelo Fórum dos Coordenadores dos Campi da UFPA. Na ocasião, os primeiros depoimentos de diri-gentes, professores e ex-alunos que participaram do processo de cons-trução da Universidade Multicampi serão lançados em DVD .

Novo endereçoO Escritório Modelo de Turis-mo está em novo endereço. O atendimento é realizado na ala recém-reformada do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, onde funcionava o ICJ. O novo espaço também abriga o Projeto Visita ao Campus e outros proje-tos de extensão da Faculdade de Turismo.

Curta CametáA Divisão de Arte e Cultura do Campus Cametá realiza o 1º Curta Cametá: teatro e vídeosdo-cumentários de jovens de classes populares e o Circuito Cametaense de Arte e Cultura. A programação dos dias 6, 7 e 8, prevê oficinas, conferências, debates, exibição de documentários, performances, espetáculos de dança e teatrais. Mais informação no blog www.dac-ufpa.blogspot.com

Selo de QualidadeOs cursos da Faculdade de Di-reito dos campi Belém e Marabá receberam o Selo de Qualidade da OAB/Federal. De um universo de 1.210 cursos de Direito exis-tentes no Brasil, apenas 90 cursos receberam o selo. No Pará, além da Universidade Federal do Pará, apenas o Centro Universitário do Estado do Pará também foi con-templado.

Pintura, raça e identidade Historiador analisa imagens do Preto Velho

Modernismo EM DIADesenvolvimento

Outra obra destacada na pes-quisa é "Preto Velho", de Dahlia Déa. A figura representada neste quadro carrega um semblante de mansidão e humildade de um velho negro casti-gado pelo trabalho cativo. Nesta tela, Dahlia Déa faz alusão à imagem de Pai João, tema de canções do período de escravidão no Brasil. Esta obra, lançada em 1936, pode ser a contri-buição da autora para o aniversário de 50 anos da Abolição da Escravatura, em 1938.Era o período Pós-Império, quando o novo regime político, a Re-pública, ainda tentava se firmar e, para isso, era preciso criar uma forte ideia

de nação e de identidade brasileira. O Modernismo nasce entendendo a sociedade brasileira como uma mis-cigenação que permitiu o surgimen-to de um povo com características peculiares, misturando elementos indígenas, africanos e europeus. O governo Varguista queria construir uma nação brasileira moderna, forjar um espírito nacional que valorizasse o multiculturalismo e a mestiçagem, além de construir a imagem de um povo dignificado pelo trabalho.

Pinacoteca – As obras de Baltazar da Câmara e Dahlia Déa que retratam o

preto velho foram compradas pela intendência municipal para fazer parte do acervo das antigas pinacotecas do Estado, hoje Museu de Arte de Belém (MABE) e Museu Histórico do Esta-do do Pará (MHEP), e dividir espaço com retratos de autoridades locais. Outras obras que retratam figuras do povo, como uma vendedora de chei-ros ou um pescador, também foram adquiridas. Na Literatura, o poeta paraense Bruno de Menezes lançou, em 1931, a coletânea de poesias Batu-que. Essa mudança no campo artístico veio mostrar a importância do negro na formação cultural da Amazônia.

Velho negro de traje fino é retratado por Baltazar Câmara

acer

vo d

o M

use

u d

e a

rte

de

Belé

M/r

ePro

du

çã

o a

ldri

n F

igu

eire

doAnne Beatriz Costa

Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil passou por im-portantes mudanças no campo

intelectual e artístico, principalmente nos anos 20 e durante a Era Vargas, nos anos 30 e 40. Nessa época, a con-cepção de identidade nacional passa por uma redefinição por conta de uma nova visão da nacionalidade brasileira. Nesse momento, os hábitos e costumes das raças antes menosprezadas, como o negro e o índio, passam a ter valor na cultura e, finalmente, aceita-se a mestiçagem como um ponto impor-tante para a formação da identidade brasileira.

É a partir desse contexto que nasce a pesquisa "O retrato do Preto Velho: pintura, raça e identidade na-cional na Amazônia", do professor Aldrin Figueiredo, da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA). A pesquisa visa discutir a formação étnico-racial brasileira por intermédio da produção artística de Belém, entre as décadas de 20 e 40. Para isso, o pesquisador faz uma rápida passagem pelas produções literárias e artes plásticas, atendo-se mais espe-cificamente a dois retratos que fazem parte do acervo do Museu de Arte de Belém (MABE): "O Retrato do Preto Velho", de Baltazar da Câmara, datado de 1925, e "Preto Velho", da pintora paraense Dahlia Déa, de 1936.

O Modernismo é um movi-mento artístico que surge em 1920 e começa a positivar valores do povo brasileiro que, antes, tinham sido de-tratados. Negros e índios, antes vistos como grupos subalternos da sociedade,

tanto na Literatura quanto nas Artes Plásticas, agora, são trazidos para o centro da tela. Os quadros de Baltazar da Câmara e de Dahlia Déa estão dentro desse contexto, dialogando com o Modernismo. As obras abordam questões como a identidade do homem

amazônico e o papel do negro em uma sociedade que, por muito tempo, tentou se transformar em uma pequena Paris, exaltando o modelo europeu e os elementos ditos civilizados, porém deixando essas raças em uma posição marginalizada.

Retrato é associado a machado de Assis �Na tela de Baltazar da Câmara,

a figura representada é a que dá nome à obra – o preto velho. O velho negro, de barbas e cabelos brancos apresenta uma imagem intelectualizada por seu traje fino, de colarinho branco. Essa é uma grande diferença quanto à forma com que os negros eram representados no século anterior, sempre relacionados a trabalhos braçais. "Isso mexe no lugar social do negro, o que é uma grande quebra", explica Aldrin Figueiredo.

Antes, era difícil pensar o negro em uma sociedade mais elitizada. Por conta disso, ao verem o quadro de Baltazar da Câmara, muitos acham que a figura apresentada ali é Machado de Assis. "Existe uma idealização da imagem do que é um negro intelec-tualizado e ele é o nosso símbolo de intelectual negro de sucesso", ressal-ta. O retrato é um gênero que busca valorizar a figura retratada e é, geral-mente, associado a pessoas ilustres

e poderosas. No século XIX, quase não há retratos de negros, pois o seu lugar não era a elite. Os negros eram pintados como se fossem brancos, diz o professor, usando como exemplo os modelos utilizados pelo pintor alemão Johann Moritz Rugendas, em sua série Viagem Pitoresca ao Brasil. "Não havia a imagem circulante de modelos africanos, isso só vem com o Modernismo, é uma conquista do século XX", afirma.

Obras foram adquiridas para as pinacotecas �

Sobre o grau de escolaridade dos agricultores urbanos, oito são analfabetos e 28 cursaram as séries do ensino fundamental, mas ape-nas três chegaram a concluí-lo. No que concerne à principal ocupação declarada pelos entrevistados, 13 dos 56 têm a agricultura como sua única ocupação, enquanto 11 aliam a agricultura a outras atividades, tais como: feirante, comerciante, diarista e atividades do lar.

Dos 56 entrevistados, 42 são mulheres que, sozinhas ou com seus filhos e parentes, desenvolvem a agricultura urbana. Os motivos são diversos: necessidade para o auto-consumo, complementação da renda familiar e simples prazer de plantar e criar. Outras pesquisas realizadas na Amazônia também constataram que o gênero feminino é predominante no âmbito da agricultura urbana.

Além do prazer de cultivar e manter os quintais arborizados, as plantas também ajudam a prevenir e resolver problemas de saúde e oferecem alimento saudável à dieta das famílias e dos amigos desses agricultores. Assim, os quintais agro-florestais são caracterizados, também, como espaços de socialização, pois há relação de trocas e doação de pro-

dutos, tais como plantas medicinais, frutas e verduras.

A diversidade de espécies ve-getal e animal encontrada tem relação direta com a segurança alimentar dos agricultores. O número de espécies está intimamente relacionado ao va-lor gasto com a alimentação, o que revela uma estratégia de acesso aos alimentos e uma forma de reduzir os gastos. Além disso, as atividades de agricultura urbana contribuem diretamente com o incremento da renda por intermédio da absorção da mão de obra, principalmente familiar, visto que em nenhum dos casos ana-lisados foi constatada mão de obra contratada.

Mesmo com os benefícios gerados com a agricultura urbana em Santarém, os quais refletem as neces-sidades alimentares, de saúde e de ren-da dos moradores, a atividade ainda carece de investimentos e assistência técnica governamental. "Atualmen-te, os agricultores urbanos estão se organizando, buscando ter acesso ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Isso é uma discussão nacional, porque o agricultor urbano está surgindo em todo o país, não é só em Santarém", conclui a pesquisadora.

Foto

s ac

ervo

do

Pes

qu

isa

do

r

Piscicultura e cultivo de hortaliças, plantas ornamentais e medicinais estão entre as atividades

igor de souza

No senso comum, "rural" e "urbano" são termos que en-volvem percepções espaciais

geográficas díspares, principalmente quando se reflete sobre as atividades econômicas que caracterizam esses espaços. Mas, em regiões como a amazônica, que vive um processo de urbanização acelerado, estabelecer fronteiras entre o rural e o urbano é tarefa difícil. O aparecimento de grandes contingentes populacionais em cidades com baixa oferta de emprego estimula a diversificação das formas de produção e de modos de vida.

Assim, a agricultura, por exemplo, atividade tipicamente ru-ral para o senso comum, acaba sendo praticada em espaços urbanos como forma de subsistência e fonte de renda. Desse fenômeno, presente não só na Amazônia, mas em diversos perímetros e nos arredores de centros urbanos de todo o mundo, surge o conceito de agricultura urbana, o qual se tornou foco principal da pes-quisadora Eliane Raíssa Ribeiro Sil-va, na sua Dissertação de Mestrado Agricultura Urbana: contribuição e importância dos quintais para a alimentação e renda dos agricultores urbanos de Santarém – Pará.

Feita no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural da UFPA (NCADR), a Dissertação teve como objetivos identificar e caracterizar as diferentes atividades

de agricultura urbana observadas no município de Santarém, para avaliar a importância e a contribuição delas à alimentação e renda das famílias dos agricultores que a desenvolvem. A pesquisa foi orientada pela professora Maria das Graças Pires Sablayrolles.

A maioria dos estudos já realizados sobre agricultura urba-na adota o conceito sugerido pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO (sigla em inglês), a qual define a agricultura urbana como

a produção alimentar (vegetal ou animal) que ocorre dentro dos limites urbanos e pode ser rea-lizada em quintais ou tetos das residências, hortas, pomares, ter-renos e espaços não utilizados ou públicos.

16 bairros percorridos a pé �"A Organização das Nações

Unidas para a Agricultura e Alimenta-ção, em 1998, iniciou o levantamento das atividades de agricultura urbana em várias capitais brasileiras, buscando fazer uma classificação. Foi essa tipolo-gia que utilizei como parâmetro para a pesquisa em Santarém. Porém percebi que ela não é adequada para todos os municípios, pois cada um tem a sua espe-cificidade", afirma a pesquisadora Eliane Silva. Então, partindo da adequação dos parâmetros tipológicos estipulados pela FAO sobre agricultura urbana, Eliane Silva realizou sua pesquisa percorrendo os cinco distritos que compõem o es-paço geográfico de Santarém, os quais possuem bairros periféricos e carentes de infraestrutura, e bairros considerados mais centrais, com maior infraestrutura e oferta de serviços.

Durante o percurso, feito a pé, por 16 bairros dos 48 existentes nos cinco distritos, a pesquisadora buscou observar residências que possuíssem qualquer atividade de agricultura urba-na. Quando havia, entrava em contato com os responsáveis pelas residências, explicava os objetivos da pesquisa ao agricultor e o interesse de tê-lo como informante. Após o aceite, era agendado o melhor dia e horário para a realização das entrevistas.

Assim, 56 agricultores urbanos foram entrevistados. A pesquisa buscou entender a importância dos animais e vegetais que compunham as atividades desses trabalhadores. Cem por cento das atividades de agricultura urbana observa-das são de produção agrícola, visto que todas envolvem o cultivo e a produção vegetal, seja de hortaliças (horticultura), plantas ornamentais, medicinais, seja de espécies florestais em sistemas agro-florestais, sendo esta última a atividade praticada por 64% dos entrevistados.

Dos informantes, 41% também realizam atividades de produção agro-pecuária, ou seja, a criação de animais de pequeno, médio e grande porte. As finalidades são: estimação, transporte e alimentação. No município, os agriculto-res realizam suas atividades em espaços privados (quintais e lotes vagos) e em espaços públicos (laterais de avenidas).

"Essas atividades dificilmente são desenvolvidas sozinhas. O morador que tem uma horticultura também tra-balha com piscicultura, com a criação de pequenos animais (bovinos, equinos, suínos e aves são os mais comuns). En-contramos quem também criasse bichos de casco, como jabutis e tracajás, mas eles afirmam que a criação dessas espé-cies é somente para o consumo próprio", acrescenta a pesquisadora.

Predominância feminina �

Page 6: Beira 100

6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2011 – 7

Foto

s ac

ervo

do

Pes

qu

isa

do

r

Projeto multidisciplinar investiga consumo de drogas entre estudantes paraensesLevantamento envolve escolas da Região Metropolitana de Belém, do Marajó e do nordeste do Estado

Saúde

"A escola não é um ambiente isolado. Os estudantes não consomem drogas somente porque elas são fa-cilmente obtidas. A experimentação e o consumo de drogas envolvem uma série de variáveis que devem ser abordadas claramente nas escolas e discutidas nas famílias", esclarece o professor Aldemir Branco.

De acordo com o pesquisador, "os professores até tentam informar e conscientizar os estudantes sobre o perigo da dependência química e as complicações correlacionadas, porém a influência de pais, parentes e amigos que consomem drogas, associada à facilidade de obtenção dessas substâncias, entre outros fato-res psicossociais, são soberanos. Isso está bem evidente nos resultados en-contrados, até o momento, em Breves e Gurupá".

A participação da família na vida dos estudantes deve ser dentro e fora do ambiente escolar. Família e escola devem atuar de maneira conjunta no processo educativo do adolescente. Os pais devem conhecer os amigos, os locais frequentados pelos seus filhos e manter um diálo-go aberto sobre as experiências e as curiosidades dos jovens.

Ainda na tentativa de entender e combater o uso dessas substâncias nas escolas, o Campus de Breves da UFPA desenvolve o projeto de ex-tensão que não se restringe somente a adolescentes. Intitulado "Conhe-cendo e Aprendendo a Dizer Não às Drogas", o seu objetivo é capacitar estudantes do Campus e professores de escolas públicas do município para

Oficinas e jogos educativos facilitam a abordagem e a discussão do assunto entre professores e alunos

Depois de passarem por capacitação, os alunos de Ciências Naturais realizam palestras nas escolas convidadas

Flávio Meireles e Vito Ramon Gemaque

Um tempo de mudanças. Ge-ralmente, é assim que a ado-lescência é caracterizada.

São transformações biológicas, cog-nitivas, emocionais e sociais. É um importante momento para a adoção de novas práticas, comportamentos e ganho de autonomia. Ao lado dos aspectos positivos, deve-se pensar que as mudanças deixam esses jovens mais vulneráveis.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 2,9 milhões de adolescentes perdem a vida todos os anos. A maioria é causada por acidentes de trânsito, suicídios e homicídios. Esses fatores estão associados, por diversas vezes, ao consumo de drogas psicotrópicas, isto é, substâncias químicas, natu-rais ou sintéticas que atuam sobre o nosso cérebro, alterando, de alguma forma, a nossa atividade psíquica e comportamental, como bebidas alco-ólicas, cigarros, solventes, maconha e cocaína.

Mas é possível evitar que os adolescentes entrem em contato com essas substâncias? A resposta pode não vir tão fácil, justamente porque até os espaços antes considerados seguros, como as escolas, estão sendo cercados por esta nova realidade. Os estudantes usuários de drogas apresentam menor rendimento escolar e, posteriormente, abandonam a instituição de ensino.

No Pará, estudos relacionados ao uso de drogas pelos adolescentes ainda são escassos. Por este motivo, a Universidade Federal do Pará (UFPA) desenvolveu o Projeto de Pesquisa e Extensão "Aspectos epi-

demiológicos do uso de drogas lícitas e ilícitas por estudantes de escolas públicas no Estado do Pará, Norte do Brasil". O grupo que coordena o estudo é formado por professores dos campi de Bragança, Breves e do Ins-

tituto de Ciências Biológicas (ICB) do Campus do Guamá, da UFPA. Além deles, mais 14 estudantes do curso de Ciências Naturais do Cam-pus de Breves auxiliam na execução do Projeto.

Alunos da Universidade atuam como multiplicadores �Para exemplificar, drogas líci-

tas são aquelas legalizadas, produzi-das e comercializadas livremente e aceitas pela sociedade. O cigarro e o álcool são os principais exemplos. As substâncias ilícitas são drogas cuja comercialização é proibida por lei e, na maioria das vezes, não são socialmente aceitas, como cocaí-na, maconha, crack, heroína, entre outras.

É objetivo da pesquisa verifi-car as causas e os efeitos do uso de drogas entre estudantes do ensino médio em escolas públicas do Pará e entender quais são os fatores de risco relacionados ao problema. O Projeto também capacita estudantes de graduação da UFPA em áreas como epidemiologia, bioestatística e biologia da dependência química, numa tentativa de aumentar o nú-mero de agentes identificadores do problema e potenciais aplicadores de medidas de conscientização e prevenção às drogas.

Afuá, Anajás, Ananindeua, Belém, Bragança, Breves, Capane-ma, Curralinho, Gurupá, Marituba, Melgaço, Portel e Soure são os muni-cípios onde as pesquisas estão sendo realizadas. Pretende-se, com este estudo, reunir dados de 20 a 25 mil estudantes, até julho de 2013. "Até o momento, estivemos em escolas dos municípios de Anajás, Ananin-

deua, Breves, Bragança, Capanema e Gurupá. Nestas cidades, apro-ximadamente, oito mil estudantes participaram da pesquisa", explica o coordenador do Projeto, Aldemir Branco de Oliveira Filho, professor da Faculdade de Ciências Naturais do Campus de Breves.

O desenvolvimento do traba-lho acontece da seguinte maneira: primeiro, capacitam-se os estudantes de Ciências Naturais envolvidos na pesquisa de campo. Em seguida, até quatro escolas de cada município são convidadas para participar do estudo. Após a autorização da direção da

escola, em acordo com o conselho es-colar e os pais dos alunos, é distribu-ído, entre os alunos do ensino médio, um questionário com 30 perguntas sobre aspectos sociodemográficos, relação familiar e consumo de dro-gas. Os participantes não precisam se identificar.

Uso de drogas por amigos e parentes é fator de risco �Antes de distribuir os questio-

nários, a equipe técnica do Projeto conversa com a turma sobre o uso de drogas e explica os objetivos da pesquisa. As informações coletadas são utilizadas para construir um banco de dados. Após a análise dos dados, a mesma equipe volta à escola para apresentar os resultados e dis-cutir com a comunidade os possíveis procedimentos para a redução e o controle do uso de drogas.

Entre muitos fatores que levam o jovem a entrar neste "universo", a influência de pais e amigos que usam drogas lícitas e/ou ilícitas apresen-ta- -se como o maior fator de risco, assim como o desenvolvimento de sintomas depressivos. Outro fator de risco é a ausência de ações voltadas diretamente para a juventude, assim como a carência de profissionais de saúde especializados neste assunto.

Em Breves e em Gurupá, onde a pesquisa já foi concluída, verificou--se que as drogas mais consumidas são: cerveja, cachaça, vinho e cigar-ro. Entre as drogas ilegais, maconha, pasta de cocaína e oxi são as mais utilizadas. Em Breves, a pesquisa foi

Em Breves, 1.830 alunos do ensino médio responderam ao questionário

realizada no período de novembro de 2010 a fevereiro de 2011. Dos 2.123 estudantes do ensino médio, 1.830 responderam ao questionário. Em Gurupá, de 416 alunos, 389 participaram.

Nestes dois municípios, os fatores de risco verificados com relação a cada tipo de droga foram parecidos. No município de Breves, 34,6% dos estudantes eram usuá-rios de bebidas alcoólicas; 5,4%, de cigarros e 4%, de drogas ilícitas. Já em Gurupá, 37,3% consumiam bebida alcoólica, 10% e 3,7% eram usuários de cigarros e drogas ilícitas, respectivamente.

Os principais aspectos de risco relacionados ao álcool foram: o es-tudo no turno da noite, a repetência escolar, a falta de diálogo com os responsáveis e pais ou amigo con-sumidor de bebidas. Aos fatores de risco do cigarro, além dos já citados, agrega-se ser do sexo masculino e trabalhar esporadicamente. Com relação às drogas ilícitas, três aspec-tos de risco se repetiram: repetência escolar, ter consumidor de drogas entre familiares e amigos.

Educação básica é alvo na etapa final da pesquisa �

compreenderem melhor as causas, os efeitos e a problemática gerada pelo uso de drogas psicotrópicas.

Atividades lúdicas – O objetivo é capacitar atuais e futuros professores para utilizarem recursos didáticos específicos para a educação básica, nos quais a assimilação do tema será facilitada pelas atividades lúdicas. Para isso, o Projeto realizou palestras e oficinas de construção de jogos educativos.

Mesmo não finalizado, o Pro-jeto já disponibilizou eletronicamente dois livros didáticos sobre conscienti-zação e prevenção ao uso de drogas. O primeiro, Raí e o mundo que não era mágico, traz uma história voltada para o público infantil, baseada em relatos de usuários de drogas inter-nados em clínicas de tratamento de dependência química no Pará, entre 2008 e 2010.

"Além da demonstração das dificuldades vivenciadas pelo usuário

Bibliotecas das escolas recebem kit contendo livros e jogos

de drogas, o livro também oferece uma oportunidade de diálogo entre crianças, adolescentes e responsá-veis", avalia o professor Aldemir Branco, autor dos dois livros publi-cados em parceria com a professora Gláucia Oliveira. A segunda obra, Conhecendo e aprendendo a dizer não às drogas psicotrópicas, aborda o conceito, a classificação e os efeitos ocasionados pelas drogas. E, assim como o primeiro livro, também apre-senta jogos didáticos.

Com o apoio da Faculdade de Ciências Naturais de Breves e do Pro-grama de Apoio a Projeto de Interven-ção Metodológica, o Projeto está em sua última fase de desenvolvimento: a socialização. Nesta etapa, uma equipe tem visitado as escolas para a realiza-ção da oficina "Construção de jogos para conscientização e prevenção ao uso de drogas psicotrópicas".

Na oficina, os estudantes da educação básica aprendem a construir os jogos propostos nos livros e dis-cutem o tema de forma descontraída. "Além disso, todas as bibliotecas e escolas do município estão recebendo um kit contendo os livros e os jogos para auxiliar o ensino-aprendizagem e a popularização do conhecimento so-bre drogas", acrescenta o professor.

O professor ressalta, ainda, que é necessário que a comunidade escolar reconheça e trate a dependên-cia química como uma doença. Este assunto deve ser abordado com ações educativas, discutindo com os jovens os conceitos, as classificações, o fun-cionamento biológico e, em especial, os efeitos causados pelas drogas.