BEM-VINDO AO NOVO MUNDO · Mil anos mais tarde, a varíola ajudaria Hernan Cortés a derro-tar o...
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BEM-VINDO AO NOVO MUNDO
O “Grande Confinamento” fez-nos enfrentar realidades que nunca imaginámos e forçou-nos a experimentar soluções que, até há pouco tempo, eram irrealistas. O choque da Covid-19 poderá provocar mudanças
estruturais na forma como a nossa economia se organiza – de Estados com mais músculo e maior
preocupação com desigualdades a revoluções no local de trabalho e a um recuo da globalização
Texto Nuno Aguiar e Rui Barroso
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Daqui a 50 anos, os mais jovens talvez se lembrem
onde estavam quando o Governo português mandou
toda a gente para casa – ou quando as aulas passavam
na RTP Memória –, quando Donald Trump enviou
cheques a todos os norte-americanos, quando dei-
xámos de apertar as mãos uns aos outros ou quando
todo o mundo tentou fazer pão em casa. O corona-
vírus obrigou-nos a abrir uma espécie de caixa de
Pandora e a assistir a coisas que nunca esperámos
ver, desde movimentos de desglobalização a almo-
ços de Páscoa em videoconferência. Mas ao contrá-
rio de Pandora, este movimento é deliberado e não
está a libertar “todos os males do mundo”. Nalguns
casos, podemos até escolher conservar
algumas das mudanças. O mundo não
voltará a ser o mesmo depois do “Grande
Confinamento”.
O Estado está a expandir os seus po-
deres como se estivéssemos em guerra; o
modelo de comércio internacional é ques-
tionado; a Europa está numa nova encru-
zilhada entre a maior integração já vista
e o divórcio; o teletrabalho tornou-se uma realidade
para milhões e as fragilidades provocadas pela pre-
cariedade e pelas desigualdades nunca foram tão
evidentes. O setor de turismo e viagens arrisca-se a
nunca mais ser o mesmo, e até a nossa relação com
o dinheiro físico pode não voltar atrás. “A História
está em fast-forward”, assinala Robert Kaplan, do
Eurasia Group, ao Axios.
Talvez não devêssemos ficar admirados. Afinal, no
passado, as pandemias foram momentos
de transformação das sociedades. No sé-
culo VI, a praga de Justiniano enfraqueceu
o Império Bizantino. Mil anos mais tarde,
a varíola ajudaria Hernan Cortés a derro-
tar o Império Asteca, depois de, 200 anos
antes, a peste negra ter dizimado, talvez,
metade da população europeia e acelera-
do do fim do feudalismo. Alguns autores
acham que os protestos durante a quinta pandemia
da cólera deixaram as sementes para a Revolução
Russa de 1917. Como Elizabeth Kolbert sublinha na
New Yorker, “a História não é escrita apenas pelo Ho-
mem mas também pelos micróbios”.
No passado, as pandemias
foram momentos de transformação
das sociedades
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Fora do mundo dos vírus, choques como a Gran-de Depressão, a II Guerra Mundial ou o 11 de Setem-bro também mudaram as sociedades muito para lá da dor imediata. Fartos de vermos as nossas vidas limitadas, a tentação pode ser achar que esta é só uma pausa na normalidade. O precedente histórico aponta noutro sentido. Algumas transformações não serão passageiras.
A dimensão estrutural desta crise dependerá da força do embate. As projeções que existem até agora sugerem que é preciso recuar até à II Guerra Mundi-al para encontrar um nível de destruição económica comparável. Para Portugal, o FMI estima uma con-tração do PIB de 8%, o que, a confirmar-se, será a se-gunda maior recessão dos últimos 150 anos e a mais agressiva desde 1928. E há ainda o risco de a quebra ser mais violenta, caso não seja possível evitar novas vagas do vírus.
Recessão
É preciso recuar até à II Guerra Mundial para encontrar um nível de destruição económica comparável ao da pandemia
MAIS PROCURA NA PROVÍNCIA, IR MENOS AO ESCRITÓRIO E VENDER DIGITALPandemia deve ajustar preços das casas em Lisboa e no Porto. Portugal continuará no radar internacional, confia setor
O confinamento, que reduziu a
socialização e o consumo e trouxe
o escritório para casa, criou uma
situação sem precedentes ao setor
imobiliário. Tendências como as
compras online ou o teletrabalho
“poderão vir a alterar paradigmas
no futuro do mercado”, entende
Andreia Almeida, associate da
Cushman & Wakefield (C&W).
Na área comercial, o retalho terá
de conviver com o aumento das
vendas digitais, mas conveniência
e proximidade serão oportuni-
dades. A hotelaria vê-se forçada
a adaptar modelos de negócio à
procura futura, estima a C&W. “As
estratégias terão de ter em conta
a nova realidade pós-pandemia e
a importância de os consumidores
voltarem a ter confiança na utiliza-
ção dos espaços e na economia em
geral”, defende António Sampaio
de Mattos, presidente da Associa-
ção Portuguesa de Centros Comer-
ciais, que acredita que este setor
particular voltará a ser “dinâmico”
no pós-pandemia.
Nos escritórios, o trabalho remoto
pode ditar menos postos de
trabalho fixos mas também uma
descida da densidade ocupacio-
nal, aponta a C&W. O fenómeno
pode ainda refletir-se no mercado
habitacional, segundo Luís
Lima. Graças às boas
acessibilidades no País, o
teletrabalho pode levar a
“um aumento da procura
[de casas] nas zonas
mais rurais”, aponta
o presidente da
Associação dos
Profissionais
e Empresas
de Mediação
Imobiliária
de Portugal. Para já, os preços
sobreaquecidos em Lisboa e Porto
deverão reajustar e dar oportunida-
de à retoma do mercado de arren-
damento –, seja pela instabilidade
laboral e quebra de rendimento
das famílias, pela reconversão
do alojamento local com menos
procura ou como oportunidade de
investimento.
Luís Lima admite “uma tendência
de desvalorização do patrimó-
nio”, mas nada que se compare
com o efeito no tempo da Troika,
quando havia excesso de stock. “É
expetável que os valores caiam. Se
não acontecer, é por irracionalida-
de do mercado,” considera Filipe
Campos. Antes da pandemia, o
economista da Deco já via menos
rendimento disponível nas famílias
e dificuldades para comprar casa
nos grandes centros. Agora, a
descida dos preços e o aumento
da oferta poderiam impulsionar o
arrendamento de longo prazo: “Se-
ria bom que crescesse e concor-
resse com o mercado de compra,”
aponta.
Um inquérito recente do Confi-
dencial Imobiliário conclui que a
recuperação das vendas deste
setor pode demorar um ano a partir
do momento em que se controle o
surto. Já a C&W diz que os
fundamentais de atrativi-
dade do mercado naci-
onal se mantêm e que
Portugal continua no
radar dos investidores,
“com muitos inclusi-
ve já a preparar-se
para a retoma,
sobretudo os
mais bem
capitalizados”.
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Esta crise veio, de facto, expor a excessiva dependência que temos de outras geografias e do fornecimento de bens, até de alguns serviços, que foram deslocalizados nos últimos anos para outras zonas geográficas, nomeadamente para a Ásia”António Saraiva
Presidente da CIP
A ERA DA DESGLOBALIZAÇÃOOs planos de reindustrialização da Europa deverão ser acelerados, após as fragilidades expostas pela pandemia
“Portugal terá de voltar a pro-duzir o que se habituou a im-portar da China”, disse António Costa. E não é apenas o nosso País. Em muitas economias eu-ropeias e nos EUA, a pandemia fez com que governantes e em-presários chegassem a conclu-sões semelhantes. A Comissão Europeia prepara-se para uma redefinição do conceito de glo-balização. E, para muitas em-presas, ficou evidente de que depender da produção de um bem na outra ponta do mundo para manter a atividade é um sistema que pode ter falhas.
“Esta crise veio, de facto, expor a excessiva dependência que temos de outras geografi-as e do fornecimento de bens, até de alguns serviços, que fo-ram deslocalizados nos últimos anos para outras zonas geográ-ficas, nomeadamente para a Ásia”, afirma António Sarai-va à EXAME. O presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) defende que “a União Europeia deve imple-mentar uma reindustrialização estratégica, dando a cada Esta-do-membro, de acordo com as suas especificidades e desenvol-vendo as suas competências na-turais, produções próprias, de forma a trocar importações por fabrico interno.”
Nas últimas décadas, o pro-cesso de globalização levou à desindustrialização de muitos países europeus e mesmo dos EUA. Criaram-se cadeias de valor em que o Sol não se põe e muito complexas. A China e
outros países asiáticos torna-ram-se uma espécie de loja do mundo. Numa situação de cri-se em que fiquem paralisadas algumas regiões asiáticas ou os transportes de mercadorias, basta faltar essa peça na engre-nagem para muitas empresas pararem. Aliás, ainda antes de a pandemia chegar à Europa, já havia uma preocupação em relação ao impacto que o confi-namento na China iria criar no comércio e na economia in-ternacional. “Se determinado componente é produzido num país e se esse estiver numa crise, toda a cadeia para e isso levará as empresas a regressarem a ca-deias de valor regionais”, expli-ca Patrick Artus, economista do Natixis, num relatório recente.
Além da questão das cadei-as de valor, a Europa e também os EUA tornaram-se dependen-tes da China para conseguirem ter acesso a bens essenciais. O exemplo mais extremo é a cor-rida que existe entre os países ocidentais para convencerem fornecedores chineses a ven-derem-lhes material e equipa-mentos médicos essenciais ao combate à pandemia. Agora, a regra para grande parte dos países ocidentais poderá pas-sar a ser trazer mais atividade industrial para dentro de por-tas, “especialmente em áreas críticas e essenciais, como as farmacêuticas, defesa, infra-estruturas de saúde e tecnolo-gia”, sublinha Robin Parbrook, gestor da Schroders, numa nota aos investidores.
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Nuno Valério, professor catedrático do ISEG, lembra que, até à industrialização, “as grandes cri-ses resultavam sobretudo de más colheitas e que era muitas vezes na sequência das fomes que se verifi-cavam as epidemias”. Nos últimos 200 anos, Portu-gal enfrentou duas epidemias marcantes. A primeira foi uma “combinação de cólera e febre-amarela em 1855-1856”, cujas consequências foram impulsiona-das “por uma grande crise agrícola”, aponta Valério. Em 1900, houve uma epidemia semelhante, mas foi contida com um cordão sanitário no Porto.
O episódio mais conhecido aconteceria no arran-que do século XX, com a explosão da gripe de 1918, que ficaria conhecida como a “gripe espanhola”. “O número de mortos foi da ordem dos cem mil numa população de seis milhões. Entretanto, é claro que a sociedade estava muito fragilizada pela guerra de 1914-1918 e pelas suas sequelas. A redução da ativida-de económica foi grande, talvez da ordem dos 20%”, sublinha o economista.
Quem cresceu nessa altura não se esquece. E é provável que o mesmo aconteça com esta crise, ante-cipa Maria João Valente Rosa, entrevistada pela EXA-ME nas páginas seguintes. “Acho que não nos iremos esquecer – e não quer dizer que não soubéssemos estas coisas, só que elas não faziam parte das nossas reflexões – do facto de estarmos a viver com a incer-teza do amanhã. A curto e médio prazos vamos ficar com a ideia de que tudo pode mudar”, afirma a de-mógrafa e ex-diretora da Pordata.
É difícil que essa incerteza acrescida não condici-one comportamentos. Perante uma economia virada de cabeça para baixo, em poucas semanas, será que a “geração Covid-19” vai valorizar mais a segurança nas suas várias dimensões, do trabalho aos apoios soci-ais? “A geração Z será capaz de dizer “eu lembro-me onde estava” quando começaram a enviar cheques a toda a gente ou quando os cuidados de saúde se tornaram gratuitos para permitir que todos fossem testados”, diz, ao Axios, Jason Dorsey, presidente do Center for Generational Kinetics (CGK), referindo-se à realidade norte-americana.
Por cá, ao assistirem ao perigo de colapso do SNS, os jovens da geração Z exigirão o seu reforço? Ao ve-rem os pais sem rendimentos ou eles próprios sem trabalho, como olharão para os vínculos precários – Portugal tem um dos níveis mais altos da Europa – e para as condições de trabalho na gig economy? Novos apoios sociais abrangentes aumentarão a pressão por programas mais generosos? Nos EUA, onde temos mais dados e inquéritos, sabemos que a geração Z, nascida a partir de meados dos anos 90, é mais pro-gressista do que a anterior, os millennials que, por sua vez, já tinham uma visão menos conservadora do que os pais e os avós. Setenta por cento dos “Z’s”
Menos dependência de Pequim
A China tornou-se a fábrica do mundo. Mas os problemas nas cadeias de produção e a importância dos setores estratégicos poderão levar Portugal e a Europa a seguir uma estratégia de maior autossuficiência
Bruxelas tem dado sinais for-tes de que irá seguir esse caminho. Depois de a China ter ganhado in-fluência em empresas estratégicas europeias, como a EDP e a REN, por exemplo, desta vez a Comissão Europeia quer impedir que o Esta-do chinês faça o mesmo. Margre-the Vestager, vice-presidente da Comissão Europeia e que tem o pelouro da concorrência, deu luz verde aos governos europeus para entrarem no capital de empresas, de forma a impedirem compras a preços de saldo por parte de enti-dades relacionadas com Pequim.
Apesar de o caminho da des-globalização e da reindustrializa-ção se ter tornado mais evidente por causa da pandemia, esse pro-cesso já tem vindo a ganhar forma mesmo antes da Covid-19. “Esta ideia não é nova nem é apenas consequência desta crise”, diz An-tónio Saraiva. O responsável recor-da que “uma das primeiras linhas políticas desta nova Comissão Eu-
ropeia foi precisamente iniciar um processo de reindustrialização da Europa, assente nas valências de cada Estado-membro, com um grande enfoque na inovação, na digitalização, e sem esquecer as novas exigências que se colocam em termos da economia verde e da reutilização de recursos”.
A pandemia pode agora fazer acelerar esse processo. Patrick Ar-tus acredita que isso resulte numa maior reindustrialização em paí-ses como os EUA, o Reino Unido, a França e a Espanha. A consequên-cia é que as economias mais ex-portadoras e que servem como as lojas do mundo, como a chinesa ou a alemã, tenham de desindus-trializar-se.
No entanto, essa evolução não acontecerá de um dia para o outro, e as cadeias globais não serão cor-tadas pela raiz. “Obviamente não deixaremos de ter cadeias globais de abastecimento, nem tão-pouco faço a apologia da implementação de medidas de cariz protecionis-ta. Mas é essencial diminuirmos a excessiva dependência que temos de algumas geografias, não só pro-duzindo internamente como di-versificando as cadeias de abas-tecimento”, considera António Saraiva.
O caminho é para uma glo-balização mais moderada. Para a economia, Patrick Artus ante-vê que isso possa trazer mais in-flação, já que os produtos ficarão mais caros por não serem fabrica-dos em países com mão de obra barata. Outra das possíveis con-sequências será um reequilíbrio das balanças comerciais e de pa-gamentos. R.B.
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norte-americanos acham que o governo deve fazer
mais para solucionar os problemas do país, em vez
de deixar a sua resolução para empresas e indivíduos.
Essa percentagem é de 49% entre os baby boomers (nascidos no pós-II Guerra Mundial).
Esta atitude dos mais novos não surpreende. Se-
rão eles, provavelmente, os mais prejudicados por
esta crise. As recessões tendem a penalizar mais os
trabalhadores jovens, que têm contratos mais precári-
os e estão empregados em setores dos serviços muito
afetados por esta crise, e, seja pela informalidade do
vínculo ou pela carreira curta, muitos deles não têm
acesso a subsídio de desemprego. Num estudo sobre
o Reino Unido concluía-se que o grupo com maior
perda de rendimentos durante a pandemia corres-
ponde a esta descrição: homem jovem a trabalhar
numa pequena empresa.
Tal como nos ensinou a crise anterior, gerações
que passam por um grande choque económico ficam
com cicatrizes que podem nunca desaparecer. Susa-
na Peralta, professora da Universidade Nova, dizia à
EXAME de abril que “a cicatriz do medo e da falta de
confiança no futuro” irá prejudicar “a saúde psico-
lógica das pessoas, especialmente nas famílias que
têm menos recursos”, e terá “consequências drásti-
cas para uma geração de crianças educadas em casa”.
Um impacto que pode emperrar o elevador social.
O ESTADO COM MÚSCULOPara a geração que cresceu com um iPad na mão, a
integração com a tecnologia será ainda mais inten-
sa. O isolamento e a privação de contacto físico com
outras crianças e jovens – quando voltará a haver vi-
agens de finalistas? – podem prejudicar uma geração
que, segundo os estudos disponíveis, já tem mais pro-
blemas de saúde mental do que todas as anteriores,
normalmente relacionados com trabalho e situação
financeira.
Mais desamparados económica e socialmente, é
natural que exijam aos seus representantes eleitos
que atuem. Também isto não seria inédito. Períodos
de crise têm sido momentos de mudan-
ças sociais profundas. Os mecanismos de
Segurança Social norte-americana nas-
ceram das cinzas da Grande Depressão, e
a arquitetura social dos países ocidentais
ganhou forma no pós-II Guerra Mundial
(exemplo disso é o SNS britânico). Como
disse o chefe de gabinete de Barack Oba-
ma, quando o Presidente dos EUA tomou
posse em plena crise financeira, “uma cri-
se grave nunca se deve desperdiçar”. En-
costados à parede, os governantes arriscam soluções
e reformas que não considerariam noutras situações
de acalmia.
Margaret O’Mara, historiadora e professora na
Universidade de Washington, prevê que, “à medida
que acompanhamos os briefings diários de responsá-
veis de saúde pública, que ouvimos as orientações dos
governantes regionais e que procuramos
ajuda e esperança nos nossos líderes na-
cionais, vamos percebendo o papel deci-
sivo que o “Estado grande” tem nas nossas
vidas e na nossa saúde”. “Também vemos
as consequências mortais de quatro déca-
das de desinvestimento nas infraestrutu-
ras públicas e de desvalorização da espe-
cialização do setor público”, acrescenta
ao Politico.
A exigência de resposta ao coronaví-
rus está a empurrar os governos para a expansão dos
poderes do Estado, avançando com um nível de in-
tervenção na economia que, há poucos meses, seria
A exigência de resposta
ao coronavírus está a empurrar
os governos para a expansão
os poderes do Estado
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M A I O 2 0 2 0 . EXAME . 1 7M A IM A III O 2O 2O 22O 222 0 2 00 2 00 2 00 2 00 2 00 2 00 00 2 0 . . EXAEXAEXAEXAEXAEXAEXAEXAEXAEXAEXAEXAEXAEX MMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM
impensável. Em Portugal, se contarmos com a Fun-
ção Pública, o Estado já é total ou parcialmente res-
ponsável pelo pagamento de salários a metade dos
trabalhadores. Os apoios sociais que exigem condi-
ções – RSI, CSI ou subsídio de desemprego – foram
estendidos automaticamente, cada vez mais empresas
dependem da cedência de liquidez do setor público e
é possível que seja necessário recorrer à nacionaliza-
ção da TAP. Ao mesmo tempo, o estado de emergência
concedeu enormes poderes de limitação dos movi-
mentos e de direitos dos cidadãos que constituem
riscos para a sua privacidade e, nalguns países, para
a própria democracia.
Os défices vão disparar e a dívida pública arris-
ca atingir níveis insustentáveis. Para lidar com esse
desequilíbrio das contas, podemos ter de optar en-
tre uma repetição das vagas de austeridade aplicadas
durante a crise anterior e soluções novas e radicais
Negócios
O confinamento fez-nos depender mais do comércio online. Empresas terão de adaptar-se mais depressa a essa realidade
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DEVAGAR E COM CAUTELAS No setor das viagens e do turismo, confiança e segurança são chaves para a retoma. E oportunidade para surgirem novos produtos
Com 187 países ou territórios su-
jeitos a confinamento e medidas
de distanciamento social que po-
dem ir até 2022, os negócios das
viagens e do turismo devem reini-
ciar aos solavancos e trazer novas
experiências, que combinam o
afastamento, a desinfeção de
espaços e a gestão de concentra-
ções através da tecnologia. Numa
primeira fase, a IATA admite que a
ocupação dos aviões seja cortada
em um terço. A Wizzair pondera
distribuir materiais de proteção
pelos passageiros e a Emirates
já faz testes à Covid-19 antes do
embarque.
Eduardo Abreu, sócio da consul-
tora Neoturis, nota que a aviação
combina todos os elementos de
risco ligados à transmissão do
vírus – pessoas de várias origens
e nacionalidades, aglomeradas e
em trânsito pelos aeroportos ou
confinadas num avião.
Sem datas para reabrir fronteiras
e aeroportos, há a juntar os re-
ceios, que geram um efeito “pior
do que o 11 de Setembro”, arrisca
John Strickland. O britânico, dono
da JLS Consulting, diz à EXAME
que o transporte aéreo demorará
no mínimo “dois ou três anos a
recuperar”, seja com ajudas de
Estado (possível caso da TAP) ou
com fusões e aquisições. O mo-
delo low-cost provavel-
mente sobreviverá,
mas os clientes
empresariais
vão poupar
nas viagens
e evitar
deslocações,
usando
tecnologias.
Depois da
crise, arrisca,
muitos não terão
dinheiro para lazer
e a questão ambiental vai subir na
agenda.
Eduardo Abreu prevê menos via-
gens de longo curso e mais para
destinos internos – o primeiro-
-ministro já desafiou os portugue-
ses a ficarem cá dentro no verão
–, além de reservas em cima da
hora (a menos que haja grandes
descontos). É provável uma desci-
da “não particularmente significa-
tiva” dos preços na hotelaria, mas
no transporte aéreo dependerá,
além dos combustíveis, das
limitações de capacidade das
companhias e da procura.
Com os consumidores preocupa-
dos com concentrações de pesso-
as e com as condições sanitárias
dos destinos, o segmento jovem,
turistas de países com pandemia
mais controlada ou operadores
turísticos que garantam clientes
saudáveis no início da viagem são
caminhos a explorar por Portugal.
E haverá, afirma o consultor,
espaço para ofertas hoteleiras
num “modelo all inclusive (...), que
permaneçam no hotel durante
toda a sua estada; uma espécie de
confinamento turístico”. O facto
de o País ser percecionado como
seguro pode ajudar a alavancar
uma recuperação mais rápida das
empresas. Já John Strickland de-
fende que se continuar, como até
agora, a haver um menor
efeito da Covid-19 nas
mortes em Portugal
em relação a
outros destinos
turísticos, essa
circunstância
pode ajudar
o País a
“ter uma
vantagem
relativa”.
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Após esta crise, o que exigirá a população ao SNS? O que acharão da “gig economy”? E do papel dos apoios sociais?
O REGRESSO DO ESTADO?A resposta ao choque económico do coronavírus está a exigir um Estado mais interventivo e com mais poderes. Está para ficar?
A dimensão do choque provo-
cado pela Covid-19 está a fazer
dos Estados o centro do univer-
so da resposta, tanto à emer-
gência de saúde pública como
àquela que pode ser a maior
crise económica em quase 100
anos. O setor público terá de
servir como ponto de socorro
para os diferentes setores de
atividade, procurando man-
tê-los à tona. Mesmo quando
a pandemia passar, podemos
estar perante um caso de caixa
de Pandora: não é claro que seja
possível voltar atrás.
Em poucas semanas, o co-
ronavírus poderá ter sido res-
ponsável por um fast forward
na forma como muitos olham
para a economia. Rapidamen-
te, ficou claro que adiar inves-
timentos públicos em saúde é
perigoso, que um Estado bem
preparado é importante em
momentos de aperto, que pode
ser boa ideia colocar incentivos
no terreno para tornar os fluxos
de comércio internacional me-
nos vulneráveis e que os gover-
nos provavelmente deveriam
ter um papel mais interventivo
na correção das desigualdades
na sociedade. Pelo caminho,
alguns tabus podem desapa-
recer, seja o financiamento de
défices por bancos centrais ou
a criação de rendimentos in-
condicionais. Em maior ou em
menor medida, o que estamos
a assistir aponta para um sen-
tido: um Estado mais presente
na economia, com mais pode-
res e mais responsabilidades.
“Eu julgo que é incontorná-
vel o facto de esta crise ter con-
sequências muito piores, por-
que o Estado andou a dormir
nas últimas décadas. Não só
evitávamos uma parte dos cus-
tos económicos – se houvesse
excesso de capacidade nos sis-
temas de saúde que nos permi-
tisse continuar uma vida mais
normal – como a enorme de-
sigualdade da sociedade piora
as consequências disto”, apon-
ta Susana Peralta, economista
da Nova SBE. “Basta pensar na
diferença entre quem tem vín-
culos laborais e vai continuar a
receber o salário e depois en-
tre a enorme massa de pessoas
com horário zero, sem víncu-
los estáveis, informais e pro-
prietários de pequenos servi-
ços de proximidade. Para não
falar nas crianças que ficam
sem uma alimentação decen-
te porque as escolas fecham.”
O que já está a acontecer no
terreno? Por esta altura, se con-
tarmos com o número de fun-
cionários públicos, o Estado
português paga o salário total
ou parcial a metade dos traba-
lhadores de todo o País. O lay-off simplificado já ultrapassa o
milhão de pessoas; os recibos
verdes com apoios já vão em
perto de 150 mil, e o apoio à
família já ultrapassa esse nú-
mero. Os apoios sociais estão a
ter um reforço abrangente. Em
Portugal, por exemplo, os sub-
sídios de desemprego, o Ren-
dimento Social de Inserção e o
Complemento Solidário para
Idosos foram automaticamen-
te renovados. Outros países es-
tão a ir mais longe. Nos EUA,
Donald Trump anunciou o en-
vio de cheques para a casa de
todos os norte-americanos. Ao
mesmo tempo, crescem os nú-
meros de empresas dependen-
tes da liquidez concedida pelo
Estado. A 18 de abril, já havia
16,5 mil empresas portuguesas
candidatas às quatro linhas de
crédito de apoio à economia,
que ascendem a 6,2 mil mi-
lhões de euros.
A intervenção do Estado
não deve ficar por aí. Mário
Centeno já admitiu que, caso
seja necessário, o Governo po-
derá considerar nacionalizar a
TAP. Itália já anunciou a nacio-
nalização da Alitalia. O minis-
tro das Finanças francês disse
que o seu executivo estava
preparado para nacionalizar
grandes empresas, e o governo
alemão passou mensagem se-
melhante: grupos estratégicos
podem ter esse destino. Todas
estas transformações acaba-
rão refletidas nos indica-
dores de contas públicas,
com o engordar de
défices orçamen-
tais e a explosão
de dívida pública.
E essa é só a
dimensão econó-
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– alguns diriam perigosas. Por isso é que estamos a
assistir a medidas (quase) inéditas no plano monetá-
rio, como foi o programa de compra de ativos lançado
em tempo recorde pelo BCE, para controlar a subida
de juros dos países do euro, ou a decisão de o Banco
de Inglaterra financiar diretamente a despesa pública
do Reino Unido. “Para todos os efeitos, isto significa
que o banco central está simplesmente a imprimir
dinheiro. Que isto esteja sequer a ser considerado, e
por um governo conservador, é prova da gravidade
da situação”, escreve o historiador Adam Tooze, na
Foreign Policy. “É também indicativo de que, em vez
de provocar indignação e vendas em pânico, a decisão
do Banco de Inglaterra, até agora, provocou apenas
um encolher de ombros dos mercados financeiros.”
Se estes tiros não saírem pela culatra, é expectável
que haja pressão para que sejam utilizados com mais
frequência, noutros momentos de crise.
Mas nem tudo vai desaparecer com um estalar de
dedos, assim que o coronavírus deixar de ser uma
preocupação. É provável que esta crise deixe feridas
que exigirão uma intervenção pública durante algum
tempo. A dívida pública demorará a descer, o Gover-
no português já admite estender o layoff simplificado
para lá da duração do atual pico da Covid-19 e muitas
empresas precisarão de mais tempo para se manterem
à tona, principalmente se dependerem da atividade tu-
rística. Se o desemprego permanecer elevado, também
pode não ser fácil voltar a limitar algumas prestações
sociais. António Costa já adiantou que a fase de recupe-
ração poderá envolver emprego público, por exemplo,
na área das florestas. É provável que o investimento
público de larga escala também faça parte do cardápio.
O Financial Times, não propriamente um defen-
sor da intervenção estatal, pedia num editorial recen-
te “reformas radicais”. “Os governos terão de aceitar
um papel mais ativo na economia. Têm de olhar para
os serviços públicos como investimentos, em vez de
passivos/obrigações, e encontrar formas de tornar o
mercado de trabalho menos inseguro”, podia ler-se
no texto publicado no início de abril.
“Tendo-se chegado à frente para providenciar
tanto durante a crise, o Estado não deverá simples-
mente recuar até às suas formas e dimensões anteri-
ores, assim que isto acabar, uma vez que não foi isso
que fez no passado”, escreve Daniel Susskind, autor
de Um Mundo sem Trabalho. “Muitos dos estados so-
ciais mais fortes da Europa encontraram a sua forma
inicial no pós-guerra. Imagino que o mesmo aconte-
cerá na nossa era.”
�DES�UNIÃO EUROPEIA?Esta capacidade de intervenção do Estado não está
garantida no médio prazo. Em economias mais frá-
geis, como é o caso da portuguesa, ela está depen-
Primeira resposta
O ministro da Economia tem sido a face dos apoios desenhados pelo Estado para tentar segurar empresas e empregos
ção da economia.”
Um dos sinais de que a forma
como se olha para o Estado pode
estar a mudar foi dado pelo Fi-
nancial Times. O jornal britânico
não é conhecido por defender as
intervenções musculadas do Es-
tado, mas escreveu um editorial a
sublinhar que esta é a altura para
mudarmos a forma como olha-
mos para o papel do setor público.
O jornal pedia “reformas radicais”
que invertessem a direção política
das últimas quatro décadas. “Os
governos terão de aceitar um pa-
pel mais ativo na economia. Têm
de olhar para os serviços públi-
cos como investimentos, em vez
de passivos/obrigações, e encon-
trar formas de tornar o mercado
de trabalho menos inseguro”. No
editorial pedia-se também mais
medidas de redistribuição – re-
feria em concreto o rendimento
básico incondicional e impostos
sobre a riqueza – e lembrava-se
que o pós-II Guerra Mundial trou-
xe reformas profundas na arqui-
tetura dos Estados.
No entanto, nem todos con-
cordam que esse deverá ser o
corolário da crise (e resposta) à
Covid-19. Fernando Alexandre
argumenta que a “economia de
mercado, mais ou menos regu-
lada, provou ser o sistema eco-
nómico que melhor satisfaz as
necessidades materiais das po-
pulações” e que, passada a pan-
demia, “o pêndulo deslocar-se-á
novamente no sentido da econo-
mia de mercado e do recuo do Es-
tado”. Susana Peralta contrapõe:
“Espero que esta consciência de
que grandes riscos como este só
podem ser mitigados pelos Esta-
dos possa levar as pessoas a re-
investirem no Estado Social e na
redistribuição a sério do rendi-
mento e da riqueza, como acon-
teceu no pós-guerra”. O debate,
esse, está garantido. N.A.
mica. O estado de emergência
confere ao Governo poderes ex-
traordinários, de supressão da
mobilidade das pessoas, de limi-
tação da atividade das empresas
e de proibição de manifestações
religiosas ou sindicais. Já existe
um debate sobre os riscos que
essa dimensão mais poderosa,
conjugada com a necessidade de
contínuo controlo de movimen-
tos, pode ter para os direitos de
privacidade dos cidadãos.
A tentação de muitos será
achar que isto é provisório e que
tudo regressará à normalidade,
assim que houver uma vacina ou
a imunidade de grupo for atingi-
da. Porém, do lado económico, as
consequências vão durar muito
mais tempo do que a recessão. É
possível que uma geração acabe
influenciada por este período?
Que opinião terá sobre a neces-
sidade de um SNS forte? Ao ver
os pais sem rendimentos ou ela
própria sem trabalho, como verá
os vínculos precários da gig eco-
nomy? Apoios sociais abrangen-
tes aumentarão as exigências de
esse tipo de programas?
Fernando Alexandre, profes-
sor na Universidade do Minho,
não vê outra hipótese, a curto
prazo, que não seja a extensão dos
poderes do setor público. Numa
primeira fase desta crise, em que
observamos “falhas no funciona-
mento dos mercados”, o Estado
deve intervir para “proteger o ren-
dimento e o emprego das pesso-
as, e criar condições de liquidez e
solvabilidade das empresas”, ex-
plica à EXAME. “A coordenação
do Estado será essencial no con-
trolo da pandemia e na recupera-
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dente das soluções comuns que sejam possíveis de
encontrar no quadro europeu. E, nesse campo, há
mais dúvidas do que certezas.
Na altura em que este texto é escrito, ainda não
há garantia de que os Estados-membros cheguem
a acordo sobre uma resposta orçamental comum à
crise provocada pela Covid-19. O que já temos por
certo é que a atual situação fez a União Europeia re-
gressar aos conflitos Norte-Sul que marcaram a cri-
se anterior. As acusações são muito semelhantes: o
Sul não se preparou o suficiente para a crise; o Norte
não é solidário.
Contudo, desta vez, a relação de poderes é um
pouco diferente e a Alemanha parece estar mais fle-
xível. Bernardo Pires de Lima reconhece que “existem
amarguras” desde a crise anterior, mas lembra que “a
política europeia sempre foi suja” e que está otimista
em relação ao desenlace das negociações. “A história
da Europa mostra que as situações-limite geram so-
luções.” Desta vez pode não haver outra opção. “Não
há sobrevivência do euro sem a sobrevivência de Itá-
lia”, afirma o especialista em política internacional.
Grégory Claeys, do Bruegel, está mais pessimis-
ta. “Muitas pessoas podem ficar desiludidas e even-
tualmente existirá alguma pressão dos eurocéticos.
Poderá haver algum tipo de fragmentação do euro,
entre países que podem ter um programa ambicioso
de recuperação e países que não o podem fazer”, diz
à EXAME. Os italianos estão cada vez mais desapon-
tados com a UE e dois terços já a veem como uma
desvantagem para o país. Provavelmente muitos não
se esquecerão de que, na hora de maior aflição, a UE
se deixou ultrapassar pela China no auxílio às regiões
italianas mais atingidas.
O risco de “Italexit” vai subindo, devagarinho é
certo. Mas as crises anteriores já nos mostraram que
os cisnes negros – de baixa probabilidade, mas de
impacto gigante – aparecem. E se os erros e a falta de
ação da última crise se repetirem, o projeto europeu
pode muito bem terminar. Jacques Delors considera
que a Europa enfrenta um “perigo mortal” e António
Costa avisou que ou “a União Europeia faz o que tem
de fazer ou a União Europeia acabará”.
Enquanto Norte e Sul parecem estar em conti-
nentes opostos, tem sido o Banco Central Europeu a
segurar as pontas e a impedir, novamente, que a Zona
Euro se desintegre. Mas não é função de um banco
central ser o principal responsável por assegurar que
um projeto económico e social não se dissolva. Ch-
ristine Lagarde tem deixado isso bem claro nas men-
sagens aos chefes de Estado. “Não penso que alguém
esteja à espera de que seja um banco central a estar
na linha da frente na resposta”, afirmou, quando os
países europeus se viram confrontados com a para-
lisação económica.
TRABALHO A.C./D.C.O termo já se começou a tornar usual entre os especialistas e diretores de Recursos Humanos: vamos mesmo ter uma forma de trabalhar Antes da Covid (a.C.) e outra depois da Covid (d.C.). Ou, por outras palavras, esqueça a forma de trabalhar como até aqui a conheceu
Em média, foram duas sema-
nas. Depois de vários anos a
discutir sobre se seria possível
os trabalhadores serem igual-
mente produtivos em modo de
teletrabalho, a verdade é que fo-
ram precisos apenas 15 dias para
que as empresas, cujas funções
o permitem, colocassem, se não
todos, pelo menos grande parte
dos seus funcionários a trabalhar
remotamente. Num inquérito do
Centro de Estudos e Sondagens
de Opinião (Cesop) da Univer-
sidade Católica para o Público
e a RTP indicava-se que 23,2%
dos portugueses estavam em te-
letrabalho desde que o País en-
trou em isolamento voluntário,
com 70% destes a garantirem
que a experiência estava a cor-
rer bem – apesar dos constran-
gimentos potenciados pelo facto
de os filhos também estarem em
casa, em regime de ensino a dis-
tância ou de férias. Esta é, possi-
velmente, a alteração mais visí-
vel, em termos de trabalho, que
a Covid-19 trouxe no último mês.
Mas o que ficará desta experiên-
cia, de forma estrutural, para o
futuro? “Eu acho mesmo que o
teletrabalho veio para ficar”, co-
meça por dizer Catarina Horta,
diretora de Recursos Humanos
do Novo Banco. Ao telefone com
a EXAME, admite que está no es-
critório por questões de exemplo
– “temos 350 balcões abertos; as
minhas pessoas estão a trabalhar
presencialmente, e eu acho que
também devo estar ”–, mas que
alterou profundamente a modo
como gere o dia e as reuniões.
Toda a gente tem de usar más-
cara e não é permitido que mais
de quatro pessoas estejam reu-
nidas numa sala de 100 metros
quadrados. “Não nos cumpri-
mentamos, falamos à distância.
E temos de ter consciência de
que, a partir de agora, vamos li-
dar de forma diferente [uns com
os outros]”, nota. Mas o que é
preciso é “transformar as fra-
quezas em forças”, desdramati-
za. Afinal, a indústria farmacêu-
tica internacional, cita em jeito
de exemplo, há mais de 20 anos
que usa o teletrabalho de forma
eficaz. “Quando cheguei a Por-
tugal, achavam que eu era tonta,
por propor reuniões à distância.
Afinal...”, atira com um sorriso
no rosto, recordando os tempos
em que trabalhou fora do País.
Que o teletrabalho terá vindo
para ficar, parece ser unânime.
E esta, embora seja uma forma
de produção possível, sobretudo
entre quem ganha salários mais
elevados, é uma alteração rele-
vante para o mercado. É possível
que não o continuemos a fazer tal
como agora – todos os dias, a full time e sem alternativas –, mas a
forma como continuará a fazer
parte das nossas vidas será dita-
da pela postura da empresa, do
trabalhador e, acima de tudo, das
lideranças. “A questão é que, para
dar o salto [para o trabalho re-
moto], perdemos o controlo das
pessoas e nós temos algum medo
disso”, nota Maria João Valente
Rosa, socióloga e antiga diretora
da Pordata. Bastante crítica das
lideranças atuais (ver entrevista
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M A I O 2 0 2 0 . EXAMEM A IM AMM AM AM AM OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO
O teletrabalho veio para ficar, bem como os horários flexíveis
mosVid ullore con corit eius
Em reri destistrum quissinum quiatur aut eum des que volum et hillis inci qu Itae voluptia ium volupta ipsam fugit lam qui ommo
da página 30), a responsável sublinha que, “se calhar, se ti-véssemos reais avaliações de desempenho, já teríamos dado o salto”. Adam Grant é profes-sor de Gestão e Psicologia na Wharton School, da Univer-sidade da Pensilvânia, e, cita-do recentemente pelo World Economic Forum, dava conta da importância das lideran-ças a partir de agora: “Esta é uma altura em que os líderes têm de mostrar-se flexíveis e de ter compaixão, dando aos seus trabalhadores a liber-dade de escolherem quan-do, como, onde e com quem querem trabalhar”. Na mesma ocasião, o especialista referia a importância de garantir o sen-timento de pertença a uma or-ganização, através, por exem-plo, de viagens virtuais pelos novos espaços de trabalho de cada colaborador, mas tam-bém salientava a necessidade de se repensar, por exemplo, a
quantidade de reuniões que, de repente, tomaram con-ta dos nossos dias. “Estamos sentados em videoconferên-cias durante todo o dia [o que pode, também, penalizar os funcionários mais introverti-dos], ao invés de estarmos a dizer: ‘Sabem uma coisa? Se calhar devíamos ter menos re-uniões’.” Questões de hábito que, à partida, serão normali-zadas com o passar do tempo, mas sobre as quais é preciso começar a pensar já.
No mesmo sentido, espe-cialistas ouvidos pela Har-vard Business Review e por consultoras, como a E&Y, lembram aos gesto-res que é urgente repen-sar a questão do dia com oito horas de trabalho e a tão aclamada concilia-ção entre a vida profissio-nal e a pessoal, que se tem provado, afinal, possível. Sobre-
tudo porque ninguém perde tempo nos percursos de e para o trabalho, e porque as tare-fas têm de ficar definidas mais concretamente com maior re-gularidade. Outra das reco-mendações dadas aos líderes é a de que, após o período de pandemia, se recordem de to-das as vezes que penalizaram funcionários que pediram um horário mais flexível ou para passarem menos tempo em viagens – muitos dos quais garantiram a manutenção dos níveis de produtividade dessas mesmas organizações, traba-lhando a partir de casa e com os filhos por perto.
Num outro sentido, Cata-rina Horta salienta as altera-ções que vão acontecer ao ní-vel dos escritórios, cujas áreas possivelmente vão ficar mais reduzidas, em consequência da rotação de colaboradores que deverão ficar a trabalhar remotamente e também dos vários postos de trabalho que vão, inevitavelmente, desapa-recer, como “deverá ser o caso de alguns cargos administra-tivos e os de ligação às admi-nistrações, que se revelaram, agora, perfeitamente dispen-sáveis”. Em resumo: o que im-porta agora é “transformar as nossas fraquezas em forças”, tendo consciência de que a maior parte das alterações que estamos a viver veio para fi-car, “sob pena de isto ser mui-to pior”, conclui a responsável
do Novo Banco, antes de seguir para mais
uma teleconfe-rência.
GETT
Y IM
AGES
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Crises passadas já significaram passos de gigante
para uma maior integração europeia. Esse caminho
pode acelerar. Beatriz Soares Carneiro, consultora es-
pecializada em assuntos europeus, considera que a
solidariedade com as economias em maior dificul-
dade de recuperação deste choque económico che-
gará sempre com condições associadas: “Ou chega
pela via da condicionalidade associada a emprésti-
mos (como na Troika) ou por um maior centralismo
em Bruxelas, por via do controlo orçamental e da
harmonização fiscal.”
A decisão que os líderes de Norte a
Sul terão de tomar é se querem continu-
ar numa Europa a velocidades cada vez
mais diferentes, com países ressentidos
e em risco de baterem com a porta, ou
se preferem abraçar a coordenação para
garantirem uma menor dependência de
outras potências e evitarem perder influ-
ência num mundo pós-pandemia, que
poderá ser marcado por uma maior ne-
cessidade de autossuficiência.
A pandemia afetou as cadeias
de fornecimento, que nós dávamos
como garantidas nas últimas décadas,
e pode refrear a globalização
RECUO DA GLOBALIZAÇÃOO “Grande Confinamento” impôs uma travagem
brusca nas nossas vidas e rotinas. E é normal que
essa pausa forçada nos leve a questionar o funciona-
mento da nossa sociedade e da nossa economia – e
até de pilares considerados sagrados.
“Esta crise irá, muito provavelmente, provocar
uma redefinição das nossas estratégias, da nossa ge-
opolítica e, eventualmente, até da própria globaliza-
ção”, afirmou Ursula von der Leyen no Parlamento
Europeu. A pandemia afetou as cadeias de
fornecimento, que nós dávamos como ga-
rantidas nas últimas décadas. Sem peças
vindas da China dificilmente saem carros
de fábricas em Palmela. E a falta de pro-
dução interna deixou muitos países de-
pendentes da boa vontade chinesa e de
outros países para conseguirem material
de proteção e de equipamento de saúde
para lidarem com a pandemia.
“Esta crise veio, de facto, expor a ex-
cessiva dependência que temos de outras
Se a atual pandemia trouxe mar-cas duradouras, uma delas será a mudança na forma de trabalhar na investigação científica, mais concentrada no agora, atesta Carla Nunes. “Ganhámos a noção de ur-gência na investigação, porque os resultados são necessários hoje, para que possam ser realmente úteis agora, o que não é normal na nossa investigação.” A diretora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) detetou, por outro lado, “mudanças estruturais” na pres-tação de cuidados e serviços de saúde nos doentes por Covid-19, passando pela integração de cui-dados no domicílio e hospitalares, pelo rastreio de contactos e pela articulação entre todos os agentes.Já para Óscar Gaspar, a pande-mia funcionou como um toque a rebate que é preciso não ignorar. “Acredito que esta crise sanitária e a comoção social provocada levem
a que se assuma a saúde como uma prioridade.” Para o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), é preciso aumentar o investimento em saúde no País, nos próximos anos, reforçando o financiamento do SNS e aproveitando a oferta e a capacidade de investimento nos privados, desde logo num plano de emergência para se recuperar as intervenções que não foram feitas em março e em abril, por receio de os portugueses se desloca-rem aos hospitais. Já o plano de recuperação, na Europa, tem de pôr a saúde na linha da frente. “Não precisamos apenas de construir estradas ou pontes. Precisamos de investir em infraestrutura digital, em soluções sustentáveis, em saúde antes do próximo vírus,
em tecnologia.”Desde logo, digitalização através de teleconsultas, monitorização domiciliária ou aplicações de diagnóstico e terapêutica, atração de investimento direto estran-geiro na área da saúde (indústria farmacêutica, dispositivos médicos ou equipamentos) e reforço da posição nos ensaios clínicos são prioridades que devem guiar Por-tugal nos próximos anos, defende o presidente da APHP.Ainda com meio mundo a tentar achatar a curva do atual surto,
Carla Nunes entende que o pós-pandemia exigirá
a todos infraestrutu-ras de saúde pública, que detetem a tempo o surgimento de novas doenças,
e que os países ajam de forma concertada: “O
que aprendemos é que realmente existem problemas que, mesmo que se iniciem num local pequeno, depressa se podem tornar mundi-ais, com uma enorme magnitude e gravidade, nomeadamente em termos económicos e de saúde. Já o sabíamos, mas estávamos um pouco esquecidos”, diz.Embora o papel de algumas orga-nizações internacionais saia refor-çado, a diretora da ENSP sublinha a necessidade de uma abordagem “acima” dos países, com “grande transparência, organização, cooperação e legislação nacional, internacional e global”, e de haver “estruturas que pensem, planeiem e desenhem intervenções perante estas situações”. E acredita que “o setor público sai reforçado” desta crise, porque o SNS aguentou o embate até ao momento, tendo o setor privado como complemento em horas de necessidade. PZG
INVESTIGAÇÃO A TODO O VAPORA Covid-19 acelerou os ritmos da investigação científica e realçou o papel do sistema público de saúde, num momento em que o SNS está a dar conta do recado. Mas os privados, com um papel complementar importante, pedem mais investimento em saúde “antes do próximo vírus”
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Corte: 14 de 19ID: 86252910 01-05-2020geografias e do fornecimento de bens, até de alguns
serviços, que foram deslocalizados nos últimos anos
para outras zonas geográficas, nomeadamente para
a Ásia”, observa António Saraiva, presidente da CIP.
Para as empresas, as cadeias de abastecimento regi-
onais tornam-nas menos dependentes de crises em
países distantes, passando a ser mais fácil resolver
eventuais problemas de fornecimento. Já os gover-
nos vão querer ancorar nos seus territórios os centros
de decisão de empresas de setores estratégicos. Não
é por acaso que a Comissão Europeia está a tomar
medidas para impedir que o Estado chinês consiga
participações a preços de saldo em empresas euro-
peias, como aconteceu na última crise. Este recuo
na globalização e o objetivo de maior autossuficiên-
cia poderão significar a reindustrialização de muitos
países europeus e da UE.
Do lado do movimento de pessoas, em abril, Do-
nald Trump decretou uma proibição da imigração
para os EUA durante 60 dias, dizendo que pretende
proteger os empregos dos norte-americanos em altu-
ra de crise. Será que, mesmo passada a emergência de
saúde pública, essa medida – que agrada muito à sua
base – será revertida ou permanecerão limitações? E
que influência terá essa decisão no resto do mundo?
Não é possível simplesmente passar a globalização
de on para off. Será necessário preparar e reindus-
trializar as economias. Na UE, a Comissão Europeia
pretende que o foco seja a inovação. Von der Leyen
quer que o arranque da economia após o “Grande
Confinamento” seja no sentido de uma “Europa mais
resiliente, ecológica e digital”. A ideia é a de que o
plano de recuperação tenha um eixo de sustentabi-
lidade, assente numa reconfiguração das indústri-
as e serviços. Patrick Artus, economista do Natixis,
acredita que, após a reflexão forçada pelo período de
isolamento, as opiniões públicas dos países mais ricos
se tornarão mais exigentes quanto ao tipo de políti-
cas a seguir. Haverá mais pressão para que se tomem
decisões a pensar no longo prazo e uma espécie de
recriminação das políticas ou de modelos de negócios
desenhados para se obter ganhos rápidos, indepen-
dentemente dos danos que possam causar no futuro.
As políticas económicas deverão privilegiar o in-
vestimento em saúde e investigação, já que há sempre
novas ameaças à espreita e, pelo menos num futuro
previsível, serão poucos os que desejarão baixar a guar-
da. Algumas das preocupações pré-Covid poderão in-
tensificar-se, como é o caso das alterações climáticas. E
se a Europa já se preparava para uma espécie de Green
New Deal, esta será uma oportunidade para execu-
tar essa política, direcionando recursos e adaptando
comportamentos no sentido da proteção ambiental.
Apesar de muitos governantes e economistas
apontarem nesse sentido, após uma recessão como
O LONGO SUSPIRO DA TERRAPeríodo de confinamento à escala global permitiu alívio nas alterações climáticas mas problemas estão longe de ser resolvidos
Os Himalaias que voltaram a ser
visíveis da Índia. Os canais de
Veneza que são novamente azuis,
e com peixes a nadarem nas águas.
Veados a passear nas ruas de
Jerusalém. Entardeceres límpidos
no horizonte de São Paulo. As
consequências da alteração abrupta
do estilo de vida de todas as pessoas
em redor do mundo tornaram-se,
de repente, visíveis. “Tem que ver
com a escala do comportamento, de
que falo recorrentemente”, explica
Pedro Matos Soares, físico especi-
alista em alterações climáticas. “As
pessoas dizem, muitas vezes, que
o que fazem não tem impacto, mas,
tal como na economia, há escalas de
comportamento também no ambi-
ente, porque se cada pessoa influ-
enciar duas e se essas influenciarem
quatro, e por aí em diante, a curva de
alteração comportamental pode ser
muito benéfica para a sociedade. O
comportamento diferenciado ganha
escala, como foi o caso, e ganhando
escala pode fazer alguma diferen-
ça”, resume à EXAME o investigador
do Instituto Dom Luiz, da Faculdade
de Ciências da Universidade de
Lisboa. “Esta pandemia é uma coisa
horrível, e o que mais me preocupa
são as pessoas que estão a sofrer
direta e indiretamente com ela”,
começa por dizer o especialista que
espera, no entanto, que governantes
e sociedades não deixem de retirar
lições que lhes permitam traçar uma
estratégia de futuro. Para Matos
Soares, pequenos exemplos como
o recurso ao teletrabalho e o
cancelamento de viagens
não essenciais podem
transformar-se em
armas poderosas
contra as alterações
climáticas. “Se nós ti-
véssemos 10% da nossa
economia a produzir
sem que isso
obrigasse a transportes, e falando de
forma muito genérica, isso era uma
forma de contribuir para a qualidade
do ar”, salienta, recordando que, em
Portugal, perdem a vida milhares de
pessoas devido a problemas de saú-
de resultantes da poluição. Consci-
ente de que no período de recessão
que se adivinha as preocupações
com a mitigação da pobreza, de uma
forma imediata, vão estar no topo
das prioridades, Matos Soares alerta
para a necessidade de “não se recor-
rer a técnicas antigas para se mitigar
os problemas”. E pede coragem a
quem tem como missão pensar o
futuro. “Temos aqui uma oportu-
nidade para nos diferenciarmos no
que são os estímulos à economia.
Creio que o Governo devia mostrar
que tem uma visão estratégica para
o País, com estímulos que mostras-
sem qual a economia que queremos
para o futuro: apostar nas empresas
que são ambientalmente respon-
sáveis, ajudar as que estão a fazer
essa transição, investir em negócios
relacionados com as smart grid e
com as energias renováveis; ter
atenção à questão da reabilitação do
edificado com eficiência energética,
que ajuda a diminuir a pobreza ener-
gética; fomentar práticas agrícolas
mais sustentáveis em que podemos
incrementar a nossa independên-
cia... Temos aqui uma série de coisas
que as pessoas percecionam e que
era importante não esquecer”. Afi-
nal, este período de confinamento
global trouxe algum alívio imediato
ao planeta, mas os problemas
continuam muito presentes na
atmosfera – basta olhar para
o nível dos gases com efeito
de estufa em Portugal, que
estão mais elevados do
que no ano passado. E já
diziam os nossos avós: é
preciso aprender com
os erros.
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Corte: 15 de 19ID: 86252910 01-05-2020nunca vimos, com milhões no desemprego, também
é provável que apareçam vozes a pedir para se carre-
gar no acelerador da atividade e para que se guardem
as preocupações com o ambiente para depois. Deci-
dir qual das teses prevalecerá dependerá muito das
opções que cada um de nós tomar e daquilo que exi-
giremos aos governantes, às empresas e também aos
gestores de fundos que determinam quem é recom-
pensado e quem é penalizado no mercado de capitais.
Depois dos apoios em massa que os Estados estão
a conceder a muitos gigantes do setor privado, alguns
dos quais gastaram fortunas em recompra de ações
e em bónus aos seus administradores, a pressão pú-
blica pode levar os investidores a serem menos com-
placentes com esse tipo de estratégias. Ainda antes
da pandemia, até os CEO de algumas das maiores
empresas norte-americanas já assumiam que terí-
amos de caminhar para um novo capitalismo, em
que a empresa deveria também estar ao serviço da
sociedade e não ter exclusivamente como propósito
a remuneração dos seus acionistas.
Robin Parbrook, gestor da Schroders, antevê que
essa tendência se intensifique, prevendo que, daqui
a dois anos, “o mundo possa parecer-se mais com o
pós-II Guerra Mundial, em que os governos do Oci-
dente estavam confrontados e exaustos com pesados
fardos de dívida, e as populações esgotadas com a
guerra pediam políticas para uma sociedade mais
justa”. Nesse tipo de sociedade, poderá não ser mui-
to bem aceite que um CEO ganhe 500 ou 600 vezes
mais do que um trabalhador.
O TRABALHO E A DESIGUALDADEDas novas realidades que a crise forçou a saírem da
caixa, uma das que dificilmente poderão voltar atrás
é a do trabalho. De um dia para o outro, milhões de
pessoas foram mandadas para casa e foi-lhes pedido
que começassem a desempenhar as tarefas de sempre
a partir das suas salas, quartos e escritórios. Embora
atabalhoados e com vários problemas de adaptação,
algumas empresas e trabalhadores estarão a pensar
que nem correu assim tão mal. Há mesmo motivos
para ir cinco dias por semana ao escritório?
“Ainda que nem todos os empregos possam ser
feitos remotamente, muitas pessoas estão a perceber
que a diferença entre colocar uma gravata e demorar
uma hora a chegar ao trabalho e trabalhar de forma
eficiente a partir de casa foi sempre a capacidade de
fazer download de uma ou duas apps e de ter a per-
missão do chefe”, refere Katherine Mangu-Ward, di-
retora da revista liberal Reason. Daqui para a frente,
“será mais difícil – e mais caro – negar aos trabalha-
dores essas opções”, diz ao Politico.
Mesmo para aqueles que regressem em pleno,
oito horas por dia, cinco dias por semana, o seu lo-
UMA EUROPA MAIS DIVIDIDA?O coronavírus está a revelar divisões antigas na União Europeia e é possível que, quando a pandemia terminar, o risco de fragmentação esteja mais presente
Tal como as outras facetas da eco-
nomia, a Europa pode não voltar
a ser mesma depois da Covid-19.
A pandemia fez regressar fantas-
mas antigos e feridas não saradas
entre o Norte e o Sul, que amea-
çam a existência do próprio pro-
jeto europeu. Na altura em que es-
tas linhas são escritas, não é claro
que esses obstáculos possam ser
ultrapassados. Será o coronavírus
mais um passo para a fragmenta-
ção da UE?
A falta de coordenação foi óbvia
desde o início da crise. Os Estados-
-membros privilegiaram os seus
interesses nacionais, limitando de
forma unilateral os movimentos
entre fronteiras e bloqueando a ex-
portação de equipamento médico.
Uma postura que criou o embara-
ço de, numa fase inicial, vermos a
China e a Rússia a enviarem ma-
terial para Itália, enquanto os seus
parceiros comunitários lhe fecha-
vam a porta.
Essa atitude ficou ainda mais
clara no debate acerca de uma
resposta orçamental comum ao
coronavírus. Qualquer negocia-
ção sobre a partilha de risco seria
sempre desafiante, mas as discus-
sões entre os Estados-membros
atingiram níveis de indecisão
e de animosidade só vistos du-
rante a crise da dívida de 2010.
Dois episódios simbolizam bem
a agressividade das divergências:
quando o ministro das Finanças
holandês sugeriu que a Comissão
Europeia investigasse os motivos
pelos quais alguns países não ti-
nham margem orçamental para
lidar com a pandemia; e a respos-
ta de António Costa que apelidou
essa postura de “repugnante”.
A partir desse ponto baixo,
as coisas melhoraram. Embo-
ra os países não tenham altera-
do de forma substancial as suas
posições, o tom tornou-se mais
conciliador e foi o suficiente para
se chegar a um acordo no Euro-
grupo quanto à utilização do fun-
do de resgate do euro e abrindo a
porta à criação de um fundo de
recuperação. Além disso, os paí-
ses voltaram a trocar material
médico – como máscaras – e al-
guns deles começaram a aceitar
doentes de países mais afetados.
No entanto, a tensão Norte-
-Sul continua a ser evidente. A
divisão é a de sempre: responsa-
bilidade individual pelas contas
públicas a Norte; pedidos de in-
tegração e de solidariedade a Sul.
Na altura em que este texto é es-
crito, não é ainda claro que seja
possível encontrar uma solução
na reunião do Conselho Europeu.
“Tendo a ser pessimista. De-
pende do que se acorde para o
fundo de recuperação. Muitas
pessoas podem ficar desiludidas
e pode existir alguma pressão dos
eurocéticos. Pode haver algum
tipo de fragmentação do euro,
entre países que conseguem ter
um programa ambicioso de re-
cuperação e países que não o
podem fazer”, sublinha Grégory
Claeys, do think tank Bruegel,
em declarações à EXAME.
Bernardo Pires de Lima está
mais otimista. Embora reconheça
que existem “amarguras desde o
tempo dos programas da Grécia”
e “um sentimento de revanchis-
mo face ao Norte, agora com mais
acidez”, o partner da FIRMA e es-
pecialista em política internacio-
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A Europa está perante uma nova encruzilhada, em que as divisões Norte-Sul voltam a ficar evidentes. Sem uma resposta adequada, o euroceticismo pode ganhar terreno
Vid ullore con corit eius
Em reri destistrum quissinum quiatur aut eum des que volum et hillis inci qu Itae voluptia ium volupta ipsam fugit lam qui ommo
nal assume-se “mais esperan-
çoso”. “A História da Europa
mostra que as situações-limite
geram soluções. Vai ser difícil
coser uma certa harmonia,
mas ela nunca aconteceu re-
almente. A política europeia
sempre foi suja.”
Entre as pessoas que estão
responsáveis por encontrar um
plano que todos possam assi-
nar, há a noção de que pode-
mos estar perante um momen-
to de “ou vai ou racha!”. Quem
está de fora também o entende
assim. O ex-primeiro-ministro
italiano, Enrico Letta, explicou
que esta crise pode ser diferen-
te das anteriores, porque não
só o vírus é imprevisível como
“o europeísmo tem sido enfra-
quecido por outras crises na
última década”. Jacques De-
lors, numa rara aparição me-
diática, já avisou que o vírus
pode representar “um perigo
mortal para a UE”.
Mesmo que, perante a ne-
cessidade urgente de respon-
der à pandemia, os Estados-
-membros acabem por chegar
a um acordo, o grande desafio
pode surgir dentro de um ou
dois anos. Quando a emergên-
cia passar e as contas públicas
estiverem de pantanas.
Muitos temem uma repe-
tição das exigências de auste-
ridade da crise anterior. “Há
uma política clara para dar
uma resposta no curto prazo
e dizer que os défices não in-
teressam. Mas os países têm
receio do dia seguinte. O Go-
verno português não vai dar
um passo que as autoridades
europeias não queiram”, re-
fere Ricardo Paes Mamede,
professor do ISCTE. “Talvez
as instituições europeias não
façam pressão em 2020 ou em
2021, mas ela existirá quando
as coisas regressarem à nor-
malidade. Sem garantias, os
governos vão-se conter. Em
termos práticos, acho que ha-
verá austeridade.”
Contudo, é justo reconhe-
cer que as instituições, para
já, não estão a reagir da mes-
ma forma. Pelo contrário, o
BCE foi rápido a atuar e está
a aguentar os juros dos Esta-
dos-membros, enquanto a Co-
missão Europeia decidiu sus-
pender o cumprimento das
regras orçamentais. Alguma
linguagem também mudou.
O Ministério dos Negócios Es-
trangeiros alemão qualificou a
austeridade como um “instru-
mento de tortura”.
Claeys reconhece que “es-
tamos a fazer agora tudo o que
devíamos ter feito na outra cri-
se”. Mas isso não é suficiente
para o deixar descansado. “Te-
nho o mesmo medo do que
da outra vez. Alguns minis-
tros das Finanças já começam
a falar sobre a necessidade de
descer a dívida. Esse é o meu
medo fundamental.”
Paes Mamede também não
está convencido. “Não vejo
motivo algum para que, passa-
da a crise, a Europa diminua a
pressão sobre as dívidas, quan-
do elas vão estar mais altas. Se-
ria preciso um grande jogo de
cintura”, aponta.
Seja agora ou mais tarde,
caso os países sintam que es-
tão a ser deixados sozinhos, a
confiança na UE pode sofrer
um novo golpe. Em Itália, as
sondagens mostram que qua-
se nove em cada dez pessoas
achavam que a Europa não
estava a apoiar o país, e mais
de dois terços viam a perma-
nência na UE como uma des-
vantagem. Os números assus-
tam, mas podem ser aquilo
que fará os Estados-membros
mexerem-se. “Não há sobrevi-
vência do euro, sem a sobrevi-
vência de Itália”, diz Pires de
Lima. “Aquilo que é um fata-
lismo hoje pode acelerar as
reformas.” Em mais uma
encruzilhada, veremos se
a Europa escolhe o cami-
nho da vida em comum
ou do isolamento. N.A.
GETT
Y IM
AGES
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cal de trabalho poderá não ficar igual. Talvez não seja
de uma vez, mas os escritórios deverão adaptar-se a
maior distância entre as pessoas, com locais de de-
sinfeção de mãos a cada esquina. Haverá mais cui-
dados com a limpeza e os novos elevadores poderão
dispensar botões. Já há quem esteja a refletir até so-
bre que materiais farão mais sentido usar no futuro,
antecipando que as superfícies antimicrobianas que
costumamos ver nos hospitais talvez passem a fazer
parte dos escritórios. Não será apenas por esta pan-
demia, mas para a gestão de outras no futuro.
E o que será feito do open office? O
modelo quase hegemónico de organiza-
ção de escritórios nas últimas décadas já
tinha um exército de críticos, mas agora
haverá mais pressão para o mudar. Para-
doxalmente, embora tenham a vista mais
desafogada, os trabalhadores não têm fi-
cado com mais espaço nesta configura-
ção. “Na última década, muitas empresas
eliminaram escritórios privados em favor
de espaços abertos, mas o espaço por tra-
balhador caiu 25%”, escrevia-se no New York Times.
O instinto de sobrevivência e as de-
cisões das autoridades empurraram-nos
para casa e fizeram-nos descobrir o po-
tencial do teletrabalho. Mas essa experiência não está
a ser igual para todos. Há muitas pessoas que não po-
dem desempenhar as suas tarefas de forma remota.
Aliás, os dados mostram que o teletrabalho só se tor-
na uma possibilidade mais real à medida que os ren-
dimentos vão aumentando. Profissões com salários
mais baixos tendem a exigir uma presença física. Essa
é apenas uma de muitas formas de como este vírus
está a expor os problemas de desigualdade nas nossas
economias. Famílias mais pobres têm de atravessar
o isolamento com menos espaço, as crianças desses
agregados enfrentam sérias desvantagens
educativas no ensino remoto e os setores
mais atingidos por esta crise são os mais
precários (em que é mais fácil despedir)
e os que pagam pior. Nesta crise, os mais
frágeis são também os mais atingidos,
mesmo que o vírus não olhe a carteiras.
Choques históricos expõem as fragili-
dades dos sistemas. Despidos, é mais fácil
ver as suas imperfeições. Ficou evidente
que não estamos todos no mesmo barco
ou, pelo menos, que algumas embarca-
ções aguentam tempestades e outras são
destruídas imediatamente. Essa conclu-
são está a dar origem a novas exigênci-
as – desde a maior regulação das dimen-
Choques históricos expõem
as fragilidades dos sistemas,
e as políticas que, há poucos anos,
eram vistas como irrealistas ou
utópicas conseguem agora entrar no
debate
O confinamento por
causa da pandemia
obrigou a usar todas as
ferramentas ao alcance
para quebrar o isola-
mento no trabalho e na
vida pessoal. “Em quatro
semanas, demos um
salto tecnológico de dez
anos”, constata Gabriel
Coimbra. Os efeitos
dessa aproximação
dada pelo digital deverão
continuar a sentir-se nas
relações laborais. Nem
todos iremos trabalhar a
partir de casa, mas “va-
mos ter um modelo dife-
rente de trabalho, híbrido,
que também vai permitir
um maior equilíbrio entre
vida e trabalho”, analisa
o country manager da
IDC Portugal. “No futuro,
talvez o trabalho remoto
possa representar 40% a
50%”, arrisca.
Outra área com grande
impacto será a do
comércio eletrónico.
Durante o isolamento, as
empresas que não ven-
diam online ou deixaram
de fazer negócio ou se
reinventaram. Um exem-
plo é a restauração, em
que os estabelecimentos
já ligados a marketplaces
de entrega ao domicílio
tiveram vantagem na
hora de fechar as portas
ao público.
Gabriel Coimbra acredita
que 2020 e 2021 serão
anos complicados mas
que a sociedade e a
economia sairão mais
digitais desta crise, com
maior relevância das
redes fixas e móveis e de
tecnologias e ferramen-
tas como a Internet das
Coisas, a Inteligência
Artificial, o big data ou o
analytics, além das áreas
da cibersegurança e da
cloud.
Tal como o retalho
alimentar e as utili-
ties, antecipa que as
telecomunicações e as
tecnologias de informa-
ção sejam dos setores
mais resilientes e a sair
mais fortes desta crise. A
procura por profissionais
qualificados continuará
como até aqui, desde
logo para manter as em-
presas “nesta travessia
no deserto e depois para
fazer a recuperação eco-
nómica”. Por outro lado,
a melhoria do acesso da
população ao digital e
maiores transformações
processuais da Adminis-
tração Pública são dois
desafios que o País tem
pela frente: “Existem
muito bons exemplos no
Estado, mas ficou claro
neste embate que preci-
samos de mais.” P.Z.G.
TECNOLOGIA PARA ATRAVESSAR O DESERTO E AJUDAR À RECUPERAÇÃOA digitalização da economia pode ter encontrado um propulsor inesperado na pandemia. Procura por profissionais vai continuar
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Corte: 18 de 19ID: 86252910 01-05-2020sões informais de emprego, típicas da florescente
gig economy, até à necessidade de tornar os nos-
sos sistemas fiscais mais progressivos. No já citado
editorial do Financial Times referia-se, em concre-
to, a necessidade de se avançar com ideias como o
rendimento básico incondicional e impostos sobre
a riqueza. Políticas que, há poucos anos, eram vis-
tas como irrealistas ou utópicas conseguem agora
entrar no debate.
O NOVO MUNDOEsta pandemia elevou o setor tecnológico, mostran-
do que é uma utility tão essencial como a eletrici-
dade, a água ou o saneamento. Nos últimos anos,
muitas empresas garantiam que tinham feito uma
transição para o digital, mas o coronavírus serviu
para separar aquelas que tinham realmente feito
o trabalho de casa daquelas que apenas a usavam
como ferramenta de marketing. O comércio onli-
ne deverá continuar a crescer exponencialmente.
E os investidores e os governos poderão privilegi-
ar setores como as energias renováveis e os carros
elétricos, ao mesmo tempo que penalizam as in-
dústrias poluentes.
Daqui a 50 anos, os mais jovens talvez contem
aos seus netos que o dinheiro físico só deixou de ser
usado depois do “Grande Confinamento”, que foi
preciso uma pandemia para que aumentassem os
recursos da saúde e o orçamento da Ciência, e que
muitas profissões eram antes disso desvalorizadas,
apesar do seu papel essencial para manterem as
engrenagens da sociedade a funcionar.
Talvez daqui a meio século as crianças não acre-
ditem quando lhes contarmos que passávamos duas
a três horas por dia parados e irritados no trânsito
e que, ao fim de semana, nos enfiávamos em hi-
permercados gigantes para “fazermos as compras
do mês”. Viver num apartamento minúsculo para
poder estar mais perto do escritório também pode
parecer disparatado para quem tenha ocupações
que pode desempenhar remotamente. Mais difícil
ainda ser explicar-lhes como comprometíamos o
futuro do planeta ao queimarmos petróleo para nos
deslocarmos, em viagens de trabalho ou de turismo.
Passar horas em aeroportos e atravessar meio conti-
nente de avião só para assistirmos a uma apresen-
tação de algumas horas poderá dar vontade de rir.
Mesmo sem a Covid-19, talvez estas questões
acabassem por surgir nas próximas décadas. Po-
rém, além de nos forçar a ver realidades inespe-
radas, o “Grande Confinamento” tirou-nos as des-
culpas para não enfrentarmos os obstáculos que há
muito conhecíamos. Primeiro virá a dor; depois, a
oportunidade para um novo mundo. A História não
costuma andar para trás.
“MONEY, MONEY, MONEY” Dinheiro digital continua a ser dinheiro, diminui o risco de roubo físico e permite um maior controlo orçamental. É o fim das notas e das moedas?
Uma das primeiras medidas de con-
tingência anunciadas pelo Governo
português para a luta contra a Co-
vid-19 foi o alargamento dos limites
de pagamento através dos cartões
contactless, logo secundada pela
eliminação das taxas de pagamento
por cartões nos estabelecimentos:
segundo os especialistas, o dinheiro
físico foi um dos principais veículos
de contaminação pelo novo corona-
vírus, pelo que usar menos notas e
moedas parecia algo óbvio. Resul-
tado? Um aumento de sete pontos
percentuais nos pagamentos atra-
vés de MB Way, só na semana entre
13 e 19 de abril, e comparando com
a média anterior ao primeiro caso
da Covid-19 no País, por exemplo.
No caso dos cartões com tecnologia
contactless, o aumento foi de cinco
pontos percentuais para os mesmos
períodos, revelam dados da SIBS.
Na China, destruíram-se milhares
de notas que se acreditava terem
sido veículo de contágio do novo co-
ronavírus e, na Europa, reforçaram-
-se os pedidos para que dê prefe-
rência aos métodos de pagamento
que excluam o uso de dinheiro físico.
Claro que parte do aumento destes
pagamentos por via digital é poten-
ciado pelo crescimento das compras
online, mas é certo também que
os consumidores e comerciantes
estão mais convencidos de que
notas e moedas, por agora, ficam
melhor quietas na carteira. “Esta
é uma oportunidade única para se
promover a aceitação universal dos
métodos de pagamento digital”, su-
blinha Madalena Cascais Tomé,
CEO da SIBS, em declarações
à EXAME e de olhos postos
já nos comportamentos
do pós-confinamento. É
também um caminho
sólido para o “combate
à economia informal,
no qual Portugal tem
estado na linha da frente. Temos
uma realidade única que é o facto
de podermos fazer o pagamento
com cartões contacless [à seme-
lhança do que acontece em outros
países da Europa], mas também
temos um método de pagamento
por telemóvel que permite fazer
todos os pagamentos sem qualquer
contacto”, recorda a responsável.
Um inquérito recente realizado
pelo Deutsche Bank dava conta de
que os consumidores apontavam a
“conveniência” como um dos mais
importantes fatores para realizarem
a transição para o digital: estes mé-
todos de pagamento são gratuitos
e fáceis de se utilizar, ajudam a
controlar melhor os orçamentos fa-
miliares e, em termos de segurança,
reduzem as probabilidades de as
pessoas e os estabelecimentos
serem assaltados.
Em Portugal, mesmo as gerações
mais velhas dão sinais de esta-
rem a abraçar as novas formas de
pagamento, motivadas sobretudo
pela experiência que têm da rede
multibanco – recorde-se que, em
Portugal, apenas 25% dos movi-
mentos realizados em ATM são
levantamentos de dinheiro. Além
de que “os métodos de pagamento
digitais são mais seguros do que
os pagamentos em numerário”,
reforça Cascais Tomé. “E, em
Portugal, temos um dos sistemas
de pagamento mais seguros da
Europa. Estamos bastante bem
posicionados, fruto do esforço e dos
serviços de monitoria que assegu-
ramos na SIBS.”
A Covid-19 parece, assim, ter
alterado a questão para “um
milhão de dólares”: agora já
ninguém pergunta se o
dinheiro físico vai deixar
de existir, mas quanto
tempo demorará até que
isso aconteça.
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OS CAMINHOS PARA A NORMALIZAÇÃO
AS LIÇÕES DAS EMPRESAS
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