Bezouro N°6

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Se não chega a ser um prodígio, completar dois anos de vida atesta um mínimo de desenvoltura. Nossa primeira edição impressa traz material coletado de todas as edições anteriores de modo a homenagear nossos colaboradores, professores, fotógrafos, designers, publicitários, editores, artistas e jornalistas, sem os quais a Bezouro jamais teria acontecido. O conteúdo inédito desta edição fica por conta de uma entrevista com a dupla do Criolina, que vem agitando a cena musical maranhense, e da cobertura da Exposição em Blues II, evento multimídia que congregou muito do que nós sempre mantivemos como foco de nossos trabalhos. Não saímos do digital para abraçar o analógico. A edição impressa vai existir em paralelo com sua versão em pixels. Acreditamos que a realidade virtual e o papel são mais do que complementares. Trata-se de mais uma face da convergência com a qual estamos aprendendo a lidar junto com o leitor.

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Se não chega a ser um prodígio, completar dois anos de vida atesta um mínimo de desenvoltura. Nossa primeira edição impressa traz material coletado de todas as edições anteriores de modo a homenagear nossos colaboradores, professores, fotógrafos, de-signers, publicitários, editores, artistas e jornalistas, sem os quais a Bezouro jamais teria acontecido.

Nascemos como um projeto de extensão do Depar-tamento de Comunicação da Universidade Federal do Maranhão. Nosso firme propósito sempre foi o de fazer a cobertura cultural e artística da cidade, de contextos e eventos criativos que só recentemente vem ganhando espaço nas mídias tradicionais, com a análise cadenciada que as revistas se caracterizaram por oferecer ao público.

O conteúdo inédito desta edição fica por conta de uma entrevista com a dupla do Criolina, que vem agitando a cena musical maranhense, e da cobertu-ra da Exposição em Blues II, evento multimídia que congregou muito do que nós sempre mantivemos como foco de nossos trabalhos.

Não saímos do digital para abraçar o analógico. A edição impressa vai existir em paralelo com sua versão em pixels. Acreditamos que a realidade virtual e o papel são mais do que complementares. Trata-se de mais uma face da convergência com a qual esta-mos aprendendo a lidar junto com o leitor.

Pablo Habibe

Editor

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Veja só: estava eu, outro dia, sentado no bar Veneno (lugar este

que, por sinal, é bem popular entre os roqueiros da cidade – Ué, o que foi?

Pelo menos esse termo é melhor que “a galera do rock”) conversando com um casal de amigos numa boa, tranquilamente. Estávamos tomando uma cerveja... Quando meu companheiro de mesa de bar daquela hora, o jornalista Pablo Habib’s, solta essa pérola:

“Bem, tu sabes, né? O Santana ele criou o axé...”. Não agüentei: dei uma boa gargalhadas. Aquilo soou muito engraçado. Não sei se o álcool na minha cabeça fez isso ser mais engraçado do que realmente é... Não sei, quem

sabe. Mas de qualquer forma, tal frase tem, de fato, um certo poder cômico – mas será que ela teria potencial para ser verdade?

Quando cheguei a minha casa comecei a pensar furiosamente nisso. “Tu só pode ‘tá de brincadeira, pô! Isso é molecagem”, refleti. Mas logo me contra-argumentei: “mas tu por acaso conhece outro que pela primeira vez misturou tambores com guitarra sem ser o Santana?” Bom, é nessa hora que eu caio em mim: lembro-me que Richie Valens e Daniel Flores (ou Chuck Rio), oficialmente, foram os primeiros a incutir influências latinas no rock, ou melhor, no rock’n roll. Richie Valens foi o verdadeiro pioneiro, com aquela famosa releitura de “La Bamba”, uma música do folclore mexicano. No entanto, ele não investiu mais

nisso. A maioria gritante de suas músicas (e põe gritante nisso!) é apenas rock’n roll e vai na onda do Chuck Berry, do Elvis Presley, do Little Richard, do Bill Haley, etc. As pitadas um pouco mais

distribuídas de latinidade no repertório foram dadas por Chuck Rio, tido como o “Padrinho do latin rock” (vocês provavelmente devem conhecer “Tequila”, música dele). Com relação às outras bandas de latin rock do final da década de 50 e do começo dos anos 60... Bom, havia

aquelas que de latinidade só tinham as letras, como Los Teen Tops, com, possivelmente, uma ou outra música que saía desse padrão, e outras com as quais a fusão com os ritmos latinos era mais

explícita, como Los Blue Caps.

Mas vocês vão perguntar: o que diabos isso tem a ver com axé? Nada. A matéria-prima desse pessoal é o rock’n’roll. O axé tem influências latinas e africanas, mas não é o estilo “wa bop a lu bop a lom

bam boom” que se mistura com elas. É o pop/rock. Aí você me pergunta: “e por acaso o Santana faz pop/rock?” E eu digo: vamos com calma. Santana pode não ter sido o pioneiro da fusão “rock-ritmos latinos”, mas foi um dos que explorou mais intensamente essa mistura. O que antes se via um pouco com Chuck Rio e raríssimamente com Richie Valens, foi só o que apareceu com Santana. Em 1969, ele lança seu primeiro álbum, intitulado “Santana”, no qual tempera o rock com suingue e timbres latinos como ninguém. E ele continuou fazendo isso por toda a década de 70 e até hoje, moldando-se, em cada época, ao que era pop. Se ele não tivesse feito todas aquelas parcerias a partir de 1999, provavelmente ele entraria no ostracismo. Ele se moldou ao gosto das novas gerações – e ficou bom! Não é mais o Santana dos

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anos 70, tudo bem, mas ele se moldou com bom gosto. A semelhança entre ele e o axé é justamente essa: Santana e as bandas de axé misturam ritmos afro-cubanos e instrumentos elétricos com uma proposta pop – o que os separa são os variados tipos de ritmos latinos que eles misturam e as diferentes propostas pop de cada artista para cada época e lugar.

Reconhecidamente, os precursores do axé são quatro pessoas: primeiramente Dodô e Osmar, que pegaram a idéia de tocar frevo com guitarras elétricas em cima de uma Fobica (um Ford 1929), nos anos 50, na cidade de Salvador, dando início ao que seria o trio elétrico; Morares Moreira, que teve a ideia de subir num trio elétrico (lugar destinado somente à musica instrumental) para cantar; e Luiz Caldas (do trio Tapajós), considerado de fato o pai do axé, que misturou o frevo elétrico com o ritmo ijexá, dando uma cara “baiana” a essa música pernambucana, em 1985. Tal resultado, chamado a princípio de fricote ou deboche, é considerado o marco zero do que viria a ser o axé music. Paralelo a isso, temos a formação dos blocos afro, como o Olodum e o Ilê Ayê, que tocavam (obviamente) ritmos africanos e brasileiros, que também entram na denominação axé.Tal termo, que é uma saudação religiosa corrente no meio musical de Salvador, vinda do candomblé e da umbanda, significa energia positiva. Foi anexado ao termo music pelo

jornalista Hagamenon Brito, com intenção depreciativa, para rotular todo esse som dançante que vinha da capital soteropolitana. Na sua fase inicial, com Luiz Caldas e Gerônimo, o estilo destoa significativamente do que entendemos como axé hoje. Entre o final dos anos 80 e começo da década de 90, com Ricardo Chaves, Netinho, da Banda Beijo, Chiclete com Banana entre outros, essa música

começa a ganhar mais a cara que possui hoje – e por isso muitos a odeiam. Nos 90, com É o Tchan e a Cia. Do Pagode, bunda e insinuações sexuais ganharam tanto ou maior importância do que a própria música, que passa a ter uma veia mais pagodeira – e por isso muitos a odeiam ainda mais!

Nos anos 50, há o surgimento do trio elétrico em Salvador. Dodô e Osmar são a dupla que iniciou a ideia de tocar com guitarras o frevo pernambucano dentro de um automóvel em movimento (no início um Ford 1929), com

um numeroso público em volta curtindo o som. Mais tarde, chamam um terceiro músico, Temístocles Aragão, dando origem ao nome trio elétrico. É importante frisar que a dupla tocava com um protótipo de guitarra, a chamada guitarra baiana (ou pau elétrico/ cavaquinho elétrico). No entanto, Dodô, Osmar e Temístocles faziam seu show, em

um ambiente apertado, sem muito acompanhamento.

A união do aparato instrumental afro-caribenho (timbales, congas, bongô, cowbells e maracás) com guitarras e contrabaixos elétricos juntamente com caixas de som, em um palco, lança mão de uma estética visual não alcançada por Dodô e Osmar nos anos 50. Os trios elétricos ao longo dos anos 60 vão evoluir, dando lugar aos

tradicionais caminhões. Mas, mesmo assim, isso não significa que esta lógica visual começou a partir daí. Isso só vai se dar depois de Luiz Caldas,

quando o axé começa de fato sua gestação.

Santana nunca tocou em um trio elétrico (pelo menos até onde eu sei), mas o caráter visual da conjuntura de seus músicos reunidos se assemelha bastante a uma banda de axé. Ou será que são as bandas de axé que se assemelham à organização estética do Santana? Provavelmente a correta é a segunda opção. O frevo originalmente não era tocado com guitarras, mas com 1 requinta, 3 clarinetas, 3 saxofones, 3 pistons, 8 trombones ,

2 horns, 3 tubos , 2 taróis e 1 surdo. A fusão de elementos distintos não veio com Santana.

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Para inovar é preciso projetar tendências futuras e o que os consumidores desejam antes mesmo que eles saibam das novidades. Mas como isto é possível?

Nos últimos anos os chamados cool-hunters ou caçadores de tendências, uma profissão que vem despertando o interesse de muitos jovens do mundo inteiro, passaram a ser considerados fundamentais no setor da moda, onde as mudanças são mais rápidas e constantes.

Atuar como cool-hunter não é simples. É preciso um bom preparo e uma visão abrangente de diversos setores do mercado para poder antecipar as tendências que serão adotadas pelos consumidores.

Para entender melhor sobre esta nova profissão três profissionais da área foram entrevistados: Sabina Deweik , coordenadora do curso de Cool-Hunting da Escola São Paulo e

diretora no Brasil da empresa pioneira em cool-hunting,

Future Concept Lab; Marina Manso, correspondente na

América Latina do portal online de tendências Stylesight e Lindsey

Alt, editora e pesquisadora de tendências do portal Nova Iorquino

Fashion Snoops.

Como surgiu

A prática de cool-hunting existe há mais de 30 anos, mas o termo foi criado na década

de 1990 pelo Future Concept Lab. Para Sabina Deweik o cool-hunting é uma nova função

encontrada no meio de profissionais da área de marketing que pesquisam e identificam as últimas tendências do mercado. Ao

contrário do que muitos pensam, não se restringe apenas à moda.

Atualmente, o cool-hunter também trabalha em áreas como gastronomia, publicidade, design, automobilismo, tecnologia, entre outras. Em geral, eles são profissionais que procuram identificar novas manifestações, sejam elas nas ruas, na internet, ou em qualquer outra forma de comportamento que possa gerar um movimento em um grupo relevante de pessoas.

Há uma diferença entre o cool-hunter e o pesquisador de tendências. O pesquisador reconhece as tendências que já estão na ruas antes que elas cheguem às massas, enquanto o cool-hunter identifica sinais que estão surgindo aos poucos e devem se transformar em tendências.

Mariana Manso e Lindsey Alt são pesquisadoras de tendências e reconhecem na moda as cores, silhuetas, materiais e temas que serão afirmados nas próximas estações. Já o cool-hunter é um visionário que pesquisa mais a fundo o que acontece no cenário social, político e econômico, apontando como estes fatores refletem no comportamento do consumidor e no desenvolvimento de novos produtos.

O termo cool-hunting vem sendo adotado frequentemente por muitos profissionais no Brasil. Porém, muitos preferem evitar o título de cool-hunter, pois não acham que buscar tendências significa reconhecer o que é ‘cool’. Alguns profissionais extrangeiros até desconhecem o uso do termo, porque a expressão cool-hunting é muitas vezes associada ao famoso site Coolhunting.com.

De acordo com Sabina “o cool-hunting não busca apenas o ‘cool’ ou o mais inovador, ele, na verdade, faz um raio-x do comportamento cotidiano da sociedade e busca o espirito do tempo em que vivemos.”

O pesquisador de tendências também não é necessariamente um trend-setter. Ele, na verdade, é um bom observador, antenado, que sabe reconhecer quem são os trend-setters. Muitas pessoas acham que estes profissionais vão sempre em busca do que as celebridades estão usando ou fazendo. Entretanto, o foco está nas pessoas comuns, até porque muitas celebridades se vestem e se comportam de acordo com as indicações de seus consultores.

Mas afinal, o que são tendências e onde estes profissionais as encontram?

As tendências são movimentos que surgem em diversos lugares do mundo, se propagam

entre os consumidores e permanecem por um certo período. Um produto

que entra e sai do mercado rapidamente não é moda e

nem tendência, mas sim uma “fad”, palavra em

inglês usada para e x p r e s s a r

movimentos de curta duração que são esquecidos ou tornam-se cafonas em um piscar de olhos. O que já foi adotado por uma grande parcela da população não é mais tendência e sim moda.

O produto que é tendência geralmente aparece em uma estação e se reinventa a cada temporada. Um produto fora do alcance da grande maioria não é tendência, e o cool não é, quase nunca, o mais caro e sim o mais raro e inovador.

As tendências são primeiramente adotadas por pessoas antenadas e conectadas com o mundo. Elas passam para individuos que tem gostos e opiniões confiaveis pela grande maioria, como as celebridades, especialistas e até as ‘it girls’, para então, finalmente, chegar a grande maioria consumidora. Quando o produto atinge seu alge, ele está na moda e seu próximo passo será o declínio, até cair no esquecimento.O trabalho do cool-hunter

Cada caçador de tendências tem o seu próprio método de pesquisa, mas em geral, eles frequentam os mesmos tipos de lugares e encontram referências semelhantes. No processo de cool-hunting é preciso observar, fotografar e fazer anotações. Por isto, na grande maioria das vezes, os pesquisadores estão sempre com uma câmera fotográfica, um bloco de anotação, ou um smartphone capaz de exercer as duas funções. Existem até aplicativos para celulares que permitem que cool-hunters armazenem e organizem as informações coletadas.

Marina Manso, correspondente do Stylesight na América Latina, costuma frequentar eventos, feiras, lojas e as ruas. Ela também está sempre online no twitter para ficar por dentro dos últimos acontecimentos. “A internet é uma ferramenta essencial nas pesquisas, porém não pode ser a

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única, pois as ruas sempre acabam revelando muito mais detalhes que ainda não foram desvendados”, explica Marina. Lindsey Alt também é uma usuária assídua das redes sociais, principalmente do twitter, onde ela encontra informações atualizadas. Além da internet, ela busca informações em diversas regiões ao redor do mundo, seja através de viagens ou mesmo pela internet: “Eu acredito que as informações mais

importantes podem ser encontradas nos lugares mais inesperados. Olhar algo

que dita tendências em lugares que ninguém olha é o que

faz alguém um bom pesquisador,”

afirma.

Já Sabina Deweik , que trabalha com pesquisa comportamental, usa um método diferente . Ela costuma fazer um mapeamento do briefing selecionado usando revistas e informações

coletadas na internet. Após a primeira etapa, Sabina sai nas ruas apenas para observar e poder identificar as hipóteses levantadas, para depois editar o material coletado. Apesar

de não estar mais trabalhando como caçadora de tendências, a empresária explica que, quando necessário, vai a campo, até porque, como ela mesma diz: “Uma vez cool-hunter, sempre cool-hunter.”Sabina Deweik afirma que as pesquisas realizadas no Future Concept Lab buscam referencias mais sólidas que vão além dos indicadores da moda. Sua equipe busca um núcleo específico, utilizando pessoas comuns em seus cotidianos. Mesmo que a pesquisa seja sobre moda, a empresa vai buscar informações em diversos setores do mercado. Entre seus lugares favoritos estão museus, restaurantes, shopping centers e até mesmo eventos de rua. Uma vez coletado todo o material, ela identifica as primeiras manifestações de tendências e também analisa os fatos do presente para projetar as repercussões futuras.

Formação

Os caçadores de tendência geralmente vem de diversas formações, pois os cursos de cool-hunting surgiram há menos de 10 anos. Aqueles que trabalham na área de pesquisa de tendências de moda, normalmente são formados em moda ou em fashion merchandising, como Marina e Lindsey. As duas afirmam que entender de moda é importante, porém não é suficiente. Lindsey acrescenta: “Não existe professor que pode treiná-lo para ter olhos que reconhecem tendências. Ou você tem, ou você não tem.”Muitos cool-hunters também são jornalistas. Escrever bem é importante nesta área, pois é preciso fazer relatórios das pesquisas justificando suas escolhas e destacando os pontos fortes que foram analisados. É o caso de Sabina, que é formada em jornalismo e mestre em Comunicação Semiótica e em Fashion Communications. Ela trabalhou muitos anos como jornalista de moda, mas só descobriu o universo de cool-hunting enquanto fazia seu mestrado em Milão. Ela diz que sempre teve um espirito investigativo e que sua curiosidade de saber o que tinha por traz da roupa em termos de forma de expressão e comportamento, fez com que ela se aprofundasse em suas pesquisas.

Outro fator importante na formação dos caçadores de tendências é o inglês fluente, pois as grandes agências são internacionais. Mesmo as empresas nacionais exigem que o profissional viaje regularmente. Fotografia é uma ferramenta essencial no trabalho, por isto são indicados

cursos básicos que ajudam os profissionais a manusear a câmera. Entender de sociologia e antropologia também são pontos positivos, afinal cool-hunting é um trabalho de

interpretação da evolução do comportamento do consumidor. Outras formações comuns entre cool-hunter é a publicidade, já que o cool-hunting é uma nova técnica usada no

marketing.

Onde estudar

Por se tratar de uma profissão nova, ainda existem poucos cursos disponíveis nesta área. No Brasil, o mais recomendado é o curso

técnico oferecido na Escola São Paulo. O Istituto Europeo di Design (IED), a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e o Senac também oferecem cursos de extensão nesta área.

Para alguém que queira se aprofundar mais em comportamento de consumo, a opção pode ser o curso de Antropologia do Consumo de Marketing, oferecido na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). No exterior, são recomendados cursos no Central Saint Martin em Londres, no Domus Academy e no Instituto Marangoni em Milão. Para profissionais de outras áreas que pensam em se tornar caçadores de tendências no futuro, a opção pode ser o curso a distância “Trends Gymnasium”, oferecido pelo Future Concept Lab.Também é recomendado um bom estágio durante qualquer tipo de curso, pois o grande aprendizado vem sempre da prática.

Oportunidades no mercado

Na maioria das vezes, os cool-hunters iniciam sua carreira como freelancer para agências. Hoje em dia, a internet permite com que pesquisadores trabalhem à distância para muitas empresas do mundo inteiro. Portanto, o cool-hunter pode morar em São Paulo ou no Rio de Janeiro e produzir material para uma empresa sediada em Paris. Isto aumenta a quantidade de empregos oferecidos nesta indústria. No mundo da moda, o cool-hunter pode atuar como pesquisador e como editor para as agências que geram conteúdo online, como consultor de tendências para marcas de moda, ou até mesmo como jornalista escrevendo suas visões para publicações. Ele também pode trabalhar com marketing e desenvolver estratégias na comunicação da marca, ou ainda com design, para implementar e encontrar inovações para o produto.

Empresas

Há diversas empresas conhecidas como bureau de moda que geram conteúdo sobre tendências online. Entre as mais conhecidas estão o WGSN, o Stylesight e o Fashion Snoops. Outra empresa relevante e que gera um excelente conteúdo sobre arquitetura e design além de moda, é o site britânico

Stylus. Todas oferecem material somente para assinantes. Estas empresas em geral trabalham com editores em sua sede, e tem pesquisadores espalhados pelo mundo inteiro. Eles também oferecem consultoria para os clientes que desejarem. Atualmente o WGSN e o Stylesight tem escritório no Brasil, sendo que o WGSN trabalha em parceria com a empresa Mindset, que oferece consultoria para empresas não só de moda.

O cool-hunter também pode atuar como pesquisador no Brasil para outras empresas internacionais já que todas estas empresas contratam pesquisadores do mundo inteiro. O Trend-watching e o Trend Hunter, por exemplo, são duas empresas que geram conteúdo de tendência online aberto e para assinantes. As duas focam em diversos tópicos e oferecem oportunidades para os pesquisadores candidatarem-se para trabalhar como trend-spotters (caçadores de tendências) da empresa.

Já o pioneiro em cool-hunting, Future Concept Lab, que não oferece conteúdo online e trabalha apenas com consultoria tem apenas um cool-hunter por cidade. O Brasil é o único lugar além da Itália com um escritório da empresa. As oportunidades de trabalho como c o o l - h u n t i n g vem crescendo, cada vez mais, no Brasil e dando novas ideias

para profissionais que atuam no país. A pesquisa vem se tornando algo essencial para o desenvolvimento de produtos e estratégias e, por isto, empresas agora buscam por profissionais mais especializados.

A profissão de cool-hunter, porém, continua sendo um tanto desconhecida ou não compreendida por alguns individuos. Ser caçador de tendências não é apenas ser moderninho, ter um blog legal e fotografar coisas diferentes. Cool-hunting é descrever o que foi observado ao seu redor e entender a razão destas inclinações e mudanças para desvendar as tendências futuras. Esta é sem dúvida mais uma das novas profissões que aparece em nosso século e se populariza por causa da revolução tecnológica. Mas vale lembrar que para ser cool-hunter é preciso bastante preparo e conhecimento, pois qualquer resultado vem de uma pesquisa feita de materiais sólidos e não apenas de deduções.

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A dupla do Criolina tem se destacado local e nacionalmente desde o lançamento de seu primeiro CD, homônimo, em 2007, conquistando

tanto prêmios — entre eles o TIM de música brasileira — quanto audiência. Luciana Simões e Alê Muniz também vem se notabilizando por

uma série de ações e projetos no sentido da criação de público e de valorização da produção local de arte e cultura.

Foram eles que trouxeram o primeiro Grito do Rock para São Luís e são eles os idealizadores do projeto BR 135 que se transformou em referencia no campo da

economia criativa, principalmente musical.

Fale um pouco do projeto BR 135.Alê: Isso é o que nos motiva a tentar transformar a cena. Depois que nós ganhamos o prêmio, nós viajamos um pouquinho mais e sacamos o movimento que rola em várias partes. São coletivos e pessoas que estão ali lu-tando por espaço. Nós voltamos com aquela angustia e querendo movimentar ao invés de ficar só reclamando. Começamos a fazer no circo da cidade de maneira in-dependente, chamando alguns artistas e trabalhando com parcerias na medida do possível. Dessa forma co-laborativa fizemos o primeiro, o segundo e o terceiro.Nas edições, víamos o cara da fotografia, da litera-tura. Era um desabafo geral. Ai nós resolvemos fazer para além da música. Um movimento agregando de-

signers, poetas, brechós, desfiles...Em setembro, o Sebrae MA nos convidou para fazer par-te da mostra da Cultura Ativa e agora nós já temos uma equipe mais profissional trabalhando em novos projetos. Do BR surgiu a Liga da Cultura, que se reúne pontual-mente para captar os anseios, trazer palestrantes, oferecer oficinas e tudo mais.Nós precisamos provocar o público para ele se voltar para o que é produzido aqui também.Existiu, nos anos 90, o movimento Mangue Beat em Pernambuco, que é um exemplo para isso tudo. Hoje em dia, já existem vários grupos em São Paulo to-

Entrevista · Vera Salles e Pablo HabibeFotografia · Taciano Brito

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cando maracatu, por exemplo.Luciana: Toda a cadeia produtiva da cultura local é ati-vada com esse movimento.Alê: É um exemplo maravilhoso o que aconteceu em Belém com o brega. Já conhecemos a Gaby Amarantos em backstages de outros festivais. O Alex Atala acaba saindo do sul para conhecer os temperos paraenses.

Nos últimos 3 anos, mais discos foram lançados em São Luís do que nos últimos 30 anos. Como vender esse material?Luciana: A internet é fundamental. Tem de colocar para download e entrar em contato com selos inde-pendentes. Podemos distribuir por empresas a partir de formulários simples. Quem quiser pode encomen-dar o seu disco.Alê: Mas tem de botar o bloco na rua. Tem de mostrar o trabalho. O artista tem essa coisa de “viajar”, mas ele tem de se tocar que é um trabalho. Basta ficar co -nhecido na rua que ele quer botar banca (risos). Mas tem muito trabalho braçal envolvido.Luciana: Tem de se manter informado, estar ligado nos editais e vender seu próprio trabalho. Essa é a nossa experiência com o Criolina.

Vocês sobrevivem de música?Luciana: Nós sobrevivemos de música, temos o nosso

estúdio, gravamos jingles e trilhas. Inclusive, gravamos os nossos CDs aqui mesmo, a pré-

produção.

Existe uma história em comum de vocês com o Zeca Baleiro

que é a de ter saído e volta-do “por cima da carne

seca”. O Criolina poderia acontecer

a partir de São Luís?Luciana: Poderia e pode acontecer. Falta organiza-ção, gestão, investimento, in-centivo. Não precisa vir só do pod-er público. Muitos são acomodados com isso, querem o paternalismo.Alê: Mas a sociedade civil pode racioci-nar e abrir o diálogo com eles. O slogan do BR135, por exemplo, é “mova-se”. Não adianta nada o artista ficar no bar enchendo a cara e fa-lando mal da cidade sem fazer nada a respeito.

O que vocês estão planejando para agora?Luciana: Nós estamos planejando uma releitura do Bandeira de Aço (o evento aconteceu no teatro Arthur Azevedo no dia 28/05/2013). Alê: Nós entramos em contato com alguns dos com-positores mais efetivos (Sérgio Habibe, Cesar Teixeira, Josias Sobrinho e Ronaldo Mota) do disco e estamos todos empolgados. É um disco emblemático e eles vão ser entrevistados.Luciana: É um encontro dos compositores daquela ge-ração com os da nova. Nós queremos promover esse encontro, para que eles se conheçam, para que exista uma continuidade. Talvez seja uma surpresa para a nova geração, para um Phil Veras ver a construção harmônica de um Josias.Alê: Também estamos em pré-produção de nosso novo trabalho.Luciana: É um disco para 2013, absorvendo muita cul-tura local e misturando com a contemporaneidade. Nós não perdemos esse foco. Fora isso, vamos con-tinuar muito envolvidos com a formação de público por aqui mesmo, criando, provocando. É um desafio bacana. Já existe um eco, uma repercussão. Algumas pessoas já colhem frutos e isso vai aumentando. Fu-

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turamente queremos fazer parte da rota

cultural que já existe no Brasil e que chega até o

Piaui é voa para Belém...Alê: E o Maranhão não pode fi-

car de fora disso. Uma sugestão para o pessoal mais novo é sempre falar da

sua verdade, da sua realidade, do seu lugar. Não é para comer camarão seco com jussara

todo dia ou colocar pandeirão no disco mas, se puder, faz. O Cd da gente não é tão famoso como o

do pessoal que está na TV e tal, mas quando chegamos em outros lugares, quem ouviu vem dizer que quer conhecer o Quebra Pote e a praia do Olho D’agua. Isso desperta uma curiosidade.

O Bandeira é uma das poucas unanimidades lo-cais. Foi o mais próximo que se chegou aqui de se ter o nosso “clube da esquina”. Os artistas locais tendiam a ser muito balcânicos, cada um querendo a sua carreira solo. O que mudou? Vocês mesmos optaram por agir em grupo. Alê: Somos de uma geração intermediaria. Nós até alertamos esse pessoal mais novo de que houveram outros movimentos nos anos 90, nos 70. O próprio Laborarte foi motivado por um grupo. O pessoal mais novo pensa que agora é a primeira vez.

Já não é então o momento de mudar de São Luís, mas de mudar São Luís já, interesseiramente, empurrando uma frase de efeito?Alê e Luciana: Colaborar (risos)Luciana: Iniciativas como a Revista Pitomba e a Bezou-ro são coisas que nos deixam felizes. As pessoas estão produzindo seus próprios shows...Alê: Outro dia mesmo, eu estava com o rádio ligado

e ouvi uma música da banda Fúria Louca falando do Cohatrac. Quer dizer, falando de algo que existe. Um rock nervoso que me chamou atenção na hora.Luciana: Inclusive, os bairros de periferia tem consum-ido mais cultura do que os nobres. Notamos isso nos programas de rádio. Quem liga é de lá e pedindo con-teúdo interessante.

Vocês tem ideia de trabalhar com esse público?Temos, mas ainda não podemos falar (eles falaram, mas não vamos contar...)

E as políticas culturais?Luciana: Nunca existiu. O que existe é uma política de entretenimento, do show. Colocar as pessoas no pal-co só para tocar não é cultura.Alê: As secretarias funcionam como uma produtora de eventos. Não existe uma iniciativa de fomento, desde a escola, que deve ser construída. Não vemos um cuidado com a periferia. Tem muita gente que tem vontade de ter acesso nos bairros mais distantes e merece que levemos os eventos para lá. As periferias, inclusive, são, não só um mercado, mas também um grande polo de produção cultural.

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A Revista Bezouro é, muito provavelmente, mais um fruto da efervescência das cenas artística e cultural de São Luís. A mesma série de iniciativas facilitadas pela digitalização de produtos e processos fez crescer os nossos objetos de cobertura, ao mesmo tempo que viabilizou cada aspecto de nossa cadeia produtiva. O virtual fim dos custos de revelação fotográfica, os espaços abertos por blogs e redes sociais como o youtube, o issuu e o facebook facilitou a divulgação do trabalho de novos artistas, fotógrafos, jor-nalistas e produtores da mesma maneira que dinamizou os campos de produção musical, teatral, audiovisual e afins. Nosso projeto acabou se pautando pela agregação desses indivíduos (ufa!). Nossas sete edições são resultado desse trabalho em con-junto, de estudantes e profissionais que, muitas vezes, ti-veram de estabelecer jornadas duplas e triplas para fazer a Bezouro. Acabamos contando com a familiaridade e a

responsabilidade de cobrir movimentos e contextos dos quais nós mesmos, enquanto pessoas físicas, estávamos inseridos. De várias maneiras, o fato de fazermos parte de nosso público ajudou a manter o cerne de nossa identi-dade que se manteve no caminho de tentar preencher la-cunas jornalísticas e estéticas ABAIXO DO RADAR Desde o início de nossas operações o foco foi a produção cultural e artística que não tinha (ainda que venha ga- nhando) espaço na mídia tradicional. Numa cidade com manuais culturais impostos de cima para baixo por razões políticas já tão bem ensaiados, manifestações que não se alinhem com estes mesmos mitos fundadores tendem a ser renegadas como algo que, além de “não nos per-tencer”, também não podemos nos apropriar. Um óbvio problema de alteridade que só o tempo pode vir a resolver.

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A última geração do século XX só viu o reggae suplantar, com muito custo, nossas muralhas psicológicas (das quais veio a tornar-se parte).Fizemos um esforço ativo para cobrir shows e festivais de gêneros “exóticos” com o rock e o blues, exposições de artes plásticas ou fotográficas que abriam espaço para que se questionasse o discurso oficial, alterações de comporta-mento que não se vêem retratadas na obra literária de nos-sos acadêmicos _ em que pese o fato de adornarem nossas praças no presente _. Nossas capas e páginas destacaram um escritor ficcionando sobre a cidade real, músicos em estado de, pasmem, atividade criativa, noites desafiando gêneros, expôs fotos, pinturas e afins que ainda não vimos em nossos desérticos museus. Mostramos mais de umas outras cousas, é ver para crer.

BELEZA É FUNDAMENTAL É preciso lembrar que a Bezouro já nasceu como um pro-jeto de extensão da Universidade Federal do Maranhão, do Departamento de Comunicação Social, com a proposta de ser uma ferramenta de convergência no âmbito de seus re-cursos humanos. Não basta comunicar-se preso às amarras do alfabeto. O layout não seria desprezado ou deixado nas mãos de um curioso qualquer. Procuramos e achamos es-tudantes e profissionais de arte e design, além de fotógrafos com ambições estéticas semelhantes às nossas. Nossos mais sinceros agradecimentos a estes colaboradores cujo crédito para nosso sucesso jamais poderá ser superestimado. É justamente esta opção por trabalhar a informa-ção também no que se refere ao seu apelo visual que aju-da a firmar cada número como uma obra independente dentro do conjunto de nossas edições. Existem coisas que simplesmente não podem ser ditas, mas, quase sempre, podem ser vistas. O mundo é polissêmico. Nós também.

QUEM PRECISA DE UMA REVISTA? Bom, as opções estão ao alcance da mão (ou do mouse). Nós, que somos parte de vocês, sentimos a necessidade de organizar e dar uma cara a um conteúdo o qual nós já gos-távamos de consumir. Não queremos ser a palavra final em nada, só ajudar a estabelecer um ambiente artístico e cul-turalmente mais heterogêneo em permanente comunicação com os nossos leitores que, aliás, estão sempre a um passo de fazer parte de nossa equipe. As portas estão quase sempre abertas. Nós gostamos tanto de vocês que vamos apostar numa recíproca verdadeira.

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Quando às 17h30min do dia 30 de setembro de 1933, o maranhense José de Rib-amar Mendonça disparara quatro tiros do seu revólver

OV, calibre 32, contra o norte-americano John Harold Kennedy, mal sabia ele que aquele era o início de uma trajetória marca-da pela tragédia de uma das famílias mais importantes do século XX. É assim, pelo menos, que reza a lenda pelas bandas de cá. O crime da Ulen, como ficou conhecido, aconteceu nas instalações da

Ulen Company, empresa em que tra-balhavam os dois personagens prin-cipais nele envolvidos: o maranhense como bilheteiro e o norte-americano como contador. Certamente, este é um dos crimes mais comentados da história de São Luís, já foi tema de documentário e livro, faz parte do imaginário dos mais velhos da cidade e continua despertando curiosidade nos mais jovens por ser uma história repleta de personagens e tramas que misturam fatos políticos e econômi-cos pontuais com elementos sociais de cunho quase folclórico. Misto de vingança pessoal,luta por soberania, jogo político internacio-nal, interesses econômicos e disputas ju-rídicas, a história desse crime vai muito além do fatídico assassinato. E em uma cidade sedimentada sobre tantos mitos e lendas, o crime da Ulen pode ser usa-do para reforçar alguns deles. Mas será mesmo o bilheteiro José de Ribamar Mendonça um autêntico representante da ‘ilha rebelde’? E será o contador John Harold Kennedy, tio do presidente mais famoso dos Estados Unidos? Na década de 1920, São Luís tinha pouco mais de 50 mil habitan-tes, e, apesar de capital do Estado, sua situação socioeconômicanão era das

melhores: condição estrutural urbana precária aliada a poucas possibili-dades de trabalho. Somado a isso , uma população com alto índice de analfa-betismo, comandada por figuras políticas oligárquicas que dom-inavam o Maranhão. Foi neste cenário que a Ulen Management Company, empresa com origem em Nova York, representante do processo de expansão do capital americano com foco na in-dústria da energia elétrica, veio parar. Em 1922, foram estabelecidos os primeiros contatos com o norte-americano Henry Charles Ulen para a instalação da sua empresa na cidade. Magalhães de Almeida, então oficial da Marinha brasileira, e que seria, quatro anos mais tarde, governador do Maran-hão, foi o intermediário da negociação que culminou, em 1923, com a assina-tura do contrato que garantia à com-panhia americana, primeiramente, a re-sponsabilidade pela construção de obras referentes aos serviços urbanos, como o abastecimento de água, luz e transporte, e, depois, pela administração desses mesmos serviços em São Luís.

A chegada de uma companhia com a perspectiva de melhora, através dos seus serviços, da condição de vida na capital, ainda mais com o status de ser originária de uma das maiores potências do mundo, a principio, pareceu ser um avanço para a sociedade ludovicense. Com o passar do tempo, a Ulen se mostrou um fardo para as con-tas do estado e motivo de revolta para a população de São Luís. Os contratos firmados entre a empresa e o governo estadual eram, no mínimo, abusivos. Além da completa isenção de impostos e custeamento das despesas adminis-trativas referentes à execução dos seus serviços, a Ulen ainda tinha o privilégio, intermediado pelo governo maranhense, de contar com somas altíssimas de din-heiro advindas de empréstimos muitas vezes conseguidos junto a bancos norte-americanos. E não parava por aí; caso houvesse o rompimento unilateral de contrato, o estado se sujeitaria ao paga-

mento de multas exorbitantes. Tudo isso em nome de um projeto de progresso, que infelizmente nunca aconteceu. A imprensa, cumprindo seu papel, tomou a frente nas denúncias. Não raro era encontrar nos diários jornalísticos maranhenses, textos de repúdio aos acordos firmados entre o governo e a Ulen: “Um atentado à dig-nidade, à soberania de um povo, que viu a fonte principal da sua riqueza pública vendida criminosamente aos agentes do capital de Wall Street”, diria ‘O Combate’ em 1933, já no auge dos descontentamentos com a situação. No mesmo passo, preocupada com os péssimos serviços oferecidos pela companhia americana, a popula-ção revoltava-se cada vez mais. O au-mento frequente de tarifas, o não cum-primento da promessa de melhoria na condição urbana da cidade, o descaso no trato com os funcionários da em-presa, enfim, tudo isso amontoou-se

de forma a tornar a presença da Ulen na cidade indesejável. O assassinato do contador da companhia americana, John Harold Kennedy, pelo maranhense José de Ribamar Mendonça, também funcionário da empresa, só que muitos escalões abaixo, foi o ápice da revolta que acometeu a sociedade ludovicense àquela altura. Um ato movido pelo sen-timento de vingança, para muitos, tanto pessoal como social. Nos autos da prisão em fla-grante, José de Ribamar Mendonça mostrou-se ciente do crime que acabara de cometer: “Matei agora mesmo o ban-dido que mais me perseguia, mas não estou arrependido”. O que ele não fazia ideia era que seu ato teria desdobra-mentos que iriam além das consequên-cias jurídicas concernentes ao crime. José de Ribamar, nome do padroeiro do Maranhão, e, por isso, o nome mais comum entre os habitantes desta terra, foi transformado, ainda que de forma espontânea, sem nenhuma predeter-minação política, em símbolo de luta social da população de São Luís contra os desmandos da empresa americana, a política econômica dos EUA e a sub-missão do governo brasileiro na figura dos políticos maranhenses. O simples bilheteiro de bondes, então com 25 anos, viu seu julgamento ser transformado num campo de bat-alhas não apenas jurídico, mas tam-bém social e política. Os argumentos de defesa forjados pelo hábil advogado Waldemar Brito, um especialista do di-reito criminalista no Maranhão à época, apelaram para o sentimento de solidarie

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dade social da população ludovicense. Waldemar utilizou a relação caótica da ci-dade com a Ulen para justificar o crime: “A vingança é reprovada, porém quando excitada por injustiça e insultos é uma das fragilidades mais desculpáveis da natureza”, argumentaria ele aos jurados do primeiro dos três julgamentos pelos quais passaria o maranhense. O crime da Ulen teve uma motivação pessoal: a demissão de José de Ribamar quando perto de completar seu décimo ano de serviços prestados à companhia norte-americana, tática utilizada pela Ulen, também com outros funcionári-os, para fugir das obrigações trabalhis-tas de então, que garantiam estabilidade ao trabalhador que tivesse dez anos completos de serviços prestados a uma mesma empresa. O norte-americano

John Kennedy, contador da Ulen, era o responsável direto por suas demissões; tornou-se o alvo da ira de Mendonça de-pois de uma discussão nas instalações da administração da companhia, em que se recusou a pagar os últimos me-ses de trabalho do bilheteiro. John Harold Kennedy, nas-cido no estado americano de Massa-chusetts (assim como seu suposto so-brinho presidente), trabalhou na Ulen Company durante oito anos até o seu assassinato. Veio para São Luís com a comitiva administrativa da companhia. Solteiro, aqui se estabeleceu, tendo participação marcante na vida social da cidade. Apesar de sua seriedade e dure-za na direção da Ulen, frequentemente era visto na Praça João Lisboa, local de reunião da boemia da cidade na época. Fez parte do clube “Os Lunáticos”, que reunia os jovens boêmios da elite ludovicense; por ocasião de sua morte, algumas homenagens lhes foram prestadas pelo clube: a cadeira no 6,

ocupada por ele, permaneceu vaga até a extinção do clube em 1941. O assassinato de Harold Ken-nedy foi noticiado em alguns dos prin-cipais jornais do seu país, como o New York Times, e gerou certo desconforto diplomático entre os EUA e o Brasil. A cada absolvição de José de Ribamar, era maior a pressão da embaixada ameri-cana para que se realizasse um novo julgamento com resultado diferente. Durante onze anos, foram três os julga-mentos pelos quais passou Mendonça - em todos eles, absolvido. Sucessiva-mente, nove Ministros de Estado e três embaixadores envolveram-se na questão do crime da Ulen, em uma ofensiva político-diplomática americana contra as decisões do governo e da justiça brasilei-ra que tinha objetivos complementares: exigir a condenação do maranhense e garantir a total segurança dos contratos firmados e do funcionamento da com-panhia em São Luís. Apesar de acusações de erros judiciais no tribunal do júri do Maran-hão, que teria tomado sua decisão por influência do clamor social que o crime causou na população de São Luís, e da massiva pressão feita sobre o Itama-raty pelos representantes do governo americano para que esse clamor não in-terferisse na atuação da companhia na cidade, José de Ribamar Mendonça não fora condenado em nenhum dos julga-mentos, e a Ulen, depois de algumas suspensões contratuais, finalmente de-ixaria São Luís no ano de 1946. Como resultado de um esforço de pesquisa elogioso, o pesquisador paraibano José Joffily publicou uma sé-rie de documentos (ofícios, telegramas, fotografias e impressos de época) em seu livro “Morte na Ulen Company” (RE-CORD, 1983), que mostram quase tudo

A Ulen se localizava onde hoje se encontra a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do Estado, na esquina da Rua da Estrela com a Rua Direita (Henrique Leal).

referente à presença da Ulen em São Luís, além de recontar com minúcia a história do crime e seus personagens. Maiores detalhes dos desdobramentos jurídicos e diplomáticos do crime po-dem ser encontrados, também, no doc-umentário “O crime da Ulen” (2007) dirigido pelo cineasta Murilo Santos, que recria, através de um júri simulado realizado em uma universidade mara-nhense, a atmosfera dos julgamentos de José Mendonça. Os dois trabalhos, apesar de recontar com cuidado o que há de lendário e folclórico na história e personagens que envolvem o crime, concentram-se no seu aspecto social e político, como forma de reafirmá-lo. Sob a luz implacável da história, não há como negar que, a des-peito de qualquer intenção de José de Ribamar ao assassinar John Kennedy, se agira apenas motivado por vingança pessoal, por questão de honra, ou por desespero frente ao futuro incerto sem o emprego que durante anos fora sua única renda. É fato que os limites do crime da Ulen foram alargados, ou mesmo ultrapassados. Tornou-se moti-vo da luta social de uma população que buscava melhoria geral na qualidade de vida em São Luís na época. Que fique claro, entretanto, que o entendido aqui como luta social foi se gerando de forma espontânea sem con-tornos políticos pré-determinados ou intencionais, nem poderia ser diferente - em sua maioria, a sociedade ludovicense era àquela altura uma massa disforme e analfabeta. O que aconteceu foi que a revolta pessoal de Mendonça contra uma situação específica, a sua demissão da companhia em que trabalhou durante longos dez anos, estendeu-se e transfor-mou-se, através de um processo de soli-dariedade e identificação com o bilhet-

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eteiro maranhense, na revolta de uma população contra os problemas causa-dos à cidade por essa mesma compan-hia. O crime da Ulen foi o clímax dessa dupla revolta. Quanto ao suposto parentesco doKennedy assassinado no Mara-nhão com a família Kennedy que deu aos Estados Unidos figuras do seu alto escalão político, não há qualquer docu-mento oficial conhecido que comprove este fato - o que não significa absoluta-mente que não exista o parentesco. Há de ser lembrado que, além do sobre-nome, tinham em comum a origem no estado americano de Massachusetts. Quanto ao suposto parentesco doKennedy assassinado no Maran-hão com a família Kennedy que deu aos Estados Unidos figuras do seu alto escalão político, não há qualquer docu-mento oficial conhecido que comprove este fato - o que não significa absoluta-mente que não exista o parentesco. Há de ser lembrado que, além do sobre-

nome, tinham em comum a origem no estado americano de Massachusetts. Em 1933, ano do crime da Ulen, Joseph Patrick Kennedy, o patriarca e iniciador da trajetória de fama de uma das famílias mais importantes do século passado, cada vez mais ascen-dia socialmente com o aumento de sua fortuna e sua entrada na vida política americana através da diplomacia - seria embaixador no fim da década. Com tanto poder, não é difícil imaginar que, caso houvesse realmente um paren-tesco próximo entre Joseph e Harold, uma história indesejável envolvendo a família fosse rapidamente jogada para debaixo do tapete, lá permanecendo quanto tempo fosse necessário. À época, não havia qualquer in-teresse em saber se o John assassinado aqui no Maranhão era um Kennedy, afi-nal a família ainda estava construindo sua celebridade na América, não se sabia nada a respeito do futuro dos que car-regavam esse sobrenome. Dispensou-se atenção maior para o nome John Harold Kennedy somente quando em 1963, as-sim como ele, o presidente americano John Kennedy, o seu homônimo famoso e suposto sobrinho, fora brutalmente as-sassinado. É só a partir daí que a história do crime da Ulen ganha esse contorno de lenda e mistério, comprovado o par-entesco entre os dois.

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A dependência que a civilização — a vida, porque não dizer — tem em relação aos grandes corpos de água é uma verdade ra-zoavelmente conhecida. Ainda que não seja bem verdade. De todo modo, até por força do hábito, arqueólogos de toda ordem es-cavam barrancos de portos antigos em rios e mares em busca de fragmentos de textos, pratos e afins. O blues — rezam as teorias mais bacanas — pode ter a sua origem rastreada até os limites do deserto do Saara, de onde teria viajado grandes distâncias, carregado por corações, mãos e mentes de seu berço no Rio Níger até o lamacento Mississipi. Trata-se de uma viagem dura. Transportado a contragosto para os algo-doais americanos, o blues trouxe pouco da alegria de sua versão tuaregue para o outro lado do Atlântico. Ganhou força e gravi-dade subindo de Nova Orleans até Chicago. Por fim, ganhou peso com a eletricidade, mas, em suas voltas ao mundo, ele parece ter precisado aportar em São Luís, para se reencontrar com o descompromisso iner-ente à felicidade. Pai do Rock, o Blues lida bem com a diversidade.

ORIGENS

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Como os rios, que estão sempre em movi-mento, o Blues é uma maneira de fazer música que joga permanentemente com o ineditismo. Não só não se toca como não se deve tocar o mesmo tema duas vezes da mesma ma-neira. Prima-se pelo improviso, pelo contato imediato com a energia criativa. Assim foi a Exposição em Blues II, realizada no último dia 8 de Junho, na Casa Frankie. Esta verdadeira blitz criativa fez valer essa característica recebendo também bandas cujos sons iam do pop ao rock mais pesado. Grillos Elétricos e GalloAzhuu se de-stacaram com trabalhos autorais.O Blues propriamente dito foi representado pela lo-cal Blues de 5ª e pela BR 316, a grande atra-ção da noite, diretamente de Teresina.

A MARCA DO IMPROVISO

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Mais um dado interessante do evento é que, para quem chegou de olhos abertos, a música foi pouco mais do que uma licença poética de qualidade. Não eram poucas as opções prontas na forma de exposição ou as que podiam acontecer num riscar de fós-foros, ao vivo. Quem não quisesse se aventurar com tatuagens ou pinturas, estava livre para passear nas obras de Taciano Brito (produ-tor da Exposição), Daniel Martins (da 9D Studio), Natália Moura, Marcelo Cunha, Porcolitos, Mondo Arts, Thiago Maci, Edu-ardo Vitório, Felipe Figna e Paullo Cesar. Agora, é aguardar a próxima edição. Perder não é uma opção.

EXPOSITORES E LIVE ART

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