BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR Moléculas e Mecanismos na … · 2020. 6. 26. · entre a metáfase e...

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14/Cosmetics & Toiletries (Brasil) www.cosmeticsonline.com.br Vol. 32, mar-abr 2020 o artigo anterior desta série, 3 foi apresentada uma introdução à bio- logia celular abrangendo a estrutu- ra e a organização da célula. Neste artigo, primeiramente serão revisadas as estrutu- ras e as propriedades das moléculas que compõem o núcleo celular e depois serão discutidos os mecanismos envolvidos na transmissão da informação genética, como divisão celular, duplicação do DNA e sín- tese de proteínas, além de métodos para a avaliação de danos no DNA. Estrutura dos Ácidos Nucleicos A molécula de DNA O ácido desoxirribonucleico (DNA), uma molécula presente no núcleo das células, é responsável por armazenar e transmitir a informação genética de um organismo. É composto de uma molécula de açúcar, uma base nitrogenada e uma molécula de fosfato. A molécula de açúcar é formada por cinco carbonos, uma pentose denominada desoxirribose. Já as bases nitrogenadas são constituídas por um ou dois anéis contendo nitrogênio e classicadas em dois grupos: as purinas, representadas pela adenina (A) e pela guanina (G), e as pirimidinas, representadas pela citosina (C) e pela timina (T). De acordo com o modelo descrito por James Watson e Francis Crick, em 1953, a molécula de DNA é composta de duas cadeias de polinucleotídeos que se torcem para formar uma dupla-hélice. As duas cadeias principais de açúcar e fosfato estão projetadas para a parte externa dessa hélice, e as bases nitrogenadas estão proje- tadas para o interior da hélice. As tas são mantidas unidas pela formação de pares de bases entre elas, por meio da formação de pontes de hidrogênio. O pareamento ocorre sempre entre as bases complemen- tares purina e pirimidina; dessa forma, a adenina (A) é pareada com a timina (T) e a guanina (G) é pareada com a citosina (C) (Figura 1). Ao se observarem as duas extremida- des livres de uma cadeia de polinucleo- tídeos (Figura 1), verica-se que, de um lado, tem-se um grupo fosfato ligado ao carbono 5’ e, de outro, tem-se um grupo hidroxila ligado ao carbono 3’. A orienta- ção das duas tas é antiparalela, ou seja, uma cadeia apresenta a direção 5’ ĺ 3’ e a outra o sentido 3’ ĺ 5. A molécula de RNA O ácido ribonucleico (RNA), ao contrário da molécula de DNA, é formado por um único lamento de polinucleotídeos. A molécula de açúcar é constituída por uma pentose, denominada ribose, que se dife- rencia da molécula de DNA somente pela presença de uma hidroxila no carbono C2. As bases nitrogenadas, por sua vez, podem ser purinas ou pirimidinas. No caso das purinas, as bases nitrogenadas são as mesmas encontradas na molécula de DNA: adenina (A) e guanina (G). Já as pirimidinas são representadas pela citosi- na (C) e pela uracila (U). Assim, as bases nitrogenadas presentes na ta de RNA se diferenciam das do DNA pela uracila (U), que é substituída pela timina (T). A Figura 2 mostra as diferenças entre as moléculas de DNA e RNA. Três tipos de RNA podem ser ob- servados: o RNA mensageiro (mRNA), o RNA ribossômico (rRNA) e o RNA transportador (tRNA). O RNA men- sageiro contém a informação genética para a produção de proteínas e o RNA ribossômico forma grande parte da massa do ribossomo, estrutura onde ocorre a síntese de proteínas. Já o RNA transportador é responsável por carrear o aminoácido especíco para o sítio de síntese proteica. O mecanismo de sínte- se proteica será descrito detalhadamente nos tópicos a seguir. A estrutura dos cromossomos Conforme foi descrito no artigo ante- rior, a cromatina, encontrada no núcleo das células, corresponde a um longo e fino filamento de DNA e é associada a várias proteínas. À medida que a célula sai da interfase e se prepara para a mi- tose, a cromatina torna-se altamente N Moléculas e Mecanismos na Informação Genética Camila Martins Kawakami, Lorena Rigo Gaspar Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - USP, Ribeirão Preto SP, Brasil Felipe Canto de Souza Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, Ribeirão Preto SP, Brasil Neste artigo, são revisadas as estruturas e propriedades das moléculas que compõem o núcleo celular e, posteriormente, são discutidos os mecanismos envolvidos na transmissão da informação genética, tais como divisão celular, duplicação do DNA e síntese de proteínas, e, ainda métodos para avaliação de danos no DNA. En este artículo, se revisarán estructuras y propiedades de las moléculas que componen el núcleo celular y luego se discuten los mecanismos involucrados en la transmisión de información genética, como la división celular, la duplicación de ADN y la síntesis de proteínas, así como métodos para evaluar el daño del ADN. In this article the structures and properties of cell nucleus are reviewed and, then the mechanisms involved in the transmission of genetic information, such as cell division, DNA duplication and protein synthesis are discussed, and methods for assessing DNA damage, are discussed BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR

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    o artigo anterior desta série,3 foi apresentada uma introdução à bio-logia celular abrangendo a estrutu-

    ra e a organização da célula. Neste artigo, primeiramente serão revisadas as estrutu-ras e as propriedades das moléculas que compõem o núcleo celular e depois serão discutidos os mecanismos envolvidos na transmissão da informação genética, como divisão celular, duplicação do DNA e sín-tese de proteínas, além de métodos para a avaliação de danos no DNA.

    Estrutura dos Ácidos Nucleicos A molécula de DNA

    O ácido desoxirribonucleico (DNA), uma molécula presente no núcleo das células, é responsável por armazenar e transmitir a informação genética de um organismo. É composto de uma molécula de açúcar, uma base nitrogenada e uma molécula de fosfato.

    A molécula de açúcar é formada por cinco carbonos, uma pentose denominada desoxirribose. Já as bases nitrogenadas são constituídas por um ou dois anéis contendo nitrogênio e classiÞ cadas em dois grupos: as purinas, representadas pela adenina

    (A) e pela guanina (G), e as pirimidinas, representadas pela citosina (C) e pela timina (T).

    De acordo com o modelo descrito por James Watson e Francis Crick, em 1953, a molécula de DNA é composta de duas cadeias de polinucleotídeos que se torcem para formar uma dupla-hélice. As duas cadeias principais de açúcar e fosfato estão projetadas para a parte externa dessa hélice, e as bases nitrogenadas estão proje-tadas para o interior da hélice. As Þ tas são mantidas unidas pela formação de pares de bases entre elas, por meio da formação de pontes de hidrogênio. O pareamento ocorre sempre entre as bases complemen-tares purina e pirimidina; dessa forma, a adenina (A) é pareada com a timina (T) e a guanina (G) é pareada com a citosina (C) (Figura 1).

    Ao se observarem as duas extremida-des livres de uma cadeia de polinucleo-tídeos (Figura 1), veriÞ ca-se que, de um lado, tem-se um grupo fosfato ligado ao carbono 5’ e, de outro, tem-se um grupo hidroxila ligado ao carbono 3’. A orienta-ção das duas Þ tas é antiparalela, ou seja, uma cadeia apresenta a direção 5’ 3’ e a outra o sentido 3’ 5.

    A molécula de RNA

    O ácido ribonucleico (RNA), ao contrário da molécula de DNA, é formado por um único Þ lamento de polinucleotídeos. A molécula de açúcar é constituída por uma pentose, denominada ribose, que se dife-rencia da molécula de DNA somente pela presença de uma hidroxila no carbono C2. As bases nitrogenadas, por sua vez, podem ser purinas ou pirimidinas. No caso das purinas, as bases nitrogenadas são as mesmas encontradas na molécula de DNA: adenina (A) e guanina (G). Já as pirimidinas são representadas pela citosi-na (C) e pela uracila (U). Assim, as bases nitrogenadas presentes na Þ ta de RNA se diferenciam das do DNA pela uracila (U), que é substituída pela timina (T). A Figura 2 mostra as diferenças entre as moléculas de DNA e RNA.

    Três tipos de RNA podem ser ob-servados: o RNA mensageiro (mRNA), o RNA ribossômico (rRNA) e o RNA transportador (tRNA). O RNA men-sageiro contém a informação genética para a produção de proteínas e o RNA ribossômico forma grande parte da massa do ribossomo, estrutura onde ocorre a síntese de proteínas. Já o RNA transportador é responsável por carrear o aminoácido especíÞ co para o sítio de síntese proteica. O mecanismo de sínte-se proteica será descrito detalhadamente nos tópicos a seguir.

    A estrutura dos cromossomos

    Conforme foi descrito no artigo ante-rior, a cromatina, encontrada no núcleo das células, corresponde a um longo e fino filamento de DNA e é associada a várias proteínas. À medida que a célula sai da interfase e se prepara para a mi-tose, a cromatina torna-se altamente

    N

    Moléculas e Mecanismos

    na Informação Genética Camila Martins Kawakami, Lorena Rigo GasparFaculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - USP, Ribeirão Preto SP, Brasil

    Felipe Canto de Souza Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, Ribeirão Preto SP, Brasil

    Neste artigo, são revisadas as estruturas e propriedades das moléculas que compõem o núcleo celular e, posteriormente, são discutidos os mecanismos envolvidos na transmissão da informação genética, tais como divisão celular, duplicação do DNA e síntese de proteínas, e, ainda métodos para avaliação de danos no DNA.

    En este artículo, se revisarán estructuras y propiedades de las moléculas que componen el núcleo celular y luego se discuten los mecanismos involucrados en la transmisión de información genética, como la división celular, la duplicación de ADN y la síntesis de proteínas, así como métodos para evaluar el daño del ADN.

    In this article the structures and properties of cell nucleus are reviewed and, then the mechanisms involved in the transmission of genetic information, such as cell division, DNA duplication and protein synthesis are discussed, and methods for assessing DNA damage, are discussed

    BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR

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    enovelada e compactada, formando a estrutura do cromos-somo (Figura 3).

    Os cromossomos são formados por duas regiões longitu-dinais idênticas, denominadas cromátides, as quais são unidas em uma região de constrição primária denominada centrômero. Nesse local localiza-se o cinetócoro, um complexo proteico que garante a ligação das cromátides-irmãs ao fuso mitótico, permitindo que elas sejam separadas durante as fases Þ nais da divisão celular.

    Os cromossomos carregam os genes, as unidades funcio-nais da hereditariedade. Eles são deÞ nidos como segmentos especíÞ cos da molécula de DNA que codiÞ cam a síntese de proteínas.

    O Ciclo Celular O ciclo celular compreende uma sequência de eventos con-

    trolados que envolve a replicação do DNA e posterior divisão celular, gerando duas células-Þ lhas geneticamente idênticas. A divisão celular e a geração de novas células são eventos fundamentais para a manutenção de diversos processos, como desenvolvimento embrionário, crescimento do organismo e renovação tecidual. A duração do ciclo celular varia conforme o tipo de célula: Þ broblastos em cultura apresentam duração de 20 horas, já as células do fígado levam cerca de um ano para completar o ciclo.

    Esse processo deve ser controlado por mecanismos de vigi-lância denominados pontos de veriÞ cação, os quais regulam a progressão das fases e impedem o início dos eventos subsequen-tes até que o processo anterior seja Þ nalizado. Os mecanismos de controle envolvem a suspensão do ciclo celular, a ativação de vias de reparo e a apoptose. Mutações ou alterações no funcio-namento normal desses pontos de veriÞ cação podem contribuir para a proliferação descontrolada das células e para a formação de tumores, por exemplo. Os três pontos principais de veriÞ cação do ciclo celular serão descritos a seguir.

    Figura 1. Estrutura dupla-hélice do DNA

    Fonte: www.brasilescola.uol.br

    Grupo

    fosfato

    Cadeia principal

    açúcar-fosfato

    Ligações

    de

    hidrogênio

    Bases nitrogenadas

    complementares

    Figura 2. Diferenças entre as estruturas do DNA e do RNA

    Fonte: www.todamateria.com.br.

    Citosina Citosina

    Guanina Guanina

    Adenina Adenina

    Timina

    Bases

    nitrogenadasDNA RNA

    Bases

    nitrogenadas

    Substitui a timina no RNA

    Uracila

    Figura 3. Estrutura dos cromossomos

    Fonte: salabioquimica.blogspot.com.

    Proteína

    histona

    Cromátides-

    irmãs

    Centrômero

    Condensação

    CROMOSSOMO

    CROMATINA

    DNA

    Figura 4. Representação esquemática do ciclo celular e suas etapas

    Fonte: brasilescola.uol.com.br.

    Separação das

    cromátides-irmãs

    Divisão do citoplasma

    Ciclo

    celular

    Preparação

    para a mitose

    Duplicação dos

    cromossomos

    Crescimento

    G0

    G0

    MitoseCitocinese

    G1

    S

    G2

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    Como é ilustrado na Figura 4, o ciclo celular pode ser dividido em quatro fases: fase G1, fase S e fase G2, as quais compreendem a interfase e a fase M, que compreende a mitose.

    Interfase

    A fase G1 (“Gap 1”) representa um intervalo após a mitose durante o qual as células acumulam o material necessário para a duplicação do DNA, realizam a síntese de RNA e proteínas, e aumentam de tamanho.

    Na fase S ocorre a duplicação dos cromossomos, sendo que a progressão para essa fase só é possível após a veriÞ cação da integridade do DNA (primeiro ponto de veriÞ cação).

    Já a fase G2 (“Gap 2”) representa um intervalo após a replicação dos cromossomos durante o qual as células armaze-nam material e se prepararam para a divisão celular. Nessa fase, a célula também veriÞ ca a integridade do DNA recém-sintetizado antes de realizar a divisão celular (segundo ponto de veriÞ cação) (Figura 4).

    Mitose

    Após o período de crescimento celular e preparação para a di-visão, que ocorre durante a interfase, as células entram na fase M (mitose). A mitose é um processo de divisão celular pelo qual a célula-mãe dá origem a duas células-Þ lhas que têm o mesmo número de cromossomos da célula que as originou. Apesar de ser um processo contínuo, pode ser dividido didaticamente em quatro etapas, denominadas: prófase, metáfase, anáfase e teló-fase, que serão descritas a seguir.

    A prófase caracteriza-se pela condensação gradual dos cro-mossomos e pelo início da migração dos centríolos para os polos da célula. Para a realização desse movimento de migração há a participação das Þ bras do fuso, um pacote de microtúbulos que se ligam aos cromossomos por meio do centrômero. Nessa fase também ocorre o desaparecimento do nucléolo.

    Na metáfase, os cromossomos atingem um estado máximo de condensação. Nessa etapa, eles estão alinhados na região equatorial da célula por meio da ligação com o fuso mitótico, formando a denominada placa equatorial. O alinhamento cor-reto dos cromossomos e das cromátides-irmãs é extremamente importante para a correta distribuição do material genético para

    as células-Þ lhas. Esse é também o momento em que os cromos-somos se tornam realmente visíveis ao microscópio óptico. Além disso, nessa fase não são mais observados o envoltório nuclear e o nucléolo.

    Na anáfase, ocorre a separação das cromátides-irmãs que formam cada cromossomo e elas são lentamente tracionadas pelas Þ bras do fuso em direção aos polos da célula. A transição entre a metáfase e anáfase só é possível após o terceiro ponto de veriÞ cação.

    Na próxima etapa, a telófase, os cromossomos se descon-densam e ocorre a reorganização do envoltório nuclear. A última fase da divisão celular, denominada citocinese, é caracterizada pela formação de um anel contrátil de actina, o que ocasiona a separação total do citoplasma em duas células-Þ lhas. Assim, se todo o processo de divisão celular ocorrer corretamente, duas células-Þ lhas geneticamente idênticas são formadas (Figura 5).

    A meiose é um tipo de divisão celular que ocorre somente em células germinativas, ou seja, é responsável pela formação dos gametas (óvulos e espermatozoides). Nesse processo, uma única célula-mãe dá origem a quatro células-Þ lhas. Apesar de ser importante no processo de fecundação e para garantir a variabi-lidade genética das espécies, esse processo não será abordado com detalhes no presente artigo.

    Replicação/Duplicação do DNA Todos os organismos duplicam seu DNA com extrema

    precisão antes de cada divisão celular, ou seja, antes de a célula produzir duas células-Þ lhas geneticamente iguais. O sinal para o início da duplicação é dado por meio de proteínas ativadoras na fase de síntese (fase S). Ao término dessa fase, cada cromossomo foi replicado e produziu duas cópias completas, que permanecem unidas pelo centrômero até a mitose.

    Durante a replicação, cada uma das duas Þ tas originais atua como um molde para a formação de uma Þ ta inteiramente nova. Como as duas moléculas-Þ lhas resultantes contêm uma Þ ta de DNA original e uma Þ ta recém-sintetizada, a replicação é dita como “semiconservativa”.

    A replicação do DNA geralmente começa em sequências denominadas “origens de replicação”. As proteínas que iniciam a

    Figura 5. Os estágios da mitose: prófase, metáfase, anáfase e telófase

    Fonte: faqbio.blogspot.com

    Final da interfase Prófase Metáfase Anáfase

    Telófase

    2n=4

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    replicação se ligam a sequências de DNA na origem da replicação e catalisam a formação de “forquilhas de replicação”. À medida que a replicação avança, as forquilhas vão se afastando da origem, por um mecanismo bidirecional, até que seja completada toda a replicação do DNA. Dessa forma, elas tornam o processo mais rápido, permitindo que o DNA seja replicado em vários pontos ao mesmo tempo (Figura 6).

    Para que a Þ ta original de DNA atue como molde durante a replicação, as duas Þ tas pareadas devem ser primeiramente separadas. Essa abertura na dupla-hélice é realizada por enzimas denominadas helicases, as quais promovem o rompimento das pontes de hidrogênio que unem as cadeias do DNA original. À medida que esse processo ocorre, uma enzima denominada DNA-polimerase catalisa a adição de nucleotídeos a cada Þ ta--Þ lha crescente na direção 5’ 3’, sempre obedecendo o parea-mento: adenina (A) com timina (T) e citosina (C) com guanina (G). Esse processo contínuo ocorre para a construção da cadeia líder, conforme pode ser observado na Figura 6.

    Para garantir que a síntese ocorra sempre na direção 5’ 3’, a formação da cadeia atrasada ocorre de forma descontínua por meio da formação de pequenos fragmentos, denominados frag-mentos de Okazaki. A enzima responsável por unir os fragmentos de Okazaki é denominada ligase (Figura 6).

    A molécula de DNA está sujeita a erros durante o processo de replicação e pode sofrer a ação de agentes físicos e químicos. Os raios cósmicos e outras radiações com muita energia podem causar lesões diretas na molécula do DNA, como modiÞ cações nas bases ou quebras da Þ ta dupla. A radiação ultravioleta, por exemplo, pode causar alterações como a formação de dímeros de ciclobutano pirimidinas (CPD) e fotoproduto (6-4)- pirimi-dina-pirimidona (6-4 PPs).

    A maioria dessas alterações é temporária, uma vez que é ime-diatamente corrigida por um conjunto de processos denominados reparo do DNA. Caso contrário, essas alterações poderiam causar distorções estruturais no DNA, interferindo em mecanismos ce-lulares constitutivos, como replicação e transcrição, ameaçando a viabilidade e a integridade funcional das células.

    Síntese de ProteínasProteínas são sequências de aminoácidos unidos a partir de

    ligações peptídicas, formando estruturas enoveladas e comple-xas que têm diversas funções, como receptores de membrana, estruturais, enzimas, transmissores de sinais, transporte e defesa.

    A síntese proteica é fundamental para o funcionamento e o metabolismo dos organismos. Nesse processo, os genes pre-

    sentes no DNA são transcritos em mRNA e este, por sua vez, é traduzido em proteínas. Essa atividade é dependente de diversos catalizadores enzimáticos, que promovem desde a abertura da dupla hélice do DNA e a polimerização dos nucleotídeos da Þ ta de RNA complementar até o pareamento de bases do RNA mensageiro (mRNA) com seu respectivo RNA transportador (tRNA), seguido da disposição da sequência de aminoácidos na formação da cadeia polipeptídica (Figura 7).

    Durante o processo de transcrição no núcleo, a dupla Þ ta de DNA, utilizada como molde, se abre e, pela ação da RNA polimerase e de outras enzimas, são gerados todos os tipos de RNA: RNA mensageiro (mRNA), RNA ribossômico (rRNA), RNA transportador (tRNA), microRNA (miRNA) e long non coding RNA (lncRNA). A sequência de bases do RNA é deter-minada pela sequência de bases do DNA. Dessa forma, a guanina (G) do DNA será pareada com a citosina (C) do RNA e a adenina (A) do DNA será pareada com a uracila (U) no RNA.

    A tradução do mRNA em proteína ocorre no citoplasma em um grande arranjo ribonucleoproteico denominado ribossomo. Os aminoácidos utilizados na síntese de proteínas são transporta-dos por meio de um tRNA, que reconhece por interações de com-plementaridade de bases, uma sequência de três nucleotídeos no mRNA denominada códon. O início da tradução ocorre quando a subunidade menor do ribossomo se associa ao mRNA em um códon de iniciação complementar (AUG) e é reconhecida pelo tRNA, dando início, assim, à formação dos polipetídeos. A ati-vidade ribossomal é concluída quando o rRNA identiÞ ca códons de terminação (UAA, UAG ou UGA) do mRNA, Þ nalizando assim a síntese da proteína, que, consequentemente, vai sofrer modiÞ cações conformacionais até sua forma estrutural ativa.

    A técnica provavelmente mais utilizada na área de biologia molecular para a avaliação da expressão gênica é a reação em ca-deia da polimerase (PCR). Essa técnica tem inúmeras aplicações e consiste, basicamente, na ampliÞ cação de genes de interesse por meio de ciclos térmicos que envolvem desnaturação, anela-mento e polimerização. Já a técnica de Western Blotting é muito utilizada na análise de proteínas cuja separação ocorre por peso molecular por meio de uma eletroforese seguida da transferência para uma membrana e da detecção com um anticorpo especíÞ co.

    Figura 6. Representação esquemática da replicação do DNA

    Fonte: www.infoescola.com.

    DNA polimerase

    DNA original

    Topoisomerase

    Cadeia

    atrasada

    3’

    3’

    3’

    5’

    5’

    5’

    Fagmento de

    OkazakiRNA

    iniciador Helicase

    Primase

    Cadeia líder

    Figura 7. Representação esquemática da síntese proteica

    Fonte: www.4.bp.blogspot.com.

    AminoácidoCadeia

    polipeptídica

    (proteína)

    Anticódon

    RNA

    RNAm

    Códon

  • 18/Cosmetics & Toiletries (Brasil) www.cosmeticsonline.com.br Vol. 32, mar-abr 2020

    Ensaios para Avaliar Danos no DNAAtualmente, diversas técnicas estão disponíveis para a

    avaliação dos danos no DNA, sendo que os ensaios do cometa e do micronúcleo são amplamente utilizados, uma vez que se destacam pela sua alta sensibilidade e pelo seu baixo custo.

    O ensaio do cometa é um teste de toxicologia genética utilizado para a avaliação da quebra da Þ ta de DNA. Nesse ensaio, que envolve a técnica de eletroforese alcalina em gel, os segmentos de DNA livres resultantes das quebras migrarão em direção ao ânodo, para longe do núcleo que apresenta DNA íntegro, o que resulta em células com aspecto de cometa. Já as cé lulas que apresentam um nú cleo redondo sã o identiÞ cadas como normais, sem dano detectá vel no DNA. Assim, a extensão e a quantidade de DNA na cauda do cometa reß etem a inten-sidade do dano de um composto, sendo que, quanto maior for a cauda, maior será o dano no material genético. As lesões no DNA também podem ser eliminadas pelo sistema de reparo, podendo ou não ser Þ xadas no DNA e transmitidas às células--Þ lhas (Figura 8).7,8

    O ensaio do cometa reconhecido pela OECD (TG 487)6 avalia o potencial genotóxico de um composto, ou seja, a sua capacidade de alterar ou daniÞ car a estrutura do DNA, e deve ser associado a outros ensaios que avaliem a capacidade dos compostos de provocar mutações em cromossomos, como o teste de micronúcleo (OECD TG 487)5 e o teste de Ames (mutaç ã o reversa empregando a Salmonella typhimurium).1,4 O

    micronúcleo é resultado da fragmentação de cromossomos ou de cromossomos inteiros que foram perdidos durante a divisão nu-clear e que, por isso, foram excluídos do núcleo principal (Figura 8).2 Já o teste de Ames prediz o potencial mutagênico e detecta mutaç õ es gê nicas causadas, por exemplo, por substituiç õ es, adiç õ es ou deleç õ es de bases nitrogenadas.

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    Felipe Canto de Souza é farmacêutico pela Universidade Estadual de Londrina e Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão

    Preto - USP. É doutorando em Genética, pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP, Ribeirão Preto SPCamila Martins Kawakami é farmacêutica formada pela Universidade Es-tadual de Londrina (UEL), mestre e doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCF-RP). Realizou doutorado sanduíche na Freie Universitat Berlin, Alemanha. Lorena Gaspar é farmacêutica, com mestrado e doutorado pela Universi-dade de São Paulo e estágio de pós-doutorado no ZEBET (National Centre for Documentation and Evaluation of Alternative Methods to Animal Ex-periments), em Berlim, Alemanha. É professora associada de Cosmetologia na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - USP.

    Figura 8. Representação de um cometa (A) e de um micronúcleo em uma célula binucleada (B)

    Fonte: www.lookfordiagnosis.com.

    (A)

    (B)

    Direção da migração

    - +

    Comprimento da cauda e

    percentual de DNA na caudaComprimento da

    cabeça