Blimunda N.º 18 - novembro 2013

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8/13/2019 Blimunda N.º 18 - novembro 2013 http://slidepdf.com/reader/full/blimunda-no-18-novembro-2013 1/69 LIMUNDA  M  ENSAL  N. º 18 N OVEMBRO  2013 F UNDAÇÃO  J OSÉ  S  ARAMAGO

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LIMUNDA

 M  ENSAL   N .º 18 N  OVEMBRO   2 0 1 3 F  UNDAÇÃO   J OSÉ  S ARAMAGO

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 F U N D A Ç Ã O  J O S É  S

 A R A M A G O

 T H E  J O S É  S A R A M A

 G O  F O U N D A T I O N

 C A S A  D O S  B I C O S

 O N D E  E S T A M O S 

 W H E R E  T O  F I N D  U S

 R ua d o s  Ba ca l h oe i r o s,  L i s b oa

 Te l : (   3 5 1 )  2 1 8  8 0 2  0 4 0

 w w w. j o se sa ra ma g  o. o r g 

 i n f  o. p t@ j o se sa ra ma g  o. o r g  

 C O M O  C H E G A R 

 G E T T I N G  H E R E

 Me t r o  S u b wa y  Te r re i r o d

 o  Pa ç o 

(  L i n ha a z u l 

 B l ue  L i ne )

 A u t o ca r r o s  B u se s 

 2 5 E,  2 0 6,  2 1 0, 

 7 1 1,  7 2 8,  7 3 5,  7 4 6, 

 7 5 9,  7 7 4, 

 7 8 1,  7 8 2,  7 8 3,  7 9 4

 S e g  u n d a  a  S e x t a

 M o n d a y  t o  F r i d a

 y

 1 0  à s  1 8  h o r a s

 1 0  a m  t o  6  p m

 S á b a d o

 S a t u r d a y

 1 0  à s  1 4  h

 o r a s

 1 0  a m  t o  2  p m

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l e i t u r a s   d o   m ê s

O centenário

de um monumento

No dia 14 de novembro de 1913, Marcel Proust viu o primei-ro dos sete volumes de  Em Busca do Tempo Perdido, Do Lado de Swann, chegar à forma de livro. O autor pagou aedição com o seu próprio dinheiro, depois de ter recebidouma resposta negativa à proposta de publicação da obra

na prestigiada editora Gallimard. Mais tarde, a editora Grasset haveriade publicar a obra, tornando-se a casa de uma das mais fundamentaispeças literárias do século XX, e André Gide, na altura consultor edito-

rial da Gallimard, ficaria para sempre associado a uma das anedotasdo mundo editorial europeu depois dessa recusa em publicar o livro deMarcel Proust.

No centenário de Em Busca do Tempo Perdido, o diário  El País publi-cou um dossier sobre o autor e a sua obra. Félix de Azúa assina o tex-to de abertura, contextualizando a vida e o trabalho de Proust no seutempo e apontando algumas leituras que explicam a integração dos setevolumes no cânone da literatura universal: «Leer la Recherche no es solointroducirse en un universo de ficción extremadamente inteligente, estambién aprender a reflexionar sobre nuestros vicios y virtudes, mo-dos de amar, creencias falsas, esclavitudes, holgazanerías, o verdades

hipócritas. Es una auténtica enciclopedia de la humanidad moderna, desu gloria y de su estupidez.» A este texto juntam-se artigos de MiguelMora, Colm Tóibín e Winston Manrique.

  Proust u

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Matéria de vida

No diário colombiano El Espectador , Santiago Gamboa assi-nou recentemente uma crónica dedicada à leitura de umromance do escritor argentino Martin Caparrós, Comí  (Anagrama). O livro tem como personagem principal umcrítico gastronómico que se vê confrontado com a ne-

cessidade de se submeter a uma colonoscopia preventiva e a narrativaconstrói-se a partir de uma reflexão sobre a fragilidade da vida, temaque Gamboa explora no seu texto tendo em conta o ambiente e os inte-resses da personagem. Quem tenha lido o livro reconhecerá a justeza dareflexão, supõe-se, e quem não tenha tido essa oportunidade ficará com

a vontade aguçada. Um excerto:«La novela reflexiona sobre la vida y la posibilidad de perderla, y lo

hace desde el miedo, que es una de las más activas escuelas de pensa-miento. Allí están la vida, el placer, el gusto, y sus contrarios: el dolor,el asco, la muerte. Un verdadero menú gourmet para la filosofía máselemental, para una teleología del propio cuerpo y su inevitable des-tino, que no es otro que el de confundirse, in extremis, con algo muyparecido a esa misma materia que cotidianamente expulsa de su hortusconclusus.»

  Caparrós u

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A censura na primeira pessoa

Os métodos da censura no Brasil, durante a ditadura mili-tar, assim como os métodos da censura em quase todos ospaíses que a praticaram e praticam, são conhecidos. Tor-nam-se mais conhecidos e transparentes quando as dita-duras acabam, porque o trabalho de historiadores, soció-

logos, jornalistas e divulgadores permitem iluminar pormenores antesdesconhecidos, mesmo que já tenham passado muitos anos sobre o fimdos regimes. Na Folha de São Paulo, um artigo de Fernanda Odilla e Na-tuza Nery traz novos dados sobre a censura brasileira, contando paraisso com declarações de algumas das suas protagonistas, neste caso cin-

co mulheres que trabalhavam como censoras e que tinham como preo-cupação quotidiana eliminar cenas ou referências sexuais consideradasmais ousadas, bem como palavrões e outro tipo de linguagem conside-rada imprópria pelo regime, de todos os documentos que lhes passavampelas mãos. Como é apanágio dos regimes ditatoriais, tudo era escruti-nado, porque tudo oferecia espaço e possibilidades para a «subversão»:«Os censores não escolhiam o que analisar, apenas recebiam uma esca-la de trabalho que poderia ter um filme de Sydney Pollack pela manhã,uma letra da Legião Urbana à tarde e, para terminar o expediente, umnem tão inocente assim filminho para crianças. «Tinha que assistir de

tudo e com muita atenção. Até desenho animado tinha cena de sexo»,conta a ex-censora Maria das Dores Oliveira Freire, 62.» Quem já nas-ceu em democracia tenderá a desvalorizar testemunhos como estes, porparecerem tão improváveis no mundo em que vivemos hoje, mas porisso mesmo eles são importantes. Sem a memória de gestos passadosé difícil equacionar como podemos confrontar esses mesmos gestos seeles reaparecerem, como tantas vezes acontece na História.

  Brasil u

l e i t u r a s   d o   m ê s

Contar a guerra na Síria

Numa altura em que a imprensa reduz ao mínimo os seusrecursos, cortando custos e levando o essencial pelo ca-minho, é gratificante acompanhar o trabalho que alguns

 jornalistas vão fazendo apesar de todas as dificuldades.No  Público, a jornalista Sofia Lorena tem acompanhado

a guerra na Síria, assinando reportagens que não só elucidam o leitorsobre o que se passa no terreno, contextualizando, ouvindo diferentesvozes e elencando factos essenciais para se perceber a situação, mas quesão igualmente textos onde o papel do jornalista não é reduzido àque-le mínimo de descrição factual, ilusório enquanto salvaguarda ética e

normalmente usado como justificação para cada vez menos espaço paratextos longos na imprensa. Nestes textos há espaço para os factos e paraas interrogações, para as histórias de gente comum apanhada pela guer-ra e para as declarações de ambos os lados do conflito, para o essencialdo discurso jornalístico e para uma narrativa que oferece uma leiturapara lá do factual, sem com isso perder idoneidade. Há, sobretudo, es-paço para afastar a tentação do maniqueísmo e convocar o pensamentocomo gesto essencial para ler o mundo e tentar percebê-lo, tudo coisasque resgatam alguma da esperança perdida nestes últimos anos em quese assumiu que o jornalismo estava em crise sem nunca se definir se a

crise era do jornalismo propriamente dito ou do modo como as notíciasse difundem e vendem, com todas as contingências que nesse processointervêm. Algumas das reportagens de Sofia Lorena na Síria podem serlidas a partir deste link.

  Síria u

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Guilherme Ivens Ferraz

Manual do Navegante Livraria Bertrand, Lisboa, 1950 (4ªedição)

Comprado na Feira do Livro da Amadora (5.00 euros)

As feiras do livro têm perdido a sua importância de mo-mentos excecionais, em que os fundos de catálogosdas editoras eram colocados à venda por um preçomais amigo das carteiras em crise, passando a ser aregra em muitos recantos das cidades maiores e mar-

cando igualmente presença em parte das cidades de menor dimensão.As ilações que podem tirar-se deste facto são muitas e envolvem mu-

danças profundas no mercado editorial ao longo dos últimos anos, al-guns desrespeitos pela Lei do Preço Fixo e a vontade de colocar livroscada vez mais recentes em venda direta aos leitores, de preferência comdescontos que não são comportáveis pelos livreiros. As consequênciastambém variam, das dificuldades de sobrevivência dos livreiros à desa-parição dos fundos de catálogo da maioria das feiras do livro, mas umdebate sobre esta matéria nunca poderia ser resumido numa página,mesmo que virtual, de revista.

Serve a constatação para referir a continuidade da Feira do Livro daAmadora, até há alguns anos um espaço amplo, localizado no ParqueDelfim Guimarães, onde podiam encontrar-se várias editoras nacionaise onde, na última edição, os  stands eram sobretudo ocupados por alfar-rabistas. Com a mudança de protagonistas, mudaram necessariamen-te os achados que podem fazer-se nos escaparates de cada  stand , e foiassim que se encontrou a 4.ª edição de um  Manual do Navegante, per-tencente à coleção Biblioteca de Instrução Profissional, editado pela Li-vraria Bertrand e com data de 1950. Na folha de rosto, o nome do autor,Guilherme Ivens Ferraz, vice-almirante, e o subtítulo, Regras e preceitosda lide do mar .

a l f a r r a b i s t a

 Sara Figueiredo Costa

O interesse geral desta cole-ção para quem não tem conhe-cimentos especializados ou uma

dedicação bibliográfica ao temade cada manual não está na hi-pótese de colocar em prática osensinamentos que se oferecem,ainda que isso seja possível sea vontade assim o decidir, masantes na oportunidade de per-ceber a organização, os gestose as implicações de um deter-minado ofício ou arte. No caso

do Manual do Navegante, o leitorcontemporâneo perceberá queapesar da evolução tecnológicade toda a maquinaria envolvi-da no movimento de um barcode grande porte, bem como naconstrução de barcos de todos

os tamanhos, os ensinamentos deste livrinho são preciosos para quemquer que decida fazer-se ao mar. Da observação das nuvens à previsãometeorológica, da resolução de acidentes à compreensão dos modos de

navegar em diferentes águas, passando pelo quadro, impresso a cores,das bandeiras que integram um código internacional de comunicaçãomarítima, e que podem ser de algum préstimo se a tecnologia mais re-cente falhar por qualquer motivo, tudo neste manual ajuda a perceber oque implica colocar pessoas em movimento num meio tão pouco estávelcomo é o marítimo. A tecnologia mais recente pode espantar-nos peloseu rigor, eficiência e alcance, mas enquanto houver barcos no mar, é

 bom que haja quem saiba como mantê-los a funcionar em segurança nocaso de tudo isso falhar.

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il

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cruzf

as mil e umanoites de

Sara Figueiredo Costa

texto e fotograa

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a f o n s o c r u z

 mais recente romance de Afonso Cruzguarda uma reflexão profunda sobre ahumanidade e a sua capacidade de se

entender por entre diferenças e confli-tos vários sob um título que parece fra-se quotidiana ou pergunta de circuns-tância.  Para onde vão os guarda-chuvas

(Alfaguara)  estrutura-se a partir dahistória de Fazal Elahi, um homem bom que vê o seu filho mor-rer com um tiro dos soldados americanos que ocupam o seu país(nunca nomeado). Esse acontecimento desencadeará um processo

de luto onde sobressai a tentativa de encontrar uma justificaçãopara o sucedido, uma espécie de arrumação universal que permitadefinir um equilíbrio de justiça e injustiça numa sucessão de cau-sas e efeitos, mas igualmente o confronto com o que de melhor epior podemos encontrar na natureza humana. Construída em ca-pítulos curtos e fragmentários, cruzando histórias e personagenscujas relações se vão definindo à medida que o livro avança,  Para

onde vão os guarda-chuvas  inclui também diferentes tipos de dis-curso, abrindo com um capítulo onde texto e imagem concorrempara a construção do significado e encerrando com um apêndiceintitulado ‘Fragmentos Persas’, um livro supostamente escrito noséculo VII de que só terão sobrevivido certas passagens. Poucodepois do lançamento do livro, Afonso Cruz conversou com a Bli-

munda sobre o seu mais recente trabalho publicado.

O título deste livro é uma pergunta, ainda que sob a forma arma-

tiva. Crês ter encontrado a resposta?

Não creio que haja uma resposta. Há uma série de pessoas que

acreditam ter uma resposta, e até uma solução, mas não há ne-nhuma resposta cabal. É daquelas perguntas que, se soubéssemoscomo responder, saberíamos tudo.

Um dos personagens deste livro, um dervixe que vai ter com Fazal

Elahi para tentar amenizar a dor que este sente pela morte do lho,

diz: «procura uma resposta, mas as respostas são perguntas mor-

tas, são as perguntas que nos fazem mexer». Esta ideia de ser mais

importante fazer perguntas do que encontrar respostas norteou a

construção deste livro?

É sobretudo uma maneira de estar. E quando escrevo um livrocomo este, é inevitável que as perguntas se tornem maiores do queas respostas. Acabo sempre por fazer um elogio às perguntas, por-que as respostas são tudo aquilo que não nos deixa sair do lugaronde já estamos, portanto, só evoluímos com as perguntas, nãocom as respostas. Claro, momentaneamente, as respostas fazem--nos andar, mas só como um degrau para novas perguntas.

Falemos sobre a inevitabilidade da morte, um tema importante

 para o enredo do livro.

Bom, a morte não é bem inevitável.

Como assim?

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a f o n s o c r u z

Pode acontecer que a gente viva para sempre. Nós temos célulasque são imortais, como as células cancerígenas, e nada nos garan-te que não seja possível vivermos indefinidamente. Por exemplo,

se for encontrada uma vacina para o cancro, isso não é impossí-vel. Claro que teremos sempre a morte acidental, porque essa nãopode ser evitada – se cair um meteorito, podemos morrer todos.

Essa possibilidade agrada-te?

Não penso muito nisso. Talvez os meus filhos possam usufruirdessa hipótese... Desde os anos 50, 60, que há investigadores a fa-lar disto. E se pensarmos que vivemos mais uns dez anos do que

a geração anterior, e se imaginarmos o que a ciência pode evoluirnos próximos 50 anos, as coisas tornam-se mais possíveis.

Quase tudo o que associamos à ideia de condição humana passa

 pela certeza da morte. A imortalidade não nos retiraria aquilo que

é essencial?

Sim, acredito que sim. O que ia acontecer era uma espécie dedesaceleração moral. A partir do momento em que não temos amorte como charneira, deixamos de ter necessidade de fazer de-terminadas coisas. Não preciso de fazer o bem hoje, nem amanhã.

Pode car para daqui a um século...

Exato. O Jorge Luis Borges tem um conto sobre isso, em queninguém ajuda as pessoas que caíram num buraco porque sãoimortais, logo, para quê ajudá-las hoje? Perde-se isso, claro, bem

como a maior parte das coisas que nós achamos belas e que têma ver com a efemeridade, como os encontros e desencontros, asperdas e a sua superação.

Ficaríamos insensíveis.

Sim, pelo menos temporariamente, já que teríamos sempre ahipótese da morte acidental.

Fazal Elahi perde um lho e a dor insuportável que carrega a partir

desse momento é o seu principal universo. Essa dor leva-o a colocar

algumas questões sobre o que acontece, ou não acontece, depois

de morrermos, questões essas que permitem ao texto reetir sobreessa questão a partir da dicotomia crentes/não crentes.

Quando se é crente, as pessoas tendem a imaginar o que acon-tecerá nesse momento e a partir dele.

E esse questionamento é, para ti, uma matéria sobretudo literária

ou relaciona-se com uma leitura pessoal do mundo? Ou as duas coi-

sas estão intimamente relacionadas?

Creio que estão sempre relacionadas, sim. Eu sou um ateu,acho, apesar de ter alguma dificuldade com alguns ateus.

Como assim?

Por ser uma negação, o ateísmo implica a negação de uma sé-rie de coisas que eu não acho muito lógicas. Por exemplo, se meperguntam se eu acredito em deus, tenho de saber de que deus

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a f o n s o c r u z

estamos a falar antes de responder. Um deus católico é diferentede um deus maniqueísta, ou iorubá, ou islâmico. E depois há asreligiões que não falam de deus, ainda que nós chamemos deus

àquilo de que elas falam, como o budismo, ou o taoísmo. Portanto,quando me perguntam se acredito em deus, é-me impossível co-nhecer todas as definições de deus, o que torna difícil uma respos-ta absoluta. Erich Fromm dizia que deus era um vocábulo poéticoque reunia todas as virtudes.

E nessa perspetiva, já não te custa acreditar?

 Já não, mas para um crente, isso não deixa de ser ateísmo. En-

fim, acredito que há tantas maneiras de ver o mundo e de o expli-car que por vezes caímos na tentação de resumir tudo a vocábulose definições, mas se esquecermos a palavra deus, às tantas pode-mos estar a falar da mesma coisa, ou de coisas semelhantes.

Isso lembra um dos ‘Fragmentos Persas’, o livro do século que terá

sido recuperado por um tal Téophile Morel e que surge como apên-

dice de Para onde vão os guarda-chuvas: «e para que ninguém nos

compreenda, inventaremos a religião».

As religiões são sempre muito contextualizadas e historicamenteserviram determinadas sociedades, não só em termos metafísicos,mas igualmente em termos legislativos, morais, etc., e portanto hácoisas que têm muito a ver com a altura em que se vivia. Por exem-plo, é possível que a questão da impureza do porco se deva ao factode aqueles serem povos nómadas, e os porcos são animais seden-

tários. Os outros animais, os que podiam ser levados de um lugarpara o outro, eram puros. Ou seja, há muitas prescrições religiosasque têm a ver com o tipo de vida que as pessoas tinham na altura

em essas prescrições foram fixadas, mas depois são radicalizadas eacabam por se transformar em fundamentos eternos. E talvez nãosejam essas coisas aquelas que deviam ter primazia, mas antes asque se relacionam com aquilo que podemos entender como uma es-pécie de unidade fundamental de todas as religiões, e que têm a vercom determinadas virtudes e sentimentos.

 A ideia do castigo divino e da recompensa pelas boas ações, uma

leitura que alguns crentes assumem na sua relação com a religião,é questionada neste livro a partir da morte do lho de Fazal Elahi

 – que sempre teve um comportamento moral correto mas, ainda

assim, foi exposto a uma das maiores dores humanas.

Não há qualquer justiça, nesse sentido. Claro que há sempreaquele argumento teológico que diz que não compreendemos to-dos os caminhos divinos... Mas será que todas as pessoas que es-tão num avião no momento em que ele cai, ou num território quesofre um terramoto, tinham de morrer como se essa decisão de-pendesse de uma força divina, como se fosse um castigo? É difícilaceitar e é aí que nascem as questões de Fazal Elahi. Há uma pará-

 bola chinesa que ilustra a ideia da consequência das ações e que émuito interessante.

Podes contá-la.

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a f o n s o c r u z

Era um homem que só tinha um cavalo, e um dia o cavalo foge.Nessa altura, um vizinho aparece para lhe dar os pêsames e o ho-mem responde ‘Talvez’. No dia seguinte o cavalo volta acompa-

nhado de uma égua e o vizinho vai dar-lhe os parabéns, porqueagora tem dois cavalos, mas o homem volta a responder ‘Talvez’.Um dia depois, o filho do homem vai tentar domar a égua e cai,partindo uma perna, o que leva o vizinho lá a casa para dar os pê-sames ao pai da criança, que responde ‘Talvez’. Passado outro dia,aparece um exército a recrutar soldados para a guerra que decor-ria na fronteira e o filho do homem não é levado porque tinha umaperna partida, o que o impedia de combater. Claro que o vizinho

regressou para lhe dar os parabéns, e o homem voltou a respon-der ‘Talvez’. Por outro lado, há uma história da Ásia Central queé exatamente ao contrário, ou seja, que conduz a uma coisa real-mente boa e definitiva. Um sultão e um vizir estão a caçar juntos eacontecem-lhes muitas peripécias, algumas das quais já não recor-do, mas o importante é que acabam por perder-se. Nessa altura, ovizir diz ao sultão que ‘deus faz tudo pelo melhor’. As peripéciascontinuam, com vários acidentes, e o vizir não se cansa de repetira mesma frase, até que o sultão está a tentar cortar uma raiz paracomer, corta acidentalmente um polegar. Claro que o vizir voltaa dizer que ‘deus faz tudo pelo melhor’. Muito irritado, o sultãomanda o vizir embora e fica sozinho, acabando por ser encontra-do por um grupo de devotos de Kali, que decidem oferecê-lo emsacrifício a esta deusa. O sultão é levado, mas os devotos desistemde o sacrificar quando percebem que lhe falta um polegar, o que

faz com que o seu corpo já não seja digno de ser oferecido em sa-crifício. Nessa altura, o sultão é libertado e a sua primeira reaçãoé procurar o vizir para lhe dizer que realmente ‘deus faz tudo pelo

melhor’. E é curioso, porque é como se terminássemos a históriado chinês quando chega o cavalo, ou quando o exército não lheleva o filho. É uma visão muito otimista, enquanto a da históriachinesa não é otimista nem pessimista, apenas assume que umacoisa leva à coisa seguinte, indefinidamente.

Isso faz-nos pensar na questão do equilíbrio, e do desequilíbrio, das

coisas que acontecem no mundo, um dos temas abordados por este

romance. Num sítio há destruição, mas no outro há criação; numacasa há morte, mas na casa ao lado há um nascimento. Escreveste

este livro para transmitir essa mensagem ou a ideia decorre da

estrutura do livro e do desenrolar em paralelo das várias histórias

que o compõem?

Não foi uma decisão prévia, mas é algo que decorre da minhaforma de pensar e ver o mundo.

Mas não há uma certa intenção de provar uma tese com este livro,

ou seja, de defender a ideia de que poderíamos entender-nos todos

um pouco melhor se aceitássemos coisas como o decorrer inespera-

do de cada vida, as diferenças culturais que parecem separar-nos

e essa espécie de equilíbrio universal que faz com que possamos

sempre encontrar o pior e o melhor da humanidade em todos os

contextos?

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a f o n s o c r u z

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a f o n s o c r u z

Nesse sentido, sim. Não escreveria se não tivesse essa verten-te mais filosófica como conteúdo da própria história, porque naverdade eu escrevo para atribuir narrativas, histórias, um estilo

a esse tipo de pensamento e de reflexão. Não me imagino a escre-ver um ensaio, por exemplo, e creio que prefiro vestir as coisasde um modo lúdico, à maneira oriental. Mas sobretudo creio quenão escreveria se apenas tivesse para contar uma história quefosse apenas engraçada, ou muito verosímil, ou com uma formamuito bela. Ou seja, interessa-me fazer todas essas coisas, masa que mais me motiva a escrever é a que inclui o conteúdo maisfilosófico.

 A primeira parte do livro, uma narrativa ilustrada que poderia ser

classicada pelas livrarias como ‘infantil’ se tivesse sido publicada

isoladamente, foi pensada de raiz para integrar este romance?

Foi pensada como um outro livro, porque a minha ideia inicialera publicar três livros, um sobre a infância de Fazal Elahi, outrosobre a adolescência e outro sobre a idade adulta. Mas a partir decerta altura decidi incluir esse primeiro livro, sobre a infância, noromance, deixando cair a parte sobre a adolescência, e estou satis-feito com o resultado.

 A ideia das histórias contadas de modo fragmentário, deixando o

leitor em suspenso no nal de um capítulo e só revelando a con-

tinuação da narrativa alguns capítulos adiante, remete imediata-

mente para o universo e a estrutura de As Mil e Uma Noites. Este

modo de contar uma história, a partir de fragmentos que têm de

saber esperar para serem desvendados, é algo que te é caro en-

quanto escritor?

Sim, muito. E para mim é um modo natural de escrever, dei-xando os capítulos por encerrar e mantendo uma certa força dra-mática que não revela tudo. Creio que aquilo de que gosto é de irtecendo as vidas das personagens à medida que a história avança,sempre a partir de uma história previamente estruturada.

Como um tapete que vai ganhando desenhos e sentidos, à seme-

lhança dos tapetes que Fazal Elahi tece?

Exato. Na verdade, Fazal Elahi podia ter qualquer profissão,mas decidi que seria vendedor de tapetes por isso mesmo, por-que me agrada a ideia da tapeçaria enquanto um cruzamento delinhas, um pouco como a nossa própria vida. Não é que seja umametáfora original, porque a tapeçaria como forma de explicar ouniverso é antiga, mas agrada-me pela estrutura e pela relaçãocom o modo como os personagens deste livro entendem o mundo.

O espaço onde decorre esta história é indenido, ainda que haja

referências que nos remetem para uma determinada geograa,

algures entre o Médio Oriente e a Ásia Central. Por que é que

escolheste essa área e por que é que não nomeaste um território

especíco?

Há referências que correspondem às necessidades da próprianarrativa, ou seja, tinha de ser um lugar onde houvesse muitos

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a f o n s o c r u z

muçulmanos e onde existisse a interferência do exército norte--americano no dia a dia, para que houvesse ódio entre ambos.Não é que não exista esse ódio noutros sítios onde não há inter-

ferências de exércitos estrangeiros, mas onde há o sentimento émais forte e a revolta é maior, independentemente de serem norte--americanos. Na verdade, basta que haja petróleo ou oleodutos apassar e esses espaços acabam sempre por ser o pano de fundodestes jogos geopolíticos onde quem sofre não costumam ser ospoderosos... Portanto, teria de ser um país com estas característi-cas e que estivesse perto da Índia, para poder haver a presença deNachiketa Mudaliar, o hindu, e perto da antiga Pérsia, por causa

dos ‘Fragmentos Persas’, e onde houvesse trabalho infantil. Reu-nindo estas características todas, talvez o Paquistão seja o melhorcandidato, mas podia ser outro. Como não conheço o Paquistão,acabei por fazer uma amálgama de características de outros sítiosem latitudes próximas e onde já estive.

Os ‘Fragmentos Persas’ que encerram o livro são uma invenção tua,

e uma invenção que se torna essencial em certas passagens do ro-

mance. Por que é que escolheste apresentar essas ideias num con-

 junto de máximas, sentenças e mandamentos espirituais e não in-

seridas no texto?

Sobretudo por uma questão estética e de estrutura. Há coisasque se dizem nos ‘Fragmentos Persas’ e que só funcionam assim,porque se fossem ditas fora desse contexto de um livro suposta-mente escrito no século VII ou VIII e de que só sobreviveu uma

parte do texto, pareceriam uma espécie de discurso de autoajuda,algo que eu não queria. Há coisas que merecem ser ditas e que pre-cisam de ser ditas, mas que podem parecer pirosas num determi-

nado contexto, deixando de o ser noutro.

Não é a primeira vez que inventas livros ou textos supostamente

escritos por outras pessoas, igualmente inventadas por ti, e por

vezes incluis esses textos em mais do que um livro, como acontece

com estes ‘Fragmentos Persas’, que já surgiam em livros como a

Enciclopédia da Estória Universal. Esse gesto de construir mun-

dos, ou um mundo complexo e fragmentário, a partir de textos

fundadores, num certo sentido, interessa-te enquanto projeto li-terário?

Sim, interessa-me ir encadeando estas histórias e ir mexendonelas à medida que avançam, cruzando-as sempre que possível. Aideia é que as histórias funcionem independentemente umas dasoutras, mas que possam ganhar uma força e uma riqueza maioresse forem lidas em conjunto, unindo os seus vários pontos.

Isso faz de ti uma espécie de construtor de tapetes.

Se calhar, sim. O processo é o mesmo.

d k

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ond akPrémio Saramago 2013

Os transparentes estão em toda a parteSara Figueiredo Costa

fotograa Editorial Caminho

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 edição de 2013 do Prémio Lite-rário José Saramago, atribuído

desde 1999 pela Fundação Círcu-lo de Leitores a livros de autoresem língua portuguesa com idadenão superior a 35 anos, distinguiuo escritor angolano Ondjaki peloromance Os Transparentes  (Cami-

nho). Nascido em Luanda, em 1977, Ondjaki tem obra repartidapela poesia e pela prosa, com algumas incursões nos livros in-

fantojuvenis, e igualmente no cinema, com o documentário OxaláCresçam Pitangas, co-realizado com Kiluanje Liberdade.

No dia do anúncio do prémio, com a sala da Fundação JoséSaramago cheia de gente que aguardava para saber quem seria opróximo premiado, Ondjaki surgiu com aquela calma que escondealgum nervosismo e agradeceu a distinção, dedicando-a a Angolae aos angolanos e lembrando outros escritores que são referênciasliterárias para o seu trabalho, mas também afetivas e identitárias.Na conversa que se seguiu, com a  Blimunda, o autor insistiu noagradecimento coletivo: «Desde o momento em que me comuni-caram que era vencedor deste prémio, senti que era uma honra,mas logo pensei que o prémio não era só meu, e por isso referios nomes de tantos escritores. E depois, há Angola, porque nóssomos de um lugar. A minha escrita e aquilo que eu sou tem tudoa ver com a formação que eu recebi lá, e por isso falei nas minhas

professoras de português, que foram essenciais, e nos escritoresque são as minhas referências. Fico muito satisfeito por terem-me

dado uma coisa que eu posso dar a Angola ao dizer que este pré-mio é dos angolanos.»

Numa Luanda que podia ser Babel, tantas são as histórias, asvisões e os caminhos que se cruzam em sobreposição de falas egestos, um prédio assume-se como lugar central da narrativa,mesmo sabendo que numa cidade tão grande é difícil apontar umcentro. Aí se cruzam personagens cujo quotidiano é marcado pordificuldades de vários tipos, desde a crónica falta de água (mitiga-

da por um dos patamares do prédio, de onde jorra o precioso lí-quido como se de um rio se tratasse) até à crónica falta de dinheiroque lhes permita aceder aos bens essenciais. Não é um contexto depobreza extrema, antes um modo de viver que se reconhece pobre,mas onde proliferam as estratégias, nem todas legais, para fazerchegar a comida à mesa e para, entre esse gesto de luta constante eas outras maleitas do dia a dia, assegurar que a vida não é apenasa sobrevivência, por mais que esta seja essencial. No conjunto dashistórias de cada personagem e no modo como estas se cruzamna prosa de Ondjaki, o que assoma é um retrato da Luanda dosdias de hoje. «O prédio, tive de pensar um bocadinho nele, paraperceber quem ia ser o quê. Não é possível ver e viver Luanda hojecomo uma coisa organizadinha, linear, e quando as pessoas dizemque isto são uma data de histórias que se acumulam eu digo, sim,mas o Oxalá Cresçam Pitangas  também era isso. Quem é quem?

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Não interessa, porque quem está a falar é a cidade. Essa fragmen-tação, esse puzzle, é o que é Luanda. Não tenho a pretensão de que

o livro explique grande coisa, porque Luanda é uma cidade muitocomplexa. Sempre digo isto e nem é coisa só minha: o Manuel Ruianda a fazer isso, assim como o Pepetela, o Agualusa... Andamostodos a tentar expor um bocadinho daquilo que entendemos, ounão, do que é a Luanda de hoje. De certa maneira, e isto eu achoque é bonito, a história de Angola está a ser escrita pela ficção eisto vai ter de ser levado em conta. Quem for ler Angola pela ficçãosabe que tem ali elementos muito verídicos, mas tem de ter algumcuidado, porque isto não deixa de ser ficção. Isso só aumenta o la-

 birinto, e talvez o interesse.»

s transparentes que dão título ao ro-mance são, então, aquelas pessoas quenem sempre se veem e cuja existênciaprecisa de um olhar diferente daqueleque o poder costuma assumir para sernotada. São, nas palavras duras de um

dos personagens do livro, os pobres:não somos transparentes por não comer...

nós somos transparentes porque somos pobres, diz Odonato, recusan-do a ideia de se sentir a desaparecer por causa da escassez de ali-mentos e da magreza. «Esta ideia dos transparentes nasce de umaobservação e – não digo isto para desculpabilizar o meu país –

não é só em Angola. Eu vejo estes transparentes todos os dias emalgum lugar do mundo, na Palestina, nos bairros mais pobres do

Brasil ou da Colômbia, na periferia de Luanda, em Portugal. Sãopessoas que são convocadas em determinados momentos políti-cos e depois são dispensadas na maioria do tempo. Mas estas pes-soas são a maioria nas cidades e isto não tem apenas a ver com ospobres, apesar da frase do Odonato, porque há transparentes nasclasses médias, só que têm a vida mais bem governada do que osoutros. Não sei se falar deles é uma missão, mas acho que foi algoque se foi acumulando em mim. Este livro começa a ser imaginadohá muitos anos, em 2001, e só o escrevo em 2009, por isso tive mui-tos anos para considerar se era uma ideia de brincadeira ou se eraalgo que valia a pena pegar. Acho que não sei ao certo quem são ostransparentes e também escrevi para perceber quem são aquelesque eu penso que sejam os transparentes. Ainda não sei.»

s vozes dos personagens e a his-tória de cada um deles cruzam-seem Os Transparentes até formarem

um retrato coletivo da cidade, ummodo de olhá-la e entender-lhe asesquinas, pelo menos até onde épossível entender, já que as situ-ações aparentemente absurdas

parecem ser o alimento diário de quem tem pouco com que ali-

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o n d j a k i

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mentar-se. Num certo café da cidade, há uma arca frigorífica quetoda a gente garante estar ligada à eletricidade desde o dia da in-

dependência. Há um homem que se apresenta como coronel e emtoda a parte parece ser levado a sério. E há, absurdo maior, um go-verno que decide cancelar um eclipse solar para honrar o funeralde uma falecida recente, a senhora Ideologia. Quando se perguntaao escritor se não estaremos, já, no domínio do fantástico, a res-posta é clara: «Acho que há muita gente que pensa que se o MPLAquiser, cancela um eclipse. Com tudo o que isto pode implicar. Efoi por isso que trabalhei essa ideia. Claro que o partido no poder

é o MPLA, mas às vezes também estou a falar do poder em si, enão neste em particular. O poder é uma coisa esquisita e não há amínima dúvida de que corrompe. Até desconfio que se deus existee é realmente poderoso, então já foi corrompido.» E a senhora Ide-ologia, morreu mesmo ou estará de boa saúde? «O que aconteceno livro com o assumir, por parte do governo, da morte de umasenhora chamada Ideologia, o destaque que se dá e o facto de te-rem decretado três dias de luto, anulando o eclipse, é justamenteaquilo que não aconteceu em Angola. Ou seja, o que não aconteceufoi assinalar-se, mas a ideologia morreu em Angola, algures nofim dos anos 80, ninguém deu conta, ninguém avisou e o funeralfoi discreto. Nem sequer me estou a referir ao marxismo-leninis-mo ou, como lhe chamávamos, ao socialismo esquemático, estoua dizer que era preciso avisar as pessoas da mudança de direçãodo ponto de vista de quem manda. Na casa de cada um, cada um

sabe, mas a nível do governo do país, houve ali uma altura em queo procedimento político se esvaziou completamente de orientação

ideológica, portanto a ideologia morreu. Era isto que eu queriaassinalar no livro. A senhora morreu, mas ninguém perguntouquem a iria substituir.»

edicando o prémio a Angola, Ondjakiexpressou claramente a sua vontadede mais justiça e maior capacidade dediálogo e debate no país que o viu nas-

cer. Falou, também, de algo que pareceelementar, mas que surge como condu-ção para as atitudes de algumas perso-nagens deste livro: a capacidade de ter

dúvidas. Afinal, em que é que se concretizam estes desejos de umescritor relativamente ao seu país de origem? «Primeiro, nessacapacidade de discutir abertamente as coisas políticas. Estamoscom um problema em Angola, que eu creio que também é um pro-

 blema africano, e depois mundial, que é este: já é possível falar-sesobre quase tudo, o que ainda não acontece é haver quem escu-te o que todo o mundo está a falar. Escutar é agir, por isso falode escutar para depois mudar. Falar, pode falar, pode dizer o quequiser do presidente, deste, daquele e do outro, mas o que é queacontece do ponto de vista prático depois de se dizer certo tipode coisa? Quase nada. Portanto, desejo uma maior abertura, uma

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maior capacidade de debate. Depois, desejava que a reconstruçãonacional passasse a dar prioridade a outras coisas que não só as

estradas, as pontes, as escolas, os hospitais e os prédios, que euentendo que sejam precisos, mas isso é uma reconstrução mate-rial e é preciso dar a mesma prioridade à reconstrução imaterial, àcultura, às artes, às línguas nacionais e ao seu espaço. Isto parecetão óbvio, mas oxalá que assim fosse. Tanto me faz que esteja oMPLA, a FNLA ou a UNITA no poder, desde que respeitem maisos direitos humanos dos cidadãos. Chega de causar tanto sofri-mento às pessoas por falta de água, de luz, num país com tantos

rios e barragens. Acredito que estejam a tentar, e nunca disse quenão se está a fazer nada em Angola, mas acho, como cidadão, quetem de se fazer mais.»

e regresso ao que recebeu dos outros, es-critores e não só, e sobretudo daquelesa quem chama «os meus mais velhos»,Ondjaki fala na herança de memórias,saberes e afetos, matéria essencial paraa sua escrita e para a sua vida: «Feliz-mente, tenho na minha bagagem, ou naminha algibeira, como dizia o Tio Joa-

quim, mais velhos de vários campos. Alguns são mestres de sa- bedoria sem terem nada a ver com a escrita, como um pescador.Tenho a minha família e os mais velhos de outras famílias, e tenho

os meus mais velhos literários, de quem falo sempre abertamen-te, como Luís Bernardo Honwana, Manuel Rui, Luandino Vieira,

Ana Paula Tavares, Ruy Duarte de Carvalho e tantos outros. Tudoisto, eu acho que faz uma pessoa. Hoje falei neles porque era umdia importante para mim e tinha de trazer para as minhas palavrasaquilo que me é importante, então trouxe aqueles que me dizem eme falam afetivamente. Como essa frase que eu lembrei, 'a canetaé a arma do pioneiro', que estava escrita nos nossos cadernos daescola, porque o que eu trouxe aqui são pedaços de coisas que eusei que sou. E hoje, aqui, como era um dia intenso, com muitas

pessoas a olharem, tinha de trazer essas coisas para me defender,porque eu não ando sozinho e não podia vir aqui sozinho recebereste prémio. A herança é aquela que recebemos, mas também aque escolhemos. E a herança define muito o futuro.» O de Ond-

 jaki, tudo indica, continuará a passar pela escrita.

 

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Jeronimo Pizarro

Para um bommaginário,

eia-viagem

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p a r a u m b o m i m a g i n á r i o , m e i a - v i a g e m b a s t a . . . 1

OooooOoooo (som de comboio)

um conhecido poema, publicado emvida, Fernando Pessoa remata assim

o seu texto: «Sentir? Sinta quem lê!»( Presença, n.º 38, Abril de 1933, p. 7). Setrocarmos esse verbo por um outro, overso talvez pudesse ser este: «Viajar?Viaje quem lê!». Afinal, como terá ditoÁlvaro de Campos – o poema não traz

atribuição de autoria, embora esta pareça certa – «a melhor ma-neira de viajar é sentir». Cito o sugestivo fragmento lírico em que

o afirma:

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.Sentir tudo de todas as maneiras.Sentir tudo excessivamente,Porque todas as cousas são, em verdade, excessivasE toda a realidade2  é um excesso, uma violencia,Uma allucinação extraordinariamente nitidaQue vivemos todos em commum com a furia das almas,O centro para onde tendem as estranhas forças centrifugasQue são as psyches humanas no seu accôrdo de sentidos.Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como varias

pessoas,Quanto mais personalidades eu tiver,Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,

Quanto mais simultaneamente sentir com todas ellas,Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente attento,Estiver, sentir, viver, fôr,3 Mais possuirei a existencia total do universo,

Mais completo serei pelo espaço inteiro fóra,Mais analogo serei a Deus, seja elle quem fôr,Porque, seja elle quem fôr, com certeza que é Tudo,E fôra d’Elle ha só Elle, e Tudo para Elle é pouco.

Cada alma é uma escada para Deus,Cada alma é um corredor-Universo para Deus,Cada alma é um rio correndo por margens de Externo

Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.(Pessoa, 1990, p. 263; cota 69-44r-v)

De modo a possuir «a existencia total do universo», Pessoapropõe que se sinta e que se sinta «como varias pessoas», sendocada uma dessas pessoas um mundo e «um corredor-Universopara Deus». Viajar, viajar fisicamente, foi algo que, de facto, lheaconteceu – ir e voltar da África do Sul – e que simultaneamentecultivou como um sonho, um objetivo vago – ir viver para Ingla-terra –, mas que, porém, nunca procurou ativamente, como umaforma de conhecer novos mun-dos e viver novas experiências.Até mesmo em Portugal, Pessoaterá viajado pouco e não sabe-mos se terá sequer visitado o

1. Apresentei a primeira versão destetexto em Matosinhos, a 24 de Maio de2013, na conferência inaugural do festi-val Lev – Literatura em Viagem.2. No original, por lapso, «relaidade».3. Com um segmento riscado: «Estiver,viver, ser sentir, viver, fôr,».

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Porto, por exemplo. Enquanto Camilo Pessanha viajava entre aChina e Portugal4, enquanto Mário de Sá-Carneiro sentia as «ân-sias» de Paris ou de Barcelona, enquanto António Ferro prepa-

rava a sua Viagem à Volta das Ditaduras – título de um conjuntode entrevistas publicado em 1927 –, Fernando Pessoa «viajava» aoOriente através do opiómano Álvaro de Campos (cf . «Opiário»),«viajava» pela Europa pela mão de Sá-Carneiro, e «viajava» infi-nitamente no perímetro do seu próprio quarto, do seu escritório eda sua cidade, primeiramente sob a máscara de Vicente Guedes e,mais tarde, sob o nome de Bernardo Soares. Num dos textos maisfragmentários do Livro do Desassossego, o autor declara:

O Ganges passa tambem pela Rua dos Douradores. Todas as  epocas estão neste quarto estreito – a misturaa successão multicolor das maneiras,as distancias dos povos,e a vasta variedade das nações

(Pessoa, 2013, p. 248; cota 1141-18v)

Sempre me impressionou essa frase: «O Ganges passa tambem

pela Rua dos Douradores». Pessoa, que eu gostaria de ver fotogra-fado em trajes exóticos, ou em fato-de-banho ou a caminhar sob aneve, nunca percorreu a planície do Ganges, nem os 2500 km deextensão desse rio indiano, mas nesta frase em jeito de haiku, faz oGanges coincidir com a rua que ele próprio universalizou no Livro

do Desassossego. Verdade ou não – e a verdade não interessa muito

em literatura –, o certo é que essa passagem aviva-nos a imagina-ção, e que podemos imaginar, por exemplo, que a rua é um rio, eque nas margens da rua dos Douradores, como nas margens do

Ganges, também cresce e floresce uma civilização, embora a lis- boeta seja mais urbana. Sentimos e viajamos. Lemos e viajamos,ainda que não abandonemos o nosso local de leitura. Sente quemlê. Viaja quem lê. Então, porquê viajar fisicamente se a próprialiteratura nos faz viajar, parece perguntar-nos, desafiando-nos,Pessoa? Porquê fazê-lo, se tanto viajamos peregrinando ou lendoa Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, deambulando ou lendo asdeambulações de Stephen Dedalus no Ulisses de James Joyce?

ntes de regressar a Fernando Pes-soa e a este tipo de viajante maissedentário, sempre no cais semquerer partir, sempre na estala-gem sem querer prosseguir, gos-taria de visitar um outro escritorportuguês que admiro: Dinis Ma-chado. Machado escreveu uma

epopeia do Bairro Alto de Lisboa, tal como Joyce a de certos bair-ros de Dublin. Numa entrevista dirigida por Sara Belo Luís paraa revista Ler  (Outono de 2002), a jor-nalista questionou o escritor: «Queviagens é que fez?»; e esta foi a res-posta do autor de O Que Diz Molero:

4. Veja-se uma no tável fotografia deCamilo Pessanha em traje de man-darim – data do original: ca. 1894-1896 – no site da Biblioteca Nacio-nal Digital: http://purl.pt/14714.

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Não fiz quase viagens nenhumas. E as que fiz foram quasesempre relacionadas com o futebol. Fui uma vez a Londres, en-quanto estava no Diário Ilustrado, cobrir um jogo entre as selec-

ções militares de Portugal e Inglaterra. Também fui a Madrid,por causa de um Sporting-León, a Munique e a Barcelona, umacidade fulgurante de cuja força me admirei. Mas eu sou seden-tário, não gosto de viajar. As minhas viagens são todas como asde Céline, pela imaginação. Além disso, não preciso de ir aossítios: tenho fotografias, relatos, romances, filmes, mapas… Te-nho noção de como as coisas são, onde são e como funcionam.Sei, por exemplo, as ruas de Nova Iorque porque tenho a me-

mória do cinema de Raoul Walsh e de Howard Hawks. Claroque, como os espólios não são completos, apenas percebo o queé possível perceber. Mas, afinal, tudo na vida é um bocado ar-

 bitrário e ninguém pode ter a biblioteca total para saber tudo.Uma vez, perguntaram a Borges sobre a sua tarefa com a lite-ratura. «A minha tarefa», disse ele, «não seria particularmentedifícil, bastar-me-ia ser imortal para a realizar.»

(in Luis, 2008, pp. 56-57)

Machado evoca sintomaticamente Borges, que em 1984, doisanos antes de morrer e já cego, publicou um livro intitulado Atlas,em cuja capa se vê, dentro de um balão, o autor argentino acom-panhado por María Kodama. Mas Borges é celebrado menos poresse  Atlas do que pelos livros que escreveu depois do seu regres-so definitivo a Buenos Aires, donde viajou, como Dinis Machado,

através de «fotografias, relatos, romances, filmes, mapas…» e di-versas enciclopédias. Franz Kafka, Jorge Luis Borges, Dinis Ma-chado, Alexandre O’Neill e muitos outros escritores que conhe-ceram o «modo funcionário de viver» (O’Neill, 2000, p. 52) e que

não conseguiram, ou intimamente não desejaram, viver longe daPátria, viajaram menos pela imensidão física do orbe, do que pelaimaginação.

ontudo, o rapaz sobre o qual escreve Mo-lero no seu relatório, em O Que Diz Molero,depois do retrato que este faz do artistaquando jovem, anda e anda até encontrar a

última fronteira, tal como vaticinara Sara,a cigana, um dia no Bairro Alto. Assim,no romance, o rapaz gasta três camelos aatravessar o deserto do Saara, dorme nos

iglus dos esquimós durante os seis meses de noite do Pólo Norte,apaixona-se por uma «negrita de ébano» (Machado, [1977] 2007, p.141) na Patagónia, mata em defesa pessoal um crocodilo em Áfri-ca, caleja as mãos em Pequim e aprende a dizer «meu amor» emchinês, persegue búfalos num cavalo branco –oferta de três cow-

boys numa pradaria do Texas –, reencontra um companheiro doBairro Alto numa rua de Istambul acabando num bordel, aprendea dançar o tango em Buenos Aires – onde lhe falam de «um certo

 Jorge Luis Borges» (p. 145) –, segue para o Pacífico e lá parte cocos,perde-se no Mato Grosso e reaparece em Monte Carlo, passa a ser,entre muitas outras coisas, porteiro de boîte, actor de fotonove-

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las, colador de cartazes de rua, aprendiz de faquir, pedinte e dadorde sangue, tem «a sua parte de acidentes de trânsito, terramotos,naufrágios e vulcões em erupção» (p. 150), e regressa finalmenteao Bairro Alto «numa certa noite de lua alta» (p. 151). É no final

dessa circum-navegação, que o rapaz diz: «a terra inteira é este bairro e este sonho» (p. 152), tal como Bernardo Soares dissera:«Penso ás vezes que nunca sahirei da Rua dos Douradores. E istoescripto então parece-me a eternidade» (Pessoa, 2013, p. 361; cota2-67r).

Dinis Machado não era muito viajado, mas criou esta errantepersonagem que se transformou no «nómada dos nómadas» (Ma-chado, 2007, p. 156); a sua vida foi discreta – O Que Diz Molero  é

um livro em que, no fundo, se descobre «a discreta e desprezadasolidão dos velhos gatos pardos cheios de feridas» (p. 140) –, mas aprosa da sua obra-prima é tudo menos moderada, circunspecta ourecatada. Em O Que Diz Molero a palavra rompe diques, atravessafronteiras, salta em jorro. No romance, as deambulações pelo es-paço mais «real» (o Bairro Alto) conjugam-se com as viagens porespaços imaginários (todos os Continentes), e, em boa verdade, talcomo na narrativa portuguesa contemporânea – nomeadamentedepois do Livro do Desassossego –, o físico e o metafísico, o interior

e o exterior, o individual e o coletivo entrelaçam-se e correspon-dem-se.

oltemos a Pessoa e aos seus desafiosimplícitos e provocatórios. No Livro do

 Desassossego, onde imagina uma «Via-gem nunca feita» e uma «Viagem na

cabeça», encontramos um trecho quecomeça assim:

Viajar? Para viajar basta existir. Voude dia para dia, como de estação para estação, no comboio domeu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e aspraças, sobre os gestos e os rostos, sempre eguaes e sempre di-fferentes, como, afinal, as paisagens são.

Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza ex-trema da imaginação justifica que se tenha que deslocar parasentir.«Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levaráaté ao fim do mundo». Mas o fim do mundo, desde que o mun-do se consummou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl deonde se partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o principio,é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens teempaisagem. Porisso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são,

vejo-as como ás outras. Para que viajar? Em Madrid, em Ber-lim, na Persia, na China, nos Polos ambos, onde estaria eu se-não em mim mesmo, e no typo e genero das minhas sensações?A vida é o que fazemos d’ella. As viagens são os viajantes. Oque vemos, não é o que vemos, senão o que somos.

(Pessoa, 2013, p. 445; cota 2-51r)

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oder-se-iam evocar muitos outros textosem que Pessoa questiona a pertinência doacto de viajar. Um outro muito célebre, co-

mentado por Eduardo Lourenço, é aqueleem que o poeta exclama: «Viajar! Perderpaizes!» (Pessoa, 2004, p. 148; cota 118-24r).Então, «Para que viajar», se reiterarmos apergunta tácita de Pessoa? A meu ver, por-

que o universo não cabe num livro, embora cada livro procure ser (eseja de facto) um microcosmos. Fernando Pessoa, Dinis Machado,António Lobo Antunes dão-nos a conhecer Lisboa, por exemplo,

mas um revela-nos a Baixa, outro o Bairro Alto e outro Benfica. E seeu quisesse conhecer Madrid, Berlim, o que fora a Pérsia, a Chinae os Pólos ambos? Além disso, se eu já vivo, se eu já sinto, se eu jáleio, porque não hei-de viajar também? Existir, como diz Pessoa, é

 já uma espécie de viagem, mas de cada um de nós depende o redi-mensionamento dessa viagem. Há viagens mais intensivas, comoas de Pessoa; e viagens mais extensivas, como as de Fernão MendesPinto. E mesmo alguns viajantes frequentes, como Pablo Neruda, jáforam chamados viajantes «imóveis» pelos seus biógrafos (Mone-gal, 1966), porque é possível viajar parado, quer a imobilidade sejafísica ou espiritual. Neste sentido, poderíamos afirmar, simplifican-do, que Pessoa não se move, mas viaja; enquanto Neruda viaja, masnão se move. Mas toda a viagem, quer de pendor estático, quer dependor dinâmico altera o viajante, o transforma. E só uns poucosvivem muitas vidas numa vida…

Ora, mesmo que Pessoa tivesse viajado e não tivesse encontra-do senão o que já era (cf. «O que vemos [é] o que somos»), eu con-fesso que teria gostado de conhecer um hipotético diário de Dur-

 ban revisitado na década de 1920, ou de ler as impressões que umahipotética viagem a Nova Iorque tivesse deixado em Álvaro deCampos. Eduardo Lourenço considera que talvez no imagináriode Pessoa «o desinteresse pelo acto de viajar e pela viagem fosseo resultado das múltiplas formas da inapetência vital que lhe ca-racterizou a infância»5. É possível. Eu tendo a crer que Pessoa ex-perimentou a viagem de regresso a Portugal, em 1905, como umaimensa perda – para trás deixava a sua casa e a sua mãe –, tal como

muitos «retornados» sentem o vazio do «retorno», e que, depoisdesse ano, Pessoa nunca quis deixar Lisboa, receando perder a ci-dade (ou perder-se a si próprio) depois de se ter habituado às ruaslisboetas. Mas teria, sem dúvida, sido fascinante se Pessoa tivesseviajado uns anos pelo mundofora, como o rapaz de O Que

 Diz Molero, até encontrar a úl-tima fronteira, e que nos che-gassem fotografias de Pessoae dos seus heterónimos den-tro de um balão ou sentadosno dorso de um elefante. Defacto, sempre que vejo as pou-cas fotografias existentes dePessoa, imagino as que gosta-

5. Cf . «Viajar, perder países» [leia-se: «Via- jar! Perder paizes!»] é um dos versos emque revela uma atitude completamenteoposta à de Cesário Verde, para quem via- jar significava ganhar países. Talvez queno imaginário de Pessoa o desinteressepelo acto de viajar e pela viagem fosse o

resultado das múltiplas formas da inape-tência vital que lhe caracterizou a infância.Todo e qualquer esforço sério no sentidode se tornar outro ou diferente através deuma mera alteração de cenário se lhe afigu-ra uma perda do ser, aquilo que mais tardeexprimirá na imagem célebre do cansaçoinvencível que o impede de apanhar o eléc-trico» (Lourenço, [1989] 2004, p. 149).

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ria de ver, isto é, as que me «faltam». Alguém terá ainda, um dia,de escrever o livro As Viagens Nunca Feitas de Fernando Pessoa, quetalvez tenha já sido esboçado por Saramago, com O Ano da Morte

de Ricardo Reis.

uma crónica de Viagens na Minha Era,Onésimo Almeida escreve: «Não tenhosaudades dos Açores porque não me re-cordo de ter de lá saído. Como já escrevialgures, não se regressa a de onde nun-ca se partiu» (Almeida, 2001, p. 160).Aí temos o «viajante imóvel», isto é, oviajante que viaja com a sua terra natal

sempre dentro de si. Abro mais uma vez Viva México de Alexan-dra Lucas Coelho – que integra a coleção de literatura de viagens,dirigida por Carlos Vaz Marques na Tinta da China – e releio aconstatação final: «[…] ao longo de três semanas a viajar pelo Mé-xico, do deserto de Chihuahua à selva do Yucatán, vi como sou doVelho Mundo» (Coelho, 2010, p. 361). O México foi «desarmante»para a autora, mas também serviu, por contraste, para que reen-contrasse a sua identidade. Até certo ponto, Viva México  parece

validar as palavras de Fernando Pessoa: «Na realidade, o fim domundo, como o principio, é o nosso conceito do mundo».

«Para que viajar?», volto a perguntar. Gosto da resposta implí-cita que Carlos Vaz Marques nos dá, na contracapa de Viva México,citando Agostinho de Hipona: «O mundo é um imenso livro doqual aqueles que nunca saem de casa lêem apenas uma página».

Ao que um dos nossos viajantes «imóveis» poderia retorquir: seo mundo já é um livro, para quê sair dos livros, ou abandonar osonho de cifrar toda a existência em livro? Para mim, Viva Méxi-

co é tanto uma série de crónicas, como uma bagagem de leituras,

algumas das quais eu próprio já tinha lido: Roberto Bolaño, FridaKahlo, J. M. G. Le Clézio, Malcolm Lowry, Carlos Monsiváis, Octa-vio Paz e Juan Rulfo, entre outros. E então pergunto-me – eu quevivi no México – porquê ir novamente a esse México que a autorarelata? Talvez para poder senti-lo mais uma vez, mas então nes-se caso alguma razão tinha Pessoa quando dizia: «Só a fraquezaextrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar parasentir».

Penso que o motivo para viajar é outro. Viajar, para mim, é me-nos uma questão de sair ou não de casa – essa é uma questão maistemporal do que espacial, e sobretudo hoje em dia, com a internet–, é menos uma questão de viajar dentro ou fora de mim – essa éuma questão de caráter –, do que uma possibilidade de construiro meu próprio mundo e afinar a minha visão do Outro. E paraconstruir esse mundo e afinar essa visão, necessitarei sempre deinúmeros livros, de ficção ou testemunho, e de inúmeras viagens,reais ou imaginárias. Daí que sinta intensamente, como Dinis Ma-

chado, a frase de Jorge Luis Borges: «A minha tarefa não seria par-ticularmente difícil, bastar-me-ia ser imortal para a realizar».

Para um bom imaginário, meia-viagem basta...? «Quando sesente de mais, o Tejo é Atlantico sem numero, e Cacilhas, outrocontinente, ou até outro universo» (Pessoa, 2013, p. 445)? Com cer-teza. Mas para expandirmos o nosso mundo e as nossas frontei-

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ras, para termos mais pátrias do que uma e pensar em várias lín-guas, meia-viagem tende a não bastar, embora essa meia-viagemintensamente sentida permita intuir realidades maiores, «ou atéoutro universo».

Bibliografa

ALMEIDA, Onésimo Teotónio (2001). Viagens na Minha Era (dia-crónicas). Lisboa: Temas &

Debates.

COELHO, Alexandra Lucas (2010). Viva México. Lisboa: Tinta-da-china.

LOURENÇO, Eduardo ([1989] 2004). «Pessoa ou as três viagens», in O Lugar do Anjo. Ensaios

Pessoanos. Lisboa: Gradiva, pp. 147-160. Publicado inicialmente na Revista de Occidente, n.º

94, Março de 1989, pp. 27-42.

LUÍS, Sara Belo (2008), «Só quis escrever um livro» (entrevista a Dinis Machado, Outono de

2002), in revista Ler , Novembro, pp. 54-57.

MACHADO, Dinis ([1977] 2007). O Que Diz Molero. Ilustrações de António Jorge Gonçalves.

Lisboa: Bertrand. 21.a edição.MONEGAL, Dinis (1966). El viajero inmóvil: introducción a Pablo Neruda. Buenos Aires: Losada.

PESSOA, Fernando (2013). Livro do Desassossego. Edição de Jerónimo Pizarro. Rio de Janeiro:

Tinta-da-china.

 _____ (2004). Poemas de Fernando Pessoa, 1931-1933. Edição de Ivo Castro. Lisboa: INCM.

 _____ (1990). Poemas de Álvaro de Campos. Edição de Cleonice Berardinelli. Lisboa: INCM.

 _____ (1933). «Isto», in Presença – Folha de Arte e Critica, n.º 38, ano sétimo, volumen segun-

do, Abril de 1933, p. 7.

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  a  n   d  r  e   i  a

   b  r   i   t  e  s

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«A inauguração desta biblioteca e a frequência das que jáfuncionam é, sem dúvida, o melhor sintoma de que obedece-mos ao extraordinário movimento de transformação socialpor meio da instrução, que se nota em todos os países cultos.E, felizmente, meus senhores, que já entre os partidos liberaisportugueses parece não existir divergência sobre as vantagensda boa educação, único elemento gerador de todas as felicida-des e riquezas públicas.» (p.127)

uem assim fala é Feio Terenas, o primeiro bibliotecário da rede de Bibliotecas de Lis- boa, no seu discurso de inauguração da Bi- blioteca Municipal de S. Lázaro em 1883.

Assinalando-se em 2013 os 130 anosdesta Biblioteca, não a mais antiga mas aúnica que resistiu ao tempo, dedicou-seali uma sessão a esta figura, discreta na

história nacional, mas marcadamente progressista. A sua biografia( Feio Terenas, O Idealista Convicto, Regina Gouveia, Sandra Terenas,Fonte da Palavra), lançada na ocasião da sessão, dá ao leitor infor-mações surpreendentes sobre o seu papel na conjuntura política daépoca (os últimos anos da monarquia e os primeiros da república)mas sobretudo sobre a sua visão profundamente republicana do

ensino e das bibliotecas públicas. É de pasmar imaginar que as três bibliotecas municipais que a câmara geria trabalhavam em rede, emfinais do século XIX, significando isto que o catálogo, centralizadoem S. Lázaro, correspondia ao fundo existente nos três espaços eque ali se poderiam proceder a requisições de títulos de uma dasoutras bibliotecas, podendo estes ser levantados lá ou ali.

A otimização de informação ajudava assim a que cada utiliza-dor acedesse a um maior número de títulos, a uma maior diversi-dade de informação, ciência e cultura e ainda que, por razões de

geografia social não lhe fosse retirada a oportunidade de ler algoque à partida se destinaria a um outro tipo de público.

Outra marca de modernidade era a requisição domiciliária quetambém já se praticava à época em Lisboa, pela mão de Feio Te-renas. A partir do registo das requisições, faziam-se estatísticassemanais que serviam de orientação para analisar tendências deleitura e consulta e distinguir horários mais movimentados.

Finalmente, o horário diurno e noturno – das 10h30 às 15h e

das 19h às 21h – assegurava a frequência de públicos distintos,com interesses e profissões diversas. Em contraponto, hoje a ideiade rede parece, muitas vezes, uma aquisição recente e a eterna dis-cussão acerca do horário acaba por conflituar com limitações derecursos humanos.

 35

S . L á z a r o , u m a h i s t ó r i a

d a s B i b l i o t e c a s d e L i s b o a

página 34: Colecção Histórias e Historietas, Aillaud & Bertrand, 1924-26

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uando foi criada, a Biblioteca Municipal deS. Lázaro tinha a função de Biblioteca Cen-tral, como acontece no presente com a das

Galveias. O seu salão nobre atual, uma salaforrada a estantes de madeira incrustadasnas paredes, do chão ao teto, acessíveis naparte superior por uma mezzanine servidapor uma estreita escada em caracol, com-

punha a totalidade do espaço. Como apoio, apenas a sala de passagemque dava acesso à escola primária que ainda hoje partilha o edifício tér-reo, ali bem perto do Hospital de S. José e do Campo de Santana.

Nesse espaço, que hoje acolhe o maior fundo de livros infantise juvenis editados em Portugal entre 1900 e 1979, «Memórias deOutras Infâncias», estava diariamente esta personagem, defenso-ra da escola laica, do ensino cívico, do direito à leitura por todos,como revela claramente o seguinte excerto do seu discurso:

«São três as bibliotecas municipais já estabelecidas e, dasduas que têm funcionado até hoje, muito tem de se aplaudir a

cidade, porque a frequência de leitores, se não excede toda aexpectativa, pode satisfazer os mais exigentes.Há cinco meses que se abriu ao público a Biblioteca N.º

1, estabelecida na Rua do Paraíso. No primeiro dia ninguémconcorreu a ela; no segundo dia concorreu apenas um leitor;no terceiro quarto e daí por diante a frequência aumentouprogressivamente até à última semana, que foi frequentada

por 289 leitores, o que dá uma média de 48 por dia.A maior parte destes leitores começaram por ler contos e

romances, depois leram Júlio Verne e os nossos melhores po-

etas, hoje já alguns leem os autores de história e geografia,consultam os mapas e as esferas, e consultam avidamente li-vros sobre artes e ofícios. E a que classe da sociedade perten-cem estes homens?

São na sua grande parte operários do Bairro de Alfama edo Arsenal do Exército, que vão passar à Biblioteca, estudandoe lendo, as horas da sesta e as que podem aproveitar da noite.Cansados do corpo vão alimentar o espírito, e assim fogem dos

lugares escusos, onde reina o vício e a desmoralização.A frequência progressiva, que se tem notado na Bibliote-

ca N.º 1, nota-se da mesma forma na Biblioteca N.º 2, estabe-lecida na rua de S. Domingos à Lapa. Esta biblioteca, aber-ta ao público há pouco mais de três meses, acusa na últimasemana uma frequência de 203 leitores ou uma média de 33diariamente. A frequência desta biblioteca é, na sua grandemaioria, de estudantes da escola normal e estudantes de esco-

las superiores, que ali vão preparar as suas lições e trabalhosescolares, para o que tem havido todo o cuidado em se lhesfacilitarem os melhores expositores.

A frequência à Biblioteca Central é de esperar que corres-ponda aos desejos de todos os que se interessam pelo desen-volvimento da instrução, não só porque está cercada de escolas

s ã o l á z a r o

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página 36: Biblioteca dos Pequeninos, Empresa Nacional de Publicidade, 1927-1933

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superiores, mas porque julgo haver aqui elementos para seestudar, desde a arte e o ofício, aos mais recentes problemascientíficos.»

ntes da sessão, Carla Almeida re-

cebeu neste mesmo salão nobre,pela primeira vez para uma ativi-dade, sete famílias, na sua maioriafiéis utilizadoras, para uma horado conto muito especial. Precisa-mente para comemorar com paise filhos esta data, a bibliotecária e

animadora decidiu sentá-los ao longo do pentágono que formam

as mesas de leitura da sala, e desafiou-os a ouvirem três histó-rias, todas tradicionais, todas antigas, da coleção «Memórias deOutras Infâncias». Cara de Pau, da coleção Histórias de Encan-tar, data de 1948. O Chapelinho Vermelho, da Verbo, data de 1969.Finalmente, a lengalenga com que fechou a sessão, A História de

Uma Formiga, é uma edição de 1927.Da previsão inicial de uma hora, a sessão estendeu-se mais

vinte minutos e ninguém parecia incomodado. No final, Carla

convidou os pais a escolherem livros da sala para levarem atéà sala infantojuvenil (esta coleção não pode ser re quisitada aodomicílio). Uma hora mais tarde, alguns pais ainda passea-vam animadamente com os filhos, com livros na mão, entresalas.

São famílias fiéis, que marcam na agenda a atividade seguinteassim que acaba aquela a que vêm assistir. Alguns são da fre-

guesia, até de Lisboa, mas outros chegam de Sintra, Oeiras, VilaFranca de Xira, Odivelas.

As motivações podem ser diferentes, na origem. Uns veempara conhecer o espaço físico, por já terem ouvido falar. Ou-

tros viram informações no facebook e decidiram experimentar.Quem gosta, fica. É a maioria. Na lista de contactos da bibliote-ca constam cerca de 65 encarregados de educação, que recebeminformação regular e atualizada da programação deste espaço,e de todas as outras bibliotecas da rede. Por isso acontece tam-

 bém haver pais que vêm a S. Lázaro para uma atividade específi-ca, sendo utilizadores da Biblioteca das Galveias, ou da OrlandoRibeiro, em Telheiras. As escolas também acorrem a S. Lázaro,

não apenas as que pertencem à antiga freguesia da Pena, masum pouco por toda a cidade. O jardim de infância que habita omesmo edifício, do lado oposto à EB1, vem todos os meses. É umprivilégio que, todavia, deveria ser normal.

«Memórias de Outras Infâncias»,

um fundo de luxo

«Julgo ser esta uma biblioteca composta de livros moder-nos, obedecendo à melhor orientação, não escolhidos pelo

 bibliómano, que mais atende aos caprichos da bibliografiamaterial, do que ao estudo da bibliografia literária, mas pro-curados cuidadosamente, com o auxílio de bons conselheirose com a única aspiração de bem acertar.»

s ã o l á z a r o

página 38: Colecção Manecas, Romano Torres, 1943-1946

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oi a primeira vez que uma atividade com fa-mílias teve lugar no Salão Nobre, mas Carlaassegura à  Blimunda  que a experiência será

repetida. Apesar de ter as portas sempreabertas a qualquer utilizador ou visitanteda Biblioteca, a equipa considera necessáriodar-lhe mais visibilidade. Por isso, para alémde eventuais horas do conto, está previsto que

se comecem a fazer visitas guiadas à sala, percorrendo a históriada edição para a infância ao longo das primeiras oito décadas doséculo XX, em Portugal.

Susana Silvestre, chefe de divisão de Bibliotecas da CâmaraMunicipal de Lisboa, afirma como um dos objetivos para esta Bi- blioteca a de servir também os utilizadores especializados, estu-dantes e profissionais do universo do livro infantil.

Mas ainda não é comum que as turmas que estudam educaçãode infância ou ensino básico do 1.º ciclo vão até lá, para conhecerobras fundamentais que provavelmente não encontrarão noutrolocal. Exceção feita aos alunos da Escola Superior de Educação

Maria Ulrich. É por isso essencial trabalhar e divulgar o fundo.São sete mil e quinhentos títulos, na maioria encontrados disper-sos e organizados no início do século XXI, como conta SusanaSilvestre: «A coleção ‘Memórias de Outras Infâncias’ foi consti-tuída em 2004 e 2005, quando se agrupou fisicamente e em catá-logo o conjunto de livros infantojuvenis publicados em Portugalentre 1900 e 1979 que se encontravam dispersos pelos vários equi-

pamentos da rede e sem qualquer tratamento técnico (logo, nãoacessíveis em catálogo). Paralelamente, e ao longo dos anos, fomosrecebendo ofertas várias por parte de particulares. Hoje em dia, a

coleção reúne cerca de 7500 exemplares – e é a mais vasta coleçãopatrimonial infantojuvenil do país.

De fora da constituição da coleção ficaram os documentos em banda desenhada e publicações periódicas (encontram-se na Be-deteca e Hemeroteca, respetivamente) alocados nos equipamentosespecializados da Rede. De igual modo, não foram integrados osmanuais escolares dado que o Ministério da Educação e Ciência jápossui uma coleção com essa documentação disponível ao público

na sua biblioteca-museu.»

 escolha de 1979 para fechar, tem-poralmente, a coleção é simbólicae pretende assinalar a data que aUNESCO designou como Ano In-ternacional da Criança.

Através dos livros, apenas de

olhar, pressentem-se forças edito-riais de uma determinada época,ou que público imaginavam os editores que compraria os seus títulos.

Coleções de dimensões muito reduzidas, como a das Históriasda Carochinha, normalmente com histórias tradicionais, erampobremente produzidas e muito mais baratas que livros de capa

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página 40: Colecção Coelhinho Branco, Majora, 1948

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dura ou encadernados com mais qualidade. Podiam comprar-se emquiosques, sendo uma espécie de livros de cordel para crianças.

 Já a Biblioteca das Raparigas e a Biblioteca dos Rapazes des-

tinar-se-ia à formação leitora mas igualmente ideológica e moralde crianças e jovens com outro poder financeiro. Ali se encontramclássicos como a Condessa de Ségur ou Júlio Verne.

Merecem destaque muitos títulos, autores, coleções ou edito-ras: a Biblioteca dos Pequeninos, na década de 20, a coleção Mane-cas, da há muito desaparecida Casa Romano Torres, que se man-teve ativa entre os anos 30 e 50 do século XX.

É impossível olhar para uma estante sem esbarrar em algo co-

nhecido: O Principezinho,  Ivanhoe, Mark Twain (o nome do autormaior do que o título), A Galinha Verde, Guerra Junqueiro, O Poeta

 Faz-se aos Dez Anos,  Emílio e os Detetives, Um Bom Diabrete, EnidBlyton, Anita, António Torrado, Maria Alberta Menéres, Patrícia

 Joyce, Matilde Rosa Araújo.

par das aventuras e das históriasmorais, teatro, poesia, biografias,livros científicos. Muita histó-ria, mais ou menos romanceada,como agradava ao regime salaza-rista. E os ares da mudança a par-tir dos idos de sessenta, com no-vas estéticas a despontarem nas

formas, nos traços, nas cores. Os jovens autores de então, são hoje

os nomes canónicos da LIJ portuguesa. Fazem-se acompanhar,claro, de muitos outros, escritores e ilustradores, que marcarammais de metade do século XX. A coordenação científica da coleção

ficou a cargo de Glória Bastos, professora e investigadora na áreada literatura infantil e juvenil portuguesa.

emórias de Outras Infâncias» me-rece visitas, não uma, nem de mé-dico. Merece ser tratada como auma tia que nos conta histórias deencantar, e a quem visitamos, re-

ligiosamente, uma vez por sema-na, para tomar chá, como aconte-ce nos livros antigos. Assim que

entramos na sala de madeira e vemos todas aquelas capas, não édifícil imaginar a tia, o chá e a conversa. Quando começamos afolhear, ouvem-se as vozes que ficaram ali registadas nos últimos130 anos, do operário leitor ao estudante universitário, ao republi-cano, maçon ou carbonário; do fascista ao resistente, à professorade instrução primária, ao intelectual desiludido…

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s ã o l á z a r o

página 42: Série Histórias de Animais, Colecção Carrocel, 1962-1964página 44: Coleção Cor Infantil, Estúdios Cor, 1973

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e m   d e s t a q u e

O primeiro Jeffers Ao ler  Como Apanhar Um Estrela, depois de Perdido e Achado,

 Presos, O Coração e a Garrafa ou Este Alce é Meu (todos editadosem Portugal pela Orfeu Negro), o leitor pode ficar com uma

 sensação mista de reconhecimento e desapontamento.

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liver Jeffers já deixou marcas mais surpreen-dentes, quer a nível narrativo, quer a nível vi-sual. Mas se observarmos este álbum sem des-curarmos um elemento essencial, a perspetiva

transforma-se obrigatoriamente: How to catch a star foi o primeiro título do autor irlandês, eminícios de 2000.

Como álbum de estreia, ali se encontram to-das as marcas programáticas e estéticas da obra do ilustrador. Até apersonagem infantil de cara redonda, careca, de nariz pronunciado eestreitos braços e pernas (um pouco à imagem dos primeiros desenhosde figuras humanas que as crianças ensaiam algures pelos 3, 4 anos) éa mesma que depois continuará o seu percurso com o amigo pinguim.

A temática da amizade, que aqui se inicia com o menino que queriater uma estrela como companhia e sonhava brincar com ela, ganharádiversos contornos, não apenas na sua relação antitética com a solidão,mas também como vestígio de uma presença (em O Coração e a Garrafa)que se perde, ou como uma instrumentalização do outro (em  Este Alceé Meu). Os afetos, as contradições e a tenacidade são elementos basi-lares nas narrativas bastante simples de Oliver Jeffers. Em cada uma,o protagonista não desiste dos seus sonhos ou desejos, assumindo ris-cos, enfrentando medos, superando dúvidas, encontrando soluçõespara os desafios com que se depara. Essa determinação, de contornosgeralmente oníricos, vai ao encontro de uma lógica de comportamentoinfantil que será o principal traço ideotemático deste autor. Não há nas

suas histórias uma fronteira entre o imaginário e o real, pelo contrário Jeffers força esse apagamento quando o protagonista põe em prática to-das as estratégias para concretizar um sonho. Os sonhos dos meninosou até o do pinguim em Sobe e Desce, quando queria voar, não se podemconsiderar inusitados ou insólitos aos olhos dos mais novos: viagensno alto mar, alcançar as estrelas ou a lua, chegar ao Pólo Sul…Normal-mente, as crianças perdem, nas suas brincadeiras, os limites espaciaise temporais. As dimensões alteram-se para que tudo seja alcançável e

qualquer esforço é superável. Também pesos e volumes deixam de termedida: tudo cabe onde se deseja. É isso que Oliver Jeffers persegue nassuas histórias, representar sem mediador o comportamento infantiloferecendo-lhe sempre a possibilidade de continuar a sonhar. Contudo,

sendo a infância o lugar privilegiado de construção e desenvolvimentode valores, o autor não descura os grandes temas universais, especial-mente os que se relacionam com os afetos e a necessidade que todostemos de estar com os outros, encontrar afinidades, partilhar.

A construção é linear, operando em quadros que se sucedem, seminterferências de acontecimentos paralelos, comentários ou reflexões.A ilustração suporta essa estrutura textual jogando com a dimensão decada imagem, que pode ser pequena, coexistindo com outras na mesmapágina, dando a ideia de progressão, ou pelo contrário enchê-la nummomento de destaque da ação ou de suspensão, enfatizando as emoçõesdo protagonista.

á aqui se denota esse recurso de composição, emboraainda prevaleça a página totalmente preenchida a acom-panhar a progressão narrativa. A enumeração será oprincipal recurso retórico, que funciona muito bem nes-ta lógica de simplicidade, apelando diretamente às fer-ramentas discursivas das crianças.

A paleta de cores é, em Como Apanhar uma Estrela,muito próxima dos livros que se lhe seguem e as agua-

relas dão textura aos fundos e suavidade aos tons, sejam eles claros ou

escuros, como acontece com a capa azul pontilhada de estrelas brancas.As cores primárias sustentam grande parte do cromatismo do livro,que revela igualmente as suas fusões em verdes, laranjas e anis. Tudoobedece a uma simplicidade que, desconstruída, impressiona no rigore na subtileza. O Jeffers de  Este Alce é Meu soa hoje muito mais desa-fiador e divertido, com as experiências visuais das pinturas a servir depano de fundo à história e o sentido de humor dos diálogos. No entan-to, sem a magia naïf  de Como Apanhar uma Estrela, nunca lá chegaría-

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mos. O final não deixa de antecipar alguma complexi-dade escondida: o menino que tanto deseja uma estrelaconsegue encontrá-la não no céu mas no mar. Esse des-vio é sintomático dessa leitura que o autor faz do mun-do: a narrativa não se fecha de forma previsível porquehá outras soluções, que não aquela por que esperamos,tanto quanto que o parecido por vezes se torna idêntico.Será que o menino não distinguiu as duas estrelas? Seráque não teve importância? Será que a estrela-do-mar su-perou em deslumbramento a estrela do céu? São perguntasde adultos que possivelmente não entram no pensamentodas crianças. Entrando ou não, não entram seguramente nodeste menino, e com essa insatisfação teremos de viver nós,que não conseguimos já alcançar um mundo irremediavel-

mente perdido.

Como Apanhar uma Estrela 

Oliver JeffersOrfeu Negro

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Novos desafios para

as Bibliotecas Públicas

 Leitura Digital e a Transformação do Incen-

tivo à Leitura e das Instituições do Livro»é um estudo que se prevê estar concluídoem dezembro e foi parcialmente apresenta-do a 28 de outubro, na Fundação CalousteGulbenkian. Um dos elementos avaliadosno estudo tem sido o papel das BibliotecasPúblicas face ao aparecimento de novos su-

portes de leitura e dos livros digitais.Carla Ganito, uma das investigadoras, alertou para o papel demo-

cratizador das Bibliotecas Públicas e enumerou os principais desafios

que estas enfrentam: deverão responder aos seus leitores minimizan-do o acesso diferencial, apoiando a formação de competências digitais eoferecendo o acesso a novos suportes, a redes de conhecimento e infor-mação e a novos conteúdos digitais.

Apesar de serem ainda inexpressivos os valores das requisições delivros digitais, a interpretação destes resultados não é linear e prende--se com o desconhecimento do utilizador, por um lado, acerca dessapossibilidade, e do comportamento que leva ao download, compra ouvisualização desses conteúdos, que acontecem geralmente por impulso.Para isso, é necessário que o leitor esteja já a navegar na Internet.

Assim, o estudo propõe uma nova vida para as Bibliotecas, em queestas se transformem em centros agregadores e criativos, e que vão aoencontro das pessoas através de uma itinerância digital.

Esta apresentação decorreu no âmbito da Conferência Internacio-nal de Educação 2013, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkianonde se discutiu a democracia e a leitura digital, com duas conferênciasde Jürgen Habermas e John Thompson.

Histórias no Pavilhão

do Conhecimento

a exposição «Era uma vez... Ciência para quemgosta de histórias», que inaugurou no Pavilhãodo Conhecimento a 27 de outubro, 10 narrativascanónicas da literatura infantil servem de mote àexperimentação científica.

Os três porquinhos, Pinóquio, Branca deNeve, Hansel e Gretel, João Pé de Feijão são ape-nas algumas das narrativas, que suscitam ques-

tões e experiências científicas e tecnológicas. Para verificar as mentirasde Pinóquio, por exemplo, foi criado um sistema de computação fisioló-gica, em colaboração com o Instituto de Telecomunicações do Instituto

Superior Técnico, que funciona como detetor de mentiras e tem o su-gestivo nome de «Mentir de Verdade».

Desenvolvido por uma equipa multidisciplinar, com colaboradoresde áreas tão diversas como a física, a matemática, a geologia, a biologiaou a literatura, este projeto foi pensado pelo Pavilhão do Conhecimen-to, que vem oferecendo uma programação muito estimulante no que àciência e tecnologia diz respeito.

Partindo de elementos mais ou menos centrais das histórias esco-lhidas, a exposição desafia o visitante a interagir com mecanismos ouvivenciar sensações da natureza. Esta interação entre as ciências físicas

e humanas quer-se dinâmica e com sentido de humor, acolhendo todosos públicos, de qualquer idade, com ou sem necessidades especiais.A exposição estará patente no Pavilhão do Conhecimento até agosto

de 2014 e é um exemplo de como o diálogo entre os vários campos dosaber não só é possível como promove ainda mais a curiosidade e o co-nhecimento.

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Descrente apaixonado

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tar no meu protesto. A primeira e única evidência que me é dada,no interior da experiência absurda, é a revolta.». Uma revolta quenasce do espetáculo da desrazão, perante uma condição injusta eincompreensível. «Revolto-me, logo existimos».

A revolta não é um movimento egoísta; nasce da consciência daprópria opressão e da opressão do outro. É um ato de solidarieda-de nascido da necessidade de lutar contra as grilhetas da escravi-dão. Por isso, o verdadeiro ato de revolta exige a identificação coma pessoa ou o coletivo oprimido e tomar partido por eles. A revoltaé, assim, um ato de afirmação da dignidade comum do género hu-mano. É «transbordar do ser», já que nasce da «paixão do homempelo homem». «O motivo da mesma é o amor pela humanidade»,assevera Camus. São três as caraterísticas da revolta: a) é um ato

de recusa radical, categórico; b) é uma reclamação – geralmenteenérgica e por vezes violenta – de um direito, não o pedido de umfavor ou a conquista de um privilégio; e c) não se trata de uma opi-nião; tem-se a consciência de ter razão.

A revolta não é possível no mundo do sagrado, já que não háaqui espaço para as dúvidas, as perguntas: todas são respostasdefinitivas, seguranças incólumes. Nesse espaço só há lugar paraa ação de graças. A revolta só pode dar-se no âmbito do profano,

aberto à integração, ao questionamento e à perplexidade.

Revolta ética,

revolta metafísica e revolução

 revolta conduz diretamenta à re-volução. Mas a ação revolucio-

nária tem algum limite? Esse éo problema que se coloca em Os

 justos, onde duas conceções da re-volução colidem dentro da Orga-nização: a organicista de Stephene a humanista de Kaliayev. O pri-

meiro crê que a revolução não tem limites. A conquista de umasociedade libertada do despotismo exige todo o tipo de sacrifícios.Por muito duro que seja, há que matar as crianças se a Organi-zação o exige. Kaliayev, pelo contrário, pensa que assassinar ino-centes é o limite que nunca pode nem deve ser ultrapassado. Umarevolução sem limites desemboca num novo despotismo.

Albert Camus é um dos intérpretes mais coerentes de Niezts-che e de Dostoiveski e um dos representantes mais autênticos doateísmo moral, que não pode aceitar a existência de Deus precisa-mente devido à sua responsabilidade no sofrimento dos inocentes.O seu ateísmo não se move no terreno especulativo, mas torna-se

uma revolta ética a partir da solidariedade com as vítimas. Relati-viza a tal ponto a importância das provas filosóficas da existênciade Deus que confessa, com sentido de humor e com realismo, quenunca «viu morrer ninguém pelo argumento ontológico» de An-selmo de Cantuária. E tem razão.

A sua revolta metafísica consiste na negação da teleologia do

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ser humano e da criação. É uma revolta contra Deus, a quem de-safia e pede contas pela injustiça que impera na sua criação, comofizera o lendário personagem bíblico Job. Creio que a revolta meta-física de Camus procede da tradição bíblica do Antigo Testamentoe da sua conceção pessoal de Deus, mais do que da tradição grega.O revoltado metafísico não pede contas a uma divindade cósmica,mas a um Deus pessoal. É o Deus pessoal do Antigo Testamento,observa Camus, «quem mobiliza a energia subversiva». É Caim,mais do que Prometeu, quem desencadeia a revolta; são os des-cendentes de Caim, mais do que os seguidores de Prometeu, queativam a revolta a todo o comprimento e largura da história.

Descrente apaixonadossim o qualifica Charles Moellerapoiando-se num texto do próprioCamus. É a definição que melhorreflete a sua vida, o seu pensamen-to e os seus sentimentos, de acor-do com o seu testemunho de 1943recolhido em 1949 em Vie Intellec-

tuelle:  «A descrença contemporâ-

nea não se apoia já na ciência como nos finais do século passado.Nega ao mesmo tempo a ciência e a religião. Não se trata já do ce-ticismo da razão perante o milagre: é uma descrença apaixonada.»

A sua descrença não é fanática nem inativa, mas antes umamão estendida para os cristãos, como a do ateu dr. Rieux de A Pes-

te diante do jesuíta Paneloux, sempre disposto a aliviar os sofri-

mentos humanos, independentemente do credo religioso que seprofesse, sempre pronto a trabalhar pela justiça e em defesa doscondenados da terra. Foi isso que disse na memorável conferênciade 1946 na rua de La Tour-Maubourg, na qual pediu que «os cris-

tãos falem, em voz alta e clara, e que afirmem a sua condenação detal forma que jamais uma dúvida, uma dúvida que seja, possa sur-gir no coração do homem mais simples, tanto sobre o terror dasditaduras como sobre a condenação de um bispo jugoslavo, sobreo tratamento dos negros na América como sobre as deportaçõesna Rússia. Que os cristãos participem em bloco contra o silêncio enão nos deixem sós no meio dos verdugos.»

Camus é um descrente preocupado com a salvação dos sereshumanos que sofrem sem motivo nem fundamento e dos pobresque vivem no inferno da miséria. Uma descrença que não respon-de a nenhum encontro com o além mas antes ao apelo à solida-riedade na terra. Por isso o intelectual argelino-francês, como as-segura Charles Moeller interpretando com justeza a consciênciasolidária de Camus, «chegará sempre tarde aos encontros comDeus, porque haverá sempre demasiados carros atolados no ca-minho que é preciso remover». Mas pode coincidir nos encontrosterrenos, como de facto coincidiu, com pessoas e coletivos crentes

empenhados em construir um mundo melhor.Trata-se, enfim, de uma crença que tem em comum com a fé

cristã a mística da felicidade e a crença no valor libertador da mor-te dos justos. É essa a mensagem de Os justos: «Não chorem – dizDora aos seus companheiros da Organização, depois da execuçãode Kaliayev. Não, não, não chorem! Percebe-se que este é o dia da

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 justificação. Há algo que se eleva a esta hora, o nosso testemunho,de nós os revoltados: Yanek já não é um assassino.»

Jesus de Nazaré, despojado

da sua condição divina

  Jesus de Nazaré? Apesar da descrença deCamus, o Nazareno não é uma pessoa alheiaà sua vida e à sua reflexão. Pelo contrário:sente um profundo respeito por ele paraalém dos dogmas com que o cristianismo odesfigurou. «Não acredito na sua ressurrei-ção – afirma Camus – mas não esconderei aemoção que sinto diante de Cristo e do seu

ensinamento. Perante Ele e a sua história, não experimento se nãorespeito e veneração.» E contrapõe Jesus aos cristãos pouco exem-plares e aos funcionários do sagrado, que primeiro o relegam parao porão e depois o metem no sótão, colocam-no na cruz e trepampor ela para que os vejam de longe, ainda que para isso tenhamque pontapear o que está pregado na cruz. Agridem, julgam comseveridade e matam em seu nome. Prescindem da generosidade eexercem a «caridade» Não perdoam a ninguém. Jesus, pelo con-

trário, fala suavemente com a adúltera e diz-lhe: «Eu tampouco tecondeno». É verdade que há pessoas que amam Jesus desinteres-sadamente, incluindo entre os cristãos, «mas são poucos».

Camus reconhece a importância que tem para a humanidade oque aconteceu na Sexta-Feira Santa no Gólgota, porque nas trevasque pairavam naquela tarde, a divindade, abandonando os seus

tradicionais privilégios, viveu em toda a sua radicalidade e até aofim a dúvida espantosa, o desespero e a angústia da morte. Paraque Deus seja um ser humano, conclui o autor de O homem revol-

tado, «é necessário que desespere». Despojado da sua condição di-

vina pela crítica racionalista, Jesus torna-se um ser humano quefracassa, assume a frustração e perde toda a dimensão redentora.E este Jesus frustrado «é mais um inocente que os representantesdo Deus de Abraão executaram espetacularmente. O abismo quesepara o amo dos escravos abre-se de novo e a revolta continua agritar diante do rosto oculto de um deus ciumento.»

A felicidade é possível?

 tudo sofrimento na história humana? Nãohá momentos de felicidade? A felicidade éimpossível? O ser humano tem de renunciara ela? A resposta a estas perguntas a partirda vida e da obra de Camus não é fácil. Jac-ques Cormery, o herói do romance inacaba-do O primeiro homem [Bertrand, reedição em2003], não consegue alcançar a felicidade.

Mas o romance tem um momento feliz, a recordação da infância

na calmaria do mar: «O mar estava doce, morno, o sol agora ligeirosobre as cabeças molhadas, e a glória da luz enchia os corpos jo-vens de uma alegria que os fazia gritar sem parar. Reinavam sobrea vida e o mar, e recebiam e usavam sem medida o mais faustosoque o mundo pode dar, como senhores seguros das suas riquezasinsubstituíveis.»

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Camus não se contenta com o Sísifo que fracassa na sua tenta-tiva de empurrar a pedra até ao alto da montanha. Vê esse homemvoltar a descer em passo lento até ao tormento cujo fim não conhe-cerá. Mas esta é a hora da consciência. Em cada um dos instan-tes em que abandona o topo e se afunda lentamente nas tocas dosdeuses, é superior ao seu destino e mais forte do que a sua pedra.O mito de Sísifo é trágico, certamente, mas é-o porque o seu pro-tagonista tem consciência. A clarividência, que devia constituiro seu tormento, consuma ao mesmo tempo a sua vitória. Não hádestino que não seja vencido pelo desprezo. Portanto, argumentaCamus, a descida que se faz por vezes com dor pode fazer-se tam-

 bém com alegria.Sísifo está de novo no sopé da montanha e volta sempre a en-

contrar a sua carga. Mas há uma lição que ele ensina aos humanos:uma fidelidade superior que nega os deuses e levanta as pedras. Ouniverso, a partir de agora sem amo, não lhe parece estéril nem fútil.Cada um dos grãos desta pedra, cada troço mineral desta montanhafeita de escuridão, formam por si mesmos um mundo. O próprioesforço para chegar ao topo basta para preencher um coração dehomem. E Camus termina: «Há que imaginar Sísifo feliz».

Camus não é um pensador pessimista e derrotado, nem uma

pessoa fracassada e ressentida. É um ser humano em busca da fe-licidade, como ele próprio confessa: «Quando procuro o que emmim é fundamental, o que encontro é o gosto pela felicidade. Gos-to profundamente dos seres humanos. Não sinto nenhum despre-zo pela espécie. No centro da minha obra há um sol invencível.Parece-me que isto não representa um pensamento muito triste.»

No entanto, a felicidade não está ao alcance da mão, nem se atin-ge pelo mero facto de pensar nela ou desejá-la. Sabem-no bem aspersonagens de ficção de Camus, que se debatem entre a razão ea desrazão da existência, entre o amor pela vida e os riscos que se

assumem pela liberdade do povo, entre o sentido que desejam e osem-sentido que impera em redor.Termino com a opinião de Olivier Todd sobre o autor de O mito

de Sísifo: «Camus diagnosticou certos males da nossa época, refle-tiu as suas angústias, recusou as tentações totalitárias e a sua pró-pria inclinação para o niilismo. Poderia ter caído no cinismo. Pen-sador e moralista, estava isolado nos ambientes franceses ondetriunfava o marxismo bruto. Camus recusou o fanatismo, não omilitantismo. Perseguiu-o a ideia de um Deus em que não podiaacreditar.»

Este perfl pertence à obra de Juan José Tamayo

Cincuenta intectuales para una conciencia crítica,

Fragmenta, Barcelona, 2013,

pág. 143-151

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José Saramago costumava dizer queos livros deveriam trazer uma ad-vertência na capa: este livro leva

uma pessoa dentro. Fazia referência,claro está, ao autor daquela obra, porque também defendia que tudo éautobiografia. «A vida de cada umde nós a estamos contando em tudo

quanto fazemos e dizemos, nos ges-tos, na maneira como nos sentamos,como andamos e olhamos, como vi-ramos a cabeça ou apanhamos umobjeto do chão», disse numa entre-

vista. Pois se cada livro contém uma pessoa, pode-se dizer que Saramagoestava bastante (e bem) acompanha-

do no solitário ofício de escrever.Para o José Saramago e a Pilar, amigos e até meus parent es nas Let ras e nos lug ares v iv idos.

Agustina Bessa Luís

N bibli l L

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 Na biblioteca que levantou em Lan- zarote, nas Ilhas Canárias, onde vi-

veu de 1993 até à sua morte, em 2010,

tinha cerca de 15 mil livros espalhados pelos 100 metros quadrados de cons-trução, dos quais alguns repousam

agora na Casa dos Bicos, em Lisboa. Dessas milhares de pessoas guarda-

das dentro dos volumes da biblioteca,centenas eram conhecidas do escri-tor, e muitas deixaram gravadas noslivros palavras de carinho ao Nobel

 português. A Blimunda vasculhou o

acervo de Saramago em busca de de-dicatórias deixadas por importantes

 figuras da literatura, das quais apre- sentamos uma primeira seleção.Para o José Saramago, meu amigo, a admiração e

a minha estima do Antonio Lobo Antunes.Ps: E um beijinho secreto para a Isabelinha…

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 A José Sara mag o ( ali as “Saramago el por tugués ”)agradeciéndole por acompañar a Alatriste en esta aentura.Tu amigo, siempre,

Arturo Pérez-Reverte

Pilar e Saramago, com muito carinho por vocês, dedico estas palavras pes soa is e gera is. É u m r etrato dis torcid omas sincero da minha geração.

Caetano Veloso

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Para José y Pilar,archipélago de amistad (...)  Carlos Fuentes

Para José Saramago e Pilar,com o carinho de

Chico Buarque

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 A P ila r e a José (... )Claudio Magris  

Eduardo Galeano

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 A José e a Pil ar, que rid os amigos ( ... )Eduardo Lourenço

 A José Sarama go, esta afet uos a lemb rança de um amigocerto e sempre admirador

Fernando Sabino

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Para José Saramago e Pilar, de otro que escribe;

con todo el cariñoGabriel Garcia Marquéz

(...)Gunter Grass

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   F  o  t  o  g  r  a   fi  a   d  e   J  o   ã  o

   F  r  a  n  c   i  s  c  o   V   i   l   h  e  n  a

18 A 29 28 A 30 ATÉ 13 DEZ ATÉN

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18 A 29NOV100 AÑOS DELNACIMIENTODE ALBERTCAMUSO Ministério de la

Cultura de la Ciudad

de Buenos Aires

assinala o centenário

do nascimento de

Albert Camus com uma

programação marcada

por seminários, debatesteatro e exposições.

Vários locais, Buenos

Aires.

Camus u

28 A 30NOV3° CONGRESSOINTERNACIO-NAL FERNANDOPESSOACongresso organizado

pela Casa Fernando

Pessoa e dedicado

à obra pessoana,

com a participação

de académicos de

diferentes áreas

disciplinares eespecialistas na obra do

autor.

Teatro Aberto, Lisboa.

Pessoau

ATÉ8 DEZWORLD PRESSPHOTO 2013Exposição de trabalhosda imprensa mundial que

se destacaram no âmbito

do fotojornalismo ao

longo do último ano.

CCCB (Centre de

Cultura Contemporània),

Barcelona.

Photo u

13 DEZCUARTETO DEURUEÑA: TRÊSCULTURAS,

TRÊS MÚSICASMúsica medieval da

Península Ibérica, com as

suas raízes judaica, cristã

e muçulmana, no âmbito

do programa Mostra

Espanha 2013.

Teatro Gil Vicente,

Coimbra.

Urueña u

ATÉ15 DEZI BIENALDE TEATRODA USPA Universidade de São

Paulo traz à sua I Bienal

de Teatro uma série de

espectáculos produzidos

em diferentes pontos

do Brasil e do mundo,

com companhias vindas

da Tunísia, Líbano,

Argentina ou Croácia.

TUSP, São Paulo.

Teatro u

N

OVEMB

RO

Macbeth, Tunísia

ATÉ ATÉ ATÉ ATÉ ATÉN

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ATÉ26 DEZA NOITE,DE JOSÉSARAMAGOO primeiro texto de

teatro escrito por

José Saramago, em

1979, levado à cena

com adaptação de

Paulo Sousa Costa e

encenação de José

Carlos Garcia.

Teatro da Trindade,

Lisboa.

Saramago u

ATÉ4 JANLAURENTIMPEDUGLIA.DRAWINGSAND PRINTSExposição de

desenhos, ilustrações

e trabalhos impressos

do artista belga Laurent

Impeduglia.

Galeria Dama Aflita,

Porto.

Impedugliau

ATÉ12 JANEL SURREA-LISMO Y ELSUEÑOExposição colectiva

com trabalhos de

André Breton, Salvador

Dalí, Paul Delvaux,

Yves Tanguy, Renée

Magritte e Max Ernst,

entre outros artistas

que atravessaram o

movimento surrealista.

Museu Thyssen-

Bornemisza, Madrid.

Surrealismo u

ATÉ9 FEVEL PASADOREVELADO:LA MALETAMEXICANAExposição a partir do

conteúdo das caixas cheias

que guardaram durante

anos, e de modo incógnito,

as fotografias que Robert

Capa, Gerda Taro e David

Seymur registaram durante

a Guerra Civil de Espanha.Museo Antiguo Colegio de

San Ildefonso, Ciudad de

Mexico.

Maleta u

ATÉ9 FEVAHLAMSHIBLI,PHANTOMHOMEExposição do fotógrafo

palestiniano Ahlam

Shiblijl reflectindo

sobre a ideia de lar e

respectivas contigências

em diferentes contextos

políticos e sociais.

Fundação de Serralves,Porto.

Shibli u

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DIADA LIVRARIAE DO

LIVREIRO30 NOV 2013ENTRE O LIVRO E A LEITURAESTOU EU, O LIVREIRO.O ESCRITOR PUBLICA

A ESCRITA, O EDITORPUBLICA O LIVRO,O LIVREIRO PUBLICAA LEITURA.

ORGANIZAÇÃO:FUNDAÇÃO JOSÉ SARAMAGO/ENCONTRO-LIVREIROdiadalivrariaedolivreiro.wordpress.com

MANUEL MEDEIROS/RESENDES VENTURA

Diretor

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Sérgio Machado Letria

Edição e redação

Andreia Brites

Sara Figueiredo Costa

Design e paginação

 Jorge Silva/Silvadesigners

FUNDAÇÃO JOSÉ SARAMAGO

Casa dos Bicos

Rua dos Bacalhoeiros, 10

 1100-135 Lisboa – Portugal

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