Biografia zeca afonso

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ZECA AFONSO “O que é preciso é criar desassossego. Quando começamos a criar álibis para justificar o nosso conformismo, então está tudo lixado! (…). Acho que, acima de tudo, é preciso agitar, não ficar parado, ter coragem, quer se trate de música ou de política. E nós, neste país, somos tão corajosos que, qualquer dia, estamos reduzidos à condição de “homenzinhos” e “mulherzinhas”. Temos é que ser gente, pá!” Zeca Afonso, 1985 http://imagens2.publico.pt/imagens.aspx/832342?tp=UH&db=IMAGENS

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Vida e obra de Zeca Afonso

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ZECA AFONSO

“O que é preciso é criar desassossego. Quando começamos a criar álibis para justificar o nosso conformismo, então está tudo lixado!

(…). Acho que, acima de tudo, é preciso agitar, não ficar parado, ter coragem, quer se trate de música ou de política. E nós, neste país,

somos tão corajosos que, qualquer dia, estamos reduzidos à condição de “homenzinhos” e “mulherzinhas”.

Temos é que ser gente, pá!”

Zeca Afonso, 1985

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JOSÉ Manuel Cerqueira AFONSO dos Santos1 nasce a 2 de Agosto de 1929, em Aveiro, "na parte

da cidade voltada para o realismo e para o mar".

Quando o pai, José Nepomuceno Afonso, é colocado em Angola, em 1930, como delegado do Pro-

curador da República, Zeca Afonso permanece em Aveiro por razões de saúde, confiado aos cuidados

da tia Gigé e do tio Xico, um "republicano anticlerigal, anti-sidonista. Um homem impoluto". Tem um

ano e meio e cresce numa casa situada na Fonte das sete Bicas, rodeado da ternura fraterna das primas

e dos tios.

De 1932 a 1937 José Afonso vive com os pais e irmãos em Angola, deslumbrando-se com a imensidão africana. A relação física com a

natureza causa-lhe uma profunda ligação ao continente africano que se refletirá pela sua vida fora. As trovoadas, os grandes rios atravessa-

dos em jangadas, a floresta, escondem-lhe a realidade colonial. Só anos mais tarde, ao exercer a docência em Moçambique, conhecerá a

fotografia amarga da sociedade colonial moldada ao estilo do "apartheid" de Pretória.

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Em 1940 vai para Coimbra ao cuidado de uma tia paterna, a tia Avrilete, matriculando-se no Liceu D. João III, onde começa a cantar.

Entretanto, seguindo novamente a itinerância profissional de seu pai, a família vai de

Moçambique para Timor, que em 1942 é invadido e ocupado por forças japonesas. Até

1945, ano em que termina a II Guerra Mundial, Zeca ficará sem notícias dos pais e da

irmã Mariazinha (João, seu irmão, viera também para Portugal).

Por volta de 1945, começa a cantar serenatas. Em Coimbra, passa pelas Repúblicas,

onde conheceu a amizade e a farra académica. Seduzido pela cidade, tem os primeiros

contactos com clubes recreativos, joga futebol na Académica ("Entreguei-me completa-

mente à mística da chamada Briosa") e acompanha a equipa um pouco por toda a parte.

Nas colectividades conhece "gajos populares", entre os quais Flávio Rodrigues, que

admira como exímio tocador de guitarra, para si superior a Artur Paredes. Inicia-se em

serenatas e canta em "festarolas de aldeia. Um sujeito qualquer queria convidar uns tantos estudantes de Coimbra, enchia-lhes a barriga e a

malta cantava..." Em 1949, dispensa no exame de aptidão à Universidade, matriculando-se na Faculdade de Letras, no primeiro ano do cur-

so de Ciências Histórico-Filosóficas. Como estudante integra várias comitivas do Orfeão Académico de Coimbra e da Tuna Académica da

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Universidade de Coimbra, nomeadamente em digressões pelo Continente e por Angola e Moçambique. O fado de Coimbra lírico e tradicional

era superiormente interpretado por si. A praxe académica e a boémia enchem-lhe tardes e noites gloriosamente Coimbrãs.

Começa a cumprir em Mafra, no C.O.M., dois anos de serviço militar obrigatório. Mobilizado para

Macau, salva-se desta viagem por motivos de saúde, vindo depois a ser colocado num quartel em

Coimbra. «Fui o menos classificado de todo o curso por falta de aprumo militar».

Em 1954, nasce a sua filha Helena, e Zeca tem grandes dificuldades em sustentar a família. Em

1958, dadas essas dificuldades económicas, envia os dois filhos para junto dos avós, então de novo

em Moçambique.

Em 1956 é editado o seu primeiro LP – Fados de Coimbra.

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Em 4 de Dezembro de 1957, actua em Paris no Teatro «Champs Elysées», acompanhado por Fernando Rolim, pelas guitarras de António

Portugal e de David Coimbra e pelas violas de Sousa Rafael e David Leandro. Ainda estudante, dá

aulas num colégio particular de Mangualde e, depois, como professor-provisório da Escola Industrial e

Comercial de Lagos. Em 1959, leccionará na Escola Industrial e Comercial de Faro: «A minha acção

como professor era mais de carácter existencial, na medida em que queria pôr os alunos a funcio-

nar como pessoas, incutir-lhes um espírito crítico, fazer com que exercitassem a sua imaginação à

margem dos programas oficiais». Um «indisciplinador de alunos», é como Zeca se auto classifica e

sintetiza a sua acção docente. É também neste ano que começa a cantar em colectividades populares.

Em 1960 é editado o disco Balada de Outono (Menino de Ouro e Senhor Poeta), o quarto na discografia de Zeca. Sobre a Balada, diz:

«Dominada ainda pelo velho espírito coimbrão, é o produto de um estado perpétuo de enamoramento» (...) uma espécie de

revivescência tardia da juventude».

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Em 1963 conclui o curso, com uma tese sobre Jean-Paul Sartre – Implicações substancialistas na filosofia sartriana. Divorcia-se de

Maria Amália, casando, depois, em Olhão, com Zélia. Sai o LP Baladas e Canções (Ronda dos

Paisanos, Altos Castelos, Elegias...).

O disco Baladas de Coimbra que inclui Os Vampiros,

Menino do Bairro Negro, Canção Vai… e Vem… e Pom-

bas.

A voz do Zeca passa, agora, os muros da velha cidade

universitária e, como um rio caudaloso e de irresistível força,

salta para os lábios de milhões de portugueses – torna-se impossível não associar os seus vampiros aos ávidos barões do regime salazaris-

ta: Eles comem tudo/ eles comem tudo/eles comem tudo/e não deixam nada... O Zeca explica: «Numa viagem que fiz a Coimbra aperce-

bi-me da inutilidade de se cantar o cor-de-rosa e o bonitinho» (...) «Se lhe déssemos uma certa dignidade e lhe atribuíssemos, pela

urgência dos temas tratados, um mínimo de valor educativo, conseguiríamos talvez fabricar um novo tipo de canção cuja actualidade

poderia repercutir-se no espírito narcotizado do público, molestando-lhe a consciência adormecida em vez de o distrair.»

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Em Menino do Bairro Negro, inspirada na vida dos meninos de um bairro degradado – o Barredo, no Porto – essa intenção de «molestar

consciências» torna-se ainda mais evidente. A emigração forçada pela miséria e pela guerra colonial, bem como o aparecimento, nas perife-

rias das grandes cidades, de bairros de lata (fruto do começo da desertificação do interior), eram, no começo dos anos 60, realidades inseri-

das a fogo no quotidiano dos Portugueses.

Em 1964 é editado um novo disco – Coro dos Caídos, Maria, Vila de Olhão, Canção do Mar. Na noite de 17 de Maio desse ano, actua

na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, a «Música Velha», como a

colectividade é designada pelas gentes da terra.

Aqui se inspira para a criação de Grândola, Vila Morena (que dedica à colectivida-

de), canção que viria a estrear num récita que realizará em Maio de 1972, em San-

tiago de Compostela. Aliás, essa noite de Maio de 1964, pode dizer-se, muda a sua

vida. Canta perante uma assistência constituída maioritariamente por gente pobre, mas

faminta de cultura – trabalhadores da indústria corticeira, amadores de música, ceifei-

ras, alguns clandestinos ligados ao Partido Comunista...

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Em 1964 parte para Lourenço Marques, dando aulas, primeiro nesta cidade e, depois, em 1966 e 1967, na Beira. Nesta cidade, compõe

a música para a peça de Brecht A Excepção e a Regra. Trabalha também no Centro Associativo dos Negros, dirigido pelo Dr. Luís Arouca.

Em 1965 nasce a sua filha Joana e em 1967 regressa a Portugal. É colocado como professor em Setúbal. Devido a uma grave crise de

saúde, é internado numa clínica. Quando sai, 20 dias depois, fora expulso do ensino oficial. Estamos em 1968. Embora mais tarde venha a

ser readmitido, opta por se dedicar exclusivamente à música.

A Nova Realidade, uma pequena editora de Tomar, publica o livro Cantares de José Afonso,

com um prefácio de Manuel Simões. O livro, que contém as letras das canções e notas do

autor, esgota-se em poucos dias. Sai uma segunda edição que acaba por ser apreendida pela

polícia política.

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Ainda em 1968 é editado o álbum Cantares do Andarilho. Zeca participa activamente na CDE de Setúbal durante a campanha para elei-

ção de deputados à Assembleia Nacional que se segue à «queda da cadeira».

Em 1969 saem o álbum Contos Velhos, Rumos Novos e o single Menina dos Olhos Tristes e Canta Camarada, canções em que é acom-

panhado à viola por Rui Pato.

É editado o álbum Traz Outro Amigo Também, gravado num estúdio de Londres. Desta vez, Rui Pato não o poderá acompanhar, pois a

polícia política não autoriza a sua saída do País. Vai a Cuba

participar num Festival Internacional de Música Popular.

Zeca Afonso, assim como outros músicos e cantores de

intervenção sofrem a perseguição do regime do Estado

Novo.

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Em 1973 continua a cantar em tudo o que é lado. Porém, muitas sessões são proibidas pela

PIDE/DGS. Em Abril desse mesmo ano é preso em Caxias onde escreve vários poemas (Ex.

Redondo vocábulo).

Nos anos que se seguiram à Revolução e até à sua morte, Zeca Afonso não parou de compor,

de escrever e de estar sempre atento à vida dos mais pobres e oprimidos, continuando a exaltar as

lutas em temas como os “Índios da meia praia” ou “Alípio de Freitas”, entre outros.

Mesmo podendo não concordar com todas as suas opções, sabemos que estas eram sempre

defendidas com a sinceridade e a convicção de que seriam as melhores para o seu povo, com total desprendimento face a glórias ou a

quaisquer benefícios.

Em 1987, José Afonso morre vítima de doença incurável. Além de ser, juntamente com Adriano Correia de Oliveira, um dos mentores da

canção de intervenção em Portugal e um baladeiro/compositor notável, soube conciliar a música popular portuguesa e os temas tradicionais

com a palavra de protesto, Zeca trilhou, desde sempre, um percurso de coerência. Na recusa permanente do caminho mais fácil, da acomo-

dação, no combate ao fascismo salazarento, na denúncia dos oportunistas, dos "vampiros" que destroçaram Abril, no canto da cidade sem

muros nem ameias, do socialismo, da "utopia".

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