Biblioteca Escolar: que espaço é esse?

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 ISSN 1982 - 0283 BIBLIOTECA ESC OL AR: QUE ESPAÇO É ESSE?  Ano XXI Boletim 14 - Outubro 201 1

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ISSN 1982 - 0283

BIBLIOTECA ESCOLAR: QUE ESPAO ESSE?Ano XXI Boletim 14 - Outubro 2011

SUMRIO

BiBlioteca escolar: que espao esse?

Apresentao ......................................................................................................................... 3 Rosa Helena Mendona

Introduo ......................................................................................................................................................4 Glacia Mollo e Maria Jos Nbrega

Texto1: A Lei e seus desdobramentos .................................................................................... 12 Graa Maria Fragoso

Texto 2: O papel da biblioteca na formao do leitor ........................................................... 18 Luiz Percival Leme Britto

Texto 3: O papel da biblioteca na formao do leitor literrio .............................................26 Ninfa Parreiras

BiBlioteca escolar: que espao esse?

apresentaoSempre imaginei que o paraso fosse uma espcie de biblioteca. (Jorge Luis Borges)

Segundo o Dicionrio Houaiss de Lngua Portuguesa, biblioteca , entre outras acepes, um edifcio ou recinto onde ficam depositadas, ordenadas e catalogadas diversas colees de livros, peridicos e outros documentos, que o pblico, sob certas condies, pode consultar no local ou levar de emprstimo para devoluo posterior. Entre o sentido literal e o figurado, podemos pensar numa gama de noes e propostas. Afinal, mais do que definir a biblioteca, importa pensar qual o papel dessa instituio na promoo da leitura. No caso das bibliotecas escolares, finalmente a Lei n 12.244, sancionada em 2010, prev a universalizao das bibliotecas escolares no Brasil. Com o objetivo de discutir os desafios decorrentes da legislao e, ainda, os mltiplos aspectos que envolvem a leitura nas escolas e nas bibliotecas, a TV Escola, por meio do programa Salto para o Futuro, apresenta

a srie Biblioteca escolar: que espao esse?, que conta com a consultoria de Glucia Mollo e de Maria Jos Nbrega, ambas assessoras da Secretaria Municipal de Educao de So Paulo, com vasta experincia na rea. Nos programas televisivos e nos textos desta publicao eletrnica, por meio de reportagens em escolas e bibliotecas, alm de entrevistas com leitores, escritores e especialistas, temas como o papel das bibliotecas e a composio dos acervos das bibliotecas escolares, o uso dos recursos multimidticos da cibercultura nas pesquisas dos alunos, a formao do leitor literrio, entre outros, sero debatidos. O objetivo contribuir para a formao de professores e bibliotecrios na promoo da leitura entre os alunos da educao bsica.

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Rosa Helena Mendona1

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Supervisora pedaggica do programa Salto para o Futuro/TV ESCOLA (MEC).

BiBlioteca escolar: que espao esse?introduoGlacia Mollo1 Maria Jos Nbrega2

Dados do Censo Escolar 2010, realizado pelo Ministrio da Educao (MEC), revelam uma situao preocupante: a cada dez escolas, sete no tm um acervo de livros disponvel para seus estudantes. Apenas 30,4% das escolas brasileiras, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, possuem bibliotecas. Um percentual menor do que as 38,9% com acesso internet. A situao fica ainda mais alarmante, quando cruzamos esses dados com os do Censo Nacional das Bibliotecas Pblicas Municipais 2009. Essa iniciativa do Ministrio da Cultura, realizada pela Fundao Getlio Vargas, apontou que 445 municpios do pas no tm biblioteca o que representa 8% do total. Conhecer esse cenrio permite compreender o enorme desafio que a sociedade brasileira tem pela frente para fazer com que a Lei n 12.244, aprovada em 2010, que prev a universalizao das bibliotecas escolares no Brasil saia do papel e permita que os estudantes brasileiros, ex-

cludos da convivncia com os livros, possam finalmente ter acesso cultura escrita. A promulgao da lei coloca em pauta a discusso sobre o papel da biblioteca escolar em um momento em que a tecnologia, particularmente computadores conectados Internet, permite o acesso a uma imensa variedade de fontes. Conectado, o leitor pode definir o fluxo de sua leitura interativamente, sem estar preso sequncia de tpicos estabelecida pelo autor, j que pode saltar de um link a outro em funo de seus objetivos, compondo um texto orientado pelo ato de ler. O acesso virtual a textos, bem como as novas prticas de leitura, produzem grande impacto na aprendizagem escolar em que o livro ocupa(va) posio central. Particularmente o livro didtico, cujo contedo, ao menos em teoria, tratado de modo a ir ao encontro das possibilidades dos estudantes de determinado nvel de ensino. Embora no se deva ignorar a internet, se o letramento

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Assessora da Secretaria Municipal de Educao de Campinas/SP. Consultora da srie. Assessora da Secretaria Municipal de Educao de So Paulo/SP. Consultora da srie.

se d apenas por esse meio, o estudante deixa de aprender a ler textos em profundidade, isto , no desenvolve as habilidades necessrias para depreender o assunto, a ideia principal, reconhecer a articulao hierrquica entre os tpicos abordados, reconhecer o ponto de vista sustentado, avaliar o contedo tratado. Realizar pesquisas extensas, de flego, exige leitores capazes de ler de modo reflexivo. Essa uma importante discusso a ser feita, para no se esmorecer na luta por bibliotecas, quando parece to mais fcil acessar informaes pela internet. Em seu artigo terceiro, o texto legal, ao determinar que os sistemas de ensino do Pas empreendam esforos progressivos para que a universalizao das bibliotecas escolares ocorra em um prazo mximo de dez anos, lembra-nos de que, em pleno sculo XXI, o acesso biblioteca ainda no est assegurado a muitos brasileiros. Boa parte dos educadores a quem cabe a tarefa de formar leitores certamente tambm no vivenciou as possibilidades que uma biblioteca pode representar na vida de uma pessoa e, portanto, na vida da comunidade. Para muitos, biblioteca ainda o coletivo de livros, um espao pouco representativo na instituio escolar. Para ainda cumprir seu ideal, a biblioteca precisa ser essencial vida acadmica e cultural da escola, inscrever-se em seu projeto pedaggico, nos planejamentos dos professores. Para ainda cumprir seu ideal, a biblio-

teca precisa ser sensvel s necessidades da comunidade em que se insere, estabelecer dilogo com as bibliotecas municipais e com as manifestaes culturais do municpio. Como criar esse espao pulsante com a memria das bibliotecas invisveis?

BIBLIOTECAS: LIVROS PARA LER E PARA CONSULTAROs livros ainda so os instrumentos mais usados nas escolas para a formao acadmica, entretanto, o conceito de alfabetizao hoje implica no s construir familiaridade com os textos impressos, mas tambm aprender a interagir com diferentes mdias, acessar informaes que podem estar armazenadas em diversos suportes informacionais, discriminar fontes confiveis. O texto impresso no suporte livro orienta os modos de ler: em nossa cultura, da esquerda para a direita, de cima para baixo, linearmente. No computador, os hipertextos permitem conectar uma rede fabulosa, j que cada link pode, potencialmente, ligar-se a outro. Qual o impacto desses novos meios nas prticas de leitura? Umberto Eco, em conferncia apresentada na The Italian Academy for Advanced Studies in America, em novembro de 1996, defendeu a existncia de dois tipos de livros: aqueles para serem lidos e aqueles para serem consultados: Livros-para-ler (podendo ser romance,

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tratado filosfico, anlise sociolgica, e assim por diante), que usam a forma normal de leitura, constituem o que eu chamaria de estria de detetive. Voc comea na pgina 1, onde o autor lhe diz que um crime foi cometido, voc segue todo o caminho da investigao at o final e, finalmente, voc descobre que o culpado o mordomo. o fim do livro e o fim de sua experincia de leitura. (...)

tos para fazer pesquisas escolares. Livros-para-consultar, como as enciclopdias. Apenas 8% dos frequentadores das bibliotecas municipais declaram ler como lazer. Livros-para-ler como romances, contos, poemas ou aqueles que demandam leitura atenta e no simples varredura para localizar uma informao. Como as crianas, jovens e adultos, alunos da educao bsica, leem livros-para-consultar e livros-para-ler? Sabe-se que os livros-para-consultar fo-

Depois h os livros para serem consultados, como manuais e enciclopdias. (...) As enciclopdias so concebidas de sorte a serem sempre consultadas e nunca para serem lidas da primeira a ltima pgina. Geralmente, pega-se um dado volume de uma enciclopdia para saberse, ou lembrar-se, quando Napoleo morreu ou qual a frmula do cido sulfrico (ECO, 1996). O Censo Nacional das Bibliotecas Pblicas Municipais revela que 65% dos frequentadores das bibliotecas municipais vo aos estabelecimen-

ram os que mais fortemente sofreram o impacto da internet: a tarefa, que antes se fazia consultando vrios volumes de uma enciclopdia, para depois copiar com letra caprichada em folhas de papel almao, hoje realizada com alguns cliques. Encontrada a informao, s selecionar o trecho e aplicar os comandos: Control C copiar e Control V colar. Se a universalizao do acesso e o estmulo permanncia no Ensino Fundamental j esto garantidos aos estudantes de 7 a 14 anos, ainda estamos distantes de oferecer a todos uma escolarizao de qualidade que crie condies de aprendizagem das capacidades necessrias para inserir-se nas prticas letradas3. Criar condies para

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3 Os nmeros do IDEB/2009 (ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica), indicador criado pelo Ministrio da Educao para aferir qualidade de ensino, so: ensino fundamental da 1 a 4 srie 4,6; da 5 a 8 srie 4,0; ensino mdio 3,6 pontos. Os ndices, com variao entre zero e dez, so inferiores aos dos pases desenvolvidos que participam da OCDE (Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico) que 6. O IDEB composto por duas variveis: fluxo e desempenho nas provas nacionais. O fluxo indica o grau de aprovao e a relao idade/ srie escolar. O desempenho indica o grau de acerto dos alunos nas avaliaes do SAEB e Prova Brasil em Lngua Portuguesa e Matemtica.

uma aprendizagem significativa dos contedos por meio da pesquisa escolar ainda um desafio a ser enfrentado. Os sentidos no repousam serenamente sobre as linhas do texto espera de leitores aptos a decifrar os sinais grficos e a colher informaes (copiando seja l de que modo for). Leitores procuram entender do que tratam os textos, acompanhando o encadeamento dos tpicos abordados, reconhecendo os pontos de vista sustentados, aderindo ou no ao que propem seus autores, deixando-se ou no tocar pelas palavras. Ler dialogar com o outro por meio dos textos. Dessa experincia o leitor pode sair transformado, pois, como bem ensinou Paulo Freire, a leitura um processo que se antecipa e se alonga na inteligncia do mundo. pelas mos de professores ou bibliotecrios que os leitores-iniciantes podem realizar suas primeiras aproximaes com os textos. Como se refletissem sobre o que leem em voz alta, auxiliam os alunos a reconhecer as vozes que permeiam os textos, a trazer tona as nfases singulares dadas pelo grupo, a estabelecer contrapontos entre o que o que est escrito e o que cada leitor acha que o texto diz. Progressivamente, o leitor-iniciante internaliza o dilogo com o texto, solta a mo dos mediadores e a leitura se torna autnoma. Mas, para superar a dependncia da leitura compartilhada, preciso construir a educa-

o para a autonomia, isto , no ignorar a dimenso individual que assinala as prticas de leitura em nossa sociedade. Trata-se do difcil equilbrio entre tutela e autonomia. Se no educamos para a liberdade de ler, produzimos leitores adestrados que, to logo se veem livres das coeres escolares, abandonam a leitura; se no desenvolvemos as capacidades necessrias para ler reflexivamente, interditamos o acesso aos textos de maior complexidade. Didaticamente, preciso desenvolver atividades de leitura que auxiliem os alunos a depreender o sentido global do texto, estabelecer relaes, inferir, avaliar criticamente o lido, alm de outras que os estimulem a ler extensivamente autores, gneros e assuntos preferidos, desenvolver o gosto esttico etc. A receita pode ser simples: realizar a leitura ldica da obra, compartilhar impresses provocadas pela vivncia com o texto, promover uma releitura reflexiva para apreciar o tratamento dado ao tema e os recursos expressivos selecionados pelo autor. A prtica de leitura assim orientada permite alargar os horizontes de expectativa do leitor, transformando-o.

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BIBLIOTECAS: ESPAOS E TRATAMENTO DO ACERVOAinda que no seja a salvao da escola e da educao pblica, a biblioteca escolar pode ser um lugar privilegiado que contribua para

a qualidade do ensino, ao promover prticas de leitura e acesso informao de qualidade, integrando equipe tcnica, professores e alunos sua comunidade. Como qualquer outro equipamento escolar, a biblioteca precisa estar enraizada no projeto pedaggico da escola, j que pea relevante para a formao de usurios competentes da linguagem escrita, que se constitui como uma dimenso capacitadora das aprendizagens em todas as reas. Mas, para que possa atuar como centro de informao, alm do dilogo entre os profissionais que atuam na instituio, a biblioteca precisa estar equipada e organizada para funcionar bem. Essa demanda se traduz em um espao agradvel, alm de um acervo com ttulos impressos e digitais que atenda s demandas da pesquisa escolar e da leitura literria. No se pode ignorar que, se o acesso a livros e internet amplia para uma parcela da populao as oportunidades para que se aproprie de informao, cria tambm, para outra maior ainda, mais um abismo o da excluso do impresso e do digital. Cabe s bibliotecas a tarefa de promover a incluso

a essas mdias, armazenando material relevante para os que as frequentam. O acervo de uma biblioteca revela muito a respeito do tipo de servio que presta a seus usurios e, por isso, fundamental dar ateno diversidade, qualidade e quantidade do material oferecido. Em geral, o acervo que se encontra nas bibliotecas escolares pblicas resulta de doaes, feitas por programas de governo, como o PNBE (Programa Nacional de Biblioteca da Escola)4, ou outros com recursos estaduais ou municipais. O problema que, s vezes, os livros se perdem no caminho entre a diretoria, a sala do coordenador, o almoxarifado; ou so trancados a sete chaves para no serem danificados. Como lembra o poeta Antonio Ccero, Guardar uma coisa no escond-la ou trancla. [...] Guardar uma coisa olh-la, fit-la, mir-la por admir-la, isto , ilumin-la ou ser por ela iluminado. Guardar um livro ilumin-lo com a leitura de seus leitores. Assim, so pouco teis estantes repletas de obras-primas se no estiverem organizadas por um profissional que, no mnimo, saiba

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4 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), desenvolvido desde 1997, distribui acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referncia. O atendimento feito em anos alternados: em um ano so contempladas as escolas de Educao Infantil, de Ensino Fundamental (anos iniciais) e de Educao de Jovens e Adultos. J no ano seguinte so atendidas as escolas de Ensino Fundamental (anos finais) e de Ensino Mdio. H tambm o PNBE Peridicos, que avalia e distribui revistas de contedo didtico e metodolgico e o PNBE do Professor, que tem por objetivo apoiar a prtica pedaggica dos docentes. Atualmente, o programa atende a todas as escolas pblicas cadastradas no Censo Escolar.

encontr-las, apresent-las, recomend-las a possveis leitores, enfim, algum capaz de dinamizar sua circulao entre os membros da comunidade escolar. Um espao bem decorado e um bom acervo, portanto, no so suficientes para o funcionamento efetivo da biblioteca sem a figura do educador, seja ele professor ou bibliotecrio, que promova o encontro entre a palavra escrita e os leitores, que ajude a desvendar os sentidos guardados nos textos. Infelizmente, ainda muito recorrente que a biblioteca escolar, quando ela existe, seja gerenciada por funcionrio no especializado, s vezes, afastado do contato direto com os alunos por motivos de sade. Ser apaixonado pela leitura e manter acesa a curiosidade so requisitos essenciais para o exerccio dessa tarefa que promove o encontro amoroso entre o texto e o leitor. Esse profissional no pode ser apenas o arquivista responsvel por catalogar e armazenar livros, mas, principalmente, precisa ser o mediador que aproxima os estudantes da informao desejada, auxilia na compreenso dos textos e na avaliao crtica das fontes, divulga as novas aquisies, desenvolve estratgias para dar a conhecer o acervo, promove atividades culturais referentes ao mundo da cul-

tura escrita, articula as aes escolares com as da comunidade, enfim, tece uma rede de informao e de negociao de sentidos. O bom funcionamento da biblioteca escolar depende de aes estratgicas. o trabalho conjunto de professores e bibliotecrio que far com que os servios prestados por ela sejam relevantes para todos: funcionrios, professores, alunos. Um trabalho dessa natureza torna a biblioteca necessria comunidade escolar, que sente falta do que l se experimenta, dos materiais disponveis, das informaes desejadas. Se fechassem a biblioteca da escola em que voc trabalha para abrir novas salas de aula, o que aconteceria? Protestos indignados ou resignao? Somente quando as vivncias que acontecem na biblioteca forem essenciais vida escolar que ela deixar de ser um lugar de esconder livros (s vezes, at mesmo de depositar o entulho que no se sabe onde pr). Somente quando as experincias vividas na biblioteca forem essenciais vida escolar ela se tornar um local to importante quanto a quadra de esportes, o refeitrio, o banheiro.

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TEXTOS DA SRIE BIBLIOTECA ESCOLAR: QUE ESPAO ESSE?5A srie tem por objetivo discutir a questo das bibliotecas escolares a partir da promulgao da Lei n 12.244, de 24 de maio de 2010, que dispe sobre a universalizao das bibliotecas nas instituies de ensino do Pas, colocando em pauta a discusso sobre o seu papel em um momento em que a tecnologia, particularmente computadores conectados Internet, permite o acesso a uma imensa variedade de fontes. Este tema ser discutido nos textos e programas da srie.

TEXTO1/PGM 1: A LEI E SEUS DESDOBRAMENTOSNo primeiro texto da srie, sero apresentados o texto legal e as orientaes a respeito do que vem a ser uma biblioteca escolar: o espao fsico, o acervo e sua organizao, o acesso internet, os servios e atividades e a qualificao do pessoal.

TEXTO 2/PGM 2: O PAPEL DA BIBLIOTECA NA FORMAO DO LEITORNo segundo texto, discute-se o papel da biblioteca na formao do leitor de textos da esfera acadmica e escolar. E tambm o desenvolvimento das habilidades para a leitura de textos expositivos, cuja finalidade ler para aprender no mbito da pesquisa escolar: localizao e seleo de informao relevante, compreenso do contedo proposicional do texto, avaliao crtica do material lido. Apoio busca autnoma de contedo que responda a interesses pessoais.

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TEXTO 3/PGM 3: O PAPEL DA BIBLIOTECA NA FORMAO DO LEITOR LITERRIOO terceiro texto discute o papel da biblioteca na formao do leitor de textos da esfera literria, o que pode favorecer a construo da prpria subjetividade, a ampliao de seus horizontes de referncias, a abertura para crculos de pertencimento mais amplos. Os textos 1, 2 e 3 tambm so referenciais para as entrevistas e debates do PGM 4 Outros olhares sobre a Biblioteca Escolar e do PGM 5: Biblioteca Escolar em debate.

5 Estes textos so complementares srie Biblioteca Escolar: que espao esse?, com veiculao no programa Salto para o Futuro/TV Escola (MEC) de 24/10/2011 a 28/10/2011.

REFERNCIASCAMPELLO, Bernadete Santos et al. A Biblioteca escolar: temas para uma prtica pedaggica. Belo Horizonte: Autntica, 2008. CICERO, Antonio. Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996. ECO, Umberto. Da Internet a Gutenberg. Disponvel em: http://www.inf.ufsc.br/~jbosco/ InternetPort.html Acesso em 05/09/2011. FREIRE, Paulo. A importncia do ato de ler. So Paulo: Cortez Editora, 1992. INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira. Resumo Tcnico Censo Escolar 2010. http://www. google.com/search?q=RESUMO+T%C3%89C NICO+%E2%80%93+CENSO+ESCOLAR+2010 &hl=pt-BR&sourceid=gd&rlz=1D1GGLD_ptBRBR431BR432 Acesso em 05/09/2011.

Ministrio da Cultura, Fundao Biblioteca Nacional, Fundao Getlio Vargas. Censo Nacional das Bibliotecas Pblicas Municipais. Disponvel em: http://www.cultura.gov.br/ site/2010/04/30/primeiro-censo-nacionaldas-bibliotecas-publicas-municipais/ Acesso em 05/09/2011.

NEVES, Conceio Bitencourt e outros (orgs.). Ler e escrever: compromisso de todas as reas. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1999.

Presidncia da Repblica, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurdicos. Lei n 12.244 De 24 de maio de 2010 Dispe sobre a universalizao das bibliotecas nas instituies de ensino do Pas. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/ Lei/L12244.htm Acesso em 05/09/2011.

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SOARES, Magda. Letramento: um tema em JOUVE, Vincent. A Leitura. So Paulo: Editora UNESP, 2002. So Paulo: SME/DOT Diretoria de OrienKLEIMAN, Angela B. Texto e Leitor. Campinas: Pontes, 2005. KUHLTHAU, Carol C. Como orientar a pesquisa escolar. Belo Horizonte: Autntica, 2010. KUHLTHAU, Carol C. Como usar a biblioteca na escola. Belo Horizonte: Autntica, 2009. tao Tcnica. Referencial de expectativas para o desenvolvimento da competncia leitora e escritora no ciclo II do ensino fundamental, 2006. trs gneros. Belo Horizonte: Autntica, 1998.

SOL, Isabel. Estratgias de leitura. Porto Alegre: ARTMED, 1998.

texto 1: a lei e seus desdoBramentos

Graa Maria Fragoso1

Definir as bibliotecas das instituies de ensino constitui uma misso complexa. Como definir um local que raramente faz parte das instituies de ensino brasileiras? A viso que se tem de uma biblioteca muitas vezes distorcida. Muitas vezes conceituada como um lugar sagrado, onde se guardam objetos tambm sagrados, para desfrute de alguns eleitos. Ora, sob uma tica menos romntica, apenas uma instituio burocratizada, que serve para consulta e pesquisa, assim como para armazenar bolor, cupins e traas. Para poucos, aqueles que a frequentam assiduamente, ela constitui o local do encontro com o prazer de ler, de conhecer, de informar-se. Com o advento da sociedade da informao, novos conceitos para as bibliotecas so construdos ampliando seu horizonte e expandindo seus servios. Servios estes ainda distantes da grande maioria de nossas escolas. O fato que, quando se trata de Brasil, a maioria das pessoas desconhece o verdadeiro papel de uma biblioteca em suas vi-

das e, portanto, na vida da comunidade. E esta afirmao se aplica tanto aos leitores em potencial quanto queles que, de um modo ou outro, tm responsabilidade pelo seu funcionamento. Como, por exemplo, as escolas. Por inmeras razes, as bibliotecas nas escolas brasileiras esto ainda longe de cumprir sua importantssima funo no sistema educacional. Poucas instituies dispem dos recursos e da viso necessrios (duas condies que nem sempre andam juntas) para manter uma biblioteca digna desse nome. Ainda so poucos os profissionais empenhados em prestar servios que realmente deem suporte ao aprendizado e vida cultural da escola. Neste sculo, as mudanas tm sido profundas e muito mais velozes, em relao ao ritmo de desenvolvimento da vida humana na Terra at cem anos atrs. Os meios de comunicao se aperfeioaram e continuam a se transformar numa progresso cada vez mais vertiginosa, j que, em matria de tecnologia, o novo torna-se obsoleto prati-

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Consultora em instituies de ensino para Leitura.

camente a toda hora. No terreno da leitura, a Internet e os livros digitais se assim se pode defini-los parecem ameaar o futuro do livro convencional. A questo no apenas o qu se l atualmente, mas quantos esto lendo. A pouca leitura pode ser efeito da concorrncia com outros meios de comunicao, porm, entre ns, ela principalmente o reflexo de um sistema educacional que h vrias dcadas vem se deteriorando. Por isso, costumamos dizer que com a introduo do livro gerou um nmero quase ilimitado de leitores: sem planos e aes educacionais solidamente estruturados, ainda que se faam grandes esforos ao longo dos anos para reduzir o analfabetismo e, no caso brasileiro, com resultado ainda assim no se constata uma populao leitora. E nem, bvio, cidados conscientes e atuantes. Consequncia direta ou indireta desse quadro, na grande maioria das escolas brasileiras de Ensino Fundamental e de Ensino Mdio, como citao anterior, quando h bibliotecas, prevalece um sistema arcaico de utilizao e aproveitamento do acervo e no apenas por indigncia material. Mesmo aquelas que podem se dar o luxo de algum aparato tecnolgico e de prticas mais modernas relutam em investir nos recursos humanos, deixando que alguns velhos cacoetes culturais perdurem. Por exemplo, o de improvisar um guardio que ter como misso, de fato, guardar o geralmente precrio

material bibliogrfico. E o far, geralmente, objetivando apenas a preservao e no a circulao do acervo e o far com rabugice de burocrata. Os leitores da assim chamada biblioteca crianas e adolescentes, em sua maioria iro frequent-la com igual despreparo e desinteresse, subutilizando sempre os possveis recursos. E o contato prazeroso com a leitura j de si to problemtico nestes tempos de cultura visual este sim, passa por metamorfose definitiva: ler se torna mais um entre os deveres escolares.

ACERVO... ESPAO FSICO... INCENTIVO PARA A LEITURAA situao da biblioteca nas instituies de ensino no Brasil reflexo do contexto em que ela tem existncia, qual seja o da educao. Portanto, no grande surpresa a dificuldade em se obterem dados atualizados sobre essa situao: quantas escolas possuem bibliotecas, o porte de seus acervos, quais tm profissionais especializados em seu comando e da por diante. Com isso, os alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Mdio ainda ficam privados de material de pesquisa, leitura e de outras fontes de informao, alm do prprio professor e do material didtico. Em ltima anlise, ento como agora, os estudantes sem acesso a uma biblioteca em sua prpria escola correm mais o risco de ficar margem de um ensino democratizado.

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A Promulgao da Lei n 12.244, de 24 de maio de 2010, que dispe sobre a universalizao das bibliotecas nas instituies de ensino do Pas, possibilita a reviso dos paradigmas, amplia o horizonte das bibliotecas e estabelece amparo legal para criao de bibliotecas com espao fsico adequado, acervo selecionado e adquirido, levando em conta as prioridades da comunidade escolar e a especificidade regional. E concretiza a presena profissional especializada para gerenciar esse local, dinamizando seus servios e produtos em sintonia com o corpo tcnico e docente.

oferece seus recursos e servios comunidade escolar de maneira a atender s necessidades do planejamento curricular. No que diz respeito ao planejamento escolar, ressalto que o bibliotecrio deve ter sua atuao projetada junto aos educadores e tcnicos da instituio de ensino da qual faz parte. Especificando, nessa funo o profissional que atua na biblioteca poder contar com uma srie de recursos tecnolgicos para ampliar a sua atuao. Em sua funo cultural, a biblioteca de uma escola torna-se complemento da educao formal, ao oferecer mltiplas possibilidades de leitura e, com isso, levar os alunos a ampliar seus conhecimentos e suas ideias acerca do mundo. Pode contribuir para a formao de uma atitude positiva, prazerosa, frente leitura e, em certa medida, participar das aes da comunidade escolar, servindo-lhes de suporte. Nessas funes, por assim dizer, ideais de uma biblioteca escolar, estariam implcitos seus objetivos como instituio, que relacionamos a seguir: integrar-se ao projeto pedaggico e cooperar com o currculo da instituio de ensino no atendimento s necessidades da comunidade escolar; estimular e orientar a comunidade escolar em suas consultas e leituras, favore-

FUNESEmbora muitas vezes marginalizada de nosso sistema educacional, a biblioteca escolar, aqui adjetivada, tem funes fundamentais a desempenhar e que aqui foram agrupadas em duas categorias: a educativa e a cultural. Na funo educativa, ela representa ampliao ao do corpo docente e discente da escola. Quanto ao primeiro, desenvolvendo habilidades de estudo independente, agindo como instrumento de autoeducao, motivando uma busca do conhecimento, incrementando o gosto pela leitura e, ainda, auxiliando na formao de hbitos e atitudes de manuseio, consulta e utilizao do acervo, da biblioteca e da informao. Quanto atuao do educador e da instituio, a biblioteca complementa as informaes bsicas e

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cendo o desenvolvimento da capacidade de selecionar e avaliar; incentivar os educandos a pensar de forma crtica, reflexiva, analtica e criadora, orientados por equipes inter-relacionadas (educadores + bibliotecrios); proporcionar aos leitores materiais diversos e servios bibliotecrios adequados ao seu aperfeioamento e desenvolvimento individual e coletivo; promover a interao do trinmio professor-bibliotecrio-aluno facilitando o processo ensino-aprendizagem; oferecer um mecanismo para a democratizao da educao, permitindo o acesso de um maior nmero de crianas e jovens a materiais educativos, seja eles impressos, virtuais ou digitais e, atravs disso, dar oportunidade ao desenvolvimento de cada aluno a partir de suas atitudes individuais; contribuir para que o corpo docente amplie sua percepo dos problemas educacionais, oferecendo-lhe informaes que o ajudem a tomar decises no sentido de solucion-los, tendo como ponto de partida valores ticos e cidados.

exercer as funes e cumprir seus objetivos, ela no contar com a presena de um profissional consciente, com sensibilidade e habilitaes especificas para manter esse espao de educao, cultura e informao revestido de importncia, atraente e oportunizando aos leitores o questionamento, a descoberta e as aprendizagens significativas. Entre as habilitaes se incluem, claro, aqueles conhecimentos tcnicos essenciais de organizao do acervo, bem como dos mecanismos cotidianos para utiliz-lo: emprstimos e devolues, dentre outros. verdade que a maior parte das bibliotecas nas escolas brasileiras no conta com um bibliotecrio sua frente. Para atuar como bibliotecrio, nesse segmento, o profissional deve ter noes precisas de seu papel. Deve saber, por exemplo, que lhe compete oferecer oportunidades, materiais e atividades especficas, visando despertar o interesse da comunidade escolar pela biblioteca para, a partir da, poder trabalhar no desenvolvimento da leitura. Na escola, o bibliotecrio se reveste de suma importncia quando se comporta e atua como membro de um trabalho integrado, dinmico, capaz de mobilizar alunos e educadores leitura para aprender a aprender, aprender para saber e para ter conhecimento da sociedade que os cerca. A promoo de certas atividades requer, por parte dos bibliotecrios, conhecimentos da realidade educacional, da especificidade do

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O PAPEL DO BIBLIOTECRIODe nada serviria uma bela biblioteca escolar, com espao fsico e acervo suficiente s necessidades da comunidade escolar se, para

acervo, de noes pedaggicas e educacionais. Um exemplo: ao narrar histrias para crianas do ensino infantil, ele estar participando ativamente do processo de alfabetizao e possibilitando a esse futuro leitor a viso positiva do ato de ler. Ler poemas, para despertar emoes e sentidos; realizar exposies, entrevistas; promover a leitura de textos teatrais; oferecer atividades em diversos campos da arte, como a mmica, a dramatizao, a pintura; fazer uso das novas tecnologias da informao e da comunicao como agentes motivadores de aes de leitura e ampliao do conhecimento. Eis algumas das aes que bibliotecrios podem e devem empreender no recinto da biblioteca ou fora dela, mas sempre em consonncia com o currculo e coadjuvando o trabalho do corpo docente. Em sntese, sua grande tarefa tornar a biblioteca da escola um lugar agradvel, dinmico, onde prevalea um clima de harmonia entre ele e o pblico, seja qual for a faixa etria ou a posio deste na hierarquia da escola. A principal barreira a ser vencida nesse convvio parece ser a que tacitamente se ergue entre o educador e o bibliotecrio. Este, por nem sempre estar bem entrosado com os problemas educacionais, costuma fechar-se em seus domnios, tornando-se apenas mero entregador de livros. O professor, por no saber desenvolver, na maioria dos casos, outro tipo de aula que

no o discursivo, acha que prescinde do bibliotecrio e no o procura. E assim se tm perdido timas oportunidades de um trabalho entrosado que propiciaria a aprendizagem baseada na indagao e na busca de conhecimentos mais amplos. Apresentamos as principais funes e atribuies que deveriam fazer parte do cotidiano do bibliotecrio que gerencia uma biblioteca de escola: participar ativamente do processo educacional, planejando junto ao quadro pedaggico as atividades curriculares. E isso deve ser feito para todas as disciplinas, acompanhando o desenvolvimento do programa, colocando disposio da comunidade escolar materiais e servios que complementem a informao transmitida em classe; participar do processo de alfabetizao; fazer do espao fsico da biblioteca um motivador de leitura, um local harmonioso, de modo a que os leitores se sintam atrados por ela; estimular os alunos, atravs de atividades simples, desde o maternal, a desenvolverem o gostar de ler; proporcionar informaes bsicas que permitam ao aluno formular juzos inteligentes na vida cotidiana;

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oferecer elementos que promovam a apreciao literria, a avaliao esttica e tica, tanto quanto o conhecimento dos fatos; favorecer o contato entre alunos de faixas etrias diferenciadas. Os bibliotecrios so imprescindveis nesta nova etapa das bibliotecas nas instituies de ensino e torna-se necessria a movimentao do antigo guardio do acervo, no sentido de difundir as aes educacionais e culturais de maneira dinmica e prazerosa, dentro e fora do ambiente em que o leitor-bibliotecrio e o leitor-interlocutor transitam e dialogam. S atravs dessa mudana, as aes bibliotecrias podero adquirir perspectiva de reflexo/ao e crena no mundo onde a comunicao quer se estabelecer.

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texto 2: o papel da BiBlioteca naformao do leitorLuiz Percival Leme Britto1

INTRODUOEsse texto tem como principal motivao indagar sobre o papel da biblioteca escolar na formao do leitor, em especial na leitura e no estudo de textos da esfera acadmica e escolar. Indaga, ainda: possvel pensar a biblioteca escolar na era do texto eletrnico e das comunicaes multimiditicas como espao de atividade de pesquisa e de estudo? Inicia-se, porm, com uma pergunta muito mais bsica: pode a biblioteca escolar formar um leitor ou, pelo menos, fazer parte dessa formao?

postas, porque logo encerram a questo, anulam, muitas vezes, perguntas interessantes. Tem-se, ento, para avanar a ideia, que indagar prpria pergunta, pondo em evidncia o que nela opaco, porque bvio. E, nessa atitude, encontram-se trs outras perguntas: Que leitor? Que formao de leitor? e Que biblioteca escolar?

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O LEITOR E SEUS SENTIDOSA resposta, imediata, : Claro que, sim; que pergunta mais bvia, essa a! Sim. Afinal, essa parece ser a vocao das bibliotecas: formar leitores, oferecendo aos que ali vo os livros e um ambiente apropriado para a leitura. Sim, essa uma boa resposta. Mas boas resDe fato, h muitas formas de compreender ser leitor, dependendo da perspectiva que oferecermos pergunta e resposta, mas uma definio primeira, da qual no se pode escapar, a de que leitor aquele que sabe ler e que l com certa frequncia, para estudar, para informar-se, para conhecer, experimentar vida, fazer coisas...

1 Mestre e Doutor em Lingustica pela Universidade Estadual de Campinas. Pesquisador do Grupo de Estudos Lingusticos do Oeste do Par UFOPA, no Instituto de Cincias da Educao.

Desde logo, essa definio de leitor supe mais que simplesmente saber ler, implicando uma atitude diante das coisas do mundo. O leitor no leitor porque pode ler (ainda que isso seja condio determinante): ele se constitui quando, para alm do texto, faz a leitura do mundo, para usar a consagrada expresso de Paulo Freire.

com afirmar-se enquanto pessoa poltica, fenomenolgica e epistemolgica: a razo e o sentido de aprender a escrever estavam na possibilidade de cada pessoa e da coletividade dizerem aquilo que eram e, ainda, de projetarem o futuro, intervindo na sociedade e modificando as formas de poder ser. A leitura do mundo significa, assim, um

Leitura do mundo: a est uma ideia muito interessante, porque amplia e d sentido noo de leitor. Mas uma ideia que precisa ser usada com cuidado, para que no se incorra no erro de supor que ler corresponde a qualquer ao intelectiva. Ao propor o conceito de leitura do mundo em uma palestra no 2 Congresso de Leitura do Brasil, em 1979, Freire refletia sobre uma questo bastante especfica: a importncia do ato de ler. Em seu argumento, baseado na concepo de uma pedagogia participativa e dialgica (Pedagogia do Oprimido e, mais tarde: Pedagogia da Autonomia), o educador buscava relacionar a aprendizagem da palavra escrita com as maneiras como as pessoas esto e se veem e atuam no mundo, bem como com os processos pelos quais se realiza a educao de adultos. Recusando a educao instrumental de carter autoritrio e denunciando o jogo de dominao e alienao impregnado na educao bancria, Paulo Freire tratou de vincular, de forma estrita, aprender a escrever

modo de percepo do (re)conhecimento e da vida-vivida (a expresso de Freire), no que se incluem desde as experincias subjetivas ntimas at as relaes histricosociais complexas. A conscincia delas aparece como condio fundamental para que a aprendizagem dos saberes formais seja instrumento de participao e de transformao da ordem social. Em palavras diretas, s tem sentido aprender a leitura do texto se for para ampliar as formas de perceber o mundo e perceber-se nele. Observe-se que leitura de mundo no leitura no sentido de realizao de uma interao com texto (escrito), mas uma metfora que quer valorizar o gesto interpretante e significante que o sujeito tem diante do mundo. Como, ao ler, trabalhamos com sentidos e valores estabelecidos no texto, o valor da leitura estar na ao criativa e propositiva do sujeito que, considerando aquilo que e o que sabe, toma o texto como um enunciado a ser considerado e no como um dado em si. E, nessa linha de raciocnio, a metfora leitura do mundo necessria

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para dar sentido literalidade da leitura da palavra. Do que se exps acima, depreende-se que ler, no mbito da formao do leitor, corresponde a mais que o ato de decifrar signos grficos que traduzem a linguagem oral acepo primeira e denotativa de ler constante dos dicionrios. De um modo geral, pode-se postular que o que se deseja que a pessoa adquira o hbito de ler, entendido como o gesto deliberado de tomar, com relativa frequncia, determinados tipos de textos para ler, assim como incorporar competncias, estratgias e referncias que lhe habilitem a produo de sentido a partir do ato leitor. pertinente observar que, quando a pessoa se pe a ler, isso pode se dar tanto por movimento espontneo, devido a um desejo pessoal, como por uma obrigao, em funo de um compromisso de trabalho, de estudo, de participao em uma esfera social. E ambas as possibilidades so significativas. um equvoco grave imaginar que a leitura que resulta do gesto voluntrio mais legtima ou criativa. Ao contrrio, podem-se criar e realizar muitas coisas em situaes em que o leitor no tem o que escolher, assim como em muitas situaes a leitura descompromissada no implica criao, descoberta ou aprendizagem. O que interessa que a pessoa, quando se pe a ler, saiba o que e por que faz, sendo senhora da ao intelectual.

Cabe perguntar, para que o bvio no permanea implcito, por que valorizar esse hbito (prtica, costume). A resposta, ainda bvia, a de que a leitura frequente permite situaes positivas de ampliao da subjetividade e da capacidade de agir com propriedade na sociedade. Seria, portanto, um hbito humanizador. certo que h, especialmente na sociedade moderna tecnolgica, outras possibilidades de realizao desse processo. A convivncia com pessoas de diferentes formaes e a interao com produtos diversos da cultura em ambientes em que circulam informaes, compreenses e representaes no mundo e da vida, assim como a audincia do rdio e da TV e a utilizao de mdias eletrnicas, tambm possibilitam o alargamento dos horizontes intelectuais e culturais. Contudo, essas possibilidades parecem no ter a mesma densidade formativa e, quando tm, isto pressupe um modelo de intelectualidade que desemboca, de alguma forma, na leitura frequente. A especificidade da leitura est na condensao de contedos, na atitude reflexiva/ introspectiva de exame de si e das coisas com que se interage, no autocontrole da ao intelectual. E, vale a pena repetir, na incluso do sujeito num determinado modo de cultura e na disseminao de hbitos, prticas e formas de cultura mais densas e elaboradas. Nesse sentido, leitura passa a ser enten-

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dida como prtica social circunstanciada, favorecendo o alargamento do esprito e das possibilidades de atuao e interveno na sociedade.

reconhece e se vive o conflito que, em alguma medida, a experincia de ler ganha dimenso humanizadora. O simples hbito de ler de forma descom-

Disso se infere que ensinar a leitura valorizar uma forma de pertencimento crtico ao mundo. Um valor, portanto. Um valor que carrega um princpio de humanidade e que implica, mais que o simples hbito, uma atitude.

prometida, sem a reflexo aguda do sentido das coisas, numa situao em que a pessoa levada pelas circunstncias e motivada por interesses pragmticos, caracteriza-se como uma alienao. O que alienado automatizado, feito mecanicamente, sem conscincia ou domnio dos processos de significao e, portanto, sem capacidade de ampliao de horizontes. Em termos claros, a pessoa no tem controle ou conscincia nem da atitude nem das coisas nela implicadas; no compreende o alcance e as consequncias dos fatos e dos gestos. Essa ltima considerao obriga perceber que a simples propaganda da leitura e sua associao a atitudes descomprometidas de entretenimento sob o pressuposto de que, como subproduto desse gesto, estaria a potencializao do interesse por outros assuntos e novas e mais instigantes leituras, algo imprevisvel e sem evidncia objetiva no significa propor um valor nem estimular o compromisso desimpedido com a humanidade. E, da mesma forma, vincular a prtica da leitura aos ganhos materiais ou de posicionamento social, em funo da ampliao da capacidade de ao, no mais que reduzir essa prtica dimenso pragmtica da competitividade.

A FORMAO DE LEITOR RAZES E PERSPECTIVASA formao do leitor, no mbito da educao escolar, corresponde aos processos pedaggicos que fazem com que o aluno alcance a condio de leitor, isto , que seja algum que, com crtica e autonomia, realize as atividades que caracterizam o leitor. Isso implica no apenas aprender o sistema da escrita, mas tambm, e principalmente, incorporar um conjunto de atitudes e de referenciais que tornem significativo e pertinente o ato de ler: saber, portanto, compreender o contedo de um texto em seu sentido, comparlo com outros elementos, realizar associaes, tirar concluses etc. Tal perspectiva corre o risco de nulidade, caso se perca a dimenso de que o pertencimento ao mundo tenso e conflituoso, e que a ordem social marcada pela desigualdade e pela disputa de valores e de fazeres polticos. Somente no momento em que se

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A compreenso equivocada da dimenso formativa tambm se manifesta quando se sustenta que o leitor quem d sentido ao texto e que suas escolhas so sempre legtimas. O ser humano histrico, e no biolgico. Cada indivduo a realizao de uma singularidade irredutvel que se faz na experincia ntima do corpo na dimenso histrica, a um tempo particular e geral. A escolha ser, assim, sempre sobredeterminada por fatores histricos, sociais e culturais de diversas dimenses, nunca sendo simplesmente livre. O gosto no a manifestao de determinaes biolgicas ou genticas, nem fruto de uma aprendizagem autodirigida e imanente; gosto se aprende, se muda, se cria, se ensina. Gosto se aprende, se critica, se renova. Trata-se de uma questo delicada e tensa, uma vez que ningum tem a verdade do gosto e do bom, as escolhas e as avaliaes so processos conflituosos, com mltiplas dimenses. Mas certo que, na sociedade massificada, a afirmao pura e simples da legitimidade do gosto espontneo , objetivamente, submisso ordem da produo cultural alienada e alienante. Igual raciocnio se aplica ao conceito de autonomia. Se a autonomia supe discernimento e compreenso dos processos envolvidos, imperativo reconhecer que ela no um parmetro do tipo sim ou no, mas uma

medida relativa, com base na experincia e nas dimenses estruturantes da ordem social. Parafraseando Sartre, h que se reconhecer que, do mesmo modo que a liberdade, a autonomia no , ela se conquista numa situao histrica. O desafio pedaggico est, precisamente, em respeitar o gosto conhecido (admitindo, portanto, sua leitura de mundo) e, ao mesmo tempo, estimular a autonomia (recusando o autoritarismo da referncia absoluta), sem perder a dimenso poltica da formao do leitor. Em outras palavras, ao propor uma leitura aos alunos, o professor deve considerar seu potencial de transcendncia, de instigao de novas experincias e reflexes.

22Inevitvel, contudo, viver a contradio: estimular a livre escolha necessrio para quem investe na autonomia, mas tampouco a totalidade e no se faz sem contradies. Certamente, errado dizer que aquilo que o leitor escolhe, porque escolha dele, bom e basta. A leitura crtica no se submete ao mimetismo do imediato, devolvendo a cada um o que j lhe conhecido: ela precisa buscar um diferencial a potencialidade de abrigar o conhecimento humano.

A BIBLIOTECA E A FORMAO DO LEITORBiblioteca (sc. XVII): edifcio ou recinto onde ficam depositadas, ordenadas e

catalogadas diversas colees de livros, peridicos e outros documentos, que o pblico, sob certas condies, pode consultar no local ou levar de emprstimo para devoluo posterior (Dicionrio Houaiss acepo 2). Sim, a biblioteca lugar de livros. Lugar em que se renem livros, organizados segundo critrios de classificao, dentre os quais se destacam, mais frequentemente, o tema e o autor. O leitor, em funo de suas necessidades e interesses, encontra l textos para ler, fazer pesquisas e consultas, estudar. Na imaginao, a biblioteca mais que isso: um lugar grande, vetusto, com paredes de estantes cobertas de livros e um recinto com mesas de estudo, em que reina o silncio. Lugar de todo o saber, a catedral do conhecimento. Espera-se do consulente atitude adequada ao ambiente e atividade: compenetrao e sisudez. Felizmente, os tempos mudaram. Multiplicaram-se as produes intelectuais e os impressos em tal quantidade que j no h como imaginar uma biblioteca total, uma biblioteca que reunisse toda a produo intelectual humana a grande biblioteca de babel de Borges. Hoje, as modernas bibliotecas se organizam de muitas formas, em funo de sua finalidade, do lugar que ocupam, do pblico a que pretendem atender. E, alm dos impressos, dispem de textos em

outros meios e outros recursos de estudo a cibercultura. Alis, bibliotecas esto j inteiramente no hiperespao da WEB. Sim, so muitas as bibliotecas, e com caras e jeitos diferentes: a biblioteca universitria ser distinta da biblioteca corporativa, que no ter as mesmas caractersticas que a biblioteca comunitria, que pouco ter de comum com a biblioteca central, com a qual no se comparar a biblioteca privada, que no ter a mesma ordenao, acervo e funcionamento que a biblioteca escolar... Cada uma se far conforme as demandas, as necessidades de estudo, de produo, de lazer, de vivncia do pblico. De todo modo, todas so perpassadas pela ideia de um espao em que se pode encontrar conhecimento e fazer indagao das coisas da vida. E quanto mais a biblioteca qualquer que seja conseguir prever o tipo de leitura que importa a seus usurios e organizar-se em funo disso, mais apropriada ela ser. No caso da biblioteca escolar, no h de ser diferente: ela existe porque a escola existe, e a escola existe porque h crianas e jovens e adultos para ensinar e aprender. A escola o lugar de aprender, e de aprender coisas diferentes daquelas que possvel aprender fora da escola. Isso no quer dizer que ela deva ser lugar de sofrimento e alienao, de autoritarismo e repetio; ao contrrio, a

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gente aprende criando vnculos, produzindo identidades e reconhecimentos, indagando, criticando, criando. A biblioteca escolar deve funcionar como um espao na verdade o espao privilegiado em que estas coisas aconteam, organizando-se para que os estudantes, sob a orientao e com a participao de seus professores, encontrem possibilidades de estudo, de pesquisa, de descoberta, de questionamento dos temas e contedos que esto aprendendo. E no para que reproduzam mecanicamente o que lhes foi apresentado no espao da aula, mas para que ampliem e tornem vivos e significativos estes aprendizados. Objetivamente, contudo, isso no depende apenas da simples organizao da biblioteca, de sua atualidade ou da dimenso de seu acervo. Depende, principalmente, de como se compreende e se realiza a educao escolar. A cultura escolar tem, tradicionalmente, um perfil marcadamente disciplinar, que se sustenta em um conjunto de contedos fixos, o que tem sido um dos aspectos que mais dificulta o avano da reflexo pedaggica na educao. Tal modelo de escola cumpre funes sociais definidas e ideologicamente sustentado. Na prtica convencional, tais contedos, apesar de remeterem para campos importantes do conhecimen-

to, tornaram-se informaes fragmentadas para serem fixadas na memria, perdendo a referencialidade e o sentido formativo que deviam ter. Para desmontar essa armadilha, as atividades escolares devem se organizar com base em questes que permitam compreender criticamente a realidade e construir uma relao criativa com o conhecimento, realizando esforo redobrado para tornar possvel o dilogo entre o saber sensvel-prtico (aquilo que as pessoas trazem de sua experincia imediata) e o patrimnio cientfico produzido pela humanidade. Com base nessa concepo, a biblioteca escolar ganha destaque como espao de estudo e de acesso ao conhecimento elaborado. Estudar uma ao reflexiva pela qual se quer conhecer e explicar fatos do mundo material, da vida humana, das singularidades pessoais. Estudar um trabalho intelectual, pressupondo finalidade e compromisso e exigindo condies apropriadas, que incluem ambiente de estudo (espao, silncio), disposio de materiais (bibliografia, material de pesquisa e experimentao) e tempo. O acervo de uma biblioteca escolar (considerando o nvel de autonomia e de desenvoltura intelectual dos usurios) deve incluir obras de cincia, histria, geografia, psicologia, literatura, artes e organizar-se de forma a permitir percursos formativos amplos e densos.

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Bibliotecas modernas escolares ou no no tm por que serem vetustas e severas, como so, na imaginao, as grandes bibliotecas da histria. Nem precisam ser locais onde so proibidas ou desaconselhadas as atividades formativas mais soltas e descomprometidas. Mas no ser competindo com a superficialidade e investindo na formao ligeira que se formaro mais leitores. A biblioteca escolar, considerada dessa maneira, incorpora sem nenhum problema as novas tecnologias que implicam maior disponibilidade de textos e maneiras mais geis de encontrar a informao.

A eficincia da biblioteca escolar depende no da forma de oferta de texto, mas do quanto a comunidade escolar aprofunda o projeto de formao e o transforma em aes e espaos que o tornem vivel, do quanto prev aes de estudo e de partilha de conhecimento e de experincias intelectuais e existenciais a partir da atividade orgnica de estudar, de ler e de procurar organizar informao para pensar e intervir no mundo. A biblioteca deve e pode continuar a ser lugar privilegiado de uma educao formativa.

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texto 3: o papel da BiBlioteca na formao doleitor literrioNinfa Parreiras1

Entendemos que a famlia, como ncleo inaugural da vida social de uma criana, deveria ser a primeira mediadora da leitura na vida dos bebs e das crianas. Com tantas configuraes familiares, modelos em que o filho criado pelo casal, pela me, pelo pai, pelos avs, pelos tios, pelos padrinhos, pelos parentes, pelos vizinhos da comunidade, o que importa que estes grupos ofeream criana o acolhimento e o acesso leitura literria. Por que na famlia? l que o pequeno ser cria seus primeiros contatos e aproximaes ao mundo da cultura. A leitura comea no espao da intimidade (em casa) e depois alcana o espao pblico (a escola, a biblioteca). Posteriormente, cabe escola dar prosseguimento ao processo de mediao da leitura, to necessrio para o aluno. Logo, a soma de esforos das famlias, das escolas e de outros organismos sociais que contribuir para a formao leitora das crianas.

Portanto, essa mediao no deveria se restringir ao uso pedaggico da literatura na escola e na sala de aula, com a interpretao de textos, a aplicao de testes de avaliao de compreenso da leitura e a realizao de exerccios gramaticais a partir dos textos literrios lidos. A escola uma instituio que se apropriou do uso da literatura, como uma disciplina, como um contedo, como um veculo de transmisso de valores. Com isso, a leitura costuma ficar relegada a um trabalho didtico, que no penetra na face subjetiva e subversiva da literatura. O contato com a literatura pode dar voz ao leitor, contribuir para a sua formao cidad, criar atmosferas de expresso esttica e de constituio de um olhar crtico sobre a vida. O trabalho que objetiva a verificao de contedos e a aplicao de exerccios vem engessado, fechado. A leitura literria abre portas para os sentimentos e as experincias vrias. Por sua vez, devemos conceber a biblioteca escolar como um espao de congregao

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1 Mestre em Literatura Comparada (Universidade de So Paulo), especialista da Fundao Nacional do Livro Infantil e Juvenil, escritora e psicanalista.

da leitura e da cultura, o local que recebe o leitor, que lhe oferece as novidades (livros e peridicos). O local de presena constante de educadores, de professores, de alunos, de funcionrios e de famlias, ou seja, toda a comunidade escolar. Um lugar de troca e de apropriao, de fato, do conhecimento: daquele subjetivo, que s nosso. Ser que a biblioteca escolar tem funcionado como esse espao de comunho de ideias e de troca de saberes? Ser que ela recebe a comunidade escolar? Com a promulgao da Lei n 12.244, de 24 de maio de 2010, que dispe sobre a universalizao das bibliotecas nas instituies de ensino do Pas, as escolas tm se mobilizado para fazerem as mudanas necessrias em suas bibliotecas existentes ou tm planejado a criao e a dinamizao da biblioteca escolar. Frente necessidade da lei, h as dificuldades de articulao dos profissionais da escola e, por sua vez, uma tecnologia galopante de e sobre informao que oferece ao consumidor uma gama de ofertas de servios da informao (internet, jogos, redes sociais, aparelhos eletrnicos etc.). Como ficam os livros em meio a esse universo de produtos e facilidades? Qual a concepo de biblioteca escolar que tem norteado o movimento das escolas para a criao ou adaptao de um espao para a biblioteca? O que a escola poderia fazer frente instituio de uma lei e concorrncia tecnol-

gica? Talvez seja esse o momento oportuno de se criar uma biblioteca escolar que faa frente s necessidades de consulta e de leitura da comunidade escolar. Mas uma biblioteca que crie demandas, que atraia os no leitores e os leitores. Para isso, a biblioteca deve ter um trabalho independente do que desenvolvido na sala de aula. O que o aluno aprende, l, estuda e pesquisa na sala de aula poder ser complementado e enriquecido com visitas constantes biblioteca. Porm, a biblioteca no um espao para servir ao professor e sala de aula para o desenvolvimento de atividades recreativas nem para o exerccio de tarefas didatizantes. Certamente, tocamos em um ponto bastante delicado, justamente o da autonomia da biblioteca escolar. Ela pode e deve estabelecer parcerias com o professor e demais educadores, mas ela no est a servio da execuo de trabalhos pedaggicos nem de animao de leitura. Mais que tudo, a biblioteca deve ser agradvel, arejada, confortvel e segura para as consultas, leituras, pesquisas e emprstimos. Os livros devem estar registrados, catalogados, de preferncia num programa de computador. Devem estar dispostos em prateleiras, estantes, mesas, cestas, caixas, com algum critrio de separao e identificao pelo usurio. O servio de um profissional de biblioteconomia, o bibliotecrio, pode garantir biblioteca escolar um trabalho diferenciado e acessvel s necessidades de consultas, de emprstimos e de pesquisas.

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Exposies temticas de obras, uma arrumao convidativa aos frequentadores e uma atualizao permanente do acervo devem fazer parte de um projeto de uma biblioteca escolar comprometida com a leitura. Alm disso, necessrio existir um dilogo constante com os educadores e demais usurios, no sentido de escutar as necessidades daqueles que podem mediar a leitura em outros ambientes. A biblioteca no um templo fechado, restrito ao silncio, com as obras guardadas e conservadas, mas tambm no um parque de diverses. Trabalhos com desenhos, com pinturas, com fantoches, com fantasias no so prioritrios na promoo da leitura. Ou melhor, em que sentido eles promovem a leitura literria? Por que os professores costumam fazer a leitura de uma obra literria, por exemplo, para uma criao de redao ou para criar uma encenao? A priori, nada deveria ser amarrado, at porque a leitura literria nos leva a mares nunca dantes navegados e nos possibilita o contato com o imprevisvel e o desconhecido. Para que fazer desenhos da histria que leu? Para que colorir desenhos preparados pelo professor? Para que responder a perguntas escritas (de interpretao) sobre o texto que foi lido? O exerccio da liberdade o que deve ser feito a partir da leitura de uma obra. A leitura formativa que pretendemos, que traz o pensamento crtico, a associao de

ideias, a inter-relao de contedos, acontece num processo de incentivo leitura de obras literrias e ao debate que elas suscitam. So conversas sobre a obra lida, discusses sobre temas presentes na histria ou no poema, associaes da fico vida cotidiana, aos fatos que nos acontecem. Grupos de leitura, de discusso, que podem ser criados na biblioteca, inclusive com o uso de internet: blogs, redes sociais etc. A fico, uma das formas dos textos literrios, nos traz a possibilidade de nos subjetivar: para quem escreve e para quem l. Ao criar, dar novos sentidos s palavras e aos afetos, o escritor se subjetiva, se afirma como sujeito que simboliza, que faz representaes, associaes e inventa novas formas de viver. Ao criar fico, o autor entra em contato com um mundo de sonhos, de invenes, de coisas fantasiosas. Isso o coloca prximo ao mundo interno povoado de desejos, de interdies, de silncios. O autor confirma sua subjetividade quando escreve, quando cria. Quanto ao leitor, a leitura de uma obra literria lhe traz a possibilidade de viver situaes imaginrias, de outras personagens, de outros cenrios. Ao ler e estabelecer conexes com a sua prpria vida, com outras obras lidas, ele se subjetiva, se refaz. Ele se recria, reinventa a sua vida. A fico nos permite nos reinventarmos e reinventarmos uma vida nova a cada dia.

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Por sua vez, a poesia, para quem cria, representa um universo de imagens, de brincadeiras, de representaes. Ao escrever poemas, o poeta tambm se subjetiva, deixa suas emoes metaforizadas nos versos. E para quem a l, a poesia acalanta, provoca, toca... Ela faz o leitor passear por sensaes, por imagens carregadas de afetos. Por se aproximar msica (pelas sonoridades, pelo ritmo), a poesia est no territrio da desrazo, da afetao. A biblioteca pode funcionar como um centro de trocas culturais, de contato com as novidades. A leitura de cada aluno, de cada educador, de cada funcionrio que frequenta a biblioteca deve ser respeitada. O que a leitura da obra promove no leitor? Com o que ele a associa? importante provocar no aluno a criao de questes para as obras lidas. Exerccios prontos empobrecem a leitura. Animaes cabem bem nos locais indicados (ptios, sala de recreao), no na biblioteca. Lemos e ponto. suficiente. o bastante. Um turbilho de coisas se passa com o leitor. um processo dele que poder ser compartilhado com os colegas. Em relao ao beb e criana pequena, a biblioteca ser o espao inaugural do contato com as emoes e as sensaes. Os bebs precisam tocar nos livros, cheirar, chupar, morder. Sua pele vai se aproximar desse objeto to atraente que o livro em rodas de crianas monitoradas pelos adultos. Nessa

etapa do desenvolvimento, o mais importante o toque e toda a estimulao dos sentidos. Ento, deve ser um ambiente tranquilo, para cantar para os bebs, para ler contos, para declamar poemas... E deixar os bebs alcanarem livros apropriados a eles, com pontas arredondadas, em papel cartonado, leves. Claro que poder ter um canto com livros de plstico, de borracha, de pano. Porm, o contato com o papel superior e especial. O livro de papel tem cheiro, textura, provoca rudos... Ento, no podemos privar os pequenos do contato com os livros de papel. Em experincia recente do Instituto C&A, o 1 Concurso Escola de Leitores, um desdobramento do Programa Prazer em Ler, premiou 22 escolas vencedoras nas cidades do Rio de Janeiro (RJ), Paraty (RJ), So Paulo (SP) e Natal (RN). Alm de um prmio em dinheiro, as escolas vencedoras receberam um acompanhamento tcnico para a realizao de seus projetos e uma viagem de dois profissionais Colmbia. Com a parceria da Fundao Nacional do Livro Infantil e Juvenil FNLIJ e da Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro, o Concurso Escola de Leitores premiou sete iniciativas desenvolvidas em salas de leitura das escolas municipais do Rio de Janeiro. O Programa Prazer em Ler considera quatro eixos que orientaram a escolha das iniciativas vencedoras: o espao (as bibliotecas ou

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salas de leituras nas escolas); o acervo (a diversidade de obras literrias); a mediao (a atuao dos mediadores de leitura) e a gesto de projetos de leitura (o envolvimento dos educadores). Podemos, a partir desses quatro eixos, investir num projeto de promoo da leitura para as bibliotecas escolares que abarque todos os nveis do ensino escolar, da Educao Infantil ao Ensino Mdio. Iniciativas em que prevaleam a mediao feita com cuidado (leitura em voz alta, em grupos) com obras literrias (variedade de gneros, autores, editores) e a prtica constante de leituras, de emprstimos, de rodas de leitura contribuem para a formao do leitor literrio. Desse modo, a biblioteca escolar congregar professores de disciplinas diferentes, alunos e educadores de segmentos variados, famlias e funcionrios num movimento de fazer da biblioteca, de fato, o lugar sagrado da leitura e da literatura.

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tores? Coordenao de Benjamin Abdala Junior e Isabel Maria M. Alexandre. So Paulo: Editora SENAC So Paulo, 2001.

Presidncia da Repblica Ministrio da Educao Secretaria de Educao Bsica

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