BIRMAN, J. . Jogando Com a Verdade- Uma Leitura de Foucault

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Jogando com a Verdade. Uma Leitura de Foucault PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 12(2):301-324, 2002 301 Jogando com a Verdade. Uma Leitura de Foucault  JOEL BIRMAN 1 RESUMO  Neste artigo propõe-se a leitura do pensamen to de Foucaul t a partir da categoria jogo de verdade, enunciada no final do seu percurso teórico. Para tal procura-se estabelecer as proximidades e diferenças entre esta categoria e a de jogos de linguagem, enunciada por Wittgenstein em “Investigações filosóficas”. Desta maneira Foucault procurou realizar sua crítica à tradição metafísica. Palavras-chave:  Jogos de verdade; jogos de linguagem; arqueologia; genealogia.

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    Jogando com a Verdade.Uma Leitura de Foucault

    JOEL BIRMAN1

    RESUMO

    Neste artigo prope-se a leitura do pensamento de Foucault a partir dacategoria jogo de verdade, enunciada no final do seu percurso terico. Paratal procura-se estabelecer as proximidades e diferenas entre esta categoriae a de jogos de linguagem, enunciada por Wittgenstein em Investigaesfilosficas. Desta maneira Foucault procurou realizar sua crtica tradiometafsica.

    Palavras-chave: Jogos de verdade; jogos de linguagem; arqueologia; genealogia.

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    Arquivos

    No obstante seu desaparecimento relativamente precoce, antes dossessenta anos de idade, Foucault nos legou uma obra imensa nas suas trsdcadas de produo intelectual quase incessante. Quase porque houveuma interrupo significativa (oito anos) na publicao de seus livros sobrea Histria da sexualidade. As edies do primeiro volume, em 1976 (Lavolont de savoir) e dos dois seguintes datam de 1984 (Lusage desplaisirs e Le souci de soi), pouco antes de sua morte prematura.

    O intervalo de relativo silncio foi bastante rico de reflexes tericas,certamente, no passando em brancas nuvens. Durante esse perodo, Foucaultinventou novos conceitos e forjou um outro recomeo para o seu projetofilosfico, denominado de esttica e de estilstica da existncia (Foucault,La volont de savoir, 1976), apresentado em inmeras conferncias e cursos,realizados na Frana e no estrangeiro.

    Antes disso, no entanto, a produo terica de Foucault foi marcada noapenas pela constncia notvel, considerando-se os desafios tericos que sepropunha a realizar em pequenos espaos de tempo, mas tambm pelaousadia das hipteses que formulou e desenvolveu ao longo de suas publi-caes. O que trazia a pblico era sempre polmico, seja pela originalidadede seu discurso terico, seja pelas reviravoltas surpreendentes que sempreprovocava no campo das concepes estabelecidas. Por isso mesmo, crioumodas intelectuais a partir do que enunciava e de como as formulava,inscrevendo-se no centro da cena intelectual durante toda a sua vida.

    Ao lado disso, foi um escritor de alto coturno, dotado de uma prosa naqual conjugava o rigor dos enunciados filosficos com a erudio do pesqui-sador de arquivos esquecidos na Biblioteca Nacional de Paris, alm de serpossuidor de um notvel talento literrio, por todos reconhecido. A beleza desuas pginas escritas era quase inigualvel no seu tempo e ainda hoje o .Foi indiscutivelmente um inovador brilhante, que nos apresentou uma outramaneira de conceber o que a filosofia e o seu lugar no mundo de hoje.A leitura de sua obra nos revela isso a todo momento, sendo sempre instigantepara provocar nossa capacidade de pensar e dizer, tal sua riqueza, fecundidadee vio.

    Como se ordena a obra em questo? Constitui-se de trs partes bemdelimitadas, no que se refere ordem discursiva e os arquivos que esto empauta, mas que se relacionam entre si de maneira evidente. Existem, inici-

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    almente, diversos livros sobre temas bem especficos, oriundos de pesquisaspontuais e bem definidas. Estas se centram em diferentes problemticas,sempre originais para a investigao filosfica de ento, tais como: a lou-cura2 a medicina (Foucault, Naissance de la clinique, 1963), o discurso3 ,o saber4 , o poder (Foucault, 1974) e a sexualidade5 .

    Ao lado disso, Foucault produziu um nmero gigantesco de artigos eensaios, publicados em revistas e como captulos de livros, que foram reu-nidos, aps a sua morte, em conjunto com suas conferncias, numa obraintitulada Ditos e escritos (Foucault, 1994). Finalmente, as transcries deseus cursos, no Collge de France, tm sido publicadas progressivamente,aps sua morte, contando j com alguns volumes6 .

    Parece clara a relao existente entre os diversos arquivos discursivos.As obras publicadas como livros, resultantes de pesquisas sistemticas ebastante concisas, eram o ponto de chegada triunfal do laboratrio deidias que Foucault cultivava de maneira experimental nos seus artigos,ensaios, conferncias e cursos. Nestes, Foucault era muito mais ousado, nasua liberdade de enunciar hipteses e possibilidades tericas outras de inter-pretao, do que nos seus livros, na medida em que aqui a exigncia dedemonstrao exaustiva se fazia de maneira bem mais patente. O rigorconceitual se imps como um imperativo, com limites relativos para a liber-dade enunciativa do pensamento, que se faz sempre presente no ensaio e nainterveno oral. Porm, a circularidade existente entre os diferentes arqui-vos bastante bvia, tanto pela natureza dos temas quanto pelas interpre-taes que orientam a leitura dessas problemticas, de maneira que no valemais a pena insistir sobre isso.

    Considerando ento os diversos arquivos discursivos como materialidadesenunciativas que so do pensamento terico de Foucault, a questo que seimpe agora como formular uma proposta inicial de leitura que seja capazde articular, na sua diversidade e diferena, a perspectiva filosfica deFoucault? Como puxar o fio que seja capaz de desenovelar o que existe desingularidade nessa brilhante produo terica? Qual seria a marca desse fiopara que se inscreva efetivamente no tecido da obra em pauta, de forma ano ser uma violentao desta?

    Vamos comear esta incurso formulando uma hiptese inicial de interpre-tao da obra de Foucault, que nos parece ser parte integrante dela e que nosacompanhar ao longo deste ensaio. Existem tambm outras propostas de leiturada obra, evidentemente, que sero evocadas de passagem. No entanto, a hip-tese inicial servir de fio condutor para ordenar esta exposio.

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    Atualidade e Finitude

    Em 1984, j no final de seu percurso, Foucault publicou um ensaio fun-damental para a compreenso de seu projeto filosfico. Sob o ttulo O que o Iluminismo (Foucault, Quest-ce que les Lumires?, 1984), Foucaultcomentou o clebre escrito de Kant sobre a filosofia iluminista e sobre ohorizonte que teria sido entreaberto pela modernidade. Kant articulava oiderio terico do Iluminismo com a conquista da maioridade da razo, quefoi empreendida vigorosamente pela tradio ocidental no sculo XVIII.Para Foucault, em contrapartida, caberia interpretar essa proposio de Kantno sentido de que a filosofia deveria se voltar para a atualidade e o tempopresente, estando aqui o signo mais eloqente daquilo que Kant nomeoucomo maioridade da razo.

    O que quer dizer isso, afinal? O que pretende nos sugerir Foucault comessa formulao inesperada? Com o enunciado do imperativo, tico e pol-tico, de que a filosofia deveria se voltar para a atualidade, Foucault nosprope que seja superada a oposio entre o passado e o presente, nosentido de se julgar sempre o presente a partir dos cnones do passado,como j se fazia desde o Renascimento. Vale dizer, a maioridade da razo,formulada por Kant, implicava superao da famosa querela dos antigos edos modernos, iniciada no final do sculo XVII e que perdurou longamente,ainda no sculo XVIII, com vistas a que se pensasse e se escrevessesempre a partir de cnones definidos pelo presente. Seria sempre a atuali-dade, enfim, que deveria nos guiar de maneira certeira, definindo no apenaso que pensar mas tambm como pensar.

    Com essa formulao seminal, Foucault procurou inscrever o discursofilosfico no horizonte de seu tempo, isto , nas linhas de fora e nosantagonismos que permeariam o espao social em que existia. Esta seria amaneira de inscrever o futuro no presente, sob a forma da sua antecipao.Procurou assim afastar aquele de uma posio meramente contemplativa, deforma a transform-lo numa arma de combate das questes maiores dacontemporaneidade. Para isso, no entanto, necessrio seria que a filosofiaabandonasse o seu rano academicista, pelo qual se restringia pura exegesedos sistemas filosficos do passado e escrita de novos comentrios paraa composio da histria da filosofia, para se engajar definitivamente nasproblemticas maiores indicadas pela atualidade.

    No foi por acaso que Foucault escolheu para seu comentrio pontual,sobre a inscrio da filosofia na atualidade, um ensaio de Kant que pertence

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    aos escritos sobre a filosofia da histria, em vez de comentar e empreendera exegese da Crtica da razo pura (Kant, 1974) da Crtica da razoprtica (Kant, 1993) e da Crtica do juzo (Kant, 1995), como costumaacontecer com os historiadores da filosofia e os especialistas em Kant.Foucault teria assim se deslocado dos textos no qual a filosofia kantiana searticula e se fundamenta de forma sistemtica, para se voltar para a peri-feria da produo de Kant, procurando retirar daquilo que seria fragmentare inconcluso seu trao de atualidade.

    A escolha de Foucault revela, pois, de maneira condensada e estratgica,sua ruptura radical com uma certa concepo de filosofia, que criticou desdeo incio de seu percurso terico. Voltar-se para a indagao do estatuto daloucura, da medicina, da clnica, da punio, da literatura e da sexualidade,para encontrar nessas problemticas, supostamente bastardas para a filoso-fia, a matria-prima de seu projeto terico, seria, enfim, assumir em ato eno gesto de produo a sua ruptura radical com uma certa concepo dafilosofia.

    Por isso mesmo, a disciplina cuja ctedra lhe foi conferida no Collge deFrance se intitulava precisamente Histria dos sistemas de pensamento.Enunciava que os ditos sistemas de pensamento tinham uma histria, sendoento uma produo dessa. Indicaremos adiante a crtica de Foucault idiade histria, assim como sua proposio de realizar criticamente uma arqueo-logia do saber e uma genealogia do poder das suas problemticas depesquisa, que no se configuravam como da ordem da histria. Por ora cabeapenas destacar o investimento terico de Foucault em interrogar a consti-tuio das categorias e dos conceitos no campo desses sistemas de pensa-mento, nas suas inscries precisas nos contextos histricos e sociais de suaproduo, tendo sempre na ala de mira o campo de foras presentes naatualidade. Seria este o projeto terico de Foucault, que se materializavatambm na mestria institucional que empreendia regularmente.

    Tudo isso implicava tambm sua assuno da problemtica da finitudecomo marca e valor fundamental da filosofia na modernidade (Foucault,1966). No foi por acaso tambm que Foucault colocou a finitude comotrao constitutivo da modernidade filosfica, sendo justamente Kant o pen-sador que teria enunciado tal imperativo na sua crtica sistemtica dametafsica. Com efeito, em As palavras e as coisas, no captulo em quedelineia precisamente as condies de possibilidade de pensar nas novasrelaes ento tecidas entre as palavras e as coisas, Foucault inscreve Kantnaquilo que seria o originrio da modernidade filosfica (Foucault, 1966),

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    anunciando justamente a problemtica da finitude. Estaramos aqui, enfim, nainaugurao da modernidade.

    O reconhecimento da finitude como valor crucial do discurso filosfico namodernidade implica a crtica sistemtica de qualquer pretenso de absolutoatribuda aos conceitos e enunciados da filosofia. A contrapartida disso seriao apelo recorrente pontualidade e aos contextos nos quais aqueles seforjariam sempre. Com isso, o relativismo como critrio de verdade seimpe, vinculado s variaes impostas pela historicidade. Ao lado disso, aimportncia da atualidade para o pensamento de Foucault se evidencia aquide outra maneira, articulando-se a essa exigncia do relativismo.

    Isso no quer dizer, em contrapartida, que os sistemas de pensamentono se cristalizem e se precipitem como tradio, passando a obcecar ospesquisadores. Porm, isso implica pensar como a tradio se forja e seconstitui pela reproduo dos sistemas pelos comentadores, impondo-se comouma problemtica fundamental para a indagao filosfica. Da a investiga-o de Foucault se ter voltado justamente para o estudo da Histria dossistemas de pensamento, na qual se relativizava o horizonte dos enunciadose dos conceitos tericos, numa articulao permanente com a atualidade.

    Pode-se depreender disso tudo que a idia de verdade enquanto talque estaria em questo no projeto terico de Foucault.

    Jogos de Verdade

    A idia de verdade seria colocada em suspenso, enquanto pretensomaior do discurso filosfico. Porque aquilo a que se atribua valor de verdadenuma dada tradio no estaria inscrito num registro de neutralidade, masestaria sujeito tambm aos enfrentamentos de posies e aos jogos de foraque perpassam o espao social como um todo, como Nietzsche teria ensi-nado a Foucault numa das mximas de sua filosofia (Nietzsche, 1987). Nadaescaparia ao horizonte dos confrontos (Foucault, Les technologies de soi-mme, 1994). Por isso mesmo, seria preciso examinar as condies con-cretas de possibilidade de produo da verdade, inscrevendo-a na tessiturado espao social e da histria, para que se pudesse surpreender em estadonascente os processos de produo do verdadeiro e as modalidades deefetivao de sua legitimidade.

    Nesta perspectiva Foucault formulou, ainda no final de seu percursoterico, outro conceito seminal que lana bastante luz sobre o seu discurso.De maneira bastante ousada, enunciou que a verdade se inscreveria em

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    jogos de verdade (Foucault, Les technologies de soi-mme, 1994). Assim,a verdade no tombaria do Cosmos, das idias acima de qualquer suspeita, Terra, mas das relaes entre os homens, inserindo-se agora em jogos queregulariam o modo de produo de seus enunciados e as regras de produode sua legitimidade.

    Como formulou Foucault esse conceito? Evidentemente, o conceito dejogos de verdade foi forjado a partir do conceito de jogos de linguagem,formulado pelo segundo Wittgenstein, nas Investigaes filosficas(Wittgenstein, 1961). Como entender a aluso ao jogo? O que significa jogarnos registros da linguagem e da verdade? Seriam elas questes preliminaresa serem bem compreendidas, antes de mais nada, para que se pudesseapreender o que estaria em pauta?

    Parece-nos que, para ambos, afirmar que se trata sempre de um jogo,seja da linguagem seja da verdade, implica sublinhar a presena de umaregra que preside e que seria constitutiva do jogo enquanto tal. Porm,enunciar a existncia de uma regra indicar a existncia de algo que daordem da inveno e do arbitrrio, que seria constitutivo de toda e qual-quer regra. Se esta arbitrria, no entanto, no quer dizer que seja marcadapela arbitrariedade no sentido negativo da palavra, pois seria sempre com-partilhada pelos possveis jogadores, naquilo que ao mesmo tempo autorizae probe.

    A regra seria sempre compartilhada, sendo constituda pela convenoe pelo uso, ambos estabelecidos pelos homens no espao social. A regraseria ento uma produo social, que fundaria igualmente tanto os jogos delinguagem quanto os de verdade, inserindo-se no registro do artifcio e noda natureza. Para Foucault e para Wittgenstein, enfim, a categoria de jogoremete tanto ao registro do social, que produziria e plasmaria a regra, quantoao da histria, que a reproduziria pelo seu uso recorrente.

    Contudo, Foucault coloca nfase na verdade e no mais apenas na lin-guagem, como em Wittgenstein, o que indica um deslocamento importanteentre as duas categorias. Se a linguagem seria condio necessria para aproduo da verdade como jogo, no seria, no entanto, condio suficiente.Com efeito, o que estaria presente nos jogos de linguagem de Wittgensteinremeteria certamente para a construo dos jogos de verdade de Foucault,mas para que estes se estabelecessem, necessria seria ainda a produode certezas e crenas que se fundariam na ao de dispositivos de poder(Foucault, 1974), pelos quais a verdade se legitimaria e se inscreveria noscorpos dos indivduos pela mediao de processos de subjetivao

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    (Foucault, La volont de savoir, 1976). O que distinguiria, portanto, a for-mulao terica de Foucault daquela de Wittgenstein a indicao precisade que seria o poder o nexo crucial para a constituio dos jogos deverdade, pelo remanejamento que faria sempre do registro da linguagem,pelas relaes de fora que perpassariam o espao social. Entre linguageme verdade, enfim, o poder incidiria nos corpos das individualidades pelamediao de dispositivos.

    Assim, se a verdade sempre se produziria e se reproduziria no campo dosjogos de verdade, no existindo naquela nada que pudesse ser da ordem dointangvel e do absoluto, escrita que estaria insistentemente em relaes defora reguladas pela microfsica do poder (Foucault, Microfsica do po-der, 1976), isso implica, evidentemente, a possibilidade sempre colocada parase transformar as economias presentes nos jogos de verdade. Caberia aoterico, neste contexto e perspectiva, o trabalho de incidir nesses jogos, pelaleitura crtica e insistente de suas modalidades de formao, de cristalizaoe de enraizamento nas individualidades, para que possa enunciar outros jogosde verdade.

    A finitude que marcaria e inauguraria a modernidade filosfica, comoindicado acima, se articularia com o que existiria de mvel, tangvel e rela-tivo na constituio dos jogos de verdade. Por este vis o discurso filosficose inscreveria necessariamente no mundo, marcado pelos fluxos e refluxosestabelecidos pelas relaes de fora inscritas no espao social.

    Pela considerao efetiva disso tudo se pode apreender a posio engajadada filosofia para Foucault e de como esse engajamento radical se inscrevede maneira orgnica no corpo de seu discurso. Isto , seu compromissovisceral com o real de seu tempo, concebido em nvel francs ou interna-cional. Existiria aqui uma leitura radical de que o real, na modernidade,constituiria o entrechoque permanente de foras em confronto, sendo asprodues do saber um dentre outros ingredientes e vetores constitutivos dasrelaes de fora que compem o cenrio do espao social onde circulamos.

    Da decorre o aforismo fundamental que condensa o discurso filosficode Foucault, segundo o qual existiria uma relao de fundao entre sabere poder. Entre estes, a relao seria permanente e insistente. No restaqualquer dvida de que estamos aqui, com esse aforismo, no centro de seupensamento terico.

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    Saber e Poder

    preciso considerar, no entanto, a modalidade de relao que se esta-belece entre saber e poder. No se trataria nem de uma utilizao do saberque o poder faria para se legitimar enquanto tal, nem tampouco de um usooportunista do poder realizado pelos agentes do saber. Isso no quer dizerque tais possibilidades no existam e ocorram de fato no espao social.Porm, no bem a isso que Foucault quer se referir quando alude srelaes entre saber e poder de maneira mais fundamental. para isso quetemos que nos inclinar para no considerarmos essa tese na sua trivialidadecotidiana.

    Nesta perspectiva, o que estaria em causa seria algo de ordem circularentre saber e poder, para se contrapor a uma concepo linear geralmenteaceita dessas relaes, pela qual o saber seria sempre determinado pelopoder, tendo pequena ou mesmo nenhuma ao fundamental sobre ele. ParaFoucault existiria uma implicao recproca entre saber e poder, enunciadanuma mutualidade de relaes entre esses plos. Com isso, o crculo tendea assumir a forma de uma espiral, que como metfora condensa melhor noapenas as relaes mtuas entre saber e poder, como tambm indica comoa mtua implicao acaba por criar um cenrio no qual os oponentes sesituam num desequilbrio permanente e em posies espaciais diferentes. Oslugares seriam sempre mveis, jamais fixos, sempre marcados estrategica-mente pela mutualidade imprevisvel nos seus efeitos, nas relaes que seestabelecem entre saber e poder.

    Em decorrncia disso, Foucault empreende a crtica da concepo depoder presente no marxismo, seja porque neste se enunciam de maneiralinear e determinista as relaes entre saber e poder, seja porque se formu-lam tambm numa atribuio de subalternidade do saber ao poder. Emambos os registros, diversos mas complementares, o saber, enquantopositividade do poder, se silenciava no pensamento marxista.

    Assim, num primeiro registro deste pensamento, o saber se inscreveriasempre no nvel das superestruturas do campo social, sendo determinado, emltima instncia, pela infra-estrutura econmica de uma dada formao so-cial. Nesta, certamente, o saber seria um simples efeito linear e mecnicodaquilo que se passaria no confronto entre as foras produtivas e as relaesde produo. A especificidade do saber se perderia ento, sendo este silen-ciado na sua positividade.

    Em contrapartida, o discurso marxista procurou elaborar outra formula-

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    o sobre o saber, concebendo sua inscrio no campo das formaesideolgicas. Trata-se de uma proposio bem mais refinada que a anterior,mas que, mesmo assim, coloca o saber numa posio de subalternidade aopoder. Nesta verso, o saber se inscreveria sempre nos aparelhos ideolgi-cos do Estado, que exerceria sua dominao pelo vis desses aparelhos.Tanto em Althusser (1980) quanto em Gramsci (1968), podemos encontrartal formulao.

    claro que nessa outra formulao o saber se inscreve no registro dopoltico, fazendo parte do seu campo, estando aqui a virtude dessa concep-o em relao anterior. Pode-se compreender, no entanto, que os ditosaparelhos ideolgicos estariam subsumidos soberania do Estado, que exer-ceria o poder em ltima instncia. Por isso mesmo, enfim, o saber comoparte integrante dos aparelhos ideolgicos do Estado teria uma evidentesubalternidade face a ele.

    Depreende-se que evocar rigorosamente a categoria de poder, emFoucault, implica trazer novamente para a cena do social a dimenso dopoltico. O poltico enquanto tal teria sido esquecido, por mais paradoxal quepossa parecer inicialmente na referncia crtica ao marxismo. Porm, no apenas isso. Existe, ainda, uma concepo do poltico como marcado porrelaes de fora entre os oponentes. As relaes seriam sempre reguladaspor tticas e estratgias, que visariam a produzir o efeito de assujeitamentoe de quebra da resistncia do adversrio. Por esse vis o processo dedominao se faria, quebrando resistncias para assujeitar os oponentes numcontexto marcado sempre por relaes de fora.

    Porm, considerar o que Foucault pretende efetivamente dizer com suatese implica destacar a especificidade do poder na modernidade, em queoutras relaes se estabelecem entre o poder e o saber. nesse contextoque a formulao foucaultiana se desdobra, tomando corpo e forma, eviden-ciando sua riqueza terica. Apenas na modernidade teria se constitudo opoder disciplinar, que se exerceria sempre atravs dos saberes, criandoum amlgama novo entre saber e poder que inexistia na Idade Clssica. Naleitura do dito poder disciplinar, a formulao de Foucault ganha pesoconceitual e flego terico (Foucault, 1974). Estaria justamente aqui suanovidade terica.

    Assim, em funo disso Foucault realizou a crtica da tradio marxistaacima referida. Porm, a crtica no se restringe a essa tradio apenas,mas se estende tambm filosofia poltica. Com efeito, o que est emquesto aqui o deslocamento que teria se operado no poder, na

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    modernidade, que teria migrado de seu centro, isto , o Estado, para aquiloque se processaria na sua periferia, que seria o campo social enquanto tal.A inverso de leitura face ao marxismo e a filosofia poltica se situa exa-tamente neste ponto preciso. A problemtica do poder se teceria no espaosocial, este sendo sempre atravessado por diferenciais de fora entre oscorpos, que estabeleceriam entre si relaes de dominao e deassujeitamento.

    Deve-se sublinhar no apenas a palavra corpo mas tambm o seu corolrio isto , o espao , na medida em que o poder teria sempre no corpo oseu territrio de ao e o seu ponto de incidncia, assim como se enraizariano social, concebido como espacialidade e como teatro de ao. Vale dizer,a dominao e o assujeitamento incidiriam sempre nos corpos das individua-lidades, que precisariam ser domesticados e disciplinados, enquanto que aresistncia ao poder viria sempre do registro corporal. Alm disso, seria noespao que os corpos se dispem e se distribuem nas suas diferenas defora.

    Por isso mesmo, o poder disciplinar se realizaria sempre pela ao demicropoderes que permeariam a totalidade do espao social (Foucault, 1974).Eles se ordenariam como uma rede difusa e penetrante, que se capitalizariano campo do social. Esse deslocamento do poder do centro para a periferiado social se materializaria j aqui, onde, no tecido das relaes, se plasma-riam os efeitos do poder propriamente ditos. Os micropoderes seriam dispo-sitivos atravs dos quais as disciplinas se materializariam, nos quais se for-malizariam as relaes ntimas entre saber e poder.

    Pela mediao insistente e produtiva de dispositivos inscritos numa redecapilar de micropoderes, o poder disciplinar empreenderia a normalizaodo espao social (Foucault, 1974). O processo de produo e de reproduode normas, assim como o seu permanente remanejamento com vistas dominao e ao assujeitamento dos corpos, seria a finalidade fundamental dopoder disciplinar. No havia dvida: seria sempre o corpo que deveria sernormalizado no campo do poder disciplinar. Seu alvo sempre o corpo, queseria visado pelas diferentes estratgias e tticas da normalizao.

    No foi certamente por um acaso que Foucault se interessou pela me-dicina como saber e poder, nos seus registros individual e coletivo, namodernidade. Isso porque a medicalizao do espao social na modernidadese realizou pela clnica e pela medicina social (Foucault, Naissance de laclinique, 1963), constituindo, ao mesmo tempo, um novo lugar atribudo paraa medicina na aurora do mundo moderno. Atravs dela o espao social foi

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    esquadrinhado meticulosamente, polarizado entre o normal e o anormal (idem)de maneira a caucionar o processo de normalizao dos corpos. A clnicaconstituiu o primeiro dispositivo de exame, que se estendeu em seguida paraas demais cincias humanas (idem) estando no fundamento antropolgico dopoder disciplinar propriamente dito.

    Partindo do modelo constitudo pela medicina, os demais dispositivos dis-ciplinares foram constitudos, e neles as diferentes cincias humanas seconstituram e se inscreveram. Isso porque a medicina teria constitudo oprimeiro saber sobre o particular na tradio ocidental, rompendo definiti-vamente com a concepo aristotlica de que existiria apenas saber sobreo universal (Foucault, Naissance de la clinique, 1963). Foi sempre nanfase sobre o particular que as diferentes cincias humanas se constiturame se inscreveram como dispositivos no campo do poder disciplinar, na medidaem que este exerce o processo de normalizao sobre as particularidades eno mais sobre o universal (idem). Estaria aqui a originalidade do poderdisciplinar: ele visaria sempre ao particular, situado no registro individual oucoletivo. Seria sempre o particular o alvo do processo de normalizao.Aqui, enfim, o poder disciplinar se exerce efetivamente.

    A pesquisa de Foucault se desdobrou na sua preocupao terica como biopoder, que teria constitudo a bio-histria na modernidade. Na polticados Estados modernos, a preocupao com a qualidade de vida das popu-laes teve no biopoder seus dispositivos fundamentais, ao considerar ocampo da sexualidade e da reproduo como seus alvos estratgicos. Ariqueza das naes passou a ser concebida e calculada meticulosamente,tendo na qualidade de vida da populao sua matria-prima fundamental(Foucault, La volont de savoir, 1976).

    Em tudo isso, evidentemente, as relaes entre poder e saber seriamntimas e fundamentais, plasmando-se no poder disciplinar, que se materia-lizaria sempre em dispositivos e micropoderes inscritos numa rede capilardifusa no espao social. Tudo visaria, enfim, normalizao dos corpos,encarados sempre como alvos particularizados.

    Em decorrncia desta leitura sobre a analtica do poder na modernidade,Foucault realizou a crtica da tradio da filosofia poltica e do marxismo,que se centravam no lugar estratgico atribudo ao Estado na poltica mo-derna. Para ele, essa modalidade de leitura teria uma marca eminentementepr-moderna, fundando-se naquilo que denominou de poder soberano(Foucault, 1974). Enquanto tal, o Estado-Rei era sempre resplandescente eluminoso, silenciando as particularidades de seus sditos com a fora de seus

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    exrcitos e a delegao divina de seu poder absoluto. A modernidade estariana contracorrente disso, deslocando agora o poder para as particularidadesinscritas na periferia, que como individualidades seriam produzidas enormalizadas pelos dispositivos dos micropoderes, em cujas redes o saber secapilarizava (idem).

    Problemticas

    Pode-se retomar aqui, por outro vis, a problemtica, j aludida, dos jogosde verdade. Com efeito, estes seriam plasmados no campo das disciplinas,produzidos sempre pelos dispositivos nelas inscritos, constituindo diversasmodalidades de assujeitamento. Por essas trilhas tortuosas, portanto, assubjetividades seriam forjadas pelos efeitos dos jogos de verdade.

    Existe uma concatenao conceitual sempre precisa e rigorosa, pela qualos plos do saber e do poder se articulam de maneira orgnica, gestando oreal dos corpos das individualidades, pelos processos de normalizao dosocial. Uma reflexo renovada da poltica se empreende aqui, na qual aposio estratgica do saber se revela como fundamental. Quanto a isso,Foucault produziu uma leitura bastante original, na qual o saber ocuparialugar crucial no funcionamento do poder disciplinar. Por isso mesmo, pode-se dizer de maneira insistente que no apenas o saber uma modalidade depoder e no apenas seria utilizado por esse, como tambm no existiriapoder sem as produes do saber.

    Podemos retomar o ponto de partida desta incurso qual seja, apreocupao constante de Foucault com a atualidade, maneira de interpretara indagao de Kant sobre o que seria o Iluminismo. No obstante terocupado as posies institucionais mais cobiadas pelos intelectuais france-ses, Foucault nunca foi um acadmico no sentido tradicional do termo, comodecorrncia de sua concepo engajada da filosofia.

    Tal concepo se inscreve na coluna vertebral de seu discurso terico,pelos conceitos que enunciou: jogos de verdade, poder, saber, disciplina eformas de subjetivao. Assim, mesmo que suas formulaes tericas te-nham acabado por se transformar em moda intelectual, no mundo acadmicointernacional, foram sempre forjadas em ressonncia com o que se passavano espao social de seu tempo, procurando incidir na lgica de suas relaesde fora. Pretendia sempre redirecionar o campo dessas relaes na atua-lidade, incidindo nos jogos de verdade que se inscreviam nos dispositivos depoder.

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    Nesta perspectiva, no foram um acaso as problemticas tericas queFoucault escolheu para a realizao de suas pesquisas. Foi sempre a lgicapresente nos jogos de verdade, no campo da atualidade, que o conduziu nassuas escolhas. Estas tinham sempre um carter estratgico, que delineavasuas opes tticas. Com efeito, iniciou seu percurso por uma interpelaoradical do estatuto de loucura no Ocidente e concluiu com a indagao dolugar da sexualidade no campo da tica, passando pela nova medicina naaurora da modernidade, pelas formas outras de saber, pela discursividade,pelo poder e pelas modalidades originais de punio na modernidade. Foucaultse voltava sempre para as questes cruciais de seu contexto histrico, su-blinhando as linhas de fratura delineadas pela articulao entre saber epoder.

    Interpelar a posio estratgica ocupada pelo processo de psiquiatrizaodo Ocidente, assim como os lugares especficos da psiquiatria e da psican-lise, na modernidade, considerando as reformas em curso nos anos 60,implicava uma escolha estratgica fundamental para indicar a oposio fun-damental entre razo e desrazo na nossa tradio (Foucault, Histoire dela folie lge classique, 1971). Em seguida, ainda no contexto de reno-vao da medicina nos anos 60, Foucault precisou indicar as condiesconcretas de possibilidade para a emergncia da clnica no final do sculoXVIII e sua construo ao longo do sculo XIX, indicando a novidade noapenas de um saber sobre o particular mas tambm de uma medicina doespao social (Foucault, Naissance de la clinique, 1963).

    Com isso, o dispositivo de normalizao da medicina, polarizando e es-quadrinhando o espao social entre o normal e o patolgico, possibilitou outroolhar sobre o corpo e a construo arqueolgica das demais cincias huma-nas. Em As palavras e as coisas, delineou passo a passo as transformaesocorridas nos processos de produo de verdade, da Idade Clssica modernidade, que se desdobraram na construo do homem como figuraantropolgica e na previso ousada de seu desaparecimento prximo (Foucault,1966).

    Pela leitura da discursividade, numa concepo crtica do estruturalismo,procurou indicar como o engendramento da textualidade na sua articulaocom o poder condensa formas de produo de verdade na construo deseus enunciados e nas regras de formao de arquivos (Foucault, Lordredu discours, 1971).

    Em Arqueologia do saber, procurou indicar o seu mtodo de investiga-o, assim como inscreveu as diversas textualidades no seu campo de inda-

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    gao (Foucault, 1969), evidenciando as suas diferenas em relao aoestruturalismo e histria.

    A viragem para a genealogia comeou a tomar corpo e forma na pas-sagem dos anos 60 para os anos 70, articulando a arqueologia do saber nocampo da genealogia do poder (Foucault, 1974). As formulaes tericasentre os registros do saber e poder ficaram cada vez mais precisas, recor-tadas de maneira mais rigorosa. Em Vigiar e punir, procurou forjar asdiferenas entre poder soberano e poder disciplinar, passando a delinear asformas de ao dos dispositivos e da microfsica do poder. As modernasmodalidades de punio, que teriam na priso e no panptico suasmaterializaes ostensivas, se destacam como problemtica maior, no con-texto privilegiado de debates sobre o sistema penitencirio na Frana (idem).

    A esttica da existncia se ordenou ao longo da pesquisa final sobrea Histria da sexualidade, na qual a inscrio ativa do sexual nos moder-nos sistemas disciplinares serviu de contraponto para a crtica e desconstruodas teorias da represso, que dominavam o cenrio intelectual de ento,tendo na psicanlise sua referncia fundamental. A soberania da lei dainterdio do incesto foi desconstruda em nome das disciplinas realizadassobre o corpo sexuado, que encontrou nas figuras da mulher histrica, doperverso e da criana os alvos para a medicalizao do social. O biopoderteria aqui se ordenado e se desdobrado nas suas tticas para a produo dabio-histria, visando produo da populao qualificada como a fonte maiorde riqueza das naes, num contexto onde as biotecnologias j apareciam nocenrio internacional (Foucault, La volont de savoir, 1976).

    Tudo isso nos indica como a imerso na atualidade e na finitude, comomarcas da filosofia na modernidade, conduziram Foucault para a escolha deseus temas no contexto histrico, poltico e social, para transform-los emproblemticas complexas para a interpelao arqueolgica e genealgica.Visava com isso a delinear a histria dos sistemas de pensamento queconstituram tais problemticas nas suas articulaes com os dispositivos depoder. Os jogos de verdade eram vistos como alvos, nas suasdescontinuidades e continuidades, nas suas rupturas e permanncias.Tudo isso indicaria sempre a historicidade e o relativismo das categorias ecritrios de verdade que se constituram, evidenciados que eram pela arqueo-logia do saber e pela genealogia do poder.

    para a leitura dos conceitos de continuidade e de descontinuidade quevamos nos voltar agora, para marcar seu lugar no discurso terico de Foucault,assim como a constituio da categoria de saber.

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    Descontinuidades e Saberes

    Assim, na constituio do pensamento de Foucault no se pode deixar deconsiderar os efeitos paradoxais, que foram produzidos pela moderna tradi-o epistemolgica francesa que, sobretudo com Bachelard e Canguilhem,procurou romper radicalmente com a perspectiva de uma concepo positivistada cincia. No campo daquela moderna epistemologia, a posio de Foucaultfoi de marcante ruptura. Porm, indicar seus signos fundamental, para bemdelinear seu discurso terico.

    Na moderna epistemologia francesa, a preocupao com a produo doconceito estava no seu fundamento, de maneira que os fatos e aconteci-mentos produzidos pelo discurso cientfico teriam sempre uma relao defundao com os conceitos que lhes enunciavam. Desta maneira, o objetodos diferentes discursos cientficos seria sempre produzido por conceitos queo forjariam, constituindo-se, pois, como objeto terico propriamente dito.Isto , seriam produes do pensamento e no simples indicaes de fen-menos inscritas no registro da percepo.

    Nesta perspectiva, seria estabelecida uma ruptura radical entre os discur-sos da cincia e da pr-cincia, que se evidenciaria de maneira eloqentena construo de um dado objeto terico. A categoria de corteepistemolgico, formulada por Bachelard, procurou fundar essa leitura dodiscurso da cincia na sua ruptura com o senso-comum (Bachelard, 1975).

    Com isso se pode forjar outra interpretao da histria das cincias, naqual esta no seria mais a simples narrativa dos eventos cientficos, dasacademias e dos personagens que teriam participado da constituio de umdado campo cientfico. Caberia agora, nesse outro contexto, indicar como seproduziu um dado campo cientfico, isto , os momentos cruciais nos quaisforam forjados seu objeto terico e seu campo conceitual, assim como oscortes epistemolgicos que teve que realizar para que isso fosse possvel(Canguilhem, 1968). Para empreender isso, necessrio seria indicar osimpasses presentes no imaginrio do senso-comum para a emergncia deum novo campo cientfico. A isso Bachelard denominou de obstculoepistemolgico (Bachelard, 1975). Nesta perspectiva, existiria uma articu-lao ntima entre a filosofia e a histria das cincias, na medida em que aprimeira enunciaria os critrios para a segunda, considerando sempre aconstituio de um dado campo conceitual e do objeto terico correlato.

    O mesmo discurso terico foi retomado por Althusser numa perspectivamarxista, quando considerou o imaginrio do senso-comum como delineado

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    pela ideologia, de maneira que a construo de uma certa discursividadecientfica se faria sempre pela desconstruo de um certo campo da ideo-logia (Althusser, Pour Marx, 1965; Althusser, Lure le Capital, 1965). Ahistria das cincias seria ento o desmantelamento insistente do campo dasideologias, e a produo progressiva da verdade pela cincia se faria peladesconstruo das ideologias e supersties presentes no imaginrio popular.

    De qualquer forma, considerando-se a passagem entre os registros dacincia e do senso-comum, ou localizando-se aquela entre os da ideologia eda cincia, o advento do discurso cientfico indica uma concepo descontnuada filosofia e da histria das cincias. A verdade seria sempre forjadacontra o registro da no-verdade que lhe faz resistncia e a isso se ope,indicando o progresso da verdade. Estaria aqui a novidade dessa concepoterica face ao Positivismo, na medida em que estaramos sempre numaverso contnua entre aqueles registros.

    Qual a implicao disso? Enunciar a descontinuidade no campo da ver-dade, inscrevendo-a na filosofia e na histria das cincias, implica formularao mesmo tempo a descontinuidade da conscincia. Isso evidenciaria ahistoricidade das cincias, que passaria a exigir uma epistemologia regionale no mais universal, quanto a da prpria idia de verdade que seria daquelacorrelata, j que o conceito constitutivo de um dado objeto terico se plas-mava como verdade.

    Foucault se formou no campo dessa tradio terica, tendo em Canguilhemum de seus mestres. Empreendeu, porm, a crtica dessa tradio, na suaarqueologia do saber e na sua genealogia do poder, ao misturar as cartaspresentes nos jogos de verdade sobre a continuidade e a descontinuidade. Oque estava em pauta era a prpria categoria de verdade na sua oposioradical a de no-verdade, pela qual se contrapunham os registros da cinciae do senso-comum, isto , os universos da cincia e da ideologia.

    Assim, Foucault criticou a ruptura existente entre a cincia e o senso-comum, afirmando as continuidades existentes num dado campo histrico,entre ambas. Foi a sua maneira de dizer que no existia qualquer progressoem direo verdade outorgada pelas cincias, que se desprenderam dasobscuridades presentes nas ideologias. Existiriam continuidades entre taisregistros, num dado contexto histrico, organizados que seriam pelas mes-mas categorias de pensamento. Em contrapartida, existiriam rupturas entrediferentes campos histricos, na medida em que se transformariam as ditascategorias de pensamento. Porm, tais mudanas incidiriam igualmente nosregistros diversos das ideologias e das cincias.

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    Foucault denominou de episteme as categorias que ordenariam igual-mente os campos do senso-comum e da cincia de um dado horizontehistrico. Seriam as epistemes que se transformariam na passagem de umcerto campo histrico para outro, mudando radicalmente as maneiras deconceber o mundo e as coisas. Destacando a categoria de episteme, Foucaultprocurou superar a oposio existente entre cincia e ideologia, enunciandoa categoria de saber (Foucault, 1966 e 1969). Para ele, uma indagaosobre o saber sempre assumiria a forma decisiva de uma arqueologia dosaber e de uma genealogia do poder.

    Porm, da mesma maneira que o aforismo fundamental enunciado porFoucault sobre a relao de fundao entre saber e poder procurava deli-near a originalidade assumida pelo poder na modernidade como poder dis-ciplinar, a preocupao maior de Foucault era a constituio de saber namodernidade (Foucault, 1966), na sua articulao ntima com a problemticado poder que realizou posteriormente (Foucault, 1974). Com efeito, doRenascimento modernidade, passando pela Idade Clssica, Foucault pro-curou delinear as diferentes epistemes que foram ento enunciadas para aproduo dos jogos de verdade. Assim, da episteme centrada na represen-tao para a que se inscreveu no tempo e na histria (Foucault, 1966), noestaramos mais diante de uma progresso infalvel do esprito em direo verdade, mas de diferentes modalidades de conceber o sujeito, o mundo, ascoisas e os objetos. Isto , estaramos lanados decididamente em diversosjogos de verdade, sem qualquer hierarquia valorativa quanto veracidadeentre eles.

    Remanejando ento a cartografia epistemolgica entre continuidade edescontinuidade mantendo a primeira num registro e a segunda num outro,para enunciar a idia de verdade no campo imantado de um jogo , Foucaultinscreveu no discurso filosfico aquilo que se evidenciara j com o recentediscurso antropolgico, que enunciava o relativismo presente na leitura dasdiferentes tradies culturais, assim como o que ento se empreendia nocampo da histria. Com efeito, seja pela concepo de uma histria de longadurao (Le Goff, 1989), seja pela histria de novos objetos que se afastariada tradicional histria poltica das naes (Le Goff e Nora, 1970; Le Goffe Nora, Nouveaux problmes, 1974; Le Goff e Nora, Nouveauxapproches, 1974), Foucault passou a conceber as categorias do pensamentocomo relativas num tempo de longa durao, sujeitas a descontinuidades,mas com continuidades num certo contexto histrico, alm de introduzirproblemticas ento inditas para a investigao filosfica como novos ob-

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    jetos. Pde empreender, enfim, a interpelao crtica da razo, damedicalizao, das discursividades, dos saberes, da punio e da sexualida-de, de forma sempre brilhante e colocando seu insistente alvo terico naconstituio dos jogos de verdade.

    O que se pode depreender disso tudo que Foucault no tem a pretensode ser um historiador. Pelo contrrio, para ele a Histria seria o ltimoreduto do continusmo (Foucault, 1967). Seu projeto se constituiu justamentecontra isso, apoiando-se sobre a descontinuidade na constituio da verdadeatravs das epistemes e regulada pelos dispositivos de poder. Para empre-ender isso, no entanto, se inscreveu na tradio da genealogia inauguradapor Nietzsche (Foucault, Nietzsche, la gnealogie, lhistoire, 1971) e criti-cou a concepo continusta da Histria. Interpelou sempre de maneiradescontnua, portanto, a construo de uma dada problemtica da atualidade,articulando a arqueologia do saber com a genealogia do poder do Renascimento modernidade, passando pela Idade Clssica.

    Pode-se reconhecer que o projeto filosfico de Foucault se constituiu pelaindagao crtica dos jogos de verdade estabelecidos, propondo, ao mesmotempo, outros jogos de verdade sobre as mesmas problemticas. Com efeito,da desrazo sexualidade, passando pela medicina, pela discursividade epelas modalidades de punio, a filosofia de Foucault uma desconstruoinsistente dos jogos de verdade, o que indica sua inscrio nos dispositivosde poder.

    Como no poderia deixar de ser, o discurso de Foucault sobre adescontinuidade da verdade esta inscrita sempre em jogos de verdade enos dispositivos de poder, assim como a descontinuidade presente nos siste-mas de pensamento se desdobrou na interpelao da categoria de sujeito.Justamente aqui se plasmariam, em ltima instncia, as categorias de ver-dade e de continuidade.

    Pode-se dizer que esta interpelao permeia a totalidade do percursoterico de Foucault, mesmo quando isso no se enuncia sempre claramente,de maneira frontal, como na sua pesquisa final sobre a esttica da existn-cia. Enquanto problemtica, no entanto, est sempre l presente, nas entre-linhas das demais problemticas que atravessou criticamente isto , comovirtualidade insistentemente instigadora que se ramificou por todos os terri-trios de sua pesquisa filosfica.

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    Sujeito e Formas de Subjetivao

    claro que no existe nada de surpreendente no que foi dito acima. Atravessia do discurso filosfico de Foucault nos evidencia isso sem dificul-dade, indicando os impasses da categoria de sujeito.

    A construo da arqueologia da razo, tendo na desrazo o seu contrapontoe negativo, iniciada na Idade Clssica e se desdobrando na modernidade,com o advento da psiquiatria e da psicanlise, j mostrava isso de maneiracerteira e patente (Foucault, Histoire de la folie lge classique, 1971).Foi o prprio campo da problemtica da verdade, formalizado positivamentenas categorias de sujeito e de razo, tendo na loucura e no delrio a suanegatividade, que foi colocada em questo de maneira frontal em A histriada loucura na Idade Clssica. Com efeito, entre a concepo trgica ea concepo crtica da loucura, nas quais esta se deslocou decisivamente doregistro da verdade para o da no-verdade, aquela acabou por ser lanadana periferia pela tradio do Ocidente e desta excluda, como sendo o Outroda razo e do sujeito. De Descartes a Hegel, passando por Kant, o discursofilosfico se fundou como tradio, tendo no sujeito o seu fundamento e naloucura como desrazo o territrio sagrado de sua impossibilidade. Entre artee cincia, deslocando-se do registro da verdade para o da no-verdade, demaneira infalvel e sendo medicalizada pela psiquiatria, a loucura seria aformalizao da impossibilidade de ser sujeito e razo (Foucault, 1966).

    No entanto, foi para indicar que o sujeito e os seus correlatos isto ,as categorias de verdade e de razo seriam sempre jogos de verdade queFoucault constituiu seu projeto filosfico e enunciou a existncia de outrosjogos de verdade. Para isso, contudo, necessrio seria radicalizar a idia dedescontinuidade no registro do sujeito, pela assuno radical da descontinuidadeefetiva da conscincia. Se essa fosse descontnua no seu ser, a loucura nopoderia mais ser considerada como desrazo e no-verdade, como se esta-beleceu, alis, na tradio do jogo de verdade fundado na razo.

    Em decorrncia disso, Foucault pode acolher no seu projeto terico oconceito de descentramento do sujeito isto , de que a subjetividade nose centraria mais nos registros do eu e da conscincia. Dizer que aquela noteria centro seria afirmar ao mesmo tempo que no teria mais fundamento,de maneira a apagar as fronteiras entre sujeito e no-sujeito (Foucault,1966). Repete-se aqui, pois, o mesmo gesto empreendido na desconstruodo jogo de verdade sobre a razo.

    A aproximao estratgica de Foucault com a psicanlise se processa

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    pela desconstruo da categoria de sujeito como fundamento. A psicanliseofereceu para ele a possibilidade de conceber a subjetividade comodescentramento (Foucault, 1967). Porm, quando a psicanlise se travestiacom os filosofemas do discurso filosfico do sujeito, como em algumas dasformulaes de Lacan, Foucault se transformava num crtico impiedoso dela(Birman, 2001).

    Se a psicanlise ocupou uma posio estratgica no discurso de Foucault,isto se deveu, sem dvida, ao lugar crtico ocupado pelo sujeito no seuinterior. Enquanto representava o sujeito sem fundamento e descentrado, apsicanlise se inscrevia positivamente no projeto terico de Foucault. Casocontrrio, quando reconstituiu o sujeito como fundamento e verdade, aquelaretomava a tradio que Foucault criticava sistematicamente.

    Por isso mesmo, centrou-se no discurso terico de Lacan como alvo paraa sua crtica, considerando-o ora como um aliado, ora como um inimigo. EmNietzsche, Freud, Marx (1967) e em As palavras e as coisas (1966),Foucault apostava que, pelo registro do inconsciente, a idia de descentramentotinha sido entreaberta pela psicanlise. Porm, ao conjugar a arqueologia dosaber genealogia do poder, a interpretao positiva do projeto psicanalticofoi balanada de maneira radical por Foucault.

    Com efeito, os conceitos psicanalticos de dipo, de lei simblica e deinterdio do incesto passaram pelo crivo crtico de Foucault (Foucault, Lavolont de savoir, 1976) aladas condio de fundamento do sujeito e dasexualidade. Todos remetiam, pela mediao do conceito de lei simblica,para a concepo soberana do poder isto , para uma leitura pr-modernadeste. O que estaria agora em pauta seria ento a inscrio da psicanliseno campo do poder disciplinar.

    Assim, para Foucault, a sexualidade no seria aquilo que teria que ser liber-tado, como se formulou na hiptese repressiva e que teve na psicanlise um deseus alicerces tericos. Nunca se falou tanto dela como na modernidade, colo-cando a sexualidade nos jardins dos discursos, bem antes da emergncia hist-rica da psicanlise, com Freud, no final do sculo XIX. Pelo discurso inflacionadosobre a sexualidade, esta foi constitutiva do imaginrio da subjetividade moderna,sendo por este vis que a concepo de que a sexualidade seria a verdade dosujeito pode ser enunciada pela psicanlise. A psicanlise constituiu um jogo deverdade no qual a sexualidade seria o fundamento do sujeito do inconsciente ea sua verdade. A psicanlise seria, portanto, mais um captulo, importante semdvida, para inscrever a sexualidade como fundamento do sujeito (Foucault, Lavolont de savoir, 1976).

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    Pelo projeto filosfico da esttica da existncia, Foucault procurou con-ceber outra leitura sobre a subjetividade, na qual esta seria agora pensadasem qualquer referncia categoria de sujeito como fundamento. Pela re-tomada das tradies grega (Foucault, Lusage des plaisirs, 1984) e roma-na (Foucault, Le souci de soi, 1984), Foucault buscava as indicaes segu-ras para outra concepo de subjetividade, na qual a sexualidade se inscre-vesse num outro ethos e em outros jogos de verdade. A idia de cuidadode si, como constitutiva da subjetividade na Antigidade, se oporia radical-mente de saber de si, cultuada pela tradio da filosofia do sujeito e pelocristianismo (Birman, 2001). Da mesma maneira, a arte ertica, cultivadaem outras tradies culturais, se oporia idia de cincia sexual, cultivadapela modernidade ocidental (Foucault, La volont de savoir, 1976).

    Com tudo isso, portanto, o que estaria sempre em pauta seria a crticada categoria de sujeito como fundamento, procurando Foucault indicar quese tratava de um mero jogo de verdade, constitudo pelo Ocidente numainflexo decisiva de sua histria. Para desconstruir esse jogo, necessrioseria pressupor que o sujeito no seria mais fundamento mas produo,forjado sempre pelo pensamento do fora (Foucault, La pense du dehors,1994). Enfim, seria preciso mostrar agora que o sujeito como fundamento esaber de si no passaria de uma forma de subjetivao (Foucault, Lavolont de savoir, 1976), dentre outras que seria possvel para conceber asubjetividade.

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    NOTAS

    1 Psicanalista, presidente do Espao Brasileiro de Estudos Psicanalticos. Professor titular doInstituto de Psicologia da UFRJ e professor adjunto do IMS/UERJ.

    2 Ver Foucault (1954 e Histoire de la folie, 1971).

    3 Ver Foucault (Raymond Russel, 1963 e Lordre du discours, 1971).

    4 Ver Foucault (1966 e 1969).

    5 Ver Foucault (La volont de savoir, 1976; Lusage des plaisirs, 1984 e Le souci de soi, 1984).

    6 Ver Foucault (1999 e 2001).

    ABSTRACT

    Playing with the Truth

    This article proposes a reading of Foucaults thinking based on the gamesof truth category enunciated at the end of his theoretical trajectory. Theattempt is made to establish similarities and differences between this categoryand that of language games, as stated by Wittgenstein in PhilosophicalInvestigations. Foucault took this approach to conduct his critique ofmetaphysical tradition.

    Keywords: Games of truth; language games; archeology; genealogy.

    Recebido em: 30/09/2002.Aprovado em: 12/11/2002.