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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP Guilherme Felitti Blogues: debates sobre três perspectivas e desenvolvimento do fenômeno no Brasil MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL São Paulo 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC -SP

Guilherme Felitti

Blogues: debates sobre três perspectivas e desenvolvimento do fenômeno no Brasil

MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL

São Paulo 2009

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC -SP

Guilherme Felitti

Blogues: debates sobre três perspectivas e desenvolvimento do fenômeno no Brasil

MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Tecnologias da Inteligência e Design Digital – Processos Cognitivos e Ambientes Digitais, sob a orientação da Profa.Doutora Lucia Isaltina Clemente Leão

São Paulo 2009

Banca examinadora

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Alguns agradecimentos se fazem necessários: à professora Lúcia Leão, pela ideia original de estudo dos blogues no

Brasil; a Ralphe Manzoni e Daniela Braun, pela tarde semanal concedida em 2007; a Flávio Remontti, pelo talento

emprestado à matriz de tipificação; a Waldemar, Isabel e Isabela, pelo conforto familiar; a Jonathas, Fábio, Pedro, Zé

e Predo, pela companhia constante; e Camila e Aidê, por oferecerem, cada uma em momentos distintos, o carinho, o

afeto e a tolerância necessárias para uma pesquisa.

RESUMO

FELITTI, Guilherme. Blogues: debates sobre três perspectivas e desenvolvimento do fenômeno no Brasil. 2006. 136 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009 A popularização dos blogues do seu surgimento em 1996 até os dias de hoje, atraindo perfis de usuários além dos entusiastas e profissionais de tecnologia, nos apresenta novos tipos de aplicações da plataforma que extrapolam as definições iniciais de filtros de links ou diários pessoais na internet. Esta pesquisa pretende passar em revisão os principais conceitos básicos sobre os blogues, para indicar pontos comuns às diferentes aplicações da plataforma. O primeiro capítulo explorará os blogues sob três prismas: o estrutural, explicando as ferramentas que os serviços atualmente disponíveis oferecem; o da prática, explorando que tipos de hábitos são desdobramentos da apropriação das ferramentas; e o das conversações, com os blogues hospedando diálogos altamente fragmentados e infinitamente expansíveis. O segundo capítulo retomará a classificação dos blogues como gênero para argumentar a necessidade de encará-los como linguagem, apresentando sugestões para um modelo de tipificação mais preciso e criterioso. Já o terceiro explorará o desenvolvimento dos blogues nos Estados Unidos e no Brasil, em comparação que pretende destacar semelhanças e diferenças em seu desenvolvimento nos dois países. O quarto capítulo analisará três estudos de casos brasileiros e é focado em suas capacidades de atraírem e interagirem com suas comunidades.

Palavras-chave: blog, blogosfera, colaboração digital, design digital, tecnologias da inteligência

ABSTRACT

The popularization of the blogs from their beginning in 1996 until today, attracting profiles of users besides enthusiasts and technology professionals, presents to us new kinds of applications of the platform that surpass the initial definitions of link filters or personal diaries on the internet. This research intends to review the main basic concepts about blogs, to indicate common points to the different platform applications. The first chapter will explore blogs under three prisms: structural, explaining the tools that the available services nowadays offer; practical, exploring which habits come from the appropriation of the tools; and the conversations, with blogs hosting dialogues highly fragmented and infinitely expansible. The second chapter will retake the classification of the blogs as a genre to indicate the necessity of seeing them as language, presenting suggestions for a model of a more precise and discerning definition. The third chapter will explore the development of the blogs in United States and in Brazil, in a comparison that intends to highlight common points and differences in their development in both countries. The fourth chapter will analyze three Brazilian case studies and it is focused in their capacities to attract and interact with their communities.

Keywords: blog, blogsphere, digital collaboration, digital design, intelligent technology.

SUMÁRIO

Resumo....................................................................................................................................8

Abstract...................................................................................................................................9

Listra de ilustrações.............................................................................................................12

Sumário de anexos................................................................................................................13

Introdução.............................................................................................................................15

1 – O blogue por três perspectivas......................................................................................19

1.1 O blogue como ferramenta.................................................................................19

1.2 As práticas dos blogues.......................................................................................32

1.3 As conversações por meio dos blogues...............................................................46

2 - Categorias e mídia: a evolução na classificação dos blogues......................................61

3 - Marcos e diferenças: comparando o desenvolvimento da blogosfera nos Estados

Unidos e no Brasil.................................................................................................................78

4 – Estudos de caso.............................................................................................................105

4.1 – Para Francisco................................................................................................108

4.2 – Correndo Atrás.................................................................................................113

4.3 – AllesBlau..........................................................................................................118

Considerações finais...........................................................................................................122

Referências..........................................................................................................................125

Anexos.................................................................................................................................128

Sobre o mestrando..............................................................................................................134

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 01: reprodução de blogue Chá Quente com post datado com link permanente, RSS, busca,

widgets na coluna lateral e explicações sobre o autor........................................................................18

FIGURA 02: exemplo de localização do ícone para assinatura do feed RSS em um blogue............25

FIGURA 03: exemplo de nuvem de tags, onde o tamanho dos termos (tags) indicam a frequência do

seu uso dentro do blogue....................................................................................................................27

FIGURA 04: exemplo de blogroll, apontando links relevantes na coluna lateral do blogue.............28

FIGURA 5: exemplos de widgets que podem ser integrados à interface do blogue..........................30

FIGURA 06: o novo processo envolvendo notícias na internet, segundo Jarvis................................41

FIGURA 07: a dinâmica de uma conversação envolvendo diferentes blogues por Jenkins..............49

FIGURA 08: como o trackback registra no post original citações em outros blogues.......................51

FIGURA 09: os sistemas de comunicação mediada pelo PC, segundo Herring...............................54

FIGURA 10: o gráfico proposto na tipificação de Krishnamurthy....................................................67

FIGURA 11: a matriz de tipificação de Primo...................................................................................69

FIGURA 12: o aprofundamento proposto na dissertação para a matriz de Primo.............................75

FIGURA 13: Embratel anuncia Serviço Internet Comercial em dezembro de 1994.........................81

FIGURA 14: post inaugural do Justin's Links From the Underground, de Justin Hall, o 1º blog criado..................................................................................................................................................84

FIGURA 15: post inaugural do Diário da Megalópole, 1º blogue brasileiro em português..............87

FIGURA 16: blogue em que a equipe do Desembucha anunciava novidades do serviço..................91

FIGURA 17: post do Catarro Verde, de Sérgio Faria, acusando o plágio do então senador Antônio

Carlos Magalhães (PFL-BA)..............................................................................................................96

FIGURA 18: reprodução da página inicial do blogue Para Francisco............................................107

FIGURA 19: reprodução da página inicial do blogue Correndo Atrás............................................112

FIGURA 20: reprodução da página inicial do blogue AllesBlau....................................................117

ANEXOS

A.1 - Entrevista com a designer Cristiana Guerra, responsável pelo blogue Para Francisco...........128

A.2 - Entrevista com o subeditor de arte Mario Guilherme de Vasconcelos, responsável pelo blogue

Correndo Atrás..................................................................................................................................130

A.3 - Entrevista com a publicitária Juliana Maria da Silva, responsável pelo blogue AllesBlau....131

Introdução

A liberação do polo de emissão permitida pela internet, em contraste com as mídias

convencionais de transmissão de mão única, alimentou um novo fenômeno no ciberespaço

(LEMOS, 2002, p. 2) onde qualquer um conectado à rede pode se expressar livremente. O principal

veículo para tal exposição e consequente projeção da identidade do seu autor no ciberespaço é o

blogue, abreviação para a expressão “weblog” (registro online, em tradução livre para o português).

O fenômeno teve início com o estudante Justin Hall, que criou, em janeiro de 1996, o Justin's Links

from the underground1 (ainda não havia a nomenclatura específica), página com atualizações diárias

e organização temporal retroativa. O próprio Hall afirma, porém, que se inspirou em outros

exemplos vigentes na época para criar e manter o blogue pioneiro (ROSENBERG, 2009, p.21).

À medida que o fenômeno se tornava mais popular, alimentado tanto pelo desenvolvimento

de novas ferramentas como pela projeção que a publicação pessoal na internet ganha dentro de

outras mídias, os blogues se transformam para abarcar todos os objetivos sociais daqueles que,

intrigados com a plataforma, criavam seus próprios blogues. Nos dois primeiros estágios da sua

evolução, o blogue foi alvo de duas tipificações resultantes do perfil demográfico daqueles que o

adotaram: nos primeiros anos, blogues serviam para que profissionais do mercado de tecnologia

indicassem links interessantes online; e, após a ascensão de ferramentas que automatizavam

processos técnicos, em movimento iniciado pela Pyra Labs em 1999, blogues eram encarados como

versões digitais e coletivas dos tradicionais diários pessoais, em que se encontra a narrativa íntima

do seu autor.

Dada a popularidade da plataforma no correr dos anos, tais simplificações são insuficientes

para abarcar o potencial de aplicações que os blogues têm, em um processo que se autoalimenta:

quanto mais popular o blogue se torna, mais pessoas com diferentes objetivos (e, portanto,

aplicações) adotam a ferramenta, indicando novos potenciais usos e atraindo novos usuários.

1 http://links.net (Acesso em 25 de outubro de 2009)

Blogues já não servem apenas para apontar links em posts monossilábicos ou servirem de suporte

para seu relato emocional sem edições. Para nos aprofundarmos nas diferentes apropriações dos

blogues e entendermos alguns pontos comuns a todas elas, o que nos ajudaria a definir com maior

precisão o fenômeno, precisamos discutir pontos básicos sobre a natureza dos blogues e sua

evolução.

Esta dissertação se propõe a discutir os blogues sob três perspectivas – a estrutural,

analisando as ferramentas disponíveis para a criação e manutenção; a das práticas, detalhando que

tipos de hábitos afloram da apropriação dessas ferramentas (a prática é parte intrínseca das

ferramentas, já que ela se desenvolve a partir das funções permitidas pelo software); e a das

conversações, abordando o potencial dos blogues como veículos de agregação de comunidade e

definindo como são conduzidas as conversas por diferentes blogues, em diálogo que se destaca pela

fragmentação ao ser comparado a outros métodos de comunicação mediada pelo computador.

O primeiro capítulo desta dissertação é dividido em três subcapítulos, que discutirão as

perspectivas acima citadas, revisando propostas e estudos etnográficos já produzidos por

pesquisadores para tentar atingir definições que abarquem as apropriações mais populares que

encontramos atualmente. Vale notar que estamos tratando de um fenômeno em constante evolução e

poderemos esperar novas apropriações, capazes de apontar novas direções para os blogues, após o

encerramento da pesquisa.

O segundo capítulo trata da abordagem inicial dos blogues como gêneros, classificação

facilitada pelo exagerado uso de metáforas na definição da plataforma, partindo da definição de

Bakhtin (2005, p. 279), para quem gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciados”. O

capítulo argumentará, sustentado pela teoria de Boyd (2006, p.7), que blogues guardam

semelhanças com as mídias que o antecederam, mas apresentam características próprias a ponto de

serem consideradas uma nova mídia. Aqui, a argumentação é fundamentada segundo a definição de

McLuhan (1967, p. 21), para quem a mídia é uma extensão por onde o homem pode se expressar

além das limitações do seu corpo. Serão demonstradas, então, tentativas acadêmicas de criar

sistemas de tipificação que considerassem conceitos básicos da manutenção de um blogue, como o

número de participantes e a aplicação pessoal ou profissional dos textos publicados. Por fim, um

sistema de classificação proposto por Primo (2008) será detalhada e aprofundada, com

exemplificações entre blogues criados no Brasil e sugestões que podem tornar o sistema de

tipificação ainda mais rigoroso e preciso.

O terceiro capítulo compara o desenvolvimento histórico dos blogues nos Estados Unidos,

onde foram registrados os principais marcos referentes à história do fenômeno, graças à

concentração geográfica de espaços de inovação, produção e uso de novas tecnologias,

argumentação defendida por Castells (1996, p. 36), e no Brasil, retomando o início da internet

comercial e o desenvolvimento das primeiras comunidades e formas de comunicação digital. A

dissertação comparará a evolução dos blogues nos dois ambientes, indicando diferenças e

similaridades, a partir de quatro pontos de vista: Pioneiros, Ferramentas, Visibilidade e Adoção

Corporativa.

Por fim, o quarto capítulo é composto de três estudos de caso, escolhidos pelo mestrando por

seus semelhantes potenciais de mobilização, mas diferentes explorações da comunidade criada ao

redor do conteúdo oferecido. Os blogues Para Francisco, da mineira Cristiana Guerra, o Correndo

Atrás, do carioca Mario Guilherme de Vasconcelos, e o AllesBlau, da catarinense Juliana Maria da

Silva, terão suas histórias contadas e serão analisados a partir de conceitos apresentados no decorrer

da dissertação, como prática, ferramentas técnicas, coletividade, exploração da comunidade e

desdobramentos fora da internet. As entrevistas conduzidas com os três estarão disponíveis na

íntegra no Anexo que acompanha esta dissertação.

FIGURA 01: reprodução de blogue Chá Quente (http://chaquente.com) com post datado com link permanente, RSS,

busca, widgets na coluna lateral e explicações sobre o autor.

1 – O blogue por três perspectivas

Neste primeiro capítulo, os blogues são discutidos sob três diferentes perspectivas: estruturalmente,

como ferramenta; como prática, com hábitos decorrentes da apropriação da plataforma; e como

fenômeno social, com conversações que se fragmentam em diferentes ambientes.

1.1 – O blogue como ferramenta

A abordagem inicial para discutir blogues é sua estrutura. Neste subcapítulo, será exposto o

debate sobre o que vem a ser a estrutura mais básica de um blogue e serão abordadas algumas das

ferramentas adicionais fundamentais à socialização e à navegação em conteúdos publicados pela

plataforma. A estrutura sobre a qual se dará o debate é a de um “blogue-protótipo”, em qualificação

que, em menor ou maior grau, pode depender da configuração dos softwares oferecidos para a

criação do blogue. Vale ressaltar que, dada a rápida evolução tecnológica, o debate estrutural deste

subcapítulo registra um momento histórico de uma mídia em pleno desenvolvimento.

É importante discutir a estrutura a partir da relação de decorrência que ela tem com as

práticas dos blogues. As funções oferecidas pelos softwares “moldaram o estilo e as propriedades

dos blogues” (BOYD, 2006, p. 13). É por meio da evolução das ferramentas iniciais das primeiras

plataformas de blogues que é possível analisar e debater práticas e perspectivas comunicacionais

contidas nos blogues. O software é o ponto de partida do fenômeno.

Como coloca Manovich (2008), o software que apresenta uma interface simplificada para o

usuário mistura conteúdos como textos, vídeos e fotos em posts, avisa sistemas de filtragem de

conteúdo sobre novas informações e abre espaços para comentários dos leitores e, assim, a

consequente formação de comunidades é parte formadora do fenômeno.

A plataforma tem potencial para reajustar e remodelar processos quando aplicada sobre

processos de comunicação. É necessário estudar os softwares por trás de novas práticas de

publicação pessoal já que, "se a eletricidade e o motor de combustão tornaram a sociedade

industrial possível, o software similarmente permite a sociedade da informação" (MANOVICH,

2008, p. 4).

Se não estudarmos o software por si, estaremos sempre em perigo de lidar apenas com os efeitos ao invés das causas: o desdobramento que aparece na tela de um computador ao invés do programa ou das culturas sociais que produzem esses desdobramentos. (MANOVICH, 2008, p. 5).

Aqui vale uma consideração: por mais que tenham uma relação de interdependência com as

práticas (funções definem rotinas, que podem guiar o desenvolvimento de novas ferramentas), “as

propriedades do protótipo [estrutural] não definem os limites da mídia nem transmitem práticas

normativas ou de valor” (BOYD, 2006, p.12). A construção do fenômeno é social, dada

principalmente através da apropriação das ferramentas construídas. É a prática que define a

fronteira do blogue, não a plataforma.

A popularidade de tipificações estruturais fica evidente ao serem listadas as diferentes

abordagens à plataforma no decorrer do seu desenvolvimento. Em uma das primeiras definições, a

pesquisadora Brigitte Eaton compilou uma das primeiras listas com blogues em 1999, usando

apenas um critério técnico: blogues seriam todos aqueles conteúdos sucessivos com “conteúdos

datados” (BLOOD, 2000, p.2), definição que não diferenciava dos blogues os sites estáticos com

frequência de publicação estabelecida, por exemplo.

Nos últimos anos, artigos acadêmicos ou jornalísticos apresentaram definições estruturais de

blogues que misturavam ferramentas com a prática ou o gênero do conteúdo publicado. É o caso de

Gillmor (2004, p.29), quando diz que blogues são “diários online compostos de links e posts em

ordem cronologicamente reversa”. É possível notar em sua definição, considerada “generalizada”

pelo próprio autor, que há tanto a classificação restritiva quanto ao gênero (blogues como diários)

como a obrigatoriedade de links em seu conteúdo, algo a ser discutido no subcapítulo 1.2. Nota-se a

redundância do autor em atrelar blogues ao ciberespaço, como se fosse possível existir blogues na

estrutura apresentada – com Hyperlinks – em outra mídia que não a hipermídia.

Já Barger (1999, online)2 define blogues estruturalmente como “uma página [...] [em que o]

formato consiste normalmente em adicionar conteúdos novos no topo da página [...]”, o que faria

2 http://www.robotwisdom.com/weblogs/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)

com que os visitantes pudessem ler tudo o que foi escrito anteriormente apenas navegando para o pé

do site. Herring (2005, p.1) o define como “páginas online modificadas constantemente em que

conteúdos datados são listados em sequência cronologicamente reversa” e que se organizam ao

redor de posts, “os corações dos blogues”.

Conor, Hayes e Avesani (2007) seguem o caminho de misturar ferramenta com práticas ao

definir que blogues, além das publicações em ordem cronológica reversa, são caracterizados

também por atualizações constantes, escritas geralmente vindas de apenas um usuário e organização

definida por tags. Já para Recuero (2002, p. 3), blogues são ferramentas “simples de criar conteúdo

dinâmico em um website” baseado em atualizações frequentes com “pequenas porções de texto” (os

posts, segundo a autora) e organizado em torno do tempo, com a atualização mais nova ocupando o

topo do website com data e hora. Até mesmo o formal Oxford English Dictionary, ao tipificar pela

primeira vez o termo “blog”, definiu a ferramenta como “um site atualizado frequentemente que

consiste de observações pessoais, excertos de outras fontes, etc, geralmente atualizado por uma

pessoa” (OED, 2003).

Percebe-se que, entre desencontros em relação às práticas e mesmo aos conteúdos que

blogues podem ser usados para canalizar, todos os pesquisadores citados concordam na estrutura

mais básica do blogue como sendo uma plataforma de publicação centrada em posts identificados

com um link permanente (chamado tecnicamente de permalink) e dados temporais sobre o

conteúdo, como dia do mês e/ou hora de publicação.

Quem mais se aproxima de uma definição condizente com as ferramentas básicas

disponíveis por populares plataformas de blogues até o momento da execução dessa dissertação,

como Blogger3, WordPress4, LiveJournal5, Movable Type6 e Typepad7, é a socióloga da

Universidade de Bamberg, na Alemanha, Jan Schmidt, que propõe a definição de blogues como

[…] websites frequentemente atualizados onde os conteúdos (texto, fotos, arquivos de som,

3 http://www.buzzmachine.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 4 http://chaquente.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 5 http://elysesewell.livejournal.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 6 http://www.movabletype.com/blog/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 7 http://crowdsourcing.typepad.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)

etc) são postados em uma base regular e posicionados em ordem cronológica reversa. Os leitores quase sempre possuem a opção de comentar em qualquer postagem individual, que são identificados com uma URL única. (SCHMIDT, 2007, p.1).

A centralização em posts parece ser a característica estrutural mais importante dos blogues,

já que, sendo eles as unidades chaves de um blogue, como descreve a cofundadora da Pyra Labs,

empresa responsável pelo Blogger, Meg Hourihan, tal estrutura “captura expressões em andamento,

não edições de criações estáticas” (BOYD, 2006, p. 10). Além de dinamismo na maneira como

conteúdos mais novos são apresentados, a sucessão de posts exige que blogues tenham ferramentas

complementares que ajudem o leitor a navegar pelos posts anteriores e que já foram substituídos,

nas páginas iniciais, por outros materiais mais recentes. Como expõe Tim O´Reilly:

A blogosfera pode ser pensada como um novo equivalente peer-to-peer da Usenet e de bulletin-boards, os “bueiros conversacionais” do começo da internet. As pessoas podem não apenas se cadastrar nos sites dos outros e facilmente “linkar” para comentários individuais na página, mas também, por um mecanismo conhecido como trackback, podem ver qualquer um que tenha links para suas páginas, e pode responder com links recíprocos ou não, ou acrescentar comentários. (O´REILLY, 2007, p. 25).

Funcionalidades como comentários, sistema de classificação por tags, lista de links, suporte

a RSS, arquivos organizados por mês e widgets laterais são complementos à estrutura crua dos

blogues que fazem com que o usuário abandone o simples uso da ferramenta de publicação, aceite

“o convite para a conversação” (PRIMO, 2008, p. 123) e explore as práticas conversacionais

inerentes à nova mídia.

O “blogue-protótipo”, constituído a partir da mistura entre a estrutura crua centrada em posts

e com link permanente e um número variável das funcionalidades descritas, restringe-se a uma

ferramenta de publicação pessoal facilitada que automatiza processos e, portanto, derruba o nível de

conhecimento prévio necessário aos interagentes para praticamente zero (GILLMOR, 2004, p. 30).

Um blogue com conteúdo disposto em ordem cronológica reversa, mas que não tenha

comentários, feeds de RSS e/ou widgets, não se transforma em um site convencional – ele continua

a ser um blogue, da mesma forma como outro veículo com todas as funcionalidades habilitadas

também o é, embora ambos guardem profundas diferenças em seus funcionamentos.

Neste cenário, porém, o blogue é tratado como mais um sistema de gerenciamento de

conteúdo (do inglês, content management system) que não se beneficia das particularidades

conversacionais e do cultivo de audiências que ajudam a moldar suas práticas. Em suma,

representar conteúdo em ordem reversa e com link permanente ainda é fazer uso do blogue, muito

embora a plataforma se distinga pouco de outros CMSs disponíveis para gerenciamento de

conteúdo digital. A relação entre CMSs e plataformas de blogues começa a se extinguir de maneira

que softwares como o WordPress já oferecem configurações para que webmasters criem sites a

partir das ferramentas responsáveis por blogues.

A popularização dos blogues passa por um marco histórico no setor, onde a então exigência

de se conhecer a linguagem de programação HTML para manter seu registro online impedia uma

adoção em massa e restringia a prática do blogue a funcionários do mercado de tecnologia

familiarizados com códigos. Os primeiros blogues que se têm notícia, algo a ser detalhado no

capítulo 3, eram feitos por programadores que precisavam formatar não apenas a apresentação da

página, mas também o conteúdo (fosse ele texto ou imagem) que seria veiculado no post, como foi

o caso de Justin Hall no Links From the Underground, que estreou em janeiro de 1996.

A estreia da primeira ferramenta de blogues, da desenvolvedora Pitas em julho de 1999, e,

principalmente, da ferramenta Blogger, da Pyra Labs, ajudaram a quebrar a resistência e incentivar

o público em geral a criar seus blogues ao oferecer uma interface familiar, “com comandos simples,

semelhantes aos dos editores de texto” (GUTIERREZ, 2003, p. 91), onde imagens e links poderiam

ser formatados pelo apertar de botões. Além de popularizar o termo “weblog”, foi o Blogger o

responsável por engatilhar o movimento “button-pushing publication”, plataformas online que não

exigiam conhecimento prévio e permitiam que qualquer um criasse seu espaço para reflexões no

ciberespaço. O movimento de transformar códigos de programação em interfaces em que os

mesmos resultados são atingidos com o apertar de botões - um movimento iniciado em 1984, com a

Apple lançando no Macintosh o primeiro sistema operacional com sistema de navegação gráfico

baseado em ícones, símbolos e janelas, e não a tradicional linha de comando –, teve ainda

desdobramentos em outras áreas de colaboração online, como criação de redes sociais centradas em

assuntos específicos por meio do serviço Ning ou Coghead.

A facilidade oferecida pelo Blogger atraiu um contingente de usuários além dos entusiastas

já citados, o que teve reflexos na blogosfera tanto por novas razões pelas quais se atualizava um

blogue como por novos conteúdos publicados. Quando o Blogger quebrou a barreira técnica

necessária para se ter o privilégio de possuir um blogue, o segundo momento da blogosfera,

capturado por análise etnográfica por autores como Herring e Nardi, foi marcado pela divulgação de

narrativas pessoais, semelhantes às encontradas em diários adolescentes, acrescidos dessa vez do

fator comunicacional. O constante uso de metáforas comparando blogues com diários pessoais

marcou a plataforma digital no imaginário coletivo a partir dessa segunda fase do seu

desenvolvimento, como há de ser discutido mais a fundo no capítulo 2.

Além da estrutura básica já apresentada, debateremos algumas das ferramentas adicionais

amplamente encontradas em blogues - RSS, blogroll, tags e widgets, sendo que as quatro primeiras

ajudam na organização e facilitam a navegação do leitor pelo conteúdo arquivado e a última

extrapola as funcionalidades oferecendo conteúdos de bancos de dados externos ao blogue.

Comentários e trackbacks são funcionalidades que serão estudadas mais a fundo, tanto em suas

definições técnicas como em suas consequências conversacionais, no subcapítulo 1.3.

FIGURA 02: exemplo de localização do ícone para assinatura do feed RSS em um blogue

A RSS é uma tecnologia que permite a “assinatura” do blogue em questão, com conteúdos

novos publicados levados ao usuário ao invés de exigir que o site seja visitado constantemente para

checar atualizações. Programas e serviços online, denominados leitores de RSS, permitem o

cadastro dos chamados “feeds”, canais por onde as atualizações são levadas ao usuário, que podem

ser classificados e agrupados conforme sua vontade, o que o torna "uma forma de clipping contínuo

e automatizado" (PRIMO, 2007, p.4).

Tecnicamente, o RSS é uma linguagem que cria uma arquitetura padronizada para exibir o

sumário de conteúdos disponíveis no blogue, acrescidos de meta dados que ajudam na classificação

e exibição do material. Ou, como escreve Dan Libby (1999, p.18), engenheiro envolvido na criação

da tecnologia para o portal My.Netscape.com, que publicou uma revisão do formato ainda em 1999,

“o RSS foi originalmente concebido como um formato de meta dados que oferece o sumário de um

site”.

A natureza estruturada dos dados no RSS permite que o usuário defina filtros para o feed que

exibirão apenas conteúdos que mais lhe interessam, algo que representou a ascensão do movimento

dos mashups online. Um mashup é um serviço nascido para desempenhar determinada função após

duas outras ferramentas ou uma ferramenta e uma fonte de dados (que tinham propósitos originais

diferentes do mashup) tenham sido combinadas.

Ainda que o primeiro esboço do RSS tenha sido criado em 1999 pelo pesquisador

Ramanathan V. Guha dentro de uma iniciativa de um portal para o Netscape, a tecnologia só se

aproximou da qual estamos acostumados a usar hoje em setembro de 2002, quando Dave Winer,

também um dos primeiros blogueiros do mundo, publicou a especificação RSS 2.0. Em 2003,

Winner cedeu o gerenciamento do formato RSS 2.0 para o Berkman Center for Internet & Society9,

grupo de estudos cibernéticos da Universidade de Harvard, e aplicou uma licença Creative

Commons sobre a tecnologia.

Nuvem de tags é o termo que descreve uma ferramenta que ajuda na exploração do

conteúdo arquivado por meio de um sistema de categorização surgido com a cultura digital

chamado de “folksonomia”. A “ folksonomia” é um sistema distribuído de “categorização

8 http://www.scripting.com/netscapeDocs/Rss%200_91%20Spec,%20revision%203.html (Acesso em 25 de outubro

de 2009) 9 http://cyber.law.harvard.edu/rss/rss.html (Acesso em 25 de outubro de 2009)

colaborativa [que] usa palavras livremente escolhidas, chamadas com frequência de tags”, como

explica O'Reilly (2007, p. 23). As tags são descritas por Hayes, Avesani e Veeramachaneni (2006,

p. 1) como “descrições curtas e informais, geralmente de uma ou duas palavras, usadas para

descrever entradas em blogues (ou qualquer outro recurso online)”.

FIGURA 03: exemplo de nuvem de tags, onde o tamanho dos termos (tags) indicam a frequência do seu uso dentro do

blogue

Não existe “uma lista global condensada de tags a partir da qual o usuário pode escolhê-las,

nem há um conjunto de melhores práticas sobre tags” (Hayes, Avesani e Veeramachaneni, 2006,

p.1). Mathes (2004, p. 3) detalha ainda que “não existe hierarquia e qualquer relação diretamente

especificada de relacionamento entre os termos”, fora as tags relacionadas geradas automaticamente

pela associação com URLs semelhantes.

O uso de tags permite associações múltiplas e complementares de um conteúdo da mesma maneira que o cérebro faz, em vez de [explorar classificações em] categorias rígidas. Em exemplo canônico, a foto no Flickr de um filhote pode ser classificada com as tags 'filhote' ou 'fofo', permitindo que ela esteja em dois eixos da atividade gerada pelo usuário (O'REILLY, 2004, p. 23).

Nuvens de tags, portanto, são uma maneira de representar graficamente os principais tópicos

(encarnados pelas tags) abordados pelo usuário em seu blogue ou site, em uma organização onde o

tamanho indica a frequência de uso do termo - quanto maior o termo na nuvem, mais popular ele é

no banco de dados que tenta expressar visualmente.

FIGURA 04: exemplo de blogroll, apontando links relevantes na coluna lateral do blogue.

A liberdade com que usuários podem criar suas tags é alvo de críticas por estudiosos do uso

da folksonomia online, que, como Mathes (2004, p. 4), apontam que o “vocabulário descontrolado

leva a um número de limitações e fraquezas nas folksonomias”.

O problema, complementam Hayes, Avesani e Veeramachaneni (2006, p .2), “é que a tag é

definida localmente e não há mecanismo que indique que duas tags signifiquem a mesma coisa”.

Ou seja: ao mesmo tempo em que é encarada como libertária em relação à hierarquização da

taxonomia, a capacidade do usuário classificar seu conteúdo a partir da tag que achar melhor pode

induzir à navegação falha pelos diferentes parâmetros aplicados na definição do termo.

Blogroll são links que o blogueiro define como forma de indicar outros blogues e/ou sites

em que seu leitor poderá encontrar conteúdos semelhantes aos publicados no seu blogue ou

endereços que o autor considera interessantes. Mais que fazer referência a um post específico, o

blogroll traz uma lista de ambientes externos que compartilhem objetivos ou tragam enfoques

diferentes aos apresentados pelo blogueiro, “mapeando” (NARDI, 2004, p. 11) seu entorno, criando

redes com a blogosfera.

O blogroll pode ser fragmentado pelo blogueiro em categorias que agrupem links sobre

determinados assuntos ou indiquem relação pessoal com o link citado (como é o caso de amigos ou

familiares). A lista também pode servir para que o próprio blogueiro organize seu repertório online,

dispensando outras ferramentas de gerenciamento de conteúdo, como leitores de RSS, muito

embora Efimova e De Moor (2005, p. 2) detalhem que blogueiros consultados em seu estudo

etnográfico não viam sentido no blogroll após o advento do RSS.

Um estudo conduzido por Schmidt (2009, p.112) chegou à média de 16 links indicados no

blogroll, com um quarto dos blogueiros ouvidos indicando apenas links recíprocos e a maioria deles

(85% e 60,3%, na ordem) cita como principais razões para a indicação o fato de lerem os blogues

constantemente ou serem de amigos seus.

Por mais que seja visto como um importante veículo conversacional dos blogues, o blogroll

ainda é menos relevante que os comentários na capacidade de estabelecer e manter conversações

(SCHMIDT, 2009, p.112), seja pela imobilidade de referência a assuntos ou pelo baixo ritmo de

atualização em comparação aos novos posts publicados.

Ainda que tanto blogues como trabalhos acadêmicos sejam afetados por relações

interpessoais (que criam os “clusters10 de referências trocadas”, na denominação do blogueiro

Joshua Allen), o blogroll serve como veículo determinante para que blogues sejam considerados

relevantes. De certa forma, o blogroll se comporta como votos que o blogueiro dá àqueles que

10 “Cluster” é um termo aplicado à ciência da computação, astrofísica e química que designa um agrupamento.

admira (BOWMAN e WILLIS, 2003, p.43).

FIGURA 5: exemplos de widgets que podem ser integrados à interface do blogue

Widgets (que também podem ser chamados de badges) são aplicativos complementares que

introduzem diferentes funções nos blogues. A partir do momento em que ferramentas de blogue

começaram a se tornar mais moduláveis, a facilidade com que usuários passam a poder editar as

colunas laterais e aproveitá-las para enriquecer o conteúdo reproduzido costumeiramente na coluna

central serviu de propulsor para os widgets.

Seja pela associação ágil ou pela ampla variedade de funcionalidades disponíveis, widgets

são usados por muitos dos blogueiros (HERRING, 2004, p.7). A liberdade de edição possível em

softwares como o LiveJournal ou, mais recentemente e em grau mais elevado, o WordPress, tende a

fazer com que widgets se tornem cada vez mais presentes em blogues, em resposta à

tradicionalmente regulada plataforma do Blogger.

A facilidade de integração se associa à conscientização de serviços online em oferecer

códigos que permitem que as funcionalidades sejam levadas dos sites onde estão hospedadas para

qualquer ambiente online que suporte HTML. Isso faz com que blogues possam assumir o papel de

centralizador da atuação online do usuário.

Tradicionalmente, widgets ou badges se caracterizaram como uma forma do usuário mostrar

identificação e se atrelar a algum movimento online colando em seu blogue códigos que

reproduzem uma imagem com link que leva ao site, concentrando a manifestação sobre determinado

assunto.

Pela evolução da programação online, serviços online ou bancos de dados externos ao

blogue podem ser integrados por meio de widgets, expandindo suas capacidades para que

mensagens instantâneas sejam trocadas enquanto o blogueiro está online (Meebo11), que discussões

mantidas em outro ambiente digital sejam reproduzidas junto ao conteúdo do blogue (Google

Friend Connect12), quais as canções mais ouvidas pelo blogueiro sejam indicados (Last.FM13), que

leituras selecionadas pelo blogueiro estejam disponíveis (Delicious)14 e até que um canal de bate-

papo seja aberto em tempo real entre blogueiro e leitores (CoverItLive15).

Se considerarmos a popularização deste movimento de trazer funcionalidades de serviços

11 Http://www.meebo.com (Acesso em 25 de outubro de 2009) 12 Http://google.com/friendconnect (Acesso em 25 de outubro de 2009) 13 Http://last.fm (Acesso em 25 de outubro de 2009) 14 Http://delicious.com (Acesso em 25 de outubro de 2009) 15 Http://www.coveritlive.com (Acesso em 25 de outubro de 2009)

online externos para o blogue por meio dos widgets, podemos constatar que a pequenas aplicações

servirão a objetivos ainda mais específicos que os já suplantados agora e, portanto, têm poder em

potencial para transformar a prática dos blogues.

Assim como os widgets levam ao blogue funcionalidades (compactas e independentes) de

serviços hospedados em outros ambientes, pode-se perceber também como as empresas por trás de

softwares de blogues vêm se preocupando em oferecer ferramentas que facilitem a seleção e edição

de conteúdos para os blogues, ainda que o usuário não esteja com a interface padrão aberta em sua

frente. Exemplo disso é a barra de ferramentas “Blog This”, que o Google oferece para que

blogueiros do Blogger indiquem domínios ou textos que serão jogados automaticamente no blogue.

A constante evolução das ferramentas oferecidas para a manutenção de blogues, focadas não

mais apenas no gerenciamento de conteúdo, mas também em uma melhor organização da

comunidade nascida ao redor do material publicado, faz com que o estudo estrutural dos blogues

possa ser aprofundado em ocasiões futuras, levando-se em consideração as implicações que tais

novidades técnicas significarão às práticas do blogue.

1.2 – As práticas dos blogues

A análise estrutural dos blogues guia a próxima discussão da dissertação, já que é da

apropriação das ferramentas tecnológicas (LEMOS, 2002) que emergem as práticas que guiarão a

criação e a divulgação de conteúdo na nova plataforma. Há uma conexão muito próxima entre

estrutura e prática nos blogues, pois “a tecnologia representa um papel fundamental no molde das

formas resultantes” (BOYD, 2006, p. 12). É pelo uso das ferramentas que “as fronteiras dos blogues

são socialmente construídas, não tecnologicamente definidas” (BOYD, 2006, p. 12). A adoção da

ferramenta, portanto, leva os blogues a assumirem “um vasto leque de usos, resultando em um

conjunto diverso de práticas agrupado sob a rubrica 'blogging'”(PARK, 2009, p. 1).

Este subcapítulo discutirá diferentes perspectivas sobre a prática do blogue, abordando

fatores que podem ser considerados inerentes à rotina citada por Schmidt, e explorando o potencial

impacto que a publicação pessoal em um ambiente público, intertextual e dotado do suporte

multimídia do hipertexto, tem sobre a linguagem, adaptando-se conforme suas restrições práticas de

discurso anteriores.

Como esclarece Schmidt (2009, p.110), o debate sobre as práticas do blogue pode se

concentrar em “características individuais, motivações, rotinas e expectativas ou em propriedades

estruturais da blogosfera, de modo mais proeminente nas redes de links entre blogues ou no público

emergente”. A pesquisadora afirma que os estudos acadêmicos voltados à prática dos blogues se

concentram majoritariamente na língua inglesa, com a exceção de análises voltadas às blogosferas

persa (ESMAILI, 2006), espanhola (MERELO, 2005) e polonesa (TRAMMELL, 2006), o que a

impulsionou a realizar um estudo com mais de 5 mil falantes da língua alemã para descobrir seus

hábitos e rotinas na criação de blogues.

A abordagem inicial das pesquisas para analisar as práticas dos blogues se apoiava em

estudos etnográficos que tentavam apontar rotinas padrões para as diferentes apropriações da

ferramenta blogue. Sendo assim, autores como Nardi, Herring, Boyd e mesmo Schmidt definiram

categorias que formavam a prática do blogue, como frequência, coletividade, conteúdo, motivação e

privacidade (complementares, mas não indissociáveis).

Em uma das primeiras tentativas de definir blogues, Blood (2000) se concentrou no

conteúdo publicado pelo blogueiro, tipificando como “estilo original” da plataforma a apresentação

de “links tanto para cantos pouco conhecidos da Web como para notícias e artigos que acham valer

a pena ser notados”, apostando na então nascente mídia como um método de registro. Todas as

publicações, sempre veiculadas em espaços pequenos, “o que encorajava a precisão por parte do

escritor”, segundo sua concepção, também eram acompanhadas por “comentários do editor” e

carregavam “um tom irreverente e algumas vezes sarcástico”. Blood tomava como base o

movimento dos blogues em desenvolvimento entre entusiastas e programadores antes da introdução

do Blogger, em 1999, e a consequente adoção do serviço por usuários sem conhecimentos técnicos.

Tendo isso em vista, por mais que suas definições documentem com precisão um momento do

desenvolvimento das práticas dos blogues, a tipificação soa exageradamente desatualizada ao se

preocupar apenas em indicar formatos ou tons de abordagem para publicação.

Nardi também aborda a importância do uso de links dentro do conteúdo, embora não

restrinja tom, formato ou assunto abordado para sua tipificação. O estudo etnográfico (conduzido

com 23 participantes no período entre abril e junho de 2003) indica que o uso de links (dentro dos

posts ou por meio do blogroll) fomenta a criação de comunidades ao redor do blogue e cria

integração com outros blogueiros, já que “pessoas tipicamente encontram blogues por outros

blogues que estão lendo, por amigos ou colegas que avisam sobre seus blogues ou de outros, ou

pela inclusão de uma URL em um site ou no perfil de algum comunicador instantâneo”. (NARDI,

SCHIANO e GUMBRECHT, 2004, p. 3).

O estudo etnográfico de Herring, no entanto, vai na contramão da crença de que links são

partes indissociáveis da atividade de “blogar”, apontando que menos de um terço dos posts

analisados em 2003 continha qualquer link, com o grupo estudado atingindo uma média de 0,65 link

por post, muito abaixo da média de 1,89 alcançada por Krishamurthy (2002) ao estudar os hábitos

do MetaFilter, um dos blogues de filtragem de conteúdo mais populares da Web. A descoberta da

pesquisadora reflete o contexto histórico da época: a alta taxa daqueles que declararam manter

blogues como “diários pessoais” (70% dos entrevistados) é desdobramento direto do então sucesso

que o Blogger experimentava com usuários sem conhecimento técnico. A afirmação de Blood de

que a origem do blogue remonta a filtros online centrados em links, então, “representa erroneamente

a maioria dos blogues” na época do estudo, por mais que fizessem sentido em 2000, admite Herring

(2004, p. 9).

Por outro lado, o estudo de Herring corrobora a proposta de Blood (ecoada também por

Gillmor) de que posts são publicações curtas, indicando uma média de 210,4 palavras por

publicação pessoal, número menor, argumenta Herring, do que o presente em e-mails trocados em

uma discussão acadêmica. A baixa taxa de conteúdo de terceiros citado dentro dos posts (18

palavras) também corrobora a análise da pesquisadora de que a ampla adoção da ferramenta como

recurso para narrativa pessoal na amostra influi diretamente no seu resultado, tanto pela

popularidade de links e conteúdos citados nos posts, como na falta de conteúdos multimídia nas

publicações – blogues como veículos para distribuição de imagens, como faz o cartunista Laerte no

seu Manual do Minotauro16 com suas tiras, ou de vídeos, exemplo do presidente da Rússia, Dmitri

Medvedev17.

Diferentes abordagens ao estudo dos blogues concluem que ferramentas não determinam

temas a serem cobertos, o que indica que podemos observar uma grande diversidade nos assuntos

abordados por blogues. A variedade de tópicos compreende desde conteúdo inédito oferecido por

um escritor, que pede à comunidade opiniões e críticas sobre seu trabalho, até citações a outros

conteúdos por meio de hyperlinks (GILLMOR, 2003), sejam elas monossilábicas ou análises

aprofundadas, formando uma espécie de clipping ou agregado crítico sobre o assunto.

A escolha do tema a ser abordado tem relação muito próxima às motivações que levam o

blogueiro a começar seu blogue. Seja para atualizar amigos e família sobre seus passos, divulgar

talentos não aproveitados na atual ocupação, arquivar e organizar trabalhos próprios, indicar links

interessantes ou analisar questões emocionais próprias, “as motivações para “blogar” “são

manifestações de diversos motivos sociais, nas quais as inscrições no blogue comunicam propostas

sociais comunicativas específicas aos outros” (NARDI, 2003, p. 4). Partindo sempre da motivação

social da narrativa íntima, Nardi descreve cinco motivações para se ter um blogue – documentar a

vida do autor; oferecer comentários e opiniões; expressar emoções profundas; trabalhar ideias

enquanto se escreve; e formar e manter comunidades e fóruns –, em estilos que podem alternar de

post para post ou dentro da própria publicação.

A documentação da vida do autor pode misturar tanto fluxos de emoções não editadas como

registros de eventos em sua vida, relevantes para um grupo limitado, composto majoritariamente

por contatos mais próximos, e também para o próprio blogueiro, que cria um arquivo de atividades

16 http://www.verbeat.org/blogs/manualdominotauro/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 17 http://eng.kremlin.ru/sdocs/vappears.shtml (Acesso em 25 de outubro de 2009)

próprias mais fácil de ser consultado e mais definitivo que outras mídias tradicionalmente usadas

para registro, como cadernos de papel. Blogues se tornam apenas mais um veículo para

documentação a partir do momento em que a interação do autor com bancos de dados externos

àquele ambiente, como comunidades de vídeos, serviços de bookmark, listas em sites de comércio

eletrônico, entre outros, torna-se automatizada.

Por meio de serviços como FriendFeed,18 por exemplo, onde o cadastramento de feeds

relativos às atividades online de qualquer indivíduo, é possível manter um histórico das “pegadas

online”, sem que o blogueiro tenha que relatar suas atividades no formato de texto em posts, o que

leva a uma fragmentação do registro online, decorrente da variedade de serviços especializados

nascidos após a popularização do blogue.

A privacidade das publicações é garantida pela opção que permite acesso apenas mediante

senha, que algumas plataformas oferecem a blogueiros. A senha, nesse caso, funcionaria como o

cadeado que protege o diário de papel do acesso indevido, em metáfora que se sustenta se não

levarmos em consideração as profundas diferenças interativas que ambos os modelos de registro

pessoal guardam entre si, assunto que será explorado mais profundamente no capítulo 2.

A privacidade em blogues pode assumir três diferentes níveis: blogues protegidos

completamente por senhas; blogues públicos, que avisam filtros agregadores de conteúdo e serviços

de busca sobre eventuais atualizações (o que facilita a descoberta por leitores que não fazem parte

da sua comunidade); e blogues públicos cujos autores escolhem não enviar alertas sobre novos

conteúdos (o que não impede o acesso, mas dificulta a localização por quem não conhece a URL).

Por fim, a inexatidão domina o histórico das pequisas sobre a frequência necessária para a

prática do blogue. Por mais que se tenha sugerido um tempo médio de espaçamento entre posts

(Herring sugere 5 dias), amostras etnográficas mostraram diferentes ritmos de atualização que

impedem a descoberta de algum padrão. Há mesmo a dúvida se a falta de atualização de um blogue

faz com que ele deixe de ser um blogue (RECUERO, 2009, p. 30). Por mais que os autores não

18 Http://friendfeed.com (Acesso em 25 de outubro de 2009)

tenham encontrado um ritmo padrão na atualização de blogues (partindo do pressuposto que exista

um), a natureza dinâmica da blogosfera exige atualizações frequentes o suficiente para manter o

engajamento da comunidade, algo que resvala em outro componente da prática dos blogues, a

coletividade.

Por mais que tenha nascido como uma plataforma para publicações de autoria individual,

que permitia a livre expressão e debate de opiniões (GILLMOR, 2003, p. 31) pela manipulação

tanto de conteúdos multimídia como vídeos, fotos e músicas, ou citações de outros veículos online,

sejam eles páginas ou outros blogues, a maturidade empreendida pela plataforma mostra como os

blogues mais populares do mundo são obras coletivas, mantidas por grupos de pessoas.

A consulta aos 100 blogues mais populares do mundo segundo o ranking do Technorati

(novembro de 2009), que formula uma lista da blogosfera mundial baseada na quantidade de outros

blogues diferentes que apontaram links para determinado endereço nos últimos seis meses, mostra

que, dos 100 blogues mais populares do planeta, 13 são atualizados individualmente: The Daily

Dish19 (14º lugar), por Andrew Sullivan; o blogue homônimo de Michelle Malkin20 (19º); o blogue

homônimo de Ezra Klein21 (28º); Yglesias22, de Matthew Yglesias (32º); Political Punch23, de Jake

Tapper (35º); The Plum Line24, de Greg Sargent (47º); o blogue homônimo de Ben Smith25 (52º); o

blogue homônimo de Glenn Greenwald26 (61º); The Conscience of a Liberal27, de Paul Krugman

(67º); Perez Hilton28 (77º), por Mario Lavandeira; The Ausiello Files29, de Michael Ausiello (82º); o

blogue homônimo de Glenn Thruch30 (87º); e Dlisted31, de Michael K (95º).

O escritor Seth Godin elabora mais sobre a situação, em um post chamado “Fim do blogue

19 http://andrewsullivan.theatlantic.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 20 http://michellemalkin.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 21 http://voices.washingtonpost.com/ezra-klein/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 22 http://yglesias.thinkprogress.org/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 23 http://blogs.abcnews.com/politicalpunch (Acesso em 01 de novembro de 2009) 24 http://theplumline.whorunsgov.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 25 http://politico.com/blogs/bensmith (Acesso em 01 de novembro de 2009) 26 http://salon.com/opinion/greenwald (Acesso em 01 de novembro de 2009) 27 http://krugman.blogs.nytimes.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 28 Http://perezhilton.com (Acesso em 01 de novembro de 2009) 29 http://ausiellofiles.ew.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 30 http://www.politico.com/blogs/glennthrush (Acesso em 01 de novembro de 2009) 31 http://www.dlisted.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009)

pessoal?”, em novembro de 200832 do seu blogue homônimo. “A melhor maneira de aumentar seu

ranking como blogueiro é atualizar com bastante frequência e ter grupos de pessoas fazendo o

trabalho. Se esta é sua estratégia, claro que você não pode ter um blogue sozinho”, definindo uma

analogia para explicar que, por mais que a pessoalidade de um blogue, pela sua definição original,

dificulte sua popularização, os blogues pessoais não estão mortos: “seu blogue pode ser como um

jornal (escrito por uma equipe) ou pode ser como um livro (escrito por um autor). [...] Eles são

diferentes. E precisamos de ambos.”

Percebe-se que a definição do blogue como “vozes pessoais não editadas” (EFIMOVA,

2005, p. 2) pode fazer sentido quando encaramos os blogues situados em uma esfera

majoritariamente artesanal, encaixando-se na rotina diária do blogueiro e atraindo uma comunidade

própria interessada na seleção de assuntos abordados. Alguns blogueiros, porém, conseguem

quebrar a barreira e atraem tanto relevância como atenção do público sozinhos, (no Brasil, o

Querido Leitor33, da química Rosana Hermann, é um exemplo). De maneira geral, porém, a adoção

em massa dos blogues mostra que os de maior sucesso, tanto financeiro como de projeção, mantêm

uma rotina industrial de produção, atrelando relevância a ritmo constante de atualização. Por outro

lado, posts esparsos não desqualificam um blogue como tal.

Como é possível notar pela discussão corrente, tentar analisar as práticas dos blogues como

uma rotina em que padrões podem ser encontrados nas mais diferentes apropriações se torna uma

atividade nem sempre definidora, com estudos que refletem escolhas e hábitos da amostra que se

resolve estudar. Tentar fixar definições médias para atributos como tamanho do post, uso ou não de

links, integração de conteúdo multimídia ou frequência é limitar a plataforma e ignorar seu próprio

histórico de desenvolvimento. Como uma mídia, o blogue é uma plataforma que serve aos

propósitos sociais definidos por cada um dos seus interagentes e, por mais que haja alguns comuns

a diferentes objetivos, esses “valores protótipos” são detectados em práticas em particular, “mas não

são compartilhados universalmente” (BOYD, 2006). Não ironicamente, os estudos que tentavam

32 http://sethgodin.typepad.com/seths_blog/2008/11/death-of-the-pe.html (Acesso em 25 de outubro de 2009) 33 http://blogs.r7.com/querido-leitor/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)

delimitar rotinas foram publicados, em sua maioria, até 2005, quando novos investimentos no

mercado de internet incentivaram a criação de novas plataformas de registro online focadas em

determinadas atividades que levaram o conceito de blogue além do que o Blogger definiu a partir de

1999.

Por que criar um blogue para armazenar suas fotos quando se tem o Flickr34? Por que

escrever posts com seus links favoritos quando se tem o Delicious? Por que escrever posts curtos

quando se pode fazer o mesmo no Twitter35 de maneira mais fácil? Por que perguntar a seus amigos

no blogue sobre festas e eventos se o Facebook36 e o Yelp37 mostram onde cada um deles estará

nessa ou naquela data? Por que perder minutos formatando uma imagem no blogue quando o

Tumblr tem uma interface voltada especificamente para a publicação multimídia? Todas as

atividades acima não se beneficiam de todas as características do “blogue-protótipo” discutido no

subcapítulo 1.1 (algumas não compartilham nenhuma característica, na verdade), mas todas ainda

podem ser consideradas uma maneira de autopublicação online gratuita e extremamente fácil. A

mudança na natureza do blogue, forçada pela popularização de serviços com outros tipos de

objetivos mais focados, força também a academia a mudar a maneira como se encara a prática do

blogue.

Boyd vê a prática de blogue como

a produção de conteúdo digital com a intenção de compartilhamento assíncrono com uma audiência conceitualizada. Trata-se de uma prática n-para-?, em que um número discreto de blogueiros compartilha com um número desconhecido de leitores. [...] O conteúdo que escolhem compartilhar varia tão amplamente como (qualquer outro meio de) comunicação, indo de reflexões a listas de tarefas, filosofias a referências a objetos digitais encontrados (BOYD, 2006, p. 13).

Mais que simplesmente uma produção digital passível de compartilhamento com uma

audiência potencial infinita (algo possível em outras ferramentas de comunicação mediada pelo

computador, como sites tradicionais), a prática do blogue envolve também dinamismo, uma postura

ativa “onde o blogueiro produz expressões semirregulares que se 'amontoam' umas sobre as outras

34 Http://flickr.com (Acesso em 25 de outubro de 2009) 35 Http://twitter.com (Acesso em 25 de outubro de 2009) 36 Http://www.facebook.com (Acesso em 25 de outubro de 2009) 37 Http://yelp.com (Acesso em 25 de outubro de 2009)

sob o mesmo 'teto digital'" (BOYD, 2006), o que faz com que a coleção dessas expressões

incompletas capturem o autor responsável por elas. As ferramentas técnicas citadas até aqui

facilitam esse empilhamento digital: a ordenação retroativa dos posts dá maior destaque aos

conteúdos mais recentes (e, seguindo o raciocínio de Boyd, mais elaborados), enquanto permalinks

e trackbacks interconectam essas “expressões semirregulares”, dando ao leitor um panorama do

processo de criação que levou o blogueiro à sua publicação mais recente. Se considerarmos que

qualquer processo de criação se baseia em expressões incompletas acumuladas e retrabalhadas com

o objetivo de formar um novo conteúdo, a prática do blogue se revela como algo não totalmente

novo – a diferença está no registro do caminho trilhado pelo autor até atingir seu produto final,

passível de consulta e interferência por parte da audiência.

Se excluíssemos o fator tecnológico dos blogues, o que privaria as obras principalmente do

potencial de divulgação de n-para-? e das ferramentas (trackbacks e links permanentes) que unem as

diferentes expressões de uma mesma narrativa, podemos encarar o método de produção dos

blogues, baseado na definição de Boyd da construção sistemática usando fases consecutivas, como

algo já explorado em mídias analógicas. Seja pelos sucessivos comentários curtos que exploram

comentários registrados anteriormente, ou pela escrita com consciência da audiência (ainda que não

tenha havido efetivamente alguma além dos autores), os trabalhos do jornalista norte-americano I.F.

Stone, do ensaísta francês Michel de Montaigne, do político britânico Samuel Pepys e do

conquistador basco Lope de Aguirre, podem ser encarados como protoblogues pelos registros

realizados nas suas respectivas épocas em diários que traziam constantes referências a passagens

anteriores, nascidos antes mesmo de outras mídias, cujas especificidades a hipermídia encarna.

Por influência do dinamismo possibilitado pelos blogues, a criação de conteúdo digital muda

seu foco “do produto final para o processo” (JARVIS, 2009, online)38. Dentro do jornalismo, se

veículos estabelecidos prezam pelo produto final pronto, posts de blogues podem ser encarados

como uma parte do processo de aprendizado, define Jarvis, analisando o embate entre diferentes

38 http://www.buzzmachine.com/2009/06/07/processjournalism/ ( Acesso em 25 de outubro de 2009)

métodos de produção de notícias entre jornais e blogueiros. Jornalisticamente, o post como parte de

um processo, e não como produto final, faz com que a comunidade ao redor do blogue tenha papel

ativo na apuração, o que faz com que um novo processo de produção de notícias emerja, como

Jarvis exemplifica na Figura 06. Ainda que não seja foco desta dissertação discutir os impactos das

ferramentas de publicação pessoal nos processos jornalísticos, a tipificação de Jarvis pode ser

replicada para a enorme variedade de conteúdos que a mídia blogue pode acolher, desde que o

blogueiro explore as capacidades comunicacionais da plataforma que serão exploradas no

subcapítulo 1.3.

FIGURA 06: o novo processo envolvendo notícias na internet. (JARVIS, 2009)

O dinamismo capturado pelo registro das expressões semirregulares sob um mesmo 'teto

digital' tem como consequências tanto a corporificação digital do blogueiro, projetando

virtualmente a identidade do seu autor em um espaço próprio por meio de rotinas como design do

blogue, conteúdo e abordagem escolhidos e interação com a comunidade, como a emergência de

uma nova linguagem nascida do blogue, mais fluida, em que a oralidade e a textualidade confluem.

Partindo da proposição de Döring (2002, online), segundo a qual a identidade pode ser

entendida a partir da multiplicidade do “eu” enquanto algo em constante construção e mudança,

Recuero afirma: “ao mesmo tempo que um blogue é mutante (constantemente modificado,

atualizado, reformulado, reconstruído), a identidade do indivíduo também o é". Isso quer dizer que

o dinamismo da plataforma, seja em seu design ou no ritmo ágil de novos conteúdos, faz com que

blogues acompanhem a constante mudança da identidade do indivíduo melhor que qualquer outra

mídia de autoexpressão. O conteúdo em si constitui um grande definidor da identidade daquele que

ministra as atualizações, ainda que os posts não passem de um apanhado de links (EFIMOVA e

HENDRICK, 2005; TRAMMELL e KESHELASHVILI, 2005).

Após dois mil anos de dominação da palavra escrita, McLuhan lamentava, em 1964, a

ascensão da palavra falada pela explosão no uso de meios de comunicação baseados na voz, como o

rádio, o telefone e a televisão. Segundo ele, “a tecnologia elétrica parece favorecer a palavra falada,

inclusiva e participacional, e não a palavra escrita especializada”, o que fazia com que os valores

ocidentais fossem afetados pelos "meios elétricos" (1964, p. 101). O lamento se explica pela relação

que o teórico faz entre linguagem e desenvolvimento da consciência coletiva: enquanto a

civilização aprendeu a se organizar e a se basear na alfabetização, pela capacidade do alfabeto em

projetar as ideias (e, segundo a teoria de McLuhan, a mente humana) no tempo e no espaço, as

tribos se organizavam “segundo o sentido vital auditivo, que reprime os valores visuais” (p. 105).

A quebra promovida pela hipermídia na “rígida divisão paralelística entre o mundo visual

(da palavra escrita) e auditivo (da palavra falada)” (p. 102), aliada à agilidade de publicação pessoal

pelo apertar de botões, torna os blogues um "gênero de ligação” (HERRING, 2004), ao se apossar

de características de outras mídias de comunicação para que nasça a primeira linguagem totalmente

nativa da internet (ROSENBERG, 2009).

A nova linguagem não se restringe a mimetizar particularidades comunicacionais de meios

anteriores, já que a mistura entre textos, vídeos e imagens pode ganhar novos significados pelos

links feitos pelo blogueiro para conteúdo externos. Em sintonia com a proposta de Boyd, segundo a

qual blogues são não apenas uma mídia, mas também o produto direto da manipulação desta mídia,

Manovich defende que, com a interconexão de conteúdos facilitada pela plataforma de blogues (e

sua consequente navegação e interpretação por parte dos interagentes) também é carregada de

significados além daqueles que preenchem o conteúdo tradicional do post. A cultura dos links e suas

consequentes interconexões carregadas de significados, portanto, são bastante importantes na

definição de uma eventual linguagem nascida da prática dos blogues.

Enquanto Boyd generaliza sua definição de prática de blogue para tentar abarcar os

diferentes métodos de construção de conteúdo digital, Schmidt propõe um framework de tipificação

partindo da explicação de aspectos da vida social, para quem toda ação individual em um nível

micro produz estruturas sociais de nível macro dentro de uma sociedade. Isso faz com que a

pesquisadora afirme que as práticas dos blogues possam ser encaradas como “ episódios individuais

nos quais o blogueiro usa um software específico para atingir determinados objetivos

comunicacionais” (2007, p. 12). Os episódios citados são enquadrados (mas não determinados) por

três elementos estruturais: regras, relações e códigos. Na prática, ações referentes a blogues –

envolvendo seleção ou publicação de conteúdo e estabelecimento de novas conexões –, fazem com

que os blogueiros “(re)produzam aspectos das regras que guiam o processo, (re)estabeleçam

relações sociais e estabilizem ou mudem a maneira como o código de softwares é criado e

empregado” (p. 12).

A correlação entre os três elementos estruturais, que são analiticamente separados, mas

interdependentes em vários aspectos, definidos pelo próprio interagente na hora de criar, atualizar e

gerenciar o conteúdo e as conexões do seu blogue, “leva à formação não apenas das redes

hipertextuais, mas também às redes sociais de densidades variáveis”, em indício de que o estudo de

Schmidt parte do pressuposto de que blogues são ferramentas nativamente comunicacionais – é

impossível aplicar a teoria da pesquisadora a um “blogue protótipo”, como discutido no subcapítulo

1.1, cuja estrutura mais básica conta com posts dispostos em ordem cronológica, data e link

permanente. Logo, a motivação na conceituação de Schmidt é sempre a interação social.

O detalhamento que Schmidt faz dos elementos estruturais mostra que a finalidade de toda

rotina envolvendo o blogue é a socialização. O primeiro elemento, “regras”, pode ser dividido em

duas categorias. A primeira, regra de adequação, “consiste nas expectativas compartilhadas sobre a

adequação de determinada mídia para obter certas gratificações”. Por depender das características

de um determinado formato de mídia comparado a outros formatos, a regra de adequação implica

que, a partir do momento em que um interagente escolheu o blogue como veículo de publicação

online em detrimento de outras ferramentas de comunicação mediada pelo computador, como sites

convencionais, ele busca a socialização inerente à plataforma conversacional.

Para atingir seu objetivo de socialização, o blogueiro segue os passos da segunda regra, a de

procedimento, que engloba a rotina de seleção, publicação e interação necessárias ao cultivo de uma

comunidade ao redor do seu conteúdo. Vale a pena aprofundar aqui as três práticas recorrentes dessa

rotina do blogueiro defendida por Schmidt. As regras de seleção encaram o blogueiro como “o

receptor de conteúdo de mídia (incluindo, mas não se restringindo a, blogues), que tem que decidir

quais fontes online vai ler” (2007, p.3). As escolhas podem ser balizadas tanto por interesses

profissionais como por laços afetivos, assim como podem depender de ferramentas técnicas que

facilitem o gerenciamento da vasta quantidade de informações online, como leitores de RSS.

As regras de publicação encaram o blogueiro como um “autor de conteúdo que tem que

decidir quais tópicos aparecerão em seu blogue, como apresentar o conteúdo e como desenvolver o

blogue inteiro”, algo que leva o blogueiro a ponderar sobre a identidade (e, consequentemente, a

autenticidade) da identidade projetada pelo conteúdo e/ou pela forma escolhidos. As regras de

interação, por fim, encaram o blogueiro como parte integrante de uma rede “que estabelece relações

sociais e hipertextuais que consistem de referências semânticas permitindo uma comunicação

continuada”, em um tipo de rotina que pode ser personificada pela publicação de um post que

responde a conteúdos em outros blogues, pela publicação de comentários em outros blogues ou pela

criação de um link no blogroll para determinado blogue.

O segundo elemento, “relações”, indica as conexões que o interagente estabelece quando

mantém seu blogue, seja pelo uso de mecanismos técnicos que servem ao relacionamento de outros

conteúdos (as chamadas relações hipertextuais integram links, trackbacks e comentários) ou pelas

relações sociais que usam os blogues como veículo, mas podem ser mantidas e aprofundadas em

qualquer outro mídia, inclusive em contatos face a face. O elemento guia a maneira, não apenas os

hábitos, do blogueiro no que diz respeito à seleção de links que será reproduzida em seu blogroll,

mas também na maneira como ele se compromete em responder leitores que interagem por meio

dos comentários ou como links poderão ser distribuídos em seus posts.

Por fim, o “código”, terceiro elemento estrutural do framework proposto por Schmidt, diz

respeito às ferramentas usadas pelo blogueiro para criar seu blogue. Partindo das suas necessidades

comunicacionais, o blogueiro recorre a diferentes tipos de softwares que podem facilitar a interação

com a comunidade ou a customização da sua interface como forma de projetar sua identidade para

seus leitores. Por mais que exista “uma estrutura padrão identificável à maioria dos blogues […],

um blogueiro pode modificar ou personalizar o software a determinado nível, dependendo de suas

habilidades manuais”. Essa escolha entre habilitar funções complementares, como as debatidas no

subcapítulo 1.1, “enquadrará os episódios de fazer um blogue”, sem, no entanto, determinar como o

usuário o fará. Da mesma forma que canalizam, os softwares de blogues também são produtos de

procedimentos sociais, argumenta ela, citando o caso da plataforma aberta Wordpress como

exemplo de como “o desenvolvimento futuro de softwares para blogues também é baseado em

constantes loops de feedback entre grupos com diferentes níveis de experiência e conhecimento

técnico”.

Por mais que sejam separados, os três elementos estruturais são interdependentes.

Regras de procedimento, com maior destaque às regras de conexão, influenciam o tamanho e a composição de redes hipertextuais e sociais emergindo de interações correntes baseadas em blogues. Dentro de algumas dessas redes, comunidades de blogueiros que possam emergir compartilham práticas, desenvolvem um senso de identidade grupal e até mesmo definem e reforçam explicitamente regras de procedimento. (SCHMIDT, 2007).

Em resumo, argumenta Schmidt, as práticas envolvidas em blogues mostram a mesma

dualidade entre estrutura e maneira inerente a qualquer ação social, independente da mídia onde ela

é conduzida. Os elementos citados não são estáticos e estão sujeitos a negociações e mudanças “[...]

já que devem ser reproduzidos em episódios únicos onde os elementos estruturais podem ser

reforçados ou contestados, para que novos aspectos sejam acrescentados pelo desenvolvimento de

rotinas, expectativas e usos dos softwares alternativos [...]”.

Partindo do pressuposto de Schmidt de que o blogue sempre encarna um objetivo social, o

próximo subcapítulo explorará os desdobramentos conversacionais da plataforma e a maneira como

o arranjo de uma comunidade ao redor de um blogue se diferencia de comunidades organizadas ao

redor de outras tecnologias para conversação mediada pelo computador.

1.3 – As conversações por meio dos blogues

Traçar apenas análises instrumentais e sobre as práticas individuais envolvidas na criação e

na manutenção de um blogue seria ignorar o potencial conversacional que os blogues possuem e

também ignorar um lado muito relevante da natureza coletiva dos blogues e seu poder em agregar

comunidades ao redor de assuntos específicos.

Principal mediador da interação entre o autor e o leitor, os comentários “são elementos

significativos da cultura dos blogues, e que são, se não essenciais, muito importantes como

elementos de motivação para os blogueiros e fundamentais como ferramentas de interação social”

(RECUERO, 2009, p. 37). Além dos comentários, outras ferramentas, como o blogroll e os

trackbacks, ajudam a fomentar comunidades que têm características próprias em relação às outras

comunidades nascidas da mediação pelo computador, algo que também será explorado nesse

subcapítulo.

Para Lemos, a cibercultura se caracteriza por três leis fundadoras: “a liberação do polo da

emissão, o princípio de conexão em rede e a reconfiguração de formatos midiáticos e práticas

sociais” (2005, p. 1). A liberação do polo de emissão explorado pelas ferramentas de blogues faz

com que blogues com comentários e trackbacks habilitados se tornem veículos para a agregação de

interagentes ao redor de uma mesma discussão, que leva à criação de um sistema informacional sem

limites de tamanho ou de participação. Isso faz com que as conversações possam ser encaradas, pela

definição de Morin (1991, p. 31), como “sistemas”, já que se tratam de “uma inter-relação de

elementos, constituindo uma entidade ou uma unidade global”.

A diferenciação entre sistemas fechados e abertos está na tensão entre o constante equilíbrio

mantido por poucos personagens, no primeiro, e, no segundo, o caos da inclusão de diferentes

elementos como forma de mapear a evolução, o que torna a desordem algo “imediatamente

relacionada a qualquer transformação por que passa um sistema vivo. Logo, a desordem diz respeito

à vida” (BRAMBILLA, 2006, p. 25). Não é à toa que Morin se inspirou em estudos de sistemas

biológicos, em que também podem ser observados comportamentos coletivos rizomáticos, para

compor sua tese sobre fenômenos de comunicação em ambientes abertos.

Antes da discussão, esclareçamos alguns conceitos que serão fundamentais ao debate neste

subcapítulo. Por comunidade, entendemos “uma rede de laços interpessoais que proporcionam

sociabilidade, apoio, informação, um senso de integração e identidade social”, segundo definição de

Wellman (2001, p. 1). O termo “interagente”, proposto por Primo, retrata com maior precisão e

fidelidade os propósitos dos “participantes da interação” online do que “usuário”, termo

amplamente usado pela indústria de tecnologia (do qual desenvolvedoras de plataformas de blogues

fazem parte). Ao descrever aquele que faz uso de determinado programa ou equipamento, “usuário”

reduz a capacidade dos pesquisadores de cibercultura em definir com maior precisão dois agentes

que interagem de qualquer forma pela mediação de computadores. “Posso falar que o diálogo

através desse sistema seja o intercâmbio entre 'usuários'. Se assim fosse, deveria-se perguntar 'quem

usa quem?'” (PRIMO, 2007, p. 12).

A análise dos blogues como ferramentas conversacionais parte do princípio de que cada

post, comentário, trackback e até mesmo contato por outras plataformas, motivado por um conteúdo

publicado em um blogue, constituem uma grande conversa interconectada que possui sua própria

dinâmica e estrutura, caracterizadas pela fragmentação, como defendem Efimova e De Moor (2003,

p.3). A definição de conversa da dupla é “uma troca de ideias, acontecendo na forma de um diálogo,

na qual a argumentação tem um papel chave no processo interativo […]”. Ao seguir essa definição,

esta dissertação, assim como o artigo etnográfico de ambas, reconhece a incidência de comentários

que não servem à argumentação racional, como spam em blogues (chamados de “splogs”) e flames,

comentários centrados em ofensas que conduzem a discussão a guerras verbais.

A análise das pesquisadoras parte da tipificação proposta por Jenkins (2003, online)39, para

39 http://chaquente.com/wp-content/uploads/2009/10/microdoc-news_-dynamics-of-a-blogosphere-story.pdf (acesso

em 25 de outubro de 2009)

quem a conversa entre blogues envolvendo trackbacks engloba quatro tipos diferentes de post: 1) o

opinativo, que define o tópico e, geralmente, instiga a participação alheia; 2) os votos, em que

blogueiros concordam ou discordam do post original; 3) reações, em que blogueiros constroem

posts mais complexos e argumentativos do que os votos, reiterando ou desafiando as colocações do

post original; e 4) sumarização do assunto, com a coletânea de links apontando para a cadeia de

comunicação iniciada pelo post original.

FIGURA 07: a dinâmica de uma conversação envolvendo diferentes blogues, segundo Jenkins (2003).40

A alternância entre os diferentes tipos de post, centrados em um mesmo assunto proposto

pelo post original, constitui o que Jenkins (2003, online) chamou de “histórias da blogosfera”.

Blogosfera é o termo usado por acadêmicos e usuários para designar o conjunto de blogues, posts,

blogueiros e interconexões de conteúdo publicados na plataforma. Uma “história da blogosfera”

pode ser seguida independentemente de onde o usuário comece a acompanhá-la, o que faz com que

o ambiente de interação entre blogueiros e interagentes (onde estão os comentários e os trackbacks)

seja uma espécie de janela para o desdobramento da conversa dentro do ciberespaço. Ali, é possível

acompanhar a “repercussão de uma determinada discussão em outros blogues, aumentando e

complexificando a rede hipertextual que um blogue pode proporcionar” (RECUERO e PRIMO, 40 Tradução da legenda para o português: opinião (retângulo vertical); voto (círculo);, reação (retângulo horizontal); e

sumário (losango).

2005, p.4), sem que o autor original precise gastar tempo apelando para buscadores de blogues ou

outras ferramentas de agregação. A afirmação é ainda mais verdadeira se tomarmos como exemplo

o post original, aquele chamado de opinativo por Jenkins e que foi o estopim para a discussão

fragmentada.

O registro dos caminhos da discussão pela blogosfera é possível por meio da combinação de

duas ferramentas técnicas das plataformas, debatidas no subcapítulo 1.1: o link permanente e o

trackback.

O primeiro define um link permanente (razão pela qual foi chamado de “permalink” quando

criado) a cada um dos conteúdos criados e publicados na organização retroativa da plataforma de

blogue. O permalink permite que o post, responsável por iniciar ou aprofundar uma conversação,

seja arquivado sob uma URL única, o que facilita seu acesso quando o fluxo de atualizações do

blogue retira o post de sua página inicial.

Traduzida livremente para o português como “rastreie de volta”, o trackback envia um alerta

ao responsável por um documento online de que outro usuário acaba de formatar um link para ele.

No caso de blogues, para os quais tal funcionalidade foi especificamente desenvolvida, o trackback

indica novos posts escritos na blogosfera que tenham trechos, concordem ou discordem de um

determinado post publicado pelo blogueiro. Em um blogue, trackbacks costumam aparecer

misturados aos comentários publicados (outros blogues têm uma área para comentário e outra para

trackbacks).

FIGURA 08: exemplo de como o trackback registra no post original citações em outros blogues

A partir do momento em que a discussão se fragmenta em diferentes espaços virtuais e pode

ser acompanhada de maneira não linear pelas diferentes rotas nascidas do desenvolvimento da

discussão, o interagente se vê obrigado a assumir o papel de “leitor ativo” (LEAO, 1999) por meio

de uma navegação que é, ao mesmo tempo, labiríntica e guiada pelos trackbacks. Nessa função, ele

participa de “uma ação coletiva e construída de complexificação e transformação da rede

hipertextual” (PRIMO e RECUERO, 2003, p. 4), o que faz do interagente também o autor de uma

obra em andamento. A aproximação entre blogueiro e interagente força o primeiro, principalmente

aqueles acostumados com a disseminação de informações por mídias físicas, a aceitar seu trabalho

mais como uma versão do que como algo definitivo (BIRKERTS, 1994).

Para que possamos destacar as especificidades comunicacionais dos blogues, devemos

debater sobre o que diferencia uma comunicação face a face de uma comunicação mediada por

computadores. Se levarmos em consideração os estudos sobre conversações de Marcuschi (2001),

para quem interações orais dependem exclusivamente da espacialidade, a primeira diferença

fundamental que temos entre ambos os sistemas é a maneira como o tempo é explorado de modo

diferente. Um diálogo entre duas pessoas, estejam elas no mesmo espaço ou conectadas por uma

linha telefônica, depende da interação contínua entre ambas, com cortes no discurso e signos ou

gestos que complementam o conteúdo verbal (em conversas telefônicas, engasgos, pausas ou

problemas de dicção podem oferecer mais informações sobre o ambiente no qual se desenvolve a

conversa), o que fez com que Marcuschi também estudasse “os processos cooperativos na atividade

conversacional”, como “trocas de turnos, os silêncios e lacunas, as falas simultâneas, as regras

conversacionais, a coerência conversacional” (PRIMO e SMANIOTTO, 2005, p. 3).

A transição da conversação para um ambiente mediado por computadores sofre um abalo na

dependência do tempo: diálogos podem ser conduzidos entre duas pessoas ou para um grande grupo

a partir de um interlocutor sem depender necessariamente da interação imediata entre ambos.

Ferramentas de comunicação, como modos privativos em salas de bate-papo (chats),

comunicadores instantâneos ou softwares de vídeo em tempo real, ainda respeitam características

comunicacionais que remetem ao encontro face a face, principalmente no que diz respeito à

temporalidade, com turnos definidos na conversa. Blogues, chats, conteúdos no formato de vídeo

ou áudio, fóruns, listas de discussão e outras formas assíncronas de comunicação mediada pelo

computador já não dependem da contextualidade temporal para que ocorram, o que força a ascensão

de novos códigos e mecanismos de comunicação que seguem essa restrição.

Herring (1999) cita dois principais problemas no desenvolvimento dos diálogos dentro de

sistemas mediados por computadores tendo como base a comunicação face a face: a falta de

resposta simultânea causada pelas reduzidas “dicas” áudio-visuais (menos canais prejudicam a

transmissão fiel da mensagem) e a adjacência interrompida de turnos (a mensagem publicada em

um ambiente público de interação não é organizada segundo seu contexto, respondendo direto ao

conteúdo ao qual é voltado, mas sim sendo “empilhado” em uma interface baseada

majoritariamente em texto conforme a ordem de chegada).

A falta de “resposta simultânea”, na forma de indicações que o interlocutor interessado e se

preparando para responder (como é possível em ambientes em que a interface é dividida em duas e

a redação das mensagens é compartilhada com ambos os interagentes), faz com que o diálogo seja

descontínuo e truncado pela sucessão aleatória de turnos, assim como “ torna, de maneira geral,

mais difícil que os produtores da mensagem a moldem para responder os interesses e necessidades

de quem recebe” (HERRING, 1999, p.3).41

Por mais que a teoria indicasse uma potencial incoerência na interação de uma conversa

mediada por computador, Herring descobriu e detalhou algumas mudanças promovidas nas

comunicações no ciberespaço, como a prática dos “backchannels” (dados curtos e sem conteúdo de

relevância, que servem como incentivadores ou indicadores de atenção em diálogos por texto),

sinais de mudança de turno (instituir signos próprios para indicar ao outro interagente que seu

raciocínio não terminou, em uma espécie de pedido de paciência), referências cruzadas de turnos

(copiar trechos da mensagem original para que não haja dúvidas quanto ao conteúdo ao qual se

endereça a resposta) e organização por tópicos (organização de conversas por assunto em listas de

discussão).

A organização por tópicos pode ser registrada até mesmo de maneira sensorial por usuários

em outras ferramentas de comunicação mediada pelo computador que não listas de discussão, em

que interagentes “ignoram” mensagens que não tenham relação direta com o assunto proposto e

discutido, para dar continuidade ao diálogo, como explicita Primo em seu estudo da comunidade

brasileira de blogues Insanus (2006).

41 http://jcmc.indiana.edu/vol4/issue4/herring.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

FIGURA 09: a classificação de sistema de comunicação mediada pelo PC, segundo Herring (2004, p.10)42

As diferentes especificidades comunicacionais no ciberespaço foram separadas pela

pesquisadora em três grupos, cujos diferenciais são a frequência de atualização, a simetria e o

suporte a conteúdo multimídia, como mostra a figura acima. Enquanto páginas convencionais

ocupam uma ponta da linha, com atualizações esparsas e transmissões assíncronas, ferramentas com

um fluxo maior de troca de mensagens, como fóruns e comunicadores instantâneos, aparecem no

canto oposto, com alto grau de atualização e trocas simétricas, muito embora uma sala de bate-papo

em que um usuário troque impressões com um conjunto de interagentes também pudesse figurar na

categoria. Entre as páginas e mensageiros, estão os blogues.

Papéis de autor e leitor nas páginas são altamente assimétricos, em contraste com o [processo] de dar e receber simétrico de fóruns de discussão não moderados/blogues permitem trocas limitadas (na forma de comentários), segundo os direitos de comunicação assimétricos entre leitores e autores - o autor tem o controle final sobre o conteúdo do blogue (HERRING, 2004, p. 10).

As características intermediárias dos blogues os tornam atraentes aos interagentes, segundo

a pesquisadora, para quem autores podem experimentar a interação social sem abrir mão do

controle do espaço comunicacional – ainda que haja um canal direto para se expressar em blogues

com comentários habilitados, o leitor não terá o mesmo poder de decisão que o autor daquele

espaço, em uma relação assumida de submissão que se inverte quando interagentes abrem e

estimulam o diálogo dentro de um espaço próprio.

42 Tradução da imagem: Páginas web padrão: raramente atualizadas, transmissão assimétrica e conteúdo multimídia;

Weblogs: atualizados frequentemente, troca assimétrica e multimídia limitada; Ferramentas assíncronas de comunicação mediada pelo computador: atualizadas constantemente, troca simétrica e baseadas em texto. Os diários online se encontram entre as páginas web padrão e os weblogs, enquanto os blogues comunitários estão entre os weblogs e as ferramentas assíncronas de comunicação, segundo a pesquisadora.

Usando a estrutura proposta por Herring, Efimova e De Moor estudaram as especifidades

comunicacionais dos blogues que afloram da interação entre posts, links e comentários, e definem

conversas por blogues como “uma série de posts e comentários de weblogs inter-relacionados sobre

um tópico específico, geralmente não planejado, mas emergindo espontaneamente” (EFIMOVA e

DE MOOR, 2005, p. 1). Para a dupla, a conversação que se desenvolve dentro desse sistema

obedece a regras próprias que seguem o modelo de comunicação no ciberespaço, analisado por

Herring, mas ainda contam com características próprias em relação a outras ferramentas de

comunicação mediada pelo computador.

Pode-se observar como blogues guardam semelhanças com outras ferramentas de interação

online, como a maneira na qual os comentários em um post são dispostos em ordem cronológica, de

modo semelhante ao sistema de debates de um fórum de discussão, por exemplo. Ainda assim,

conversações pela mídia contam com um caráter viral não encontrado em outras ferramentas – os

diálogos se espalham e se ampliam por posts ou até mesmo comentários de outros blogues que não

aquele que propôs o tema da conversa, escorrendo (PRIMO, 2006) pelo ciberespaço. Em blogues, a

conversação não se concentra em apenas um espaço, mas se espalha de maneira viral por diversos

outros espaços semelhantes (posts e comentários de outros blogues).

Uma conversação de weblog emerge quando um post de um weblog desengatilha respostas

de outros, seja usando comentários no post original ou respostas em outros weblogs que tenham

links para o original. Enquanto o uso de comentários não é muito diferente de qualquer fórum de

discussão, a prática de responder em outro weblog cria certa complexidade, já que a conversação se

espalha por múltiplos blogues. Dado que cada weblog tem sua própria audiência, a conversação se

torna exposta a novos leitores, que geralmente não estão cientes da parte inicial da discussão e têm

uma habilidade limitada para rastreá-la (EFIMOVA e DE MOOR, 2005, p. 1).

A conversa “escorrendo” pelo ciberespaço faz com que as conversações por blogues

enfrentem problemas que outras ferramentas de comunicação mediada pelo computador não

possuem. O alto grau de fragmentação que uma conversação pode atingir, ampliando-se para outros

espaços pessoais além daquele onde o argumento inicial foi proposto, pode ser considerado um

problema, dada as limitações técnicas impostas pelo uso de plataformas de blogues que não

suportam a tecnologia trackback, argumentam as pesquisadoras.

Outro problema está na falta de tecnologias de rastreamento além do trackback, que

apontem para o desenrolar da conversa no ciberespaço com precisão maior do que encontramos

hoje. As pesquisadoras aventam a possibilidade de uma ferramenta que explore o lado semântico da

discussão, apontando posts com argumentos relacionados à discussão (por meio de links), e não o

lado técnico usado atualmente por serviços como o buscador Technorati, que indica posts

classificados manualmente pelo autor por meio de tags.

Fóruns de discussão, salas de chat ou comunicadores instantâneos, restritos a apenas um

ambiente de conversação, não sofrem da incapacidade do autor rastrear e se relacionar com todos

aqueles que se propõem a participar da discussão, em que se pode observar um processo de

comunicação no qual a mensagem é enviada, entendida e processada a ponto de motivar respostas

fragmentadas, que não são captadas e, logo, compreendidas pelo emissor original. O “complexo

tecido social de relações” citado por Efimova e De Moor é, ao mesmo tempo, condutor e barreira

para a exploração social dos blogues, dada a pobreza em ferramentas disponíveis atualmente que

consigam lidar com o fluxo constante e crescente de interações de um sistema aberto.

Anteriormente, as pesquisadoras já haviam apontado características próprias da tecnologia,

que dificultavam a manutenção de diálogos nos blogues da mesma maneira como estamos

acostumados no diálogo face a face: blogues obedecem à sua própria temporalidade (a demora na

réplica a um comentário pode desestimular a comunidade e, portanto, sufocar a conversação) e suas

discussões podem extrapolar outros meios (como mensageiros instantâneos, e-mails ou uma

conversa física) que comprometem a medição precisa do impacto do diálogo entre posts e

comentários.

Ao analisar uma conversação fragmentada em diferentes blogues durante um período de oito

semanas, em um diálogo que envolveu nove blogueiros responsáveis por 30 posts, onde foram

escritos 59 comentários (em inglês e alemão), a dupla apresentou uma tipificação de três

características próprias das conversações promovidas entre blogues: links como a “cola

conversacional”; conversações tangenciais; e conversação consigo mesmo versus conversação com

outros.

A natureza fragmentada da conversação por blogues exige que autores e leitores

desenvolvam a prática de criar links para outros pedaços da discussão, contextualizando o link

fornecido na maioria das vezes com o ponto de vista e o nome do blogueiro a quem citam

(EFIMOVA e DE MOOR, 2004, p. 6), como forma de “claramente distingui-los [outros pontos de

vista] da sua própria perspectiva”. As diferentes práticas empreendidas pelos interagentes que

compõem uma discussão (como fornecer links em citações, empregar trackbacks, criar resumos das

conversas ou responder comentários) foram definidas pelas pesquisadoras como “a cola que

mantém a conversação unida”, uma adaptação que a mídia sofreu em relação a outras ferramentas

de comunicação mediada pelo computador em que o diálogo é conduzido em um espaço público

compartilhado.

O desenvolvimento de discussões tangenciais àquela proposta pelo post original também é

um tipo de comportamento próprio nas conversações mantidas entre blogues. Ainda que muitos dos

posts e comentários partissem de argumentos relacionados à discussão original, as pesquisadoras

notaram como o diálogo direto de leitores nos comentários ou assuntos trazidos “localmente” por

um terceiro blogue que comenta o assunto fazem com que a discussão “siga múltiplos caminhos

simultaneamente, engajando e conectando audiências diferentes”, em um exemplo do que ambas

chamaram de “conversações hipertextuais” (EFIMOVA e DE MOOR, 2005, p. 8).

Por fim, a tensão entre o público e o privado, nascida da composição estrutural do blogue

como uma ferramenta de publicação pessoal acrescida de comentários, fez com que as

pesquisadoras percebessem que posts publicados na conversação mantinham diálogos com leitores,

mas também com o próprio autor, em um exercício coletivo de autorreflexão. A capacidade do autor

de criar sumários que apontam para posts dentro de um blogue, colocando ordem em discussões

anteriores ou mesmo pensamentos esparsos, mostram como a ferramenta pode ser explorada para

que o autor se auto-organize. Ainda assim, posts que sintetizam perspectivas próprias podem servir

como veículo de socialização por comentários ou por outros posts captados pelo trackback. “Uma

grande complexidade dos blogues é que se trata de uma ferramenta usada para gerenciar tanto o

espaço pessoal como para se engajar em conversações com outros". (EFIMOVA e DE MOOR,

2005, p. 9).

A interação por trackbacks e comentários cria novas formas de socialização, seja entre

blogueiros e comentaristas, seja entre blogueiros e blogueiros. A intensa interação entre um grupo

determinado de blogueiros, que comentam ou escrevam posts sobre conteúdos uns dos outros, pode

criar um tipo de comunidade chamada de webrings. Nos webrings, segundo Recuero, os blogues

são “''linkados' uns aos outros e formam um anel de interação diária, através da leitura e do

comentário dos posts entre os vários indivíduos, que chegam a comentar os comentários uns dos

outros ou mesmo deixar recados para terceiros nos blogues" (2003, p. 7).

A formalização de um webring faz com que as interações em comentários se tornem

eventualmente voltadas não apenas ao blogueiro autor do texto, mas também ao grupo como um

todo, partindo do pressuposto de que todos os componentes do webring visitarão determinado

blogue, lerão determinado comentário e eventualmente o responderão com outro comentário ou um

post. O relacionamento mútuo faz com que a pesquisadora defina membros de uma webring como

vizinhos, partindo da definição de que blogues são projeções da identidade do blogueiro e, portanto,

podem ser considerados “representações espaciais do self” (RECUERO, 2007, p. 7).

O conceito de espacialidade nas conversações de blogues tem relação direta com as regras

que o blogueiro responsável impôs no diálogo que será mantido dentro do espaço. Desta maneira,

por mais que um blogue com comentários habilitados ofereça um ambiente livre para expressão de

pontos de vista, conversações em blogues diferem daquelas mantidas em outras formas de

comunicação mediada pelo computador por oferecerem privilégios distintos aos discursos de

diferentes atores sociais.

[…] a estrutura de diálogos em blogues é fundamentalmente diferente [de outras formas de comunicação mediada pelo computador]. Existe uma distinção entre o blogueiro e a audiência, em que o blogueiro pode escrever novos posts ou comentários, mas a audiência pode apenas responder nos comentários ou por outros meios de comunicação. (BOYD, 2006, p. 15).

A identificação de um leitor com os assuntos e com as formas como são tratados em um

blogue pode se desdobrar em outras relações de reconhecimento, que transbordam a simples

publicação de comentários ou criação de posts derivados. Boyd explica que, quanto maior for a

identificação do leitor com o blogueiro, maior é a chance daquele tratar o blogue como um espaço

pessoal online caracterizado como uma projeção da personalidade do seu autor. Essa identificação

(que, caso compartilhada entre outros leitores, pode motivar a criação de uma comunidade ao redor

do blogue em si, e não apenas do conteúdo publicado) faz com que o leitor encare e se relacione

com o blogue como uma extensão do seu autor.

A tensão entre espacialidade e corporalidade emerge quando existem diferenças na percepção entre blogueiros e leitores. Para o blogueiro, o blogue é corporal, mas para o leitor, é um espaço para conversação. Na transição, o espaço de um blogue é construído como um artefato da performance do blogueiros, tendo como testemunha uma ferramenta de blogue. Um blogueiro não desempenha para o espaço, mas o cria como um artefato. Ainda assim, em futuros engajamentos com o blogue, eles [os blogueiros] não o veem como um espaço visitado, mas como parte de si mesmo. Conversacionalmente, o leitor trata o blogue como um espaço em que, quanto mais intimamente conectado ao blogueiro o leitor estiver, mais ele respeitará (o blog) como uma extensão da pessoa. (BOYD, 2006, p. 18)

Em termos práticos, um leitor que encara o blogue não como um espaço público, mas como

uma extensão do seu autor, tem maior chance de humanizar as discussões mantidas nos

comentários, defendê-lo de ofensas vindas de outros comentaristas sem seu nível de intimidade e

prezar pela manutenção harmoniosa do espaço. Alguns fatores que fogem à identificação ajudam a

moldar uma comunidade e entender as razões pelas quais leitores comentam. Stephen Dubner

perguntou em seu blogue Freaknomics, dentro do jornal The New York Times, por que se comenta

em blogues. Condensadas em um novo post no dia seguinte,43 a pesquisa informal em rede de

Dubner mostrou que a socialização entre os próprios leitores incentiva ou inibe comentários: além

de prezar por comentários que “tenham algo de original ou valoroso” a ser compartilhado, a

43 http://freakonomics.blogs.nytimes.com/2007/03/16/why-you-comment-on-blogs/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

potencial repreensão de outros leitores em uma possível repetição de argumento inibe a publicação

de comentários. Outra resposta popular diz respeito à participação do autor: muitos preferem

comentar em blogues onde o autor responde aos comentários, algo que Dubner admite não fazer

como deveria.

O fechamento do círculo conversacional, com o autor respondendo ao comentário do leitor,

inevitavelmente leva à criação de um laço entre ambos que, por mais que seja mantido em um

espaço público regido por regras privadas, definidas e exercidas pelo blogueiro, tem também

consequências àquele que inicia a conversação. A consciência de uma comunidade ao redor das

ideias pode fazer com que o blogueiro defina assuntos ou abordagens que serão praticados

diferentemente de sua expressão em um ambiente fechado ou, no sentido inverso, “o fato de haver

uma audiência manteria a escrita indo, já que o autor sabe que existem pessoas esperando por novos

posts”, segundo Nardi et. al. (2004, p. 10). A pesquisadora ainda propõe que a interação por meio de

blogues pode reforçar e aprofundar laços estabelecidos em comunidades físicas, como salas de aula,

citando o exemplo de um professor da Universidade de Stanford, que estimulou um trabalho

acadêmico com blogues como forma de “facilitar a construção da comunidade de aprendizado ao

colocar [estudantes] em conversações uns com os outros eletronicamente” (NARDI,, 2004, p. 10).

No fim, a pesquisadora relata que alunos da classe atingiram um senso mais apurado do coletivo ao

interagirem com blogues de colegas seus, desdobrando-se para o contato diário na sala de aula.

Se nos basearmos tanto na distinção de privilégios dentro da conversação proposta por Boyd

como na definição defendida por Castells (2003, p.1000) sobre as particularidades relacionais das

comunidades digitais, maiores e com um número maior de laços fracos em comparação às

comunidades formadas tradicionalmente ao redor de ambientes físicos, concluímos que a

conversação por blogues “escorre” por diferentes ambientes governados por regras distintas

(definidas pelos blogueiros que escreveram os conteúdos debatidos) e que tendem a atrair a atenção

tanto daqueles leitores que compõem a comunidade do blogue como por leitores “cambiáveis” que

se interessaram pelo assunto ou pela abordagem proposta.

Neste capítulo, exploramos o potencial conversacional do blogue, destacando a importância

de ferramentas complementares à sua estrutura básica, como comentários e trackbacks enquanto

veículos para o desenvolvimento de diálogos fragmentados em outros espaços privados digitais e

formando comunidades de leitores que se identificam com a projeção da identidade do autor por

meio da escolha de conteúdos, links e abordagens. Com isso, discutimos a definição do blogue tanto

em relação à sua estrutura, focando em suas ferramentas básicas, quanto em relação às suas práticas,

analisando como a apropriação de tais ferramentas se traduz em hábitos que podem ser indicados

como nativos do blogue, bem como na sua capacidade de hospedar conversações e agregar uma

comunidade ao redor do seu conteúdo.

No próximo capítulo, exploraremos as razões pelas quais blogues devem ser considerados

uma mídia e discutiremos o histórico da classificação dos gêneros que podemos encontrar para

blogues.

2. Categorias e mídia: a evolução na classificação dos blogues

O estudo das práticas dos blogues é importante, já que foi a mudança no foco do conteúdo

para o conjunto de hábitos que regem a criação e manutenção de um blogue que fez com que a

academia tivesse uma abordagem mais criteriosa para um sistema de classificação de blogues.

A primeira abordagem apresentada pela academia equiparava blogues a outros veículos de

disseminação de conhecimento com formatos fechados de publicação, restando a análise do

conteúdo veiculado para traçar diferenciações entre eles.

O uso constante de metáforas na tentativa de esclarecer o fenômeno ajudou, ainda, não

apenas a disseminar a classificação dos blogues em categorias de conteúdo, mas também a

estigmatizar a ferramenta como veículo próprio apenas para um determinado tipo de conteúdo –

observaremos essa postura em dois momentos distintos.

O foco nas práticas dos blogues, tendo em vista fatores como a motivação, a socialização e a

interação com outras ferramentas tecnológicas, fez com que os pesquisadores abandonassem a

restritiva classificação por conteúdo e começasse a encarar blogues como uma mídia, e não como

um veículo por meio do qual se exercita a escrita de determinados gêneros. Para essa discussão

usaremos a definição de Bakhtin, para quem gêneros do discurso são “ tipos relativamente estáveis

de enunciados” (2005, p. 279).

Este capítulo pretende traçar o histórico da classificação dos blogues, indicando momentos

históricos que motivaram tais definições, e aprofundar a justificativa da tipificação do blogue como

mídia, detalhando e aprofundando ainda o sistema proposto por Primo para essa classificação.

Como já foi introduzido, as primeiras tipificações dos blogues em categorias consideravam o

conteúdo veiculado pelo blogueiro como critério de identificação. Em uma das primeiras tentativas

de explicar o fenômeno, Blood (2000) detalha como os primeiros blogues se dedicavam à

publicação de links considerados interessantes pelo blogueiro.

A dificuldade em criar um blogue, processo então altamente técnico que exigia

conhecimento em HTML, limitava a adoção do veículo. O alto nível de entrada, argumenta ela,

acabou refletindo a maneira como interagentes pioneiros, com alto grau de envolvimento no

mercado de tecnologia, usavam a mídia como forma de compartilhar endereços com seus contatos,

apresentando-se como “uma mistura de proporções únicas de links, comentários e análises pessoais”

(BLOOD, 2000, p. 1).

O lançamento de ferramentas que automatizam processos, permitindo a publicação por meio

do apertar de botões e oferecendo interfaces semelhantes a softwares de produtividade, como foi o

caso do Blogger, da Pyra Labs, atraiu um contingente de novos usuários, composto por diferentes

perfis (seguramente, menos entusiastas de tecnologia do que os primeiros), cuja apropriação da

ferramenta ajudou a quebrar o esterótipo de blogues como repositórios de links.

A facilidade com que se pode criar um blogue, porém, faz com que o uso da ferramenta para

a narrativa íntima pessoal institua outro estereótipo para os blogues, repetido e que ficou

impregnado: blogues como diários pessoais virtuais. A popularização do blogue como forma de

registrar acontecimentos cotidianos e extravasar pensamentos íntimos – como indicam estudos

como o de Herring (2004) – foi simultânea aos primeiros casos que começaram a dar visibilidade ao

fenômeno, amparada principalmente pela grande mídia. Exemplos da equiparação estão tanto em

veículos nacionais, como a Folha de S. Paulo (“diários online”)44, ou o Jornal do Brasil45 e as

revistas Época,46 Veja47 e Isto É Dinheiro48, todas utilizando a expressão “diários virtuais”, quanto

internacionais, com destaque para o jornal The New York Times, responsável pela expressão

“diaristas da web” 49.

A tipificação dos blogues como diários íntimos virtuais foi constantemente reforçada na

tentativa de estabelecer um elo entre uma forma de registro pessoal, já amplamente conhecida, e um

novo veículo. Ainda que a comparação tivesse sentido para uma grande parte dos interagentes

(novamente, os estudos de Herring comprovam tal uso), a estereotipagem prejudicou diferentes

apropriações dos blogues, a partir do momento em que o fenômeno, ao quebrar a barreira dos

entusiastas, era encarado restritivamente como repositório de experiências pessoais.

Mais que isso: diários pessoais de papel e blogues que sirvam ao relato pessoal do

interagente, ainda assim, guardam diferenças bastante relevantes, principalmente no que diz respeito

à sociabilidade. A manutenção de um diário pessoal em papel implicava em uso de métodos (como

cadeados ou o segredo de sua existência), que impedem seu acesso por terceiros.

Blogues de acesso público, ainda que tenham comentários fechados, permitem que outros

canais de comunicação sejam usados para o início de um diálogo entre blogueiro e leitor sobre o

conteúdo publicado, quebrando a premissa de privacidade inerente aos diários criados por

adolescentes. A própria linguagem adotada pelo blogueiro pode indicar que, ainda que não haja

canal de retorno dentro daquele ambiente, ele tem a consciência de que escreve para uma audiência

– o uso de saudações e convites ou a publicação de conselhos são figuras de expressão sociais,

44 http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u3961.shtml. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 45 http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernos/domingo/2001/09/15/jordom20010915004.html (Acesso em 25 de

outubro de 2009) 46 http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG74912-5990-428,00.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 47 http://veja.abril.com.br/200601/hipertexto.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 48 http://www.terra.com.br/istoedinheiro/412/ecommerce/poder_blogue.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 49 http://www.nytimes.com/2004/07/26/politics/campaign/26blogue.html?8br. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

defende Nardi et. al. (2004). Portanto, mesmo que um blogueiro pretenda criar um blogue para sua

narrativa pessoal, o ambiente privado necessário para um tradicional diário pessoal de papel não

existirá, fazendo com que o blogue seja uma adaptação (com fins sociais) do método anterior de

registro.

A exploração de metáforas como forma de tentar explicar a nova plataforma por meio da

equiparação com formatos anteriores de registro de conhecimento tem o intuito de facilitar o

entendimento aos leigos, mas tem como consequência a limitação no entendimento de novas

práticas ou características comunicacionais daquele meio. Ainda que seja uma “ ferramenta

linguística valiosa para introduzir novos conceitos”, a metáfora, quando usada de forma exagerada,

“distorce o conceito que está sendo introduzido”, defende Boyd (2006, p. 6), que critica o título do

artigo de Nardi (“Blogging as social activity or Would you let 900 million people read your diary?”

ou, em português, “Blogar como uma atividade social ou Você deixaria 900 milhões de pessoas

lerem seu diário?”), ainda que reconheça seu valor etnográfico.

Pela metáfora, pessoas atribuem cognitivamente as propriedades de um conceito antigo a um novo. Metáforas funcionam quando dois conceitos compartilham muitas propriedades. Ainda assim, as diferenças são o que separam os conceitos. Avaliar um novo conceito sob os termos de um antigo ofusca maneiras pela qual práticas se diferenciam nas mentes dos praticantes. Isso também torna obscuro quaisquer diferenças que emerjam em termos de produção […]. Ao avaliar blogues sob os termos dos diários ao invés dos termos dos próprios blogues, Nardi et. al. estão empobrecendo a emergência de um novo conceito. (BOYD, 2006, p. 7).

A comparação com outros veículos de registro de conhecimento, porém, não deve ser

descartada para ajudar a definir esse novo conceito, já que a natureza híbrida dos blogues mistura

ferramentas, rotinas e gêneros de discurso já presentes em outros meios de comunicação, que,

integrados, possibilitam a ascensão de um novo meio, com suas características próprias. Em outras

palavras, Herring define que “o blogue não é fundamentalmente nem novo nem único, mas ocupa

uma nova posição na ecologia de gêneros da internet” (HERRING et. al., 2004, p. 10).

A dificuldade na categorização explorada até agora é explicada por Boyd pelo fato do

blogue ser tanto o produto da prática (a linguagem que emerge da prática, que, por sua vez, vem da

apropriação das ferramentas) quanto a mídia pela qual o blogueiro produz suas expressões. “Os

blogues emergem já que blogueiros estão blogando.”, segundo a pesquisadora, que detalha a

dificuldade na tipificação do fenômeno em comparação a outro meio.

O rádio é uma mídia na qual pessoas se expressam, mas o ato de falar para ser transmitido não é 'radiar', nem é o produto do rádio falado. O rádio só existe quando o discurso das pessoas é transmitido por ondas de rádio. Assim, blogues são tanto o produto da expressão como a própria mídia. (BOYD, 2006, p. 11).

Essa característica descrita por Boyd faz com que blogues se encaixem precisamente na

definição de McLuhan (1967, p.21), para quem uma mídia é uma extensão por onde o homem pode

se expressar além das limitações do seu corpo, ajustando-se “à mudança de escala, cadência ou

padrão […] nas coisas humanas” para a criação da mensagem nativa daquele meio. Por McLuhan,

“Os meios têm o poder de impôr seus pressupostos e sua própria adoção aos incautos.” (1967, p.

30), conceito adaptado por Boyd para explicar as duas personificações da plataforma.

“Blogues são precisamente isto: eles permitem que pessoas se estendam em um ambiente

digital interligado que, geralmente, é difícil de ser desencarnado. O blogue se torna tanto o corpo

digital como a mídia pela qual os blogueiros se expressam.” (BOYD, 2006, p. 11).

As diferentes apropriações que podem ser feitas da plataforma para diferentes fins fazem

com que blogues, ao mudar sua classificação de gênero para mídia, sejam mais parecidos com o

papel que propriamente com os veículos feitos do material, como diários ou livros. Assim como o

papel, blogues podem ser usados “para tudo, da criação de listas de mercado à publicação de

pesquisas inovadoras, ao desenho de figuras, ao anúncio de móveis para vender, ao registro de

contas pessoais e à redação de colunas de fofocas”. A flexibilidade de qualquer mídia (seja ela o

papel, o rádio, a TV ou a própria linguagem humana) para atender diferentes intentos é fruto direto

da sua evolução, em definição explicitamente aplicável para os blogues. “Não são as convenções ou

tipos de conteúdos que definem os blogues, mas o framework no qual as pessoas podem se

expressar.” (BOYD, 2006, p.11)

Estudos anteriores que tentavam apresentar tipologias para blogues apresentam falhas tanto

por misturarem conceitos como conteúdo, prática e sociabilidade em seus frameworks quanto por

apelarem para categorias extremamente generalistas que dessem conta de formatos e estilos não

previstos pela tipificação proposta. A crescente adoção da ferramenta por diferentes perfis de

usuários se desdobra em novos estilos e organizações, que nem sempre as categorias propostas pela

academia contemplam, o que acaba sobrecarregando grupos criados para a classificação dos

blogues que não se encaixam nas categorias sugeridas.

Esta análise se inicia pela tipificação proposta por Krishnamurthy, dividida em duas

dimensões, reproduzidas graficamente por dois eixos: pessoal x topical e individual x comunitário.

São quatro quadrantes: o primeiro abarca blogues pessoais e individuais, denominados “diários

pessoais”; o segundo, pessoal e comunitário, denominado “grupo de suporte”; o terceiro, individual

e topical, chamado de “coluna reforçada”; e o quarto, comunitário e topical, chamado de “conteúdo

colaborativo”. As conclusões são decorrência da análise feita por Krishnamurthy sobre padrões de

publicação em blogues coletivos na semana seguinte aos atentados de 11 de setembro, o que levou o

pesquisador a afirmar que, no período, observou-se um número maior de posts publicados, com um

número menor de links em comparação à média de outros períodos.

FIGURA 10: o gráfico proposto na tipificação de Krishnamurthy (2002)50.

Entre os exemplos dados para sua tipificação, estão diários pessoais dentro da comunidade

50 Tradução da imagem: Quadrante I: diários online; Quadrante II: grupo de suporte; Quadrante III: colunas

sofisticadas – por exemplo, Andrewsullivan.com; e Quadrante IV: criação colaborativa de conteúdo – por exemplo, Metafilter.

LiveJournal no primeiro quadrante; um grupo de amigos 'blogando' sobre questões pessoais entra

no segundo; blogues que indicam links com comentários de contextualização fazem parte do

terceiro; e blogues coletivos não focados em questões pessoais (como o tradicional blogue de filtro

MetaFilter51) entram no quarto quadrante.

Herring et. al. (2004) parte da sua análise tendo como base a tipificação de Krishnamurthy

para elaborar sua proposta de classificação, definindo cinco categorias que usam como base “a

proposta do blogue”. Parâmetros como sociabilidade, frequência, prática e coletividade são levadas

em consideração no estudo, mas não para criar os grupos definidores. As cinco categorias são:

diário pessoal, filtro, K-log (abreviação de “knowledge log”, ou “registro de conhecimento”, em

tradução livre para o português), misto e outros.

Pode-se afirmar que a explicação de cada uma das categorias fornecida por Herring é

questionável em alguns pontos. A categoria “K-log”, por exemplo, arrebata blogues como

repositórios de conhecimento a respeito de um determinado assunto, sempre com comentários mais

longos e analíticos. Já a categoria “filtro” prevê blogues em que o usuário indica links encontrados

durante sua navegação com comentários próprios. Se um “filtro” se especializa em um assunto, tal

qual o “K-log”, ambos compartilham as mesmas características e objetivos (coletar, organizar e

arquivar informações sobre alguma área de conhecimento), a única diferença guardada entre ambos

é o tamanho dos posts, classificação que a própria pesquisadora acha problemática para restringir o

estudo - “posts podem variar significantemente em tamanho dentro de um mesmo blogue”

(HERRING, 2004, p.4) - ao comentar o porquê da categoria “notebook”, tipificada por Blood, ter

sido deixada de fora.

O uso de duas categorias extremamente generalistas ( “misto” e “outros”) dificulta ainda

mais a tipificação, por deixar de lado o metodismo acadêmico por trás da definição após a

observação e análise criteriosa, além de ignorar a pluralidade de fins que a apropriação da

ferramenta pode suscitar, deixando de lado nesse sistema qualquer novo tipo de exploração que não

51 http://www.metafilter.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)

os já documentados. Explorar as duas categorias faz sentido à argumentação da pesquisadora de que

blogues são um “gênero híbrido, que copia muitas fontes, incluindo outros gêneros online”, mas

prejudica o rigor da pesquisa ao renegar a heterogeneidade do fenômeno e sua evolução mediante a

apropriação para diferentes fins, apertando “a textura da diferença em categorias planas”(PRIMO,

2008, p.4).

Sistema de classificação semelhante usa Recuero (2003), separando blogues em categorias

parecidas às de Herring (vale notar que a pesquisadora gaúcha publicou sua tipificação um ano

antes que a norte-americana): “diários eletrônicos”, explorando a narrativa pessoal; “publicações

eletrônicas”, dedicando-se de maneira generalista à informação; e “publicações mistas", aqueles

blogues que misturam posts pessoais com informativos.

Primo parte da explicação do sistema de classificação proposto por Herring para começar a

explicar seu sistema, em arguição que poderia ser estendida a qualquer outro método de tipificação

que se apoie não apenas no conteúdo oferecido, mas também apele para categorias generalizadoras.

Como existe uma grande quantidade de blogues que exercita diferentes gêneros discursivos em diferentes posts (ou mesmo em um único post) e como o 'blogar' vem sendo modificado com o tempo (tendo em vista a interação com a audiência, como também os humores e interesses dos blogueiros), é preciso buscar um método que reconheça o que é heterogêneo, mas que não o prenda em gavetas homogeneizadoras. (PRIMO, 2008, p. 125).

Para tanto, Primo apresenta “um conjunto de dimensões que deve ser considerado na

elaboração de modelos para a tipificação dos blogues”, que, ao invés de um plano bidimensional

com quatro quadrantes como o de Krishnamurthy (2002), se apoia em uma matriz cujos quatros

eixos exploram preceitos como coletividade ou individualidade, esfera pessoal ou corporativista e a

tensão entre relato objetivo e análise, como reproduzido na figura seguinte. A matriz é dividida em

quatro colunas que dizem respeito à interação entre o número de blogueiros envolvidos e sua

proposta, podendo o blogue ser profissional e pessoal para um único autor e grupal e organizacional

para múltiplos autores. No total, a matriz prevê 16 gêneros de blogues.

FIGURA 11: a matriz de tipificação de Primo (2008, p.126)

A diferenciação entre blogues pessoais e profissionais feita por Primo está no objetivo de ter

com o blogue algum tipo de ganho profissional, seja ele receita publicitária ou relevância dentro do

setor que se propõe a cobrir, e não na presença de uma corporação no desenvolvimento e divulgação

do blogue. Um blogue mantido “com o fim primeiro de buscar rendimentos através da veiculação

de propaganda [seja ela na forma de anúncios gráficos ou de posts comprados] será também

classificado como blogue profissional”, ainda que o conteúdo se concentre basicamente em narrar a

vida pessoal do blogueiro.

O próprio pesquisador faz a ressalva, no entanto, de que a exploração do blogue como forma

de “repercutir em sua atuação profissional (com reputação, por exemplo) ” pode ser caracterizada

como uma atitude profissional, ainda que não garanta ao blogueiros rendimentos diretos. Logo, o

profissional acumula como moeda a reputação no seu campo de trabalho por meio do blogue, o que

pode se traduzir em ganhos materiais não imediatos.

A matriz é cortada por quatro linhas responsáveis por classificarem blogues pelo teor de seus

posts em quatro categorias: “Reflexivo”, que prevê análises do blogueiro sobre qualquer assunto

que não um próprio; “Informativo”, em que informações são fornecidas ou reproduzidas sem

qualquer análise ou juízo de valor; “Informativo Interno”, em que informações sobre processos

internos são dadas sem qualquer análise ou juízo de valor; e “Auto Reflexivo”, em que o blogueiro

analisa e dá opiniões sobre questões próprias.

Por fim, Primo defende que o sistema de classificação não restringe os blogues por completo

a uma determinada categoria, assumindo que diferentes categorias poderão ser observadas em

diferentes posts ou dentro de apenas um post de um mesmo blogue. Nas palavras do próprio

pesquisador,52 é necessário “julgar o que é mais comum, o padrão seguido. Certamente nenhum

texto, em qualquer suporte, filia-se apenas a um gênero. Um conto de terror, por exemplo, pode ter

partes de humor. Mesmo assim o classificamos como terror e não comédia.” (PRIMO, 2009).

Logo, a proposta do pesquisador apresenta grupos que se assemelham muito mais com um

sistema de classificação por tags do que por categorias fixas, o que justifica também sua posição de

que seus argumentos compõem um conjunto de dimensões, e não uma tipificação definitiva. A

seguir, exploraremos cada um dos 16 gêneros, dando exemplos para cada um deles e aprofundando

a matriz proposta pelo pesquisador para torná-la mais rica no que diz respeito aos conteúdos

oferecidos pelos blogueiros.

Comecemos pelos blogues profissionais. Segundo Primo (2008, p.3), blogues dessa

categoria são escritos “por uma pessoa com especialização em determinada área”, não importando

“se este profissional possui educação formal”, já que “as enunciações em um blogue profissional

carregam consigo um argumento de autoridade, um conhecimento aprofundado sobre os temas

abordados”. O importante aqui é a maneira como o blogueiro se apresenta, e não seu

credenciamento acadêmico, já que ele “reconhece que a credibilidade de seus textos reflete a

reputação construída no tempo, em virtude do sucesso de suas ações como profissional”.

Fatores como a informalidade ou a presença de opinião pessoal nos posts não desqualificam

52 Entrevista realizada em 24 de agosto de 2009 por e-mail com Primo sobre os gêneros dos blogues.

o blogue como profissional. Esta categoria abarca tanto os blogueiros que têm rendimentos estáveis

vindos do blogue, conhecidos no setor como probloggers, quanto aqueles que complementam a

renda com seus blogues. Ainda que haja prazer ou vontade de expressar sua opinião, o blogueiro

tem como principal objetivo no seu blogue aumentar seus rendimentos, o que condiciona suas

práticas, como a busca de assuntos com potencial para atrair maiores audiências.

São quatro os tipos de blogues profissionais: o profissional autorreflexivo descreve blogues

em que um profissional reflete sobre suas próprias atividades, como é o Blog de Blindness,53

mantido pelo cineasta Fernando Meirelles durante o processo de edição, classificação, distribuição e

divulgação do seu filme Diário sobre a Cegueira, em 2008; o profissional informativo interno, em

que um profissional relata, sem qualquer análise ou aprofundamento, suas atividaes cotidianas; o

profissional informativo traz posts que reproduzem textos ou conteúdos, como links e imagens,

externos ou do profissional, sem que haja qualquer edição, como é o caso do De graça é mais

gostoso,54 que oferece links para softwares e conteúdos multimídia sem o pagamento de direitos

autorais; e o profissional reflexivo, em que o blogueiro discorre analiticamente sobre o área do

mercado em que atua, como é o caso do Coxa creme,55 mantido pelo publicitário Ricardo Cavallini.

Blogues pessoais são tipificados como “uma produção individual, mas que diferencia-se de

blogues profissionais por não ser guiada por objetivos ou estratégias bem definidos e em

consonância com o trabalho do autor”. Vemos aqui uma categoria em que a profissão do blogueiro

ou sua postura em se apresentar como especialista em determinada área para acumular reputação

independe do conteúdo oferecido no blogue. Entram aqui também blogues mantidos por blogueiros

fechados no anonimato por potenciais problemas que poderiam sofrer com a Justiça – a maioria dos

blogues que oferecem gratuitamente gravações antigas digitalizadas pelo blogueiro, por estarem

esquecidas nos catálogos das gravadoras (chamados tecnicamente de MP3blogues), é classificada,

como discutiremos mais à frente, como pessoal informativa.

Novamente, são quatro as classificações para blogues pessoais: o pessoal autorreflexivo diz 53 http://bloguedeblindness.bloguespot.com/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 54 http://www.degracaemaisgostoso.org/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 55 http://www.coxacreme.com.br/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

respeito ao uso do blogue como registro da narrativa pessoal do blogueiro, ou a versão digital e

social do seu diário pessoal, como é o caso do Querido Leitor,56 em que a bacharel em física e

apresentadora Rosana Hermann comenta, em tantos outros assuntos, questões pessoais; o pessoal

informativo interno relata, sem qualquer análise, atividades corriqueiras ou ações que fazem parte

de um plano pessoal do blogueiro, como o Diário do pão com manteiga na chapa,57 em que o

jornalista Rafael Capanema relatava diariamente se havia comido pão com manteiga, ou o Correndo

Atrás,58 em que o também jornalista Mário Guilherme Vasconcelos relata treinamentos e pesagens

para perder peso e correr uma prova de corrida urbana de 10 quilômetros; o pessoal informativo

registra informações (sejam elas textos, links ou imagens) que despertem o interesse do blogueiro,

como é o Um que tenha,59 em que o blogueiro Fulano Sicrano publica e hospeda cerca de 4,5 mil

discos fora de catálogo por prazer ou mesmo o Pirate Coelho60, blogue em que o escritor Paulo

Coelho agrega e organiza links para que leitores baixem cópias digitais dos seus próprios livros; e o

pessoal reflexivo, em que o blogueiro faz comentários e analisa conteúdos próprios ou alheios,

atendo-se apenas aos temas do seu interesse, como é o Farrapo,61 blogue mantido pelo coordenador

de marketing Jonathas de Vargas.

Blogues grupais se caracterizam pela cooperação entre um grupo maior do que dois autores

agrupados ao redor de um mesmo assunto em um mesmo blogue. A publicação, segundo o

pesquisador, pode ser tanto individual, com cada um dos blogueiros expressando suas opiniões e

explorando assuntos de interesse próprio, como coletiva, o que dará ao blogue uma imagem coesa

por meio de posts assinados pelo conjunto. Não há necessidade de consenso – ainda que todos os

integrantes tenham opiniões radicalmente diferente sobre um mesmo assunto, o blogue continuará

sendo produzido por um grupo que se reunirá em razão de um mesmo tema. A única restrição que o

pesquisador faz para a coletividade presente em blogues grupais diz respeito à hierarquização e ao

56 http://blogues.r7.com/querido-leitor/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 57 http://www.paocommanteiga.bloguespot.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 58 http://colunas.globoesporte.com/correndoatras. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 59 http://www.umquetenha.org/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 60 http://paulocoelhoblog.com/pirate-coelho/ Acesso em 25 de outubro de 2009 61 http://farrapo.bloguespot.com. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

estabelecimento formal de metas e objetivos para o blogue, fatores observados nos blogues

organizacionais, como será debatido mais adiante.

Os quatro grupos para blogues grupais são: o grupal autorreflexivo, em que um grupo debate

suas próprias atividades, atingindo desde alunos reunidos para um trabalho na faculdade ou no

colégio a pais cujos filhos sofrem de uma mesma doença e usam o blogue como forma de

organizarem alguma atividade ou uma associação que os representem; o grupal informativo interno,

para que as atividades ou mudanças de cronogramas de uma agremiação sejam informadas a todos

seus componentes, por exemplo, em um tipo de conteúdo bastante popular em blogues

autorreflexivos; grupal informativo, em que conteúdos (independentes da forma) sobre uma mesma

temática são congregados por múltiplos autores sob um mesmo blogue, como é o caso do

LuvLuvLuv,62 especializado em fotografias, gráficos, ilustrações e vídeos relativos ao tema amor; e

o grupal reflexivo, blogue coletivo em que blogueiros com interesses semelhantes publicam

individualmente sobre um mesmo assunto, como o AllesBlau,63 nascido da necessidade dos

catarinenses se informarem sobre as enchentes que atingiram Santa Catarina em novembro de 2008.

Por fim, os blogues organizacionais também reúnem grupos de pessoas interessadas nos

mesmos assuntos, mas os blogues contam com estruturas que preveem hierarquia entre os

blogueiros ou a definição de metas quanto à quantidade de posts publicados, ou leitores atraídos, ou

qualquer outro fator que coloque os autores como membros de uma organização com objetivos

específicos. Na definição de Oliveira (2002, p. 126), citada pelo pesquisador, uma organização “é

uma combinação de esforços individuais que tem por finalidade realizar propósitos coletivos”,

valendo-se de “divisão de trabalho, coordenação e hierarquia” como fatores que regem seu

desenvolvimento.

Enquanto grupos podem se dissolver após atingir um objetivo ou ultrapassar um

acontecimento, a organização se estrutura para postergar sua sobrevivência. Ainda que grupos

possam manter suas ligações por tempo indeterminado para a manutenção de um blogue,

62 http://luvluvluv.tumblr.com/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 63 http://allesblau.net/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

organizações preveem uma divisão hierárquica para as tarefas que denota o mínimo de

profissionalização no método. Vale a ressalva também de que blogues da categoria nem sempre têm

o lucro como objetivo primário, assim como não precisam representar necessariamente uma

empresa formalizada.

As quatro categorias dos blogues organizacionais são: o organizacional autorreflexivo, que

traz análises comentadas sobre estratégias da própria organização, como é o caso do Fatos e

dados,64 blogue criado pela Petrobrás em junho de 2009 para que a empresa petrolífera rebatesse

acusações da imprensa e publicasse na íntegra entrevistas dadas a veículos da mídia; o

organizacional informativo interno, que distribui informações sobre a organização a seus membros

constituintes; o organizacional informativo, que explora a divulgação ou arquivamento de

conteúdos que digam respeito à área ou à própria atuação da organização, como é o caso do Br-

Linux,65 comunidade centrada em softwares de código aberto que replica conteúdo externo sobre o

assunto, ou o Vivoblog,66 em que profissionais da operadora Vivo detalham informações sobre

promoções e lançamentos da companhia.

Ao transferir a análise dos temas para fatores como coletividade ou objetividade e admitir a

pluralidade dos posts em um mesmo blogue, concentrando-se na tipificação das publicações e não

do conjunto completo, as métricas de Primo se revelam mais precisas na tentativa de atingirmos um

sistema de classificação definitivo para o fenômeno. Se definirmos um eixo Z para a matriz do

pesquisador referente a temas (como tecnologia, cultura, energia, economia e tantos outros, por

exemplo), seu sistema ainda consegue abarcar os assuntos abordados em cada um dos posts – no

novo modelo tridimensional reproduzido abaixo, cada quadrante 3D representaria uma categoria de

blogue que explora um determinado assunto.

64 http://www.bloguespetrobras.com.br/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 65 http://br-linux.org/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 66 http://www.vivoblogue.com.br/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

FIGURA 12: o aprofundamento proposto na dissertação para a matriz de Primo.

Ainda assim, o conjunto de dimensões de Primo pode ser debatido quanto à necessidade de

uma categoria apenas para informações referentes à própria atuação (sem qualquer tipo de

julgamento ou análise, da maneira mais precisa e objetiva possível) do blogueiro, seja ele

independente ou parte de um grupo ou organização. A afirmação ecoa a pesquisa etnográfica

conduzida por Primo para aplicar na prática suas dimensões: ao enquadrar as 16 categorias nos 50

blogues mais populares em língua portuguesa segundo o ranking oferecido pelo buscador para

blogues Technorati, o estudo não encontrou exemplos para nove dos 16 gêneros – entre eles, os

quatro referentes ao blogue informativo interno (profissional, pessoal, grupal e organizacional).

A falta de popularidade de blogues do tipo flagrado pelo ranking do Technorati, no entanto,

não significa que tal gênero não exista. A questão é que a maioria dos exemplos observados no

desenvolver da pesquisa, sejam eles grupais ou organizacionais, abordavam suas próprias atividades

com um mínimo de julgamento e análise inerente à exploração mais profunda de uma decisão ou ao

debate frente a uma polêmica. Se observarmos tanto o blogue do principal executivo da Sun,

Jonathan Schwartz,67 quanto o do presidente do Mercado Livre, Stelleo Tolda68 (a pesquisa não teve

acesso ao histórico do blogue mantido por Emílson Alonso, do HSBC), poderemos notar que o

relato sobre decisões internas é acompanhado constantemente por justificativas sobre a estratégia

adotada pela empresa, o que confere ao conteúdo uma interpretação e um julgamento que,

independente da profundidade, faz com que o simples relato definido por Primo não seja atingido. A

própria escolha da plataforma blogue como forma de comunicar decisões corporativas ao mercado

ou aos próprios funcionários denota a escolha por discurso mais pessoal, sem o corporativismo

inerente aos comunicados oficiais.

Outro problema na aplicação do sistema está na capacidade dos conteúdos de se

“movimentarem” não apenas verticalmente na matriz (de informativo interno para informativo,

como já discutido), mas também horizontalmente, no que diz respeito à coletividade de sua criação.

Consideremos o exemplo de um jornalista que produz um blogue dentro do portal de uma revista ou

jornal de grande alcance. Por mais que o blogue traga a escolha de assuntos, apuração, redação e

análise do blogueiro (seja ele jornalista ou não), o conteúdo publicado pode obedecer a preceitos

éticos ou comerciais estabelecidos pela editora responsável pelo veículo. Tal restrição exige que a

tentativa de tipificação observe cuidadosamente a influência das decisões corporativas sobre o

conteúdo selecionado e publicado pelo jornalista, o que dificulta a caracterização fiel, já que nem

sempre é possível documentar os interesses envolvidos. Vale destacar que a prática se diferencia de

blogues corporativos em que blogueiros, jornalistas ou redatores são contratados para preencherem

o blogue com o conteúdo definido pelo departamento de comunicação da empresa, o que faz com

que o profissional seja um ghost writer que serve aos propósitos da companhia.

Há de se observar com calma também quando os responsáveis pela publicação de conteúdo

original o replicam em seus blogues pessoais, formando uma espécie de portfólio online para

67 http://blogs.sun.com/jonathan/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 68 http://mlonlinegeneration.wordpress.com/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

organizar sobras ou íntegras de textos, ilustrações, designs ou vídeos dentro de um mesmo ambiente

digital. Podemos citar os casos dos blogues Trabalho Sujo,69 do jornalista Alexandre Matias,

Manual do Minotauro,70 do cartunista Laerte, e o blogue homônimo71 do também jornalista Pedro

Alexandre Sanches, como exemplos de canais onde conteúdo produzido dentro de veículos de

maior projeção (no caso, os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo e a revista Carta

Capital) é replicado, geralmente na íntegra ou com comentários que envolvem sua confecção.

Ainda que estejam replicando conteúdos que, na teoria, não pertencem a seus autores (contratos de

vinculação de jornalistas com veículos de grande porte preveem que todo conteúdo produzido a

partir da sua infraestrutura pode ser considerado de posse do jornal ou da revista), a óbvia

observação da autoria, aliada a valiosos detalhes sobre as escolhas e dificuldades enfrentadas na

produção, permite-nos afirmar que trata-se de blogues profissionais reflexivos ou até mesmo

autorreflexivos. A republicação de conteúdos próprios produzidos profissionalmente fora do blogue,

seja como portfólio ou para escoar informações não utilizadas na veiculação original, pode ser

encarada como forma do profissional acumular relevância frente ao mercado, seguindo a explicação

de Primo.

Este subcapítulo teve início retomando a classificação pioneira do blogue como gênero e

argumentando que, seguindo a linha de argumentação de Boyd e de McLuhan, a conceitualização

mais precisa é a de que se trata de uma mídia, que influencia diretamente a mensagem conforme a

apropriação que os interagentes fazem da ferramenta, e não apenas mais um veículo para replicação

de gêneros de discursos já explorados anteriormente. Foi retomado também o histórico conceitual

da tentativa de se aproximar de um sistema definitivo que nos ajude a separar e a classificar os

blogues, concluindo na matriz proposta por Primo, que leva em conta preceitos como coletividade e

o objetivo social do blogue para encaixar o blogue em 16 categorias. Por fim, foi alvo de discussão

pontos do conjunto de dimensões do pesquisador que merecem análise cuidadosa antes da sua

execução, além da proposição de uma aprofundamento da matriz, introduzindo um eixo Z, onde

69 http://www.oesquema.com.br/trabalhosujo/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 70 http://www.verbeat.org/blogs/manualdominotauro/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 71 http://pedroalexandresanches.blogspot.com/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

gêneros podem ser usados como fatores de diferenciação. No próximo capítulo, retomaremos o

desenvolvimento do fenômeno no Brasil, explorando semelhanças e disparidades em comparação

ao histórico dos blogues nos Estados Unidos.

3. Marcos e diferenças: comparando o desenvolvimento da blogosfera nos

Estados Unidos e no Brasil

Este capítulo desfiará o histórico da blogosfera nos Estados Unidos, intercalado com

detalhes do desenvolvimento do fenômeno no Brasil, mostrando como a adoção brasileira é

consequência direta do movimento norte-americano, apresentando marcos similares (respeitando o

contexto regional) e algumas movimentações próprias não observadas no exterior. A narrativa será

dividida em quatro categorias que agrupam acontecimentos que guardam certa semelhança entre si,

como forma de facilitar a leitura e a organização dos eventos abordados: Pioneiros, Ferramentas,

Visibilidade e Adoção Corporativa.

Antes, devemos restringir o campo de pesquisa e definir que o histórico usará como

definição de blogue uma tecnologia de publicação pessoal com processos técnicos (como a

programação de códigos) automatizados, para veiculação de conteúdo variado.

A explicação é necessária já que, caso consideremos o blogue simplesmente uma ferramenta

utilizada para que qualquer um possa exprimir suas ideias dentro do ciberespaço, teríamos que

começar pelo primeiro site da rede, produzido por Tim Berners-Lee, em maio de 1990,72 dentro do

domínio cern.ch. A simples página tinha como objetivo explicar o conceito do projeto World Wide

Web, apresentado em 1989 ao European Organization for Nuclear Research (CERN), e indicar, por

atualizações feitas diretamente no HTML, novos sites montados por outras organizações

acadêmicas. O World Wide Web Constorium (W3C) guarda uma cópia da primeira página para

72 http://info.cern.ch/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

consulta.73

Antes de começarmos a detalhar o desenvolvimento da blogosfera no Brasil, traçando

comparações com o fenômeno nos Estados Unidos e indicando semelhanças e disparidades,

precisamos rever como se deu o desenvolvimento das primeiras comunidades digitais no país. Para

tanto, precisaremos rememorar como a internet começou no Brasil.

A primeira conexão de internet no Brasil foi realizada em setembro de 1988, quando o

Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), ligado ao Centro Nacional de Pesquisas

(CNPq), conectou-se ao sistema de mensagens Bitnet (sigla para Because is Time to Network - “já

que é tempo para se conectar”, em tradução livre do inglês), operado pela Universidade de

Maryland, nos Estados Unidos. Um ano antes, uma reunião na Universidade de São Paulo,

envolvendo outros centros de pesquisa espalhados pelo Brasil, discutiu a implementação de uma

rede nacional para troca de informações acadêmicas.

Experimentos do tipo aconteciam em outras áreas do país. Em novembro de 1988, uma

parceria entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) com o centro

de pesquisa norte-americano Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab) também estabelece

conexão com a Bitnet. Em maio de 1989, foi a vez da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ) também se conectar à Bitnet por meio de parceria com a Universidade da Califórnia

(UCLA).

Para ajudar na popularização da web entre universidades, o Governo Federal anunciou em

setembro de 1989 a criação de um grupo que coordenaria a implementação da infraestrutura

necessária para que houvesse banda disponível para o crescente interesse. A Rede Nacional de

Pesquisa (RNP), coordenada pelo engenheiro Tadao Takahashi, estabeleceu o backbone responsável

pelo recebimento do sinal no Brasil e gerenciou a distribuição de acesso a universidades brasileiras,

fundações de pesquisa e órgãos governamentais, como esclarece Vieira (2003, p.9).

73 http://www.w3.org/History/19921103-hypertext/hypertext/WWW/TheProject.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

Nos anos seguintes, a RNP seria responsável não apenas pela parte técnica, coordenando a

instalação da estrutura necessária e distribuindo pontos de acesso, mas também pela evangelização

de centros de pesquisa e pesquisadores sobre os benefícios da internet. Em 1992, a rede montada

pelo órgão já interconectava institutos em Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília, Belo

Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Em 1994, já eram

cerca de 50 instituições acadêmicas atendidas, segundo contagem da RNP.

Por mais que a academia formasse o grosso do uso da internet no Brasil, o interesse pela

rede crescia entre empresas e não pesquisadores. Primeiro caso do tipo foi o Instituto Brasileiro de

Análises Sociais e Econômicas (Ibase), que usava o “Alternex, um serviço de correio eletrônico e

grupos de discussão conectado à rede, em 18 de julho de 1989” (VIEIRA, 2003, p. 9). Em junho de

1992, a própria Alternex já havia se aventurado em oferecer a qualquer interessado planos para

conexões à rede.

O aumento na procura (principalmente longe das universidades) se alinhou à política de

privatização do então nascente governo Fernando Henrique Cardoso para que a Embratel perdesse o

monopólio no acesso comercial à internet. Parte da Telebrás, a Embratel já dava os primeiros passos

no acesso comercial à internet antes mesmo da posse de Cardoso – em 20 de dezembro de 1994, o

provedor lançou o Serviço Internet Comercial em caráter experimental até abril do ano seguinte.

Como pode se observar pela reprodução do anúncio vinculado pela Embratel à época, o acesso à

internet passava longe do trivial.

FIGURA 13– Embratel anuncia Serviço Internet Comercial em dezembro de 1994. Fonte: Internet no Brasil

(www.internetnobrasil.net).

A quebra no monopólio estatal nas telecomunicações brasileiras, primeiro passo para a

privatização do Sistema Telebrás, aconteceu em 15 de agosto de 1995, quando tanto a Câmara dos

Deputados como o Senado aprovaram a Emenda Constitucional número 8, permitindo que a

iniciativa privada explorasse serviços de comunicação que incluíam a internet. A iniciativa,

defendida pelo então Ministro das Comunicações, Sérgio Motta, permitiu o florescimento de um

mercado rico de provedores de internet. A Embratel continuava a operar a infraestrutura para as

conexões, mas seus clientes agora seriam os provedores de acesso. A variedade de planos

disponíveis a qualquer usuário, aliado ao novo posicionamento da RNP para prover infraestrutura

fora do ambiente acadêmico, deu o empurrão inicial necessário para a internet comercial no Brasil.

A primeira comunidade virtual estabelecida no Brasil teve início em 21 de agosto 1990,

quando o engenheiro Demi Getschko e o químico Francisco Antonio Doria criaram um grupo

dentro da Bitnet para discutir ópera, chamado Opera-L. O texto de apresentação, escrito por ambos,

já esclarecida o intuito da comunidade:

Você é um dos poucos felizes que sabe que Wagner chamou seu Leitmotive Grundthemae ? Ou você não sabe diferenciar um leitmotiv de um pretzel e, ainda assim, ama todos os tipos de ópera? Você simplesmente_ama_opera? Então se alista na nossa lista! Envie um e-mail para [email protected] contendo o comando SUBSCRIBE OPERA-L (nomes pessoais não são aceitos, não queremos que você se constranja...) (DORIA e GETSCHKO, 1990, online74).

Ainda que tenha sido iniciado por dois brasileiros (ao ajudar Demi a criar o grupo, Francisco

estava nos Estados Unidos escrevendo um artigo com o matemático também brasileiro Newton da

Costa), o Opera-L era em inglês e tinha em sua maioria participantes norte-americanos e europeus.

O Opera-L continua ativo e ganhou uma festa de 10 anos em que alguns dos seus colaboradores se

reuniram para comemorar sua primeira década. Em seu site, é possível consultar os arquivos

antigos, ver imagens dos pioneiros e participar de discussões dentro da rede social Facebook75.

No consequente desenvolvimento da internet comercial registrado nos anos seguintes no

Brasil, destacam-se dois tipos de comunidades digitais adotadas fervorosamente pelos brasileiros:

os BBS (Bulletin Board System, ou “sistema de quadro de avisos”, em tradução livre para o

português), que têm como pioneiro e principal exemplo o engenheiro Aleksandar Mandic, cujo

MANDIC BBS atingiu 70 mil usuários no ápice em 1998; e as salas de chat, bastante populares

entre os portais, como o UOL, o BOL (inaugurados em abril de 1996 e com operações congregadas

em setembro do mesmo ano), o ZAZ (nascido em dezembro de 1996 da parceria entre o grupo de

mídia RBS e a empresa de softwares NutecNet) e o iG (lançado em janeiro de 2000 por iniciativa

dos fundos GP Investimentos e Banco Opportunity).

Pioneiros

74 http://www.opera-l.org/?id=10 (Acesso em 25 de outubro de 2009) 75 http://www.facebook.com/group.php?gid=25703098721 (Acesso em 25 de outubro de 2009)

Por mais que haja um início de polêmica quanto ao primeiro blogueiro, Rosenberg afirma

que é seguro indicar o então estudante norte-americano do ensino médio, Justin Hall, como tal. Em

10 de janeiro de 1996, após ser desafiado por um amigo a publicar algo novo todo dia, Hall dava

início a um diário escrito em tom pessoal que acompanharia a coleção de links considerados

interessantes publicados diariamente no Justin's Links from the Underground76. O primeiro post de

Hall dava indícios da frequência com a qual a ferramenta seria usada: “pensamentos diários, uma

noção útil […], parece uma boa ideia para mim, acho que terei algo novo no topo do www.links.net

todo dia.” (HALL, 1996).77

FIGURA 14: reprodução do primeiro post do www.links.net, primeiro blog criado por Justin Hall. Reprodução.

Nos dias seguintes, a publicação de Hall misturava aspectos pessoas com comentários

culturais e links considerados interessantes. O pioneirismo de Hall fez com que a New York Times

Magazine, em dezembro de 2004, o classificasse como “o fundador do blogue pessoal”.78 “Há

76 http://www.links.net (acesso em 25 de outubro de 2009) 77 http://www.links.net/daze/96/01/10/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 78 http://www.nytimes.com/2004/12/19/magazine/19PHENOM.html?pagewanted=print&position=. (Acesso em

quinze anos, meu site era assim. Hoje, existem muito mais links, em todo lugar! Internos, externos,

atualizados passivamente ou ativamente – existem muitos dados digitais permeando nossas vidas.”,

diz Hall em post de janeiro no seu Justin's Links, que continua ativo.79

Além da discussão teórica sobre os limites da ferramenta de publicação na definição de um

blogue (o que poria, com justiça, a página de Berners no topo), o próprio admite que seu Links from

the Underground foi inspirado por outro site de atualizações constantes em ordem reversa, o

Ranjit's HTTP playground,80 em que o engenheiro de som Ranjit Bhatnagar registrava informações

diárias como suas refeições.

Em fevereiro de 1996, Dave Winer, o mesmo pesquisador responsável por formatar a versão

2.0 da tecnologia de sindicalização Really Simple Syndication (RSS), ajudou a criar o que seria

mais tarde considerado um blogue para o 24 Hours of Democracy Project,81 projeto que seria uma

resposta ao Communications Decency Act (CDA), legislação norte-americana que seria aprovada

em 1997 para tentar regularizar a divulgação de material pornográfico na internet. Nascido como

um agregador de links considerados interessantes por Winer, como demonstra o arquivo dos

primeiros meses, o Scripiting News se desenvolveu em artigos mais corridos e analíticos.

Por mais que Winer se apresente como o responsável “que detonou a revolução dos blogs”82

ou Hall seja descrito como fundador do mesmo processo pelo New York Times, não foi nenhum

deles o responsável por cunhar o termo “blog”. Em dezembro de 1997, o termo que denominaria a

ferramenta apareceria pela primeira vez no seu formato original. Jorn Barger criou o termo

“weblog” como junção das palavras web e log (ou registro) para o seu Robot Wisdom, algo que

denominava o conjunto de links publicados pelo programador ao encontrar conteúdos interessantes

ao navegar.

25 de outubro de 2009) 79 http://links.net/daze/2009/01/26/nonfiction-transcription-to-layering-game/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 80 http://www.moonmilk.com/previous/playground.html. (Acesso em 29 de outubro de 2009)

81 http://www.scripting.com/twentyFour. (Acesso em 29 de outubro de 2009) 82 http://www.webword.com/interviews/barger.html. (Acesso em 29 de outubro de 2009)

Jorn se aproveitou do registro online como forma de separar materiais que comporiam,

posteriormente, o projeto de um portal que indicariam links e conteúdos interessantes sobre

assuntos separados em categorias como “Diversão”, “Tecnologia”, “Ciência” e “História”. “Estou

determinado a me dedicar a esta tarefa por um tempo - dedicar tempo integral para iluminar os

cantos mais escuros (da internet), construindo meu portal 'Net.literate', e mantendo comentários no

meu weblog.”83

Quase dois anos depois, “weblog” foi abreviado e se tornou o “blog” usado hoje. A

abreviação veio pelas mãos de Peter Merholz, que, brincando com o termo, acabou transformando

“weblog” em “we blog”, algo como “nós blogamos”, em tradução livre para o português. “Eu decidi

pronunciar a palavra 'weblog' como 'wee-blog', ou 'blog', para abreviar”, afirmava Merholz em seu

blogue em outubro de 1999.84 O termo foi usado, pela primeira vez no Peterme.com e,

consequentemente, na blogosfera de maneira geral.

Dois anos após Justin Hall publicar o primeiro post no seu Links from the Underground, a

gaúcha Viviane Vaz de Menezes, então com 17 anos, estreou uma versão digital do seu diário,

chamado de Delights to Cheer, “entre a última semana de janeiro [e a] primeira semana de fevereiro

de 1998”. O primeiro post, de tom altamente confessional, seguiu à risca a maneira como outros

blogueiros, que ainda não se designavam assim, publicavam seus textos: editando as páginas que

seriam postas online diretamente no HTML. Em entrevista, Viviane rememora a parte técnica do

processo, que exigia trabalhosa dedicação para que o post estivesse pronto para ser publicado.

Na época haviam muitos 'journals', diários mesmo, online, estrangeiros. Eu já tinha um desses desde início de 1997. As atualizações eram quase diárias, longos textos, praticamente uma vez por dia, atualização manual mesmo, criar páginas HTML, adicionar links pro dia anterior e seguinte e tal. Havia uma comunidade grande lá fora. Quando surgiu o sistema de weblogs, as pessoas passaram a fazer tudo de forma automática e muitas vezes por dia e havia uma moça de Seattle que me inspirou muito, Zannah. (MENEZES, 2009)

Viviane não guarda mais nenhuma reprodução do blogue, após brigas com um antigo

namorado condenarem os backups onde ela armazenava os primeiros posts e templates. 83 http://web.archive.org/web/19990909030630/robotwisdom.com/home.html. (Acesso em 29 de outubro de 2009) 84 http://web.archive.org/web/19991013021124/http://peterme.com/index.html. (Acesso em 29 de outubro de 2009)

O problema é que Viviane pode ser considerada a primeira blogueira brasileira, mas não

pode assumir o posto de responsável pelo primeiro blogue em português - até o ano seguinte, todos

seus posts no Delights to Cheer eram em inglês. Em março, no entanto, o Brasil ganhou seu

primeiro blogue escrito em português. O responsável foi Renato Pedroso Junior, que assumiu a

persona online de Nemo Nox (“ninguém” e “noite” em latim, respectivamente), e, em 31 de março

daquele ano, iniciou seu Diário da Megalópole citando trechos de músicas de Frank Sinatra e

Caetano Veloso para comentar sua mudança de Santos, onde nasceu, para São Paulo.

FIGURA 15: post inaugural do Diáro da Megalópole, primeiro blogue brasileiro escrito em português. Reprodução

Nascido como “um espaço mais descompromissado para contar as minhas descobertas na

cidade”,85 o Diário enfrentava a mesma rotina trabalhosa que Viviane e outros blogueiros pioneiros

tinham na hora da publicação dos posts com formatação de páginas em HTML, e durou oito

85 http://www.terra.com.br/istoegente/236/diversao_arte/internet.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

meses.86 Atualmente, tanto Viviane quanto Renato mantêm blogues atualizados com frequência,

embora nenhum deles mantenha ativo aqueles onde começaram a escrever. Viviane é responsável

pelo nakanaide.net, enquanto Renato mantém o Por um Punhado de Pixels, ganhador do prêmio de

melhor blogue do planeta em 2004 pelo júri popular do The Best Of the Blogs (BOBs), concurso

promovido pelo conglomerado de mídia alemão Deutsche Welle.

Vale observar como todos os pioneiros citados aqui têm relações, em menor ou maior grau,

com o mercado de tecnologia, reiterando o processo histórico de apropriação da ferramenta blogue

por entusiastas antes da sua popularização entre usuários sem conhecimentos técnicos. Justin

trabalha na desenvolvedora de games GameLayers; Winner já foi editor da revista Wired, investidor

de startups tecnológicas e é evangelista de padrões abertos na internet; Jorn Barger pesquisou

inteligência artificial na Universidade de Northwestern e é usuário voraz de canais da Usenet; Peter

Merholz fundou a Adaptive Path, empresa especializada em interfaces de programação; Viviane se

transformou em webdesigner, ganhando relevância com ajuda do seu blogue; e Renato, até agosto

de 2009, ocupava o cargo de diretor de experiência interativa da Case Foundation, nos Estados

Unidos.

Ferramentas

O envolvimento dos pioneiros com tecnologia não é aleatório, como já foi discutido no

subcapítulo 1.2; a apropriação da ferramenta por um público mais amplo foi a grande responsável

para que se registrasse a ascensão de diferentes conteúdos que tirassem da plataforma a imagem

restritiva de filtro de links e, posteriormente, diário pessoal. Serviços como o Blogger

automatizavam suficientemente processos de publicação para que a atividade não se restringisse

apenas aos que dominavam, mesmo que basicamente, linguagens de programação, como o HTML,

86 http://idgnow.uol.com.br/internet/2007/04/02/idgnoticia.2007-04-01.6432298876/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

ou contassem com versões primárias dos atuais sistemas de gerenciamento de conteúdo. Os

primeiros dias da blogosfera, como as iniciativas de Hall, Winer e Barger, eram possíveis pela

publicação de páginas novas a cada post, constantemente formatadas direto do HTML para a

inclusão de links ou efeitos básicos que não deixassem a página monocromática.

O primeiro serviço que apresentou algumas das ferramentas que seriam tomadas como

padrão em plataformas de blogues foi a Open Diary, lançada em outubro de 1998 pelo

desenvolvedor Bruce Ableson. Inovações incluiriam a organização retroativa de novos conteúdos, a

capacidade de leitores poderem publicar comentários sobre o texto postado e uma lista chamada

Favoritesi onde as atualizações mais recentes de amigos do blogueiros eram mostradas ordenadas

cronologicamente.

Do nome escolhido ao sucesso de categorias como Depressão, Relacionamentos e Amor e

Paixão no Open Diary Circles,87 que mede a popularidade de determinados temas dentro da

comunidade, o serviço se mostra muito atrelado à segunda definição do blogue, como uma versão

digital e comunitária dos diários mantidos por adolescentes e adultos jovens como confidente de

problemas pessoais, principalmente.

Em janeiro de 1999, a Pyra Labs lança no mercado o serviço online para blogues Blogger,

que trazia as mesmas inovações apresentadas pela Open Diary, sem, no entanto, apelar para a

abordagem de assuntos pessoais. A facilidade em definir a lista de contatos, também chamada de

blogroll, o link permanente para cada uma das postagens, a capacidade de alterar o visual do blogue

e o acesso ao HTML das páginas fizeram com que o Blogger experimentasse crescente

popularidade nos meses seguintes ao lançamento. O Blogger seria comprado quatro anos depois

pelo Google, que o transformaria na sua plataforma oficial de blogues e o integraria a outros de seus

produtos, como a plataforma de publicidade AdSense e o serviço de fotos Picasa.

A popularização do Blogger ajudou também a fazer com que o termo “blog” fosse melhor

aceito e mais usado. E-mails trocados88 por Barger, responsável por cunhar o termo “weblog” e Meg

87 http://www.opendiary.com/circles.asp?sortby=2. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 88 http://listserv.linguistlist.org/cgi-bin/wa?A2=ind0804C&L=ADS-L&P=R16795&I=-3. (Acesso em 25 de outubro de

Hourihan, cocriadora do Blogger, apontam que foi ideia do outro cocriador, Evan Williams,

substituir todas as menções à mídia de “weblog” para “blog” dentro do serviço, dos botões de

formatações às explicações básicas.

Nos quatro anos seguintes, vimos uma série de outras opções surgindo no mercado de

softwares para blogues, como LiveJournal (outubro de 1999),89 Xanga (novembro de 2000),

Movable Type (fevereiro de 2001),90 e b2 (junho de 2001).91. Em 2003, novamente vemos um

aglomerado de datas significativas para o desenvolvimento da plataforma, a começar pelo Google

comprando a Pyra Labs e, consequentemente, adotando o Blogger como sua ferramenta oficial de

blogues.

Em maio, a Automattic divulga a primeira versão do WordPress, plataforma de blogue aberta

que, anos à frente, ganharia ritmo a ponto de diminuir a liderança do Blogger como principal

sistema usado para publicação própria online embalada pela modularidade, em contraste à

tradicional falta de customização do serviço criado pela Pyra Labs.

Quatro meses antes, em janeiro de 2003, o então apenas blogueiro Matt Mullenweg

reclamava da falta de atualização da ferramenta de publicação do seu site e se dizia satisfeito com a

plataforma b2/cafelog por ser licenciada sob uma licença GPL92, o que lhe permitiria fazer o que os

desenvolvedores conhecem como “fork” - usar o código-fonte de um programa como base para um

software completamente diferente. “Bom, seria legal ter a flexibilidade da MovableType, a análise

sintática do TextPattern, a facilidade de modificação do b2 e a facilidade de formatar do Blogger.

Algum dia, certo?”, afirma o post de 24 de janeiro no seu blogue, Ma.tt.93

A abertura do WordPress permitia não apenas a modificação mais ampla da ferramenta para

diferentes usos, seja na capacidade de alterar os arquivos oferecidos pela Automattic como pela

integração de plug-ins, que, no caminho contrário aos primeiros blogueiros no final da década de

2009)

89 http://news.livejournal.com/1999/10/22/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 90 http://www.movabletype.com/info/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 91 http://cafelog.com/index.php?m=200106. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 92 General Public License, licença para softwares livres criada pelo evangelista Richard Stallman que permite aos

usuários executarem, estudarem, modificarem e redistribuírem o programa que tem seu código aberto. 93 http://ma.tt/2003/01/the-blogging-software-dilemma/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

1990, permitiu que muitos webmasters transformassem a ferramenta originalmente concebida para

gerenciar posts em um sistema de publicação de conteúdo (conhecida também tecnicamente como

CMS) usada em sites ou portais.

No Brasil, vemos um caminho diferente, centrado principalmente na atuação dos portais,

tradicionais centros de investimento e inovação na internet brasileira. Não que faltassem

ferramentas de blogues desenvolvidas de forma independente. O problema era sustentá-las

financeiramente a partir de um certo ponto de adoção. Exemplo disso é o Desembucha, criado em

maio de 2001. Primeiro serviço de blogues criado genuinamente no país, o Desembucha saiu do ar

cinco meses depois pelo excesso de procura dos brasileiros em contraste com a falta de

investimento necessário para que o serviço despontasse.

FIGURA 16: reprodução do blogue em que a equipe do Desembucha anunciava novidades do serviço

Segundo seu cofundador, Gustavo Coelho, o Desembucha nasceu pela vontade de criar blogues sem

que a exigência de reprodução de publicidade pelo Blogger o agradasse. Explorando a infraestrutura

do buscador focado em turismo Te encontro pelo mundo, Coelho investiu apenas o registro de

domínio, o plano de hospedagem padrão e seu tempo livre para criar a ferramenta.

A idéia original não era criar uma ferramenta para ser usada em âmbito nacional. O desembucha.com surgiu originalmente como uma ferramenta para ser utilizada apenas por nós, nossos amigos e familiares. Entretanto, não limitamos o acesso ao site, com esquema de convites ou coisa parecida. Assim, qualquer um que conhecesse o site, poderia se cadastrar e criar seu blog. Embora a divulgação “boca-a-boca” tenha sido importante no início, acredito que o boom dos acessos ocorreu quando algumas publicações começaram a falar de blogs (ou “diários virtuais”, como gostavam de chamar na época), e citaram o desembucha.com. (COELHO, 2009).

Em setembro de 2001, a alta procura pelo Desembucha, que atingiu 4 mil blogues criados e

9 mil usuários cadastrados em seu ápice, junto ao idealismo de Coelho (“Como não queríamos

banners nos blogs, como no Blogspot, não explorávamos a publicidade online. Assim, não tínhamos

retorno financeiro com o site”.), fizeram com que não valesse mais a pena financeiramente manter o

serviço no ar. Coelho e seu sócio, Guilherme Rocha, mantinham negociações com a Globo.com,

mas o portal preferiu fechar contrato de licenciamento com o Google pelo Blogger, exatamente a

ferramenta que o Desembucha tentava neutralizar.

Quase que simultaneamente ao fechamento do Desembucha, quatro brasileiros se inspiraram

explicitamente nas ferramentas, no visual e até mesmo no nome do Blogger para lançar em agosto

de 2001 o Weblogger,94 ferramenta gratuita de blogues que fecharia parceria pouco mais de um ano

depois com o portal Terra,95 bancado pela operadora Telefônica. A única diferença entre o Blogger e

o Weblogger era o tempo máximo exigido entre as publicações dos posts: o segundo apagava

blogues que não eram atualizados, pelo menos uma vez, em 90 dias. Em 2003, o Weblogger

ganharia uma versão paga, o Plus.96

Em novembro de 2001, a primeira ferramenta genuinamente criada por um portal brasileiro

apareceu no mercado. O iG, bancado então pela operadora Brasil Telecom, colocou no ar o Blig97,

plataforma gratuita desenvolvida internamente que oferecia três opções de publicação - público,

94 http://info.abril.com.br/aberto/infonews/092002/03092002-17.shl. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 95 http://evillage.blogspot.com/2002_09_01_evillage_archive.html#85408417. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 96 http://info.abril.com.br/aberto/infonews/072003/07072003-5.shl. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 97 http://info.abril.com.br/aberto/infonews/112001/23112001-16.shl. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

privado ou em grupo -, permitia edições pontuais no HTML, oferecia até 50 templates pré-definidos

e, tal qual o Weblogger, deletava diários sem atualizações em 90 dias.

Assim como foi o primeiro portal a oferecer uma ferramenta própria de blogues, o iG foi o

primeiro a abrir mão da tecnologia desenvolvida internamente para adotar uma plataforma aberta e

mais customizável que sua própria – em agosto, o portal abandonava o Blig em nome do

WordPress,98 mesma razão pela qual o Terra também descartou o Weblogger.

Em agosto de 2002, a Globo.com, braço online das Organizações Globo, preteriram o

desenvolvimento interno de uma ferramenta de blogues e fecharam um acordo por preço não

revelado com a Pyra Labs para nacionalizar o Blogger.com no Brasil, no único tipo de acordo de

licenciamento da plataforma em todo o mundo.

Nos meses anteriores ao lançamento, a Globo.com testou a interação do Blogger com a

primeira edição do reality show Big Brother Brasil, permitindo que alguns espectadores criassem

blogues voltados a acompanhar o programa. O Blogger da Globo.com trazia vantagens em relação à

plataforma da Pyra Labs. Era possível, por exemplo, publicar imagens em posts de forma

automatizada, algo não disponível no serviço original. Gratuito, o Blogger Brasil permitia também a

criação de rascunhos de posts, algo permitido apenas para usuários pagos do serviço norte-

americano.

Para alavancar o lançamento do Blogger Brasil,99 as Organizações Globo criaram dois

blogues que seriam usados por dois personagens da novela O Beijo do Vampiro, de veiculação

iniciada em 26 de agosto na TV Globo. O vampiro Bóris Vladescu,100 interpretado por Tarcísio

Meira, e o estudante Zeca,101 interpretado por Kayky Brito, têm diários escritos por redatores que

acompanhavam o desenrolar da trama com posts, contextualizando as descobertas feitas no folhetim

- quase sete anos depois, os blogues ainda podem ser visualizados com sérios problemas de

formatação.

98 http://idgnow.uol.com.br/internet/2008/08/19/blig-adota-plataforma-do-wordpress/. (Acesso em 25 de outubro de

2009) 99 http://info.abril.com.br/aberto/infonews/082002/20082002-8.shl. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 100 http://boris.blogger.com.br/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 101 http://zeca.blogger.com.br. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

Último dos portais a lançar uma ferramenta, o UOL estreou seu UOL Blog em janeiro de

2004 após criar um publicador para que o apresentador Marcelo Tas tivesse seu blogue vinculado ao

portal. O UOL Blog estreou aberto para quem era e para quem não era assinante do serviço de

provedor do portal, com diferença na quantidade de espaço disponível para publicação - 100 MB

para assinantes e 1 MB para quem não era cliente do UOL. A ferramenta contava com formatação

básica de fontes, sistema de notas para o blogue e 40 diferentes templates para customização

automática. Até hoje, o UOL Blog também tem como marca registrada a capacidade de indicar o

humor do blogueiro por meio de um emoticon.

A adoção já citada do WordPress por Terra e iG é um dos lados de uma tendência que três

dos quatro grandes portais brasileiros já exploram: a de abandonar o desenvolvimento próprio de

ferramentas. A Globo.com, em julho de 2009, tirou do ar sem alarde seu Globolog, criado

internamente pelo portal em maio de 2005. Nas palavras do diretor geral da Globo.com, Juarez

Queiroz, “não faz sentido investir em ferramentas quando se tem opções melhores lá fora” (2009).

Visibilidade

Brasil e Estados Unidos guardam semelhanças na maneira como o blogue rompeu o setor

dos interessados em tecnologia para atingir o público em geral. Em ambos os países, o primeiro

grande caso que deu visibilidade aos blogues explorou escândalos políticos reverberados na mídia

já estabelecida, muito embora os desdobramentos de cada um deles tenha tomado caminhos

bastante diferentes.

Em janeiro de 1998, o Drudge Report chamou a atenção dos jornais e canais de TV norte-

americanos estabelecidos em janeiro de 1998, quando acusou a tradicional revista semanal

Newsweek de descartar a história de um suposto caso do então presidente dos Estados Unidos, Bill

Clinton, com uma estagiária da Casa Branca.

Matt Drudge, o conservador responsável pela lista paga de mensagens criada quatro anos

antes e que inspirou uma versão em site, se aproveitou da displicência para escrever um post em 17

de janeiro acusando a publicação de derrubar, pouco antes da impressão da revista, a reportagem

apurada pelo repórter Michael Isikoff afirmando que Clinton cultivava, há mais de dois anos, um

caso com uma estagiária de 23 anos da Casa Branca.102

Além de dar detalhes sobre a relação entre a estagiária e o presidente, o post também se

focava nos bastidores da imprensa estabelecida, questionando as causas que fizeram a Newsweek

derrubar a matéria e citando como concorrentes, como a Time, tentaram remediar o furo da rival

buscando suas próprias informações com fontes políticas. Um detalhamento maior sobre o caso e

suas consequências para a imprensa mundial será feito mais a frente.

A história de Drudge foi o principal propulsor da popularidade dos blogues a partir de 1998,

atraindo atenção do grande público à plataforma, independente do conteúdo publicado junto a um

dos primeiros artigos sobre a ascensão do fenômeno na revista eletrônica Salon.com.103 Nele,

Rosenberg expressa surpresa ao perceber o quanto os ainda chamados “weblogs” se aproveitavam

dos links para dar o mínimo de ordem ao caos instaurado pela livre criação na internet, enquanto a

imprensa tradicional via o ato de dar links para conteúdos externos aos seus como algo ruim.

O caso brasileiro aconteceu três anos depois, em 2001, e serviu mais à popularização dos

blogues do que como gatilho de uma crise política – a situação explorava, e não iniciava, uma. Em

junho, Sérgio Faria, do Catarro Verde, acusaria o então senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-

BA) de plagiar trechos inteiros de uma fala de outro político brasileiro no seu discurso de renúncia

após admitir que havia fraudado o painel de votação do Senado104 quando era presidente da casa

para descobrir quais senadores haviam votado contra e a favor da cassação do também senador Luiz

Estevão (PMDB-DF).

As palavras em muitos dos momentos de maior impacto da renúncia do senador baiano

pertenciam, na verdade, ao deputado federal Afonso Arinos de Melo Franco (UDN-MG). No seu

102 http://www.drudgereportarchives.com/data/2002/01/17/20020117_175502_ml.htm. (Acesso em 25 de outubro de

2009) 103 http://www.salon.com/tech/col/rose/1999/05/28/weblogs/index.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 104 http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u20590.shtml. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

discurso, feito 15 dias antes do suicídio do então presidente Getúlio Vargas, Arinos protestava

contra o assassinato do major da Aeronáutica, Rubens Floretino Vaz, e pedia a renúncia de Vargas.

Caralho! Descobri que nem mesmo no discurso de renúncia o ACM foi honesto: plagiou um discurso do Afonso Arinos, da antiga UDN, em que este pedia a renúncia de Getúlio Vargas após o famoso atentado a Carlos Lacerda na Rua Toneleros (RJ). O discurso está no livro/álbum Grandes Momentos do Parlamento Brasileiro (Senado, 1998, vol. 1, pg. 16 e CD correspondente) e foi copiado sem que o pilantra citasse a fonte. Detalhe: a apresentação desse livro/álbum foi feita pelo próprio ACM, em 98. Muita cara-de-pau. O plágio começa já no primeiro parágrafo do discurso de renúncia. (FARIA, 2001).105

FIGURA 17: post do Catarro Verde, de Sérgio Faria, acusando o plágio do então senador Antônio Carlos Magalhães

(PFL-BA). Reprodução

O post, então, trazia na íntegra dois trechos, praticamente semelhantes, escrito por Afonso e

usado por ACM. Mais que isso: a descoberta do Catarro Verde fez com que veículos da imprensa

tradicional estabelecida apontassem também outros plágios de ACM em seu discurso de renúncia106

- o trecho que cita o diplomata Joaquim Nabuco vem, originalmente, de outro discurso do deputado

federal mineiro, revelou na semana seguinte O Estado de São Paulo107.

O Catarro Verde, porém, não foi o primeiro veículo a divulgar o plágio. Quatro dias antes do

post de Sérgio, o jornal paulista Diário Popular revelava que o senador havia copiado conteúdo de

Arinos, sem, porém, comparar na íntegra os trechos que apontavam o plágio ou oferecer o áudio do

105 http://www.catarro.blogspot.com/2001_06_01_archive.html#3932361#3932361. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 106 http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u20577.shtml. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 107 http://www.estadao.com.br/arquivo/nacional/2001/not20010606p38198.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

discurso, como fez posteriormente Sérgio. A divulgação do post do Catarro Verde na lista de

discussão Palíndromo, da qual participava o apresentador Marcelo Tas.

O clipping registrado nos dias seguintes no próprio Catarro108 fala por si: após a publicação

no blogue, o programa de TV Vitrine, da TV Cultura, comandado pelo apresentador Marcelo Tas,

deu projeção às acusações, fazendo com que jornais, revistas e outros programas de TV citassem o

trabalho de Sérgio.

Vale notar que, mesmo quase dois anos após a primeira vez em que o termo “weblog” foi

citado, a maioria esmagadora dos veículos brasileiros que acusaram o plágio de ACM usando o post

de Sérgio como base classificavam o Catarro Verde como “site” ou “diário”, decorrência direta do

infeliz uso de metáforas na classificação inicial dos blogues pela mídia estabelecida que Boyd

aborda.

A visibilidade dos blogues no Brasil também tem relação intrínseca com a centralização do

desenvolvimento do fenômeno dentro dos portais, como já explicitado entre as ferramentas

oferecidas aos brasileiros. A maneira pela qual portais adotaram como blogueiros jornalistas ou

personalidades vindas de outras mídias já populares, como TV, rádio e jornal, mostra como, no

Brasil, a popularidade dos blogues é decorrência direta da alta penetração de mídias analógicas.

Outros marcos da blogosfera brasileira passam por portais. Em janeiro de 2003, os blogues

de relativo sucesso Mundo Perfeito, de Daniela Abade, e Eu Hein, de Nelito Fernandes, começam a

ser hospedados e divulgados pelo Terra. Pelo acordo firmado, o portal espanhol bancava os custos

de hospedagem de ambos os blogues e dividia com eles a receita dos banners de publicidade.

O acordo possibilitou que Fernandes se tornasse o primeiro blogueiro brasileiro a receber

algum dinheiro por causa do seu blogue. Em registro feito pela jornalista Cora Ronai em abril de

2003109, Fernandes recebeu um cheque de 1,5 mil reais pela veiculação de publicidade de empresas

como GM, Fiat, Editora Globo e Brasil Telecom no seu Eu Hein, blogue especializado em piadas

visuais.

108 http://www.catarro.blogspot.com/2001_06_01_archive.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 109 http://cora.blogspot.com/2003/04/meu-blog-meu-tesourofinalmente-algum.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

A entrada do UOL no setor de ferramentas de publicação decorre do pedido do apresentador

Marcelo Tas que o portal criasse um serviço “a toque de caixa” para ele. A ferramenta criada para o

Blog do Tas foi a base do UOL.

A postura pode ser ainda observada na maneira como portais (iG, principalmente) procuram

blogues relevantes em suas respectivas categorias para acordos de parceria publicitária: o portal usa

a audiência dos blogues para entregar anúncios publicitários, que rendem quantias variadas aos

blogueiros. Exemplos incluem Jovem Nerd, Brainstorm #9, Tiago Dória e InterNey Blogs no iG,

Jacaré Banguela e Instante Posterior na Globo.com e MacMagazine, Goma e Zumo no UOL.

Pode-se argumentar que o tratamento dado a jornalistas experientes como blogueiros

(observado facilmente na maneira como jornais distribuem blogues para repórteres relevantes ou

editorias inteiras) criou uma “barreira simbólica” no tratamento de notícias jornalísticas inéditas,

conhecidas como furos no meio: a blogosfera brasileira não criada dentro das redações quase não

tem furos jornalísticos para se gabar, ao contrário da norte-americana.

Em enquetes verbais conduzidas durante a pesquisa desta dissertação com blogueiros

brasileiros, o fato jornalístico de maior relevância nascido da blogosfera citado com maior

frequência foi a descoberta da garota de programa Bruna Surfistinha pelo blogueiro (e também

jornalista de redação) Pedro Doria, dentro do finado site No.com.br. Após ser descoberta por Dória

como a mais popular no site de relacionamentos GP Guia110 (voltado à classificação de garotas de

programa), Bruna se tornou presença frequente em reportagens de jornais e canais de TV e rádio,

escreveu dois livros e será tema de um filme, inspirado livremente em ambas as obras.

A própria adoção inicial dos blogues por jornalistas tem relação direta com as redações – foi

a já citada Cora, então editora de tecnologia do jornal carioca O Globo, a primeira jornalista

brasileira a ter um blogue. O InternETC nasceu em agosto de 2001 dentro do Blogger como forma

de Cora abordar assuntos relacionados à tecnologia que não cabiam em sua função n'O Globo,

como comentar a participação do presidente da Microsoft, Steve Ballmer, no programa Roda Viva,

110 http://www.gpguia.net/phpbb/phpbb2/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)

da TV Cultura111.

O internETC começou como um blog principalmente de tecnologia, em que eu reunia notas publicadas no Globo Online com observações sobre a vida em geral e sobre os gatos em particular. Com o tempo virou uma espécie de diário virtual. Não quis incorporá-lo ao site do Globo porque gosto de atualizá-lo com fotos em tempo real, e testar umas brincadeiras de vez em quando, e a ferramenta do jornal é mais fechada, por questões de segurança. (RONAI, 2009).

Se nos Estados Unidos temos exemplos de blogueiros que foram adotados por veículos

tradicionais como Ana Marie Cox, ex-editora do blogue político Wonkette contratada pela

tradicional revista Time para editar sua sessão online de política, ou Michael Arrington, cujo

TechCrunch fechou contrato de licenciamento de conteúdo com o jornal Washington Post, no Brasil

a relevância jornalística de blogues mantidos não por jornalistas experientes é bastante

questionável.

Por outro lado, são variados os exemplos daqueles que, projetados por seus blogues, foram

empregados em programas de TV com viés humorístico, como é o caso de Antônio Tabet,

responsável pelo Kibe Loco (colaborador do Caldeirão do Huck, na TV Globo) ou Marco Aurélio,

responsável pelo Jesus Me Chicoteia (redator do CQC, na TV Bandeirantes). Não que não existam

exemplos da transição jornalística: a fictícia Jackie Miller (codinome de Flávia Cintra) levou seu

Jackie Miller Conta para o tradicional Jornal do Brasil em junho de 2001, assinando a coluna

Conexão Blogger, na editoria chamada Internet. Blogue e coluna condensavam notinhas sobre

blogueiros em uma espécie de coluna social da blogosfera.

A visibilidade dos blogues no Brasil foi ajudada também pela veiculação na grande mídia de

casos envolvendo tanto problemas na justiça com blogueiros como iniciativas que exploram

comercialmente os blogues. Pelo primeiro, os exemplos mais retumbantes são o do Bangu1 (já fora

do ar), criado pelos amigos Derly Prado, Diego Lopes e Lúcio Leonardo, e do Imprensa Marrom,

criado em 2001 pelo advogado Fernando Gouveia.

Em fevereiro de 2004, a Justiça do Rio de Janeiro tirou do ar o blog satírico, criado em

111 http://cora.blogspot.com/2001/08/steve-ballmer-melhor-do-que-encomenda.html (Acesso em 25 de outubro de

2009)

HTML pelos três amigos, alegando que a publicação de posts que satirizavam a crise na segurança

pública carioca, assinados pelos blogueiros “Elias Eunuco", “Ranca Toco” e “Paraíba Ninja” se

encaixava nos crimes de apologia e formação de quadrilha e bando. A ideia do blogue, segundo

Lúcio, nasceu após a rebelião dentro do Bangu1, quando o traficante Fernandinho Beira-Mar

comandou o motim por 23 horas para assassinar quatro rivais e deveria dar a satírica impressão que

detentos conseguiam manter o blogue a partir da prisão de segurança máxima.

A decisão de cassar o blogue, proferida pela delegada Beatriz Senra Calmon Garcia, da

Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), era desdobramento direto da

insatisfação da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, que acusou o blogue de

“apologia ao tráfico de entorpecentes, bem como [veiculação de] notícias de Bangu 1 e

possibilidade de contatos com os internos via e-mail". A acusação do Estado do Rio de Janeiro

continha ainda termos inadequados para a área em que se arriscava, como a indicação de que o

Bangu1, “estando hospedado em servidos [sic] nos Estados Unidos", oferecia links para

fornecedores de drogas internacionais. Dois meses após ser bloqueado, em 5 de abril de 2004, o

Bangu1 voltou ao ar por decisão da juíza Sirley Abreu Biondi, da 21ª Vara Criminal do Rio de

Janeiro, que cancelava a ação judicial original112.

Em 2004, uma decisão da Justiça tirou o Imprensa Marrom do ar pela publicação de um

comentário anônimo que ofendia nominalmente o sócio de uma empresa de recrutamento. A crítica

acontecia no post em que Gouveia, sem citar nomes, atacava os métodos usados por serviços de

recrutamento que supostamente prometiam vagas milagrosas. O post foi ao ar em janeiro de 2004,

mas a decisão da Justiça (e a consequente desconexão temporária do blog) aconteceu apenas em

setembro.

Ao serviço colaborativo brasileiro Overmundo, Gouveia explica o problema:

A liminar tirou do ar não somente a janelinha de comentários, mas todo o conteúdo do blogue, inclusive o texto que denunciava o “Golpe do RH”. Recorremos da decisão, mas ainda assim excluímos o tal texto bem como os respectivos comentários. O Tribunal de Justiça, nessa ocasião, concordou que o blogue poderia voltar a funcionar. Mas o processo

112 http://www.conjur.com.br/2004-abr-13/blog_satirico_volta_ar_determinacao_judicial (Acesso em 25 de outubro de

2009)

se manteve. Apenas agora, na metade de 2006, saiu da decisão de primeira instância. Nem houve audiência! E fomos condenados a pagar dez salários mínimos de indenização. (GOUVEIA, 2004)113.

O processo envolvendo Gouveia não foi o primeiro, mas trouxe mais visibilidade à questão

dos direitos individuais dos blogueiros frente à Constituição. Em março, Alessandra Félix, do

Amarula com Sucrilhos, foi ameaçada pela fabricante da bebida alcoólica usada no título do seu

blogue e resolveu alterá-lo para Licor de Marula com Flocos de Milhos Açucarados.

Nos anos seguintes, o Brasil envolveu outros blogueiros em ações legais, menos noticiados

que o caso do Imprensa Marrom pelo pioneirismo da situação, como os processos movidos

separadamente pelos jornalistas Políbio Braga114 e Felipe Vieira115 contra o blogue político A Nova

Corja, a ação ganha pelo senador José Sarney (PMDB-AP) contra a blogueira Alcinéa

Cavalcante116 ou o processo iniciado por Rosana Hermann117 contra um comentarista anônimo em

seu próprio blogue, o Querido Leitor, após a publicação de acusações antissemitas.

Há um ponto de contato entre os casos envolvendo a justiça e a euforia ao redor das formas

de se ganhar dinheiro com blogues: Edney Souza.

Simultaneamente às ameaças feitas a Alessandra, o Interney, blogue criado pelo

programador em 2001, recebia ameaças do suposto responsável por uma empresa de recrutamento

envolvendo um processo avaliado em um milhão de reais após a publicação de um post sobre o mau

atendimento a consumidores por (assim como o Imprensa Marrom) empresas de recolocação

profissional.

Atento ao crescente interesse de usuários novatos na criação de blogues, Edney criou uma

série de perguntas e respostas básicas sobre a plataforma que deu o nome de BlogFAQ e começou a

se popularizar organicamente entre quem queria começar um blogue. A popularidade através do

boca a boca levou a um número de links que deu ao BlogFAQ relevância no algoritmo do Google,

113 http://www.overmundo.com.br/overblog/como-meu-blog-foi-condenado-por-um-comentario-1. (Acesso em 25 de

outubro de 2009) 114 http://www.novacorja.org/?page_id=4145 (Acesso em 25 de outubro de 2009) 115 http://www.novacorja.org/?p=4991 (Acesso em 25 de outubro de 2009) 116 http://alcinea-cavalcante.blogspot.com/2007/08/sarney-na-veja-o-santinho.html (Acesso em 25 de outubro de 2009) 117 http://idgnow.uol.com.br/internet/2007/10/31/idgnoticia.2007-10-31.5043639670/ (Acesso em 25 de outubro de

2009)

fazendo com que o conteúdo aparecesse nas primeiras posições de buscas envolvendo dúvidas sobre

blogues.

A avalanche de acessos que Edney registrava à medida que a inclusão digital avançava foi

suficiente para se traduzir em receita mensal quando o programador começou a colocar as primeiras

publicidades no InterNey – no final de 2003, os gastos com servidor tinham se tornado altos demais

para um blogue pessoal feito nas horas vagas. Com a publicação de outros conteúdos de alto

potencial para atrair audiência (além do BlogFAQ, Edney cita seu gerador de números para

MegaSena e testes gerais como “minas de ouro dos cliques”), a monetização do InterNey se tornou

um processo trivial e bastante lucrativo.

A lucratividade do InterNey atingiu o ponto, em 2005, em que o salário de Souza como

gerente de sistemas da Divicom era menor do que a receita publicitária vinda do blogue. Edney

abandonou seu emprego118 e ganhou destaque na mídia especializada, transformando-se em

referência para qualquer recém-iniciado com ideia de montar um blogue com o propósito de

acumular dinheiro. Ainda que seja arredio a números, o programador admite que seus atuais ganhos

mensais apenas com a publicidade no InterNey está na casa das dezenas de mil reais.

O pioneirismo fez com que Edney se envolvesse com outros dois empreendimentos

comerciais relacionados a blogues: o InterNey hospedou o primeiro aglomerado de blogues com

modelo de negócios do Brasil, o Interney Blogs, atraindo blogueiros para um acordo de partilha que

garante 80% da receita publicitária ao autor do blogue; os 20% restantes ficam com a agência. Na

outra ponta, Edney se aliou a Alexandre Inagaki, Mário Soma e Gustavo Jreige para montar a

Pólvora, uma entre tantas agências de comunicação desenvolvidas a partir de 2007 para tentar lucrar

com o fenômeno crescente dos blogues no Brasil, mediando o interesse de empresas em atrelarem

suas marcas a blogueiros – outros exemplos englobam Riot, Frog, LiveAD, Sync, Dudinka,

Cubo.CC e Garage Interactive. A exploração comercial dos blogues pautou a abordagem

excessivamente marqueteira em campanhas que, em sua maioria, adotaram blogueiros como forma

118 http://www.teras.com.br/archives/2006/01/18/entrevista-com-edney-interney-souza/. (Acesso em 25 de outubro de

2009)

de propagandear uma marca.

A decorrência direta dessa abordagem exageradamente promocional fez com que muitas

marcas contratassem consultorias para a realização de eventos envolvendo blogueiros

caracterizados mais pelo oba-oba de ofertas nababescas, como passeios de helicópteros (LG),

caronas de limusine para bares (Absolut) ou viagens para balneários (prefeitura de Porto de

Galinhas), do que pela abordagem mais centrada em um conteúdo no qual blogueiros poderiam se

basear para posts próprios.

Adoção corporativa

A abordagem excessivamente promocional pelas empresas a blogueiros tem relação direta

com a adoção semelhante que as próprias companhias fazem dos blogues como veículos de

comunicação. Na comparação com os Estados Unidos, o uso corporativo de blogues no Brasil tem

uma postura ainda mais marqueteira que nos Estados Unidos – em ambos, o uso promocional é

sempre o mais popular, defende Cipriani (2006).

Se você olhar mais de perto verá que existem blogs menos direcionados para marketing, olhando outros lados da empresa. Também existem mais blogs com discurso de alguém de dentro da empresa de forma transparente. Eles vêem os blogs como assunto sério de comunicação em comunidade. No Brasil, de lado algumas exceções, se vê os blogs como mais uma oportunidade para vender mais. (CIPRIANI, 2009).

No Brasil, a postura corporativa “engessa” o uso comunicacional da plataforma,

transformando os blogues em mais um veículo para divulgação unilateral de anúncios da

companhia, ao invés de incentivar a interação entre instituição e consumidor. Responsáveis por

blogues corporativos no Brasil respondem aos comentários publicados sem “muita conversa, uma

interação simples e basta”. Cipriano explica a especificidade nacional pela “maioria dos blogs (no

Brasil) continuar sendo de uma empresa para pessoas e não de pessoas para pessoas” (2009).

O primeiro blogue usado como veículo de comunicação corporativa foi o criado por Dave

Winer para divulgar novidades da sua empresa, a UserLand. Dada a especialização da empresa, não

havia canal melhor – a UserLand é, até hoje, responsável pelas ferramentas de publicação Frontier e

Manila que também permitem a criação de blogues. O blogue da UserLand119 foi criado

simultaneamente ao lançamento do blogue pessoal de Winer, o ScriptingNews, quando nem o termo

“weblog” (e sua consequente diminuição “blog”) havia sido cunhado.

O primeiro diretor geral de uma empresa a criar um blogue para discutir a estratégia

corporativa tanto com funcionários quanto com o mercado é Jonathan Schwartz, então presidente da

Sun Microsystems, que publicou seu primeiro post em 28 de junho de 2004, apresentando três

razões para começar um blogue.

Porque estou fazendo isso, começando um blogue? Primeiro, sou um grande apoiador da ideia que inovação é autossustentável quando perde sua previsibilidade. Imaginei que faria minha parte para promover a autossustentação. Segundo, para mudar o formato e fidelidade com a qual o que eu digo é transcrito. Sem mais comentários de comentaristas “sob contexto”. Agora, você terá tudo a partir de mim. Terceiro, para ter respostas diretas da comunidade. (…) Eu prometi ouvir – de todos os constituintes servidos (clientes, acionistas, desenvolvedores, consumidores, fornecedores... todos). (SCHWARTZ, 2004).120

Em 2006, ao assumir o cargo de Chief Executive Officer (CEO) da Sun, Schwartz garantiu

que o hábito de publicar posts analisando a estratégia da Sun e adiantando novidades da empresa

continuaria.

Para responder ao óbvio, àqueles que perguntaram se, 'como CEO, eu continuarei blogando?. Absolutamente sim – conte com isso. (Nós agora seremos a única empresa no (ranking da revista) Fortune 500 com um CEO que bloga – o primeiro de muitos por vir). É apenas uma das muitas maneiras para virar a Sun do avesso – no nosso caminho para aumentar nosso valor (não apenas em receita e lucro). (SCHWARTZ, 2006).121

Pouco antes de Jonathan, o Brasil viu seu primeiro blogue corporativo – em maio de 2004

entrava no ar o Blog de Guerrilha, blogue criado pela agência de comunicação digital especializada

em campanhas virais Espalhe. Em junho de 2005, a Procter & Gamble colocou no ar o Blog da

Mamãe Pampers, reunindo conteúdos informativos para gestantes, centrado em sua popular marca

de fraldas e permitindo a interação entre as mães leitoras. O viés promocional está presente aqui

pelo fato de o blogue, após ganhar relativa visibilidade tanto pelo caráter pioneiro como pela

qualidade do conteúdo, ter sido tirado do ar pela companhia.

119 http://blog.userland.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 120 http://blogs.sun.com/jonathan/entry/200406180. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 121 http://blogs.sun.com/jonathan/entry/sunlight_is_the_best_disinfectant. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

Meses depois, veríamos o primeiro blogue promocional criado sem que tanto a empresa

contrante como a agência responsável admitissem a campanha publicitária: criado para um serviço

de pôquer, o 10anosa1000.com foi bolado pela Espalhe122 e envolveu até a distribuição de notas de

um real na Avenida Paulista em agosto de 2005 pelo blogueiro Kid (a conta de Kid no serviço de

fotos Flickr continua ativa.123 Assim como o Blog da Mamãe Pampers, o 10anosa1000.com saiu do

ar logo após ganhar espaço em veículos tradicionais, como o portal Terra124 e o jornal O Globo.

Um mês depois do CEO da Sun discutir os hábitos relativos ao seu blogue após a promoção,

o Brasil teve seu primeiro diretor geral a ter um blogue. Em 4 de abril de 2006, o então CEO do

HSBC no Brasil, Emílson Alonso, ouviu conselhos da filha e, após se filiar às comunidades

relativas ao banco na rede social Orkut, criou um blogue na internet para discutir decisões da sua

gestão com os cerca de 27 mil funcionários brasileiros do HSBC. No primeiro mês, o blogue de

Alonso ultrapassou os 41 mil acessos e registrou cerca de 1,1 mil comentários em seus posts,

segundo o boletim Comunicação Empresarial número 59125. Em agosto de 2006, o Brasil ganhou

sua contrapartida a Schwartz – Stelleo Tolda, diretor geral do serviço de leilões Mercado Livre,

iniciou seu Mlog126 no serviço online Wordpress, ao contrário dos CEOs tanto da Sun como do

HSBC, em 23 de agosto de 2006 destacando a política do que chamou de “site” com preceitos como

“não apagaremos comentários”, “seremos transparentes”, “responderemos a comentários” e

“faremos referências a fontes originais”.

4. Estudos de caso

A última parte desta dissertação analisará três blogues com diferentes posturas frente à

interação com as comunidades que se criaram ao redor de seus conteúdos. As análises contarão com

122 http://www.blogdeguerrilha.com.br/2005/08/31/a-guerrilha-do-ano/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 123 http://www.flickr.com/photos/10anosa1000/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 124 http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI653197-EI306,00.html. (Acesso em 25 de

outubro de 2009) 125 http://francisco.pro.br/aulas/mod/resource/view.php?inpopup=true&id=126 (Acesso em 25 de outubro de 2009) 126 http://mlonlinegeneration.wordpress.com/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

entrevistas com os fundadores e mantenedores dos blogues, traçarão o histórico de cada um deles,

analisarão alguns dos conceitos expostos no subcapítulo referente às práticas dos blogues e se

concentrarão nas formas pelas quais se dá a interação entre blogueiros e leitores e a influência que

estes têm sobre aqueles.

Os blogues que serão analisados são: Para Francisco127, criado e mantido pela designer

mineira Cristiana Guerra; Correndo Atrás128, criado e mantido pelo subeditor de arte Mario

Guilherme de Vasconcelos; e AllesBlau129, criado pela publicitária catarinense Juliana Maria e

mantido por um grupo de colaboradores.

127 http://parafrancisco.blogspot.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 128 http://colunas.globoesporte.com/correndoatras (Acesso em 25 de outubro de 2009) 129 http://allesblau.net/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)

FIGURA 18: reprodução da página inicial do blogue Para Francisco

(http://parafrancisco.blogspot.com).

4.1 - Para Francisco

Entre os três blogs estudados nesta dissertação, é seguro afirmar que o Para Francisco é o

que tem a maior capacidade de atrair uma comunidade, embalado nos relatos altamente emocionais

da designer Cristiana Guerra, mas, contraditoriamente, é o que menos explora o interesse de seus

leitores para publicar seus posts. A produção do Para Francisco é estritamente individual e pessoal.

Nascido em julho de 2007, o Para Francisco é produto direto de uma perda: em 17 de

janeiro de 2007, o namorado de Cristiana, o também designer Guilherme Fraga, sofreu morte

súbita. No vai e vem de um namoro instável que já durava sete anos, Cristiana engravidou. Dois

meses antes de nascer, Francisco (se fosse menina, Cora seria seu nome) perdia o pai. A descrição

feita por Cristiana para o blogue sintetiza a situação.

Um homem tem morte súbita, dois meses antes do nascimento do seu único filho. Assim nasce este blog. Tentando entender e explicar dois sentimentos opostos e simultâneos vividos pela viúva e mãe que, no caso, sou eu. Muitos questionamentos. Muitos raciocínios. Muito aprendizado. E uma pressa em falar para o Francisco sobre seu pai, sobre o mundo e sobre mim mesma (só por garantia). (GUERRA, 2007)

O Para Francisco é o relato sem edição ou intermediários de uma mulher posta em uma

situação difícil que resolveu apelar para o blogue não apenas como forma de reconstruir a imagem

de Guilherme, enquanto o filho crescesse, mas também para que a grande carga emocional fosse

entendida pela designer por meio da escrita, em exemplo claro do que Nardi et. al. (2004, p. 9)

chamou de “pensar enquanto se escreve” – é vantajoso trabalhar questões emocionais por meio de

um blogue, argumenta a pesquisadora, pela presença de uma audiência “que ajuda a moldar a

escrita” e pelo arquivo.

Da maneira como foi criado, o blogue de Cristiana é uma réplica de um diário virtual, com

seu registro público da narrativa pessoal, com comentários habilitados e conteúdo que explora as

capacidades multimídias do hipertexto, como músicas disponíveis em outros serviços que a

blogueira insere em alguns posts – em alguns casos, posts são compostos apenas pela canção e um

breve comentário que a contextualiza. A interação é feita tanto pelos comentários como pela

listagem de blogues ou jornais e revistas que veicularam conteúdos sobre a experiência de Cristiana.

Fiz o blog no impulso. Eu escrevia muito sobre e para o Gui, depois da morte dele. Muita gente falava para eu criar um blog, mas eu não via muito sentido nisso. Quando o Francisco tinha 4 meses, voltei a trabalhar na agência em que eu tinha trabalhado com o Gui. E era uma data importante, 17/07/2007. Fazia 6 meses que ele tinha morrido, um ano que eu tinha descoberto a gravidez e seria o nosso aniversário de 2 anos de namoro. Achei a data muito significativa e escrevi para os amigos, mais uma vez, sobre ele. Mas usei uma figura de linguagem, escrevendo como se fosse para o Francisco. Resultado: nesse momento tive um insight de criar um blog com esse título. Um espaço virtual onde, quando eu quisesse, colocasse coisas que eu queria falar pra ele (ou, indiretamente, para o Gui). Foi então que inaugurei o blog (postei no dia seguinte o texto feito para os amigos) e abri uma torneira de onde saiu uma infinidade de textos, compulsivamente. Quando entendi para quem eu precisava falar, comecei a encontrar o caminho para dissolver minha angústia, essa angústia de ter o Francisco, mas não poder fazê-lo conhecer o pai sensacional que ele teve. (GUERRA, 2009).

O relato honesto e esmagadoramente íntimo em alguns momentos é atraente o suficiente

para que uma comunidade de leitores se forme ao redor do Para Francisco, que se expressa tanto

pelos comentários nos posts (independente do tamanho, há sempre dezenas deles em cada uma das

entradas publicadas) como na mobilização do público para os lançamentos que a editora ARX

promoveu em São Paulo e Belo Horizonte. O Para Francisco tem comentaristas costumeiros e os

encontros para o lançamento do livro, principalmente em São Paulo, foram momentos de contato

entre a blogueira oprimida pela perda do marido e o nascimento do filho e os leitores que se

identificavam ou se sentiam sensibilizados pelo contexto. Houve, inclusive, o encontro com uma

leitora, também viúva do marido, grávida e também chamada Cris, que a designer classifica como

um “abraço […] de um significado enorme”.

A comunidade do Para Francisco na rede social Orkut tem mais de 1,7 mil inscritos e, sem

a efetiva participação de Cris na maioria das discussões, atrai pessoas que dividem tragédias

pessoais, ainda que não envolvam filhos (afinal, a razão principal do blogue é recriar uma

identidade do pai para Francisco por meio das impressões da mãe, expressas em músicas e textos,

majoritariamente), como as leitoras Daniele e Roberta descrevendo em um tópico, iniciado em 18

de setembro de 2009130, a perda dos respectivos maridos.

Os cumprimentos durante o lançamento, a postura sempre solícita para entrevistas e

130 http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=60577605&tid=5382681211777466433&start=1 (Acesso em 25

de outubro de 2009)

participações em programas da mídia e a lista de blogues que citaram o Para Francisco, porém,

são as únicas formas de interação de Cris com a comunidade. No começo, ela relembra, tentou

responder todos os comentários, mas o volume se tornou tão grande que ficou impossível

estabelecer um diálogo. O diálogo do Para Francisco, segundo ela, “[...] era escrever, receber os

comentários e continuar escrevendo.”. Cris admite isso também ao justificar sua escolha pela

plataforma:

Eu precisava de um espaço virtual porque isso ampliava a minha possibilidade de postar de mais lugares e em quaisquer circunstâncias. E o fato de ser público agradava, como uma espécie de grito para o mundo, um desabafo mesmo. Não pensava que as pessoas leriam, a não ser os amigos. E estes quase não leram, porque já tinham sofrido demais com o assunto. (GUERRA, 2009).

O desinteresse da blogueira em conhecer demograficamente sua audiência (algo necessário

àqueles que pretendem procurar anunciantes, como forma de indicar quais públicos a publicidade

pode atingir naquele espaço) fica claro também em sua descrição do perfil médio do Para

Francisco: “atinjo mais as mulheres e tenho um impacto grande nas pessoas não intelectualizadas”.

Não há posts no Para Francisco inspirados em materiais enviados, opiniões ou relatos pessoais dos

comentaristas. Os comentários apoiam a blogueira, mas não influenciam o conteúdo que ela

escreve. Desde seu começo, o blogue serve ao propósito original de recriar a imagem de um pai

ausente para um filho em crescimento e ajudar a mãe que conecta ambos em assimilar a torrente

emocional. Se levarmos em conta o modelo de tipificação proposto por Primo (2008), trata-se de

um blogue pessoal auto-reflexivo, uma emulação do diário pessoal em ambiente digital com o

mínimo de sociabilidade.

E é exatamente por seguir sua proposta original que o Para Francisco está prestes a ser

encerrado. A blogueira admite que “o blogue está quase em extinção, porque o principal já foi dito”.

Um terceiro blogue (Cris ainda tem o Hoje vou assim, em que, metodicamente, registra em fotos e

descreve as roupas com que vai trabalhar diariamente), o Amor e ponto foi criado “para me

desvincular da escrita relacionada à perda e para exercitar uma possível literatura”. O ritmo de

atualização, antes compulsivo, foi minguando conforme a perda do marido, seguida do nascimento

do filho, se popularizou mediante as confissões feitas pela blogueira no espaço.

Hoje percebo que o blog tinha um tempo dele, os dois anos em que postei compulsivamente até publicar o livro e alguns meses depois da publicação, tempo em que, acredito, postei textos melhores, num momento mais maduro como escritora. Mas o blog continua lá, para quem quiser descobri-lo agora. Pode não fazer tanto sentido para mim, mas vai fazer para algumas pessoas que precisarem ou forem tocadas por ele. (GUERRA, 2009).

FIGURA 19: reprodução da página inicial do blogue Correndo Atrás (http://colunas.globoesporte.com/correndoatras)

4.2 - Correndo Atrás

O Correndo Atrás nasceu de um projeto, pensado pela Rede Globo e pelo

Globoesporte.com, sua operação de jornalismo online, de acompanhar a rotina de um sedentário nos

meses que antecediam uma corrida de rua, como forma de prestigiar um esporte que, segundo a

empresa, é o que mais cresce e já aparece como segunda modalidade mais popular do Brasil. A ideia

de explorar o formato do blogue para acompanhar o desenrolar do treinamento do sedentário partiu

do subeditor de arte da Globo.com, Mario Guilherme de Vasconcelos. Como nenhum jornalista da

redação da Globoesporte.com se interessou pelo projeto, Mario Guilherme, ele mesmo um

sedentário e com peso acima do recomendado, aceitou assumir o desafio.

Nota-se aqui uma diferença fundamental entre o Correndo Atrás e os outros dois blogues

analisados nesta dissertação, o Para Francisco e o AllesBlau. Enquanto ambos foram criados como

escapes no desdobramento de duas situações específicas (a perda do marido e iminente nascimento

do filho no Para Francisco e a organização de um fluxo caótico de informações sobre a tragédia em

Santa Catarina no AllesBlau), o Correndo Atrás foi um projeto pensado corporativamente para

atingir um público específico, valorizando a modalidade para popularizar o conteúdo online do

Globo Esporte dentro daquele grupo demográfico.

Ainda que sirva aos objetivos estipulados por Mario Guilherme no vídeo de apresentação do

blogue (perder 30 quilos em oito meses para correr 10 quilômetros em uma prova de rua em

dezembro), o Correndo Atrás tem outro objetivo maior que obedece à estratégia da empresa

responsável pelo projeto. Se considerarmos a tipificação de Primo (2008) analisada no capítulo

dois, o Correndo Atrás poderia ser qualificado como um blogue pessoal autorreflexivo, já que o

blogue serve de mídia para que o blogueiro detalhe, descreva, analise e critique atividades próprias.

Aqui, vale a mesma observação feita a respeito dos jornalistas que mantêm blogues dentro das

versões online de jornais e revistas: o conteúdo está sujeito às decisões do blogueiro, muito embora

o veículo possa ser considerado componente de uma estratégia maior (o que pode fazer com que seu

conteúdo seja passível de interferência ou edição por parte da direção da empresa).

O Correndo Atrás nasceu em 12 de abril de 2009, esclarecendo informações básicas sobre o

blogueiro, que se apresenta em um vídeo mantido constantemente na capa do blogue. No começo

do blogue, Mario tinha 130 quilos. Pretendia atingir os 100 quilos até o final do ano. A perda

ajudaria a se condicionar para começar a correr – até então, o subeditor não mantinha qualquer

rotina esportiva.

Os posts do Correndo Atrás se destacam por um profissionalismo envolvendo imagens e

vídeos não muito comum de se encontrar em outros blogues. Seja por explorar a estrutura tanto da

Globo.com como da Rede Globo ou pelo simples fato do blogueiro trabalhar com design digital, o

Correndo Atrás acumula vídeos constantes com boa captação e montagem, tabelas que detalham

tanto o cardápio como o ritmo de exercícios da semana, gráficos que apontam a evolução na perda

de peso de Mario e montagens de fotografias nos percursos ou nas pesagens que, ainda que simples,

deixam o visual do blogue mais agradável e facilitam a leitura.

Como parte de um projeto que envolve também a Rede Globo, o Correndo Atrás tem vídeos

semanais de cerca de cinco minutos veiculados no jornal matutino Bom Dia Brasil, da TV Globo.

Os boletins semanais se focam em aspectos do treinamento de Mario, como o bem-estar com roupas

mais folgadas ou a primeira corrida sem interrupções ao redor do estádio do Maracanã, deixando

para o blogue o detalhamento metódico da rotina.

Tecnicamente, o Correndo Atrás usa uma versão da plataforma aberta WordPress

“personalizada para nossas necessidades”, após a Globo.com abandonar o desenvolvimento de sua

ferramenta própria, chamada Globolog, em julho. A mudança é qualificada pelo blogueiro como

“um grande salto qualitativo”. Mesmo que seja um projeto corporativo adotado por Mario, o

Correndo Atrás não é sua prioridade, algo que afeta diretamente o ritmo de atualização do blogue.

Por mais que admita que “o ideal seria que as atualizações fossem diárias”, Mario lembra que “não

posso deixar de fazer as coisas para as quais de fato sou pago”, o que diminui as atualizações para

cerca de quatro por semana. A atualização em segundo plano tem outra consequência: de junho a

outubro, foram nove posts exclusivamente para justificarem o atraso na publicação dos conteúdos.

O conteúdo publicado no Correndo Atrás pode ser classificado em 12 categorias: Dia a dia,

Treinamento, Nutrição, Percurso, Saúde, Acessórios, Depoimentos, Motivacionais, Planilhas,

Pesagem, Meu Time e Bom Dia Brasil. A atualização das categorias não é regular: enquanto Meu

Time, onde Mario traça perfis dos profissionais envolvidos em seu treinamento (uma professora de

educação física, uma nutricionista e uma fisioterapeuta até o final de outubro de 2009), tem apenas

três posts, Pesagem, Dia a dia e Treinamento representam dezenas dos posts, principalmente por

acompanharem os principais momentos da rotina de Mario. Todas as categorias tentam cobrir os

diferentes aspectos do treinamento: posts em Planilhas reproduzem tabelas que conduzem os treinos

semanais, enquanto Nutrição apresenta a seleção de pratos da nutricionista, Acessórios fala sobre

roupas e tênis que um corredor amador deve ter e Percurso qualifica espaços públicos no Rio de

Janeiro (onde Mario mora) para se praticar corrida de rua, como o Recreio dos Bandeirantes, a praia

de Copacabana e o Aterro do Flamengo.

Quando falamos sobre interação, o Correndo Atrás é o blogue analisado nesta dissertação

com a melhor projeção para atrair uma comunidade que se interesse pelo assunto tratado. Em 21 de

abril, Mario colocou no ar um post pedindo que leitores enviassem histórias pessoais semelhantes,

em que sedentários recorriam à corrida como forma de melhorar suas vidas. A categoria

Depoimento agrupa este material: dos oito posts da categoria até 24 de outubro, quatro relatavam

histórias de leitores, com fotos comparando a estrutura física antes e depois da adoção do esporte,

como os casos do fotógrafo Frederico Busch (em três anos, seu peso caiu de 126 quilos para 83

quilos), do estudante Thiago Sebba (em menos de dois anos, emagreceu 53 quilos com corrida e

reeducação alimentar) e de Diogo Antônio Soares (seu peso caiu de 165 quilos para 75 quilos após

operação de redução de estômago e treinos para corridas de rua). Vale notar que nestes quatro

depoimentos dos leitores, publicados no Correndo Atrás, os comentários obedecem todos a um

mesmo padrão: felicitações e congratulações ao leitor retratado pelas profissionais envolvidas no

treinamento de Mario, inclusive. O envio de depoimentos levou à criação de laços entre Mario e

alguns dos leitores.

Recebo as histórias por email. Esses depoimentos são muito importantes para criar outros exemplos e assim aumentamos a chance das pessoas se identificarem com o projeto. Posteriormente comecei a falar com algumas pessoas desses depoimentos pelo e-mail e MSN e hoje já somos até amigos. (VASCONCELOS, 2009).

Os quatro posts restantes na categoria Depoimentos englobam outras formas de interação

com a comunidade, sem a identificação imediata com o projeto do designer, como o depoimento de

um senhor de 69 anos que Mario considera inspiração e um bate-papo virtual do qual participou,

assim que o quadro do Bom Dia Brasil estreou, em 30 de junho. Vale destacar que, nas palavras de

Mario, a cada veiculação do boletim no jornal da TV Globo, “o telefone aqui de casa não para de

tocar. E as mensagens, por sua vez, não param de chegar… um montão de gente dando força e

pedindo ajuda”. Potencializada pela aparição na televisão, a audiência do Correndo Atrás atrai

pessoas que “já passaram por experiências parecidas com a minha e que aparecem para dar força e

gente que passou a correr incentivada pelo blog. Enfim, gente que já corria antes e que passou a

correr agora”, além daqueles que ainda não conseguiram “sair do sofá também”.

Ainda que cubra um período de tempo específico (de abril a dezembro de 2009, quando

ocorre a prova de rua da qual pretende participar), o Correndo Atrás não deverá terminar no final do

ano, já que Mario tem planos de continuar tanto o treinamento como o blogue para tentar correr 21

quilômetros (metade de uma maratona) até o final de 2010.

FIGURA 20: reprodução da página inicial do blogue AllesBlau (http://allesblau.net/)

4.3 - AllesBlau

O AllesBlau nasceu da necessidade de cidadãos atingidos pelas fortes chuvas que

provocaram enchentes e 135 mortes em Santa Catarina, em novembro de 2008, organizarem o caos

em que se encontrava a divulgação de notícias durante a calamidade. O blogue nasceu em 22 de

novembro de 2008, às 19h20, após a primeira tarde em que o excesso de chuvas já provocava danos

a cidades do Estado de Santa Catarina, a partir de Blumenau, a cidade mais castigada pelas

enchentes.

Após ficar ilhada em um centro espírita com mais de 100 pessoas na tarde do dia 22, a

publicitária Juliana Maria da Silva conseguiu pegar o filho na casa dos seus pais no começo da noite

e ir para casa, em um bairro alto de Blumenau, não atingido pelos chuvas. Antes de sair às ruas,

soube pela rádio de um deslizamento ao lado do shopping da cidade que obrigou seu evacuamento.

Ao chegar em casa e ligar o computador atrás de informações sobre as fortes chuvas, não conseguiu

seu situar em um ambiente com “confusão e informações desencontradas”.

Nenhuma informação organizada, nada publicado em lugar nenhum. Os veículos tradicionais sem registro do que havia acontecido. Voltamos ao século passado. Uma mistura de surpresa e indignação me fez criar o AllesBlau [“tudo azul”, em tradução livre do alemão]. O nome pode até soar irônico, dada a situação atual. Mas a realidade é que naquele momento, nada mais sério havia acontecido (ainda). E o objetivo era (e ainda é) criar um canal de comunicação mais versátil para nossa cidade. (SILVA, 2008)131.

Nas horas seguintes, Juliana formatou um blogue no WordPress, plataforma escolhida por já

ser utilizada em seus blogues pessoais e por achar mais “profissional” que a rival Blogger (ela conta

já ter tido um blogue no serviço pioneiro, antes mesmo da aquisição da desenvolvedora Pyra pelo

Google, em 2003). A publicitária conversou com o amigo Fábio Ricardo, que acabou

posteriormente ajudando na atualização do blogue, mas no momento estava envolvido na remoção

dos móveis de famílias atingidas pelas enchentes em Blumenau. Às 19h20, o AllesBlau foi

131 http://allesblau.net/2008/11/26/antes-tarde-do-que-nunca/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

inaugurado com um post132 em que Juliana conta sobre as horas em que ficou presa no centro

espírita (com foto da água cercando o prédio) e sua jornada para buscar o filho e criar o blogue.

Dois dias depois, o prefeito da cidade, João Paulo Kleinübing, decretava estado de calamidade

pública.

A razão para a escolha do blogue como plataforma para organizar as informações

desencontradas sobre a tragédia é explicada por Juliana de maneira simples: “o blogue permitiria

múltiplas entradas, publicação de fotos, vídeos, podcasts, comentários e indexação por tags”. A

produção de conteúdo do AllesBlau teve como parceira importante as rádios, veículos que

tradicionalmente se adaptam à divulgação de informações úteis e serviços públicos em cenários de

tragédias. O relato do colaborador Ariel Gajardo dá conta do fenômeno.

Fizemos um trabalho em conjunto não assumido com elas nos momentos mais difíceis, tanto as AMs como as FMs que conseguiram manter a transmissão com Blumenau inteira quase às escuras. Elas noticiavam, nós publicávamos e postávamos imagens retiradas de álbuns no Orkut ou vídeos do YouTube. Somávamos quase sempre relatos de leitores vindos por e-mail. (GAJARDO, 2008)133.

A adoção do rádio como principal meio para que informações sejam divulgadas, relatos dos

atingidos sejam agregados e iniciativas de ajuda sejam promovidas tem nas enchentes de New

Orleans, provocadas pelo furacão Katrina, outro bom exemplo. Em visita à cidade meses após a

força do furacão de nível 5 (o pior na escala de furacões ,Saffir–Simpson) romper barreiras que

separavam as águas do Rio Mississípi e do Lago Pontchartrain do declive onde a cidade está

situada, o editor da revista The New Yorker, David Remnick, relatou na reportagem “High water”134

(“Maré alta”, na tradução oficial para o português) como o programa de rádio conduzido pelo

apresentador de TV Garland Robinette “[...] era um ponto de convergência para boatos, para a

ridicularização dos boatos, entrevistas, especulação e um tipo de terapia para desastres regionais.”

(2006, p.119).

Os atingidos pela enchente ligavam para o rádio para informarem sobre pontos de 132 http://allesblau.wordpress.com/2008/11/22/4/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 133 http://www.simviral.com/2008/11/alles-blau-um-blog-sobre-a-enchente-de-blumenau/. (Acesso em 25 de outubro de

2009) 134 http://www.newyorker.com/archive/2005/10/03/051003fa_fact. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

distribuição de alimentos, parentes perdidos, pessoas encontradas, larápios tentando aplicar golpes

ou simplesmente para trocarem informações sobre “gás, eletricidade, suprimentos e imóveis de

aluguel por todo o sul”. A transformação das estações de rádio em pontos de convergência para as

vítimas tem também outra consequência inevitável: os relatos desesperados por ajuda daqueles em

situações lastimáveis. Nas palavras do diretor de notícias da WWL, maior estação de rádio de New

Orleans, David Cohen: “Começamos a receber telefonemas surpreendentes: uma mulher em sua

casa com uma criança de dois anos no colo e uma de cinco anos a seu lado, sem leite, sem comida.

'O que eu faço? E o que eu digo a ela? Eu sou apenas o cara do rádio!'”(2006, p. 123).

No mesmo dia em que estreou o blogue, Juliana arregimentou os primeiros colaboradores do

AllesBlau (atualmente, são 11) tendo como pré-requisito uma conexão e energia elétrica, estar em

situação razoavelmente tranquila e produzir (ou reproduzir) conteúdos que diziam respeito à

situação. No final da noite, sua energia elétrica caiu. Foi por Ariel, nascido em Blumenau mas

morando em São Paulo, que o AllesBlau deu seu primeiro furo relevante: o estouro de um gasoduto

na noite do dia 23135, com texto enviado pelo publicitário Denis Budag pelo telefone celular, e com

imagem retirada do perfil no Orkut de um morador de Blumenau.

Estou aqui escrevendo do celular, todo arrepiado. Estou em casa […] quando a minutos atrás um som muito alto e assustador tomou conta. Parecia uma turbina enorme de avião ao lado de fora da sacada. […] Ouvi no rádio alguém querendo saber o que era o clarão e explosão naquela região. Parecia do gasoduto. Fui correndo para a rua e não me acreditei no que vi e vejo até agora da sacada do meu quarto, que é bem longe de lá. Labaredas enormes, céu vermelho e aquele barulho horrível nos ouvidos. Só lamento não possuir energia e internet para transmitir imagens e vídeo. A única rádio, furb fm já recebeu inúmeros emails e ligações sobre o assunto mas só ignoram. Se tiver mais informações, ou se você usuário, tiver. Mantenha-nos informado. Não sei se conseguirei dormir vendo esse fogo pelo vidro da minha sacada. No momento a chuva parou e o fogo só cresce” (BUDAG, 2008).

Pela capacidade de organizar informações colhidas dos veículos tradicionais (rádio,

principalmente) e também de agregar vídeos e fotos publicados no YouTube e no Flickr além de

relatos de parentes, conhecidos e amigos, o AllesBlau começou a ganhar projeção no dia seguinte à

sua criação, amparado também pela confusa e falha cobertura de jornais, revistas e programas de

135 http://allesblau.net/2008/11/23/enchente-blumenau-relato-e-foto-de-explosao/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

TV e rádio de âmbito nacional. Assim, o AllesBlau começou a alimentar os veículos que

tradicionalmente deveriam trazer as informações. A divulgação “boca a boca”, nas palavras de

Juliana, fez com que o blogue se popularizasse na região e aumentasse o contingente de

colaboradores pelos comentários ou pelo e-mail. Alguém que lia um post pedindo confirmação

sobre um bloqueio na rua repassa o link para algum conhecido na região que, momentos depois,

publicava um comentário confirmando e aprofundando a situação. Nas palavras da publicitária,

“[...] cada um trazia o que via ao seu redor, a cidade estava isolada em alguns pontos, mas

continuava com internet.”. No modelo proposto por Primo (2008), o AllesBlau se encaixaria como

um blogue organizacional informativo.

A organização de colaboradores junto à crescente popularidade do AllesBlau, causada pela

ágil organização, replicação e reportagem de notícias sobre a tragédia (não havia ritmo pré-

estabelecido – o ritmo obedecia à sucessão de fatos), teve como resultado “[...] uma avalanche de

informações, postadas com uma velocidade enorme e organizadas por tag, categoria e ordem

cronológica. Os acessos dispararam. Já no primeiro dia registramos 88.000 visitas, no segundo dia,

123.000 visitas.” (SILVA, 2008).

A relevância fez com que o AllesBlau interagisse com os veículos tradicionais além da

simples republicação de conteúdos sobre a tragédia, como fez o jornal O Estado de S. Paulo com

foto da colaboradora Marion Rupp136, ou de notícias sobre a atuação do blogue, como o próprio

Estado137 e o jornal Folha de S. Paulo138 - contatos com os blogueiros do AllesBlau alimentou

reportagens publicadas tanto na mídia nacional como internacional, caso da BBC, cujo editor de

web em Londres escreveu ao blogue139 pedindo informações que comporiam matéria do

conglomerado britânico140 sobre a tragédia (sem citar o AllesBlau). A categoria AllesBlau141 tentou

reproduzir todas as referências ao blogue na internet ou em mídias offline, mas acabou sendo

136 http://topicos.estadao.com.br/fotos-sobre-chuvas-em-sc/foto-de-marion-rupp-do-blog-alles-blau-mostra-a-situacao-

das-cidades-atingidas,250e7cfe-4f9e-40d7-8019-59e98b9c2713. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 137 http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid282386,0.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 138 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/informat/fr0312200805.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 139 http://allesblau.net/2008/11/24/blumenau-na-bbc-de-londres/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 140 http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/7745133.stm. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 141 http://allesblau.net/category/allesblau/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

deixada de lado no avanço da tragédia.

Nascido com o propósito “[...] de suprir a demanda de informações locais e regionais fora do

timing da mídia tradicional [...]”,142 o AllesBlau continuou a noticiar fatos referentes à cidade de

Blumenau, como o desempenho do time de basquete da cidade143 ou destelhamentos causados por

temporais,144 obviamente sem a mobilização registrada pelas vítimas das enchentes em novembro

de 2008 e afetado por não ser a prioridade de nenhum dos seus envolvidos. Além da ajuda prestada

aos atingidos pelas enchentes, como a planilha145 criada para registrar pessoas desaparecidas após as

fortes chuvas, é inegável que o AllesBlau teve importância por provar como a mobilização coletiva

por meio de um blogue pode ser relevante em tragédias no Brasil. Nas palavras de Juliana, “Deus

nos ajude a não precisarmos tão cedo de tal mobilização, mas sei que se for necessário estaremos

todos novamente aqui”.

Considerações finais

Terminada a pesquisa proposta no início desta dissertação, podemos chegar a algumas

conclusões que serão abordadas nestas considerações finais. Primeiramente, existe uma relação de

dependência entre as ferramentas oferecidas pelos serviços disponíveis para os usuários e as

práticas que emergem da apropriação destas ferramentas. Se considerarmos o avanço técnico das

ferramentas, com a crescente integração de serviços complementares aos blogues por meio de

widgets (como é o caso do Sphere, do Google Friend Connect ou da cada vez mais popular conexão

entre blogues e redes sociais ou Twitter), poderemos concluir que as práticas, simultaneamente,

evoluirão, com a emersão de novos hábitos e rotinas para a manutenção dos blogues nos próximos

anos.

142 http://allesblau.net/sobre-o-blog/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 143 http://allesblau.net/2009/08/05/basquete-feminino-de-blumenau-disputa-taca-santa-catarina-em-brusque/. (Acesso

em 25 de outubro de 2009) 144 http://allesblau.net/2009/09/08/temporais-provocam-estragos-em-santa-catarina/. (Acesso em 25 de outubro de

2009) 145 http://allesblau.net/2008/11/29/lista-de-pessoas-procuradas/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)

Da mesma forma, a ascensão de plataformas para tipos específicos de conteúdos, como são

os tumblelogs para materiais multimídia, os fotologs apenas para fotografias, os videologs para

registros em vídeo e os microblogs para mensagens curtas, poderemos partir do pressuposto de que

o formato tradicional do blogue será “limitado”, já que utilizações pioneiras da plataforma (como

usar um blogue para criar um álbum de fotos ou compilar comentários curtos, como se fossem

aforismos) migrarão para serviços próprios. Podemos cogitar que essa migração tornará os blogues

(ainda que não de maneira generalizada) ferramentas mais voltadas à publicação de comentários de

tamanho maior.

O lançamento de serviços que automatizam processos, em movimento iniciado pelo Blogger,

da Pyra Labs em 1999, popularizou o blogue como uma plataforma de publicação simplificada

graças à facilidade de manuseio dos softwares, sempre baseados em poucos comandos realizados

por meio do apertar de ícone, o que fez com que a plataforma se mostrasse mais amigável do que

outros sistemas de gerenciamento de conteúdo digital. Não é toda apropriação da ferramenta,

porém, que explora a construção “de expressões umas sobre as outras sob um mesmo teto digital”,

como Boyd (2006, p.10) definiu a prática dos blogues. Em outras palavras, blogues podem

funcionar como substitutos de outras ferramentas de publicação, sem levar em consideração

conceitos inerentes à natureza do fenômeno, como a construção contínua de conteúdo ou o

mapeamento da conversação onde aquele post se insere por meio de funções como o permalink e o

trackback. Ter um blogue não significa, necessariamente, blogar. A liberdade de uso da ferramenta

permite sua aplicação para objetivos que simplesmente emulam outras mídias de massa.

Pudemos observar também a importância dos trackbacks e dos permalinks para o registro de

todos os caminhos que uma conversação mediada por blogues pode tomar. A alta fragmentação do

diálogo e seu potencial para expansão infinita, dada a liberação do polo de emissão que permite o

ingresso de qualquer interessado, exige que todos os serviços suportem as ferramentas já citadas

para que possamos mapear com maior precisão os meandros do diálogo que “escorre” (PRIMO,

2006, p.10) por outros comentários e blogues. A falta de suporte aos trackbacks por parte do

Blogger é um exemplo gritante de como, mais de dez anos após o início do movimento, os blogues

ainda enfrentam problemas básicos para o rastreamento das conversas que o utilizam como apoio.

Ao analisarmos os métodos de classificação empregados historicamente pela academia,

percebemos que se concentrar no conteúdo veiculado pelo blogue nos traz sistemas falhos de

tipificação, já que os blogues partilham de algumas, não de todas, as características de outras

mídias, como a TV ou o rádio. Como bem lembra Herring (2004, p. 2), o blogue não é algo

fundamentalmente novo ou único, “mas ocupa uma nova posição na ecologia de gêneros on-line”

por oferecer um formato híbrido e mais flexível. Ao contrário de mídias antecessoras, o blogue não

é apenas a mídia na qual o conteúdo é veiculado, mas também o produto da prática adotada pelo seu

usuário. Como explica Boyd (2006, p.11), “blogues são produtos da expressão e da própria mídia”,

o que faz com que, caso precisemos comparar o fenômeno a algum tipo de suporte, o blogue se

pareça mais com o papel do que com a revista, já que ambos (papel e blogue) servem para as mais

diversas aplicações, da criação de lista de compras à publicação de tratados internacionais sobre

navegação marítima.

É por isso que os conceitos apresentados tanto por Schmidt (2007), para as práticas, quanto

por Primo (2008), para um sistema de classificação generalista, apóiam-se não no conteúdo veículo,

mas no objetivo social do usuário assim que ele adota aquela plataforma. Se precisarmos separar os

blogues em grupos, é bom que prestemos atenção nas razões pelas quais os blogueiros se apropriam

da ferramenta e quais são os objetivos sociais que tentam atingir, sejam pela veiculação de

conteúdos próprios inéditos ou pelo emaranhado de materiais alheios republicados sem qualquer

análise.

No que diz respeito ao desenvolvimento nos Estados Unidos e no Brasil, a comparação

descrita no capítulo 3 nos sugere que, da mesma maneira que a criação de ferramentas nacionais

para blogues seguiu caminho semelhante à centralização observada nos portais, custeados por

investimentos provindos de operadoras de telefonia (Telefônica para o Terra, Portugal Telecom para

o UOL, Brasil Telecom para o iG) ou de grandes conglomerados nacionais de mídia (Rede Globo

para a Globo.com e Rede Record para R7, mais recentemente), o desenvolvimento centrado em

portais, no entanto, não garantiu a continuidade das ferramentas, já que Terra, iG e Globo.com

abandonaram suas próprias soluções em nome da plataforma aberta WordPress, o que demonstra a

incapacidade das operações nacionais manterem paridade de inovação com o que vem sendo feito

nos Estados Unidos.

Pesquisas futuras que usem este material como referência poderão abordar os

desdobramentos para a natureza do blogue como linguagem a partir da sua fragmentação, com o

desenvolvimento de ferramentas para a publicação de conteúdos específicos, como vídeos,

fotografias ou registros automáticos da atividade online do usuário. O desenvolvimento do

fenômeno no Brasil atrelado ao poder centralizador dos portais nacionais também pode ser um

caminho futuro para a pesquisa, assim como o detalhamento com maior profundidade dos principais

marcos da blogosfera no Brasil, ouvindo personagens envolvidos na construção da blogosfera

brasileira para lhe traçar o contexto de seus primeiros momentos.

Referências

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ANEXOS A.1 - Entrevista com a designer Cristiana Guerra, responsável pelo blogue Para

Francisco O que a motivou a criar o blogue? Fiz o blog no impulso. Eu escrevia muito sobre e para o Gui, depois da morte dele. Muita gente falava para eu criar um blog, mas eu não via muito sentido nisso. Quando o Francisco tinha 4 meses, voltei a trabalhar na agência em que eu tinha trabalhado com o Gui. E era uma data importante, 17/07/2007. Fazia 6 meses que ele tinha morrido, um ano que eu tinha descoberto a gravidez e seria o nosso aniversário de 2 anos de namoro. Achei a data muito significativa e escrevi para os amigos, mais uma vez, sobre ele. Mas usei uma figura de linguagem, escrevendo como se fosse para o Francisco. Resultado: nesse momento tive um insight de criar um blog com esse título. Um espaço virtual onde, quando eu quisesse, colocasse coisas que eu queria falar pra ele (ou, indiretamente, para o Gui). Foi então que inaugurei o blog (postei no dia seguinte o texto feito para os amigos) e abri uma torneira de onde saiu uma infinidade de textos, compulsivamente. Quando entendi para quem eu precisava falar, comecei a encontrar o caminho para dissolver minha angústia, essa angústia de ter o Francisco, mas não poder fazê-lo conhecer o pai sensacional que ele teve. Por que um blogue? E por que o Blogspot? Eu precisava de um espaço virtual porque isso ampliava a minha possibilidade de postar de mais lugares e em quaisquer circunstâncias. E o fato de ser público agradava, como uma espécie de grito para o mundo, um desabafo mesmo. Não pensava que as pessoas leriam, a não ser os amigos. E estes quase não leram, porque já tinham sofrido demais com o assunto. Blogspot porque minha iniciadora foi a Ju Sampaio, do Mothern (mothern.blogspot.com). Você tem algum ritmo de publicação? Atualmente o blog está quase em extinção, porque o principal já foi dito. Eventualmente posto alguma coisa contando do próprio Francisco pra ele ler no futuro. Ou vou postar ainda mais alguma coisa que vier à cabeça sobre a minha família, ou sobre o próprio Gui. Mas hoje percebo que o blog tinha um tempo dele, os dois anos em que postei compulsivamente até publicar o livro e alguns meses depois da publicação, tempo em que, acredito, postei textos melhores, num momento mais maduro como escritora. Mas o blog continua lá, para quem quiser descobri-lo agora. Pode não fazer tanto sentido para mim, mas vai fazer para algumas pessoas que precisarem ou forem tocadas por ele. Já se sentiu tentada a encerrar o blogue? Sim. Criei o amor e ponto (amoreponto.blogspot.com) para me desvincular da escrita relacionada à perda e para exercitar uma possível literatura, rs. Eu ia substituir um por outro, mas depois pensei bem e achei melhor deixar o para francisco no ar. Não há necessidade, pelo menos atualmente, de

extingui-lo. Se eu mudar de ideia, restrinjo os acessos a convidados. Mas deixo lá. Consegue reconhecer um perfil médio no seu leitor? O perfil do meu leitor é o leitor médio, sem querer fazer trocadilho com a pergunta. Acho que atinjo mais as mulheres e tenho um impacto grande nas pessoas não intelectualizadas. Isso é legal. Aprendi a falar uma linguagem simples e acessível, com a redação publicitária, então acho que isso amplia a possibilidade de Há algum assunto que você prefere não abordar no blogue? Não toco muito em religião. Não falo da ex-mulher do Gui - que é uma parte importante da história, de certa forma. Como se dá a interação entre você e a comunidade formada ao redor do Para Francisco? Sempre recebi os comentários e tentei respondê-los, mas aos poucos foi ficando cada vez mais difícil. Não considero essencial estabelecer um diálogo no blog. O diálogo, para mim, era escrever, receber os comentários e continuar escrevendo. Existem leitores costumazes do Para Francisco, aqueles que aparecem em todos os posts? Acho que sim. Atualmente estou sem atualizar (hoje escrevi um texto novo!), mas ao longo da existência mais ativa do blog percebi que, sim, existiam leitores que apareciam em todos os posts. Além do lançamento do livro, houve alguma outra mobilização em que leitores foram ao seu encontro? Houve apenas o lançamento do livro (os dois lançamentos, em bh e em sp). Aliás, como foi encontrar quem comenta no teu blog no lançamento? Foi sensacional. A maioria tinha a atitude de se identificar, dar cara à pessoa cujo nome já aparecia em emails e comentários. Mas teve alguns momentos particularmente emocionantes, como uma menina, também Cris, que tinha acabado de perder o marido grávida, e apareceu lá chorando muito, e o nosso abraço foi de um significado enorme. Pra ela, naquele momento, eu era a esperança de que ela iria ficar bem, porque eu tava feliz, lançando um livro, ou seja, virando uma página triste de um jeito legal. Vi muita gente chorando e isso foi impressionante. Naquele evento em SP, que foi diferente de BH, aquele bate-papo em que pude responder às perguntas, eu percebi a importância que o blog tinha para muita gente. Foi uma das noites mais significativas da minha vida. Era muita emoção, alegria e intensidade juntos. Lembra-se quando recebeu o primeiro comentário de apoio? Tem tanto tempo, que eu não me lembro mais. Tentei ir ao blog pra relembrar, mas vi que era muito pouco comentado no começo. Se os primeiros posts hoje trazem comentários, são comentários recentes em posts antigos. Você usa histórias ou conteúdos de leitores nos seus posts? Não. Acho que não. rs.

A.2 - Entrevista com o subeditor de arte Mario Guilherme de Vasconcelos, responsável pelo blogue Correndo Atrás

De quem nasceu a ideia do Correndo Atrás – de você ou da Globo.com? A Rede Globo e o Globoesporte.com percebem que a corrida de rua é o esporte que mais cresce no Brasil. Atualmente, esta modalidade já é a segunda mais praticada, perdendo apenas para o futebol. Mas um dado interessante, por exemplo, é que se vendem muito mais tênis de corrida do que chuteiras no "país do futebol". Diante deste interesse crescente, surgiu a idéia de valorizar a editoria e cativar novos leitores. A idéia de ter um personagem sedentário é exatamente para motivar pessoas na mesma condição a seguirem o exemplo e, desta forma, se tornarem também consumidoras de notícias relativas ao assunto. A idéia do blog foi minha mas inicialmente não deveria ser realizada por mim. Buscaríamos um jornalista da casa que topasse o desafio. Como ninguém abraçou a idéia, eu mesmo segui com o projeto. A ferramenta usada é própria da Globo.com? A globo.com abandou a sua ferramenta própria, o globolog. Atualmente usamos a ferramenta de publicação da wordpress com alguns ajustes, personalizada para as nossas necessidades. Foi um grande salto qualitativo, acredite. Existe um ritmo de atualização oficializado ou você atualiza quando dá? O ideal seria que as atualizações fossem diárias. Mas a carga de trabalho me impossibilita de me focar somente no blog. Na verdade, eu sou o subeditor de arte do globesporte.com e minha função não passaria nem perto de estar escrevendo ou sendo filmado. Como não posso deixar de fazer as coisas para as quais de fato sou pago para fazê-las, o blog fica em um segundo plano. As atualizações são, em média, quatro por semana. Mas o meu treinamento é diário. Como acontece a interação entre você e os leitores? Como você reaproveita conteúdos e histórias de leitores do Correndo Atrás? Basicamente recebo as histórias por email. Esses depoimentos são muito importantes para criar outros exemplos e assim aumentamos a chance das pessoas se identificarem com o projeto. Posteriormente comecei a falar com algumas pessoas desses depoimentos pelo email e msn e hoje já somos até amigos. Tem a percepção de um perfil médio do leitor do Correndo Atrás? Basicamente pessoas que já passaram por experiências parecidas com a minha e que aparecem para dar força e gente que passou a correr incentivada pelo blog. Enfim, gente que já corria antes e que passou a correr agora. E gente que ainda não conseguiu sair do sofá também. :) Depois da corrida no final do ano, pretende encerrar o blogue? Pretendo partir para os 21km em 2010 e seguir com o blog, incrementando e melhorando várias coisas. Algum leitor se dignou a correr os 10 km contigo no final do ano? Sim, alguns leitores ja toparam me acompanhar... legal, ne? E tem um pessoal do trabalho que vai

correr comigo tb, alem da equipe que me acompanhou.

A.3 - Entrevista com a publicitária Juliana Maria da Silva, responsável pelo blogue AllesBlau

Como nasceu o AllesBlau? De quem foi a ideia? Quantos foram os fundadores iniciais? O alles nasceu no sábado, dia 22 de novembro às 7:12pm conforme o primeiro post (http://allesblau.wordpress.com/2008/11/22/4/). Eu fiquei isolada por uma hora mais ou menos e quando consegui sair, busquei meu filho na casa de meus pais e fui pra casa. Fiquei bastante preocupada pois as notícias que chegavam aleatoriamente eram de deslizamentos e alagamentos e a chuva não cedia. Em minha casa, apartamento na verdade, tudo seco e calmo. Moro em um bairro alto da cidade. Escola Agrícola. Conforme eu tentava me inteirar do que estava acontecendo, percebia que havia muita confusão e informações desencontradas. Alguns locais da cidade já estavam sem energia elétrica e aparentemente muita gente não imaginava o que estava acontecendo. O deslizamento e alagamento do estacionamento do Shopping estava confirmado e aos poucos a internet começou a mostrar uma dianteira interessante sobre as outras mídias. Quem estava online tinha alguma coisa pra dizer. Apareciam fotos, relatos e depoimentos via MSN, twitter, e-mail, skype. Tudo solto, vindo de todos os lados. Falei com o Fábio, que estava online e nessa conversa avisei que ia montar um blog pra organizar tudo que eu estava encontrando. O Fábio achou a idéia legal mas pessoalmente estava envolvido com ajudar algumas pessoas a tirar móveis e salvar pertences. Fiquei por algum tempo configurando o blog no wordpress, plataforma que escolhi por já utilizar em meus blogs pessoais e achar mais “profissional” que o blogger. (já tive blog lá no blogger também, antes de ser propriedade Google, em 2001). O nome escolhido, AllesBlau foi pensado para permanecer após a chuva. “AllesBlau” é um termo recorrente por aqui pra dizer que está tudo bem. A idéia era fazer um blog de informações da cidade, independente de catástrofes, depois vimos que não seria tão simples manter o plano original. Logo percebi que seria tarefa pra mais de uma pessoa atualizar o blog com tudo que aparecia de notícia. Por dois motivos principais a internet bombando enquanto a mídia tradicional estava off e também a ausência de energia elétrica aleatoriamente pela cidade. Eu também poderia ficar no escuro a qualquer momento e o blog precisava continuar. Pra selecionar os colaboradores os critérios foram simples: 1 – tem conexão e/ou energia elétrica 2 – está numa situação razoavelmente tranqüila 3- Está produzindo (ou reproduzindo) algum conteúdo, referente à situação no MSN ou twitter Esses critérios acabaram por incluir o Ariel, importantíssimo colaborador, que mesmo morando em

São Paulo, colaborou imensamente pra manter o blog atualizado quando aqui estava todo mundo off. Fiquei sem energia elétrica em casa no sábado mesmo, às 23h. meu último post do sábado foi esse: http://allesblau.wordpress.com/2008/11/22/previsao-errada/ Porque um blog? E porque o WordPress? Porque o blog permitiria múltiplas entradas, publicação de fotos, vídeos, podcasts, comentários e indexação por tags. Eu já imaginava o volume de informações que seriam postadas, o que não imaginava é que tudo seria tão rápido. Wordpress, como disse acima já era a plataforma que eu usava pro meu blog, confiável e conhecida pra mim. Havia algum ritmo fechado de publicação de conteúdo? Nada foi combinado. Como disse, de sábado pra domingo fiquei sem energia elétrica, antes disso acontecer incluí alguns outros colaboradores, o Alex Santos já fazia parte do time, além do Ariel e do Fábio. Na virada do dia 22 pro 23 é que o ritmo de publicações disparou, por conta de todos terem muita coisa pra publicar. Não combinamos periodicidade nenhuma. A partir de que momento os leitores começaram a repassar informações sobre a tragédia? Já no domingo, dia 23, o boca-a-boca foi o responsável por divulgar o blog . Muitas pessoas entraram em contato pelos canais dos colaboradores e depois pelos comentários do blog mesmo. Como foi a interação com outros veículos de notícia, além da overdose de cobertura que vocês receberam? Não solicitamos nada a ninguém, como cobertura, funcionamos algumas vezes como ponte, entre comunidade e veículos, outras como fonte, outras como mero agregador. A mídia local não sabia exatamente como se comportar diante do blog, não havia concorrência na web. Nós repetíamos as notícias de outros veículos constantemente, sempre dando a fonte. Como a comunidade ajudou a encontrar novas informações? Cada um trazia o que via ao seu redor, a cidade estava isolada em alguns pontos, mas continuava com internet, isso ajudou bastante. Algumas pessoas liam um post em que pedíamos confirmação do bloqueio de uma rua, por exemplo e instante depois alguém que morava na tal rua comentava dizendo como estava a situação. Houve algum furo de informação do AllesBlau? Sim, na explosão do gasoduto. http://allesblau.net/2008/11/23/fogo/ O Denver tentou publicar a foto, assim que aconteceu, mas não conseguiu conexão, mandou então um sms pro Ariel, que publicou o post, lá de São Paulo. Como novos colaboradores fixos foram sendo aceitos no blogue? A medida que a quantidade de notícias aumentava, e que a real dimensão da situação era conhecida mais colaboradores eram somados, sempre pensando em manter o blog o mais atualizado possível. Qual a história mais tocante que chegou a vocês pelo blogue? Foram várias. As que eu prefiro comentar são as das pessoas que conseguiram notícias de seus conhecidos e familiares pelas notícias publicadas no blog. Ficamos sabendo de muitas pessoas isoladas sem luz, telefone e água, de pessoas desaparecidas, falta de mantimentos. Eram tantos que organizamos uma planilha http://allesblau.net/2008/11/29/lista-de-pessoas-

procuradas/ A maioria não deu retorno ao blog, se conseguiu ou não localizar, porém vários entraram em contato dando notícias dos localizados. Sobre o mestrando

Guilherme Felitti tem 26 anos e, durante a execução desta pesquisa, exercia o cargo de editor-assistente no site de notícias sobre tecnologia IDG Now!. É comentarista esporádico na CBN e assina uma coluna online sobre o assunto na Carta Capital. Teve seu primeiro blogue em 2001 no Blig, que funcionava como um repositório de textos ficcionais. Dois anos depois, seu segundo blogue, desta vez no Blogger, veiculava tanto ficção como comentários sobre cultura. Desde 2006 mantém o Chá Quente (http://chaquente.com), blogue em WordPress hospedado em servidor próprio onde comenta o mercado brasileiro de tecnologia e escoa material não aproveitado no IDG Now!.