Benito Catulo

download Benito Catulo

of 17

description

BenitoCatulo Paixão Cearense

Transcript of Benito Catulo

  • O QUE LEM OS CLSSICOS: INCLUSES, EXCLUSES E

    CONSTRUES CANNICAS

    Benito Martinez Rodriguez

    Para poder 1er os clssicos, temos de definir "de onde " eles esto sendo lidos, caso contrrio tanto o livro quanto o leitor se

    perdem numa nuvem atemporal. Assim, o rendimento mximo da leitura dos clssicos advm para aquele que sabe altern-la com

    a leitura de atualidades numa sbia dosagem. talo Calvino

    T7 m crnica intitulada "O Nobel de Pessoa", o crtico lusitano Arnaldo

    B J Saraiva pergunta-se, cheio de espanto: "Como foi possvel que Pessoa se equivocasse tanto a respeito do seu 'candidato' ao Prmio Nobel?"

    A escolha surpreendente do mestre portugus, informa-nos o crtico, era um poeta brasileiro. Segundo teria confessado a Carlos Queirs, em 1932 ou

    * Universidade Federal do Paran

    1 Dirio de Notcias, 8 mar 1994, p. 8. Fica registrada a minha gratido colega Anamaria Filizola, a quem devo a preciosa referncia a esta crnica, bem como gentileza da cpia de seu original.

    Letras, Curitiba, n. 49, p. 201-219. 1998. Editora da UFPR 201

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    1933, Pessoa entendia que, em nossa lngua, "o nico poeta vivo cuja obra, com os seus evidentes defeitos, correspondia s condies fundamentais" para al-canar tal premiao era Catulo da Paixo Cearense.

    A primeira vista, so abundantes as razes para desconfiarmos de tal juzo pessoano. Afinal, ele chega at ns filtrado pela memria de seu interlocu-tor, num relato publicado bem mais de uma dcada depois de alegadamente ter sido enunciado, e muito tempo aps o prprio desaparecimento de seu suposto autor. Ainda que no coloquemos em questo a veracidade do relato de Carlos Queirs, podemos, como assinala o prprio Arnaldo Saraiva, especular que ele tivesse tomado "a srio o que poderia ser uma boutade ou uma 'provocao' de Pessoa, que no deveria conceder grande importncia ao Prmio Nobel". Mas o prprio professor Saraiva quem desmonta estas ltimas hipteses ao demons-trar, apoiando-se em outros textos pessoanos, que Catulo era tido por ele, de fato, na conta de "grande poeta"2.

    No o caso de discutir-se a ligeireza com a qual Arnaldo Saraiva comenta a obra do poeta brasileiro, o que a natureza de seu texto, uma crnica publicada na imprensa diria, por si s torna compreensvel3. O espanto que lhe provocam as simpatias pessoanas por to obscuro autor, isto sim, merece alguma reflexo.

    A reao do crtico parece trair o pressuposto de que aos mestres s devessem interessar, e mais ainda, cativar, as obras de seus pares. A idia de que os diferentes circuitos de produo e circulao da cultura e da arte estariam separados uns dos outros e definidos de maneira mais ou menos clara, pode ser bastante enganosa, especialmente quando posta no contexto de nosso sculo.

    2 "Numa breve passagem de um texto em ingls que Teresa Rita Lopes acaba de revelar no seu Pessoa indito... se diz que Catulo Cearense um grande poeta (great poet) que 'dramatiza os seus poemas no patois do serto brasileiro'." Saraiva acrescenta, a seguir, que "j antes tivera acesso a outro indito onde comparece o nome de Catulo da Paixo Cearense, sem mais, ao lado do nome de Camilo Pessanha e de outras indicaes" num projeto editorial de traduo para o ingls de textos de autores em lngua portuguesa. Para confirmar definitivamente o "intrigante fascnio" do poeta portugus por seu colega brasileiro, transcreve os versos da srie de poemas sobre os santos populares que vieram luz em 1986, em edio preparada por Alfredo Margarido, onde So Joo aparece ' "Com o cordeirinho na mo' , / Como te viu Catulo Cearense". A citao no verso pessoano refere-se ao famoso poema "O marroeiro", includo no volume Meu serto (1918), do poeta brasileiro.

    3 Os comentrios sobre Catulo da Paixo Cearense, embora restritos frao mais conhecida de sua obra literria, so em linhas gerais adequados. O mesmo j no se pode dizer da infeliz observao sobre a peculiaridade de haver mais de um autor brasileiro homnimo de grandes mestres, citando, a ttulo de blague, o bom poeta Dante Milano.

    240 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    Trata-se aqui, j se v, de uma das ramificaes do tema formulado por Andreas Huyssen como "the Great Divide"4.

    O professor Saraiva reconhece em sua crnica que os volumes de poesia que Catulo Cearense passou a publicar a partir de 1918 e durante a dcada seguinte "comoviam a gente popular e culta com a sua suposta ingenuidade e espontaneidade, que a grafia fontica mais acentuava, ou com a sua pretensa viso do mundo sertanejo e caipira, to reconfortante para um pblico urbano que assistia invaso das tecnologias mecnicas". Acrescenta, ainda, que seus textos "no s eram editados com sucesso mas tambm eram contados ou recitados por todo o Brasil (e Portugal!), onde produziram inmeras imitaes".

    De fato, Catulo Cearense, na altura em que Fernando Pessoa o teria recomendado para o Nobel, andava na casa dos 70 anos de idade, tendo, com sua obra, realizado um percurso bastante mais intrigante do que o mote da crnica citada.

    Civilizando a modinha

    Tendo iniciado sua vida artstica no final do Imprio, como violonista, cantor e letrista dos gneros seresteiros da poca, sobretudo da j declinante modinha, Catulo foi conquistando a simpatia do pblico suburbano e o respeito de seus colegas das rodas de choro ao longo dos ltimos anos do sculo 19. Em ambos os casos, seu prestgio baseava-se nos talentos de msico. Mas, sobre-tudo, na superioridade relativa de sua cultura letrada, num meio onde o domnio do francs, conhecimentos de latim e rudimentos de italiano e ingls, faziam daquele choro o mestre da linguagem a que muitos recorriam para a reviso de suas criaes.

    Muitos anos mais tarde, em 1935, Alexandre Gonalves Pinto, um companheiro dos velhos tempos, planejando publicar seu livro de reminiscn-cias sobre a vida musical popular do Rio de Janeiro das dcadas passadas, ainda recorreria a Catulo, enviando-lhe os originais na esperana de conseguir, alm do prestgio de um prefcio, a gentileza de uma reviso gramatical5.

    4 HUYSSEN, Andreas. After lhe Great Divide: Modernism, Mass Culture, Postmoder-nism. (introduction), p. 8.

    5 Trata-se de O choro: reminiscencias dos chores antigos, publicado, afinal, no ano seguinte. O livro estampa a resposta de Catulo aos pedidos do autor, em breve carta datada de 28/10/35. Desculpando-se por no poder prefaci-lo, o veterano mestre observa que apenas uma reviso geral poderia corrigir os originais, que j estando prontos para a edio, tornavam impossvel a empreitada. Ary Vasconcelos, pesquisador responsvel pela reedio fac-similar deste livro em

    241 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    A coleo Cancioneiro popular de modinhas brasileiras, organizada por Catulo Cearense para a Livraria Quaresma originalmente em 1899, inclui na sua 25.a edio, de janeiro de 1908, um breve prembulo de trs pginas, intitulado "Algumas palavras":

    Desculpe-me o leitor; sou forado a pedir-lhe a benevolncia de 1er estas palavras em amplo desalinho, porque, talvez, seja um dos que me anatematizem, no as lendo. A instncias dos Srs. Quaresma & C., pude, com trabalho mprobo, colecionar algu-mas das mais belas modinhas e corrigi-las, pois confesso que no experimentei o prazer de me vir s mos uma s que fosse, a qual no contivesse as mais brbaras e repugnantes incorrees. Eis porque digo que esse trabalho de corrigir o que est eivado de erros crassos mprobo, e, o que mais , de suma responsabili-dade. Explico-me. Desejando incluir n'este volume uma qualquer modinha, que, por ser bela e popular, preenche os dois fins primordiais, depois de muito procurar, chega-me s mos quase inteiramente estropeada. No conhecendo o seu autor, que me dado fazer? Corrigi-la gramaticalmente, ligar o pensamento desconexo, cui-dando tambm um pouco da parte mtrica, de modo a no ficar um aleijo, impamente ferindo o ouvido educado. Por isso peo perdo a todo o poeta que deparar n'este volume com alguma composio sua, a qual no esteja como lhe gotejou da pena. Se o conhecesse, t-lo-ia procurado, a fim de fazer as correes que lhe aprouvesse. Quanto s poesias de minha lavra, nada direi. Tivesse eu talento, ilustrao e estro, e dedicar-me-ia, de corpo e alma, a esse gnero de literatura, o mais profcuo de todos. Ns, os amadores afervorados das langorosas modinhas brasilei-ras, acompanhadas aos harpejos de um violo soluante, plangendo pelas caladas de uma noite branca e silenciosa; ns, convencidos de que nessas composies do povo cintilam fulgu-rantes pensamentos que, rarssimas vezes, so lobrigados nas

    1978, assim se referiu obra: "poucos livros j lanados em todo o mundo foram to mal escritos e to massacrados por uma tipografia [...], para no falar na reviso, que certamente nem sequer existiu". O volume, preciosssimo pelas informaes que nos transmitiu de todo um ambiente da vida cultural carioca dos fins do sculo 19, documenta ainda os motivos da bvia ascendncia de Catulo Cearense sobre seus parceiros do passado, cuja formao educacional mal chegava s primeiras letras.

    242 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    obras da alta literatura; ns, que preferimos uma modinha, uma cano rstica, um lundu requebrado a um qualquer trecho de Wagner, que no compreendemos e que no nos produz a mnima sensao... no nos importamos com o pedantismo estulto dos que menoscabam do violo, por ser ele, dizem, o instrumento dos 'desocupados e perdidos'. Quando encontrardes um desses tipos numa sala em que haja algum que vos deseje ouvir, recitai com nfase e entusiasmo a poesia que dediquei ao violo, e, depois, cantai a modinha que se segue a essa poesia, mas, a nica coisa que vos peo, com todo o sentimento! Quando proferirdes os nomes de Aureliano Lessa, Bernardo Guimares, Laurindo, Varela, Castro Alves e Tobias Barreto, principalmente, fitai com veemncia os minguados paspalhes, e deixai-os eclip-sados na imensido de suas insignificantes pessoas. Esses gnios superiores eram sinceros adoradores do violo. O conselheiro Otaviano, dizia que, ao sair do Lrico de onde vinha saturado de msica clssica, e, ao passar pela casinha de um pobre trovador, parava extasiado, ouvindo, os suspiros da sua voz dolente e os gemidos do seu violo, harmonioso e terno. Concluo, lamen-tando no ver neste volume, o que seria um trabalho colossal, todas as nossas ternas, meigas, doces e saudosas modinhas brasileiras, preciosssimas jias do escrnio do estro popular. Mas, ainda assim, os Srs. Quaresma & C., vo prestando cons-cientemente, inestimvel servio literatura mais nacional - a do povo. Janeiro de 1908

    J se v que o autor/compilador, por essa poca, para fazer a defesa de "nossas ternas, meigas, doces e saudosas modinhas brasileiras", julga ne-cessrio defini-las como "preciosssimas jias do escrnio do estro popular". Trata-se de responder "ao pedantismo estulto dos que menoscabam do violo, por ser ele, dizem, o instrumento dos desocupados e perdidos", com um esforo de hipercorreo, a um tempo, ingnuo e estratgico. Extrao cultural e condio de classe combinam-se para atacar o gnero da preferncia de Catulo. Determinado a superar ambas as barreiras, ele busca ampliar o espao e as audincias para a modinha cortejando o gosto de seus detratores e exibindo uma hiperblica proficincia nos modelos literrios consagrados. Animador musical dos sales de certas eminncias do Imprio e da Repblica Velha, Catulo alcanaria o pice6 de sua carreira musical neste ano de 1908, apresentando-se

    6 A busca da ascenso social e artstica de Catulo da Paixo Cearense inspiraria Lima Barreto na composico da personagem Ricardo Corao dos Outros, no romance Triste fim de

    243 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    no Instituto Nacional de Msica, naquele que foi o primeiro concerto de violo popular realizado no auditrio da vetusta instituio.

    Por essa poca, Catulo ainda era visto por setores das elites culturais como uma espcie de curiosidade bizarra. Em crnica famosa, Joo do Rio assim o descreve:

    [Ele l o ltimo trovador velho-gnero, o esteta da trova popular. V-lo recitar "O poeta" e "A fidalga", com um copo de chope na mo, um desses espetculos de brasserie inesquecvel. Catulo emaranhou-se no dogma da moda, corrigiu versos de tudo quanto era quadra, estudou Bellini, Donnizetti, Verdi, adaptou os nossos versos a trechos de peras e, finalmente, comps tradues livres de Leconte de Lisie para serem recitadas ao piano!7

    O cronista arguto aponta o terreno problemtico no qual transita o artista. Representante de uma tradio popular em franco declnio, Catulo esforava-se em adaptar seus trabalhos e interpretaes s modas dominantes da alta cultura. Contudo, a defasagem cronolgica e de classe no parecia produzir seno um resultado burlesco.

    Anos mais tarde, em 1918, o mesmo cronista escreveria: "H quinze anos eu tremi de clera vendo Catulo cantar ao violo, traduzidos por ele, versos de Leconte. De repente, porm, esse homem, que um gnio natural, conseguiu escapar tolice urbana".8

    Quem teria mudado, afinal? O crtico ou o criticado?

    Mas ele no est tocando...

    De alguma maneira ambos. E, sobretudo, o cenrio cultural. A essa altura, Catulo da Paixo Cearense j abandonara as serestas de rua e mesmo a com-posio e interpretao de modinhas com suas letras moda parnasiana. Envere-

    Policarpo Quaresma, cujas anotaes originais datam de 1910 e a redao completa se faz nos primeiros meses de 1911. Os limites de tal projeto so admiravelmente representados no destino da personagem.

    7 RIO, Joo do [Paulo Barreto], A aima encantadora das ruas. Rio de Janeiro: Secretria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentao e Informao Cultural, 1995. p. 179.

    8 Crnica publicado em O Pals, Rio de Janeiro, 28 dez. 1918, e reproduzida parcialmente na quarta edio de Um bomio no cu, p. 201-207.

    244 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    dando pelo terreno das toadas sertanejas, conheceria seus pontos mais altos nesse filo entre 1912 e 1915, especialmente aps o seu contato com o importantssimo violonista Joo Teixeira Guimares, que ganharia a posteridade como Joo Pernambuco, de quem muitos afirmam ter Catulo roubado a melodia de seus maiores sucessos no gnero: "Cabocla de Caxang" e "Luar do Serto".

    Mas Catulo Cearense j no pretendia ser conhecido apenas como um letrista de modinhas ou toadas. A segunda crnica de Joo do Rio viera luz ainda sob o impacto da publicao de seu primeiro volume de "poesia sertaneja": Meu serto. A festa de lanamento, no Teatro So Pedro, contara com a presena de ministros da Repblica (Pedro Lessa), deputados (Miguel Calmon), membros da Academia Brasileira de Letras (Alberto de Oliveira, Mrio de Alencar), personalidades da imprensa (Assis Chateaubriand), da alta sociedade carioca e at do embaixador de Portugal.

    J no se tratava de uma coletnea de modinhas ou canes populares como as que ele reunira em to bem sucedidas edies pela Livraria Quaresma. Era seu volume de estria no gnero dos poemas narrativos de acento sertanejo, ou melhor, escritos na "grafa fontica [com que afirmava] sua pretensa viso de mundo sertanejo e caipira", na correta definio, antes citada, de Arnaldo Saraiva. Note-se que, embora nascido no Maranho, e tendo passado a infncia no Cear (de onde herdou o epteto transformado em apelido familiar), Catulo viveu mais de 65 anos no Rio de Janeiro. Da, como ele prprio confessaria, sem qualquer pudor ou modstia: "O meu grande mrito est nisso: em no conhecer o serto e descrev-lo to admiravelmente".9

    O velho Catulo parecia empolgar precisamente s parcelas da elite literria que estavam beira de serem suplantadas pela vanguarda modernista. Seu caminho penosamente percorrido em busca de uma insero no territrio da alta cultura carioca e nacional, desde a freqncia aos sales familiares de Melo Morais Filho, at a simpatia de Rui Barbosa e Alberto de Oliveira, completava-se tarde demais. Em breve, uma nova gerao de artistas entraria em cena, desmantelando precisamente os padres estticos aos quais ele es-foradamente se adequara. Decidido a transcender escala e ao circuito popu-lares, onde brilhara no passado, Catulo viveria o resto de seus dias apegado a modelos retardatrios de valor e expresso literrios.

    Aps o aparecimento de seus primeiros livros, entre 1918 e 1921, seu declnio, que foi o declnio do gnero que ele tencionara forjar, seguiu contnuo e irreparvel. Ele viveria para amargurar-se com essa decadncia de seu prestgio por mais de duas dcadas, destilando seu rancor em patticos prefcios aos seus

    9 SILVEIRA, Joel. Tempo de contar. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1993. p. 318.

    245 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    volumes novos ou reedies, cada vez mais indiscernveis entre si, atacando a nova literatura e a decadncia da cano popular brasileira.

    Figura de fronteira, transitando precariamente entre registros populares e eruditos, a imagem inicial que Joo do Rio nos deu de Catulo Cearense continuaria adequada para descrever-lhe a condio a partir dos anos 20.

    A decadncia da modinha como gnero de cano popular a partir da primeira dcada do sculo 20 era inevitvel. Conscientemente ou no, ao buscar afastar-se do gnero, Catulo tentava sobreviver no cenrio da produo cultural. O abandono da cano, contudo - embora inevitvel, j que com mais de 50 anos de idade, sua voz j no dava conta da interpretao operstica que dominava a cena - , foi-lhe fatal.

    Orestes Barbosa, em crnica de 1923, escreve que "quando ele [Catulo] aparece sem violo ningum gosta. J vi o povo correr para um teatro a ouvi-lo e ficar triste. 'Mas ele no est tocando...', dizia-me isto um mulato pachola condutor de trem da Central".10 Outro depoimento precioso a esse respeito pode ser colhido em crnica de Manuel Bandeira a propsito do velrio de Zeca do Patrocnio, o filho do tigre da Abolio, morto em 1929. Conta o poeta que estando certa vez na companhia de Villa-Lobos, Jaime Ovalle, Joo Pernambuco e Catulo, todos muito bbados, o velho modinheiro animou-se a recitar versos. Escreve Bandeira:

    Ns queramos que ele cantasse umas modinhas, bem bestas, bem pernsticas, como "A Tua Formosura", ou "Cllia, Adeus !", ou "Talento e Formosura". Mas o bardo estava em mar de grandeza e dizia muito srio a duas belezas venais: "Minhas senhoras, eu tenho sessenta anos e j li todos os poemas de todas as literaturas; li todo o Homero, todo o Virglio; li Goethe, Shakespeare, Ariosto: nunca encontrei nada como este poema da minha lavra que vou lhes recitar!". Quando ele puxava o pigarro para comear e a versalhada parecia inevitvel, o Zeca salvava a situao: " Catulo, canta aquela modinha!"11

    As novas formas de cano popular urbana, veiculadas de maneira cada vez mais sistemtica e massiva atravs dos fongrafos e gramofones, do teatro

    10 BARBOSA, Orestes. O violo. In: Bambamb. 2. ed. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentao e Informao Cultural, 1993. p. 98.

    11 BANDEIRA, Manuel. Crnicas da Provncia do Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1937. p. 104.

    246 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    de revista e por fim, do rdio, consagrariam novos gneros de cano, com ritmos e letras cada vez mais distantes das modinhas "aparnasianadas" do velho Catulo.

    Num dos prefcios em que tencionava ajustar contas com sua poca, escrito j na dcada de 40, o veterano autor manifestava seu rancor diante das novidades:

    Hoje, no Brasil, poluam [sic] os "bardos nacionais" e nenhum deles deixa de compor sua marchinha, seu samba ou sua cano, falando sempre na "cabocla", no "malandro", no "Brasil pan-deiro", nome este acapadoado, que at melindra a nossa brasili-dade. Os clebres trovadores, no sei porque, fizeram dos morros o seu Parnaso, esses lugares evitados em outros tempos por todas as pessoas decentes. Os morros, com os seus desordeiros e os seus assassinos nos apavoravam! Hoje so aclamados por se-nhoras e senhores da alta nobresa [sic]!!! Basta que um sujeito escreva um samba, em que, capadoalmente, fale em Brasil, para que logo seja considerado um poeta de vos nacionais. Agora, tudo Brasil, Brasil, Brasil, e, no entanto, h 50 anos, quando eu j dedicava os meus descantes ao Brasil brasileiro, era chamado

    12 de manaco, porque s cantava a minha patria .

    Condenado por sua longevidade a acompanhar a perda progressiva de espao e respeitabilidade tanto no crculo dos artistas populares, onde os antigos chores, quase todos desaparecidos, tinham cedido lugar para os sambistas, quanto no quadro da nova ordem da cultura letrada, Catulo veria tambm seu pblico, em ambos os casos, desertar para as novas formas e gneros. "Passei de moda, verdade!",13 ele prprio melanclicamente admitiria.

    Gregos e troianos no serto cearense

    A despeito do anacronismo esttico de suas opes, da superficialidade estilstica de sua adeso s tcnicas do momento, da precariedade de sua reflexo sobre a arte de seu tempo, alm da absoluta incapacidade para o exerccio sincero

    12 CEARENSE, Catulo da Paixo. Uma palestra com os leitores. In: O milagre de So Joo. Rio de Janeiro: A Noite, [1942?]. p. 7.

    13 Ibid., p. 12.

    247 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    da autocrtica, Catulo da Paixo Cearense conseguiu despertar a ateno e at a simpata de figuras relevantes ao longo de sua longa vida.

    Se Joo do Rio o tratara como "gnio natural", em 1918, um dos grandes desafetos do cronista das ruas cariocas, o escritor Lima Barreto, assim se referira a Catulo em texto de 1922:

    O violo e a modinha que Catulo, com a sua tenacidade, com o seu talento e a sua obedincia cega a um grande ideal, dignificou e tornou capaz da ateno dos intelectuias, vo sendo mais prezados e j se fazem encantos dos saraus burgueses, em que, pelas causas apontadas, as danas minguam. pena que para um Catulo, artista honesto, sob todos os pontos de vista, haja uma dezena de Casanovas disponveis, que, maus de natureza e sem talento algum, se servem da arte reabilitada pelo autor de "Ser-tanejo", a fim de, por intermdio de horrveis cantarolas, levarem a desgraa a lares pobres e perder moas ingnuas e inexperien-

    Vale assinalar o descompasso entre o gosto musical de Lima Barreto e as novas formas musicais em amplo desenvolvimento na poca.15 De fato, nesta crnica o romancista parece aproximar-se, com atraso de mais de uma dcada, da simpatia ingnua que nutria pelas modinhas o seu Policarpo Quaresma. Naquele romance, as esperanas de ascenso social e artstica do mestre das modinhas Ricardo Corao dos Outros, tipo francamente inspirado em Catulo, frustram-se com a deflagrao da Revolta da Armada. Ao ser integrado s tropas florianistas, Ricardo, que pouco antes alcanara respeitabilidade e livre trnsito pelos sales da burguesia suburbana, v-se rebaixado para a condio de soldado raso. A farda, somada sua adeso ao amigo cado em desgraa, revelam os limites deste projeto de ascenso individual, fundado em moedas fracas como o mrito pessoal e a camaradagem entre elementos de diferente extrao social.

    Como cancionista, Catulo poderia interessar a um Villa-Lobos, que dele diria ter-lhe sido "mais til que o prprio Ernesto Nazareth"16, assim como a

    14 BARRETO, Lima. Bailes e divertimentos suburbanos. In: . Marginalia. So Paulo: Brasiliense, 1956. p. 66.

    15 Discuto com detalhes este tema em minha dissertao de mestrado, Duelo ou duelo: a indecisa posio frente ao mundo moderno em Clara dos Anjos, de Lima Barreto, So Paulo, 1992.

    16 Depoimento transcrito em Poemas escolhidos, p. 22. Ademais, basta lembrar que a camaradagem entre Villa-Lobos e Catulo era tamanha, que, alm de resultar em muitas noitadas de seresta no Rio Antigo, veio a dar em adaptaes de peas deste em formato erudito pelo maestro. A mais clebre destas "colaboraes" foi a incluso, no "Choro n. 10", de "Rasga Corao", chtis

    248 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    Jos Barbosa da Silva, o Sinh, auto-proclama" dos anos 20, que irritadssimo com o prestgio que imaginava gozarem Villa-Lobos e Catulo Cearense, confes-sava sua lisonjeira inveja para o atento Manuel Bandeira, em 1929: "[Sinh] espinafrava tudo quanto era msico e poeta, estava danado naquela poca com o Vila[-Lobos] [s/c]e o Catulo. Poeta era ele, msico era ele".1

    Outro autor a revelar vigoroso interesse por Catulo, embora fosse um dos responsveis pelo desmoronamento dos referenciais estticos dele, foi o mestre modernista Mrio de Andrade. Em crnica no Dirio Nacional, datada de 20/12/1931, Mrio faz uma reavaliao do conjunto da obra de Catulo Cearense, incluindo a a poro como letrista de modinhas, alm da fase de toadas sertanejas e a poesia em livro at aquele momento, concluindo, no sem uma dose de tristeza:

    Catulo Cearense foi sublime no Meu Serto como poeta urbano e culto, aceitando poetar dentro da corrente regionalista. At esta aceitao da escola literria, no modinheiro e maxixeiro contu-maz da Corte, era fenmeno exclusivo de civilizao. Mas esta civilizao era falsa, importada. Deu um brilho momentneo fulgurante pro pobre do brasileiro, mas foi corroendo, corroendo ele por dentro, deformando-o, nulificando-o. Os ltimos livros

    18 de Catulo no so nada.

    Cinco anos antes, porm, Mrio de Andrade revelaria, em correspondn-cia a Manuel Bandeira, o grau do interesse que aquela poesia, ento ainda saborosa, era capaz de lhe provocar:

    As poesias, estou mais ou menos de acordo com voc mas me parece difcil de mudar certas coisas. A parecena com Catulo [Cearense], por exemplo. No tem dvida que existe porm no pretendo modificar isso. No a nica vez que imito Catulo. E que me importa que parea com o torneio de estilo dele, o pedacinho. "Um aboio to sentido", etc. Acho essa idia linda, do aboio acuar dentro da gente o "sono brasileiro". Engraado que quando voc citou o "canteiro de barboletas" achei isso feio.

    de Anacleto Medeiros, com letra de Catulo Cearense, o que degeneraria numa lamen-tvel disputa por direitos autorais na dcada de 50.

    17 BANDEIRA, op. cit., p. 104. 18 ANDRADE, Mario de. Catulo Cearense. In: Txi e crnicas do Dirio Nacional. So

    Paulo: Duas Cidades/Secretaria da Cultura, Cincia e Tecnologia, 1976. p. 177.

    249 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    Em geral as metforas me desagradam agora, estou fatigado de imagens assim creio que vou tirar isso, porm s porque acho feio. Lembre-se alis daquele seu conselho justo de que devemos imitar para fixarmos alguma coisa brasileira. E Catulo seja falso como falam, seja bem sertanejo, o certo que inconfundivel-mente brasileiro como psicologia e como dico, ou no !19

    O autor refere-se ao seu poema "Lenda do cu", includo em Cl do Jabuti. O trecho mencionado foi de fato mantido, apenas com a substituio de uma palavra, "um aboio to chorado / que acuava no corpo doce / o sono do brasileiro". O reconhecimento que Mrio de Andrade faz, nesta altura de sua carreira, do interesse que a "dico" de Catulo lhe desperta, vai ao limite da franca emulao.

    O que lem os clssicos

    Como se viu, a recepo da obra de uma personalidade artstica como Catulo da Paixo Cearense muito mais ecltica do que poderia supor o crtico Arnaldo Saraiva. Evidentemente, no o caso de sustentar o merecimento de uma indicao ao Nobel para este poeta. O ponto em questo o reconhecimento de que, um conjunto hbrido e extenso como o seu, realizado no decorrer de profundos processos de transformao da sociedade brasileira, fez-se em atrito, tenso, emulao, resposta ou adeso a muito do que veio a se cristalizar como tradio cannica, tanto na literatura, quanto na cano popular.

    Como no perceber na vertente "lunar",20 to sedimentada pelas modi-nhas catulinas, um eco das composies de um Caldas Barbosa, que o precedeu, e de um Orestes Barbosa, que o sucederia com relevantes inovaes nas dcadas

    19 Cartas a Manuel Bandeira, p. 106. A propsito da fortuna crtica de Catulo Cearense entre os modernistas, note-se que Manuel Bandeira inclui dois trabalhos do poeta em sua antologia Obras-primas da lrica brasileira, p. 145-147. Fernando Ges, j em 1960, tambm incluir o clebre "Marruero" no Panorama da poesia brasileira, p. 116-125. Na apresentao ao autor, este crtico cita, sem referir a fonte, palavras de Srgio Buarque de Holanda, que falaria da "surpresa, do encantamento e da comoo" que causariam os textos de Catulo Cearense.

    20 Segundo a tradio, a primeira modinha composta por Catulo Cearense, em 1880, ano de sua chegada ao Rio de Janeiro, tinha por ttulo "Ao luar". Ela no deve ser confundida com a composio "Ontem ao luar", polca de Pedro de Alcntara, na qual Catulo poria versos em 1913, transformando-se num de seus maiores sucessos. Para no falar no "Luar do serto". Catulo Cearense nas vozes de Paulo Tapajs e Vicente Celestino, encarte do CD preparado por Abel Cardoso Jr., p. 3-4.

    250 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    de 30 e 40? Por essa via, na chamada linha evolutiva da msica popular, seus efeitos seriam reelaborados por um Caetano Veloso tropicalista, em "Paisagem til", quando a lua transforma-se em luminoso de uma companhia multinacional, e mesmo no mais que contemporneo Djavan, de "Irm de non": "Entre beijos divinis / Uma mordida aqui / Outra ali / Cresce nos matagais o meu querer por ti // Perfumada flor de l / Tua aragem me apraz e seduz / Cabelos, tantos pelos, tantos uis, ui // Monumento colossal / Musa com vu / A tal, a que diz / Como e

    21 porque merece ser a mais feliz / Eva, irm de Non...". A adjetivao preciosa, a hiperbolizao da beleza feminina, combinam-se de modo saboroso com o ritmo caribenho da melodia. Nesta altura, o luar j se transformara definiti-vamente em non.

    No campo da cultura letrada e erudita, possvel perceber que Fernando Pessoa no estava solitrio nas simpatias pelo poeta brasileiro, tampouco em companhia pouco prestigiosa. Mrio de Andrade, Villa-Lobos, Srgio Buarque de Holanda, se no chegaram a recomendar, at onde se sabe, o poeta "sertanejo" para prmios literrios, no deixaram de l-lo com interesse, incorporando, no caso dos dois primeiros, aspectos da obra de Catulo s suas prprias realizaes artsticas.

    O Nobel de 1933

    A lio que o episdio explorado pela crnica do professor Arnaldo Saraiva parece nos oferecer a de que na sociedade moderna, a promiscuidade entre circuitos de (re)produo e recepo da criao artstica mais intensa do que nossas classificaes retrospectivas nos querem fazer crer.

    Portanto, antes que um desperdcio, a leitura dos que ficaram margem dos repertrios cannicos, abandonados ao p dos sebos, s referncias de rodap, ou s anedotas da crnica literria cotidiana, pode lanar luz sobre uma vida literria muito mais rica, em seus anacronismos e desconexes, em suas simpatias ou antipatas inesperadas ou inexplicveis, em sua mais prosaica, e viva, realizao.

    Ou na observao de talo Calvino:

    Talvez o ideal fosse captar a atualidade como o rumor do lado de fora da janela, que nos adverte dos engarrafamentos do

    21 DJAVAN. Malsia, pic, 1996, faixa 7.

    251 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    trnsito e das mudanas de tempo, enquanto acompanhamos o discurso dos clssicos, que soa articulado no interior da casa.22

    O ano de 1933 parece ter sido prdigo em indicaes discutveis de autores de lngua portuguesa para o Nobel. Alm da meno de Pessoa a Catulo, a Academia Brasileira de Letras, "por aclamao", indicaria o nome de Coelho Neto.23

    Intrigante para o leitor de hoje, a sugesto de Pessoa, na poca ainda muito longe de desfrutar do prestgio internacional que pudesse credenci-lo como "eleitor" privilegiado do Nobel, pouco pode fazer pelo nome de nosso modesto Catulo. Nada surpreendente, j que tambm foi intil a representao unnime dos imortais de ento em favor da opulenta obra de seu veterano companheiro de casa, que alcanara 273 edies em lngua portuguesa, acrescida de um sem nmero de tradues para o francs, ingls, italiano, alemo, espanhol e japons!

    Como se sabe, nenhum autor de lngua portuguesa foi, at hoje, agraciado com o Nobel de Literatura. Busco em meu almanaque a informao sobre quem teria roubado a nossos "candidatos", o polgrafo oficial e o oficioso vate sertanejo, a lurea naquele ano. Topo com Ivan Alexeivich Bunn. Na enci-clopdia mais prxima, busco remdio para minha crassa ignorncia quanto ao poeta laureado. Um minsculo verbete informa apenas que o poeta Ivan, alis Bunin, segundo essa fonte, nasceu na Rssia em 1870, mas naturalizou-se francs. De sua extensa obra, os redatores da breve notcia de cinco magras linhas animaram-se a citar apenas uma traduo sua, para o russo, do poema Lady Godiva. Morreria vinte anos aps roubar a chance de glria para nossos literatos.

    Pessoa admirava Catulo. Catulo admirava Coelho Neto. E este, nutria enorme simpatia por seu conterrneo maranhense. To diferentes na fatura e no percurso, as obras destes autores atravessaram o sculo 20, a despeito da lenta aceitao do poeta portugus, ainda hoje em fase de redescobertas e espantos; e do franco declnio do interesse popular pelos dois autores brasileiros.24 Mais recentemente, experimenta-se um surto de releituras e reavaliaes da produo que se realizou imediatamente antes e prosseguiu sombra do modernismo.

    22 CALVINO, Italo. Por que 1er os clssicos, p. 15. 23 COELHO Neto, Paulo. Bibliografia de Coelho Neto. Rio de Janeiro: Bosoi, 1956.

    P- H-24 O ltimo bastio da resistncia destes dois no repertrio popular foram os compndios

    escolares, que at meados da dcada de 60 ainda os privilegiavam na seleo de textos. Ver LINS, Osman. Do ideal e da glria. Problemas inculturais brasileiros, p. 15-40.

    252 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    Como o Nobel no outorgado postumamente, estamos livres do risco de se levantarem vozes na defesa de algum ajuste de contas histrico.

    A propsito, ser que algum se lembra do premiado com o Nobel de Literatura em 1933?

    RESUMO

    Tomando como mote uma crnica literria do crtico portugus Arnaldo Saraiva na qual ele menciona a surpreendente simpatia de Fernando Pessoa pelo poeta e cancionista Catulo da Paixo Cearense, este artigo discute a complexa rede de relaes articulada entre diferentes audincias e nveis de interlocuo dentro dos quais a obra catulina se inscreveu. Desta maneira, evidencia-se a importncia do exame da produo artstica no-cannica para que se possa melhor compreender os mecanismos de cons-truo, insero e excluso das sries cannicas.

    Palavras-chave: Fernando Pessoa, Catulo da Paixo Cearense, tradio cannica.

    ABSTRACT

    Taking as a clue a newspaper literary column by Portuguese scholar Arnaldo Saraiva, in which he mentions Fernando Pessoa's interest in Catulo da Paixo Cearense's works, this paper studies the complex network within which different audiences have interacted with Cearense's works. In this way, one reveals the relevance of reading non-canonical production in order to realize the processes through which literary canon is built.

    Key words: Fernando Pessoa, Catulo da Paixo Cearense, literary canon.

    253 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ANDRADE, Mrio de. Taxi e crnicas do Dirio Nacional. Estudo de texto, introduo e notas de Tel R A. Lopes. So Paulo: Duas Cidades / Secretaria da Cultura, Cincia e Tecnologia, 1976.

    BANDEIRA, Manuel. Crnicas da Provncia do Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1937.

    BARBOSA, Orestes. Bambamb. 2. ed. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentao e Informao Cultural, 1993.

    BARRETO, Lima. Marginalia. So Paulo: Brasiliense (Obras completas de Lima Barreto; X), 1956.

    . Triste fim de Policarpo Quaresma. So Paulo: Brasiliense (Obras completas de Lima Barreto; II), 1956.

    CALVINO, talo. Por que 1er os clssicos. Trad, de Nilson Moulin. So Paulo: Cia das Letras, 1993.

    CEARENSE, Catulo da Paixo. O milagre de So Joo. Riode Janeiro: A Noite, [1942?]. . Poemas escolhidos. 5. ed. Rio de Janeiro: Imprio, [s.d.]. . Um bomio no cu. 4. ed. Rio de Janeiro: A Noite, [1946],

    COELHO NETO, Paulo. Bibliografia de Coelho Neto. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956. GES, Fernando. Panorama da poesia brasileira. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,

    1960, V.5. HUYSSEN, Andreas. After the Great Divide. Modernism, Mass Culture, Postmo-

    dernism. Bloomington: Indiana University Press, 1986. LINS, Osman. Do ideal e da glria: problemas inculturais brasileiros. 3. ed. So Paulo:

    Summus, 1977. PINTO, Alexandre Gonalves. O choro. Reminiscncias dos chores antigos. Rio de

    Janeiro: Funarte (MPB Reedies; 1), 1978. RIO, Joo do [Paulo Barreto]. A alma encantadora das ruas. Rio de Janeiro: Secretaria

    Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentao e Informao Cultural, 1995.

    RODRIGUEZ, Benito Martinez. Duelo ou dueto: a indecisa posio frente ao mundo moderno em Clara dos Anjos, de Lima Barreto. So Paulo, 1992. Dissertao Mestrado - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo.

    SARAIVA, Arnaldo. O Nobel de Pessoa. Dirio de Notcias, 8 mar. 1994, p. 8. SILVEIRA, Joel. Tempo de contar. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1993.

    254 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR

  • RODRIGUEZ, B. M. O que lcem os clssicos: incluses...

    Discos citados

    CATULO da Paixo Cearense nas vozes de Paulo Tapajs e Vicente Celestino. Encarte preparado por Abel Cardoso Jr. Revivendo, [s.d.].

    CARDOSO JR., Abel. Catulo da Paixo Cearense nas vozes de Paulo Tapajs e Vicente Celestino. Revivendo, [s.d].

    DJAVAN. Malsia, Epic, 1996. VELOSO, Caetano. Caetano Veloso, Philips, 1968.

    255 Letras, Curitiba, n. 49, p. 239-255. 1998. Editora da UFPR