BIOÉTICA TRANSPLANTES

download BIOÉTICA TRANSPLANTES

of 25

Transcript of BIOÉTICA TRANSPLANTES

2011

BIOTICATRANSPLANTES E TRANSFUSO SANGUNEA EM TESTEMUNHAS DE JEOV_

GRUPO DE BIOTICA 09/11/2011

Perguntas e Respostas

Outubro de 2009

Transplantes de rgosOs transplantes esto entre os procedimentos mais complexos da medicina. O Brasil tem o maior programa pblico do gnero do mundo, que paga 92% das 70 cirurgias realizadas todos os dias. Em outubro de 2009, o governo federal apresentou o Regulamento Tcnico do Sistema Nacional de Transplantes definindo novas regras para os procedimentos. Entenda como so feitos os transplantes e as novidades sobre o assunto no Brasil.

1.Quando foi realizado o primeiro transplante?O primeiro transplante de rgo bem-sucedido ocorreu em Boston, nos Estados Unidos, em 1954, quando um rim foi transferido do corpo de um homem para seu irmo gmeo. poca, o volume de sangue perdido pelos pacientes devido ao procedimento impressionava at o mais frio dos cirurgies. Atualmente, praticamente no h perda de sangue durante a cirurgia. Para se ter uma ideia, os primeiros transplantes de fgado duravam at 24 horas prazo reduzido para cinco horas agora. Alm disso, era preciso usar uma bomba de infuso rpida que injetava quase 20 litros de sangue no paciente no decorrer da cirurgia.

2.Quais rgos ou tecidos j podem ser transplantados?Corao, rim, fgado, pulmo, pncreas, intestino, crnea, medula ssea, pele, valva cardaca, ossos e esclera ocular. Estima-se que um nico doador seja capaz de salvar, ou melhorar a qualidade de vida, de pelo menos 25 pessoas caso todos os seus rgo sejam doados.

3.Qualquer pessoa pode ser doadora?Sim, desde que ela no possua em seu histrico doenas que prejudiquem o funcionamento do rgo doado ou provoquem contaminao. No h limite de idade para a doao. O Regulamento Tcnico do Sistema Nacional de Transplantes introduziu uma novidade no assunto: agora, portadores de doenas que antes impediam a doao agora podem doar rgos para pessoas que sofrem da mesma enfermidade.

4.Quais doaes podem ser feitas em vida? possvel doar em vida rgos como fgado, medula ssea, pncreas, rim e pulmo em outros casos, necessrio que o doador tenha sido diagnosticado com morte enceflica. A lei autoriza a doao em vida ao cnjuge, aos familiares at o quarto grau ou mesmo a pessoas sem nenhum parentesco. Neste ltimo caso, para evitar a venda de rgos, preciso autorizao judicial, com base em um relatrio mdico e anlise, pelo juiz, da motivao pessoal de quem se oferece como doador. Segundo o Regulamento Tcnico do Sistema Nacional de Transplantes, o caso dever passar tambm pelo crivo de uma comisso de tica formada por funcionrios do hospital onde ser realizado o procedimento, antes de seguir para anlise judicial. Em qualquer hiptese, h avaliaes clnicas da compatibilidade imunolgica e de eventuais riscos. Normalmente, o candidato a doador tem de ser maior de idade, mas h excees nos casos de doaes a parentes autorizadas pelo responsvel legal.

5.Como proceder para se tornar um doador depois da morte?Para que os rgos de uma pessoa falecida sejam doados, preciso que a famlia autorize a doao. Por isso, importante deixar claro aos familiares o desejo de se tornar um doador, embora no seja necessrio deixar nada por escrito. A deciso da famlia pode ser dada aos mdicos, ao hospital ou Central de Transplante mais prxima.

6. De que forma escolhido o receptor?Nem o doador, nem a famlia podem escolher o receptor. Ele ser sempre indicado pela Central de Transplantes, a no ser no caso de doao em vida.

7. Como funciona a fila de espera para transplantes?Mais de 70.000 pessoas no pas esperam por um rgo. As listas so estipuladas por ordem cronolgica ou em alguns casos, como o do fgado, pela gravidade da doena. Uma das principais mudanas no Regulamento Tcnico do Sistema Nacional de Transplantes a prioridade que os pacientes menores de 18 anos passam a ter. A partir de agora, crianas e adolescentes ficam no topo da fila para receber rgos de doadores da mesma faixa etria, e ganham o direito de se inscrever na lista para um transplante de rim antes de entrar na fase terminal da doena renal crnica e de ter indicao para dilise. No caso de o primeiro da fila ser incompatvel com o doador, a prioridade passa para o segundo, e assim sucessivamente. Dependendo do rgo e do estado onde est o receptor, a espera pode durar mais de trs anos, o que em muitos casos sinnimo de morte. H vinte anos, at 70% das pessoas espera de um transplante de fgado, em todo o mundo, morriam antes ser atendidas. Hoje, esse ndice fica em torno de 15%. Mesmo com o crescimento dos doadores, a demanda ainda muito maior do que a oferta.

8. Por quanto tempo sobrevivem os rgos e tecidos a serem transplantados? necessrio que haja rapidez para que o transplante tenha sucesso. O corao, o pncreas e o pulmo, por exemplo, s sobrevivem por quatro horas entre a retirada e a doao. Por isso, o aconselhvel que as duas cirurgias ocorram simultaneamente. O fgado resiste at 24 horas fora do organismo. O rim pode esperar de 24 a 48 horas. J a crnea pode permanecer at seis dias fora do organismo, desde que mantida em condies apropriadas de conservao.

9. rgos podem ser vendidos?No. O comrcio de rgos ilegal, e a punio pode chegar a oito anos de priso.

10. Quais so as particularidades do transplante de medula ssea?Transplantes de medula ssea exigem altssima compatibilidade imunolgica entre doador e receptor. No caso de irmos, a chance de sucesso de uma em trs. Quando preciso encontrar um doador na populao em geral, a probabilidade de compatibilidade de uma em 100.000. Para o transplante, retira-se um volume de medula do doador de, no mximo, 10%, o que no causa qualquer comprometimento sade. O Registro Nacional de Doadores de Medula ssea coordena a pesquisa de doadores nos bancos brasileiros e estrangeiros. Hoje, j existem mais de 5 milhes de doadores. Para se cadastrar, clique aqui.

11. Quem paga os procedimentos de doao?De cada 100 cirurgias do gnero, 92 so pagas pelo governo. A maioria dos planos privados de sade no cobre esse tipo de tratamento, cujo custo pode variar entre menos de mil reais (transplante de crnea) a quase 60.000 reais (medula ssea). Com a nova regulamentao, o valor investido pelo governo deve aumentar, cobrindo outros procedimentos e incorporando novas aes.

12. Que riscos correm o receptor e o doador vivo?A rejeio continua a ser o grande desafio da medicina dos transplantes. A descoberta de imunossupressores mais precisos e potentes, nos anos 80, significou uma revoluo, ao aumentar drasticamente a sobrevida dos operados. O ndice de pacientes vivos um ano depois de um transplante de rim, por exemplo, saltou de 70% para quase 100%. Mas ainda se est longe do ideal. Tais remdios devem ser tomados por toda a vida e oferecem reaes adversas severas. A soluo pode vir dos estudos sobre imunorregulao. Os especialistas buscam um composto capaz de evitar a rejeio sem que seja necessrio deprimir o sistema imune do paciente. H tambm a aposta nas terapias com clulas-tronco, que colocaria fim ao problema da rejeio, uma vez que rgos e tecidos criados em laboratrio poderiam ser programados com a gentica do paciente.

13. Onde encontrar mais informaes confiveis sobre o assunto? Sistema Nacional de Transplantes: http://portal.saude.gov.br

Departamento de Informtica do SUS, rgo da Secretaria Sade: >http://www.datasus.gov.br Aliana Brasileira pela Doao de rgos e Associao Brasileira de Transplante de rgos: http://www.abto.org.br

Executiva

do

Ministrio

da

Tecidos: http://www.adote.org.br

ASPECTOS TICOS DOS TRANSPLANTES DE RGOShttp://www.ufrgs.br/bioetica/textos.htm#conceito

Jos Roberto Goldim Os transplantes de rgos vem provocando inmeros questionamentos ticos a cerca da origem, forma de obteno do material a ser transplantado e tipo de procedimento a ser realizado. Quanto a origem, os rgos podem ser oriundos de outras espcies animais ( xenotransplante), de seres humanos vivos (alotransplante intervivos) ou mortos (alotransplante de doador cadver). Quanto a forma de obteno, especificamente falando em rgos oriundos de seres humanos, a questo mais importante a do resguardo da voluntariedade e da espontaneidade no ato de doar rgos, ou aceita que o bem comum est acima da vontade do indivduo e permitir a apropriao dos rgos de cadveres ou que o indivduo proprietrio do seu corpo e, desta forma, pode dispor do mesmo como melhor lhe aprouver. O tipo de procedimento tambm apresenta inmeros questionamentos. Os transplantes de rgos internos foram os primeiros, mas alguns transplantes j foram realizados com manifestao externa das partes transplantadas, como o transplante de mo e mais recentemente o transplante parcial de face. A utilizao de rgos de outros animais em seres humanos vem atraindo a ateno de cientistas desde o incio do sculo. Exemplo disto o caso Baby Fae. A obteno de rgos de doador vivo tem sido muito utilizada, ainda til, porm igualmente questionvel desde o ponto de vista tico. Este tipo de doao somente tem sido aceito quando existe relao de parentesco entre doador e receptor. A doao de rgos por parte de amigos ou at mesmo de desconhecidos tem sido fortemente evitada. As questes envolvidas so a autonomia e a liberdade do doador ao dar seu consentimento e a avaliao de risco/benefcio associada ao procedimento, especialmente com relao no-maleficncia (mutilao) do doador. A utilizao de rgos de doadores cadveres tem sido a soluo mais promissora para o problema da demanda excessiva. O problema inicial foi o estabelecimento decritrios para caracterizar a morte do indivduo doador. A mudana do critrio cardiorrespiratrio para o enceflico possibilitou um grande avano neste sentido. Os critrios para a caracterizao de morte enceflica foram propostos, no Brasil, pelo Conselho Federal de Medicina atravs da resoluo CFM 1480/97. Na doao de rgos por cadver muda-se a discusso da origem para a forma de obteno: doao voluntria, consentimento presumido, manifestao compulsria ou abordagem de mercado. Em 16 de janeiro de 1997, foi aprovada , pelo Congresso Nacional, aps uma longa discusso, a nova lei de transplantes ( Lei 9434/97), sancionada pelo Presidente da Repblica em 4 de fevereiro de 1997, que altera a forma de obteno para consentimento presumido. A legislao anteriormente vigente (Lei 8489/92 e o Decreto 879/93) estabeleciam o critrio da doao voluntria. Em maro de 2001 houve uma nova mudana, atravs da lei 10211, que d plenos poderes para a famlia doar ou no os rgos de cadver. Todas as manifestaes de vontade constantes em documentos foram tornadas sem efeito. Ao longo de poucos anos, houve uma mudana muito grande na abordagem desta questo no Brasil . No perodo de 1968 a 1997 era vlida a vontade do individuo, na sua ausncia a famlia poderia se manifestar. A partir de 1997 houve a mudana para a possibilidade da utilizao dos

cadveres sem a participao da famlia, salvo manifestao individual em contrrio. Desde maro de 2001, apenas a famlia tem poderes para permitir ou no a doao, sem que haja espao legal para a manifestao do indivduo.Recentemente foi apresentada uma proposta inusitada. Um projeto de lei, de junho de 2004, prope a utilizao intervivos de rgos de condenados a penas superiores a 30 anos de recluso. A alocao dos rgos para transplante, assim como de outros recursos escassos deve ser feita em dois estgios. O primeiro estgio deve ser realizado pela prpria equipe de sade, contemplando os critrios de elegibilidade, de probabilidade de sucesso e de progresso cincia, visando a beneficncia ampla. O segundo estgio, a ser realizada por um Comit de Biotica, pode utilizar os critrios de igualdade de acesso, das probabilidades estatsticas envolvidas no caso, da necessidade de tratamento futuro, do valor social do indivduo receptor, da dependncia de outras pessoas, entre outros critrios mais. Critrios de Alocao de rgos na Perspectiva de Trs Diferentes Grupos de Pessoas

Jos Roberto Goldim Em uma recente pesquisa realizada pelos Profs. Gabriel Gauer, do Mestrado em Cincias Criminais da PUCRS, e Gerson de vila, da disciplina de Medicina Legal da Faculdade de Direito da PUCRS e pelo aluno de Direito Gustavo de vila com 225 entrevistados leigos ou das reas de Sade ou do Direito sobre alocao de rgos para transplante mostrou resultados que apontam para diferenas entre as posies assumidas. A pergunta feita aos entrevistados era a seguinte: Trs pessoas necessitam de um corao para continuar sobrevivendo. Surge a disponibilidade de um rgo. Considerando-se que este compatvel com os trs indivduos, qual deve receb-lo? A) Um mdico, que descobriu um importante remdio no B) Um ajudante da C) Um funcionrio auxlio do tratamento da construo civil, que pblico aposentado, na depresso. Suas est na terceira posio primeira posio da fila. chances de da fila. Suas chances Suas chances de recuperao exitosa de recuperao so de recuperao so de so de 80%. Sua 30%. Sua expectativa 50%. Sua expectativa expectativa de vida, de vida, sem o de vida, sem o sem o transplante, de transplante, de mais transplante, de mais mais de seis meses. uma semana. de seis meses. Sua posio na fila a segunda. 25% 61% 14% 33% 50% 17% 25% 40% 35%

Entrevistados

Leigos rea do Direito rea da Sade

Uma anlise, utilizando os trs critrios bsicos habituais para a alocao de recursos escassos pode ser feita em cada uma das alternativas oferecida. A primeira alternativa, letra a, apresenta uma situao onde os critrios de merecimento e efetividade so valorizados. O critrio de merecimento utilizado devido a contribuio do mdico para a sociedade atravs da sua descoberta e o da efetividade em funo de ter o melhor

prognstico dos trs pacientes que disputam o rgo: 80% de possibilidade de sucesso. O critrio de merecimento pela contribuio social j foi utilizado inmeras vezes em diferentes pases do mundo para alocar rgos preferencialmente a pessoas com destaque, como esportistas, intelectuais ou artistas. A segunda alternativa, letra b, claramente baseada no critrio da necessidade, pois este paciente o que tem a menor sobrevida prevista: uma semana. Este foi o critrio mais utilizado pelos trs segmentos estudados. Em algumas sentenas judiciais este critrio tem sido utilizado como argumento para alterar a ordem da alocao de rgos, baseando-se na gravidade do quadro apresentado pelo paciente que demandou a ao na Justia. A terceira alternativa, letra c, baseada no critrio de merecimento devido ao tempo de espera na fila de receptores. Este paciente atualmente o primeiro da fila. Vale lembrar que, afastada a questo da compatibilidade biolgica do rgo, como na presente situao, o critrio de tempo de espera na fila o considerado pela atual legislao de transplante de rgos no Brasil. REF : PUCRS Informao em Revista maro/abril 2004;118:12. LEI N 10.211, DE 23 DE MARO DE 2001 Altera dispositivos da Lei n 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que "dispe sobre a remoo de rgos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento". O PRESIDENTE DA REPBLICA Fao saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1 Os dispositivos adiante indicados, da Lei n 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, passam a vigorar com a seguinte redao: "Art. 2 ...................................................................... "Pargrafo nico. A realizao de transplantes ou enxertos de tecidos, rgos e partes do corpo humano s poder ser autorizada aps a realizao, no doador, de todos os testes de triagem para diagnstico de infeco e infestao exigidos em normas regulamentares expedidas pelo Ministrio da Sade." (NR) "Art. 4 A retirada de tecidos, rgos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade teraputica, depender da autorizao do cnjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessria, reta ou colateral, at o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes verificao da morte." (NR) "Pargrafo nico. (VETADO)" "Art. 8 Aps a retirada de tecidos, rgos e partes, o cadver ser imediatamente necropsiado, se verificada a hiptese do pargrafo nico do art. 7 , e, em qualquer caso, condignamente recomposto para ser entregue, em seguida, aos parentes do morto ou seus responsveis legais para sepultamento." (NR) "Art. 9 permitida pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, rgos e partes do prprio corpo vivo, para fins teraputicos ou para transplantes em cnjuge ou parentes consangneos at o quarto grau, inclusive, na forma do 4 deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorizao judicial, dispensada esta em relao medula ssea. ........................................................................" (NR)

"Art. 10. O transplante ou enxerto s se far com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista nica de espera, aps aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento." (NR) " 1 Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condies de sade impeam ou comprometam a manifestao vlida da sua vontade, o consentimento de que trata este artigo ser dado por um de seus pais ou responsveis legais." (NR) " 2 A inscrio em lista nica de espera no confere ao pretenso receptor ou sua famlia direito subjetivo a indenizao, se o transplante no se realizar em decorrncia de alterao do estado de rgos, tecidos e partes, que lhe seriam destinados, provocado por acidente ou incidente em seu transporte." (NR) Art. 2 As manifestaes de vontade relativas retirada "post mortem" de tecidos, rgos e partes, constantes da Carteira de Identidade Civil e da Carteira Nacional de Habilitao, perdem sua validade a partir de 22 de dezembro de 2000. Art. 3 Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisria n 2.083-32, de 22 de fevereiro de 2001. Art. 4 Ficam revogados os 1 a 5 do art. 4 da Lei n 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Art. 5 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicao. Braslia, 23 de maro de 2001; 180 da Independncia e 113 da Repblica. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Jos Gregori Jos Serra

Tranfuso de sangue em testemunhas de Jeov. Tranfuso de sangue em testemunhas de Jeov. A coliso de direitos fundamentais - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peas 1. INTRODUO

A realizao de procedimento teraputico que inclua transfuso sangunea em pacientes adeptos da religio intitulada "Testemunhas de Jeov" uma questo polmica que h tempos preocupa mdicos e instiga juristas.

Os profissionais da sade vem-se acuados diante de tal situao por carregarem consigo o dever, como mdicos, de salvaguardar o direito, prima facie, mais essencial de qualquer ser humano: vida.

Os juristas, por sua vez, sentem-se instigados a dissertar e, talvez, dirimir o conflito de direitos fundamentais que o tema proporciona.

Diante dessas primeiras consideraes, indaga-se:

razovel que o ordenamento jurdico permita a recusa de certo indivduo realizao de determinado tratamento teraputico- qual seja: transfuso sangunea-, imprescindvel preservao de sua vida, por convices religiosas?

E se esta pessoa estiver em eminente risco de vida e no puder manifestar sua vontade naquele momento? Pode o mdico, nesta situao, deixar de realizar a transfuso sangunea com base na recusa manifestada pelos responsveis por aquele paciente?

O que ocorre, ento, se o paciente um menor de idade? Tm os pais o direito de dispor da vida de seus filhos?

Pode-se perceber que se trata de questo assaz conflitiva pois abarca coliso de direitos fundamentais, entretanto, apenas aparente o conflito, com possibilidade de soluo no caso concreto, como ser demonstrado nos tpicos que seguem.

O presente ensaio objetiva, ento, discorrer sobre os direitos fundamentais que aparentemente colidem e apontar uma possvel forma de ponderao dos valores envolvidos, no sentido de solucionar a questo no caso sub examine.

2. DIREITO VIDA

A vida um direito fundamental, garantida constitucionalmente como bem inviolvel, mxime do nosso ordenamento e protegida pelo Estado com prioridade, uma vez que constitui suporte indispensvel para o exerccio de todos os demais direitos.

A garantia fundamental vida deve ser entendida como o direito a uma existncia com possibilidade de exercer os demais atributos da personalidade, ou seja, o direito da pessoa humana a uma vida com dignidade.

Entretanto, o direito vida nem sempre foi entendido dessa forma.

No perodo da Inquisio- em que Estado e Igreja, Direito e Moral, se confundiam- o direito vida era, no raras s vezes, entendido como de livre disposio pelo Estado- ou melhor, pelo EstadoIgreja - na medida em que estes impunham penas capitais: determinando a morte de pessoas pelo simples motivo de possurem convices filosficas e/ou religiosas que iam de encontro aos dogmas impostos poca. Observa-se que, em nome da religio, o bem da vida era exterminado, ou seja, em uma escala de valorao: a religio prevalecia sobre a vida.

Acrescenta-se que a autoleso era permitida e at incentivada, atravs das penitncias: para que a pessoa humana se redimisse de seus pecados e ficasse em paz consigo mesmo, a religio

pregava a automutilao e, se preciso fosse, at a morte. O direito vida, era, portanto, perfeitamente disponvel.

Com a Revoluo Francesa, h o rompimento entre Direito e Moral, surgem os direitos individuais de primeira gerao, como garantia do indivduo frente s atrocidades cometidas pelo Estado. Neste contexto, o direito vida garantido e serve como prerrogativa do indivduo ao estabelecer um limite atuao estatal. Dessa forma, entendido como inviolvel: h a obrigao do Estado e de particulares em no realizar condutas que atentem contra o direito vida.

Atualmente, os direitos fundamentais ganham uma outra proporo: o bem da vida interessa no apenas ao indivduo. O Estado tem inteno de preserv-la: ele assume a posio de garante do bem jurdico vida. Justifica-se a interveno estatal no sentido de tutelar, salvaguardar e proteger a vida por entend-la como premissa bsica para o exerccio de qualquer outro direito fundamental.

No Estado de Direito Democrtico e Social, a vida um bem inviolvel, ou seja, no pode ser violada por terceiros, mas tambm, indisponvel: nosso ordenamento no permite a disponibilidade do direito vida, por reconhecer a supremacia da dignidade da pessoa humana como seu fundamento e entender a vida como pressuposto bsico para que se manifestem os outros direitos fundamentais que, em conjunto, formam o substrato mnimo necessrio dignidade humana.

Poder-se-ia contestar a indisponibilidade do direito vida em face do Direito Penal no punir o autor da tentativa de suicdio. Ocorre que, deve-se fixar a noo de que a autoleso e o suicdio so condutas ilcitas, repelidas pelo nosso ordenamento, ainda que no punidas pelo Direito Penal pois, se a vida um bem indisponvel, protegida e assegurada constitucionalmente, no poderia ser outro o nosso entendimento.

No entanto, o Direito Penal no pune o autor do suicdio por razes de poltica criminal, pois a pena no necessria, no cumprir sua funo de ressocializao e, ainda, porque o que o suicida necessita de tratamento mdico e psicolgico que o ajude a ressocializar-se e no de penalizao.

Neste sentido, Nucci ensina que:

No Brasil, no se pune o autor da tentativa de suicdio, por motivos humanitrios: afinal, quem atentou contra a prpria vida, por conta de comoo social, religiosa ou poltica, estado de miserabilidade, desagregao familiar, doenas graves, causas txicas, efeitos neurolgicos, infecciosos ou psquicos e at por conta de senilidade ou imaturidade, no merece punio, mas compaixo, amparo e atendimento mdico. Pune-se, entretanto, aquele que levou outra pessoa ao suicdio, ainda que nada tenha feito para que o resultado se desse, tendo em vista ser a vida um bem indisponvel, que o Estado precisa garantir, ainda que contra a vontade de seu titular. De outra parte, fica ntido que o suicdio ato ilcito- embora no seja penalmente punido, at mesmo porque, quando se consuma, no teria sentido algum aplicar sano famlia- quando se v, no art. 146, 3, II, do Cdigo Penal, no ser tpica a "coao exercida para impedir suicdio". [1]

Ademais, salienta-se que o Direito Penal, acertadamente, no o pune por entender que no sua a funo de tratar este comportamento, porm, este fato no significa que o direito vida disponvel.

Luiz Vicente Cernicchiaro afirma ser o bem da vida no passvel de disposio e confirma nosso entendimento:

O Direito Penal brasileiro volta-se para um quadro valorativo. Nesse contexto, oferece particular importncia vida (bem jurdico). Da ser indisponvel (o homem no pode dispor da vida). A

irrelevncia penal do suicdio decorre de Poltica Criminal, a fim de a pessoa que tentou contra a prpria vida seja estimulada a mudar de idia, o que provocaria efeito contrrio se instaurando inqurito policial, processo e, depois, condenao, cumprimento da pena[2]

Frisa-se que o direito vida foi erigido categoria de direito fundamental pela nossa Constituio e que o Estado, aps longo perodo evolutivo, passa de opressor a seu garante, interessando a vida no apenas ao indivduo mas a toda coletividade. A vida, ento, possui valor social.

Diante desses apontamentos acerca do direito vida, resta discorrer sobre a questo de s-lo direito absoluto ou relativo e a possibilidade, nesse ltimo caso, de ceder ante outros direitos.

2.1.Direito Vida e a Dignidade da Pessoa Humana

O direito vida inerente ao ser humano que, para existir no necessita de reconhecimento expresso de sua existncia em nenhum texto legal. Porm, a insero do direito vida de modo explcito na Constituio denota o seu objetivo nitidamente garantista: ao Estado incumbe o dever de agir no sentido de preservar a vida.

No se pode olvidar que, primeiramente, a previso do direito vida deu-se em razo da desigualdade entre o poder do Estado Soberano e a debilidade de seus sditos e, assim, so reconhecidos os direitos fundamentais como forma de equilibrar a relao entre Estado e indivduo.

Atualmente, ainda persiste este dever de absteno do Estado e dos particulares em no atentarem contra a vida, mas tambm se ressalta o dever positivo do Estado de proteo da vida humana, de cunho garantista, dando outro enfoque quele direito.

Entretanto, ainda que revestida de inegvel relevncia jurdica, o direito vida no possui carter absoluto. Uma correta apreciao do direito vida insta consider-lo ao lado de outros direitos

constitucionais. Nesta seara, surge a dignidade da pessoa humana, fundamento do nosso Estado de Direito Democrtico e Social, como valor absoluto no sentido de balizar qualquer ingerncia a outros direitos fundamentais.

Dessa forma, entende-se que nenhum direito absoluto e basta por si s, uma vez que o exerccio de qualquer preceito fundamental encontra limites no princpio da dignidade da pessoa humana. Cuida-se, ento, de aplicar-se o valor absoluto da dignidade da pessoa humana a cada um dos direitos fundamentais- o direito vida ser o direito vida digna- pois "situada frente de todos os direitos fundamentais, a dignidade humana lhes serve de alicerce e informa seu contedo, convertendo-se na fonte tica que confere unidade de sentido, valor e de concordncia prtica ao sistema de direitos fundamentais." [3]

Sendo relativo o direito vida, o legislador, em alguns casos, exerce opo axiolgica por outro direito fundamental. E isso confirmado pelo Cdigo Penal, no qual consta a permisso de realizao de aborto, quando resultante de estupro[4]

, em que numa ponderao de valores, a

liberdade sexual prevalece sobre o bem vida, com fundamento na dignidade da pessoa da gestante.

O direito vida um valor relativo, presente na nossa Constituio como fundamental e ser digno de preponderncia quando, posto em contraposio com outros direitos fundamentais, mais se aproximar da dignidade da pessoa humana.

3. DIREITO DE RECUSA POR CONVICCES RELIGIOSAS

3.1. Direito Liberdade

O direito liberdade representa uma conquista dos cidados pela manifestao de sua autonomia individual. garantia positivada em diversas constituies de sistemas democrticos,

sendo considerado como o fundamento da democracia, na medida que possibilita a liberdade de atuao e serve como limite s opresses do Estado.

A liberdade est intimamente ligada legalidade, pois, em conjunto, significam que as pessoas so livres para exercerem quaisquer atos, salvo os proibidos em lei.

Nas palavras de Carlos Alberto Bittar, "consiste esse direito em poder a pessoa direcionar suas energias, no mundo ftico, em consonncia com a prpria vontade, no alcance dos objetivos visados, seja no plano pessoal, seja no plano negocial, seja no plano espiritual."[5]

O direito liberdade possui vrios elementos que o compe, sendo que, interessa para o presente a elucidao do direito liberdade religiosa, em seus aspectos da liberdade de conscincia, de crena e sua livre manifestao.

3.2. O Direito Liberdade Religiosa e sua livre manifestao

O direito fundamental liberdade, em acepo ampla, engloba direitos fundamentais a liberdades especficas, sendo uma delas: a liberdade de religio.

A garantia de liberdade, no aspecto da religio, consiste na possibilidade de livre escolha pelo indivduo da sua orientao religiosa e no se esgota no plano da crena individual, meramente subjetiva, de foro ntimo, mas abarca a prtica religiosa, tambm denominada de liberdade de culto.

Compreende-se que "no h verdadeira liberdade de religio se no se reconhece o direito de livremente orientar-se de acordo com as posies religiosas estabelecidas" liberdade religiosa pressupe a sua livre manifestao.[6]

, ou seja, o direito

Dessa forma, respeitados os preceitos de ordem pblica, isto , as imposies legais, h o direito dos indivduos manifestarem a orientao religiosa por eles seguida, sendo-lhes assegurado o direito de recusa prtica de atos que atentem contra as suas convices pessoais.

A liberdade resulta na possibilidade de recusa por convices religiosas tambm com fundamento na garantia de liberdade de conscincia e de crena.

3.3. Liberdade de Conscincia e de Crena

O direito liberdade de conscincia e de crena est assegurado pela Constituio, em seu art.5, inc. VI, ao determinar a sua inviolabilidade. O dispositivo constitucional concretiza uma das vertentes da liberdade de expresso de pensamento: a liberdade de esprito.[7]

Como bem pondera Celso Ribeiro Bastos, "no contexto mesmo da liberdade de pensamento, h que se destacar a liberdade de opinio cuja caracterstica a escolha pelo homem de sua verdade, no importando em que domnio: ideolgico, filosfico ou religioso"[8]

e destaca a

liberdade de conscincia como sendo expresso da liberdade de opinio quando tem como objeto: a moral e a religio. A inteno , ento, garantir a liberdade de esprito sob a tica religiosa e moral.

Deve-se diferenciar a liberdade de conscincia com a de crena. Estas no se confundem na medida que "uma conscincia livre pode determinar-se no sentido de no ter crena alguma" [9].

Dessa forma, h que se perceber o direito liberdade de conscincia e de crena como valores diferentes que se igualam na medida que a Constituio protege a recusa prtica de determinados atos devido autonomia individual, que pode se consubstanciar em motivaes de ordem religiosa ou no. Define-se, assim, que a recusa dar-se- por motivos de foro ntimo, materializado em convices pessoais, e ser garantida, desde que no contrarie a ordem pblica

ou no importe em ofensa a outro valor que, considerando o caso concreto, se imponha como superior e, assim, prevalea.

4. A COLISO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A coliso de direitos fundamentais d-se quando, no momento do exerccio destes direitos, h o confronto entre os mesmos ou, entre eles e outros bens jurdicos protegidos constitucionalmente.

O legislador pode resolver esse confronto na medida que cria a "reserva de lei" na Constituio, ou seja, quando restringe o exerccio de um direito observncia do outro. Por outro lado, em se tratando de direitos fundamentais no acobertados pela "reserva de lei", a soluo fica a cargo da jurisprudncia, a qual deve realizar a "ponderao dos bens envolvidos", com o intuito de resolver a coliso por meio do "sacrifcio mnimo dos direitos em jogo". [10]

O tema da recusa s transfuses de sangue por pacientes adeptos da religio Testemunha de Jeov envolve uma aparente coliso de preceitos fundamentais. De um lado, est o direito indisponvel vida e, de outro, o direito de recusa por convices religiosas, ambos protegidos igualmente na nossa Constituio, isto , o legislador constituinte no estabelece clusula de reserva. Sendo assim, em no havendo prevalncia in abstrato por nenhum destes direitos fundamentais, como se proceder diante da coliso entre eles no plano concreto?

Em primeiro lugar, deve-se fixar a noo de que nenhum direito absoluto. Nem mesmo o direito vida. Prova disto a permisso constitucional de condenao pena de morte em estado de guerra e, ainda, a possibilidade de realizao de aborto autorizado judicialmente, diante da previso no Cdigo Penal, no caso de gravidez resultante de crime de estupro, conforme analisamos anteriormente.

Em segundo, afirma-se que se trata somente de um conflito aparente de direitos constitucionais pois, de acordo com os princpios da Hermenutica Constitucional a ser expostos, as normas constitucionais no entram em coliso, uma vez que h critrios para que a jurisprudncia realize o mencionado juzo de ponderao. Ressaltando-se que esta, ao realizar "uma necessria e casustica ponderao dos bens envolvidos", deve visar o "sacrifcio mnimo dos direitos contrapostos". [11]

A soluo , ento, buscar estes critrios para resolver a aparente coliso de direitos fundamentais, diante de um caso concreto, nos princpios informadores da Hermenutica Constitucional, j que no h um critrio dogmtico a priori, e balizar a ponderao de tais valores na supremacia da dignidade humana, fundamento do nosso Estado de Direito democrtico e social e princpio informador de qualquer interpretao de direitos fundamentais.

4.1. A Hermenutica Constitucional

4.1.1. A Evoluo rumo a "Nova Interpretao Constitucional"

Com a ascenso do Estado Liberal, surgem os movimentos de codificao e a consolidao dos ideais constitucionais em textos escritos, predominando o Positivismo Jurdico. Neste, objetivouse limitar a interpretao da norma, argumentando-se que a Cincia do Direito funda-se em juzos de fato e no em juzos de valor, ou seja, o intrprete deveria realizar estritamente o que determinava a lei, sem perquirir os valores envolvidos.Nesse perodo, os magistrados eram conhecidos como juzes "boca- da- lei", pois o seu papel limitava-se ao exerccio de subsuno dos fatos norma e preponderavam os mtodos clssicos de interpretao, quais sejam: o gramatical, histrico, sistemtico e teleolgico.

A superao desse movimento d-se, mais precisamente, com o fim da II Guerra Mundial e com a derrota dos movimentos totalitrios, passando-se a um perodo de reflexes acerca da funo social do Direito e sua interpretao: O Ps-Positivismo.

no ambiente do Ps- Positivismo que se percebe a reaproximao entre Direito e tica, com a valorizao dos princpios, sua incorporao pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurdica da supremacia dos direitos fundamentais e da sua normatividade.[12]

Diante da concepo de Estado de Direito Democrtico e Social, com a positivao de direitos fundamentais e a insero de clusulas constitucionais de contedo aberto, principiolgico, a Hermenutica Constitucional urge por mudanas. A idia de "Nova Interpretao Constitucional", defendida, dentre outros, por Lus Roberto Barroso e Ana Paula Barcellos[13]

, no importa em

desprezo dos mtodos clssicos, mas na constatao de sua insuficincia, principalmente quando se depara com a coliso de direitos fundamentais.

Na coliso de direitos fundamentais no possvel uma soluo adequada in abstrato, esta somente podendo ser formulada vista dos elementos do caso concreto. A moderna interpretao envolve juzo discricionrio do intrprete, o qual, por sua vez, encontra limites nos princpios informadores da Hermenutica Constitucional, que servem como parmetros para ponderao de valores e interesses.

4.1.2. Princpios de Interpretao Constitucional

cedio que os direitos fundamentais contm um fundamento tico e uma alta carga valorativa. Sendo assim, a coliso destes direitos no somente possvel, como faz parte da lgica do sistema, pois valores esto sujeitos a variaes conforme o contexto social e, alm disso, necessitam de um juzo discricionrio no momento da interpretao casustica.

Na tentativa de auxiliar o intrprete na busca do sentido alvejado pela nossa Constituio ao elencar determinado direito fundamental, da efetividade na concretizao deste valor in abstrato e diante da coliso de dois ou mais direitos fundamentais no caso concreto, a doutrina enumera princpios especficos para a interpretao constitucional.

Tratando-se de questo relativa a coliso de direitos fundamentais, entende-se como principais, dentre outros, os princpios da unidade da Constituio, da concordncia prtica ou harmonizao e da proporcionalidade.

O princpio da unidade da constituio determina a anlise do texto constitucional como um todo, como um sistema que necessita "compatibilizar preceitos discrepantes"[14]

, surgindo para o

intrprete o nus de detectar na Constiuio as normas pertinentes ao caso, identificar eventuais conflitos entre elas e consider-las em conjunto para sua soluo.

A concordncia prtica, ou princpio da harmonizao, expressa uma conseqncia lgica do princpio da unidade da constituio pois, conforme aqueles, os valores e direitos fundamentais devem ser harmonizados, no caso concreto, por meio de juzos de ponderao que vise concretizar ao mximo os direitos constitucionalmente protegidos, no se devendo por meio de uma precipitada ponderao de bens ou valores in abstrato, desprezar um direito a custa da prevalncia do outro. [15]

A proporcionalidade, por sua vez, consiste na "realizao do princpio da concordncia prtica no caso concreto", ou seja, significa a "distribuio necessria e adequada dos custos de forma a salvaguardar direitos fundamentais e/ou valores constitucionalmente colidentes".[16]

O princpio

da proporcionalidade caminha junto com o princpio da razoabilidade, formam uma espcie de parceria: significam a ponderao entre os meios empregados e os fins atingidos: a busca do razovel.

O princpio da proporcionalidade manifesta-se como um senso de justia, balizador do juzo de ponderao a ser realizado pelo intrprete no caso sub examine.

4.1.3. A Tcnica da Ponderao de Valores na Coliso de Direitos Fundamentais

Na coliso de direitos fundamentais ocorre a incidncia de mais de uma norma, princpio ou valor sobre o mesmo conjunto de fatos. Da a tcnica da subsuno mostrar-se insuficiente na soluo deste conflito, pois a soluo dada por esta tcnica implicaria na escolha de uma nica premissa maior e, por fora do princpio da unidade da constituio, anteriormente analisado, sabe-se que no dado ao intrprete o poder de optar por uma norma, desprezando a outra em tese aplicvel, criando certa hierarquia entre elas.

Torna-se mister um outro tipo de raciocnio, de estrutura diversa, mais complexo: "que seja capaz de trabalhar multidirecionalmente, produzindo a regra concreta que vai reger a hiptese a partir da sntese dos distintos elementos normativos incidentes sobre aquele conjunto de fatos".[17]

A ponderao, explica Lus Roberto Barroso e Ana Paula Barcellos, configura "uma tcnica jurdica aplicvel a casos difceis, em relao aos quais a subsuno se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situao concreta d ensejo aplicao de normas de mesma hierarquia que indicam solues diferenciadas".[18]

A tcnica da ponderao consiste em apurar os pesos ou a importncia relativa que devem ser atribudos a cada elemento em disputa, a fim de se escolher qual deles, no caso concreto, prevalecer ou sofrer menos constrio do que o outro, de modo que na deciso final, "tal qual como um quadro bem pintado, as diferentes cores possam ser percebidas, ainda que uma ou alguma delas venham a se destacar sobre as demais"[19]

, ressalvando-se que a produo dessa

soluo deve nortear-se pelo princpio da proporcionalidade.

Por ltimo, ressalta-se que o fundamento, de acordo com Robert Alexy, para a prevalncia de um direito fundamental est na lei da ponderao: "a afetao de um direito s justificvel pelo grau de importncia de satisfao de outro direito oposto". [20]

No caso de coliso de direitos fundamentais, faz necessria a opo de preferncia de um direito sobre o outro oposto, em que se perquire, inicialmente, todos os valores constitucionais envolvidos e, num juzo de ponderao, aplica-se ao caso concreto os princpios constitucionais especficos, especialmente a proporcionalidade e a razoabilidade.

4.1.4. O Princpio da Dignidade da Pessoa Humana como Valor Preponderante

Aps longo processo de ponderao de valores, imprescindvel considerar a fora do princpio da dignidade humana como valor preponderante, com vistas a guiar a deciso final acerca da prevalncia de um direito fundamental. Ser considerada razovel a opo axiolgica por um valor, consubstanciado num direito fundamental, que melhor atenda s necessidades da pessoa humana.

O princpio da dignidade da pessoa humana denota "um respeito criao, independente da crena que se professe quanto sua origem"[21]

, isto , assegura o direito integridade moral e

ao mnimo tico [22] a todas as pessoas apenas por sua existncia no mundo.

Ao eleger a dignidade da pessoa humana como fundamento do nosso Estado de Direito Democrtico e Social, o legislador explicita o seu papel fundamental na estrutura constitucional: o de fonte normativa dos demais direitos fundamentais. baseado na dignidade humana que emergem os demais direitos e garantias fundamentais, aquele princpio que d unidade e coerncia ao conjunto destes.

imprescindvel que se reconhea a fora normativa do princpio da dignidade humana e, por um raciocnio lgico, a sua carga axiolgica como um valor absoluto, o nico que possui este atributo.

No demais frisar que nenhum direito fundamental absoluto: tolerada a preponderncia de um direito fundamental sobre outro em decorrncia da constatao de sua maior chance de dar efetividade ao princpio da dignidade da pessoa humana, no caso concreto.

Na coliso de direitos fundamentais, conclui-se pela prevalncia da dignidade da pessoa humana como limite e fundamento do exerccio dos demais direitos, isto , no momento da concretizao daqueles valores positivados.

4.2. Direito Vida versus Direito de Recusa por convices religiosas

Neste tpico, prope-se enfrentar a questo da coliso de direito fundamentais, tomando-se a hiptese de recusa transfuso sangunea por parte das Testemunhas de Jeov. No um caso fcil uma vez que engloba direitos fundamentais, sem que a Constituio fornea, in abstrato, a soluo adequada.

Salientou-se que, num Estado de Direito Democrtico e Social, a interpretao da coliso dos direitos fundamentais feita de forma casustica, ou seja, no h como fugir da anlise caso a caso, considerando cada um destes como nico em suas especificidades, o que possibilitar a ponderao dos interesses envolvidos naquela hiptese ftica.

No caso das transfuses de sangue em Testemunhas de Jeov, h um aparente conflito entre o direito fundamental vida e o direito fundamental liberdade de conscincia e de crena, mais especificamente, o direito de recusa por convices de ordem religiosa. Todavia, essa aparente coliso no se mostra como um "ponto escuro sem definio", pelo contrrio, perfeitamente transponvel na medida em que se utiliza mecanismos especficos de Hermenutica Constitucional, buscando-se harmonizar os valores envolvidos.

A compatibilizao dar-se-, como se sabe, pela tcnica da ponderao entre os valores em conflito, na qual o intrprete, ao final, utilizando-se, principalmente, do princpio da

proporcionalidade, efetuar escolhas, mas sempre visando concretizar ao mximo os direitos constitucionalmente protegidos. Sendo assim, cumpre verificar o contedo especial dos valores em coliso em cada hiptese do caso concreto.

Inicia-se a anlise, ento, afirmando que, em princpio, a liberdade religiosa deve prevalecer nos seguintes termos: se o paciente tiver no gozo pleno de suas faculdades mentais, em condies de manifestar validamente suas convices religiosas, seu o direito de decidir sobre qualquer interveno em seu prprio corpo, da mesma forma que optou por deslocar-se at o hospital ou clnica mdica.

Argumenta-se neste sentido porque se a pessoa no pode ser constrangida a procurar o profissional da sade, da mesma maneira, proporcional que lhe seja garantida a autonomia individual de decidir sobre seu prprio corpo.

Dessa forma, a submisso forada aos cuidados mdicos, no caso das Testemunhas de Jeov, transfuso de sangue, implicaria em afronta a dignidade humana.

Entretanto, no esse o raciocnio tratando-se de situao de perigo iminente de vida. Nesta, a lei penal previamente faz opo axiolgica pela vida, conforme o disposto no art. 146, 3, inc. I, do Cdigo Penal. Sendo assim, o mdico poder e dever intervir, sem que sua conduta configure o delito de constrangimento ilegal.

imprescindvel discorrer, ainda que de forma superficial, sobre o que seja o perigo iminente. Seria um conceito, primeira vista, impreciso. Entretanto, a doutrina j tratou de classific-lo como "um risco de dano determinado, palpvel e iminente, ou seja, que est para acontecer" ou "em vias de concretizao" [23]. Entende-se que aquela situao em que o paciente tenha sofrido hemorragia de grande monta ou necessite ser submetido a uma interveno cirrgica, ou

at mesmo quando est no meio desta, e torna-se imprescindvel a transfuso sangunea para preservao de sua vida.

Na hiptese do paciente no conseguir exprimir validamente sua recusa terapia, diante do seu estado de inconscincia ou incapacidade de se manifestar, o mdico, na posio de garante do bem jurdico vida, possui o dever legal e tico de proceder transfuso. E, ainda, presentes os elementos da urgncia e do perigo imediato, no outra a atitude esperada, at porque a lei penal assim j determina.

Em ambos os casos descritos, mesmo havendo a recusa manifestada pelos responsveis do paciente, subsiste o dever de agir. Num juzo de ponderao, o suposto atentado liberdade individual tolerado em funo da preponderncia do direito vida, pois, nestes casos, no h manifestao vlida e consciente, que seja forte suficiente para se sobrepor preservao da vida. O princpio da dignidade humana, neste caso, urge por se preservar a vida do enfermo.

Registra-se que, ao nosso ver, o direito vida pressuposto material do exerccio dos demais direitos, constitui antecedente lgico do direito fundamental liberdade e apenas ser por este sobrepujado havendo manifestao consciente do paciente, na qual invoque de forma inconteste a sua vontade de no realizar a transfuso. Isto se ele no estiver em estado de perigo iminente.

Ainda, de se salientar nossa repulsa ao consentimento antecipado: aquele documento que as Testemunhas de Jeov portam, no qual consta a recusa antecipada para o caso de inconscincia. Porm, ser melhor analisada a questo em tpico a frente.

No mais, resta analisar se a recusa em receber a transfuso sangunea pode, a priori, ser qualificada como atitude suicida e, ento, configurar a permisso descrita no art. 146, 3, inc. II, do Cdigo Penal. notrio que as Testemunhas de Jeov admitem, ainda que de forma indireta,

a supervenincia da prpria morte, pois caso a transfuso sangunea mostre-se como nica soluo vital, estes religiosos preferem a morte.

Porm, mesmo diante dessas constataes, acredita-se que no seria justo qualific-los como suicidas. Na verdade, tudo depender do caso concreto: se o mdico perceber a presena de uma conduta suicida, isto , a inteno deliberada de provocar a prpria morte, deve intervir, pois estar acobertado pela permisso legal de realizar a transfuso para coibir o suicdio.

Finalmente, apenas a ttulo de ilustrao de quo dramtica a situao ftica, colacionamos o relato de um obstetra, descrito na obra de Miguel Kfouri Neto. O mdico conta que "para salvar a vida de uma paciente, que se recusava terminantemente, por motivos religiosos, a consentir em transfuso, aps difcil parto, praticou tal ato, contra a vontade da parturiente e de seu marido. A mulher, aps obter alta, no foi aceita em seu lar, pelo cnjuge, nem pde mais freqentar a Igreja, sendo repudiada por todos." [24]

Por esse relato, pode-se concluir que se trata de situao extremamente delicada, a qual requer um juzo de ponderao minucioso, que leve em considerao todos os valores envolvidos.