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Relações internacionais e a nova fase do imperialismo: um diálogo entre Robert Cox e Nicos Poulantzas, Berringer, Tatiana

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  • Recebido em 11 de dezembro de 2011. Aprovado em 28 de fevereiro de 2012. 23

    Relaes internacionais e a nova fase do imperialismo: um dilogo entre Robert Cox e Nicos Poulantzas*

    Tatiana Berringer**

    Resumo:Apresentaremos a teoria de Estado poulantziana como contraponto ideia de governana global defendida por Robert Cox. Cox um autor reconhecido por ter introduzido conceitos do marxista Antonio Gramsci no debate terico das relaes internacionais. Poulantzas destacou-se pela sistematizao terica acerca do Estado capitalista em Poder Poltico e classes sociais (1968). Em primeiro lugar, destacaremos a diferena entre o conceito de Estado de Nicos Poulantzas e Antonio Gramsci e investigaremos as demais influncias tericas de Cox. Em seguida, partiremos para a nossa critica a Cox em relao anlise sobre a internacionalizao do Estado em funo da suposta governana global.

    Palavras-chave: Estado. Robert Cox. Nicos Poulantzas.

    Adotamos para as anlises contidas neste artigo as contribuies de Pou-lantzas em Classes sociais no capitalismo de hoje (1974) e Crise das ditaduras: Grcia, Espanha e Portugal (1975), obras que versam sobre imperialismo, Estado, nao, classes dominantes e dependncia. Apesar de algumas retificaes presentes nes-tas obras, as mesmas no rompem com a problemtica de Poder Poltico e Classes Sociais como ocorre com a ltima obra de Poulantzas: Estado, poder e socialismo. Destacamos, antes de tudo, que o marxismo no uma corrente de pen-samento nico: h muitas leituras e interpretaes das obras de Marx, as quais influem sobre diferentes concepes de Estado. Em Poder Poltico e Classes Sociais (PPCS) Poulantzas assina sua filiao corrente do estruturalismo marxista, ten-do por isso recebido inmeras crticas. Uma das crticas, que trataremos abaixo, aparece em um dos artigos de Robert Cox.

    *Este artigo um recorte do segundo captulo da minha dissertao de mestrado intitulada Estado e relaes internacionais: uma comparao crtica entre Hans Morgenthau e Nicos Poulantzas. **Doutoranda em Cincia Poltica pela Unicamp. End. eletrnico: [email protected]

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    Segundo Cox, o marxismo de Althusser e de Poulantzas compartilha algumas caractersticas com a corrente realista das relaes internacionais, pois seria da mesma forma a-histrico e essencialmente epistemolgico. Para ele, Poulantzas teria desenvolvido um instrumental terico para a anlise do Estado e da sociedade capitalista que ignora o conhecimento histrico em favor de conceitos abstratos e estticos. Cox reivindicou o materialismo histrico como mtodo capaz de fornecer instrumentos para a anlise dinmica da ordem mundial, de acordo com suas palavras: A teoria critica uma teoria da histria no sentido de se preocupar no apenas com o passado, mas com um processo contnuo de mudana histrica (COX, 1986: 209). Alm de Gramsci, Cox tambm se apropriou de historiadores como Eric Hobsbawm e Imanuel Wallerstein. Ele tinha como objetivo suprimir algumas lacunas nas teorias de relaes internacionais, em especial a anlise su-perficial do Estado feita pelos realistas. Segundo Cox, esta corrente ignorava a complexidade entre Estado e sociedade e as pluralidades das formas de Estado. Por isso, apropriou-se do conceito de Estado ampliado formulado por Antnio Gramsci, segundo a qual o Estado formado pela sociedade poltica (aparelho de Estado no sentido restrito foras repressivas) e pela sociedade civil (escola, igreja, partidos polticos, etc., ou melhor, os aparelhos ideolgicos de Estado). A primeira desempenha a funo poltica de coero e, a segunda, o papel ideolgico de consentimento. Trata-se do chamado Estado ampliado. Para Cox, a originalidade de Gramsci consiste na aplicao do conceito de hegemonia para a burguesia e os aparatos do Estado, pois Lnin e outros marxistas somente a teriam utilizado para tratar dos movimentos e organizaes da classe operria. Cox afirma que para Gramsci a (...) hegemonia estava firmemente entrincheirada na sociedade civil, a burguesia poucas vezes precisou, ela prpria, administrar o Estado:

    (...) A noo de Estado tambm teria de incluir as bases da estrutura poltica da sociedade civil. Gramsci pensava nessas bases em termos histricos concretos - a Igreja, o sistema educacional, a imprensa, todas as instituies que ajudavam a criar nas pessoas certos tipos de comportamento e expectativas coerentes com a ordem social hegemnica (Cox, 2007: 104).

    Diferentemente do que defenderam Gramsci e Cox, para Poulantzas a ideo-logia burguesa produzida e difundida pela estrutura jurdico-poltica do Estado (direito capitalista e burocracia), e no pelos aparelhos ideolgicos de Estado, ou melhor, pelas organizaes da sociedade civil, como a escola, imprensa, igreja, etc. Para Poulantzas, a estrutura jurdico-poltica do Estado exerce ao mesmo tempo a funo poltica, econmica e ideolgica de manuteno da coeso da formao

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    social e de reproduo das relaes de produo capitalista. A estrutura jurdico-poltica do modo de produo capitalista formada pelo direito capitalista e pelo burocratismo. Estas duas estruturas correspondem s relaes de produo, cuja reproduo delas depende. A estrutura jurdico-poltica exerce uma dupla funo: isolamento (constituio de indivduos juridicamente atomizados) e representao da unidade (criao do corpo poltico povo-nao). Essas duas funes juntas tornam possvel a reproduo continua do processo produtivo no capitalismo. Nesse sentido, o Estado capitalista aparece como representante do interesse geral da nao, pois confere aos cidados a liberdade e a igualdade meramente formais, sob as quais todos se sentem partcipes da mesma comunidade nacional. No entanto, a funo global deste Estado ser o fator de coeso da formao social dividida em classes e garantir os interesses das classes dominantes. O Es-tado dirigido pela classe dominante sem que essa necessariamente ocupe suas instituies. A hegemonia corresponde classe ou frao de classe dominante no bloco no poder. Segundo Poulantzas, o Estado a instituio que fiscaliza e regulamenta o funcionamento das demais instituies como escola, igreja, imprensa, etc., que por sua vez contribuem para a acumulao e reproduo do capital.

    O que sustentamos que os pressupostos ideolgicos bsicos da hegemonia burguesa vm no da esfera da sociedade civil, mas, exatamente, daquilo que Gramsci denomina sociedade poltica ou Estado em sentido restrito (Boito

    Jr, 2007: 35).

    Acreditamos que a despeito da diferena entre o conceito de Estado de Gramsci e Poulantzas, ao apropriar-se de Gramsci e, ao mesmo tempo, das abor-dagens historicistas, Cox acaba por utilizar um conceito fluido de Estado. Para ns, essa fragilidade expressa-se na considerao coxiana de que o Estado havia se internacionalizado na nova fase do imperialismo, conforme descreveremos adiante. Cox buscou aplicar o conceito gramsciano de hegemonia para entender a ordem mundial. Defende que existe uma conexo entre o que Gramsci chamou de hegemonia e o que ele entende por institucionalizao. Aproximando-se dos institucionalistas histricos, Cox v a existncia de uma reciprocidade entre ideias, recursos materiais e instituies. Para ele, a hegemonia corresponde a uma ordem no interior da economia mundial sob a qual um modo de produo dominante penetra todos os pases e se vincula a outros modos de produo subordinados a ele. Nesse sentido, a ordem internacional seria dividida em quatro perodos hegemnicos: hegemonia britnica (1845-1875); perodo no-hegemnico (1875-1945); hegemonia dos Estados Unidos (1945-1965); queda da hegemonia estadunidense (1965-at hoje). Segundo Cox, entre 1945 e meados da dcada de

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    1960, teria ocorrido uma reestruturao da sociedade a partir da globalizao da economia, que teria levado os Estados a se ajustarem para responder s exi-gncias do sistema internacional e adequar as polticas nacionais de acordo com a presso exercida por organizaes internacionais como FMI e Banco Mundial. Segundo as frases de Cox, por ns traduzidas:

    (...) as distines territoriais das economias e sociedades nacionais foram pene-tradas por foras globais e transnacionais (Cox, 1999: 12).

    (...) as presses externas esto conseguindo reduzir os poderes do Estado sobre a economia em favor da expanso das foras de mercado, a debilidade das institui-es para regular o mercado e o colapso da autoridade estatal abrem o caminho para o crime organizado e a corrupo poltica que ganham o controle do Estado e do mercado (Cox, 1999: 21-22).

    Para Cox, a internacionalizao da produo e a atuao de organizaes internacionais no contexto da crise da hegemonia estadunidense teriam levado internacionalizao do Estado e constituio da sociedade civil global. O sistema mundial atual seria ordenado atravs de uma governana global, cujas instituies de poder seriam as organizaes internacionais como ONU, FMI e Banco Mundial. Estas organizaes teriam passado a exercer o papel da sociedade civil, de construo do consentimento ativo tal qual definiu Gra-msci. Elas estabelecem regras e normas internacionais, e cooptam as elites dos pases perifricos para se adequarem s suas diretrizes, as quais, por sua vez, correspondem aos interesses dos Estados imperialistas. A sociedade civil teria passado a se organizar transnacionalmente contra esta nova ordem econmica internacional, e a noo de classe social haveria se ampliado para as identidades de gnero, etnia, religio e nacionalidade, cujo sentimento comum entre todas seria o senso de opresso e excluso (Cox, 1999). Discordamos desta anlise coxiana, pois acreditamos que o papel do Estado no sofre alteraes nesta nova fase do imperialismo. Vale dizer que nesta fase de desenvolvimento do capitalismo ocorreu a expanso das empresas multinacionais, ou melhor, a internacionalizao da produo e o surgimento de organizaes supranacionais como a Unio Europeia, a Organizao das Naes Unidas (ONU), o Fundo Monetrio Internacional (FMI), a Organizao Mundial do Comrcio (OMC), e outros. Para Poulantzas, o imperialismo a reproduo ampliada do modo de produo capitalista, fenmeno ligado ao desenvolvi-mento desigual das naes e exportao de capitais que predominam sobre a exportao de mercadorias. Nesse sentido, este marxista divide o imperialismo em trs fases determinadas historicamente pela luta de classes: 1) transio do capitalismo competitivo para o estgio imperialista, que vai do fim do sculo XIX ao perodo entre guerras; 2) fase de consolidao do estgio imperialista,

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    com domnio do capitalismo monopolista e um domnio poltico do Estado no seio das formaes sociais, perodo ps-depresso de 1930 e que corresponde ao New Deal rooseveltiano e aos regimes nazi-fascistas; 3) fase atual do imperialismo, iniciada aps a Segunda Guerra Mundial, a qual corresponde s transformaes nas relaes dos pases dominantes com as formaes sociais dominadas, em que o modo de produo dos pases dominantes se reproduz no interior dos pases dependentes. Nas duas primeiras fases, a diviso internacional do trabalho, entre pases dominantes e dominados, compreendia uma diviso entre indstria (cidade) e agricultura (campo). Com isto, a relao de exportao de capitais dos pases imperialistas para os pases dependentes relacionava-se ao controle de matrias-primas e expanso de seus mercados. O modo de produo capitalista que dominava nas formaes sociais dos pases imperialistas no se reproduzia e nem dominava as relaes de produo no interior das formaes sociais dependentes. Normalmente, os Estados dependentes mantinham outras formas de produo como o modo de produo feudal, o modo de produo escravista moderno, etc.

    Segundo Poulantzas, a fase atual do imperialismo corresponde internacio-nalizao da produo capitalista, com base na expanso das foras produtivas, tendo por isso gerado novas relaes de dependncia entre os Estados imperia-listas e os Estados dependentes. As relaes de produo dos pases imperialistas se internacionalizaram e passaram a se reproduzir no seio das formaes sociais dependentes e, com isso, as formas de dominao entre os pases imperialistas e dependentes deixaram de ser a diviso entre indstria e agricultura, assumindo uma nova via, que implicou a formao de burguesias internas nos pases depen-dentes atravs da industrializao. As formaes sociais so ainda os espaos de processo de reproduo do capital como ncleos de desenvolvimento desigual, e o Estado quem mantm a coeso das formaes sociais (Poulantzas, 1978: 52). O papel do Estado, portanto, no sofre alterao nessa nova fase do imperialis-mo, o Estado quem organiza a interiorizao das novas formas de produo impulsionadas pela expanso das empresas multinacionais, diferentemente do que sugeriu Cox. Para Poulantzas:

    A internacionalizao atual do capital no suprime e no abala os Estados na-cionais. (...) Esses Estados encarregam-se dos interesses do capital imperialista dominante no seu desenvolvimento no prprio seio da formao nacional, em sua integrao complexa com a burguesia interior que ele domina (Poulantzas, 1978: 78).

    Seguindo a anlise de Poulantzas, e rearfirmando a ideia das diferenas entre as fraes do capital, contrapomo-nos tambm s teses de que o capitalismo con-

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    temporneo teria abolido estes conflitos entre as fraes de classe no interior das formaes sociais e ainda teria unificado a burguesia em escala mundial. Segundo Boito Jr, a noo de globalizao constitui parte da ideologia neoliberal que buscou apresentar a ideia de uma integrao quase homognea dos mercados na esfera internacional, em funo da atuao das empresas transnacionais e do declnio do Estado-nao. Com isso, afirmavam que o processo de internacio-nalizao da produo haveria liquidado com as economias nacionais (Boito Jr, 1999: 31). O autor ressalta que

    (...) os espaos econmicos nacionais no so simples emanao dos interesses das grandes empresas. Interesses da mdia burguesia interna, da pequena bur-guesia, dos assalariados de classe mdia e inclusive da classe operria tambm so tomados em considerao pelos Estados nacionais na administrao de seus territrios. A prpria burocracia civil e militar dos Estados nacionais tem interesse na manuteno de sua soberania e a burguesia tem dependido da ao desses aparelhos para manter minimamente coesas formaes sociais atravessadas por conflitos de classe. Portanto, mesmo que as firmas multinacionais estivessem se convertendo, de fato, em empresas globais, nem por isso poder-se-ia deduzir de tal fato o inevitvel declnio do Estado-nao e dos espaos econmicos nacionais

    (Boito Jr, 1999: 32).

    Completamos afirmando que a globalizao financeira tampouco unificou a burguesia em escala mundial, pois, o que vemos hoje uma intensificao das disputas comerciais e polticas entre os Estados. Exemplo disso so os impas-ses comerciais que ocorrem no mbito da Organizao Mundial do Comrcio (OMC) e os fracassos das Rodadas de Uruguai e Doha, a guerra cambial entre os Estados em 2010, entre outros. Segundo Almeida:

    A mundializao capitalista sob dominncia do capital financeiro acentua os fatores de hierarquizao entre os pases e contribui para aumentar os conflitos entre os plos internacionais pelo controle das reas de maior interesse geopoltico

    e geoeconmico (Almeida, 2008: 168).

    O Estado, atravs da estrutura jurdico-poltica, mantm o papel de coeso das formaes sociais, pois o responsvel por representar os interesses do blo-co no poder no cenrio internacional. o Estado quem promove parcerias, cria blocos econmicos e permite a internacionalizao das empresas, a exportao de mercadorias ou capitais nacionais, define de taxas de cmbio, taxa de juros, tarifas aduaneiras, protecionismos, celebra acordos e contratos internacionais, resolve os impasses comerciais no mbito da OMC, em todos os fruns, organismos e negociaes internacionais. As decises estatais refletem os interesses econmicos e polticos das burguesias de cada Estado no que tange s relaes internacionais.

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    Um exemplo disso o fortalecimento de burguesias internas dos Estados dependentes, constituda, principalmente, por setores da indstria de bens de consumo (eletrodomstico, txtil, mecnica, qumica e metalurgia), indstria de construo e setores que dependem deste processo de industrializao (trans-portes, distribuio) ou servios (que pode incluir at o turismo). A burguesia interna

    (...) se interessa pela interveno estatal que lhe asseguraria alguns domnios dentro do pas e que a tornaria tambm mais competitiva diante do capital es-trangeiro. Deseja a ampliao e o desenvolvimento do mercado interno atravs de uma pequena elevao do poder de compra e de consumo das massas, o que lhe ofereceria mais sadas; procura, enfim, ajuda do Estado, que lhe permitira

    desenvolver a exportao (Poulantzas, 1975: 36-37).

    Apesar do crescimento do fluxo de capitais e de mercadorias nas ltimas dcadas, quando se amplia a anlise historicamente, no possvel afirmar que o comrcio internacional de hoje teria suplantado o nvel do movimento de mercadorias e de capitais do final do sculo XIX Primeira Guerra Mundial.

    O comrcio internacional e os fluxos de capital, tanto entre as prprias econo-mias rapidamente industrializadas quanto entre estas e seus diversos territrios coloniais, eram mais importantes em relao aos nveis do PIB antes da Primeira Guerra Mundial do que provavelmente so hoje (Thompson & Hirst, 2001: 57).

    Outro elemento difundido pela ideologia da globalizao refere-se crise do Estado-nao frente emergncia de nacionalismos e separatismos, como os Bascos e Galegos na Espanha, o IRA (Exrcito Republicano Irlands) na Irlanda, os departamentos da Media Luna na Bolvia, entre outros. No que tange a estes processos, sugerimos que tais nacionalismos refletem uma crise no efeito de re-presentao da unidade do povo-nao. Trata-se, portanto, do que Almeida (1995) tratou por crise de legitimidade das ideologias nacionais existentes, e, todavia, este elemento no permite dizer que exista um enfraquecimento dos Estados capitalistas.

    Para Poulantzas, a internacionalizao do capital teria provocado muito mais um fracionamento das naes do que a criao de um Estado supranacional na Europa.

    No se assiste a emergncia de um novo Estado acima das naes, mas antes s rupturas da unidade nacional subtendendo os Estados nacionais existentes: o fenmeno atual - de grande importncia do regionalismo, que se exprime pelas ressurgncias das nacionalidades (Bretanha, Pas Basco, Ocitnia, etc), o que demonstra que a internacionalizao do capital provoca mais um fracionamento da nao, tal como historicamente construda, do que uma supranacionalizao do Estado (Poulantzas, 1978: 86).

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    Sugerimos que a Unio Europeia esteja vivendo um duplo movimento: por um lado, h o fracionamento de naes que expressam a crise de legitimidade das ideologias nacionais dos Estados, que no lograram assimilar parcelas da populao ideologia nacional construda; e por outro lado, esteja construindo um novo coletivo que agrega as naes dos Estados-membros e se apresenta como comunidade europeia aos cidados. Ou seja, o cidado passa a se sentir membro do coletivo europeu, mas permanece membro do seu coletivo nacional. Isso permite afirmaes como: Sou ingls e europeu/ Sou francs e europeu, embora a Unio Europeia no corresponda a um Estado supranacional, j que no dispe de uma Constituio e nem de uma legislao trabalhista comum, apesar de j existir a criao de uma institucionalidade supranacional e tambm de um coletivo imaginrio supranacional a Europa. Segundo Almeida, esse coletivo supranacional que est se constituindo na Europa tem inclusive apresentado caractersticas de um nacionalismo regressivo, pois tem carter xenfobo e racista que se reflete na criminalizao aos imi-grantes (Almeida, 2008). Para ele, A constituio de nacionalidades um dos caminhos possveis para movimentos que questionam a forma de legitimidade de um Estado burgus, embora no necessariamente se contraponham ao tipo capitalista de Estado (Almeida, 2008: 62). Lembramos que a Nova Zelndia, Canad, Sua, Blgica e Nigria so Estados plurinacionais. Na Amrica Latina, por sua vez, os nacionalismos indigenistas tm questionado, entre outras coisas, (...) o carter discriminatrio da homogeneizao lingustica produzida por estes velhos Estados nacionais (Almeida, 2008: 171). Estes movimentos esto sendo impulsionados

    (...) por diversas foras polticas que se constituem a partir de povos originrios que se percebem como naes e no percebem muita homogeneidade nestes velhos Estados nacionais, forjados pelos criollos, incapazes de incluir os que aqui j se encontravam e no foram totalmente exterminados (Almeida, 2008: 171).

    Para ns, grande parte dos movimentos nacionalistas no tem como estra-tgia de luta a superao do capitalismo. Os movimentos nacionalistas almejam apenas constituir outro Estado-nao, permanecendo no territrio em que residem e como cidados de um Estado capitalista que reconhea a sua nacio-nalidade. Um exemplo disso a promulgao da nova Constituio da Bolvia em 2009 e do Equador em 2008. Estas cartas instituram a ideia de um Estado plurinacional que respeite e contemple as diversas etnias e naes indgenas que habitam os seus territrios, reconhecendo seus idiomas e costumes. No entanto, estas novas cartas no alteraram substancialmente o carter capitalista do Estado. Da mesma forma, se os nacionalismos europeus conquistarem a criao de Es-tados independentes, provavelmente estas novas formaes sociais tero novos

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    Estados burgueses, que garantiro as relaes de produo capitalista. Apesar destes nacionalismos, e das prprias transformaes que a internacionalizao do capital ocasionou no seio dos blocos no poder, Poulantzas afirma que

    (...) os vnculos entre Estado e nao no esto rompidos, e os locais essenciais da reproduo e do desenvolvimento desigual continuam a ser as formaes sociais nacionais [...]. A nao em toda complexidade da sua determinao unidade econ-mica, territorial, lingustica, simblico-ideolgica ligada a tradio, conserva sua entidade prpria quanto s formas nacionais da luta de classes, permanecendo a relao Estado e nao, por esse meandro, mantida (Poulantzas, 1978: 85).

    Inferimos tambm que, apesar da exploso dos chamados movimentos al-termundistas1 nesta ltima dcada (2000-2010), a luta proletria ainda conserva a forma nacional, pois a luta de classes segue inscrita nos marcos nacionais e est presa s especificidades de cada formao social. A maneira e a intensidade com que as diretrizes das organizaes financeiras internacionais foram adotadas em cada pas esto ligadas relao de classe e ao desenvolvimento das relaes de produo e foras produtivas de cada formao social. Neste caso, mesmo que haja movimentos que transcendam as fronteiras nacionais, cabe aos Estados assimilarem estas reivindicaes e alterarem as polticas externas e domsticas. Conclumos que, a despeito do que muitos defendem, esta nova fase do im-perialismo, de expanso das empresas multinacionais, surgimento de movimentos separatistas, nacionalistas, e altermundistas, no resultou em uma mudana do papel do Estado. Esta instituio, alm de manter a sua funo poltica global de manuteno da coeso social e das relaes de produo, a responsvel por garantir os interesses das burguesias locais nos fruns e nas negociaes internacionais, possibilitando a expanso dos mercados exportadores, a inter-nacionalizao das empresas nacionais, a soluo de controvrsias comerciais, assinando acordos e tratados e definindo sobre entrar ou apoiar ou no conflitos blicos e diplomticos com outros Estados.

    1Manifestaes contra os organismos financeiros internacionais (FMI, OMC, Banco Mundial) em Seattle, Genova e Praga, Frum Social Mundial, ATTAC, dentre outros.

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