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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL
Disciplina: SEMINÁRIOS APLICADOS
BIOMECÂNICA DA PAREDE ABDOMINAL
Marilene Jaime de Andrade
Orientadora: Neusa Margarida Paulo
GOIÂNIA
2013
MARILENE JAIME DE ANDRADE
BIOMECÂNICA DA PAREDE ABDOMINAL
Seminário apresentado junto à Disciplina
Seminários Aplicados do Programa de Pós-
Graduação em Ciência Animal da Escola de
Veterinária da Universidade Federal de
Goiás
Nível: Mestrado
Área de Concentração:
Patologia, Clínica e Cirurgia
Linha de Pesquisa
Técnicas Cirúrgicas e Anestésicas, Patologia
Clínica Cirúrgica e Cirurgia Experimental
Orientadora:
Profa. Dra. Neusa Margarida Paulo - EVZ/UFG
Comitê de Orientação:
Prof. Dr. Renato Miranda de Melo - FM/UFG
Profa. Dra. Liliana Borges de Menezes Leite - IPTSP/UFG
GOIÂNIA
2013
ii
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - Anatomia da parede abdominal de um rato. (A) Abertura da bainha do reto abdominal para visualização das aponeuroses (B) Abertura do músculo reto abdominal permitindo visualização da musculatura profunda do abdome. 3
FIGURA 2 - Modelo anatômico da arquitetura das fibras colágenas na linha alba. 6
FIGURA 3 - Anisotropia das telas cirúrgicas. (A) Orientação longitudinal (B) Orientação transversal 10
iii
LISTA DE ABREVIAÇÕES
mmHg Milímetros de mercúrio
N/cm Newtons por centímetro
N/mm Newtons por milímetro
iv
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 1
2 REVISÃO DE LITERATURA 3
2.1 Anatomia da parede abdominal 3
2.2 Elasticidade da parede abdominal 4
2.3 Linha alba 5
2.4 Forças que atuam na parede abdominal 6
2.4.1 Princípio de Pascal 6
2.4.2 Lei de LaPlace 7
2.5 Anisotropia da linha alba 7
2.6 Biomecânica dos materiais protésicos 8
2.6.1 Elasticidade e força tensil 8
2.6.2 Anisotropia 9
2.7 Formação do tecido cicatricial 10
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 12
Referências 13
v
1 INTRODUÇÃO
Das inúmeras enfermidades que afligem os homens e os animais, as
hérnias de parede abdominal são conhecidas desde a antiguidade. Vários são os
esforços empregados para a correção desses defeitos. A descoberta de materiais
plásticos (aloplásticos), que podem ser confeccionados em formas de telas,
assemelhando-se às fáscias da parede abdominal em relação ao suporte das
grandes pressões internas, foram um marco na evolução do tratamento desses
distúrbios.
O emprego cirúrgico desses aloplásticos está diretamente ligado à
redução nas taxas de recidivas das hérnias, quando comparado ao reparo
primário por meio de sutura, sendo assim é inconcebível a realização da
restauração da parede abdominal sem o uso desse tipo de material. Contudo, seu
uso trouxe novos problemas relacionado às reações indesejadas durante o
processo cicatricial, estando vinculado a vários relatos, por pacientes humanos,
de dor pós-operatória.
A alta incidência de hérnias incisionais após laparotomia mediana (1)
estão geralmente relacionadas a fixação e sobreposição insuficiente da prótese, a
alta pressão abdominal (2) e as alterações patológicas da musculatura oblíqua
interna (3) exemplificando a necessidade de se melhor compreender as
propriedades biomecânicas da parede abdominal no intuito de atingir melhores
resultados terapêuticos após a realização do procedimento acima citado (4).
Nos animais domésticos a incidência de hérnia incisional está bem
descrita para os equinos e atinge 18% dos animais, após celiotomia ventral,
podendo chegar a 25% caso ocorra necessidade de reintervenção (5, 6).
A abordagem cirúrgica para a correção das hérnias evoluiu do simples
reparo primário, com fechamento por meio de suturas, para o reparo livre de
tensão com o uso de materiais protésicos. Para implantação desses materiais são
empregadas técnicas de reparo aberto, que diferenciam-se entre si pelo
posicionamento da tela na cavidade abdominal. Devido às complicações pós-
operatórias decorrentes dessas técnicas, passou-se a empregar uma nova
abordagem, a laparoscópica com posicionamento intraperitonial da prótese (7).
O conhecimento das complexas propriedades mecânicas da parede
abdominal é necessário para o design, desenvolvimento e manufatura de
implantes adequados para darem suporte a parede abdominal no reparo das
hérnias (8). Para a realização do reparo protésico das hérnias, as propriedades
mecânicas das telas cirúrgicas devem corresponder com as propriedades
mecânicas da fáscia reparada. A imcompatibilidade das propriedades mecânicas
podem resultar em deformação da prótese, redução da complacência da parede
abdominal e recorrência da herniação nas bordas das telas (9).
Com essa revisão objetiva-se descrever as forças biomecânicas que
atuam na parede abdominal relacionando-as com a biomecânica das telas
cirúrgicas e sua influência na cicatrização da parede abdominal.
2
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Anatomia da parede abdominal
A parede abdominal é um complexo sistema que engloba a cavidade
abdominal que é composta pela cavidade peritonial, retroperitonial, subperitonial
bem como os espaços extraperitoniais. Se extende do assoalho pélvico até o
diafragma (4).
A parede abdominal possui uma estrutura laminar que integra quatro
pares de músculos com diferentes direções de fibras tendíneas e musculares (9,
10). Essa estrutura laminar é composta centralmente pelo músculo reto do
abdome e lateralmente por três grupos musculares: O músculo oblíquo externo, o
músculo oblíquo interno e o músculo transverso. A linha alba é a confluência
central das aponeuroses desses músculos (11) e possui uma função significativa
na estabilização da parede abdominal (12) (Figura 1).
A musculatura da parede abdominal restringe o conteúdo da cavidade
abdominal em todas as direções. Estes músculos trabalham em conjunto
exercendo pressões antagônicas e sinérgicas em todas as funções exercidas por
essa estrutura (4).
FIGURA 1 - Anatomia da parede abdominal de um rato. (A) Abertura da bainha do reto abdominal para visualização das aponeuroses (B) Abertura do músculo reto abdominal permitindo visualização da musculatura profunda do abdome.Fonte: ANUROV et al., 2012
surgical mesh should provide mechanical strength of the
reinforced fascia, not limiting its elasticity.In recent years, many authors noted an increase in the
rate of recurrence after hernia repair using synthetic
implants. Analyzing the reasons for this observation, theypoint out that, in nearly all cases, recurrent herniation
occurs at the edges of meshes [4]; therefore, it is the
result of shrinkage, which may reach 30–40% of themesh size [5], and insufficient defect overlap [6, 7]. This
explanation can be considered to be proven only forheavyweight meshes, which induce fibrotic scar tissue
formation and contraction of the mesh structure. But in
relation to lightweight constructions, it seems to bedoubtful. These meshes have large pores and low density
and, therefore, they should not cause apparent inflam-
matory and fibrotic reaction. We suppose that the reasonfor these complications is that lightweight meshes are
implanted without consideration of their anisotropic
properties and directions of the effecting loads. Hap-hazard orientation of the meshes results in their defor-
mation, which can lead to the onset of margin hernia. If
we select the anisotropic structure of the surgical implantaccording to the mechanical properties of the fascia
being replaced in hernia repair, the mesh will not only
efficiently withstand lateral loads, which influence it, butwill retain high mobility of the anterior abdominal wall
in the vertical direction. Furthermore, shear stress will be
minimized and better conditions will be created for meshintegration and reinforced fascia recovery.
The aim of the current study was to evaluate the impact
of anisotropic lightweight surgical mesh positioning (lon-gitudinal vs. transversal) on the effectiveness of middle
hernia defect repair and on the biomechanical properties of
the reconstructed abdominal wall after long-term(6 months) implantation in a rat model.
Materials and methods
Animal subjects
A total of 18 adult male Wistar rats of weight 450–510 gwere used in this study. Animals were housed in our
institution’s animal facility. All operations were performed
in accordance with the protocol approved by the Institu-tional Animal Care and Use Committee at the Russian
State Medical University. All animals were allowed to
acclimate for at least 2 weeks before surgery. The animalswere given rat chow and water ad libitum during the
acclimation period and throughout the remainder of the
study period. The animals were randomly divided intothree groups. The mechanical properties of fascial layers
were evaluated in intact rats (n = 6); hernia defect was
created and then repaired by meshes implanted across(DLH group, n = 6) and along (DLV group, n = 6) the
midline.
Separation of anterior and posterior sheath layers
of the rectus abdominis muscle of a rat to determine
their mechanical properties
After euthanasia, the skin of six rats was incised along the
midline, and it was separated together with subcutaneousfat tissue from the muscles and fascias in both sides. Then,
the external oblique muscle (EO) was dissected away fromthe external edge of the anterior layer (Fig. 1a). Next, the
sheath of the rectus abdominis muscle (RA) was opened in
the area of division of aponeurosis of the internal obliquemuscle (IO) into anterior and posterior fascial layers. By
blunt and sharp dissection, the anterior layer was separated
from the RA, and after that, the RA was separated from theposterior layer mainly by blunt dissection (Fig. 1b). In a
Fig. 1 Separation of rectus sheath layers. a External oblique muscleis cut from the lateral edge of the anterior layer and taken aside.b Rectus abdominis, separated from the anterior and posterior layers,
is cut and taken upwards. The main fascial structures and four pairedmuscles are seen
200 Hernia (2012) 16:199–210
123
3
2.2 Elasticidade da parede abdominal
A capacidade física e consequentemente, a qualidade de vida dos
pacientes é fundamentalmente afetada pela integridade da parede abdominal. A
dinâmica da parede abdominal é o resultado de complexas interações entre
ossos, músculos e fáscias, incapazes de ficarem imóveis, mesmo que por um
curto período de tempo (13). A excessão do tecido adiposo (2) as camadas da
parede abdominal não se movimentam separadamente, elas apenas apresentam
alterações em suas espessuras. Portanto, os músculos da parede abdominal se
contraem como um único bloco (10), movimentando todo o compartimento (2).
Rath et al. (14) determinaram os valores da deformidade de extensão
da bainha do músculo reto abdominal e encontraram valores razoavelmente
constantes em todos os níveis da bainha. A deformidade média da camada
anterior acima da linha arqueada foi de aproximadamente 26% e abaixo foi de
aproximadamente 36%. Para a camada posterior foi de 36% acima do umbigo e
de 31% entre o umbigo e a linha arqueada. No entanto, a resistência a tração foi
maior na porção posterior que na porção anterior da linha arqueada. Esses
resultados foram confirmados por Hollinsky & Sandberg (15) comprovando uma
maior estabilidade da bainha anterior nas direções horizontal e vertical quando
comparada a porção posterior da bainha do músculo reto abdominal.
Ao avaliarem a elasticidade de toda a parede abdominal humana,
Junge et al. (13) determinaram que o eixo longitudinal é duas vezes mais flexível
que o eixo transverso. Em seu eixo longitudinal foram encontrados valores de
médios de distensão de 23% para as amostras da parede abdominal do sexo
masculino e 32% para as amostras do sexo feminino, e no eixo transverso as
médias foram de 15% para grupo masculino e de 17% para o grupo feminino.
A elasticidade reduzida da parede abdominal dos indivíduos do sexo
masculino pode ser a justificativa para para que esse gênero apresente maiores
taxas de incidência de hérnia incisional (16).
Smietanski et al. (2) concluíram que a elasticidade da parede
abdominal não é resultado da construção morfológica dos tecidos. Em seus
estudos eles reconheceram que a construção dos tecidos são resultado da
necessidade de movimento da parede abdominal in vivo e que a distância de
4
extensão entre os pontos medidos, na parede abdominal, podem ultrapassar
100% em algumas direções, exigindo que o biomaterial implantado se estenda
duas vezes em seu comprimento, o que é impossível devido às suas
propriedades mecânicas.
2.3 Linha alba
A anatomia da parede abdominal desempenha um papel importante na
cirurgia por ser a via por onde se acessa a cavidade peritonial. A parede
abdominal é constituída por uma parte muscular e outra colágena (12, 17).
A parte colágena da parede abdominal é composta pela linha alba e pelas
bainhas do músculo reto abdominal, desempenhando um papel importante na
estabilização mecânica desse sistema (17) e, qualquer alteração nesse equilíbrio
pode levar a formação de uma hérnia. A linha alba é formada pelas fibras
tendíneas dos músculos abdominais. A arquitetura padrão das fibras colágenas da
linha alba apresentam a mesma orientação das fibras musculares da parede
abdominal ventrolateral e são: Transversas, oblíqua I (da direita pra esquerda) e
oblíqua II (da esquerda para direita). Na linha alba as diferentes zonas de
orientação das fibras colágenas seguem-se da porção ventral para a dorsal (12,
17) como ilustrado pela Figura 2 onde:
1. Camada de fibras oblíquas composta de quatro a seis camadas de fibras
oblíquas intercaladas
2. Camada de fibras transversas formada por quatro a seis camadas de feixes de
fibrilas transversas
3. Lamina de fibras irregulares que consiste de duas camadas de pequenas fibras
oblíquas irregulares
Entre o processo xifóide e a sínfise púbica, no curso da linha alba, pode-se
distinguir diferentes regiões: A supraumbilical, a umbilical, a zona de transição e a
infra-arqueada, no entanto a estrutura geral das fibras colágenas são as mesmas
para as quatro áreas (17).
5
FIGURA 2 - Modelo anatômico da arquitetura das fibras colágenas na linha alba.
Fonte: Grassel et al., 2005.
2.4 Forças que atuam na parede abdominal
2.4.1 Princípio de Pascal
O princípio de Pascal para forças hidrostáticas determina que qualquer
alteração de pressão aplicada a um liquido em equilíbrio, contido em um
recipiente, é transmitida integralmente por todos os pontos do liquido e paredes
do recipiente. De acordo com esse princípio, toda pressão gerada internamente
na cavidade abdominal é transmitida igualmente para as paredes dessa cavidade.
Em resposta a essa pressão aumentada a musculatura da parede abdominal irá
se contrair gerando uma contrapressão. Quando as pressões geradas
internamente superam a contrapressão gerada pela parede abdominal essa irá se
romper em seu ponto mais fraco gerando uma hérnia (18).
ward). In linea alba the following three different zonesof fiber orientation follow each other from ventral todorsal (Fig. 1):
1. The oblique fiber layer consists of interminglingoblique fibers (in average four to six layers of fibers).
2. The transverse fiber layer contains mainly trans-verse fibril bundles (in average four to six layers offibers).
3. An inconstant, small irregular fiber layer is com-posed of one to two layers of oblique fibers.
Moreover, gender differences were demonstrated inthe relation of oblique and transverse fibers [3]. Alarger amount of transverse fibers relative to theoblique fibers was found in females than in males (60%versus 37.5%).
Different regions can be distinguished in the cranio-caudal course of the linea alba: supraumbilical part,umbilical part, transition zone, and infraarcuate part,but the general structure of fibers is the same in allfour regions.
This model of fiber architecture is in contrast withfindings proposed by Askar [4] and Rizk [5] describingsix aponeurotic layers in linea alba, which all were
oblique and crossed the midline. Thus the linea albawas considered as a line of decussation of fibers. Twopatterns of decussation were described: the single andtriple pattern of decussation.
The close relationship between morphology andfunction of collagenous tissue [6, 7] inspired us to re-investigate the linea alba from a biomechanical point ofview, this being most important in hernial sac forma-tion [8–10] and for the development of implantablemeshes for abdominal wall repair [11, 12].
The intention of the present study was (1) to deter-mine directional compliances of the linea alba and cor-relate the biomechanic anisotropy, and (2) to defineany sex differences in biomechanic anisotropy of thelinea alba.
MATERIALS AND METHODS
Preparation of the Specimen
Thirty-one fresh abdominal walls were derived from persons (15female, 16 male, age: 63 to 95 years) who donated their bodies foranatomical study. The abdominal walls were free of scars or anyother pathologies. Skin and subcutaneous tissue were sharply dis-sected. The rectus abdominis muscles were carefully removed fromthe rectus sheaths and linea alba without injuring the collagenstructure of the tissue. The remaining tissue, consisting of the rectussheaths and the linea alba, was cut transversely at the level of theumbilicus, to distinguish the supraumbilical from the infraumbilicalpart of the specimen.
Three strips were cut out of each part. The three single strips wereoriented in longitudinal, transverse, and oblique direction with re-spect to linea alba (Fig. 2) in randomly changing order. The lines ofintersection were angled by means of the eye. Concerning the obliqueones, we tried to follow the trend of the fibers if visible. Otherwise weapproximated angles between 40 and 50 degrees with respect to lineaalba. Specimens were not obtained in all directions from all donors.Parts of the linea alba had adhesions to the bowels which could notbe properly dissected, and others had holes. Those parts were deter-
FIG. 2. Orientation of the tissue strips in relation to the lineaalba.
FIG. 1. Anatomical model of collagen fiber architecture in thelinea alba. The architectural zones are described from ventral todorsal: (1) oblique fiber layer, (2) transverse fiber layer, and (3)irregular fiber layer.
119GRA!EL ET AL.: BIOMECHANICS OF LINEA ALBA
6
esquerda
direita
Por meio da medição, em seres humanos adultos, da pressão intra-
abdominal gerada durante a execução de atividades rotineiras como tossir e pular,
141 mmHg e 252 mmHg respectivamente, pode-se concluir que a força tensil
máxima da parede abdominal para suportar tais atividades varia de 11 N/cm a 27
N/cm (19).
2.4.2 Lei de LaPlace
De acordo com o princípio de Pascal, apesar da uniformidade da
pressão intra-abdominal, a tensão da parede abdominal pode variar. A lei de
LaPlace ilustra essa afirmativa estabelecendo que a tensão da parede é
diretamente proporcional ao raio do cilindro. A tensão da parede abdominal será
maior no ponto onde o raio é maior e parede mais delgada (18).
A Lei de LaPlace é descrita pela fórmula:
Onde:
T é a tensão da parede
P é a pressão do cilindro
R é o raio do cilindro
w é a espessura da parede
2.5 Anisotropia da linha alba
A anisotropia é a característica que um material possui em que uma
determinada propriedade física varia com a direção. A linha alba apresenta
anisotropia distinta em sua propriedade mecânica, com maior complacência na
direção longitudinal e menor complacência na direção transversal (12). Utilizando
a Lei de LaPlace, Junge et al. (13) demonstraram que o estresse fisiológico
suportado pela parede abominal não ultrapassa 16 N/cm. Aplicando essa mesma
lei, Forstemann et al. (8) determinaram que a linha alba é capaz de suportar
forças de tensão de valores próximos a 7,5 N/mm.
7
T = PR/2w
Ao se estudar as forças mecânicas da parede abdominal, um modelo
não linear deve ser adotado para se avaliar as propriedades anisotropicas da
linha alba (8). O gênero também deve ser considerado, ao se avaliar as regiões
da linha alba pois, em estudos anteriores, determinou-se a diferença na
complacência da linha alba entre os sexos masculino e feminino (20). Nos
indivíduos do sexo masculino 45% dos feixes das fibrilas colágenas na região
supraumbilical são transversas e 55% são oblíquas. Na região infraumbilical
37,5% das fibras são transversas enquanto 62,5% são oblíquas. Nos indivíduos
do sexo feminino 47,6% das fibras são transversas e 52,4% são oblíquas na parte
supraumbilical. Na região infraumbilical, 60,4% das fibras são transversas
enquanto 39,6% são oblíquas (12, 17). A quantidade de fibras transversais
determina maior rigidez da linha alba na direção transversal. A presença de maior
quantidade de fibras transversas na região infraumbilical das fêmeas pode ser
justificada pelas grandes pressões suportadas por essa região durante a
gestação, uma vez que o entrelaçado das linhas oblíquas sob tensão seria
forçado e se deformaria (12).
2.6 Biomecânica dos materiais protésicos
2.6.1 Elasticidade e força tensil
O material protésico deve suportar os estresses impostos à cavidade
abdominal preservando parte da flexibilidade do abdome. Uma deterioração na
força tensil ou um aumento, além do programado, na capacidade do material
protésico se estender, poderia acarretar em recorrência do defeito herniário ou um
pobre resultado funcional (21). No homem a elasticidade da parede abdominal a
32 N/cm é de 38% (22). Telas de alto peso molecular possuem elasticidade de 4%
a 15% a 16 N/cm enquanto as de baixo peso molecular possuem o dobro: 20% a
35% quando aplicada a mesma força de 16N/cm. Isso implica em menor
elasticidade das telas de alta gramatura, o que pode restringir a distensão
abdominal. Em contrapartida, as telas de baixa gramatura com mais de 30% de
elasticidade podem comprometer o reparo, resultando em recorrência da hérnia
por se distenderem mais que a cavidade abdominal (21).
8
As pressões intra-abdominais geradas em humanos adultos, saudáveis ocorrem
durante as ações de tossir e pular e são em média de 170 mmHg (18, 19, 21, 23).
As próteses fabricadas para o reparo de hérnias devem suportar, portanto, no
mínimo 180 mmHg antes de se romperem (23).
A força da tela está relacionada ao tipo de polímero, ao filamento do
material e ao tipo de confecção empregado (entrelaçada ou tricotada). Telas
tricotadas possuem poros maiores e são mais flexíveis e se estendem em
qualquer direção. As telas entrelaçadas são mais fortes e se estendem na direção
obliqua de seus fios. A orientação da tela é importante para o cirurgião, pois telas
com propriedade anisotrópica devem ser orientadas na direção do seu eixo mais
flexível (21).
Todas as telas fabricadas atualmente suportam as forças aplicadas
pela cavidade abdominal tanto de pressão quanto de elasticidade, portanto uma
falha no reparo de uma hérnia se deve muito mais a separação na interface tela-
fáscia, que por falha mecânica da prótese em si (22).
2.6.2 Anisotropia
A anisotropia é a característica que um material possui em que uma
determinada propriedade física varia com a direção. As telas cirúrgicas são
materiais anisotrópicos (Figura 3), pois suas propriedades mecânicas dependem
da disposição das suas fibras, portanto, quando esticadas a resposta variará e
será diferente dependendo da direção (24).
A parede abdominal exibe propriedades anisotrópicas sendo seu eixo
longitudinal aproximadamente duas vezes mais flexível que seu eixo transverso
(9, 13).
A perfeita combinação entre as propriedades mecânicas da parede
abdominal com as propriedades mecânicas do biomaterial implantado está
diretamente relacionada ao bom resultado a longo prazo do reparo cirúrgico da
parede abdominal (25).
Por definição o comportamento anisotrópico de uma tela cirúrgica é
diferente em suas direções, portanto, a orientação anisotrópica do material pode
interferir no comportamento mecânico pós-cirúrgico da parede abdominal (24).
9
FIGURA 3 - Anisotropia das telas cirúrgicas. (A) Orientação longitudinal (B) Orientação transversal
Fonte: SABERSKI et al., 2011
A anisotropia da tela cirúrgica interfere tanto no reestabelecimento
funcional da parede abdominal, quanto na qualidade do tecido conjuntivo formado
(9), portanto, para a promoção efetiva do reparo do defeito herniário, a fim de
reestabelecer as funções desempenhadas pela parede abdominal, as
propriedades mecânicas do biomaterial implantado devem corresponder aos eixos
longitudinal e transversal da fáscia reparada (25).
2.7 Formação do tecido cicatricial
A reação do organismo após a implantação de um biomaterial inclui a
lesão inicial, a interação sangue-material, formação de uma matriz provisória,
inflamação aguda, inflamação crônica, desenvolvimento do tecido de granulação,
reação de corpo estranho e formação de uma cápsula fibrosa (26).
A fibrose é uma reação que envolve uma complexa cascata de fatores
solúveis e células reguladas de maneira tempo-espaço dependente e ocorre em
torno de qualquer biomaterial implantado (27). O trauma cirúrgico induz a
formação do exudato de fibrina que promove a formação de aderências
temporárias até que o sistema fibrinolítico as absorva. A presença de um corpo
10
estranho, além da isquemia e inflamacão, reduz a fibrinólise e aumenta a
deposição de fibrina (28). A fibrose formada no sítio de implantação da tela
cirúrgica, promove a integração do material na parede do abdome, deve ser
branda (29). A fibrose formada no sítio de implantação do material protésico pode
acarretar em redução da complacência da parede abdominal (19).
Além da reação de corpo estranho a presença da tela na parede do
abdome interfere na composição do colágeno formado. Na formação do tecido
cicatricial normal, o colágeno do tipo III é rapidamente substituido pelo colágeno
do tipo I. A presença da tela retarda esse processo resultando em uma baixa taxa
de colágeno I:III reduzindo a estabilidade mecânica (22). Nos pacientes que
desenvolvem hérnias o metabolismo do colágeno é alterado na relação das taxas
de colágeno I:III com uma diminuição do colágeno tipo I, com degradação elevada
do colágeno (30). A qualidade do colágeno interfere na cicatrização (31) e não
está vinculada apenas ao material protésico (22).
O tecido cicatricial formado na linha alba, após laparotomia, apresenta
uma capacidade reduzida de aproximadamente 30% para suportar as forças
atribuídas a essa estrutura em todas as suas direções persistindo por várias
décadas após o procedimento cirúrgico. Nesse mesmo estudo, os autores
concluíram que o tecido cicatricial é instável para resistir aos estresses impostos à
parede abdominal e portanto, apresentam um elevado risco a formação de
herniações após laparotomia mediana (15).
11
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão da biomecânica e das forças que agem na parede
abdominal é importante para se produzir materiais protésicos que melhor
interajam com essas propriedades a fim de se reduzir o desconforto pós-
operatório dos pacientes submetidos à hernioplastia.
O conhecimento da orientação das fibras colágenas da linha alba deve
contribuir para melhorar a abordagem cirúrgica da cavidade abdominal reduzindo
a incidência de hérnias incisionais após a laparotomia mediana.
Em Medicina Veterinária pouco se sabe sobre as forças geradas pela
cavidade abdominal, assim, se faz necessário o desenvolvimento de pesquisas
para se compreender as propriedades mecânicas da parede abdominal, no intuito
de aprimorar o conhecimento acerca da formação dos defeitos herniários dos
animais domésticos, melhorando a abordagem cirúrgica, estimulando o uso de
material protésico, aprimorando a qualidade de vida e bem-estar dos animais
após a realização de intervenções cirúrgicas.
12
Referências
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