Beira 120

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ISSN 1982-5994 ISSN 1982-5994 UFPa • aNo XXViii • N. 120 • aGoSTo e SeTeMBro, 2014 Calor atrai barbeiro até os paneiros de açaí Páginas 6 e 7 Pescada está na moda Castanha-do-pará Sustentabilidade Amazônia Pesquisas propõem reaproveitamento do couro do peixe. Páginas 12 e 13 Semente é utilizada para combater os sintomas da malária. Páginas 14 e 15

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Beira do Rio edição 120

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ISSN

198

2-59

94IS

SN 1

982-

5994

UFPa • aNo XXViii • N. 120 • aGoSTo e SeTeMBro, 2014

Calor atrai barbeiro até os paneiros de açaíPáginas 6 e 7

Pescada está na modaCastanha-do-pará SustentabilidadeAmazônia

Pesquisas propõem reaproveitamento do couro do peixe. Páginas 12 e 13

Semente é utilizada para combater os sintomas da malária. Páginas 14 e 15

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JORNAL BEIRA DO RIOcientifi [email protected]ção: Prof. Luiz Cezar silva dos santosEdição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE)Reportagem: Brenda Rachit, Marcus Passos, Victor Oliveira e Vitor Barros (Bolsistas). Walter Pinto (561-DRT/PA)Fotografi a: Adolfo Lemos, Alexandre moraes e mácio Ferreira Fotografi a da capa: Alexandre moraes e Adolfo LemosIlustrações: Benelton Lobato/márcio dias/CmP/AscomCharges: Walter PintoProjeto Beira On-Line: danilo santosAtualização Beira On-Line: Rafaela AndréRevisão: Júlia Lopes e Cintia magalhãesProjeto gráfi co e diagramação: Rafaela Andrémarca gráfi ca: Coordenadoria de marketing e Propaganda CmP/AscomSecretaria: Silvana VilhenaImpressão: Gráfi ca UFPATiragem: Mil exemplares

UniVeRSidAde FedeRAL dO PARÁ

Reitor: Carlos Edilson ManeschyVice-Reitor: Horácio SchneiderPró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de MatosPró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida JúniorPró-Reitora de ensino de Graduação: maria Lúcia HaradaPró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas NevesPró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury TourinhoPró-Reitora de Planejamento: Raquel Trindade BorgesPró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim NassarPrefeito: Alemar dias Rodrigues Junior

Assessoria de Comunicação Institucional - AsCOm/UFPACidade Universitária Prof. José da silveira NettoRua Augusto Corrêa n.1 - Prédio da Reitoria - TérreoCEP: 66075-110 - Guamá - Belém - ParáTel. (91) 3201-8036www.ufpa.br

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Açaí, castanha-do-pará, pescada amarela, juntos ou separados, são elementos comuns à culinária paraense. Longe das panelas, eles atraíram a atenção dos pesquisadores e ga-nharam destaque nesta edição. O Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Biologia Celular traz uma boa notícia: o pré-tratamento com castanha-do-pará combate os sintomas clínicos causados pela malária. O estudo é experimental e ainda não foi realizado em humanos.

As reportagens de Walter Pinto e Victor Oliveira apresen-tam os resultados de duas pesquisas que propõem o reaproveita-mento dos resíduos da pescada amarela pela indústria da moda. Em sua dissertação, Almira Martins criou uma coleção com 25 peças, a partir do couro do peixe. Já o estudante de graduação Bruno Eiras desenvolveu metodologia de curtimento artesanal para o tratamento do couro.

Após o surto da doença de Chagas ocorrido em 2006, um estudo pioneiro, coordenado pelo professor Hervé Rogez, da Faculdade de Engenharia de Alimentos, mostrou que a relação do barbeiro com o açaí está intimamente ligada ao processo de fermentação do fruto. Para saber mais, leia a reportagem de Marcus Passos. Boa leitura!

Rosyane RodriguesEditora

Índice

Mário Serra - engenheiro, matemático e amazônida ...............4

Cultura do Dendê avança no Estado ....................................5

Calor atrai barbeiro até o açaí ............................................. 6

Navegando em outras águas ............................................8

Arriscar, ousar e sonhar alto ......................................... 10

Pescada amarela está na moda ....................................... 12

Castanha é usada contra malária .................................... 14

Câncer uterino mantém altos índices ............................... 16

Direitos Humanos e indígenas crianças no Brasil .................. 18

Movimento na Feira do Açaí, em Belém (PA). Fotografia de Adolfo Lemos

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OpiniãO

Mário Serra - engenheiro, matemático e amazônida

AdO

LFO

Lem

Os

Vamos às profundezas da Amazônia observar o pescador mais tradicional e ecologicamente integrado: indígena que usa arco e flecha. Nosso pescador é do tipo que só molha os pés no estritamente necessário, situação em que pescador-peixe ocupam posições, respectivamente, ar-água, em meios de densidades diferentes, quando fenômeno físico, refração, impõe que veja o peixe em posição diferente da em que se encontra. Portanto, observa e faz, mentalmente, contas que determinam a posição exata e atira a flecha. Isso parece uma atividade simplória, especialmente ao que não tenha fome esperando pelo sucesso dessa jornada. O desejado aqui é expor a correlação desse episódio com alguns conceitos matemáticos.

É fato que fazer esse cálculo em cada caso não é simples e serve para desmentir e desmitificar que tais pessoas não saberiam matemática. Em compêndios, podemos encontrar teorias mostrando como calcular trajetória 1-dimensional, caminho, curva de compri-

mento mínimo ligando posições pontuais. Por óbvio, no caso pescador-peixe, não há caminho de comprimento máximo e, dependendo do problema, pode haver este ou ambos. Em problemas similares, o intento é conseguido com gasto mínimo de tempo e/ou energia por meio dessa trajetória de comprimento mínimo.

Um pouco mais. modelando matematicamente alguns desses problemas, a trajetória mínima compõe -se de um segmento de reta, indo da posição inicial até um ponto intermediário, seguindo, deste modo, até o ponto final, havendo uma quebra no ponto intermedi-ário. Ocorre que a presença dessa quebra, chamada de não diferenciabilidade, tem implicações profundas em matemática.

Deixemos o nosso pescador e vamos ao Campus do Guamá da Universidade Federal do Pará, em Belém, sem haver nisso preconceito de ir ao mais civilizado ou coisa do gênero. Em meados de 1950, tem início o Núcleo de matemática, formado por engenheiros que se

especializaram autodidaticamente nas principais dis-ciplinas, complementaram os estudos ministrando cursos entre si e para alunos interessados, além de estudarem em outros centros. São o que podemos classificar, historicamente, como docentes pioneiros em matemática, da UFPA.

Desses, Mário Tasso Ribeiro Serra (1932 -1975) foi, antes de tudo, docente primoroso e de conhecimento matemático amplo. Como material de curso extra, portanto, avançado, Mário Serra, como é mais conhecido, produziu o que denominou de Pesquisa dos Extremos de uma Funcional, 1972, notas essas a mim cedidas pelo docente titular em Física, da UFPA, atualmente aposentado, José maria Filardo Bassalo, o qual foi o datilógrafo do original.

Sendo quase mais preciso, máximos e míni-mos podem ser extremos de estruturas abstratas, como no caso de funcionais. Nesse trabalho, mário Serra determina isso de alguns dos quais só posso dizer que foi ele o criador quando todas as solu-ções satisfazem a mesma equação que ele chama de eQUAÇÃO de CARmÉLIA, nome da sua genitora, traduzíveis por trajetórias 1-dimensional. Um des-ses mínimos que calcula é um caminho composto por dois segmentos de retas, com uma quebra.

Para concluir, não sei dizer se esse gostava de pescaria, mas, com certeza, foi um raro fisgador de bons alunos em sala de aula, o que pode ser atestado por diversos ex-alunos seus atuando como docentes, inclusive na UFPA, e em outras ativida-des. Além disso, em maio deste ano, a Faculdade de matemática da UFPA comemorou 60 anos de existência, portanto, mais uma justíssima razão para termos saudosas lembranças do paraense Mário Tasso Ribeiro Serra.

João Batista do Nascimento - Professor da Facul-dade de Matemática/ICENe-mail: [email protected]

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Agricultura

Pará produz 770 mil toneladas de óleo de palma por ano

Cultura do Dendê avança no Estado

Monocultura provoca impactos ambientais e sociaisCom a instituição do

Plano Nacional de Produção do Biodiesel (PNPB), em 2004, e o Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma, inaugurado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da silva, em Tomé-Açu, no ano de 2010, as empresas que cultivam o dendê passaram a ter o aval de duas políticas que promovem a pro-dução desse produto no Brasil. Diante disso, as comunidades que estão sob o raio de ação dessas empresas passaram a sofrer impactos ambientais e sociais, sobretudo relacionados ao uso da terra.

João Nahum afirma que

pelo menos dois impactos po-dem ser observados desse pro-cesso. Por um lado, a migração do agricultor para trabalhar nos campos do dendê, abandonando seu modo de vida tradicional. E, por outro, o recuo da agri-cultura regional em favor da dendeicultura. “A maioria dos trabalhadores era agricultor antes de se tornar mão de obra assalariada dessas empresas. Esse homem está sendo expulso do campo pela ausência de polí-ticas públicas que garantam seu modo de vida, a qualidade e o escoamento da sua produção”, explica.

Segundo pesquisa de

campo realizada em julho de 2013, na MARBOGES S. A, o grupo constatou o raio de in-fluência da empresa na região, em mais de 70 comunidades, entre Moju e Acará, de onde essas pessoas são recrutadas para trabalho. De acordo com o professor, “isso mostra a grande influência da empresa sobre o lugar, proporcional a quase ausência do poder público. É por intermédio da empresa que podem ser gerados serviços, como segurança, abertura de estradas e vias de acesso”.

A dendeicultura tem transformado o campo em pe-quenos vilarejos, em que as

pessoas deixam a atividade cam-pesina e ingressam em atividades de serviços próprios das zonas urbanas. Um exemplo desse processo ocorre na comunidade da Forquilha, localizada na PA 140, entre Acará e Tomé-Açu. O professor afirma que essas localidades deixaram de ser campo-rural para serem apenas rural. O grande problema acon-tece quando o campo deixa de produzir alimentos. “O indivíduo que, antes, produzia o próprio alimento tem que pagar para consumir”, afirma João Nahum.

Leia mais em jornalbeiradorio.ufpa.br

� Vitor Barros

O Pará produz, por ano, 770 mil toneladas de óleo de palma, produto

extraído do fruto do dendê, e responde por 90% da produção do País. A monocultura tem se alastrado pelo interior do Esta-do de forma intensa, sob o pre-texto da produção do biodiesel. Estima-se que a produção em escala do biocombustível co-mece em 2015. Um estudo feito pelo Grupo de Pesquisa Dinâmicas Territoriais do Espa-ço Agrário na Amazônia (GDEA), da Faculdade de Geografia e

Cartografia da Universidade Federal do Pará (UFPA), indica que a expansão da dendeicul-tura tem modificado os espaços agrários na região.

O GDEA tem como ob-jetivo examinar os impactos da cultura do dendê sobre o modo de vida nos territórios quilombolas em cinco muni-cípios do interior do Estado: Acará, Concórdia do Pará, Moju, Tailândia e Tomé-Açu. Desde 2012, o grupo desen-volve estudos sobre a evolução dos usos da terra pela mono-cultura, por meio do Projeto de pesquisa “Uso do Territó-

rio, Dendeicultura e Modo de Vida Quilombola na Amazônia: estudo da microrregião de Tomé-Açu”. A ideia é fazer uma avaliação dos elementos sociais, institucionais e políti-cos que se relacionam com a reconfiguração do território a partir da chegada de empresas que exploram a dendeicultura nos municípios.

Os primeiros resultados da pesquisa foram obtidos a partir de investigações intensas feitas em campo, desde 2012, sob a orientação do profes-sor e coordenador do GDEA, João Nahum, da Faculdade de

Geografia e Cartografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGeO). Foram coletados dados, por meio de entrevistas e aplicação de questionário em comunidades, empresas produtoras de dendê, órgãos públicos, federações e movimentos sociais.

O grupo reúne alunos de mestrado e de graduação, bolsistas de Iniciação Científica e pesquisadores de outras insti-tuições, como a Empresa Brasi-leira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educação (FASE).

ACeRVO dO PesQUIsAdOR

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kkk6 - Beira do rio - Agosto e setembro, 2014

Pesquisa

Medidas de segurança podem evitar contaminação

Calor atrai barbeiro até o açaíTratamento térmico a

80°C durante 10 segundos

garante segurança do consumidor.

� Marcus Passos

Conhecido pelos nomes juça-ra, palmiteiro, piná, uaçaí, palmito-açaí ou simples-

mente açaí (Euterpe oleracea), o fruto redondo, pequeno e de cor roxa tornou-se um dos princi-pais ícones da cultura e culinária paraenses. Ao longo de 14 anos, sua área de influência transpôs os limites amazônicos e ganhou adeptos por todo o Brasil.

No Estado do Pará, seu consumo ocorre principalmente pela polpa, acompanhada de fari-nha de tapioca ou mandioca. Em muitas residências, o alimento é consumido diariamente. “A família do meu pai é do Marajó e, mesmo morando em Belém, alguns costu-mes marajoaras foram mantidos em nossa família. O gosto pelo açaí é o mais forte deles. eu bebo açaí todos os dias”, revela Karina Ailyn,

estudante de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará.

essa fruta, rica em vitami-nas e fibras, tem, vez por outra, seu nome associado a uma doença comum na Região Amazônica, a doença de Chagas. Isso ocorre em razão da má higienização da polpa do açaí e da conservação inadequada do produto durante o transporte aos postos de venda.

Porém uma questão ainda intrigava muitos pesquisadores: o que atraía o barbeiro até o açaí, já que o inseto se alimenta apenas de sangue? Um estudo pioneiro coordenado pelo professor Hervé Rogez, da Faculdade de Engenha-ria de Alimentos da UFPA, mostrou que a relação do barbeiro com o açaí está intimamente vinculada ao processo de fermentação do fruto.

A doença de Chagas é uma doença infecciosa causada por

um protozoário parasita chamado Trypanosoma Cruzi. Sua principal forma de transmissão é por meio da ‘picada’ do barbeiro. Esse in-seto hematófago alimenta-se de sangue de mamíferos, e, ao ‘picar’ o ser humano, elimina o parasita. Sem saber, as pessoas coçam o local afetado pelo inseto, facili-tando a “entrada” do protozoário.

Os números de casos da doença no Pará estão ligados à transmissão oral dessa infecção. Na família da estudante Karina Ailyn, duas pessoas já contraíram a doença por meio do consumo do açaí, seu avô e sua prima. O pri-meiro acabou falecendo por conta da idade avançada e da associação da doença de Chagas com outras doenças. sua prima foi diagnos-ticada precocemente e tratada a tempo. Mesmo assim, Karina Ailyn mantém a tradição familiar e con-tinua consumindo o açaí.

FOTOS MáCIO FERREIRA

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kkkAgosto e setembro, 2014 - Beira do rio - 7

Termo de ajuste de conduta deve garantir segurançaNa literatura científica, as

fezes do barbeiro – contendo o Trypanosoma cruzi – são produzidas apenas quando ele suga o sangue. “Porém, ao realizar uma simulação exercitando os barbeiros em alta velocidade por 15 minutos, como em uma trepidação de barco, ve-rificamos que muitos deles haviam defecado, por causa do estresse sofrido. e como o transporte de açaí é bastante longo, isso pode ocorrer durante a viagem”, explica Hervé Rogez.

Com isso, foram criadas algumas normas para o manuseio do fruto em Belém, por meio da Instrução Normativa publicada no diário Oficial do estado em 2013. O documento consiste em um termo de conduta assinado por represen-tantes dos agricultores e batedores de açaí, do Ministério Público, das Secretarias de Estado de Agr-cultura e de Saúde Pública,além

do professor Hervé Rogez, como representante da Universidade Federal do Pará.

Os agricultores e transpor-tadores comprometeram-se em tampar os paneiros e fechar os porões dos barcos. Os comercian-tes (pequenos batedores) terão que fazer o tratamento térmico a 80°C durante 10 segundos, por meio da técnica de branqueamen-to, por causa do material fecal do barbeiro e de algumas bactérias. Já o setor industrial irá reali-zar a pasteurização, técnica do branqueamento em grande escala. Assim, a cadeia de comercialização ficará protegida.

Hervé Rogez destaca a im-portância do estudo, “Fomos os primeiros a descobrir as proprieda-des benéficas e maléficas do açaí”, afirma. Nesse sentido, a “Pérola da Amazônia” segue representando a cultura paraense.

Após surto da doença, pesquisas foram intensificadas Em 2006, ano em que

começou a pesquisa, houve um surto de doença de Chagas em várias cidades paraenses. Diante disso, o Ministério da Saúde acionou diversos espe-cialistas para investigarem as causas dessa contaminação. O professor Hervé Rogez foi chamado para analisar o lado etiológico da infecção – a causa da doença.

“Por meio da Secreta-ria de Estado de Saúde Pública (sesPA), fizemos um inquérito populacional com as pessoas infectadas nessas cidades. Passamos um questionário de hábitos para esses indivíduos, até convergirmos em algo em comum. Descobrimos que elas compraram açaí no mesmo estabelecimento e no mesmo dia”, revela o pesquisador.

Assim, quais fatores fa-riam o barbeiro ir em direção ao açaí? Em nenhum momento do seu ciclo de vida, eles en-tram em contato com frutos.

então, o que justifica o Trypa-nosoma cruzi estar contami-nando esse típico alimento da população amazônica?

A partir dos anos 2000, houve uma explosão nas ven-das do açaí, tanto no mercado nacional quanto no internacio-nal. Com isso, muitas comu-nidades resolveram investir somente no açaí, com a pers-pectiva de maiores lucros. Ao ampliarem as plantações de açaizeiros, os ribeirinhos in-terferiram no ciclo alimentar dos barbeiros. Sem alimentos, esses insetos migraram do seu habitat para as casas dos ri-beirinhos, em busca de sangue de mamíferos.

Ao visitar a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Ja-neiro, Hervé Rogez encontrou uma pesquisa que apontava quatro aspectos que fazem com que os barbeiros sejam atraídos pelos mamíferos: o CO2 que é liberado por esses animais; a umidade relativa,

já que todos os mamíferos respiram, transpiram e exa-lam umidade; o calor emitido pelos corpos e a irradiação por ultravioleta.

Ao ser retirado da pal-meira, as vassouras do açaí seguem para o processo de de-bulhamento, que é a remoção dos frutos dos cachos. O açaí é colocado em paneiros, que ficam organizados em frente à casa do ribeirinho, à espera da embarcação que fará o trans-porte. É nesse período que o fruto começa a sua intensa respiração e fermentação – mecanismo para obtenção de energia celular.

Após a debulhação, o açaí libera bastante calor. São 5 graus Celsius em cinco horas. Como exemplo, 10 paneiros de açaí equivalem a um adulto, no que se refere à produção de calor. Em decor-rência dessa “respiração”, há uma produção acentuada de CO2. “O fruto respira, usa o

oxigênio e, logo depois, ele fermenta. O barbeiro detecta o paneiro de açaí por essa produção de calor e de CO2”, afirma Hervé Rogez.

O caroço do açaí trans-pira, exalando cheiros comuns ao suor dos mamíferos. O barbeiro, ao receber esses sinais, identifica-os como sendo desses animais. O fero-mônio – substância química de atração sexual - seria mais um motivo para esses insetos se-rem encontrados nos paneiros. Pensando que são fêmeas, os barbeiros voam para acasalar.

O inseto também pode pousar nos paneiros durante a viagem de barco. Ao fazer um voo, o barbeiro busca alimen-tar-se ou reproduzir-se. E, ao chegar aos paneiros de açaí e perceber que não há alimen-to, ele permanece ali, para restabelecer as forças usadas durante o voo, o que leva mais de 24 horas. Do porto, o açaí segue para a comercialização.

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Tecnologia

Internet móvel reconfigura dinâmica social em Afuá

Navegando em outras águas

� Brenda Rachit

O mapa da inclusão digital, trabalho executado pela Fundação Getúlio Vargas, em

parceria com a Fundação Telefônica, publicado em 2012, constatou, por meio de pesquisas quantitativas, que o município de Afuá, no arquipélago do Marajó, tem, em média, 0,8% de acesso à internet. Esse percentual reflete o baixo índice de conexão para muitas cidades da Amazônia e é uma das questões discutidas pelo pesquisador Diogo Silva Miranda de

Miranda, em sua Dissertação Palafi-tas digitais: comunicação, conver-gência, cultura e relações de poder em Afuá, defendida recentemente no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia, da Universidade Federal do Pará (PPGCom-UFPA).

Na pesquisa, foram obser-vados outros aspectos, além dos quantitativos, para compreender a reconfiguração do ambiente comu-nicacional no município. Utilizando a perspectiva metodológica da Car-tografia, o pesquisador construiu um

método próprio e com elementos da Antropologia, Sociologia e Análise do Discurso. Ele selecionou teorias e procedimentos que mais se ade-quavam aos seus objetivos.

A proposta inicial era dis-correr sobre tecnologias móveis, a “cibercultura de bolso”, pois, na cidade, a popularização da internet está bastante atrelada ao uso cres-cente dos smartphones. Contudo a pesquisa revelou outros caminhos e Diogo de Miranda propôs-se a “pen-sar o cenário que se desenvolveu com a chegada da internet e das novas dinâmicas criadas pela ma-neira como a web se relaciona com outras mídias em uma determinada sociedade”, explica.

O pesquisador reconhece a importância das estatísticas, mas alerta que é preciso estar atento aos contextos específicos de cada região. Em viagens ao município, foi possível observar um consumo de tecnologias digitais muito maior do que aquele constatado no Mapa da Inclusão Digital. “Como posso enca-rar como verdadeiros esses números se, ao chegar a Afuá, percebo que as pessoas utilizam intensamente os diferentes aparelhos, como o dono do mercadinho que acessa a internet wifi por um Iphone?”, questiona.

Trabalho de campo releva singularidades O Mapa da Inclusão Digital

é elaborado a partir de um recorte do que pode ser mensurado quanti-tativamente, normalmente conside-rando os computadores pessoais e as linhas de telefonia fixa. em muitas cidades da Amazônia, o acesso à internet via celular e tablets é muito mais frequente. O Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE), a partir do próximo censo, irá considerar essas especificidades, como a rede móvel.

As particularidades afuaen-ses só puderam ser percebidas quan-do o pesquisador esteve em campo.

Diogo de Miranda viajou três vezes à ilha durante a pesquisa. Muito mais do que descrever Afuá e seus contextos, o pesquisador quis viver a dinâmica da cidade. “Partilhei um universo em comum com esses sujeitos, o que nos tornou próximos, participantes das mesmas dinâmicas e experiências. e isso foi fundamen-tal para entender as questões da pesquisa”, afirmou.

Segundo ele, as estatísticas acabam por reafirmar a compreen-são já estigmatizada sobre a Ama-zônia como um território em “atra-so”. “As singularidades da região

necessitam de outras perspectivas de análise”, destaca Diogo.

A internet popularizou-se em Afuá entre 2005 e 2007, porém, em períodos anteriores, houve outras tentativas de conectar a comunida-de à rede mundial de computadores. Algumas lan houses (centros de acesso à internet) surgiram, mas não conseguiram se sustentar, pois a internet ainda não havia alcançado o cotidiano da comunidade, como as rádios. Diogo observa que o rádio, muito mais do que a televisão, exer-ce um papel central nas relações sociais dentro da cidade.

Em Afuá, realidade contraria números

indicados no Mapa da

Inclusão Digital, da Fundação

Getúlio Vargas.

FOTOs ACeRVO dO PesQUIsAdOR

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Tecnologia

Conversas agora se desdobram no ciberespaço

em 2013, foi inaugurada a primeira praça digital com acesso gratuito à comunidade, tornando-se um espaço coletivo bastante representativo na inclusão digital da cidade. “Por que a Prefeitura investiria em um projeto social pra estabelecer uma praça digital para uma população que teria, em tese, 0,8% de acesso à internet?”, ques-tiona Diogo de Miranda. “É claro que há questões políticas nesse

cenário, mas esse fato ilustra a importância que a internet passou a ter na vida dessa população”, avalia.

Mas, assim como na capi-tal, as formas de interação com o universo digital acontecem de maneira diferenciada entre os afuaenses. segundo diogo miranda, infraestrutura e fatores socioeco-nômicos influenciam diretamente na maneira como cada indivíduo

participa desse ambiente e nas formas de apropriação das tec-nologias. Além disso, há relações de poder e de disputa entre os indivíduos: quem não está inseri-do no novo contexto sofre certa marginalização, ao mesmo tem-po, quem não participa também exerce algum poder ao obrigar as instituições a criarem condições que permitam a sua participação e a expansão do mercado.

em Afuá, não há produção de telejornais e o conteúdo regio-nal veiculado pelas emissoras de televisão traz notícias de Macapá e Belém, a maioria das vezes. Por isso, as rádios têm um espaço cativo na comunidade. “As rádios articulam a dinâmica do cotidiano da cidade, dão visibilidade às suas interações sociais”, avalia Diogo de Miranda.

O atraso na conexão de Afuá à internet também decorreu das inúmeras barreiras físicas, pois o município é localizado em região de várzea. A cidade, também conhecida como a “Veneza Marajoara”, não possui ruas ou estradas, é interligada

por pontes e sustentada por pala-fitas, tornando difícil a instalação de um sistema cabeado de rede. Por isso, a internet foi introduzida via rádio.

“A implementação da telefo-nia móvel e o sucesso dos celulares no município fizeram com que a internet se popularizasse e fosse in-corporada ao dia a dia das pessoas”, explica o pesquisador. Hoje, além da telefonia móvel, há três lan houses bastante frequentadas.

Com a chegada da internet móvel, as pessoas apropriam-se de forma diferente desse recurso e isso ressignificou o contexto sociocul-

tural do município. A partir daí, a interação da comunidade foi além da relação restrita ao rádio e à con-versação verbal, ela se desdobrou no ciberespaço. As pessoas passaram a convergir conteúdos dentro do que elas ouvem na rádio, o que vivem e o que produzem na internet. Os radialistas comunicam-se por redes sociais com os ouvintes, ao mesmo tempo em que verbalizam na rádio essa interação.

Ao assumir um papel de mesmo valor daquele exercido pela rádio, a internet ganha forças em Afuá. “sem a rádio, a internet não seria o que é hoje”, afirma.

Interação com o universo digital é diferenciada

No estúdio da Rádio Afuá, locutores recebem mensagens de texto e respondem, ao vivo, aos ouvintes.

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Entrevista

Paulo Markun lança desafio aos jovens jornalistas

Arriscar, ousar e sonhar alto paulO Markun

ACeRVO PessOAL

� Walter Pinto

O jornalista Paulo markun, mais co-nhecido nacionalmente pelos dez anos que passou como apresentador

do Programa Roda Viva, exerceu diversas funções nas redações dos principais jor-nais, nas revistas e nas emissoras de tele-visão brasileiras. Um pouco dessa experi-ência como repórter, editor, comentarista, chefe de reportagem e diretor de redação, ele compartilhou com estudantes do curso de Comunicação social da Universidade Federal da Pará (UFPA), em palestra na qual exortou os universitários a realizarem produções independentes, explorando a diversidade temática da Amazônia. Segun-

do ele, “há muitas histórias para contar e gente interessada em ouvir”.

Beira do Rio – Você é um jornalista com uma carreira iniciada no tempo do Regi-me Militar, tendo trabalhado junto com Wladimir Herzog, jornalista assassinado pela ditadura. Fale um pouco do Herzog e da sua relação com ele. Paulo Markun – Vlado me procurou na redação da Folha de São Paulo, em março de 1975, provavelmente. Ele assumira a chefia da sucursal do Opinião e queria que eu fosse um dos colaboradores. O Opinião era o sonho de consumo, se é que a metá-fora se aplica, dos jornalistas que viam a profissão como uma trincheira de luta pela

democracia. Não conseguia noticiar quase nada, barrado pela censura, mas se dispu-nha a fazer o que muito jornalão evitava. Escrevi uns artigos (censurados), substituí Vlado no posto e, quando ele foi convidado para dirigir o jornalismo da TV Cultura, me levou como chefe de reportagem. Mal entramos na redação e começou uma campanha pela imprensa, patrocinada por jornalistas a soldo da repressão dizendo que os comunistas tinham tomado o poder na emissora. Deu no que deu.

Beira do Rio – A censura à imprensa está definitivamente encerrada no Brasil? Paulo Markun – durante a ditadura, a cen-sura era ampla, geral e irrestrita. Pior em

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alguns veículos, mais indireta em outros, mas geral. Depois do regime, temos liberdade de imprensa. Pode haver, aqui e acolá, a supremacia de inte-resses dos donos dos veículos, a pressão do Judiciário ou de poderosos locais, mas não há, hoje, como suprimir uma notí-cia. E isso é muito bom.

Beira do Rio – O fim do Regime Militar parece ter sepultado a chamada imprensa alternativa, aquela comprometida com um projeto à esquerda. Os jornalistas combativos daquela época estão, agora, atuando na grande imprensa. Dentro desse quadro de liberdades democráticas, o governo e uma parcela da sociedade aca-lentam o desejo de implantar um controle social da mídia. O que você pensa sobre essa proposta?Paulo Markun – Há publicações comprometidas com um projeto à esquerda, com mais de um projeto, na verdade. O que elas têm pouco são condições de sustentação, porque existe pouco público e ainda menos anúncios. A internet subverte isso em parte e cada vez mais. Creio que o debate sobre a regulamentação da mídia deve ser encarado de frente. Uma discussão complicada, em que as paixões e os interesses de vários tipos se digladiam. Se controle social for censura, sou contra, claro. Se liberdade de imprensa for zorra total, tam-bém. Há questões complexas nesse jogo, como o tratamento dado a emissoras de TV a serviço de religiões. Pode, não pode, só pode para quem tem como pagar a conta e cobrar mais adiante?

Beira do Rio – Por que você afirma que a profissão de jornalista está em crise e ameaçada de extinção? Paulo Markun – digo que a profissão acabou e vai sobre-viver como ofício. Penso em férias, 13o, plano de carreira,

hierarquia rígida, veículos de comunicação com faturamento crescente, audiência ou tiragens subindo. Antes do século XX, o jornalismo existia, mas não era indústria. Por que não pode voltar a ser dessa maneira? As novas tecnologias oferecem muitas alternativas. Mas os es-tudantes que correm para o ves-tibular sonham, acredito, com a bancada do Jornal Nacional, as colunas dos jornais, postos seve-ramente de-fendidos por seus atuais ocupantes. É nesse sentido, e com alguma margem de provocação, que costumo afirmar que a profissão aca-bou.

Beira do Rio – Sobre os jovens que estão se lan-çando no mercado, você acha que eles estão saindo das Faculdades de Jornalismo pre-parados para trabalhar com as novas mídias, como celulares, tablets, redes sociais?Paulo Markun – se saem, não creio que tenham aprendido na escola, com seus professores. Essa geração é o que Caio Túlio Costa chama de “os nativos digi-tais”. Não é o nosso caso – meu, do Caio e de uma tropa inteira. O que essa moçada precisa fa-zer é arriscar mais, ousar mais. Sonhar mais alto.

Beira do Rio – Em palestra realizada em Belém, você exortou os estudantes a de-senvolveram produções inde-pendentes. Há, no entanto, algumas dificuldades que não podem ser desconsideradas no caso da Região Norte. Uma de-las é a mínima disponibilidade de patrocínio. Qual o caminho para os estudantes do Norte?Paulo Markun – A Ancine tem vários programas que privi-

legiam projetos nascidos no Norte e Nordeste. É uma saída, não para todos, mas para al-guns. Outra coisa: a Amazônia é mercado para o mundo, em muitos sentidos. Por que não pensar numa agência de notí-cias que cubra o que se passa no interior do Pará, do Amazonas etc.? Mochila nas costas, câ-mera na mão, inglês fluente... tenho impressão de que há muitas histórias para contar – e

gente interes-sada em ou-vir. Talvez seja palpite fácil de quem está longe. Mas al-guém tentou?

Beira do Rio – Apesar do pa-pel interna-cional que a Amazônia al-cançou, prin-c ipa lmente em relação a questões

ambientais, percebe-se, na contramão, um certo retrai-mento dos grandes jornais brasileiros sobre a região, inclusive com fechamento de sucursais. Como explicar essa contradição?Paulo Markun – A grande im-prensa está cortando custos faz tempo. É um jogo perdido e não gostaria de estar na pele de quem está no comando. Santa Catarina, onde moro, não tem mais correspondentes dos principais veículos. E a mídia local segue encolhendo. Na Amazônia então, a coisa é ainda pior.

Beira do Rio – Por dez anos, você foi diretor e âncora do Programa Roda Viva. Depois, foi diretor-presidente da Fun-dação Padre Anchieta, mante-nedora da TV Cultura de São Paulo. Como foi a experiência de trabalhar numa televisão es-tatal para um profissional com larga experiência nos meios de comunicação privados?

Paulo Markun – A TV Cultura é a mais pública das TVs brasi-leiras. Tenho boas lembranças dos dez anos em que estive à frente do Roda Viva, foram sete anos como apresentador, mais três como diretor e apre-sentador. Já a experiência de gestão não foi tão agradável. Mesmo a mais pública das TVs está longe de ser blindada e nenhum governo gosta de pagar para ter uma emissora que não atende seus interesses mais diretos.

Beira do Rio – Sua mais nova produção, o Programa Retro-visor, transmitido pelo Canal Brasil, é uma experiência inédita de jornalismo e histó-ria, na qual você entrevista personagens da história do Brasil interpretados por ato-res. Qual a maior dificuldade para a realização do projeto? Paulo Markun – A dificuldade do projeto vem do fato de ele trafegar na fronteira entre a ficção e a realidade, em ser um misto de jornalismo, teatro e história. A preparação e a bagagem cultural dos atores, aliadas ao talento, desempe-nham um papel fundamental no processo. O anacronismo comparece, como quando Anita Garibaldi diz “ok”. mas, se ele não suplantar o rigor histórico e a veracidade da interpretação, passa. Tivemos a ajuda de duas historiadoras, Daisy Perelmut-ter e Maria Isabela Ryan; uma especialista em caracterização, Ana macLaren; um figurinista, Carlos Alberto Gardin. A dire-ção de fotografia é de sérgio Roizenblit e a escalação do elenco, de Ana Roxo. Ao todo, foram 45 pessoas envolvidas. Como fonte, usamos livros, jornais, memórias e textos de época. E o indispensável patrocínio, via leis de incen-tivo, da Tractebel Energia, do Bradesco e do BNDES. Estou agora empenhado em viabilizar a segunda temporada, com 26 personagens. É o que me leva a seguir trabalhando.

Entrevista

“A Amazônia é um

mercado para o

mundo, em todos os sentidos”

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12 - Beira do rio - Agosto e setembro, 2014

Sustentabilidade

Pesquisas transformam resíduos do peixe em roupas e acessórios

Pescada amarela está na moda

� Walter Pinto

Em viagem de campo à Reserva Mãe Grande, no município de Curuçá, re-

gião nordeste do Pará, a então mestranda do Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Fede-ral do Pará Almira Alice Fonseca Araújo Martins, especialista em moda pela Universidade Anhem-bi Morumbi, observou que, em vários portos da reserva por onde passou, havia sempre al-guns monturos, de considerável altura, de algo que, de longe, lhe pareceu lixo. Examinando mais detidamente, descobriu que os

monturos eram compostos por peles de peixe, descartadas no ambiente por uma grande em-presa exportadora de pescados bem como pelos próprios pesca-dores, após a retirada dos fi lés.

A descoberta instigou a mestranda, que realizava estudo sobre as possibilidades de uso da fi bra do curauá na in-dústria da moda, a redirecionar sua pesquisa, permanecendo, porém, no campo da moda. De imediato, vislumbrou a possi-bilidade de estudar o benefi -ciamento da pele de peixe e a utilização como matéria-prima para confecção de roupas, cin-

tos, sapatos, bolsas, carteiras, enfi m, toda uma linha de aces-sórios de moda. Tudo isso seria realizado segundo um projeto que comprovasse a viabilidade econômica, social, ambiental e cultural à população tradicional da Reserva Mãe Grande.

efetivada a mudança de rumo, ela realizou reuniões com grupos de mulheres da comuni-dade, sobretudo esposas e fi lhas de pescadores, para as quais, explicou a proposta do trabalho, destacando o grande potencial econômico das peles de peixe na indústria de moda, princi-palmente se as peças a serem

produzidas estiverem associadas às tendências contemporâneas de design e de mercado.

Por meio de oficinas, a pesquisadora propôs-se a ensinar as principais etapas do processo de produção, ou seja, o beneficiamento do couro, a elaboração do figurino e a confecção das peças. Ao fi nal das oficinas, as mulheres da comunidade teriam adquirido conhecimento sufi ciente para desenvolver suas próprias pro-duções, expandindo, assim, a cadeia produtiva da pesca, uma atividade tradicionalmente associada ao gênero masculino.

Beleza garante demanda e valorização no mercadoSegundo Almira Martins,

o couro de peixe selecionado para uso foi o da pescada amare-la por ser o de maior demanda no mercado, em função da beleza de seu relevo. Em contato com o proprietário da empresa de ex-portação de peixe, ela conseguiu que as peles não fossem mais descartadas no ambiente, mas entregues aos pescadores, que, assim, teriam garantida a maté-ria-prima para dar continuidade à produção, a ser executada segundo o modelo de economia solidária, conforme propunha o projeto.

No entanto a pesquisa-dora defrontou-se com algumas adversidades na execução do trabalho. A principal foi a ausên-cia de um curtume para benefi -ciamento das peles na Reserva mãe Grande. dessa forma, as pe-les foram transportadas e bene-fi ciadas num pequeno curtume da Ilha de Outeiro, localizada na Região Metropolitana de Belém. No curtume, quase doméstico, o benefi ciamento só alcançou o estágio inicial, correspondente à transformação do couro em camurça. O projeto da mestran-da “desenhou” dois cenários a

serem implantados na Reserva Mãe Grande, viáveis, inclusive, para qualquer comunidade de pescadores. Os dois contavam com a implantação de curtumes sustentáveis para elaboração de couro de peixe, em maior ou menor escala.

Mesmo sem ser uma eta-pa ideal, aquele estágio inicial adequou-se à proposta do proje-to, pois a camurça não esconde a beleza natural do relevo do couro da pescada amarela e serve como matéria-prima para confecção de vários acessórios do vestuário, desde que não

submetidos diretamente à água. Evidentemente, um tratamento mais prolongado, que atingisse outras etapas, resolveria esse problema e agregaria mais valor aos produtos.

Mantendo a proposta de diálogo entre moda e recursos naturais, Almira Martins dese-nhou e confeccionou 25 peças, transformando o lixo descarta-do pela empresa exportadora de peixe em requintados e modernos acessórios de uso pessoal, entre os quais, tiaras, prendedores de cabelo, cintos e sandálias.

Pesquisadora lamenta desorganização da comunidadeO estudo de Almira Mar-

tins aponta para uma alterna-tiva economicamente viável de aproveitamento do rejeito da indústria da pesca. A indústria da moda possibilita maior valor agregado ao produto fi nal, mas há várias possibilidades. Uma delas seria o uso da pele como matéria-prima para produção de ração para consumo animal. En-

tretanto a pesquisadora entende que, qualquer que seja o destino dado à pele do pescado, a comu-nidade precisa se organizar como uma cooperativa.

“Penso que os moradores da Reserva Mãe Grande de Curu-çá devem atuar como agentes de seus próprios destinos. Isso, eles só vão conseguir com or-ganização. Percebi que este é

um dos mais graves problemas que enfrentam. É algo que se manifesta na principal atividade econômica local, a pesca. Eles têm difi culdade, por exemplo, de partilhar barcos, por isso, fi cam na mão de atravessadores”, avalia.

Outra observação que retirou da experiência com a comunidade é a dependência dela para com o poder público, seja

municipal, seja estadual, seja federal. “eles esperam muito do governo. Um exemplo disso é a administração da própria Reserva. Em vez de organizarem-se a partir de bases sólidas para alcançar suas demandas, eles fi cam aguar-dando providências externas”.

Leia mais em jornalbeiradorio.ufpa.br

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Agosto e setembro, 2014 - Beira do rio - 13

Sustentabilidade

Em Bragança, estudo propõe curtimento artesanal � Victor Oliveira

Bruno José Corecha Fer-nandes Eiras, graduado em Engenharia de Pesca

pela UFPA, em Bragança, tam-bém percebeu que as comuni-dades não encontram utilidade para o resíduo do pescado, geralmente, depositado em lixões e rios.

Segundo Bruno Eiras, é possível que o resíduo do pescado seja reaproveitado de diversas maneiras: peças artesanais podem ser confec-cionadas com a pele do peixe; as escamas podem ser utilizadas artesanalmente na confecção de bijuterias e acessórios; a carcaça, transformada em fari-nha e concentrados proteicos, que, por sua vez, ajudariam na nutrição da merenda escolar.

A monografia “elabo-ração de uma metodologia de curtimento artesanal da pele

da pescada amarela (cynoscion acoupa) e aplicação através de ofi cinas em uma comunidade no município de Bragança – PA” apresenta proposta em que a pesquisa é complementada pela extensão. Durante o trabalho, foram selecionadas e treinadas artesãs da Comunidade pes-queira do Castelo, localizada no município de Bragança, nordeste paraense.

Entre os resíduos de pei-xe desprezados pela aparente falta de valor, está a pele. O autor deu enfoque ao aprovei-tamento desse material criando um método de curtimento que permitisse o uso da pele na confecção de roupas e acessó-rios de couro não convencional. “Entre os peixes com potencial para o curtimento, pode-se citar a pescada amarela, pelo grande porte e alto rendimento de pele”, afirma. A pescada amarela é uma das espécies de maior importância econômica na nossa região.

O processo para confec-ção do couro foi simplifi -cado, diminuindo o nú-

mero de máquinas e reagentes químicos,

assim, as arte-sãs poderiam reali-

zá-lo em suas residências, uti-lizando materiais comuns ao seu cotidiano.

“A pele é colocada de molho para descongelar ou retirar o sal. Outra vez se põe de molho junto com cal, esse ‘ingrediente’ vai agir na pele a fi m de limpar a sua estrutura interna onde estão os elemen-tos que difi cultam o processo de curtimento, além disso, o cal facilita a remoção da es-cama”, descreve o engenheiro de pesca.

O material é processado por meio de uma ferramenta conhecida como “estira”, que remove as escamas, os restos de carne e outras substâncias que não farão parte da estrutura do couro. esse processo facilita a ação do agente curtente e garante maior maciez ao cou-ro. Em seguida, é adicionado o componente curtente vegetal denominado de tanino – subs-tância vegetal (polifenol) que atua na pele do peixe transfor-mando-a em couro.

Então, o couro é coberto com óleo vegetal – nesse caso, foi usado óleo de andiroba, e le-vado para secagem. A coloração fi nal é defi nida pelo tanino que

predomina nas estruturas d a

pele. O processo de curtimento dura duas semanas e os resíduos desse processo constituem ape-nas água, cal, tanino, óleo de andiroba. Todos eles possuem pequeno impacto ambiental comparado às quantidades de reagentes químicos utilizados pela metodologia industrial de curtimento.

O processo simples e lucrativo permite que a comuni-dade mantenha a atividade sem a necessidade da presença de um técnico. “As peles de peixes correspondem entre 4,5% e 14% do peso do animal e geralmente são desperdiçadas”, comenta o autor da pesquisa.

“No mercado, a pele de peixe é bastante valorizada. Por exemplo, o couro curtido com origem na pela da tilápia custa em torno de R$ 150,00 e R$ 200,00 o metro quadrado, enquanto o couro bovino é co-mercializado por preço médio entre R$ 40,00 e R$ 60,00”, afi rma Bruno. Ainda é possível acrescentar maior valor a esse couro, com peças produzi-das a partir desse material. O processo permite maior custo benefi cio e, se alavancado em grande escala, reduz o impacto ambiental gerado pelo descarte dos resíduos nos lixões.

ALexANdRe mORAes

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14 - Beira do rio - Agosto e setembro, 2014

Amazônia

Estudo experimental comprova alívio dos sintomas da doença

Castanha é usada contra malária

Camundongos receberam

pré-tratamento com solução

equivalente a duas castanhas

por dia.

FOTOs ALexANdRe mORAes / AdOLFO LemOs

� Marcus Passos

Ela ajuda no combate aos radicais livres, fortalece o sistema imunológico e dimi-

nui o colesterol ruim. O que parece ser a atuação de um medicamento são apenas os benefícios propor-cionados pela castanha-do-pará. essa semente esférica, marrom, originada da castanheira, uma ár-vore nativa da Floresta Amazônica.

Recentemente, um estu-do da Universidade Federal do

Pará, por meio do Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Biologia Celular, agregou mais um benefício a essa lista. sob a autoria de Layse martins Gama e orientação da professora maria elena Crespo López, o estudo “ma-lária e medicina popular: efeito da Castanha-do-Pará em camundongos infectados com Plasmodium ber-ghei” comprovou que o consumo da semente influencia também no quadro da malária.

A malária é uma doença

infecciosa, com alta incidência em regiões de climas tropical e sub-tropical. Sua transmissão ocorre por meio da picada do mosquito Anopheles fêmea, infectada pelo protozoário do gênero Plasmo-dium.

A escolha pelo estudo da castanha ocorreu em razão da sua composição rica em agentes capa-zes de combater alguns quadros de intoxicação e auxiliar em quadros de infecção. “A malária entrou nesse contexto quando vimos que havia indicação positiva em loca-lidades paraenses sobre o uso da castanha. A população afirma que basta comer duas castanhas por dia ou tomar a água do ouriço para os sintomas da doença diminuirem”, revela Layse. A metodologia do es-tudo foi baseada nessa experiência popular. Outras referências afir-mam que a cada grama de castanha são ingeridas 128 microgramas de selênio – um mineral importante para o organismo. Para o estudo, as castanhas foram compradas no mercado do Ver-o-Peso, em Belém, em barracas aleatórias, vindas de diversas regiões do Estado.

Pré-tratamento garante maior resistência O estudo resolveu compro-

var, experimentalmente, a eficácia nutritiva da castanha-do-pará no combate aos sintomas clínicos causados pela malária. Para isso, foram realizados testes em camun-dongos para a comprovação dessas hipóteses. Foram três grupos expe-rimentais: Controle – que não tinha nenhum tratamento, ou seja, um grupo normal; Plasmodium berghei, que foram apenas infectados com o parasita; e o Grupo Plasmodium berghei e castanha-do-pará – que receberam um pré-tratamento à base de castanha e, depois, foram infectados.

Dentro das várias linhagens de camundongos, a pesquisa utilizou

a espécie Balb/C, infectada pelo Plasmodium berghei, por desenvol-ver um ciclo biológico equivalente às espécies que infectam humanos, sendo semelhante ao quadro de malária comum na Amazônia.

“É um modelo experimental, bem definido nas pesquisas científi-cas. Para essa análise, propusemos criar uma relação de semelhança entre a malária humana, de acordo com os sintomas clínicos, caracte-rísticas patológicas e o que acomete essa espécie”, explica Layse Gama.

A pesquisa avaliou: o nível de parasitemia – quantidade de hemácias que contém o parasita; a massa corporal do animal – para ver se a castanha conseguia manter o

peso do camundongo que estava in-fectado; a sobrevida, a pesagem dos órgãos, além das enzimas hepáticas no sangue. Para facilitar a ingestão pelo animal, a semente foi diluída em uma solução equivalente a duas castanhas por dia.

A castanha-do-pará foi admi-nistrada como um pré-tratamento, ou seja, antes da inoculação com o Plasmodium berghei para o grupo ‘Castanha + Plasmodium’. “Foram 11 dias de pré-tratamento e, depois, a infecção. Analisamos se o tratamento conseguia fazer com que o animal resistisse melhor aos efeitos do pa-rasita. e a castanha fez com que os animais ficassem mais resistentes!”, comemora a pesquisadora.

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Agosto e setembro, 2014 - Beira do rio - 15

AmazôniaResultados são signifi cativos

anÁlise

Parâmetros / Grupos Sobrevivência dos animais após infecção

Evolução do peso dos animais Nível de parasitemia

Animais infectados com Plasmodium Berghei (P.b)

Sobreviveu até o 25° dia Iniciou em torno de 35g e terminou abaixo de 20g

No 18º dia após a infecção, foram verifi cadas em torno de 28% de células infectadas

Animais pré-tratados com castanha-do-pará e infectados posteriormente (Cast + P.b)

Sobreviveu até o 27º dia Iniciou em torno de 35g e terminou acima de 20g

No 18° dia após a infecção, foram verifi cadas em torno de 17% de células infectadas.

Fonte: Dissertação / Baseado em 10 animais (P.b) e 10 animais (Cast + P.b)

Em quase 30 dias de análise, o experimento chegou aos seguintes resultados: o nível de parasitemia do animal que consumiu a castanha-do-pará apresentava-se menor em suas células. Em relação ao peso dos animais, o grupo que foi infectado com Plasmodium berghei perdeu mais peso em relação ao grupo que fez o pré-tratamento à base da semente amazônica.

em relação à infl amação, na pesagem dos órgãos, o tamanho do fígado foi maior nos camundongos infectados com Plasmodium berghei do que nos animais dos outros grupos. A alteração das enzimas hepáticas foi maior no grupo que não ingeriu a castanha. Em relação à sobrevivência dos animais, o último camundongo do grupo sem castanha mor-reu com 25 dias depois da infecção, enquanto o último animal que consumiu o fruto morreu dois dias depois, com 27 dias.

Por meio desses resultados, “verifi camos que os aspectos clínicos dos animais melhoraram. A castanha não destruiu o pa-rasita da doença, porque ela não tem propriedade antibiótica, mas os sintomas clínicos agressivos da malária foram reduzidos nos camundongos. Nesse caso, ela pode ser entendida como um reforço nutricional. Assim, esse consumo evidenciou uma boa diferença entre o animal que tinha consumido a castanha e o animal que não tinha”, analisa Layse Gama.

Em comparação ao medicamento usado para matar o pa-rasita, o qual traz vários efeitos colaterais para o paciente – dor de cabeça, náuseas e vômitos, por ser um medicamento forte, a castanha-do-pará poderia ser um suplemento alimentar que atuaria na diminuição dessa toxicidade. ela funcionaria como uma colaboradora nesse tratamento.

essa pesquisa pioneira confi rma a relação que possuímos com as frutas da Amazônia. “A castanha pode funcionar como base de suplementos que possam melhorar a condição do pa-ciente, principalmente na nossa região, onde muitas pessoas não têm acesso ao medicamento ou não conseguem chegar ao posto de saúde. O reforço com a castanha poderia ajudar essa população”, enfatiza Layse Gama.

D e n -tro do corpo cien-tífico, o estudo tem uma dimensão abrangente, pois a utilização da castanha-do-pará está sendo usada para outras pesquisas. Para Layse Gama, mesmo sendo um trabalho experimental e não r e a l i z a d o em humanos, o resultado é extremamente signifi cativo. É o primeiro trabalho que comprova, cientifi camente, que a cas-tanha pode ter um papel importante no tratamento da malária e os resultados apoiam o uso popular desse fruto como um agente protetor.

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Saúde

Pesquisa aponta equívocos nas estratégias de prevenção

Câncer uterino mantém altos índices

FatOres de riscO

� Brenda Rachit

O câncer está em quarta colo-cação no ranking mundial de mortalidade por patologias.

Em âmbito nacional, a doença ocupa o terceiro lugar e, na Região Norte, o primeiro. Em se tratando de câncer de colo do útero, a incidência, no Brasil, só está abaixo da do câncer de mama e, no Norte, novamente, aparece em primeiro lugar. Para colaborar com as estratégias de pre-venção à doença, a professora dirce Nascimento Pinheiro, da Faculdade de enfermagem da Universidade Fe-deral do Pará, desenvolveu, em sua tese de doutoramento, a Pesquisa Fatores interferentes nas estratégias de controle do câncer do colo do útero com ênfase no HPV, defendi-da no Programa de Pós-Graduação

em doenças Tropicais da UFPA, sob orientação da professora marília Brasil Xavier.

A professora, que também já atuou na Secretaria do Estado de Saúde Pública (SESPA), trouxe a familiaridade que tinha com o tema para verificar quais os impedimen-tos para o bom funcionamento das iniciativas públicas de prevenção ao câncer de colo do útero, no Pará. De acordo com Dirce Pinheiro, hoje, há muitas interferências na execução das estratégias de prevenção, o que acaba comprometendo a eficiência dessas políticas.

Baseado no histórico da do-ença no Brasil e incentivado pela Conferência Nacional das mulheres, que ocorreu na China, em 1995, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) desenvolveu o Programa Viva Mu-

lher, responsável pelo rastreamento nacional de casos de câncer de colo do útero (CCU). O combate à doença foi considerado prioritário, entretanto há situações que precisam ser revistas dentro das iniciativas públicas de controle.

Entre essas estratégias, está a aplicação do exame colpocitológico, mais conhecido como exame pre-ventivo. “Além de detectar preco-cemente as lesões, permite saber se há alguma infecção genital”, explica dirce Pinheiro. Até o final da década de 1990, o exame só era disponibi-lizado em Belém. A partir de 2000, houve a expansão do preventivo para todas as regiões do interior do Pará e, de acordo com a pesquisadora, “hoje, os 144 municípios têm o exa-me sendo ofertado para as mulheres, em alguma unidade básica”.

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Agosto e setembro, 2014 - Beira do rio - 17

Saúde

O exame preventivo deve ser feito em mulheres jovens, quando a chance de sucesso no tratamento é maior.

ILUsTRAÇÃO e INFOGRáFICO máRCIO dIAs

Pesquisa analisou perfil socioeconômico Cinco unidades básicas foram

observadas. Uma delas é manti-da pela Secretaria Municipal de Saúde, no bairro Guamá; outra é ligada à Universidade estadual do Pará (UePA), no bairro marco; uma unidade mantida pela Secretaria de Estado de Saúde do Pará (SESPA), no bairro Pedreira; e duas atendidas pelo Programa Saúde da Família. De acordo com a professora, a pesquisa pretendia avaliar “a efetividade das estratégias no ambiente amazônico, que tem uma história de câncer permanente”.

Um dos fatores analisados na pesquisa foi o perfil socioeconômi-co. “As mulheres que adoecem de câncer de colo do útero têm baixa renda e baixa escolaridade”, revela

Dirce Pinheiro. Dados da pesquisa comprovam que menos de 50% das mais de 800 mulheres entrevistadas chegaram ao ensino médio.

Outro dado que chamou atenção da professora foi a idade das pacientes dessas unidades. “A maioria pertence à faixa etária desfavorável ao programa de pre-venção, o qual prioriza mulheres com 25 anos, quando, geralmente, surge a doença. As mulheres que procuram as unidades para realizar o preventivo estão na faixa dos 40 anos. Nessa faixa etária, provavel-mente, o câncer está em estágio avançado”, explica.

Como a doença se desenvolve de forma lenta, os sintomas irão intensificar por volta dos 40 ou 50

anos, período que coincide com a menopausa e quando as queixas ginecológicas são mais incômodas, levando as mulheres a procurarem orientação e tratamento médico. segundo a professora, isso explica os altos índices de mortalidade.

“Para melhorar as estraté-gias desenvolvidas nas unidades de saúde, é preciso levar educação em saúde para a escola”, afirma dirce. As estratégias precisam alcançar as mulheres que ainda não realizaram o preventivo, fazendo a busca ativa dessa jovem que já iniciou a vida sexual. Outro aspecto importante é a reavaliação do perfil etário dessas mulheres, pois a prematuridade no diagnóstico favorece o tratamento e a erradicação do câncer.

Estilo de vida está associado às ocorrênciasDirce Nascimento Pinheiro

explica que o aparecimento do câncer se dá a partir de uma célula alterada. No período menstrual, as células uterinas passam por uma renovação e, a partir daí, podem surgir células que se diferenciem morfologicamente das demais, ou seja, alteradas em sua estrutura natural. Estas se desenvolvem ace-leradamente e crescem além do normal, são células potencialmente cancerígenas.

A professora alerta que a eficiência do exame depende da qualidade do esfregaço cervical obtido por um procedimento simples e de fácil execução, que deve ser realizado por profissional treinado. “O colo do útero possui uma camada de células que o recobre externa-mente, chamada ectocervice, e uma camada que reveste a parte interna do canal, que é chamada endocer-vice. A junção desses dois epitélios é dita como junção escamo-colunar (JEC). Nesta junção, ocorre a maior parte das lesões pré-malignas e malignas, cerca de 80%. Assim, a coleta adequada e o bom uso desse exame como estratégia de rastre-amento auxiliam o diagnóstico das lesões pré-malignas e a redução da mortalidade por câncer”, explica.

Alguns fatores, como o início precoce da vida sexual, a mul-tiplicidade de parceiros e o uso prolongado de anticoncepcionais, deixam a mulher mais vulnerável ao Papilomavírus humano (HPV). “O HPV sozinho não leva ao câncer, é preciso ter hábitos e estilo de vida que favoreçam o surgimento da do-ença”, alega Dirce Pinheiro.

De acordo com a pesquisa-dora, o HPV é mais frequente entre jovens mulheres – de 15 a 20 anos, e desenvolve-se sem sinais aparentes. da mesma forma, o câncer de colo uterino é assintomático e suas fases pré-clínicas são potencialmente

tratáveis. Ao alcançar o estágio avançado, as chances de cura são bem menores. Por isso, a importân-cia de detectar as lesões ainda em fase inicial da doença.

O exame colpocitológico é uma estratégia de prevenção se-cundária. “A prevenção primária é o estilo de vida. A mudança de hábitos prejudiciais à imunidade é funda-mental para prevenir uma possível contaminação viral e a suscetibilida-de ao câncer. O ideal é que o exame seja aplicado em mulheres jovens, quando são maiores as chances de prevenção e tratamento”, afirma a pesquisadora.

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resenha

Direitos Humanos e indígenas crianças no Brasil

serviçO

Indígenas Crianças, Crianças

Indígenas, de Assis da Costa

Oliveira. Ed. Juruá

Você leu o Es-tatuto da Criança e do Adolescente (ECA)? Será que as crian-ças contidas no ECA compreendem as in-dígenas crianças? Res-pondendo negativa ou afirmativamente às perguntas, é interes-sante conhecer a rigo-rosa problematização feita por Assis da Cos-ta Oliveira sobre os direitos de indígenas crianças ou crianças indígenas, tema tão instigante e escassa-mente debatido no cenário acadêmico e inexistente na for-mulação de políticas públicas.

Como docente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGA) da Universi-dade Federal do Pará (UFPA), acompanhei a concepção do traba-lho, a realização da pesquisa de campo e os passos necessários à defesa de uma dissertação que se transformou em livro, que veio a lume recentemente, trazendo no bojo, de forma aconchegada, a pro-posta de não apenas discutir a trama relevante ao tema, pois oferece mais! Propõe caminhos para cons-trução de um novo paradigma que situe e trate as questões relativas à diversidade de ser criança no Brasil, considerando os marcadores étni-co-raciais que apontam diferenças que geram intermináveis discussões, especialmente na Amazônia.

O livro contextualiza a dis-puta pela determinação de direitos das crianças – indígenas e não indí-genas – apontando o “descaso” com as primeiras no âmbito do Poder Legislativo, ampliando, assim, a compreensão da estratégia dos po-vos indígenas em busca da conquista dos novos direitos indígenas, luta renhida e persistente enfrentando o colonialismo que oprime e ho-

mogeniza as pessoas etnicamente diferenciadas. Na sequência, o autor trabalha os aportes relativos à fundamentação e à compreensão dos paradigmas da infância e dos direitos humanos, com base em aportes jurídicos relativizados pela Antropologia. A realidade sociojurí-dica e cultural dos povos indígenas é apresentada de forma etnográfica, fruto de consequente trabalho de campo, raríssimo no campo do Direi-to. A etnografia destaca a construção social da infância e da juventude entre os povos indígenas em contra-ponto à construção social da infância e juventude no Ocidente.

O segundo capítulo preten-de, como define o autor, propor a construção de filosofia política com-plementar à Doutrina da Proteção Integral, que rege, hoje, os direitos das crianças, produzindo subsídios para a estruturação da denominada Doutrina da Proteção Plural, que

possui, por suporte principiológico, a autodeterminação dos povos indíge-nas e rege-se pela articulação entre os valores da igual-dade, da diferença e do protagonismo.

A o f i n a l , Oliveira, de for-ma competente, apresenta a cons-trução hermenêu-tico-normativa de propostas para t ransve r sa l i za r direitos indígenas de crianças e jo-vens em relação a determinados assuntos que, na atualidade, provo-cam intervenção e reflexão do sis-tema de Garantia de Direitos. A dis-cussão de temas, como ato infra-cional, trabalho infantil, violência contra criança, en-tre outros, deve

ser pensada na interface da diver-sidade cultural, para recepcionar adequadamente os povos indígenas.

A discussão feita na obra é pautada na interculturalidade dos Direitos Humanos, de maneira a assinalar a relevância da categoria pessoa como equivalente funcional no diálogo intercultural que justifica a inversão axiológica: de crianças indígenas para indígenas crianças e possíveis repercussões aos seus direitos, pois independente da con-dição de ser criança, as crianças são, primordialmente, indígenas e viven-ciam o dia a dia de acordo com as normas do povo ao qual pertencem. Afinal, diferença expressa, apenas, a diversidade, e esta é plural, como o Brasil.

Jane Felipe Beltrão – Antropóloga e historiadora, docente dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) e direito (PPGd) da UFPA.

ACeRVO dO PesQUIsAdOR

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Agosto e setembro, 2014 - Beira do rio - 19

A História na Charge

Em TempoArtigosA Revista Amazônica está recebendo arti-gos para publicação. O periódico publica artigos inéditos, relatórios de pesquisa, notícias de pesquisas em andamento, resenhas, traduções, resumos de teses e ensaios fotográficos. Os trabalhos podem ser submetidos pelo site ou pelo e-mail: [email protected] A Amazônica é publicada em março e setembro, somente em versão digital, com acesso gratuito.

OdontologiaO Instituto de Ciências da Saúde (ICS) e a comunidade odontológica do Estado do Pará comemoraram o centenário da Faculdade de Odontologia. A cerimônia contou com a presença de autoridades, professores, alunos e técnico-administra-tivos. Entre os homenageados, estava a ex-estudante Lucimar da Costa Revorêdo, 98 anos, que se formou em Odontologia, em 1946.

SeminárioEstão abertas as inscrições para o II seminário Nacional de Linguagens, Tecno-logias e Práticas Docentes, promovido pelo Grupo de estudos Linguagens e Práticas educacionais da Amazônia (GeLPeA), da UePA, em parceria com a UFPA. Nos dias 11 e 12 de setembro, os participantes irão com-partilhar referenciais que visem melhorar o ensino e a aprendizagem. Informações: http://gelpea.blogspot.com.br/

Antropologia A UFPA vai receber o encontro de An-tropologia Visual da América Amazôni-ca. O evento, promovido pelo Grupo Visagem, acontecerá no período de 4 a 6 de novembro. Os prazos para sub-missão de trabalhos são: 20 de agosto, para resumos; e 10 de setembro, para mostra de filmes. mais informações no s ite http://www.eavaam2014.com.br/

EquipamentosA UFPA receberá da Coordenação de Aper-feiçoamento de Pessoal de Nível superior (Capes), ainda em 2014, R$ 2.468.400 para a aquisição de equipamentos de pesquisa destinados à consolidação ou expansão de seus Programas de Pós-Graduação. A con-cessão foi anunciada com o resultado do Edital do Programa Pró-Equipamentos, que aprovou integralmente a proposta apresen-tada pela UFPA.

PrêmioEstão abertas as inscrições para os Prêmios santander Universidades. A iniciativa é com-posta por quatro premiações: Empreende-dorismo; Ciência e Inovação; Universidade Solidária e Destaque do Ano. Cada projeto é avaliado por uma banca independente, formada por instituições de importância nacional e internacional. As inscrições po-dem ser feitas até o dia 18 de setembro, no site www.santander.com.br/universidades.

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