Blogues: debates sobre três perspectivas e desenvolvimento ... Felitti.pdf · pesquisadores para...
Transcript of Blogues: debates sobre três perspectivas e desenvolvimento ... Felitti.pdf · pesquisadores para...
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC -SP
Guilherme Felitti
Blogues: debates sobre três perspectivas e desenvolvimento do fenômeno no Brasil
MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL
São Paulo 2009
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC -SP
Guilherme Felitti
Blogues: debates sobre três perspectivas e desenvolvimento do fenômeno no Brasil
MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Tecnologias da Inteligência e Design Digital – Processos Cognitivos e Ambientes Digitais, sob a orientação da Profa.Doutora Lucia Isaltina Clemente Leão
São Paulo 2009
Banca examinadora
_______________________________________________________
_______________________________________________________
______________________________________________________
Alguns agradecimentos se fazem necessários: à professora Lúcia Leão, pela ideia original de estudo dos blogues no
Brasil; a Ralphe Manzoni e Daniela Braun, pela tarde semanal concedida em 2007; a Flávio Remontti, pelo talento
emprestado à matriz de tipificação; a Waldemar, Isabel e Isabela, pelo conforto familiar; a Jonathas, Fábio, Pedro, Zé
e Predo, pela companhia constante; e Camila e Aidê, por oferecerem, cada uma em momentos distintos, o carinho, o
afeto e a tolerância necessárias para uma pesquisa.
RESUMO
FELITTI, Guilherme. Blogues: debates sobre três perspectivas e desenvolvimento do fenômeno no Brasil. 2006. 136 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009 A popularização dos blogues do seu surgimento em 1996 até os dias de hoje, atraindo perfis de usuários além dos entusiastas e profissionais de tecnologia, nos apresenta novos tipos de aplicações da plataforma que extrapolam as definições iniciais de filtros de links ou diários pessoais na internet. Esta pesquisa pretende passar em revisão os principais conceitos básicos sobre os blogues, para indicar pontos comuns às diferentes aplicações da plataforma. O primeiro capítulo explorará os blogues sob três prismas: o estrutural, explicando as ferramentas que os serviços atualmente disponíveis oferecem; o da prática, explorando que tipos de hábitos são desdobramentos da apropriação das ferramentas; e o das conversações, com os blogues hospedando diálogos altamente fragmentados e infinitamente expansíveis. O segundo capítulo retomará a classificação dos blogues como gênero para argumentar a necessidade de encará-los como linguagem, apresentando sugestões para um modelo de tipificação mais preciso e criterioso. Já o terceiro explorará o desenvolvimento dos blogues nos Estados Unidos e no Brasil, em comparação que pretende destacar semelhanças e diferenças em seu desenvolvimento nos dois países. O quarto capítulo analisará três estudos de casos brasileiros e é focado em suas capacidades de atraírem e interagirem com suas comunidades.
Palavras-chave: blog, blogosfera, colaboração digital, design digital, tecnologias da inteligência
ABSTRACT
The popularization of the blogs from their beginning in 1996 until today, attracting profiles of users besides enthusiasts and technology professionals, presents to us new kinds of applications of the platform that surpass the initial definitions of link filters or personal diaries on the internet. This research intends to review the main basic concepts about blogs, to indicate common points to the different platform applications. The first chapter will explore blogs under three prisms: structural, explaining the tools that the available services nowadays offer; practical, exploring which habits come from the appropriation of the tools; and the conversations, with blogs hosting dialogues highly fragmented and infinitely expansible. The second chapter will retake the classification of the blogs as a genre to indicate the necessity of seeing them as language, presenting suggestions for a model of a more precise and discerning definition. The third chapter will explore the development of the blogs in United States and in Brazil, in a comparison that intends to highlight common points and differences in their development in both countries. The fourth chapter will analyze three Brazilian case studies and it is focused in their capacities to attract and interact with their communities.
Keywords: blog, blogsphere, digital collaboration, digital design, intelligent technology.
SUMÁRIO
Resumo....................................................................................................................................8
Abstract...................................................................................................................................9
Listra de ilustrações.............................................................................................................12
Sumário de anexos................................................................................................................13
Introdução.............................................................................................................................15
1 – O blogue por três perspectivas......................................................................................19
1.1 O blogue como ferramenta.................................................................................19
1.2 As práticas dos blogues.......................................................................................32
1.3 As conversações por meio dos blogues...............................................................46
2 - Categorias e mídia: a evolução na classificação dos blogues......................................61
3 - Marcos e diferenças: comparando o desenvolvimento da blogosfera nos Estados
Unidos e no Brasil.................................................................................................................78
4 – Estudos de caso.............................................................................................................105
4.1 – Para Francisco................................................................................................108
4.2 – Correndo Atrás.................................................................................................113
4.3 – AllesBlau..........................................................................................................118
Considerações finais...........................................................................................................122
Referências..........................................................................................................................125
Anexos.................................................................................................................................128
Sobre o mestrando..............................................................................................................134
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 01: reprodução de blogue Chá Quente com post datado com link permanente, RSS, busca,
widgets na coluna lateral e explicações sobre o autor........................................................................18
FIGURA 02: exemplo de localização do ícone para assinatura do feed RSS em um blogue............25
FIGURA 03: exemplo de nuvem de tags, onde o tamanho dos termos (tags) indicam a frequência do
seu uso dentro do blogue....................................................................................................................27
FIGURA 04: exemplo de blogroll, apontando links relevantes na coluna lateral do blogue.............28
FIGURA 5: exemplos de widgets que podem ser integrados à interface do blogue..........................30
FIGURA 06: o novo processo envolvendo notícias na internet, segundo Jarvis................................41
FIGURA 07: a dinâmica de uma conversação envolvendo diferentes blogues por Jenkins..............49
FIGURA 08: como o trackback registra no post original citações em outros blogues.......................51
FIGURA 09: os sistemas de comunicação mediada pelo PC, segundo Herring...............................54
FIGURA 10: o gráfico proposto na tipificação de Krishnamurthy....................................................67
FIGURA 11: a matriz de tipificação de Primo...................................................................................69
FIGURA 12: o aprofundamento proposto na dissertação para a matriz de Primo.............................75
FIGURA 13: Embratel anuncia Serviço Internet Comercial em dezembro de 1994.........................81
FIGURA 14: post inaugural do Justin's Links From the Underground, de Justin Hall, o 1º blog criado..................................................................................................................................................84
FIGURA 15: post inaugural do Diário da Megalópole, 1º blogue brasileiro em português..............87
FIGURA 16: blogue em que a equipe do Desembucha anunciava novidades do serviço..................91
FIGURA 17: post do Catarro Verde, de Sérgio Faria, acusando o plágio do então senador Antônio
Carlos Magalhães (PFL-BA)..............................................................................................................96
FIGURA 18: reprodução da página inicial do blogue Para Francisco............................................107
FIGURA 19: reprodução da página inicial do blogue Correndo Atrás............................................112
FIGURA 20: reprodução da página inicial do blogue AllesBlau....................................................117
ANEXOS
A.1 - Entrevista com a designer Cristiana Guerra, responsável pelo blogue Para Francisco...........128
A.2 - Entrevista com o subeditor de arte Mario Guilherme de Vasconcelos, responsável pelo blogue
Correndo Atrás..................................................................................................................................130
A.3 - Entrevista com a publicitária Juliana Maria da Silva, responsável pelo blogue AllesBlau....131
Introdução
A liberação do polo de emissão permitida pela internet, em contraste com as mídias
convencionais de transmissão de mão única, alimentou um novo fenômeno no ciberespaço
(LEMOS, 2002, p. 2) onde qualquer um conectado à rede pode se expressar livremente. O principal
veículo para tal exposição e consequente projeção da identidade do seu autor no ciberespaço é o
blogue, abreviação para a expressão “weblog” (registro online, em tradução livre para o português).
O fenômeno teve início com o estudante Justin Hall, que criou, em janeiro de 1996, o Justin's Links
from the underground1 (ainda não havia a nomenclatura específica), página com atualizações diárias
e organização temporal retroativa. O próprio Hall afirma, porém, que se inspirou em outros
exemplos vigentes na época para criar e manter o blogue pioneiro (ROSENBERG, 2009, p.21).
À medida que o fenômeno se tornava mais popular, alimentado tanto pelo desenvolvimento
de novas ferramentas como pela projeção que a publicação pessoal na internet ganha dentro de
outras mídias, os blogues se transformam para abarcar todos os objetivos sociais daqueles que,
intrigados com a plataforma, criavam seus próprios blogues. Nos dois primeiros estágios da sua
evolução, o blogue foi alvo de duas tipificações resultantes do perfil demográfico daqueles que o
adotaram: nos primeiros anos, blogues serviam para que profissionais do mercado de tecnologia
indicassem links interessantes online; e, após a ascensão de ferramentas que automatizavam
processos técnicos, em movimento iniciado pela Pyra Labs em 1999, blogues eram encarados como
versões digitais e coletivas dos tradicionais diários pessoais, em que se encontra a narrativa íntima
do seu autor.
Dada a popularidade da plataforma no correr dos anos, tais simplificações são insuficientes
para abarcar o potencial de aplicações que os blogues têm, em um processo que se autoalimenta:
quanto mais popular o blogue se torna, mais pessoas com diferentes objetivos (e, portanto,
aplicações) adotam a ferramenta, indicando novos potenciais usos e atraindo novos usuários.
1 http://links.net (Acesso em 25 de outubro de 2009)
Blogues já não servem apenas para apontar links em posts monossilábicos ou servirem de suporte
para seu relato emocional sem edições. Para nos aprofundarmos nas diferentes apropriações dos
blogues e entendermos alguns pontos comuns a todas elas, o que nos ajudaria a definir com maior
precisão o fenômeno, precisamos discutir pontos básicos sobre a natureza dos blogues e sua
evolução.
Esta dissertação se propõe a discutir os blogues sob três perspectivas – a estrutural,
analisando as ferramentas disponíveis para a criação e manutenção; a das práticas, detalhando que
tipos de hábitos afloram da apropriação dessas ferramentas (a prática é parte intrínseca das
ferramentas, já que ela se desenvolve a partir das funções permitidas pelo software); e a das
conversações, abordando o potencial dos blogues como veículos de agregação de comunidade e
definindo como são conduzidas as conversas por diferentes blogues, em diálogo que se destaca pela
fragmentação ao ser comparado a outros métodos de comunicação mediada pelo computador.
O primeiro capítulo desta dissertação é dividido em três subcapítulos, que discutirão as
perspectivas acima citadas, revisando propostas e estudos etnográficos já produzidos por
pesquisadores para tentar atingir definições que abarquem as apropriações mais populares que
encontramos atualmente. Vale notar que estamos tratando de um fenômeno em constante evolução e
poderemos esperar novas apropriações, capazes de apontar novas direções para os blogues, após o
encerramento da pesquisa.
O segundo capítulo trata da abordagem inicial dos blogues como gêneros, classificação
facilitada pelo exagerado uso de metáforas na definição da plataforma, partindo da definição de
Bakhtin (2005, p. 279), para quem gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciados”. O
capítulo argumentará, sustentado pela teoria de Boyd (2006, p.7), que blogues guardam
semelhanças com as mídias que o antecederam, mas apresentam características próprias a ponto de
serem consideradas uma nova mídia. Aqui, a argumentação é fundamentada segundo a definição de
McLuhan (1967, p. 21), para quem a mídia é uma extensão por onde o homem pode se expressar
além das limitações do seu corpo. Serão demonstradas, então, tentativas acadêmicas de criar
sistemas de tipificação que considerassem conceitos básicos da manutenção de um blogue, como o
número de participantes e a aplicação pessoal ou profissional dos textos publicados. Por fim, um
sistema de classificação proposto por Primo (2008) será detalhada e aprofundada, com
exemplificações entre blogues criados no Brasil e sugestões que podem tornar o sistema de
tipificação ainda mais rigoroso e preciso.
O terceiro capítulo compara o desenvolvimento histórico dos blogues nos Estados Unidos,
onde foram registrados os principais marcos referentes à história do fenômeno, graças à
concentração geográfica de espaços de inovação, produção e uso de novas tecnologias,
argumentação defendida por Castells (1996, p. 36), e no Brasil, retomando o início da internet
comercial e o desenvolvimento das primeiras comunidades e formas de comunicação digital. A
dissertação comparará a evolução dos blogues nos dois ambientes, indicando diferenças e
similaridades, a partir de quatro pontos de vista: Pioneiros, Ferramentas, Visibilidade e Adoção
Corporativa.
Por fim, o quarto capítulo é composto de três estudos de caso, escolhidos pelo mestrando por
seus semelhantes potenciais de mobilização, mas diferentes explorações da comunidade criada ao
redor do conteúdo oferecido. Os blogues Para Francisco, da mineira Cristiana Guerra, o Correndo
Atrás, do carioca Mario Guilherme de Vasconcelos, e o AllesBlau, da catarinense Juliana Maria da
Silva, terão suas histórias contadas e serão analisados a partir de conceitos apresentados no decorrer
da dissertação, como prática, ferramentas técnicas, coletividade, exploração da comunidade e
desdobramentos fora da internet. As entrevistas conduzidas com os três estarão disponíveis na
íntegra no Anexo que acompanha esta dissertação.
FIGURA 01: reprodução de blogue Chá Quente (http://chaquente.com) com post datado com link permanente, RSS,
busca, widgets na coluna lateral e explicações sobre o autor.
1 – O blogue por três perspectivas
Neste primeiro capítulo, os blogues são discutidos sob três diferentes perspectivas: estruturalmente,
como ferramenta; como prática, com hábitos decorrentes da apropriação da plataforma; e como
fenômeno social, com conversações que se fragmentam em diferentes ambientes.
1.1 – O blogue como ferramenta
A abordagem inicial para discutir blogues é sua estrutura. Neste subcapítulo, será exposto o
debate sobre o que vem a ser a estrutura mais básica de um blogue e serão abordadas algumas das
ferramentas adicionais fundamentais à socialização e à navegação em conteúdos publicados pela
plataforma. A estrutura sobre a qual se dará o debate é a de um “blogue-protótipo”, em qualificação
que, em menor ou maior grau, pode depender da configuração dos softwares oferecidos para a
criação do blogue. Vale ressaltar que, dada a rápida evolução tecnológica, o debate estrutural deste
subcapítulo registra um momento histórico de uma mídia em pleno desenvolvimento.
É importante discutir a estrutura a partir da relação de decorrência que ela tem com as
práticas dos blogues. As funções oferecidas pelos softwares “moldaram o estilo e as propriedades
dos blogues” (BOYD, 2006, p. 13). É por meio da evolução das ferramentas iniciais das primeiras
plataformas de blogues que é possível analisar e debater práticas e perspectivas comunicacionais
contidas nos blogues. O software é o ponto de partida do fenômeno.
Como coloca Manovich (2008), o software que apresenta uma interface simplificada para o
usuário mistura conteúdos como textos, vídeos e fotos em posts, avisa sistemas de filtragem de
conteúdo sobre novas informações e abre espaços para comentários dos leitores e, assim, a
consequente formação de comunidades é parte formadora do fenômeno.
A plataforma tem potencial para reajustar e remodelar processos quando aplicada sobre
processos de comunicação. É necessário estudar os softwares por trás de novas práticas de
publicação pessoal já que, "se a eletricidade e o motor de combustão tornaram a sociedade
industrial possível, o software similarmente permite a sociedade da informação" (MANOVICH,
2008, p. 4).
Se não estudarmos o software por si, estaremos sempre em perigo de lidar apenas com os efeitos ao invés das causas: o desdobramento que aparece na tela de um computador ao invés do programa ou das culturas sociais que produzem esses desdobramentos. (MANOVICH, 2008, p. 5).
Aqui vale uma consideração: por mais que tenham uma relação de interdependência com as
práticas (funções definem rotinas, que podem guiar o desenvolvimento de novas ferramentas), “as
propriedades do protótipo [estrutural] não definem os limites da mídia nem transmitem práticas
normativas ou de valor” (BOYD, 2006, p.12). A construção do fenômeno é social, dada
principalmente através da apropriação das ferramentas construídas. É a prática que define a
fronteira do blogue, não a plataforma.
A popularidade de tipificações estruturais fica evidente ao serem listadas as diferentes
abordagens à plataforma no decorrer do seu desenvolvimento. Em uma das primeiras definições, a
pesquisadora Brigitte Eaton compilou uma das primeiras listas com blogues em 1999, usando
apenas um critério técnico: blogues seriam todos aqueles conteúdos sucessivos com “conteúdos
datados” (BLOOD, 2000, p.2), definição que não diferenciava dos blogues os sites estáticos com
frequência de publicação estabelecida, por exemplo.
Nos últimos anos, artigos acadêmicos ou jornalísticos apresentaram definições estruturais de
blogues que misturavam ferramentas com a prática ou o gênero do conteúdo publicado. É o caso de
Gillmor (2004, p.29), quando diz que blogues são “diários online compostos de links e posts em
ordem cronologicamente reversa”. É possível notar em sua definição, considerada “generalizada”
pelo próprio autor, que há tanto a classificação restritiva quanto ao gênero (blogues como diários)
como a obrigatoriedade de links em seu conteúdo, algo a ser discutido no subcapítulo 1.2. Nota-se a
redundância do autor em atrelar blogues ao ciberespaço, como se fosse possível existir blogues na
estrutura apresentada – com Hyperlinks – em outra mídia que não a hipermídia.
Já Barger (1999, online)2 define blogues estruturalmente como “uma página [...] [em que o]
formato consiste normalmente em adicionar conteúdos novos no topo da página [...]”, o que faria
2 http://www.robotwisdom.com/weblogs/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)
com que os visitantes pudessem ler tudo o que foi escrito anteriormente apenas navegando para o pé
do site. Herring (2005, p.1) o define como “páginas online modificadas constantemente em que
conteúdos datados são listados em sequência cronologicamente reversa” e que se organizam ao
redor de posts, “os corações dos blogues”.
Conor, Hayes e Avesani (2007) seguem o caminho de misturar ferramenta com práticas ao
definir que blogues, além das publicações em ordem cronológica reversa, são caracterizados
também por atualizações constantes, escritas geralmente vindas de apenas um usuário e organização
definida por tags. Já para Recuero (2002, p. 3), blogues são ferramentas “simples de criar conteúdo
dinâmico em um website” baseado em atualizações frequentes com “pequenas porções de texto” (os
posts, segundo a autora) e organizado em torno do tempo, com a atualização mais nova ocupando o
topo do website com data e hora. Até mesmo o formal Oxford English Dictionary, ao tipificar pela
primeira vez o termo “blog”, definiu a ferramenta como “um site atualizado frequentemente que
consiste de observações pessoais, excertos de outras fontes, etc, geralmente atualizado por uma
pessoa” (OED, 2003).
Percebe-se que, entre desencontros em relação às práticas e mesmo aos conteúdos que
blogues podem ser usados para canalizar, todos os pesquisadores citados concordam na estrutura
mais básica do blogue como sendo uma plataforma de publicação centrada em posts identificados
com um link permanente (chamado tecnicamente de permalink) e dados temporais sobre o
conteúdo, como dia do mês e/ou hora de publicação.
Quem mais se aproxima de uma definição condizente com as ferramentas básicas
disponíveis por populares plataformas de blogues até o momento da execução dessa dissertação,
como Blogger3, WordPress4, LiveJournal5, Movable Type6 e Typepad7, é a socióloga da
Universidade de Bamberg, na Alemanha, Jan Schmidt, que propõe a definição de blogues como
[…] websites frequentemente atualizados onde os conteúdos (texto, fotos, arquivos de som,
3 http://www.buzzmachine.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 4 http://chaquente.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 5 http://elysesewell.livejournal.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 6 http://www.movabletype.com/blog/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 7 http://crowdsourcing.typepad.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)
etc) são postados em uma base regular e posicionados em ordem cronológica reversa. Os leitores quase sempre possuem a opção de comentar em qualquer postagem individual, que são identificados com uma URL única. (SCHMIDT, 2007, p.1).
A centralização em posts parece ser a característica estrutural mais importante dos blogues,
já que, sendo eles as unidades chaves de um blogue, como descreve a cofundadora da Pyra Labs,
empresa responsável pelo Blogger, Meg Hourihan, tal estrutura “captura expressões em andamento,
não edições de criações estáticas” (BOYD, 2006, p. 10). Além de dinamismo na maneira como
conteúdos mais novos são apresentados, a sucessão de posts exige que blogues tenham ferramentas
complementares que ajudem o leitor a navegar pelos posts anteriores e que já foram substituídos,
nas páginas iniciais, por outros materiais mais recentes. Como expõe Tim O´Reilly:
A blogosfera pode ser pensada como um novo equivalente peer-to-peer da Usenet e de bulletin-boards, os “bueiros conversacionais” do começo da internet. As pessoas podem não apenas se cadastrar nos sites dos outros e facilmente “linkar” para comentários individuais na página, mas também, por um mecanismo conhecido como trackback, podem ver qualquer um que tenha links para suas páginas, e pode responder com links recíprocos ou não, ou acrescentar comentários. (O´REILLY, 2007, p. 25).
Funcionalidades como comentários, sistema de classificação por tags, lista de links, suporte
a RSS, arquivos organizados por mês e widgets laterais são complementos à estrutura crua dos
blogues que fazem com que o usuário abandone o simples uso da ferramenta de publicação, aceite
“o convite para a conversação” (PRIMO, 2008, p. 123) e explore as práticas conversacionais
inerentes à nova mídia.
O “blogue-protótipo”, constituído a partir da mistura entre a estrutura crua centrada em posts
e com link permanente e um número variável das funcionalidades descritas, restringe-se a uma
ferramenta de publicação pessoal facilitada que automatiza processos e, portanto, derruba o nível de
conhecimento prévio necessário aos interagentes para praticamente zero (GILLMOR, 2004, p. 30).
Um blogue com conteúdo disposto em ordem cronológica reversa, mas que não tenha
comentários, feeds de RSS e/ou widgets, não se transforma em um site convencional – ele continua
a ser um blogue, da mesma forma como outro veículo com todas as funcionalidades habilitadas
também o é, embora ambos guardem profundas diferenças em seus funcionamentos.
Neste cenário, porém, o blogue é tratado como mais um sistema de gerenciamento de
conteúdo (do inglês, content management system) que não se beneficia das particularidades
conversacionais e do cultivo de audiências que ajudam a moldar suas práticas. Em suma,
representar conteúdo em ordem reversa e com link permanente ainda é fazer uso do blogue, muito
embora a plataforma se distinga pouco de outros CMSs disponíveis para gerenciamento de
conteúdo digital. A relação entre CMSs e plataformas de blogues começa a se extinguir de maneira
que softwares como o WordPress já oferecem configurações para que webmasters criem sites a
partir das ferramentas responsáveis por blogues.
A popularização dos blogues passa por um marco histórico no setor, onde a então exigência
de se conhecer a linguagem de programação HTML para manter seu registro online impedia uma
adoção em massa e restringia a prática do blogue a funcionários do mercado de tecnologia
familiarizados com códigos. Os primeiros blogues que se têm notícia, algo a ser detalhado no
capítulo 3, eram feitos por programadores que precisavam formatar não apenas a apresentação da
página, mas também o conteúdo (fosse ele texto ou imagem) que seria veiculado no post, como foi
o caso de Justin Hall no Links From the Underground, que estreou em janeiro de 1996.
A estreia da primeira ferramenta de blogues, da desenvolvedora Pitas em julho de 1999, e,
principalmente, da ferramenta Blogger, da Pyra Labs, ajudaram a quebrar a resistência e incentivar
o público em geral a criar seus blogues ao oferecer uma interface familiar, “com comandos simples,
semelhantes aos dos editores de texto” (GUTIERREZ, 2003, p. 91), onde imagens e links poderiam
ser formatados pelo apertar de botões. Além de popularizar o termo “weblog”, foi o Blogger o
responsável por engatilhar o movimento “button-pushing publication”, plataformas online que não
exigiam conhecimento prévio e permitiam que qualquer um criasse seu espaço para reflexões no
ciberespaço. O movimento de transformar códigos de programação em interfaces em que os
mesmos resultados são atingidos com o apertar de botões - um movimento iniciado em 1984, com a
Apple lançando no Macintosh o primeiro sistema operacional com sistema de navegação gráfico
baseado em ícones, símbolos e janelas, e não a tradicional linha de comando –, teve ainda
desdobramentos em outras áreas de colaboração online, como criação de redes sociais centradas em
assuntos específicos por meio do serviço Ning ou Coghead.
A facilidade oferecida pelo Blogger atraiu um contingente de usuários além dos entusiastas
já citados, o que teve reflexos na blogosfera tanto por novas razões pelas quais se atualizava um
blogue como por novos conteúdos publicados. Quando o Blogger quebrou a barreira técnica
necessária para se ter o privilégio de possuir um blogue, o segundo momento da blogosfera,
capturado por análise etnográfica por autores como Herring e Nardi, foi marcado pela divulgação de
narrativas pessoais, semelhantes às encontradas em diários adolescentes, acrescidos dessa vez do
fator comunicacional. O constante uso de metáforas comparando blogues com diários pessoais
marcou a plataforma digital no imaginário coletivo a partir dessa segunda fase do seu
desenvolvimento, como há de ser discutido mais a fundo no capítulo 2.
Além da estrutura básica já apresentada, debateremos algumas das ferramentas adicionais
amplamente encontradas em blogues - RSS, blogroll, tags e widgets, sendo que as quatro primeiras
ajudam na organização e facilitam a navegação do leitor pelo conteúdo arquivado e a última
extrapola as funcionalidades oferecendo conteúdos de bancos de dados externos ao blogue.
Comentários e trackbacks são funcionalidades que serão estudadas mais a fundo, tanto em suas
definições técnicas como em suas consequências conversacionais, no subcapítulo 1.3.
FIGURA 02: exemplo de localização do ícone para assinatura do feed RSS em um blogue
A RSS é uma tecnologia que permite a “assinatura” do blogue em questão, com conteúdos
novos publicados levados ao usuário ao invés de exigir que o site seja visitado constantemente para
checar atualizações. Programas e serviços online, denominados leitores de RSS, permitem o
cadastro dos chamados “feeds”, canais por onde as atualizações são levadas ao usuário, que podem
ser classificados e agrupados conforme sua vontade, o que o torna "uma forma de clipping contínuo
e automatizado" (PRIMO, 2007, p.4).
Tecnicamente, o RSS é uma linguagem que cria uma arquitetura padronizada para exibir o
sumário de conteúdos disponíveis no blogue, acrescidos de meta dados que ajudam na classificação
e exibição do material. Ou, como escreve Dan Libby (1999, p.18), engenheiro envolvido na criação
da tecnologia para o portal My.Netscape.com, que publicou uma revisão do formato ainda em 1999,
“o RSS foi originalmente concebido como um formato de meta dados que oferece o sumário de um
site”.
A natureza estruturada dos dados no RSS permite que o usuário defina filtros para o feed que
exibirão apenas conteúdos que mais lhe interessam, algo que representou a ascensão do movimento
dos mashups online. Um mashup é um serviço nascido para desempenhar determinada função após
duas outras ferramentas ou uma ferramenta e uma fonte de dados (que tinham propósitos originais
diferentes do mashup) tenham sido combinadas.
Ainda que o primeiro esboço do RSS tenha sido criado em 1999 pelo pesquisador
Ramanathan V. Guha dentro de uma iniciativa de um portal para o Netscape, a tecnologia só se
aproximou da qual estamos acostumados a usar hoje em setembro de 2002, quando Dave Winer,
também um dos primeiros blogueiros do mundo, publicou a especificação RSS 2.0. Em 2003,
Winner cedeu o gerenciamento do formato RSS 2.0 para o Berkman Center for Internet & Society9,
grupo de estudos cibernéticos da Universidade de Harvard, e aplicou uma licença Creative
Commons sobre a tecnologia.
Nuvem de tags é o termo que descreve uma ferramenta que ajuda na exploração do
conteúdo arquivado por meio de um sistema de categorização surgido com a cultura digital
chamado de “folksonomia”. A “ folksonomia” é um sistema distribuído de “categorização
8 http://www.scripting.com/netscapeDocs/Rss%200_91%20Spec,%20revision%203.html (Acesso em 25 de outubro
de 2009) 9 http://cyber.law.harvard.edu/rss/rss.html (Acesso em 25 de outubro de 2009)
colaborativa [que] usa palavras livremente escolhidas, chamadas com frequência de tags”, como
explica O'Reilly (2007, p. 23). As tags são descritas por Hayes, Avesani e Veeramachaneni (2006,
p. 1) como “descrições curtas e informais, geralmente de uma ou duas palavras, usadas para
descrever entradas em blogues (ou qualquer outro recurso online)”.
FIGURA 03: exemplo de nuvem de tags, onde o tamanho dos termos (tags) indicam a frequência do seu uso dentro do
blogue
Não existe “uma lista global condensada de tags a partir da qual o usuário pode escolhê-las,
nem há um conjunto de melhores práticas sobre tags” (Hayes, Avesani e Veeramachaneni, 2006,
p.1). Mathes (2004, p. 3) detalha ainda que “não existe hierarquia e qualquer relação diretamente
especificada de relacionamento entre os termos”, fora as tags relacionadas geradas automaticamente
pela associação com URLs semelhantes.
O uso de tags permite associações múltiplas e complementares de um conteúdo da mesma maneira que o cérebro faz, em vez de [explorar classificações em] categorias rígidas. Em exemplo canônico, a foto no Flickr de um filhote pode ser classificada com as tags 'filhote' ou 'fofo', permitindo que ela esteja em dois eixos da atividade gerada pelo usuário (O'REILLY, 2004, p. 23).
Nuvens de tags, portanto, são uma maneira de representar graficamente os principais tópicos
(encarnados pelas tags) abordados pelo usuário em seu blogue ou site, em uma organização onde o
tamanho indica a frequência de uso do termo - quanto maior o termo na nuvem, mais popular ele é
no banco de dados que tenta expressar visualmente.
FIGURA 04: exemplo de blogroll, apontando links relevantes na coluna lateral do blogue.
A liberdade com que usuários podem criar suas tags é alvo de críticas por estudiosos do uso
da folksonomia online, que, como Mathes (2004, p. 4), apontam que o “vocabulário descontrolado
leva a um número de limitações e fraquezas nas folksonomias”.
O problema, complementam Hayes, Avesani e Veeramachaneni (2006, p .2), “é que a tag é
definida localmente e não há mecanismo que indique que duas tags signifiquem a mesma coisa”.
Ou seja: ao mesmo tempo em que é encarada como libertária em relação à hierarquização da
taxonomia, a capacidade do usuário classificar seu conteúdo a partir da tag que achar melhor pode
induzir à navegação falha pelos diferentes parâmetros aplicados na definição do termo.
Blogroll são links que o blogueiro define como forma de indicar outros blogues e/ou sites
em que seu leitor poderá encontrar conteúdos semelhantes aos publicados no seu blogue ou
endereços que o autor considera interessantes. Mais que fazer referência a um post específico, o
blogroll traz uma lista de ambientes externos que compartilhem objetivos ou tragam enfoques
diferentes aos apresentados pelo blogueiro, “mapeando” (NARDI, 2004, p. 11) seu entorno, criando
redes com a blogosfera.
O blogroll pode ser fragmentado pelo blogueiro em categorias que agrupem links sobre
determinados assuntos ou indiquem relação pessoal com o link citado (como é o caso de amigos ou
familiares). A lista também pode servir para que o próprio blogueiro organize seu repertório online,
dispensando outras ferramentas de gerenciamento de conteúdo, como leitores de RSS, muito
embora Efimova e De Moor (2005, p. 2) detalhem que blogueiros consultados em seu estudo
etnográfico não viam sentido no blogroll após o advento do RSS.
Um estudo conduzido por Schmidt (2009, p.112) chegou à média de 16 links indicados no
blogroll, com um quarto dos blogueiros ouvidos indicando apenas links recíprocos e a maioria deles
(85% e 60,3%, na ordem) cita como principais razões para a indicação o fato de lerem os blogues
constantemente ou serem de amigos seus.
Por mais que seja visto como um importante veículo conversacional dos blogues, o blogroll
ainda é menos relevante que os comentários na capacidade de estabelecer e manter conversações
(SCHMIDT, 2009, p.112), seja pela imobilidade de referência a assuntos ou pelo baixo ritmo de
atualização em comparação aos novos posts publicados.
Ainda que tanto blogues como trabalhos acadêmicos sejam afetados por relações
interpessoais (que criam os “clusters10 de referências trocadas”, na denominação do blogueiro
Joshua Allen), o blogroll serve como veículo determinante para que blogues sejam considerados
relevantes. De certa forma, o blogroll se comporta como votos que o blogueiro dá àqueles que
10 “Cluster” é um termo aplicado à ciência da computação, astrofísica e química que designa um agrupamento.
admira (BOWMAN e WILLIS, 2003, p.43).
FIGURA 5: exemplos de widgets que podem ser integrados à interface do blogue
Widgets (que também podem ser chamados de badges) são aplicativos complementares que
introduzem diferentes funções nos blogues. A partir do momento em que ferramentas de blogue
começaram a se tornar mais moduláveis, a facilidade com que usuários passam a poder editar as
colunas laterais e aproveitá-las para enriquecer o conteúdo reproduzido costumeiramente na coluna
central serviu de propulsor para os widgets.
Seja pela associação ágil ou pela ampla variedade de funcionalidades disponíveis, widgets
são usados por muitos dos blogueiros (HERRING, 2004, p.7). A liberdade de edição possível em
softwares como o LiveJournal ou, mais recentemente e em grau mais elevado, o WordPress, tende a
fazer com que widgets se tornem cada vez mais presentes em blogues, em resposta à
tradicionalmente regulada plataforma do Blogger.
A facilidade de integração se associa à conscientização de serviços online em oferecer
códigos que permitem que as funcionalidades sejam levadas dos sites onde estão hospedadas para
qualquer ambiente online que suporte HTML. Isso faz com que blogues possam assumir o papel de
centralizador da atuação online do usuário.
Tradicionalmente, widgets ou badges se caracterizaram como uma forma do usuário mostrar
identificação e se atrelar a algum movimento online colando em seu blogue códigos que
reproduzem uma imagem com link que leva ao site, concentrando a manifestação sobre determinado
assunto.
Pela evolução da programação online, serviços online ou bancos de dados externos ao
blogue podem ser integrados por meio de widgets, expandindo suas capacidades para que
mensagens instantâneas sejam trocadas enquanto o blogueiro está online (Meebo11), que discussões
mantidas em outro ambiente digital sejam reproduzidas junto ao conteúdo do blogue (Google
Friend Connect12), quais as canções mais ouvidas pelo blogueiro sejam indicados (Last.FM13), que
leituras selecionadas pelo blogueiro estejam disponíveis (Delicious)14 e até que um canal de bate-
papo seja aberto em tempo real entre blogueiro e leitores (CoverItLive15).
Se considerarmos a popularização deste movimento de trazer funcionalidades de serviços
11 Http://www.meebo.com (Acesso em 25 de outubro de 2009) 12 Http://google.com/friendconnect (Acesso em 25 de outubro de 2009) 13 Http://last.fm (Acesso em 25 de outubro de 2009) 14 Http://delicious.com (Acesso em 25 de outubro de 2009) 15 Http://www.coveritlive.com (Acesso em 25 de outubro de 2009)
online externos para o blogue por meio dos widgets, podemos constatar que a pequenas aplicações
servirão a objetivos ainda mais específicos que os já suplantados agora e, portanto, têm poder em
potencial para transformar a prática dos blogues.
Assim como os widgets levam ao blogue funcionalidades (compactas e independentes) de
serviços hospedados em outros ambientes, pode-se perceber também como as empresas por trás de
softwares de blogues vêm se preocupando em oferecer ferramentas que facilitem a seleção e edição
de conteúdos para os blogues, ainda que o usuário não esteja com a interface padrão aberta em sua
frente. Exemplo disso é a barra de ferramentas “Blog This”, que o Google oferece para que
blogueiros do Blogger indiquem domínios ou textos que serão jogados automaticamente no blogue.
A constante evolução das ferramentas oferecidas para a manutenção de blogues, focadas não
mais apenas no gerenciamento de conteúdo, mas também em uma melhor organização da
comunidade nascida ao redor do material publicado, faz com que o estudo estrutural dos blogues
possa ser aprofundado em ocasiões futuras, levando-se em consideração as implicações que tais
novidades técnicas significarão às práticas do blogue.
1.2 – As práticas dos blogues
A análise estrutural dos blogues guia a próxima discussão da dissertação, já que é da
apropriação das ferramentas tecnológicas (LEMOS, 2002) que emergem as práticas que guiarão a
criação e a divulgação de conteúdo na nova plataforma. Há uma conexão muito próxima entre
estrutura e prática nos blogues, pois “a tecnologia representa um papel fundamental no molde das
formas resultantes” (BOYD, 2006, p. 12). É pelo uso das ferramentas que “as fronteiras dos blogues
são socialmente construídas, não tecnologicamente definidas” (BOYD, 2006, p. 12). A adoção da
ferramenta, portanto, leva os blogues a assumirem “um vasto leque de usos, resultando em um
conjunto diverso de práticas agrupado sob a rubrica 'blogging'”(PARK, 2009, p. 1).
Este subcapítulo discutirá diferentes perspectivas sobre a prática do blogue, abordando
fatores que podem ser considerados inerentes à rotina citada por Schmidt, e explorando o potencial
impacto que a publicação pessoal em um ambiente público, intertextual e dotado do suporte
multimídia do hipertexto, tem sobre a linguagem, adaptando-se conforme suas restrições práticas de
discurso anteriores.
Como esclarece Schmidt (2009, p.110), o debate sobre as práticas do blogue pode se
concentrar em “características individuais, motivações, rotinas e expectativas ou em propriedades
estruturais da blogosfera, de modo mais proeminente nas redes de links entre blogues ou no público
emergente”. A pesquisadora afirma que os estudos acadêmicos voltados à prática dos blogues se
concentram majoritariamente na língua inglesa, com a exceção de análises voltadas às blogosferas
persa (ESMAILI, 2006), espanhola (MERELO, 2005) e polonesa (TRAMMELL, 2006), o que a
impulsionou a realizar um estudo com mais de 5 mil falantes da língua alemã para descobrir seus
hábitos e rotinas na criação de blogues.
A abordagem inicial das pesquisas para analisar as práticas dos blogues se apoiava em
estudos etnográficos que tentavam apontar rotinas padrões para as diferentes apropriações da
ferramenta blogue. Sendo assim, autores como Nardi, Herring, Boyd e mesmo Schmidt definiram
categorias que formavam a prática do blogue, como frequência, coletividade, conteúdo, motivação e
privacidade (complementares, mas não indissociáveis).
Em uma das primeiras tentativas de definir blogues, Blood (2000) se concentrou no
conteúdo publicado pelo blogueiro, tipificando como “estilo original” da plataforma a apresentação
de “links tanto para cantos pouco conhecidos da Web como para notícias e artigos que acham valer
a pena ser notados”, apostando na então nascente mídia como um método de registro. Todas as
publicações, sempre veiculadas em espaços pequenos, “o que encorajava a precisão por parte do
escritor”, segundo sua concepção, também eram acompanhadas por “comentários do editor” e
carregavam “um tom irreverente e algumas vezes sarcástico”. Blood tomava como base o
movimento dos blogues em desenvolvimento entre entusiastas e programadores antes da introdução
do Blogger, em 1999, e a consequente adoção do serviço por usuários sem conhecimentos técnicos.
Tendo isso em vista, por mais que suas definições documentem com precisão um momento do
desenvolvimento das práticas dos blogues, a tipificação soa exageradamente desatualizada ao se
preocupar apenas em indicar formatos ou tons de abordagem para publicação.
Nardi também aborda a importância do uso de links dentro do conteúdo, embora não
restrinja tom, formato ou assunto abordado para sua tipificação. O estudo etnográfico (conduzido
com 23 participantes no período entre abril e junho de 2003) indica que o uso de links (dentro dos
posts ou por meio do blogroll) fomenta a criação de comunidades ao redor do blogue e cria
integração com outros blogueiros, já que “pessoas tipicamente encontram blogues por outros
blogues que estão lendo, por amigos ou colegas que avisam sobre seus blogues ou de outros, ou
pela inclusão de uma URL em um site ou no perfil de algum comunicador instantâneo”. (NARDI,
SCHIANO e GUMBRECHT, 2004, p. 3).
O estudo etnográfico de Herring, no entanto, vai na contramão da crença de que links são
partes indissociáveis da atividade de “blogar”, apontando que menos de um terço dos posts
analisados em 2003 continha qualquer link, com o grupo estudado atingindo uma média de 0,65 link
por post, muito abaixo da média de 1,89 alcançada por Krishamurthy (2002) ao estudar os hábitos
do MetaFilter, um dos blogues de filtragem de conteúdo mais populares da Web. A descoberta da
pesquisadora reflete o contexto histórico da época: a alta taxa daqueles que declararam manter
blogues como “diários pessoais” (70% dos entrevistados) é desdobramento direto do então sucesso
que o Blogger experimentava com usuários sem conhecimento técnico. A afirmação de Blood de
que a origem do blogue remonta a filtros online centrados em links, então, “representa erroneamente
a maioria dos blogues” na época do estudo, por mais que fizessem sentido em 2000, admite Herring
(2004, p. 9).
Por outro lado, o estudo de Herring corrobora a proposta de Blood (ecoada também por
Gillmor) de que posts são publicações curtas, indicando uma média de 210,4 palavras por
publicação pessoal, número menor, argumenta Herring, do que o presente em e-mails trocados em
uma discussão acadêmica. A baixa taxa de conteúdo de terceiros citado dentro dos posts (18
palavras) também corrobora a análise da pesquisadora de que a ampla adoção da ferramenta como
recurso para narrativa pessoal na amostra influi diretamente no seu resultado, tanto pela
popularidade de links e conteúdos citados nos posts, como na falta de conteúdos multimídia nas
publicações – blogues como veículos para distribuição de imagens, como faz o cartunista Laerte no
seu Manual do Minotauro16 com suas tiras, ou de vídeos, exemplo do presidente da Rússia, Dmitri
Medvedev17.
Diferentes abordagens ao estudo dos blogues concluem que ferramentas não determinam
temas a serem cobertos, o que indica que podemos observar uma grande diversidade nos assuntos
abordados por blogues. A variedade de tópicos compreende desde conteúdo inédito oferecido por
um escritor, que pede à comunidade opiniões e críticas sobre seu trabalho, até citações a outros
conteúdos por meio de hyperlinks (GILLMOR, 2003), sejam elas monossilábicas ou análises
aprofundadas, formando uma espécie de clipping ou agregado crítico sobre o assunto.
A escolha do tema a ser abordado tem relação muito próxima às motivações que levam o
blogueiro a começar seu blogue. Seja para atualizar amigos e família sobre seus passos, divulgar
talentos não aproveitados na atual ocupação, arquivar e organizar trabalhos próprios, indicar links
interessantes ou analisar questões emocionais próprias, “as motivações para “blogar” “são
manifestações de diversos motivos sociais, nas quais as inscrições no blogue comunicam propostas
sociais comunicativas específicas aos outros” (NARDI, 2003, p. 4). Partindo sempre da motivação
social da narrativa íntima, Nardi descreve cinco motivações para se ter um blogue – documentar a
vida do autor; oferecer comentários e opiniões; expressar emoções profundas; trabalhar ideias
enquanto se escreve; e formar e manter comunidades e fóruns –, em estilos que podem alternar de
post para post ou dentro da própria publicação.
A documentação da vida do autor pode misturar tanto fluxos de emoções não editadas como
registros de eventos em sua vida, relevantes para um grupo limitado, composto majoritariamente
por contatos mais próximos, e também para o próprio blogueiro, que cria um arquivo de atividades
16 http://www.verbeat.org/blogs/manualdominotauro/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 17 http://eng.kremlin.ru/sdocs/vappears.shtml (Acesso em 25 de outubro de 2009)
próprias mais fácil de ser consultado e mais definitivo que outras mídias tradicionalmente usadas
para registro, como cadernos de papel. Blogues se tornam apenas mais um veículo para
documentação a partir do momento em que a interação do autor com bancos de dados externos
àquele ambiente, como comunidades de vídeos, serviços de bookmark, listas em sites de comércio
eletrônico, entre outros, torna-se automatizada.
Por meio de serviços como FriendFeed,18 por exemplo, onde o cadastramento de feeds
relativos às atividades online de qualquer indivíduo, é possível manter um histórico das “pegadas
online”, sem que o blogueiro tenha que relatar suas atividades no formato de texto em posts, o que
leva a uma fragmentação do registro online, decorrente da variedade de serviços especializados
nascidos após a popularização do blogue.
A privacidade das publicações é garantida pela opção que permite acesso apenas mediante
senha, que algumas plataformas oferecem a blogueiros. A senha, nesse caso, funcionaria como o
cadeado que protege o diário de papel do acesso indevido, em metáfora que se sustenta se não
levarmos em consideração as profundas diferenças interativas que ambos os modelos de registro
pessoal guardam entre si, assunto que será explorado mais profundamente no capítulo 2.
A privacidade em blogues pode assumir três diferentes níveis: blogues protegidos
completamente por senhas; blogues públicos, que avisam filtros agregadores de conteúdo e serviços
de busca sobre eventuais atualizações (o que facilita a descoberta por leitores que não fazem parte
da sua comunidade); e blogues públicos cujos autores escolhem não enviar alertas sobre novos
conteúdos (o que não impede o acesso, mas dificulta a localização por quem não conhece a URL).
Por fim, a inexatidão domina o histórico das pequisas sobre a frequência necessária para a
prática do blogue. Por mais que se tenha sugerido um tempo médio de espaçamento entre posts
(Herring sugere 5 dias), amostras etnográficas mostraram diferentes ritmos de atualização que
impedem a descoberta de algum padrão. Há mesmo a dúvida se a falta de atualização de um blogue
faz com que ele deixe de ser um blogue (RECUERO, 2009, p. 30). Por mais que os autores não
18 Http://friendfeed.com (Acesso em 25 de outubro de 2009)
tenham encontrado um ritmo padrão na atualização de blogues (partindo do pressuposto que exista
um), a natureza dinâmica da blogosfera exige atualizações frequentes o suficiente para manter o
engajamento da comunidade, algo que resvala em outro componente da prática dos blogues, a
coletividade.
Por mais que tenha nascido como uma plataforma para publicações de autoria individual,
que permitia a livre expressão e debate de opiniões (GILLMOR, 2003, p. 31) pela manipulação
tanto de conteúdos multimídia como vídeos, fotos e músicas, ou citações de outros veículos online,
sejam eles páginas ou outros blogues, a maturidade empreendida pela plataforma mostra como os
blogues mais populares do mundo são obras coletivas, mantidas por grupos de pessoas.
A consulta aos 100 blogues mais populares do mundo segundo o ranking do Technorati
(novembro de 2009), que formula uma lista da blogosfera mundial baseada na quantidade de outros
blogues diferentes que apontaram links para determinado endereço nos últimos seis meses, mostra
que, dos 100 blogues mais populares do planeta, 13 são atualizados individualmente: The Daily
Dish19 (14º lugar), por Andrew Sullivan; o blogue homônimo de Michelle Malkin20 (19º); o blogue
homônimo de Ezra Klein21 (28º); Yglesias22, de Matthew Yglesias (32º); Political Punch23, de Jake
Tapper (35º); The Plum Line24, de Greg Sargent (47º); o blogue homônimo de Ben Smith25 (52º); o
blogue homônimo de Glenn Greenwald26 (61º); The Conscience of a Liberal27, de Paul Krugman
(67º); Perez Hilton28 (77º), por Mario Lavandeira; The Ausiello Files29, de Michael Ausiello (82º); o
blogue homônimo de Glenn Thruch30 (87º); e Dlisted31, de Michael K (95º).
O escritor Seth Godin elabora mais sobre a situação, em um post chamado “Fim do blogue
19 http://andrewsullivan.theatlantic.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 20 http://michellemalkin.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 21 http://voices.washingtonpost.com/ezra-klein/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 22 http://yglesias.thinkprogress.org/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 23 http://blogs.abcnews.com/politicalpunch (Acesso em 01 de novembro de 2009) 24 http://theplumline.whorunsgov.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 25 http://politico.com/blogs/bensmith (Acesso em 01 de novembro de 2009) 26 http://salon.com/opinion/greenwald (Acesso em 01 de novembro de 2009) 27 http://krugman.blogs.nytimes.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 28 Http://perezhilton.com (Acesso em 01 de novembro de 2009) 29 http://ausiellofiles.ew.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009) 30 http://www.politico.com/blogs/glennthrush (Acesso em 01 de novembro de 2009) 31 http://www.dlisted.com/ (Acesso em 01 de novembro de 2009)
pessoal?”, em novembro de 200832 do seu blogue homônimo. “A melhor maneira de aumentar seu
ranking como blogueiro é atualizar com bastante frequência e ter grupos de pessoas fazendo o
trabalho. Se esta é sua estratégia, claro que você não pode ter um blogue sozinho”, definindo uma
analogia para explicar que, por mais que a pessoalidade de um blogue, pela sua definição original,
dificulte sua popularização, os blogues pessoais não estão mortos: “seu blogue pode ser como um
jornal (escrito por uma equipe) ou pode ser como um livro (escrito por um autor). [...] Eles são
diferentes. E precisamos de ambos.”
Percebe-se que a definição do blogue como “vozes pessoais não editadas” (EFIMOVA,
2005, p. 2) pode fazer sentido quando encaramos os blogues situados em uma esfera
majoritariamente artesanal, encaixando-se na rotina diária do blogueiro e atraindo uma comunidade
própria interessada na seleção de assuntos abordados. Alguns blogueiros, porém, conseguem
quebrar a barreira e atraem tanto relevância como atenção do público sozinhos, (no Brasil, o
Querido Leitor33, da química Rosana Hermann, é um exemplo). De maneira geral, porém, a adoção
em massa dos blogues mostra que os de maior sucesso, tanto financeiro como de projeção, mantêm
uma rotina industrial de produção, atrelando relevância a ritmo constante de atualização. Por outro
lado, posts esparsos não desqualificam um blogue como tal.
Como é possível notar pela discussão corrente, tentar analisar as práticas dos blogues como
uma rotina em que padrões podem ser encontrados nas mais diferentes apropriações se torna uma
atividade nem sempre definidora, com estudos que refletem escolhas e hábitos da amostra que se
resolve estudar. Tentar fixar definições médias para atributos como tamanho do post, uso ou não de
links, integração de conteúdo multimídia ou frequência é limitar a plataforma e ignorar seu próprio
histórico de desenvolvimento. Como uma mídia, o blogue é uma plataforma que serve aos
propósitos sociais definidos por cada um dos seus interagentes e, por mais que haja alguns comuns
a diferentes objetivos, esses “valores protótipos” são detectados em práticas em particular, “mas não
são compartilhados universalmente” (BOYD, 2006). Não ironicamente, os estudos que tentavam
32 http://sethgodin.typepad.com/seths_blog/2008/11/death-of-the-pe.html (Acesso em 25 de outubro de 2009) 33 http://blogs.r7.com/querido-leitor/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)
delimitar rotinas foram publicados, em sua maioria, até 2005, quando novos investimentos no
mercado de internet incentivaram a criação de novas plataformas de registro online focadas em
determinadas atividades que levaram o conceito de blogue além do que o Blogger definiu a partir de
1999.
Por que criar um blogue para armazenar suas fotos quando se tem o Flickr34? Por que
escrever posts com seus links favoritos quando se tem o Delicious? Por que escrever posts curtos
quando se pode fazer o mesmo no Twitter35 de maneira mais fácil? Por que perguntar a seus amigos
no blogue sobre festas e eventos se o Facebook36 e o Yelp37 mostram onde cada um deles estará
nessa ou naquela data? Por que perder minutos formatando uma imagem no blogue quando o
Tumblr tem uma interface voltada especificamente para a publicação multimídia? Todas as
atividades acima não se beneficiam de todas as características do “blogue-protótipo” discutido no
subcapítulo 1.1 (algumas não compartilham nenhuma característica, na verdade), mas todas ainda
podem ser consideradas uma maneira de autopublicação online gratuita e extremamente fácil. A
mudança na natureza do blogue, forçada pela popularização de serviços com outros tipos de
objetivos mais focados, força também a academia a mudar a maneira como se encara a prática do
blogue.
Boyd vê a prática de blogue como
a produção de conteúdo digital com a intenção de compartilhamento assíncrono com uma audiência conceitualizada. Trata-se de uma prática n-para-?, em que um número discreto de blogueiros compartilha com um número desconhecido de leitores. [...] O conteúdo que escolhem compartilhar varia tão amplamente como (qualquer outro meio de) comunicação, indo de reflexões a listas de tarefas, filosofias a referências a objetos digitais encontrados (BOYD, 2006, p. 13).
Mais que simplesmente uma produção digital passível de compartilhamento com uma
audiência potencial infinita (algo possível em outras ferramentas de comunicação mediada pelo
computador, como sites tradicionais), a prática do blogue envolve também dinamismo, uma postura
ativa “onde o blogueiro produz expressões semirregulares que se 'amontoam' umas sobre as outras
34 Http://flickr.com (Acesso em 25 de outubro de 2009) 35 Http://twitter.com (Acesso em 25 de outubro de 2009) 36 Http://www.facebook.com (Acesso em 25 de outubro de 2009) 37 Http://yelp.com (Acesso em 25 de outubro de 2009)
sob o mesmo 'teto digital'" (BOYD, 2006), o que faz com que a coleção dessas expressões
incompletas capturem o autor responsável por elas. As ferramentas técnicas citadas até aqui
facilitam esse empilhamento digital: a ordenação retroativa dos posts dá maior destaque aos
conteúdos mais recentes (e, seguindo o raciocínio de Boyd, mais elaborados), enquanto permalinks
e trackbacks interconectam essas “expressões semirregulares”, dando ao leitor um panorama do
processo de criação que levou o blogueiro à sua publicação mais recente. Se considerarmos que
qualquer processo de criação se baseia em expressões incompletas acumuladas e retrabalhadas com
o objetivo de formar um novo conteúdo, a prática do blogue se revela como algo não totalmente
novo – a diferença está no registro do caminho trilhado pelo autor até atingir seu produto final,
passível de consulta e interferência por parte da audiência.
Se excluíssemos o fator tecnológico dos blogues, o que privaria as obras principalmente do
potencial de divulgação de n-para-? e das ferramentas (trackbacks e links permanentes) que unem as
diferentes expressões de uma mesma narrativa, podemos encarar o método de produção dos
blogues, baseado na definição de Boyd da construção sistemática usando fases consecutivas, como
algo já explorado em mídias analógicas. Seja pelos sucessivos comentários curtos que exploram
comentários registrados anteriormente, ou pela escrita com consciência da audiência (ainda que não
tenha havido efetivamente alguma além dos autores), os trabalhos do jornalista norte-americano I.F.
Stone, do ensaísta francês Michel de Montaigne, do político britânico Samuel Pepys e do
conquistador basco Lope de Aguirre, podem ser encarados como protoblogues pelos registros
realizados nas suas respectivas épocas em diários que traziam constantes referências a passagens
anteriores, nascidos antes mesmo de outras mídias, cujas especificidades a hipermídia encarna.
Por influência do dinamismo possibilitado pelos blogues, a criação de conteúdo digital muda
seu foco “do produto final para o processo” (JARVIS, 2009, online)38. Dentro do jornalismo, se
veículos estabelecidos prezam pelo produto final pronto, posts de blogues podem ser encarados
como uma parte do processo de aprendizado, define Jarvis, analisando o embate entre diferentes
38 http://www.buzzmachine.com/2009/06/07/processjournalism/ ( Acesso em 25 de outubro de 2009)
métodos de produção de notícias entre jornais e blogueiros. Jornalisticamente, o post como parte de
um processo, e não como produto final, faz com que a comunidade ao redor do blogue tenha papel
ativo na apuração, o que faz com que um novo processo de produção de notícias emerja, como
Jarvis exemplifica na Figura 06. Ainda que não seja foco desta dissertação discutir os impactos das
ferramentas de publicação pessoal nos processos jornalísticos, a tipificação de Jarvis pode ser
replicada para a enorme variedade de conteúdos que a mídia blogue pode acolher, desde que o
blogueiro explore as capacidades comunicacionais da plataforma que serão exploradas no
subcapítulo 1.3.
FIGURA 06: o novo processo envolvendo notícias na internet. (JARVIS, 2009)
O dinamismo capturado pelo registro das expressões semirregulares sob um mesmo 'teto
digital' tem como consequências tanto a corporificação digital do blogueiro, projetando
virtualmente a identidade do seu autor em um espaço próprio por meio de rotinas como design do
blogue, conteúdo e abordagem escolhidos e interação com a comunidade, como a emergência de
uma nova linguagem nascida do blogue, mais fluida, em que a oralidade e a textualidade confluem.
Partindo da proposição de Döring (2002, online), segundo a qual a identidade pode ser
entendida a partir da multiplicidade do “eu” enquanto algo em constante construção e mudança,
Recuero afirma: “ao mesmo tempo que um blogue é mutante (constantemente modificado,
atualizado, reformulado, reconstruído), a identidade do indivíduo também o é". Isso quer dizer que
o dinamismo da plataforma, seja em seu design ou no ritmo ágil de novos conteúdos, faz com que
blogues acompanhem a constante mudança da identidade do indivíduo melhor que qualquer outra
mídia de autoexpressão. O conteúdo em si constitui um grande definidor da identidade daquele que
ministra as atualizações, ainda que os posts não passem de um apanhado de links (EFIMOVA e
HENDRICK, 2005; TRAMMELL e KESHELASHVILI, 2005).
Após dois mil anos de dominação da palavra escrita, McLuhan lamentava, em 1964, a
ascensão da palavra falada pela explosão no uso de meios de comunicação baseados na voz, como o
rádio, o telefone e a televisão. Segundo ele, “a tecnologia elétrica parece favorecer a palavra falada,
inclusiva e participacional, e não a palavra escrita especializada”, o que fazia com que os valores
ocidentais fossem afetados pelos "meios elétricos" (1964, p. 101). O lamento se explica pela relação
que o teórico faz entre linguagem e desenvolvimento da consciência coletiva: enquanto a
civilização aprendeu a se organizar e a se basear na alfabetização, pela capacidade do alfabeto em
projetar as ideias (e, segundo a teoria de McLuhan, a mente humana) no tempo e no espaço, as
tribos se organizavam “segundo o sentido vital auditivo, que reprime os valores visuais” (p. 105).
A quebra promovida pela hipermídia na “rígida divisão paralelística entre o mundo visual
(da palavra escrita) e auditivo (da palavra falada)” (p. 102), aliada à agilidade de publicação pessoal
pelo apertar de botões, torna os blogues um "gênero de ligação” (HERRING, 2004), ao se apossar
de características de outras mídias de comunicação para que nasça a primeira linguagem totalmente
nativa da internet (ROSENBERG, 2009).
A nova linguagem não se restringe a mimetizar particularidades comunicacionais de meios
anteriores, já que a mistura entre textos, vídeos e imagens pode ganhar novos significados pelos
links feitos pelo blogueiro para conteúdo externos. Em sintonia com a proposta de Boyd, segundo a
qual blogues são não apenas uma mídia, mas também o produto direto da manipulação desta mídia,
Manovich defende que, com a interconexão de conteúdos facilitada pela plataforma de blogues (e
sua consequente navegação e interpretação por parte dos interagentes) também é carregada de
significados além daqueles que preenchem o conteúdo tradicional do post. A cultura dos links e suas
consequentes interconexões carregadas de significados, portanto, são bastante importantes na
definição de uma eventual linguagem nascida da prática dos blogues.
Enquanto Boyd generaliza sua definição de prática de blogue para tentar abarcar os
diferentes métodos de construção de conteúdo digital, Schmidt propõe um framework de tipificação
partindo da explicação de aspectos da vida social, para quem toda ação individual em um nível
micro produz estruturas sociais de nível macro dentro de uma sociedade. Isso faz com que a
pesquisadora afirme que as práticas dos blogues possam ser encaradas como “ episódios individuais
nos quais o blogueiro usa um software específico para atingir determinados objetivos
comunicacionais” (2007, p. 12). Os episódios citados são enquadrados (mas não determinados) por
três elementos estruturais: regras, relações e códigos. Na prática, ações referentes a blogues –
envolvendo seleção ou publicação de conteúdo e estabelecimento de novas conexões –, fazem com
que os blogueiros “(re)produzam aspectos das regras que guiam o processo, (re)estabeleçam
relações sociais e estabilizem ou mudem a maneira como o código de softwares é criado e
empregado” (p. 12).
A correlação entre os três elementos estruturais, que são analiticamente separados, mas
interdependentes em vários aspectos, definidos pelo próprio interagente na hora de criar, atualizar e
gerenciar o conteúdo e as conexões do seu blogue, “leva à formação não apenas das redes
hipertextuais, mas também às redes sociais de densidades variáveis”, em indício de que o estudo de
Schmidt parte do pressuposto de que blogues são ferramentas nativamente comunicacionais – é
impossível aplicar a teoria da pesquisadora a um “blogue protótipo”, como discutido no subcapítulo
1.1, cuja estrutura mais básica conta com posts dispostos em ordem cronológica, data e link
permanente. Logo, a motivação na conceituação de Schmidt é sempre a interação social.
O detalhamento que Schmidt faz dos elementos estruturais mostra que a finalidade de toda
rotina envolvendo o blogue é a socialização. O primeiro elemento, “regras”, pode ser dividido em
duas categorias. A primeira, regra de adequação, “consiste nas expectativas compartilhadas sobre a
adequação de determinada mídia para obter certas gratificações”. Por depender das características
de um determinado formato de mídia comparado a outros formatos, a regra de adequação implica
que, a partir do momento em que um interagente escolheu o blogue como veículo de publicação
online em detrimento de outras ferramentas de comunicação mediada pelo computador, como sites
convencionais, ele busca a socialização inerente à plataforma conversacional.
Para atingir seu objetivo de socialização, o blogueiro segue os passos da segunda regra, a de
procedimento, que engloba a rotina de seleção, publicação e interação necessárias ao cultivo de uma
comunidade ao redor do seu conteúdo. Vale a pena aprofundar aqui as três práticas recorrentes dessa
rotina do blogueiro defendida por Schmidt. As regras de seleção encaram o blogueiro como “o
receptor de conteúdo de mídia (incluindo, mas não se restringindo a, blogues), que tem que decidir
quais fontes online vai ler” (2007, p.3). As escolhas podem ser balizadas tanto por interesses
profissionais como por laços afetivos, assim como podem depender de ferramentas técnicas que
facilitem o gerenciamento da vasta quantidade de informações online, como leitores de RSS.
As regras de publicação encaram o blogueiro como um “autor de conteúdo que tem que
decidir quais tópicos aparecerão em seu blogue, como apresentar o conteúdo e como desenvolver o
blogue inteiro”, algo que leva o blogueiro a ponderar sobre a identidade (e, consequentemente, a
autenticidade) da identidade projetada pelo conteúdo e/ou pela forma escolhidos. As regras de
interação, por fim, encaram o blogueiro como parte integrante de uma rede “que estabelece relações
sociais e hipertextuais que consistem de referências semânticas permitindo uma comunicação
continuada”, em um tipo de rotina que pode ser personificada pela publicação de um post que
responde a conteúdos em outros blogues, pela publicação de comentários em outros blogues ou pela
criação de um link no blogroll para determinado blogue.
O segundo elemento, “relações”, indica as conexões que o interagente estabelece quando
mantém seu blogue, seja pelo uso de mecanismos técnicos que servem ao relacionamento de outros
conteúdos (as chamadas relações hipertextuais integram links, trackbacks e comentários) ou pelas
relações sociais que usam os blogues como veículo, mas podem ser mantidas e aprofundadas em
qualquer outro mídia, inclusive em contatos face a face. O elemento guia a maneira, não apenas os
hábitos, do blogueiro no que diz respeito à seleção de links que será reproduzida em seu blogroll,
mas também na maneira como ele se compromete em responder leitores que interagem por meio
dos comentários ou como links poderão ser distribuídos em seus posts.
Por fim, o “código”, terceiro elemento estrutural do framework proposto por Schmidt, diz
respeito às ferramentas usadas pelo blogueiro para criar seu blogue. Partindo das suas necessidades
comunicacionais, o blogueiro recorre a diferentes tipos de softwares que podem facilitar a interação
com a comunidade ou a customização da sua interface como forma de projetar sua identidade para
seus leitores. Por mais que exista “uma estrutura padrão identificável à maioria dos blogues […],
um blogueiro pode modificar ou personalizar o software a determinado nível, dependendo de suas
habilidades manuais”. Essa escolha entre habilitar funções complementares, como as debatidas no
subcapítulo 1.1, “enquadrará os episódios de fazer um blogue”, sem, no entanto, determinar como o
usuário o fará. Da mesma forma que canalizam, os softwares de blogues também são produtos de
procedimentos sociais, argumenta ela, citando o caso da plataforma aberta Wordpress como
exemplo de como “o desenvolvimento futuro de softwares para blogues também é baseado em
constantes loops de feedback entre grupos com diferentes níveis de experiência e conhecimento
técnico”.
Por mais que sejam separados, os três elementos estruturais são interdependentes.
Regras de procedimento, com maior destaque às regras de conexão, influenciam o tamanho e a composição de redes hipertextuais e sociais emergindo de interações correntes baseadas em blogues. Dentro de algumas dessas redes, comunidades de blogueiros que possam emergir compartilham práticas, desenvolvem um senso de identidade grupal e até mesmo definem e reforçam explicitamente regras de procedimento. (SCHMIDT, 2007).
Em resumo, argumenta Schmidt, as práticas envolvidas em blogues mostram a mesma
dualidade entre estrutura e maneira inerente a qualquer ação social, independente da mídia onde ela
é conduzida. Os elementos citados não são estáticos e estão sujeitos a negociações e mudanças “[...]
já que devem ser reproduzidos em episódios únicos onde os elementos estruturais podem ser
reforçados ou contestados, para que novos aspectos sejam acrescentados pelo desenvolvimento de
rotinas, expectativas e usos dos softwares alternativos [...]”.
Partindo do pressuposto de Schmidt de que o blogue sempre encarna um objetivo social, o
próximo subcapítulo explorará os desdobramentos conversacionais da plataforma e a maneira como
o arranjo de uma comunidade ao redor de um blogue se diferencia de comunidades organizadas ao
redor de outras tecnologias para conversação mediada pelo computador.
1.3 – As conversações por meio dos blogues
Traçar apenas análises instrumentais e sobre as práticas individuais envolvidas na criação e
na manutenção de um blogue seria ignorar o potencial conversacional que os blogues possuem e
também ignorar um lado muito relevante da natureza coletiva dos blogues e seu poder em agregar
comunidades ao redor de assuntos específicos.
Principal mediador da interação entre o autor e o leitor, os comentários “são elementos
significativos da cultura dos blogues, e que são, se não essenciais, muito importantes como
elementos de motivação para os blogueiros e fundamentais como ferramentas de interação social”
(RECUERO, 2009, p. 37). Além dos comentários, outras ferramentas, como o blogroll e os
trackbacks, ajudam a fomentar comunidades que têm características próprias em relação às outras
comunidades nascidas da mediação pelo computador, algo que também será explorado nesse
subcapítulo.
Para Lemos, a cibercultura se caracteriza por três leis fundadoras: “a liberação do polo da
emissão, o princípio de conexão em rede e a reconfiguração de formatos midiáticos e práticas
sociais” (2005, p. 1). A liberação do polo de emissão explorado pelas ferramentas de blogues faz
com que blogues com comentários e trackbacks habilitados se tornem veículos para a agregação de
interagentes ao redor de uma mesma discussão, que leva à criação de um sistema informacional sem
limites de tamanho ou de participação. Isso faz com que as conversações possam ser encaradas, pela
definição de Morin (1991, p. 31), como “sistemas”, já que se tratam de “uma inter-relação de
elementos, constituindo uma entidade ou uma unidade global”.
A diferenciação entre sistemas fechados e abertos está na tensão entre o constante equilíbrio
mantido por poucos personagens, no primeiro, e, no segundo, o caos da inclusão de diferentes
elementos como forma de mapear a evolução, o que torna a desordem algo “imediatamente
relacionada a qualquer transformação por que passa um sistema vivo. Logo, a desordem diz respeito
à vida” (BRAMBILLA, 2006, p. 25). Não é à toa que Morin se inspirou em estudos de sistemas
biológicos, em que também podem ser observados comportamentos coletivos rizomáticos, para
compor sua tese sobre fenômenos de comunicação em ambientes abertos.
Antes da discussão, esclareçamos alguns conceitos que serão fundamentais ao debate neste
subcapítulo. Por comunidade, entendemos “uma rede de laços interpessoais que proporcionam
sociabilidade, apoio, informação, um senso de integração e identidade social”, segundo definição de
Wellman (2001, p. 1). O termo “interagente”, proposto por Primo, retrata com maior precisão e
fidelidade os propósitos dos “participantes da interação” online do que “usuário”, termo
amplamente usado pela indústria de tecnologia (do qual desenvolvedoras de plataformas de blogues
fazem parte). Ao descrever aquele que faz uso de determinado programa ou equipamento, “usuário”
reduz a capacidade dos pesquisadores de cibercultura em definir com maior precisão dois agentes
que interagem de qualquer forma pela mediação de computadores. “Posso falar que o diálogo
através desse sistema seja o intercâmbio entre 'usuários'. Se assim fosse, deveria-se perguntar 'quem
usa quem?'” (PRIMO, 2007, p. 12).
A análise dos blogues como ferramentas conversacionais parte do princípio de que cada
post, comentário, trackback e até mesmo contato por outras plataformas, motivado por um conteúdo
publicado em um blogue, constituem uma grande conversa interconectada que possui sua própria
dinâmica e estrutura, caracterizadas pela fragmentação, como defendem Efimova e De Moor (2003,
p.3). A definição de conversa da dupla é “uma troca de ideias, acontecendo na forma de um diálogo,
na qual a argumentação tem um papel chave no processo interativo […]”. Ao seguir essa definição,
esta dissertação, assim como o artigo etnográfico de ambas, reconhece a incidência de comentários
que não servem à argumentação racional, como spam em blogues (chamados de “splogs”) e flames,
comentários centrados em ofensas que conduzem a discussão a guerras verbais.
A análise das pesquisadoras parte da tipificação proposta por Jenkins (2003, online)39, para
39 http://chaquente.com/wp-content/uploads/2009/10/microdoc-news_-dynamics-of-a-blogosphere-story.pdf (acesso
em 25 de outubro de 2009)
quem a conversa entre blogues envolvendo trackbacks engloba quatro tipos diferentes de post: 1) o
opinativo, que define o tópico e, geralmente, instiga a participação alheia; 2) os votos, em que
blogueiros concordam ou discordam do post original; 3) reações, em que blogueiros constroem
posts mais complexos e argumentativos do que os votos, reiterando ou desafiando as colocações do
post original; e 4) sumarização do assunto, com a coletânea de links apontando para a cadeia de
comunicação iniciada pelo post original.
FIGURA 07: a dinâmica de uma conversação envolvendo diferentes blogues, segundo Jenkins (2003).40
A alternância entre os diferentes tipos de post, centrados em um mesmo assunto proposto
pelo post original, constitui o que Jenkins (2003, online) chamou de “histórias da blogosfera”.
Blogosfera é o termo usado por acadêmicos e usuários para designar o conjunto de blogues, posts,
blogueiros e interconexões de conteúdo publicados na plataforma. Uma “história da blogosfera”
pode ser seguida independentemente de onde o usuário comece a acompanhá-la, o que faz com que
o ambiente de interação entre blogueiros e interagentes (onde estão os comentários e os trackbacks)
seja uma espécie de janela para o desdobramento da conversa dentro do ciberespaço. Ali, é possível
acompanhar a “repercussão de uma determinada discussão em outros blogues, aumentando e
complexificando a rede hipertextual que um blogue pode proporcionar” (RECUERO e PRIMO, 40 Tradução da legenda para o português: opinião (retângulo vertical); voto (círculo);, reação (retângulo horizontal); e
sumário (losango).
2005, p.4), sem que o autor original precise gastar tempo apelando para buscadores de blogues ou
outras ferramentas de agregação. A afirmação é ainda mais verdadeira se tomarmos como exemplo
o post original, aquele chamado de opinativo por Jenkins e que foi o estopim para a discussão
fragmentada.
O registro dos caminhos da discussão pela blogosfera é possível por meio da combinação de
duas ferramentas técnicas das plataformas, debatidas no subcapítulo 1.1: o link permanente e o
trackback.
O primeiro define um link permanente (razão pela qual foi chamado de “permalink” quando
criado) a cada um dos conteúdos criados e publicados na organização retroativa da plataforma de
blogue. O permalink permite que o post, responsável por iniciar ou aprofundar uma conversação,
seja arquivado sob uma URL única, o que facilita seu acesso quando o fluxo de atualizações do
blogue retira o post de sua página inicial.
Traduzida livremente para o português como “rastreie de volta”, o trackback envia um alerta
ao responsável por um documento online de que outro usuário acaba de formatar um link para ele.
No caso de blogues, para os quais tal funcionalidade foi especificamente desenvolvida, o trackback
indica novos posts escritos na blogosfera que tenham trechos, concordem ou discordem de um
determinado post publicado pelo blogueiro. Em um blogue, trackbacks costumam aparecer
misturados aos comentários publicados (outros blogues têm uma área para comentário e outra para
trackbacks).
FIGURA 08: exemplo de como o trackback registra no post original citações em outros blogues
A partir do momento em que a discussão se fragmenta em diferentes espaços virtuais e pode
ser acompanhada de maneira não linear pelas diferentes rotas nascidas do desenvolvimento da
discussão, o interagente se vê obrigado a assumir o papel de “leitor ativo” (LEAO, 1999) por meio
de uma navegação que é, ao mesmo tempo, labiríntica e guiada pelos trackbacks. Nessa função, ele
participa de “uma ação coletiva e construída de complexificação e transformação da rede
hipertextual” (PRIMO e RECUERO, 2003, p. 4), o que faz do interagente também o autor de uma
obra em andamento. A aproximação entre blogueiro e interagente força o primeiro, principalmente
aqueles acostumados com a disseminação de informações por mídias físicas, a aceitar seu trabalho
mais como uma versão do que como algo definitivo (BIRKERTS, 1994).
Para que possamos destacar as especificidades comunicacionais dos blogues, devemos
debater sobre o que diferencia uma comunicação face a face de uma comunicação mediada por
computadores. Se levarmos em consideração os estudos sobre conversações de Marcuschi (2001),
para quem interações orais dependem exclusivamente da espacialidade, a primeira diferença
fundamental que temos entre ambos os sistemas é a maneira como o tempo é explorado de modo
diferente. Um diálogo entre duas pessoas, estejam elas no mesmo espaço ou conectadas por uma
linha telefônica, depende da interação contínua entre ambas, com cortes no discurso e signos ou
gestos que complementam o conteúdo verbal (em conversas telefônicas, engasgos, pausas ou
problemas de dicção podem oferecer mais informações sobre o ambiente no qual se desenvolve a
conversa), o que fez com que Marcuschi também estudasse “os processos cooperativos na atividade
conversacional”, como “trocas de turnos, os silêncios e lacunas, as falas simultâneas, as regras
conversacionais, a coerência conversacional” (PRIMO e SMANIOTTO, 2005, p. 3).
A transição da conversação para um ambiente mediado por computadores sofre um abalo na
dependência do tempo: diálogos podem ser conduzidos entre duas pessoas ou para um grande grupo
a partir de um interlocutor sem depender necessariamente da interação imediata entre ambos.
Ferramentas de comunicação, como modos privativos em salas de bate-papo (chats),
comunicadores instantâneos ou softwares de vídeo em tempo real, ainda respeitam características
comunicacionais que remetem ao encontro face a face, principalmente no que diz respeito à
temporalidade, com turnos definidos na conversa. Blogues, chats, conteúdos no formato de vídeo
ou áudio, fóruns, listas de discussão e outras formas assíncronas de comunicação mediada pelo
computador já não dependem da contextualidade temporal para que ocorram, o que força a ascensão
de novos códigos e mecanismos de comunicação que seguem essa restrição.
Herring (1999) cita dois principais problemas no desenvolvimento dos diálogos dentro de
sistemas mediados por computadores tendo como base a comunicação face a face: a falta de
resposta simultânea causada pelas reduzidas “dicas” áudio-visuais (menos canais prejudicam a
transmissão fiel da mensagem) e a adjacência interrompida de turnos (a mensagem publicada em
um ambiente público de interação não é organizada segundo seu contexto, respondendo direto ao
conteúdo ao qual é voltado, mas sim sendo “empilhado” em uma interface baseada
majoritariamente em texto conforme a ordem de chegada).
A falta de “resposta simultânea”, na forma de indicações que o interlocutor interessado e se
preparando para responder (como é possível em ambientes em que a interface é dividida em duas e
a redação das mensagens é compartilhada com ambos os interagentes), faz com que o diálogo seja
descontínuo e truncado pela sucessão aleatória de turnos, assim como “ torna, de maneira geral,
mais difícil que os produtores da mensagem a moldem para responder os interesses e necessidades
de quem recebe” (HERRING, 1999, p.3).41
Por mais que a teoria indicasse uma potencial incoerência na interação de uma conversa
mediada por computador, Herring descobriu e detalhou algumas mudanças promovidas nas
comunicações no ciberespaço, como a prática dos “backchannels” (dados curtos e sem conteúdo de
relevância, que servem como incentivadores ou indicadores de atenção em diálogos por texto),
sinais de mudança de turno (instituir signos próprios para indicar ao outro interagente que seu
raciocínio não terminou, em uma espécie de pedido de paciência), referências cruzadas de turnos
(copiar trechos da mensagem original para que não haja dúvidas quanto ao conteúdo ao qual se
endereça a resposta) e organização por tópicos (organização de conversas por assunto em listas de
discussão).
A organização por tópicos pode ser registrada até mesmo de maneira sensorial por usuários
em outras ferramentas de comunicação mediada pelo computador que não listas de discussão, em
que interagentes “ignoram” mensagens que não tenham relação direta com o assunto proposto e
discutido, para dar continuidade ao diálogo, como explicita Primo em seu estudo da comunidade
brasileira de blogues Insanus (2006).
41 http://jcmc.indiana.edu/vol4/issue4/herring.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
FIGURA 09: a classificação de sistema de comunicação mediada pelo PC, segundo Herring (2004, p.10)42
As diferentes especificidades comunicacionais no ciberespaço foram separadas pela
pesquisadora em três grupos, cujos diferenciais são a frequência de atualização, a simetria e o
suporte a conteúdo multimídia, como mostra a figura acima. Enquanto páginas convencionais
ocupam uma ponta da linha, com atualizações esparsas e transmissões assíncronas, ferramentas com
um fluxo maior de troca de mensagens, como fóruns e comunicadores instantâneos, aparecem no
canto oposto, com alto grau de atualização e trocas simétricas, muito embora uma sala de bate-papo
em que um usuário troque impressões com um conjunto de interagentes também pudesse figurar na
categoria. Entre as páginas e mensageiros, estão os blogues.
Papéis de autor e leitor nas páginas são altamente assimétricos, em contraste com o [processo] de dar e receber simétrico de fóruns de discussão não moderados/blogues permitem trocas limitadas (na forma de comentários), segundo os direitos de comunicação assimétricos entre leitores e autores - o autor tem o controle final sobre o conteúdo do blogue (HERRING, 2004, p. 10).
As características intermediárias dos blogues os tornam atraentes aos interagentes, segundo
a pesquisadora, para quem autores podem experimentar a interação social sem abrir mão do
controle do espaço comunicacional – ainda que haja um canal direto para se expressar em blogues
com comentários habilitados, o leitor não terá o mesmo poder de decisão que o autor daquele
espaço, em uma relação assumida de submissão que se inverte quando interagentes abrem e
estimulam o diálogo dentro de um espaço próprio.
42 Tradução da imagem: Páginas web padrão: raramente atualizadas, transmissão assimétrica e conteúdo multimídia;
Weblogs: atualizados frequentemente, troca assimétrica e multimídia limitada; Ferramentas assíncronas de comunicação mediada pelo computador: atualizadas constantemente, troca simétrica e baseadas em texto. Os diários online se encontram entre as páginas web padrão e os weblogs, enquanto os blogues comunitários estão entre os weblogs e as ferramentas assíncronas de comunicação, segundo a pesquisadora.
Usando a estrutura proposta por Herring, Efimova e De Moor estudaram as especifidades
comunicacionais dos blogues que afloram da interação entre posts, links e comentários, e definem
conversas por blogues como “uma série de posts e comentários de weblogs inter-relacionados sobre
um tópico específico, geralmente não planejado, mas emergindo espontaneamente” (EFIMOVA e
DE MOOR, 2005, p. 1). Para a dupla, a conversação que se desenvolve dentro desse sistema
obedece a regras próprias que seguem o modelo de comunicação no ciberespaço, analisado por
Herring, mas ainda contam com características próprias em relação a outras ferramentas de
comunicação mediada pelo computador.
Pode-se observar como blogues guardam semelhanças com outras ferramentas de interação
online, como a maneira na qual os comentários em um post são dispostos em ordem cronológica, de
modo semelhante ao sistema de debates de um fórum de discussão, por exemplo. Ainda assim,
conversações pela mídia contam com um caráter viral não encontrado em outras ferramentas – os
diálogos se espalham e se ampliam por posts ou até mesmo comentários de outros blogues que não
aquele que propôs o tema da conversa, escorrendo (PRIMO, 2006) pelo ciberespaço. Em blogues, a
conversação não se concentra em apenas um espaço, mas se espalha de maneira viral por diversos
outros espaços semelhantes (posts e comentários de outros blogues).
Uma conversação de weblog emerge quando um post de um weblog desengatilha respostas
de outros, seja usando comentários no post original ou respostas em outros weblogs que tenham
links para o original. Enquanto o uso de comentários não é muito diferente de qualquer fórum de
discussão, a prática de responder em outro weblog cria certa complexidade, já que a conversação se
espalha por múltiplos blogues. Dado que cada weblog tem sua própria audiência, a conversação se
torna exposta a novos leitores, que geralmente não estão cientes da parte inicial da discussão e têm
uma habilidade limitada para rastreá-la (EFIMOVA e DE MOOR, 2005, p. 1).
A conversa “escorrendo” pelo ciberespaço faz com que as conversações por blogues
enfrentem problemas que outras ferramentas de comunicação mediada pelo computador não
possuem. O alto grau de fragmentação que uma conversação pode atingir, ampliando-se para outros
espaços pessoais além daquele onde o argumento inicial foi proposto, pode ser considerado um
problema, dada as limitações técnicas impostas pelo uso de plataformas de blogues que não
suportam a tecnologia trackback, argumentam as pesquisadoras.
Outro problema está na falta de tecnologias de rastreamento além do trackback, que
apontem para o desenrolar da conversa no ciberespaço com precisão maior do que encontramos
hoje. As pesquisadoras aventam a possibilidade de uma ferramenta que explore o lado semântico da
discussão, apontando posts com argumentos relacionados à discussão (por meio de links), e não o
lado técnico usado atualmente por serviços como o buscador Technorati, que indica posts
classificados manualmente pelo autor por meio de tags.
Fóruns de discussão, salas de chat ou comunicadores instantâneos, restritos a apenas um
ambiente de conversação, não sofrem da incapacidade do autor rastrear e se relacionar com todos
aqueles que se propõem a participar da discussão, em que se pode observar um processo de
comunicação no qual a mensagem é enviada, entendida e processada a ponto de motivar respostas
fragmentadas, que não são captadas e, logo, compreendidas pelo emissor original. O “complexo
tecido social de relações” citado por Efimova e De Moor é, ao mesmo tempo, condutor e barreira
para a exploração social dos blogues, dada a pobreza em ferramentas disponíveis atualmente que
consigam lidar com o fluxo constante e crescente de interações de um sistema aberto.
Anteriormente, as pesquisadoras já haviam apontado características próprias da tecnologia,
que dificultavam a manutenção de diálogos nos blogues da mesma maneira como estamos
acostumados no diálogo face a face: blogues obedecem à sua própria temporalidade (a demora na
réplica a um comentário pode desestimular a comunidade e, portanto, sufocar a conversação) e suas
discussões podem extrapolar outros meios (como mensageiros instantâneos, e-mails ou uma
conversa física) que comprometem a medição precisa do impacto do diálogo entre posts e
comentários.
Ao analisar uma conversação fragmentada em diferentes blogues durante um período de oito
semanas, em um diálogo que envolveu nove blogueiros responsáveis por 30 posts, onde foram
escritos 59 comentários (em inglês e alemão), a dupla apresentou uma tipificação de três
características próprias das conversações promovidas entre blogues: links como a “cola
conversacional”; conversações tangenciais; e conversação consigo mesmo versus conversação com
outros.
A natureza fragmentada da conversação por blogues exige que autores e leitores
desenvolvam a prática de criar links para outros pedaços da discussão, contextualizando o link
fornecido na maioria das vezes com o ponto de vista e o nome do blogueiro a quem citam
(EFIMOVA e DE MOOR, 2004, p. 6), como forma de “claramente distingui-los [outros pontos de
vista] da sua própria perspectiva”. As diferentes práticas empreendidas pelos interagentes que
compõem uma discussão (como fornecer links em citações, empregar trackbacks, criar resumos das
conversas ou responder comentários) foram definidas pelas pesquisadoras como “a cola que
mantém a conversação unida”, uma adaptação que a mídia sofreu em relação a outras ferramentas
de comunicação mediada pelo computador em que o diálogo é conduzido em um espaço público
compartilhado.
O desenvolvimento de discussões tangenciais àquela proposta pelo post original também é
um tipo de comportamento próprio nas conversações mantidas entre blogues. Ainda que muitos dos
posts e comentários partissem de argumentos relacionados à discussão original, as pesquisadoras
notaram como o diálogo direto de leitores nos comentários ou assuntos trazidos “localmente” por
um terceiro blogue que comenta o assunto fazem com que a discussão “siga múltiplos caminhos
simultaneamente, engajando e conectando audiências diferentes”, em um exemplo do que ambas
chamaram de “conversações hipertextuais” (EFIMOVA e DE MOOR, 2005, p. 8).
Por fim, a tensão entre o público e o privado, nascida da composição estrutural do blogue
como uma ferramenta de publicação pessoal acrescida de comentários, fez com que as
pesquisadoras percebessem que posts publicados na conversação mantinham diálogos com leitores,
mas também com o próprio autor, em um exercício coletivo de autorreflexão. A capacidade do autor
de criar sumários que apontam para posts dentro de um blogue, colocando ordem em discussões
anteriores ou mesmo pensamentos esparsos, mostram como a ferramenta pode ser explorada para
que o autor se auto-organize. Ainda assim, posts que sintetizam perspectivas próprias podem servir
como veículo de socialização por comentários ou por outros posts captados pelo trackback. “Uma
grande complexidade dos blogues é que se trata de uma ferramenta usada para gerenciar tanto o
espaço pessoal como para se engajar em conversações com outros". (EFIMOVA e DE MOOR,
2005, p. 9).
A interação por trackbacks e comentários cria novas formas de socialização, seja entre
blogueiros e comentaristas, seja entre blogueiros e blogueiros. A intensa interação entre um grupo
determinado de blogueiros, que comentam ou escrevam posts sobre conteúdos uns dos outros, pode
criar um tipo de comunidade chamada de webrings. Nos webrings, segundo Recuero, os blogues
são “''linkados' uns aos outros e formam um anel de interação diária, através da leitura e do
comentário dos posts entre os vários indivíduos, que chegam a comentar os comentários uns dos
outros ou mesmo deixar recados para terceiros nos blogues" (2003, p. 7).
A formalização de um webring faz com que as interações em comentários se tornem
eventualmente voltadas não apenas ao blogueiro autor do texto, mas também ao grupo como um
todo, partindo do pressuposto de que todos os componentes do webring visitarão determinado
blogue, lerão determinado comentário e eventualmente o responderão com outro comentário ou um
post. O relacionamento mútuo faz com que a pesquisadora defina membros de uma webring como
vizinhos, partindo da definição de que blogues são projeções da identidade do blogueiro e, portanto,
podem ser considerados “representações espaciais do self” (RECUERO, 2007, p. 7).
O conceito de espacialidade nas conversações de blogues tem relação direta com as regras
que o blogueiro responsável impôs no diálogo que será mantido dentro do espaço. Desta maneira,
por mais que um blogue com comentários habilitados ofereça um ambiente livre para expressão de
pontos de vista, conversações em blogues diferem daquelas mantidas em outras formas de
comunicação mediada pelo computador por oferecerem privilégios distintos aos discursos de
diferentes atores sociais.
[…] a estrutura de diálogos em blogues é fundamentalmente diferente [de outras formas de comunicação mediada pelo computador]. Existe uma distinção entre o blogueiro e a audiência, em que o blogueiro pode escrever novos posts ou comentários, mas a audiência pode apenas responder nos comentários ou por outros meios de comunicação. (BOYD, 2006, p. 15).
A identificação de um leitor com os assuntos e com as formas como são tratados em um
blogue pode se desdobrar em outras relações de reconhecimento, que transbordam a simples
publicação de comentários ou criação de posts derivados. Boyd explica que, quanto maior for a
identificação do leitor com o blogueiro, maior é a chance daquele tratar o blogue como um espaço
pessoal online caracterizado como uma projeção da personalidade do seu autor. Essa identificação
(que, caso compartilhada entre outros leitores, pode motivar a criação de uma comunidade ao redor
do blogue em si, e não apenas do conteúdo publicado) faz com que o leitor encare e se relacione
com o blogue como uma extensão do seu autor.
A tensão entre espacialidade e corporalidade emerge quando existem diferenças na percepção entre blogueiros e leitores. Para o blogueiro, o blogue é corporal, mas para o leitor, é um espaço para conversação. Na transição, o espaço de um blogue é construído como um artefato da performance do blogueiros, tendo como testemunha uma ferramenta de blogue. Um blogueiro não desempenha para o espaço, mas o cria como um artefato. Ainda assim, em futuros engajamentos com o blogue, eles [os blogueiros] não o veem como um espaço visitado, mas como parte de si mesmo. Conversacionalmente, o leitor trata o blogue como um espaço em que, quanto mais intimamente conectado ao blogueiro o leitor estiver, mais ele respeitará (o blog) como uma extensão da pessoa. (BOYD, 2006, p. 18)
Em termos práticos, um leitor que encara o blogue não como um espaço público, mas como
uma extensão do seu autor, tem maior chance de humanizar as discussões mantidas nos
comentários, defendê-lo de ofensas vindas de outros comentaristas sem seu nível de intimidade e
prezar pela manutenção harmoniosa do espaço. Alguns fatores que fogem à identificação ajudam a
moldar uma comunidade e entender as razões pelas quais leitores comentam. Stephen Dubner
perguntou em seu blogue Freaknomics, dentro do jornal The New York Times, por que se comenta
em blogues. Condensadas em um novo post no dia seguinte,43 a pesquisa informal em rede de
Dubner mostrou que a socialização entre os próprios leitores incentiva ou inibe comentários: além
de prezar por comentários que “tenham algo de original ou valoroso” a ser compartilhado, a
43 http://freakonomics.blogs.nytimes.com/2007/03/16/why-you-comment-on-blogs/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
potencial repreensão de outros leitores em uma possível repetição de argumento inibe a publicação
de comentários. Outra resposta popular diz respeito à participação do autor: muitos preferem
comentar em blogues onde o autor responde aos comentários, algo que Dubner admite não fazer
como deveria.
O fechamento do círculo conversacional, com o autor respondendo ao comentário do leitor,
inevitavelmente leva à criação de um laço entre ambos que, por mais que seja mantido em um
espaço público regido por regras privadas, definidas e exercidas pelo blogueiro, tem também
consequências àquele que inicia a conversação. A consciência de uma comunidade ao redor das
ideias pode fazer com que o blogueiro defina assuntos ou abordagens que serão praticados
diferentemente de sua expressão em um ambiente fechado ou, no sentido inverso, “o fato de haver
uma audiência manteria a escrita indo, já que o autor sabe que existem pessoas esperando por novos
posts”, segundo Nardi et. al. (2004, p. 10). A pesquisadora ainda propõe que a interação por meio de
blogues pode reforçar e aprofundar laços estabelecidos em comunidades físicas, como salas de aula,
citando o exemplo de um professor da Universidade de Stanford, que estimulou um trabalho
acadêmico com blogues como forma de “facilitar a construção da comunidade de aprendizado ao
colocar [estudantes] em conversações uns com os outros eletronicamente” (NARDI,, 2004, p. 10).
No fim, a pesquisadora relata que alunos da classe atingiram um senso mais apurado do coletivo ao
interagirem com blogues de colegas seus, desdobrando-se para o contato diário na sala de aula.
Se nos basearmos tanto na distinção de privilégios dentro da conversação proposta por Boyd
como na definição defendida por Castells (2003, p.1000) sobre as particularidades relacionais das
comunidades digitais, maiores e com um número maior de laços fracos em comparação às
comunidades formadas tradicionalmente ao redor de ambientes físicos, concluímos que a
conversação por blogues “escorre” por diferentes ambientes governados por regras distintas
(definidas pelos blogueiros que escreveram os conteúdos debatidos) e que tendem a atrair a atenção
tanto daqueles leitores que compõem a comunidade do blogue como por leitores “cambiáveis” que
se interessaram pelo assunto ou pela abordagem proposta.
Neste capítulo, exploramos o potencial conversacional do blogue, destacando a importância
de ferramentas complementares à sua estrutura básica, como comentários e trackbacks enquanto
veículos para o desenvolvimento de diálogos fragmentados em outros espaços privados digitais e
formando comunidades de leitores que se identificam com a projeção da identidade do autor por
meio da escolha de conteúdos, links e abordagens. Com isso, discutimos a definição do blogue tanto
em relação à sua estrutura, focando em suas ferramentas básicas, quanto em relação às suas práticas,
analisando como a apropriação de tais ferramentas se traduz em hábitos que podem ser indicados
como nativos do blogue, bem como na sua capacidade de hospedar conversações e agregar uma
comunidade ao redor do seu conteúdo.
No próximo capítulo, exploraremos as razões pelas quais blogues devem ser considerados
uma mídia e discutiremos o histórico da classificação dos gêneros que podemos encontrar para
blogues.
2. Categorias e mídia: a evolução na classificação dos blogues
O estudo das práticas dos blogues é importante, já que foi a mudança no foco do conteúdo
para o conjunto de hábitos que regem a criação e manutenção de um blogue que fez com que a
academia tivesse uma abordagem mais criteriosa para um sistema de classificação de blogues.
A primeira abordagem apresentada pela academia equiparava blogues a outros veículos de
disseminação de conhecimento com formatos fechados de publicação, restando a análise do
conteúdo veiculado para traçar diferenciações entre eles.
O uso constante de metáforas na tentativa de esclarecer o fenômeno ajudou, ainda, não
apenas a disseminar a classificação dos blogues em categorias de conteúdo, mas também a
estigmatizar a ferramenta como veículo próprio apenas para um determinado tipo de conteúdo –
observaremos essa postura em dois momentos distintos.
O foco nas práticas dos blogues, tendo em vista fatores como a motivação, a socialização e a
interação com outras ferramentas tecnológicas, fez com que os pesquisadores abandonassem a
restritiva classificação por conteúdo e começasse a encarar blogues como uma mídia, e não como
um veículo por meio do qual se exercita a escrita de determinados gêneros. Para essa discussão
usaremos a definição de Bakhtin, para quem gêneros do discurso são “ tipos relativamente estáveis
de enunciados” (2005, p. 279).
Este capítulo pretende traçar o histórico da classificação dos blogues, indicando momentos
históricos que motivaram tais definições, e aprofundar a justificativa da tipificação do blogue como
mídia, detalhando e aprofundando ainda o sistema proposto por Primo para essa classificação.
Como já foi introduzido, as primeiras tipificações dos blogues em categorias consideravam o
conteúdo veiculado pelo blogueiro como critério de identificação. Em uma das primeiras tentativas
de explicar o fenômeno, Blood (2000) detalha como os primeiros blogues se dedicavam à
publicação de links considerados interessantes pelo blogueiro.
A dificuldade em criar um blogue, processo então altamente técnico que exigia
conhecimento em HTML, limitava a adoção do veículo. O alto nível de entrada, argumenta ela,
acabou refletindo a maneira como interagentes pioneiros, com alto grau de envolvimento no
mercado de tecnologia, usavam a mídia como forma de compartilhar endereços com seus contatos,
apresentando-se como “uma mistura de proporções únicas de links, comentários e análises pessoais”
(BLOOD, 2000, p. 1).
O lançamento de ferramentas que automatizam processos, permitindo a publicação por meio
do apertar de botões e oferecendo interfaces semelhantes a softwares de produtividade, como foi o
caso do Blogger, da Pyra Labs, atraiu um contingente de novos usuários, composto por diferentes
perfis (seguramente, menos entusiastas de tecnologia do que os primeiros), cuja apropriação da
ferramenta ajudou a quebrar o esterótipo de blogues como repositórios de links.
A facilidade com que se pode criar um blogue, porém, faz com que o uso da ferramenta para
a narrativa íntima pessoal institua outro estereótipo para os blogues, repetido e que ficou
impregnado: blogues como diários pessoais virtuais. A popularização do blogue como forma de
registrar acontecimentos cotidianos e extravasar pensamentos íntimos – como indicam estudos
como o de Herring (2004) – foi simultânea aos primeiros casos que começaram a dar visibilidade ao
fenômeno, amparada principalmente pela grande mídia. Exemplos da equiparação estão tanto em
veículos nacionais, como a Folha de S. Paulo (“diários online”)44, ou o Jornal do Brasil45 e as
revistas Época,46 Veja47 e Isto É Dinheiro48, todas utilizando a expressão “diários virtuais”, quanto
internacionais, com destaque para o jornal The New York Times, responsável pela expressão
“diaristas da web” 49.
A tipificação dos blogues como diários íntimos virtuais foi constantemente reforçada na
tentativa de estabelecer um elo entre uma forma de registro pessoal, já amplamente conhecida, e um
novo veículo. Ainda que a comparação tivesse sentido para uma grande parte dos interagentes
(novamente, os estudos de Herring comprovam tal uso), a estereotipagem prejudicou diferentes
apropriações dos blogues, a partir do momento em que o fenômeno, ao quebrar a barreira dos
entusiastas, era encarado restritivamente como repositório de experiências pessoais.
Mais que isso: diários pessoais de papel e blogues que sirvam ao relato pessoal do
interagente, ainda assim, guardam diferenças bastante relevantes, principalmente no que diz respeito
à sociabilidade. A manutenção de um diário pessoal em papel implicava em uso de métodos (como
cadeados ou o segredo de sua existência), que impedem seu acesso por terceiros.
Blogues de acesso público, ainda que tenham comentários fechados, permitem que outros
canais de comunicação sejam usados para o início de um diálogo entre blogueiro e leitor sobre o
conteúdo publicado, quebrando a premissa de privacidade inerente aos diários criados por
adolescentes. A própria linguagem adotada pelo blogueiro pode indicar que, ainda que não haja
canal de retorno dentro daquele ambiente, ele tem a consciência de que escreve para uma audiência
– o uso de saudações e convites ou a publicação de conselhos são figuras de expressão sociais,
44 http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u3961.shtml. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 45 http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernos/domingo/2001/09/15/jordom20010915004.html (Acesso em 25 de
outubro de 2009) 46 http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG74912-5990-428,00.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 47 http://veja.abril.com.br/200601/hipertexto.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 48 http://www.terra.com.br/istoedinheiro/412/ecommerce/poder_blogue.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 49 http://www.nytimes.com/2004/07/26/politics/campaign/26blogue.html?8br. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
defende Nardi et. al. (2004). Portanto, mesmo que um blogueiro pretenda criar um blogue para sua
narrativa pessoal, o ambiente privado necessário para um tradicional diário pessoal de papel não
existirá, fazendo com que o blogue seja uma adaptação (com fins sociais) do método anterior de
registro.
A exploração de metáforas como forma de tentar explicar a nova plataforma por meio da
equiparação com formatos anteriores de registro de conhecimento tem o intuito de facilitar o
entendimento aos leigos, mas tem como consequência a limitação no entendimento de novas
práticas ou características comunicacionais daquele meio. Ainda que seja uma “ ferramenta
linguística valiosa para introduzir novos conceitos”, a metáfora, quando usada de forma exagerada,
“distorce o conceito que está sendo introduzido”, defende Boyd (2006, p. 6), que critica o título do
artigo de Nardi (“Blogging as social activity or Would you let 900 million people read your diary?”
ou, em português, “Blogar como uma atividade social ou Você deixaria 900 milhões de pessoas
lerem seu diário?”), ainda que reconheça seu valor etnográfico.
Pela metáfora, pessoas atribuem cognitivamente as propriedades de um conceito antigo a um novo. Metáforas funcionam quando dois conceitos compartilham muitas propriedades. Ainda assim, as diferenças são o que separam os conceitos. Avaliar um novo conceito sob os termos de um antigo ofusca maneiras pela qual práticas se diferenciam nas mentes dos praticantes. Isso também torna obscuro quaisquer diferenças que emerjam em termos de produção […]. Ao avaliar blogues sob os termos dos diários ao invés dos termos dos próprios blogues, Nardi et. al. estão empobrecendo a emergência de um novo conceito. (BOYD, 2006, p. 7).
A comparação com outros veículos de registro de conhecimento, porém, não deve ser
descartada para ajudar a definir esse novo conceito, já que a natureza híbrida dos blogues mistura
ferramentas, rotinas e gêneros de discurso já presentes em outros meios de comunicação, que,
integrados, possibilitam a ascensão de um novo meio, com suas características próprias. Em outras
palavras, Herring define que “o blogue não é fundamentalmente nem novo nem único, mas ocupa
uma nova posição na ecologia de gêneros da internet” (HERRING et. al., 2004, p. 10).
A dificuldade na categorização explorada até agora é explicada por Boyd pelo fato do
blogue ser tanto o produto da prática (a linguagem que emerge da prática, que, por sua vez, vem da
apropriação das ferramentas) quanto a mídia pela qual o blogueiro produz suas expressões. “Os
blogues emergem já que blogueiros estão blogando.”, segundo a pesquisadora, que detalha a
dificuldade na tipificação do fenômeno em comparação a outro meio.
O rádio é uma mídia na qual pessoas se expressam, mas o ato de falar para ser transmitido não é 'radiar', nem é o produto do rádio falado. O rádio só existe quando o discurso das pessoas é transmitido por ondas de rádio. Assim, blogues são tanto o produto da expressão como a própria mídia. (BOYD, 2006, p. 11).
Essa característica descrita por Boyd faz com que blogues se encaixem precisamente na
definição de McLuhan (1967, p.21), para quem uma mídia é uma extensão por onde o homem pode
se expressar além das limitações do seu corpo, ajustando-se “à mudança de escala, cadência ou
padrão […] nas coisas humanas” para a criação da mensagem nativa daquele meio. Por McLuhan,
“Os meios têm o poder de impôr seus pressupostos e sua própria adoção aos incautos.” (1967, p.
30), conceito adaptado por Boyd para explicar as duas personificações da plataforma.
“Blogues são precisamente isto: eles permitem que pessoas se estendam em um ambiente
digital interligado que, geralmente, é difícil de ser desencarnado. O blogue se torna tanto o corpo
digital como a mídia pela qual os blogueiros se expressam.” (BOYD, 2006, p. 11).
As diferentes apropriações que podem ser feitas da plataforma para diferentes fins fazem
com que blogues, ao mudar sua classificação de gênero para mídia, sejam mais parecidos com o
papel que propriamente com os veículos feitos do material, como diários ou livros. Assim como o
papel, blogues podem ser usados “para tudo, da criação de listas de mercado à publicação de
pesquisas inovadoras, ao desenho de figuras, ao anúncio de móveis para vender, ao registro de
contas pessoais e à redação de colunas de fofocas”. A flexibilidade de qualquer mídia (seja ela o
papel, o rádio, a TV ou a própria linguagem humana) para atender diferentes intentos é fruto direto
da sua evolução, em definição explicitamente aplicável para os blogues. “Não são as convenções ou
tipos de conteúdos que definem os blogues, mas o framework no qual as pessoas podem se
expressar.” (BOYD, 2006, p.11)
Estudos anteriores que tentavam apresentar tipologias para blogues apresentam falhas tanto
por misturarem conceitos como conteúdo, prática e sociabilidade em seus frameworks quanto por
apelarem para categorias extremamente generalistas que dessem conta de formatos e estilos não
previstos pela tipificação proposta. A crescente adoção da ferramenta por diferentes perfis de
usuários se desdobra em novos estilos e organizações, que nem sempre as categorias propostas pela
academia contemplam, o que acaba sobrecarregando grupos criados para a classificação dos
blogues que não se encaixam nas categorias sugeridas.
Esta análise se inicia pela tipificação proposta por Krishnamurthy, dividida em duas
dimensões, reproduzidas graficamente por dois eixos: pessoal x topical e individual x comunitário.
São quatro quadrantes: o primeiro abarca blogues pessoais e individuais, denominados “diários
pessoais”; o segundo, pessoal e comunitário, denominado “grupo de suporte”; o terceiro, individual
e topical, chamado de “coluna reforçada”; e o quarto, comunitário e topical, chamado de “conteúdo
colaborativo”. As conclusões são decorrência da análise feita por Krishnamurthy sobre padrões de
publicação em blogues coletivos na semana seguinte aos atentados de 11 de setembro, o que levou o
pesquisador a afirmar que, no período, observou-se um número maior de posts publicados, com um
número menor de links em comparação à média de outros períodos.
FIGURA 10: o gráfico proposto na tipificação de Krishnamurthy (2002)50.
Entre os exemplos dados para sua tipificação, estão diários pessoais dentro da comunidade
50 Tradução da imagem: Quadrante I: diários online; Quadrante II: grupo de suporte; Quadrante III: colunas
sofisticadas – por exemplo, Andrewsullivan.com; e Quadrante IV: criação colaborativa de conteúdo – por exemplo, Metafilter.
LiveJournal no primeiro quadrante; um grupo de amigos 'blogando' sobre questões pessoais entra
no segundo; blogues que indicam links com comentários de contextualização fazem parte do
terceiro; e blogues coletivos não focados em questões pessoais (como o tradicional blogue de filtro
MetaFilter51) entram no quarto quadrante.
Herring et. al. (2004) parte da sua análise tendo como base a tipificação de Krishnamurthy
para elaborar sua proposta de classificação, definindo cinco categorias que usam como base “a
proposta do blogue”. Parâmetros como sociabilidade, frequência, prática e coletividade são levadas
em consideração no estudo, mas não para criar os grupos definidores. As cinco categorias são:
diário pessoal, filtro, K-log (abreviação de “knowledge log”, ou “registro de conhecimento”, em
tradução livre para o português), misto e outros.
Pode-se afirmar que a explicação de cada uma das categorias fornecida por Herring é
questionável em alguns pontos. A categoria “K-log”, por exemplo, arrebata blogues como
repositórios de conhecimento a respeito de um determinado assunto, sempre com comentários mais
longos e analíticos. Já a categoria “filtro” prevê blogues em que o usuário indica links encontrados
durante sua navegação com comentários próprios. Se um “filtro” se especializa em um assunto, tal
qual o “K-log”, ambos compartilham as mesmas características e objetivos (coletar, organizar e
arquivar informações sobre alguma área de conhecimento), a única diferença guardada entre ambos
é o tamanho dos posts, classificação que a própria pesquisadora acha problemática para restringir o
estudo - “posts podem variar significantemente em tamanho dentro de um mesmo blogue”
(HERRING, 2004, p.4) - ao comentar o porquê da categoria “notebook”, tipificada por Blood, ter
sido deixada de fora.
O uso de duas categorias extremamente generalistas ( “misto” e “outros”) dificulta ainda
mais a tipificação, por deixar de lado o metodismo acadêmico por trás da definição após a
observação e análise criteriosa, além de ignorar a pluralidade de fins que a apropriação da
ferramenta pode suscitar, deixando de lado nesse sistema qualquer novo tipo de exploração que não
51 http://www.metafilter.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)
os já documentados. Explorar as duas categorias faz sentido à argumentação da pesquisadora de que
blogues são um “gênero híbrido, que copia muitas fontes, incluindo outros gêneros online”, mas
prejudica o rigor da pesquisa ao renegar a heterogeneidade do fenômeno e sua evolução mediante a
apropriação para diferentes fins, apertando “a textura da diferença em categorias planas”(PRIMO,
2008, p.4).
Sistema de classificação semelhante usa Recuero (2003), separando blogues em categorias
parecidas às de Herring (vale notar que a pesquisadora gaúcha publicou sua tipificação um ano
antes que a norte-americana): “diários eletrônicos”, explorando a narrativa pessoal; “publicações
eletrônicas”, dedicando-se de maneira generalista à informação; e “publicações mistas", aqueles
blogues que misturam posts pessoais com informativos.
Primo parte da explicação do sistema de classificação proposto por Herring para começar a
explicar seu sistema, em arguição que poderia ser estendida a qualquer outro método de tipificação
que se apoie não apenas no conteúdo oferecido, mas também apele para categorias generalizadoras.
Como existe uma grande quantidade de blogues que exercita diferentes gêneros discursivos em diferentes posts (ou mesmo em um único post) e como o 'blogar' vem sendo modificado com o tempo (tendo em vista a interação com a audiência, como também os humores e interesses dos blogueiros), é preciso buscar um método que reconheça o que é heterogêneo, mas que não o prenda em gavetas homogeneizadoras. (PRIMO, 2008, p. 125).
Para tanto, Primo apresenta “um conjunto de dimensões que deve ser considerado na
elaboração de modelos para a tipificação dos blogues”, que, ao invés de um plano bidimensional
com quatro quadrantes como o de Krishnamurthy (2002), se apoia em uma matriz cujos quatros
eixos exploram preceitos como coletividade ou individualidade, esfera pessoal ou corporativista e a
tensão entre relato objetivo e análise, como reproduzido na figura seguinte. A matriz é dividida em
quatro colunas que dizem respeito à interação entre o número de blogueiros envolvidos e sua
proposta, podendo o blogue ser profissional e pessoal para um único autor e grupal e organizacional
para múltiplos autores. No total, a matriz prevê 16 gêneros de blogues.
FIGURA 11: a matriz de tipificação de Primo (2008, p.126)
A diferenciação entre blogues pessoais e profissionais feita por Primo está no objetivo de ter
com o blogue algum tipo de ganho profissional, seja ele receita publicitária ou relevância dentro do
setor que se propõe a cobrir, e não na presença de uma corporação no desenvolvimento e divulgação
do blogue. Um blogue mantido “com o fim primeiro de buscar rendimentos através da veiculação
de propaganda [seja ela na forma de anúncios gráficos ou de posts comprados] será também
classificado como blogue profissional”, ainda que o conteúdo se concentre basicamente em narrar a
vida pessoal do blogueiro.
O próprio pesquisador faz a ressalva, no entanto, de que a exploração do blogue como forma
de “repercutir em sua atuação profissional (com reputação, por exemplo) ” pode ser caracterizada
como uma atitude profissional, ainda que não garanta ao blogueiros rendimentos diretos. Logo, o
profissional acumula como moeda a reputação no seu campo de trabalho por meio do blogue, o que
pode se traduzir em ganhos materiais não imediatos.
A matriz é cortada por quatro linhas responsáveis por classificarem blogues pelo teor de seus
posts em quatro categorias: “Reflexivo”, que prevê análises do blogueiro sobre qualquer assunto
que não um próprio; “Informativo”, em que informações são fornecidas ou reproduzidas sem
qualquer análise ou juízo de valor; “Informativo Interno”, em que informações sobre processos
internos são dadas sem qualquer análise ou juízo de valor; e “Auto Reflexivo”, em que o blogueiro
analisa e dá opiniões sobre questões próprias.
Por fim, Primo defende que o sistema de classificação não restringe os blogues por completo
a uma determinada categoria, assumindo que diferentes categorias poderão ser observadas em
diferentes posts ou dentro de apenas um post de um mesmo blogue. Nas palavras do próprio
pesquisador,52 é necessário “julgar o que é mais comum, o padrão seguido. Certamente nenhum
texto, em qualquer suporte, filia-se apenas a um gênero. Um conto de terror, por exemplo, pode ter
partes de humor. Mesmo assim o classificamos como terror e não comédia.” (PRIMO, 2009).
Logo, a proposta do pesquisador apresenta grupos que se assemelham muito mais com um
sistema de classificação por tags do que por categorias fixas, o que justifica também sua posição de
que seus argumentos compõem um conjunto de dimensões, e não uma tipificação definitiva. A
seguir, exploraremos cada um dos 16 gêneros, dando exemplos para cada um deles e aprofundando
a matriz proposta pelo pesquisador para torná-la mais rica no que diz respeito aos conteúdos
oferecidos pelos blogueiros.
Comecemos pelos blogues profissionais. Segundo Primo (2008, p.3), blogues dessa
categoria são escritos “por uma pessoa com especialização em determinada área”, não importando
“se este profissional possui educação formal”, já que “as enunciações em um blogue profissional
carregam consigo um argumento de autoridade, um conhecimento aprofundado sobre os temas
abordados”. O importante aqui é a maneira como o blogueiro se apresenta, e não seu
credenciamento acadêmico, já que ele “reconhece que a credibilidade de seus textos reflete a
reputação construída no tempo, em virtude do sucesso de suas ações como profissional”.
Fatores como a informalidade ou a presença de opinião pessoal nos posts não desqualificam
52 Entrevista realizada em 24 de agosto de 2009 por e-mail com Primo sobre os gêneros dos blogues.
o blogue como profissional. Esta categoria abarca tanto os blogueiros que têm rendimentos estáveis
vindos do blogue, conhecidos no setor como probloggers, quanto aqueles que complementam a
renda com seus blogues. Ainda que haja prazer ou vontade de expressar sua opinião, o blogueiro
tem como principal objetivo no seu blogue aumentar seus rendimentos, o que condiciona suas
práticas, como a busca de assuntos com potencial para atrair maiores audiências.
São quatro os tipos de blogues profissionais: o profissional autorreflexivo descreve blogues
em que um profissional reflete sobre suas próprias atividades, como é o Blog de Blindness,53
mantido pelo cineasta Fernando Meirelles durante o processo de edição, classificação, distribuição e
divulgação do seu filme Diário sobre a Cegueira, em 2008; o profissional informativo interno, em
que um profissional relata, sem qualquer análise ou aprofundamento, suas atividaes cotidianas; o
profissional informativo traz posts que reproduzem textos ou conteúdos, como links e imagens,
externos ou do profissional, sem que haja qualquer edição, como é o caso do De graça é mais
gostoso,54 que oferece links para softwares e conteúdos multimídia sem o pagamento de direitos
autorais; e o profissional reflexivo, em que o blogueiro discorre analiticamente sobre o área do
mercado em que atua, como é o caso do Coxa creme,55 mantido pelo publicitário Ricardo Cavallini.
Blogues pessoais são tipificados como “uma produção individual, mas que diferencia-se de
blogues profissionais por não ser guiada por objetivos ou estratégias bem definidos e em
consonância com o trabalho do autor”. Vemos aqui uma categoria em que a profissão do blogueiro
ou sua postura em se apresentar como especialista em determinada área para acumular reputação
independe do conteúdo oferecido no blogue. Entram aqui também blogues mantidos por blogueiros
fechados no anonimato por potenciais problemas que poderiam sofrer com a Justiça – a maioria dos
blogues que oferecem gratuitamente gravações antigas digitalizadas pelo blogueiro, por estarem
esquecidas nos catálogos das gravadoras (chamados tecnicamente de MP3blogues), é classificada,
como discutiremos mais à frente, como pessoal informativa.
Novamente, são quatro as classificações para blogues pessoais: o pessoal autorreflexivo diz 53 http://bloguedeblindness.bloguespot.com/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 54 http://www.degracaemaisgostoso.org/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 55 http://www.coxacreme.com.br/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
respeito ao uso do blogue como registro da narrativa pessoal do blogueiro, ou a versão digital e
social do seu diário pessoal, como é o caso do Querido Leitor,56 em que a bacharel em física e
apresentadora Rosana Hermann comenta, em tantos outros assuntos, questões pessoais; o pessoal
informativo interno relata, sem qualquer análise, atividades corriqueiras ou ações que fazem parte
de um plano pessoal do blogueiro, como o Diário do pão com manteiga na chapa,57 em que o
jornalista Rafael Capanema relatava diariamente se havia comido pão com manteiga, ou o Correndo
Atrás,58 em que o também jornalista Mário Guilherme Vasconcelos relata treinamentos e pesagens
para perder peso e correr uma prova de corrida urbana de 10 quilômetros; o pessoal informativo
registra informações (sejam elas textos, links ou imagens) que despertem o interesse do blogueiro,
como é o Um que tenha,59 em que o blogueiro Fulano Sicrano publica e hospeda cerca de 4,5 mil
discos fora de catálogo por prazer ou mesmo o Pirate Coelho60, blogue em que o escritor Paulo
Coelho agrega e organiza links para que leitores baixem cópias digitais dos seus próprios livros; e o
pessoal reflexivo, em que o blogueiro faz comentários e analisa conteúdos próprios ou alheios,
atendo-se apenas aos temas do seu interesse, como é o Farrapo,61 blogue mantido pelo coordenador
de marketing Jonathas de Vargas.
Blogues grupais se caracterizam pela cooperação entre um grupo maior do que dois autores
agrupados ao redor de um mesmo assunto em um mesmo blogue. A publicação, segundo o
pesquisador, pode ser tanto individual, com cada um dos blogueiros expressando suas opiniões e
explorando assuntos de interesse próprio, como coletiva, o que dará ao blogue uma imagem coesa
por meio de posts assinados pelo conjunto. Não há necessidade de consenso – ainda que todos os
integrantes tenham opiniões radicalmente diferente sobre um mesmo assunto, o blogue continuará
sendo produzido por um grupo que se reunirá em razão de um mesmo tema. A única restrição que o
pesquisador faz para a coletividade presente em blogues grupais diz respeito à hierarquização e ao
56 http://blogues.r7.com/querido-leitor/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 57 http://www.paocommanteiga.bloguespot.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 58 http://colunas.globoesporte.com/correndoatras. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 59 http://www.umquetenha.org/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 60 http://paulocoelhoblog.com/pirate-coelho/ Acesso em 25 de outubro de 2009 61 http://farrapo.bloguespot.com. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
estabelecimento formal de metas e objetivos para o blogue, fatores observados nos blogues
organizacionais, como será debatido mais adiante.
Os quatro grupos para blogues grupais são: o grupal autorreflexivo, em que um grupo debate
suas próprias atividades, atingindo desde alunos reunidos para um trabalho na faculdade ou no
colégio a pais cujos filhos sofrem de uma mesma doença e usam o blogue como forma de
organizarem alguma atividade ou uma associação que os representem; o grupal informativo interno,
para que as atividades ou mudanças de cronogramas de uma agremiação sejam informadas a todos
seus componentes, por exemplo, em um tipo de conteúdo bastante popular em blogues
autorreflexivos; grupal informativo, em que conteúdos (independentes da forma) sobre uma mesma
temática são congregados por múltiplos autores sob um mesmo blogue, como é o caso do
LuvLuvLuv,62 especializado em fotografias, gráficos, ilustrações e vídeos relativos ao tema amor; e
o grupal reflexivo, blogue coletivo em que blogueiros com interesses semelhantes publicam
individualmente sobre um mesmo assunto, como o AllesBlau,63 nascido da necessidade dos
catarinenses se informarem sobre as enchentes que atingiram Santa Catarina em novembro de 2008.
Por fim, os blogues organizacionais também reúnem grupos de pessoas interessadas nos
mesmos assuntos, mas os blogues contam com estruturas que preveem hierarquia entre os
blogueiros ou a definição de metas quanto à quantidade de posts publicados, ou leitores atraídos, ou
qualquer outro fator que coloque os autores como membros de uma organização com objetivos
específicos. Na definição de Oliveira (2002, p. 126), citada pelo pesquisador, uma organização “é
uma combinação de esforços individuais que tem por finalidade realizar propósitos coletivos”,
valendo-se de “divisão de trabalho, coordenação e hierarquia” como fatores que regem seu
desenvolvimento.
Enquanto grupos podem se dissolver após atingir um objetivo ou ultrapassar um
acontecimento, a organização se estrutura para postergar sua sobrevivência. Ainda que grupos
possam manter suas ligações por tempo indeterminado para a manutenção de um blogue,
62 http://luvluvluv.tumblr.com/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 63 http://allesblau.net/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
organizações preveem uma divisão hierárquica para as tarefas que denota o mínimo de
profissionalização no método. Vale a ressalva também de que blogues da categoria nem sempre têm
o lucro como objetivo primário, assim como não precisam representar necessariamente uma
empresa formalizada.
As quatro categorias dos blogues organizacionais são: o organizacional autorreflexivo, que
traz análises comentadas sobre estratégias da própria organização, como é o caso do Fatos e
dados,64 blogue criado pela Petrobrás em junho de 2009 para que a empresa petrolífera rebatesse
acusações da imprensa e publicasse na íntegra entrevistas dadas a veículos da mídia; o
organizacional informativo interno, que distribui informações sobre a organização a seus membros
constituintes; o organizacional informativo, que explora a divulgação ou arquivamento de
conteúdos que digam respeito à área ou à própria atuação da organização, como é o caso do Br-
Linux,65 comunidade centrada em softwares de código aberto que replica conteúdo externo sobre o
assunto, ou o Vivoblog,66 em que profissionais da operadora Vivo detalham informações sobre
promoções e lançamentos da companhia.
Ao transferir a análise dos temas para fatores como coletividade ou objetividade e admitir a
pluralidade dos posts em um mesmo blogue, concentrando-se na tipificação das publicações e não
do conjunto completo, as métricas de Primo se revelam mais precisas na tentativa de atingirmos um
sistema de classificação definitivo para o fenômeno. Se definirmos um eixo Z para a matriz do
pesquisador referente a temas (como tecnologia, cultura, energia, economia e tantos outros, por
exemplo), seu sistema ainda consegue abarcar os assuntos abordados em cada um dos posts – no
novo modelo tridimensional reproduzido abaixo, cada quadrante 3D representaria uma categoria de
blogue que explora um determinado assunto.
64 http://www.bloguespetrobras.com.br/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 65 http://br-linux.org/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 66 http://www.vivoblogue.com.br/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
FIGURA 12: o aprofundamento proposto na dissertação para a matriz de Primo.
Ainda assim, o conjunto de dimensões de Primo pode ser debatido quanto à necessidade de
uma categoria apenas para informações referentes à própria atuação (sem qualquer tipo de
julgamento ou análise, da maneira mais precisa e objetiva possível) do blogueiro, seja ele
independente ou parte de um grupo ou organização. A afirmação ecoa a pesquisa etnográfica
conduzida por Primo para aplicar na prática suas dimensões: ao enquadrar as 16 categorias nos 50
blogues mais populares em língua portuguesa segundo o ranking oferecido pelo buscador para
blogues Technorati, o estudo não encontrou exemplos para nove dos 16 gêneros – entre eles, os
quatro referentes ao blogue informativo interno (profissional, pessoal, grupal e organizacional).
A falta de popularidade de blogues do tipo flagrado pelo ranking do Technorati, no entanto,
não significa que tal gênero não exista. A questão é que a maioria dos exemplos observados no
desenvolver da pesquisa, sejam eles grupais ou organizacionais, abordavam suas próprias atividades
com um mínimo de julgamento e análise inerente à exploração mais profunda de uma decisão ou ao
debate frente a uma polêmica. Se observarmos tanto o blogue do principal executivo da Sun,
Jonathan Schwartz,67 quanto o do presidente do Mercado Livre, Stelleo Tolda68 (a pesquisa não teve
acesso ao histórico do blogue mantido por Emílson Alonso, do HSBC), poderemos notar que o
relato sobre decisões internas é acompanhado constantemente por justificativas sobre a estratégia
adotada pela empresa, o que confere ao conteúdo uma interpretação e um julgamento que,
independente da profundidade, faz com que o simples relato definido por Primo não seja atingido. A
própria escolha da plataforma blogue como forma de comunicar decisões corporativas ao mercado
ou aos próprios funcionários denota a escolha por discurso mais pessoal, sem o corporativismo
inerente aos comunicados oficiais.
Outro problema na aplicação do sistema está na capacidade dos conteúdos de se
“movimentarem” não apenas verticalmente na matriz (de informativo interno para informativo,
como já discutido), mas também horizontalmente, no que diz respeito à coletividade de sua criação.
Consideremos o exemplo de um jornalista que produz um blogue dentro do portal de uma revista ou
jornal de grande alcance. Por mais que o blogue traga a escolha de assuntos, apuração, redação e
análise do blogueiro (seja ele jornalista ou não), o conteúdo publicado pode obedecer a preceitos
éticos ou comerciais estabelecidos pela editora responsável pelo veículo. Tal restrição exige que a
tentativa de tipificação observe cuidadosamente a influência das decisões corporativas sobre o
conteúdo selecionado e publicado pelo jornalista, o que dificulta a caracterização fiel, já que nem
sempre é possível documentar os interesses envolvidos. Vale destacar que a prática se diferencia de
blogues corporativos em que blogueiros, jornalistas ou redatores são contratados para preencherem
o blogue com o conteúdo definido pelo departamento de comunicação da empresa, o que faz com
que o profissional seja um ghost writer que serve aos propósitos da companhia.
Há de se observar com calma também quando os responsáveis pela publicação de conteúdo
original o replicam em seus blogues pessoais, formando uma espécie de portfólio online para
67 http://blogs.sun.com/jonathan/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 68 http://mlonlinegeneration.wordpress.com/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
organizar sobras ou íntegras de textos, ilustrações, designs ou vídeos dentro de um mesmo ambiente
digital. Podemos citar os casos dos blogues Trabalho Sujo,69 do jornalista Alexandre Matias,
Manual do Minotauro,70 do cartunista Laerte, e o blogue homônimo71 do também jornalista Pedro
Alexandre Sanches, como exemplos de canais onde conteúdo produzido dentro de veículos de
maior projeção (no caso, os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo e a revista Carta
Capital) é replicado, geralmente na íntegra ou com comentários que envolvem sua confecção.
Ainda que estejam replicando conteúdos que, na teoria, não pertencem a seus autores (contratos de
vinculação de jornalistas com veículos de grande porte preveem que todo conteúdo produzido a
partir da sua infraestrutura pode ser considerado de posse do jornal ou da revista), a óbvia
observação da autoria, aliada a valiosos detalhes sobre as escolhas e dificuldades enfrentadas na
produção, permite-nos afirmar que trata-se de blogues profissionais reflexivos ou até mesmo
autorreflexivos. A republicação de conteúdos próprios produzidos profissionalmente fora do blogue,
seja como portfólio ou para escoar informações não utilizadas na veiculação original, pode ser
encarada como forma do profissional acumular relevância frente ao mercado, seguindo a explicação
de Primo.
Este subcapítulo teve início retomando a classificação pioneira do blogue como gênero e
argumentando que, seguindo a linha de argumentação de Boyd e de McLuhan, a conceitualização
mais precisa é a de que se trata de uma mídia, que influencia diretamente a mensagem conforme a
apropriação que os interagentes fazem da ferramenta, e não apenas mais um veículo para replicação
de gêneros de discursos já explorados anteriormente. Foi retomado também o histórico conceitual
da tentativa de se aproximar de um sistema definitivo que nos ajude a separar e a classificar os
blogues, concluindo na matriz proposta por Primo, que leva em conta preceitos como coletividade e
o objetivo social do blogue para encaixar o blogue em 16 categorias. Por fim, foi alvo de discussão
pontos do conjunto de dimensões do pesquisador que merecem análise cuidadosa antes da sua
execução, além da proposição de uma aprofundamento da matriz, introduzindo um eixo Z, onde
69 http://www.oesquema.com.br/trabalhosujo/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 70 http://www.verbeat.org/blogs/manualdominotauro/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 71 http://pedroalexandresanches.blogspot.com/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
gêneros podem ser usados como fatores de diferenciação. No próximo capítulo, retomaremos o
desenvolvimento do fenômeno no Brasil, explorando semelhanças e disparidades em comparação
ao histórico dos blogues nos Estados Unidos.
3. Marcos e diferenças: comparando o desenvolvimento da blogosfera nos
Estados Unidos e no Brasil
Este capítulo desfiará o histórico da blogosfera nos Estados Unidos, intercalado com
detalhes do desenvolvimento do fenômeno no Brasil, mostrando como a adoção brasileira é
consequência direta do movimento norte-americano, apresentando marcos similares (respeitando o
contexto regional) e algumas movimentações próprias não observadas no exterior. A narrativa será
dividida em quatro categorias que agrupam acontecimentos que guardam certa semelhança entre si,
como forma de facilitar a leitura e a organização dos eventos abordados: Pioneiros, Ferramentas,
Visibilidade e Adoção Corporativa.
Antes, devemos restringir o campo de pesquisa e definir que o histórico usará como
definição de blogue uma tecnologia de publicação pessoal com processos técnicos (como a
programação de códigos) automatizados, para veiculação de conteúdo variado.
A explicação é necessária já que, caso consideremos o blogue simplesmente uma ferramenta
utilizada para que qualquer um possa exprimir suas ideias dentro do ciberespaço, teríamos que
começar pelo primeiro site da rede, produzido por Tim Berners-Lee, em maio de 1990,72 dentro do
domínio cern.ch. A simples página tinha como objetivo explicar o conceito do projeto World Wide
Web, apresentado em 1989 ao European Organization for Nuclear Research (CERN), e indicar, por
atualizações feitas diretamente no HTML, novos sites montados por outras organizações
acadêmicas. O World Wide Web Constorium (W3C) guarda uma cópia da primeira página para
72 http://info.cern.ch/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
consulta.73
Antes de começarmos a detalhar o desenvolvimento da blogosfera no Brasil, traçando
comparações com o fenômeno nos Estados Unidos e indicando semelhanças e disparidades,
precisamos rever como se deu o desenvolvimento das primeiras comunidades digitais no país. Para
tanto, precisaremos rememorar como a internet começou no Brasil.
A primeira conexão de internet no Brasil foi realizada em setembro de 1988, quando o
Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), ligado ao Centro Nacional de Pesquisas
(CNPq), conectou-se ao sistema de mensagens Bitnet (sigla para Because is Time to Network - “já
que é tempo para se conectar”, em tradução livre do inglês), operado pela Universidade de
Maryland, nos Estados Unidos. Um ano antes, uma reunião na Universidade de São Paulo,
envolvendo outros centros de pesquisa espalhados pelo Brasil, discutiu a implementação de uma
rede nacional para troca de informações acadêmicas.
Experimentos do tipo aconteciam em outras áreas do país. Em novembro de 1988, uma
parceria entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) com o centro
de pesquisa norte-americano Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab) também estabelece
conexão com a Bitnet. Em maio de 1989, foi a vez da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) também se conectar à Bitnet por meio de parceria com a Universidade da Califórnia
(UCLA).
Para ajudar na popularização da web entre universidades, o Governo Federal anunciou em
setembro de 1989 a criação de um grupo que coordenaria a implementação da infraestrutura
necessária para que houvesse banda disponível para o crescente interesse. A Rede Nacional de
Pesquisa (RNP), coordenada pelo engenheiro Tadao Takahashi, estabeleceu o backbone responsável
pelo recebimento do sinal no Brasil e gerenciou a distribuição de acesso a universidades brasileiras,
fundações de pesquisa e órgãos governamentais, como esclarece Vieira (2003, p.9).
73 http://www.w3.org/History/19921103-hypertext/hypertext/WWW/TheProject.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
Nos anos seguintes, a RNP seria responsável não apenas pela parte técnica, coordenando a
instalação da estrutura necessária e distribuindo pontos de acesso, mas também pela evangelização
de centros de pesquisa e pesquisadores sobre os benefícios da internet. Em 1992, a rede montada
pelo órgão já interconectava institutos em Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Em 1994, já eram
cerca de 50 instituições acadêmicas atendidas, segundo contagem da RNP.
Por mais que a academia formasse o grosso do uso da internet no Brasil, o interesse pela
rede crescia entre empresas e não pesquisadores. Primeiro caso do tipo foi o Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas (Ibase), que usava o “Alternex, um serviço de correio eletrônico e
grupos de discussão conectado à rede, em 18 de julho de 1989” (VIEIRA, 2003, p. 9). Em junho de
1992, a própria Alternex já havia se aventurado em oferecer a qualquer interessado planos para
conexões à rede.
O aumento na procura (principalmente longe das universidades) se alinhou à política de
privatização do então nascente governo Fernando Henrique Cardoso para que a Embratel perdesse o
monopólio no acesso comercial à internet. Parte da Telebrás, a Embratel já dava os primeiros passos
no acesso comercial à internet antes mesmo da posse de Cardoso – em 20 de dezembro de 1994, o
provedor lançou o Serviço Internet Comercial em caráter experimental até abril do ano seguinte.
Como pode se observar pela reprodução do anúncio vinculado pela Embratel à época, o acesso à
internet passava longe do trivial.
FIGURA 13– Embratel anuncia Serviço Internet Comercial em dezembro de 1994. Fonte: Internet no Brasil
(www.internetnobrasil.net).
A quebra no monopólio estatal nas telecomunicações brasileiras, primeiro passo para a
privatização do Sistema Telebrás, aconteceu em 15 de agosto de 1995, quando tanto a Câmara dos
Deputados como o Senado aprovaram a Emenda Constitucional número 8, permitindo que a
iniciativa privada explorasse serviços de comunicação que incluíam a internet. A iniciativa,
defendida pelo então Ministro das Comunicações, Sérgio Motta, permitiu o florescimento de um
mercado rico de provedores de internet. A Embratel continuava a operar a infraestrutura para as
conexões, mas seus clientes agora seriam os provedores de acesso. A variedade de planos
disponíveis a qualquer usuário, aliado ao novo posicionamento da RNP para prover infraestrutura
fora do ambiente acadêmico, deu o empurrão inicial necessário para a internet comercial no Brasil.
A primeira comunidade virtual estabelecida no Brasil teve início em 21 de agosto 1990,
quando o engenheiro Demi Getschko e o químico Francisco Antonio Doria criaram um grupo
dentro da Bitnet para discutir ópera, chamado Opera-L. O texto de apresentação, escrito por ambos,
já esclarecida o intuito da comunidade:
Você é um dos poucos felizes que sabe que Wagner chamou seu Leitmotive Grundthemae ? Ou você não sabe diferenciar um leitmotiv de um pretzel e, ainda assim, ama todos os tipos de ópera? Você simplesmente_ama_opera? Então se alista na nossa lista! Envie um e-mail para [email protected] contendo o comando SUBSCRIBE OPERA-L (nomes pessoais não são aceitos, não queremos que você se constranja...) (DORIA e GETSCHKO, 1990, online74).
Ainda que tenha sido iniciado por dois brasileiros (ao ajudar Demi a criar o grupo, Francisco
estava nos Estados Unidos escrevendo um artigo com o matemático também brasileiro Newton da
Costa), o Opera-L era em inglês e tinha em sua maioria participantes norte-americanos e europeus.
O Opera-L continua ativo e ganhou uma festa de 10 anos em que alguns dos seus colaboradores se
reuniram para comemorar sua primeira década. Em seu site, é possível consultar os arquivos
antigos, ver imagens dos pioneiros e participar de discussões dentro da rede social Facebook75.
No consequente desenvolvimento da internet comercial registrado nos anos seguintes no
Brasil, destacam-se dois tipos de comunidades digitais adotadas fervorosamente pelos brasileiros:
os BBS (Bulletin Board System, ou “sistema de quadro de avisos”, em tradução livre para o
português), que têm como pioneiro e principal exemplo o engenheiro Aleksandar Mandic, cujo
MANDIC BBS atingiu 70 mil usuários no ápice em 1998; e as salas de chat, bastante populares
entre os portais, como o UOL, o BOL (inaugurados em abril de 1996 e com operações congregadas
em setembro do mesmo ano), o ZAZ (nascido em dezembro de 1996 da parceria entre o grupo de
mídia RBS e a empresa de softwares NutecNet) e o iG (lançado em janeiro de 2000 por iniciativa
dos fundos GP Investimentos e Banco Opportunity).
Pioneiros
74 http://www.opera-l.org/?id=10 (Acesso em 25 de outubro de 2009) 75 http://www.facebook.com/group.php?gid=25703098721 (Acesso em 25 de outubro de 2009)
Por mais que haja um início de polêmica quanto ao primeiro blogueiro, Rosenberg afirma
que é seguro indicar o então estudante norte-americano do ensino médio, Justin Hall, como tal. Em
10 de janeiro de 1996, após ser desafiado por um amigo a publicar algo novo todo dia, Hall dava
início a um diário escrito em tom pessoal que acompanharia a coleção de links considerados
interessantes publicados diariamente no Justin's Links from the Underground76. O primeiro post de
Hall dava indícios da frequência com a qual a ferramenta seria usada: “pensamentos diários, uma
noção útil […], parece uma boa ideia para mim, acho que terei algo novo no topo do www.links.net
todo dia.” (HALL, 1996).77
FIGURA 14: reprodução do primeiro post do www.links.net, primeiro blog criado por Justin Hall. Reprodução.
Nos dias seguintes, a publicação de Hall misturava aspectos pessoas com comentários
culturais e links considerados interessantes. O pioneirismo de Hall fez com que a New York Times
Magazine, em dezembro de 2004, o classificasse como “o fundador do blogue pessoal”.78 “Há
76 http://www.links.net (acesso em 25 de outubro de 2009) 77 http://www.links.net/daze/96/01/10/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 78 http://www.nytimes.com/2004/12/19/magazine/19PHENOM.html?pagewanted=print&position=. (Acesso em
quinze anos, meu site era assim. Hoje, existem muito mais links, em todo lugar! Internos, externos,
atualizados passivamente ou ativamente – existem muitos dados digitais permeando nossas vidas.”,
diz Hall em post de janeiro no seu Justin's Links, que continua ativo.79
Além da discussão teórica sobre os limites da ferramenta de publicação na definição de um
blogue (o que poria, com justiça, a página de Berners no topo), o próprio admite que seu Links from
the Underground foi inspirado por outro site de atualizações constantes em ordem reversa, o
Ranjit's HTTP playground,80 em que o engenheiro de som Ranjit Bhatnagar registrava informações
diárias como suas refeições.
Em fevereiro de 1996, Dave Winer, o mesmo pesquisador responsável por formatar a versão
2.0 da tecnologia de sindicalização Really Simple Syndication (RSS), ajudou a criar o que seria
mais tarde considerado um blogue para o 24 Hours of Democracy Project,81 projeto que seria uma
resposta ao Communications Decency Act (CDA), legislação norte-americana que seria aprovada
em 1997 para tentar regularizar a divulgação de material pornográfico na internet. Nascido como
um agregador de links considerados interessantes por Winer, como demonstra o arquivo dos
primeiros meses, o Scripiting News se desenvolveu em artigos mais corridos e analíticos.
Por mais que Winer se apresente como o responsável “que detonou a revolução dos blogs”82
ou Hall seja descrito como fundador do mesmo processo pelo New York Times, não foi nenhum
deles o responsável por cunhar o termo “blog”. Em dezembro de 1997, o termo que denominaria a
ferramenta apareceria pela primeira vez no seu formato original. Jorn Barger criou o termo
“weblog” como junção das palavras web e log (ou registro) para o seu Robot Wisdom, algo que
denominava o conjunto de links publicados pelo programador ao encontrar conteúdos interessantes
ao navegar.
25 de outubro de 2009) 79 http://links.net/daze/2009/01/26/nonfiction-transcription-to-layering-game/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 80 http://www.moonmilk.com/previous/playground.html. (Acesso em 29 de outubro de 2009)
81 http://www.scripting.com/twentyFour. (Acesso em 29 de outubro de 2009) 82 http://www.webword.com/interviews/barger.html. (Acesso em 29 de outubro de 2009)
Jorn se aproveitou do registro online como forma de separar materiais que comporiam,
posteriormente, o projeto de um portal que indicariam links e conteúdos interessantes sobre
assuntos separados em categorias como “Diversão”, “Tecnologia”, “Ciência” e “História”. “Estou
determinado a me dedicar a esta tarefa por um tempo - dedicar tempo integral para iluminar os
cantos mais escuros (da internet), construindo meu portal 'Net.literate', e mantendo comentários no
meu weblog.”83
Quase dois anos depois, “weblog” foi abreviado e se tornou o “blog” usado hoje. A
abreviação veio pelas mãos de Peter Merholz, que, brincando com o termo, acabou transformando
“weblog” em “we blog”, algo como “nós blogamos”, em tradução livre para o português. “Eu decidi
pronunciar a palavra 'weblog' como 'wee-blog', ou 'blog', para abreviar”, afirmava Merholz em seu
blogue em outubro de 1999.84 O termo foi usado, pela primeira vez no Peterme.com e,
consequentemente, na blogosfera de maneira geral.
Dois anos após Justin Hall publicar o primeiro post no seu Links from the Underground, a
gaúcha Viviane Vaz de Menezes, então com 17 anos, estreou uma versão digital do seu diário,
chamado de Delights to Cheer, “entre a última semana de janeiro [e a] primeira semana de fevereiro
de 1998”. O primeiro post, de tom altamente confessional, seguiu à risca a maneira como outros
blogueiros, que ainda não se designavam assim, publicavam seus textos: editando as páginas que
seriam postas online diretamente no HTML. Em entrevista, Viviane rememora a parte técnica do
processo, que exigia trabalhosa dedicação para que o post estivesse pronto para ser publicado.
Na época haviam muitos 'journals', diários mesmo, online, estrangeiros. Eu já tinha um desses desde início de 1997. As atualizações eram quase diárias, longos textos, praticamente uma vez por dia, atualização manual mesmo, criar páginas HTML, adicionar links pro dia anterior e seguinte e tal. Havia uma comunidade grande lá fora. Quando surgiu o sistema de weblogs, as pessoas passaram a fazer tudo de forma automática e muitas vezes por dia e havia uma moça de Seattle que me inspirou muito, Zannah. (MENEZES, 2009)
Viviane não guarda mais nenhuma reprodução do blogue, após brigas com um antigo
namorado condenarem os backups onde ela armazenava os primeiros posts e templates. 83 http://web.archive.org/web/19990909030630/robotwisdom.com/home.html. (Acesso em 29 de outubro de 2009) 84 http://web.archive.org/web/19991013021124/http://peterme.com/index.html. (Acesso em 29 de outubro de 2009)
O problema é que Viviane pode ser considerada a primeira blogueira brasileira, mas não
pode assumir o posto de responsável pelo primeiro blogue em português - até o ano seguinte, todos
seus posts no Delights to Cheer eram em inglês. Em março, no entanto, o Brasil ganhou seu
primeiro blogue escrito em português. O responsável foi Renato Pedroso Junior, que assumiu a
persona online de Nemo Nox (“ninguém” e “noite” em latim, respectivamente), e, em 31 de março
daquele ano, iniciou seu Diário da Megalópole citando trechos de músicas de Frank Sinatra e
Caetano Veloso para comentar sua mudança de Santos, onde nasceu, para São Paulo.
FIGURA 15: post inaugural do Diáro da Megalópole, primeiro blogue brasileiro escrito em português. Reprodução
Nascido como “um espaço mais descompromissado para contar as minhas descobertas na
cidade”,85 o Diário enfrentava a mesma rotina trabalhosa que Viviane e outros blogueiros pioneiros
tinham na hora da publicação dos posts com formatação de páginas em HTML, e durou oito
85 http://www.terra.com.br/istoegente/236/diversao_arte/internet.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
meses.86 Atualmente, tanto Viviane quanto Renato mantêm blogues atualizados com frequência,
embora nenhum deles mantenha ativo aqueles onde começaram a escrever. Viviane é responsável
pelo nakanaide.net, enquanto Renato mantém o Por um Punhado de Pixels, ganhador do prêmio de
melhor blogue do planeta em 2004 pelo júri popular do The Best Of the Blogs (BOBs), concurso
promovido pelo conglomerado de mídia alemão Deutsche Welle.
Vale observar como todos os pioneiros citados aqui têm relações, em menor ou maior grau,
com o mercado de tecnologia, reiterando o processo histórico de apropriação da ferramenta blogue
por entusiastas antes da sua popularização entre usuários sem conhecimentos técnicos. Justin
trabalha na desenvolvedora de games GameLayers; Winner já foi editor da revista Wired, investidor
de startups tecnológicas e é evangelista de padrões abertos na internet; Jorn Barger pesquisou
inteligência artificial na Universidade de Northwestern e é usuário voraz de canais da Usenet; Peter
Merholz fundou a Adaptive Path, empresa especializada em interfaces de programação; Viviane se
transformou em webdesigner, ganhando relevância com ajuda do seu blogue; e Renato, até agosto
de 2009, ocupava o cargo de diretor de experiência interativa da Case Foundation, nos Estados
Unidos.
Ferramentas
O envolvimento dos pioneiros com tecnologia não é aleatório, como já foi discutido no
subcapítulo 1.2; a apropriação da ferramenta por um público mais amplo foi a grande responsável
para que se registrasse a ascensão de diferentes conteúdos que tirassem da plataforma a imagem
restritiva de filtro de links e, posteriormente, diário pessoal. Serviços como o Blogger
automatizavam suficientemente processos de publicação para que a atividade não se restringisse
apenas aos que dominavam, mesmo que basicamente, linguagens de programação, como o HTML,
86 http://idgnow.uol.com.br/internet/2007/04/02/idgnoticia.2007-04-01.6432298876/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
ou contassem com versões primárias dos atuais sistemas de gerenciamento de conteúdo. Os
primeiros dias da blogosfera, como as iniciativas de Hall, Winer e Barger, eram possíveis pela
publicação de páginas novas a cada post, constantemente formatadas direto do HTML para a
inclusão de links ou efeitos básicos que não deixassem a página monocromática.
O primeiro serviço que apresentou algumas das ferramentas que seriam tomadas como
padrão em plataformas de blogues foi a Open Diary, lançada em outubro de 1998 pelo
desenvolvedor Bruce Ableson. Inovações incluiriam a organização retroativa de novos conteúdos, a
capacidade de leitores poderem publicar comentários sobre o texto postado e uma lista chamada
Favoritesi onde as atualizações mais recentes de amigos do blogueiros eram mostradas ordenadas
cronologicamente.
Do nome escolhido ao sucesso de categorias como Depressão, Relacionamentos e Amor e
Paixão no Open Diary Circles,87 que mede a popularidade de determinados temas dentro da
comunidade, o serviço se mostra muito atrelado à segunda definição do blogue, como uma versão
digital e comunitária dos diários mantidos por adolescentes e adultos jovens como confidente de
problemas pessoais, principalmente.
Em janeiro de 1999, a Pyra Labs lança no mercado o serviço online para blogues Blogger,
que trazia as mesmas inovações apresentadas pela Open Diary, sem, no entanto, apelar para a
abordagem de assuntos pessoais. A facilidade em definir a lista de contatos, também chamada de
blogroll, o link permanente para cada uma das postagens, a capacidade de alterar o visual do blogue
e o acesso ao HTML das páginas fizeram com que o Blogger experimentasse crescente
popularidade nos meses seguintes ao lançamento. O Blogger seria comprado quatro anos depois
pelo Google, que o transformaria na sua plataforma oficial de blogues e o integraria a outros de seus
produtos, como a plataforma de publicidade AdSense e o serviço de fotos Picasa.
A popularização do Blogger ajudou também a fazer com que o termo “blog” fosse melhor
aceito e mais usado. E-mails trocados88 por Barger, responsável por cunhar o termo “weblog” e Meg
87 http://www.opendiary.com/circles.asp?sortby=2. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 88 http://listserv.linguistlist.org/cgi-bin/wa?A2=ind0804C&L=ADS-L&P=R16795&I=-3. (Acesso em 25 de outubro de
Hourihan, cocriadora do Blogger, apontam que foi ideia do outro cocriador, Evan Williams,
substituir todas as menções à mídia de “weblog” para “blog” dentro do serviço, dos botões de
formatações às explicações básicas.
Nos quatro anos seguintes, vimos uma série de outras opções surgindo no mercado de
softwares para blogues, como LiveJournal (outubro de 1999),89 Xanga (novembro de 2000),
Movable Type (fevereiro de 2001),90 e b2 (junho de 2001).91. Em 2003, novamente vemos um
aglomerado de datas significativas para o desenvolvimento da plataforma, a começar pelo Google
comprando a Pyra Labs e, consequentemente, adotando o Blogger como sua ferramenta oficial de
blogues.
Em maio, a Automattic divulga a primeira versão do WordPress, plataforma de blogue aberta
que, anos à frente, ganharia ritmo a ponto de diminuir a liderança do Blogger como principal
sistema usado para publicação própria online embalada pela modularidade, em contraste à
tradicional falta de customização do serviço criado pela Pyra Labs.
Quatro meses antes, em janeiro de 2003, o então apenas blogueiro Matt Mullenweg
reclamava da falta de atualização da ferramenta de publicação do seu site e se dizia satisfeito com a
plataforma b2/cafelog por ser licenciada sob uma licença GPL92, o que lhe permitiria fazer o que os
desenvolvedores conhecem como “fork” - usar o código-fonte de um programa como base para um
software completamente diferente. “Bom, seria legal ter a flexibilidade da MovableType, a análise
sintática do TextPattern, a facilidade de modificação do b2 e a facilidade de formatar do Blogger.
Algum dia, certo?”, afirma o post de 24 de janeiro no seu blogue, Ma.tt.93
A abertura do WordPress permitia não apenas a modificação mais ampla da ferramenta para
diferentes usos, seja na capacidade de alterar os arquivos oferecidos pela Automattic como pela
integração de plug-ins, que, no caminho contrário aos primeiros blogueiros no final da década de
2009)
89 http://news.livejournal.com/1999/10/22/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 90 http://www.movabletype.com/info/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 91 http://cafelog.com/index.php?m=200106. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 92 General Public License, licença para softwares livres criada pelo evangelista Richard Stallman que permite aos
usuários executarem, estudarem, modificarem e redistribuírem o programa que tem seu código aberto. 93 http://ma.tt/2003/01/the-blogging-software-dilemma/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
1990, permitiu que muitos webmasters transformassem a ferramenta originalmente concebida para
gerenciar posts em um sistema de publicação de conteúdo (conhecida também tecnicamente como
CMS) usada em sites ou portais.
No Brasil, vemos um caminho diferente, centrado principalmente na atuação dos portais,
tradicionais centros de investimento e inovação na internet brasileira. Não que faltassem
ferramentas de blogues desenvolvidas de forma independente. O problema era sustentá-las
financeiramente a partir de um certo ponto de adoção. Exemplo disso é o Desembucha, criado em
maio de 2001. Primeiro serviço de blogues criado genuinamente no país, o Desembucha saiu do ar
cinco meses depois pelo excesso de procura dos brasileiros em contraste com a falta de
investimento necessário para que o serviço despontasse.
FIGURA 16: reprodução do blogue em que a equipe do Desembucha anunciava novidades do serviço
Segundo seu cofundador, Gustavo Coelho, o Desembucha nasceu pela vontade de criar blogues sem
que a exigência de reprodução de publicidade pelo Blogger o agradasse. Explorando a infraestrutura
do buscador focado em turismo Te encontro pelo mundo, Coelho investiu apenas o registro de
domínio, o plano de hospedagem padrão e seu tempo livre para criar a ferramenta.
A idéia original não era criar uma ferramenta para ser usada em âmbito nacional. O desembucha.com surgiu originalmente como uma ferramenta para ser utilizada apenas por nós, nossos amigos e familiares. Entretanto, não limitamos o acesso ao site, com esquema de convites ou coisa parecida. Assim, qualquer um que conhecesse o site, poderia se cadastrar e criar seu blog. Embora a divulgação “boca-a-boca” tenha sido importante no início, acredito que o boom dos acessos ocorreu quando algumas publicações começaram a falar de blogs (ou “diários virtuais”, como gostavam de chamar na época), e citaram o desembucha.com. (COELHO, 2009).
Em setembro de 2001, a alta procura pelo Desembucha, que atingiu 4 mil blogues criados e
9 mil usuários cadastrados em seu ápice, junto ao idealismo de Coelho (“Como não queríamos
banners nos blogs, como no Blogspot, não explorávamos a publicidade online. Assim, não tínhamos
retorno financeiro com o site”.), fizeram com que não valesse mais a pena financeiramente manter o
serviço no ar. Coelho e seu sócio, Guilherme Rocha, mantinham negociações com a Globo.com,
mas o portal preferiu fechar contrato de licenciamento com o Google pelo Blogger, exatamente a
ferramenta que o Desembucha tentava neutralizar.
Quase que simultaneamente ao fechamento do Desembucha, quatro brasileiros se inspiraram
explicitamente nas ferramentas, no visual e até mesmo no nome do Blogger para lançar em agosto
de 2001 o Weblogger,94 ferramenta gratuita de blogues que fecharia parceria pouco mais de um ano
depois com o portal Terra,95 bancado pela operadora Telefônica. A única diferença entre o Blogger e
o Weblogger era o tempo máximo exigido entre as publicações dos posts: o segundo apagava
blogues que não eram atualizados, pelo menos uma vez, em 90 dias. Em 2003, o Weblogger
ganharia uma versão paga, o Plus.96
Em novembro de 2001, a primeira ferramenta genuinamente criada por um portal brasileiro
apareceu no mercado. O iG, bancado então pela operadora Brasil Telecom, colocou no ar o Blig97,
plataforma gratuita desenvolvida internamente que oferecia três opções de publicação - público,
94 http://info.abril.com.br/aberto/infonews/092002/03092002-17.shl. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 95 http://evillage.blogspot.com/2002_09_01_evillage_archive.html#85408417. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 96 http://info.abril.com.br/aberto/infonews/072003/07072003-5.shl. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 97 http://info.abril.com.br/aberto/infonews/112001/23112001-16.shl. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
privado ou em grupo -, permitia edições pontuais no HTML, oferecia até 50 templates pré-definidos
e, tal qual o Weblogger, deletava diários sem atualizações em 90 dias.
Assim como foi o primeiro portal a oferecer uma ferramenta própria de blogues, o iG foi o
primeiro a abrir mão da tecnologia desenvolvida internamente para adotar uma plataforma aberta e
mais customizável que sua própria – em agosto, o portal abandonava o Blig em nome do
WordPress,98 mesma razão pela qual o Terra também descartou o Weblogger.
Em agosto de 2002, a Globo.com, braço online das Organizações Globo, preteriram o
desenvolvimento interno de uma ferramenta de blogues e fecharam um acordo por preço não
revelado com a Pyra Labs para nacionalizar o Blogger.com no Brasil, no único tipo de acordo de
licenciamento da plataforma em todo o mundo.
Nos meses anteriores ao lançamento, a Globo.com testou a interação do Blogger com a
primeira edição do reality show Big Brother Brasil, permitindo que alguns espectadores criassem
blogues voltados a acompanhar o programa. O Blogger da Globo.com trazia vantagens em relação à
plataforma da Pyra Labs. Era possível, por exemplo, publicar imagens em posts de forma
automatizada, algo não disponível no serviço original. Gratuito, o Blogger Brasil permitia também a
criação de rascunhos de posts, algo permitido apenas para usuários pagos do serviço norte-
americano.
Para alavancar o lançamento do Blogger Brasil,99 as Organizações Globo criaram dois
blogues que seriam usados por dois personagens da novela O Beijo do Vampiro, de veiculação
iniciada em 26 de agosto na TV Globo. O vampiro Bóris Vladescu,100 interpretado por Tarcísio
Meira, e o estudante Zeca,101 interpretado por Kayky Brito, têm diários escritos por redatores que
acompanhavam o desenrolar da trama com posts, contextualizando as descobertas feitas no folhetim
- quase sete anos depois, os blogues ainda podem ser visualizados com sérios problemas de
formatação.
98 http://idgnow.uol.com.br/internet/2008/08/19/blig-adota-plataforma-do-wordpress/. (Acesso em 25 de outubro de
2009) 99 http://info.abril.com.br/aberto/infonews/082002/20082002-8.shl. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 100 http://boris.blogger.com.br/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 101 http://zeca.blogger.com.br. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
Último dos portais a lançar uma ferramenta, o UOL estreou seu UOL Blog em janeiro de
2004 após criar um publicador para que o apresentador Marcelo Tas tivesse seu blogue vinculado ao
portal. O UOL Blog estreou aberto para quem era e para quem não era assinante do serviço de
provedor do portal, com diferença na quantidade de espaço disponível para publicação - 100 MB
para assinantes e 1 MB para quem não era cliente do UOL. A ferramenta contava com formatação
básica de fontes, sistema de notas para o blogue e 40 diferentes templates para customização
automática. Até hoje, o UOL Blog também tem como marca registrada a capacidade de indicar o
humor do blogueiro por meio de um emoticon.
A adoção já citada do WordPress por Terra e iG é um dos lados de uma tendência que três
dos quatro grandes portais brasileiros já exploram: a de abandonar o desenvolvimento próprio de
ferramentas. A Globo.com, em julho de 2009, tirou do ar sem alarde seu Globolog, criado
internamente pelo portal em maio de 2005. Nas palavras do diretor geral da Globo.com, Juarez
Queiroz, “não faz sentido investir em ferramentas quando se tem opções melhores lá fora” (2009).
Visibilidade
Brasil e Estados Unidos guardam semelhanças na maneira como o blogue rompeu o setor
dos interessados em tecnologia para atingir o público em geral. Em ambos os países, o primeiro
grande caso que deu visibilidade aos blogues explorou escândalos políticos reverberados na mídia
já estabelecida, muito embora os desdobramentos de cada um deles tenha tomado caminhos
bastante diferentes.
Em janeiro de 1998, o Drudge Report chamou a atenção dos jornais e canais de TV norte-
americanos estabelecidos em janeiro de 1998, quando acusou a tradicional revista semanal
Newsweek de descartar a história de um suposto caso do então presidente dos Estados Unidos, Bill
Clinton, com uma estagiária da Casa Branca.
Matt Drudge, o conservador responsável pela lista paga de mensagens criada quatro anos
antes e que inspirou uma versão em site, se aproveitou da displicência para escrever um post em 17
de janeiro acusando a publicação de derrubar, pouco antes da impressão da revista, a reportagem
apurada pelo repórter Michael Isikoff afirmando que Clinton cultivava, há mais de dois anos, um
caso com uma estagiária de 23 anos da Casa Branca.102
Além de dar detalhes sobre a relação entre a estagiária e o presidente, o post também se
focava nos bastidores da imprensa estabelecida, questionando as causas que fizeram a Newsweek
derrubar a matéria e citando como concorrentes, como a Time, tentaram remediar o furo da rival
buscando suas próprias informações com fontes políticas. Um detalhamento maior sobre o caso e
suas consequências para a imprensa mundial será feito mais a frente.
A história de Drudge foi o principal propulsor da popularidade dos blogues a partir de 1998,
atraindo atenção do grande público à plataforma, independente do conteúdo publicado junto a um
dos primeiros artigos sobre a ascensão do fenômeno na revista eletrônica Salon.com.103 Nele,
Rosenberg expressa surpresa ao perceber o quanto os ainda chamados “weblogs” se aproveitavam
dos links para dar o mínimo de ordem ao caos instaurado pela livre criação na internet, enquanto a
imprensa tradicional via o ato de dar links para conteúdos externos aos seus como algo ruim.
O caso brasileiro aconteceu três anos depois, em 2001, e serviu mais à popularização dos
blogues do que como gatilho de uma crise política – a situação explorava, e não iniciava, uma. Em
junho, Sérgio Faria, do Catarro Verde, acusaria o então senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-
BA) de plagiar trechos inteiros de uma fala de outro político brasileiro no seu discurso de renúncia
após admitir que havia fraudado o painel de votação do Senado104 quando era presidente da casa
para descobrir quais senadores haviam votado contra e a favor da cassação do também senador Luiz
Estevão (PMDB-DF).
As palavras em muitos dos momentos de maior impacto da renúncia do senador baiano
pertenciam, na verdade, ao deputado federal Afonso Arinos de Melo Franco (UDN-MG). No seu
102 http://www.drudgereportarchives.com/data/2002/01/17/20020117_175502_ml.htm. (Acesso em 25 de outubro de
2009) 103 http://www.salon.com/tech/col/rose/1999/05/28/weblogs/index.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 104 http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u20590.shtml. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
discurso, feito 15 dias antes do suicídio do então presidente Getúlio Vargas, Arinos protestava
contra o assassinato do major da Aeronáutica, Rubens Floretino Vaz, e pedia a renúncia de Vargas.
Caralho! Descobri que nem mesmo no discurso de renúncia o ACM foi honesto: plagiou um discurso do Afonso Arinos, da antiga UDN, em que este pedia a renúncia de Getúlio Vargas após o famoso atentado a Carlos Lacerda na Rua Toneleros (RJ). O discurso está no livro/álbum Grandes Momentos do Parlamento Brasileiro (Senado, 1998, vol. 1, pg. 16 e CD correspondente) e foi copiado sem que o pilantra citasse a fonte. Detalhe: a apresentação desse livro/álbum foi feita pelo próprio ACM, em 98. Muita cara-de-pau. O plágio começa já no primeiro parágrafo do discurso de renúncia. (FARIA, 2001).105
FIGURA 17: post do Catarro Verde, de Sérgio Faria, acusando o plágio do então senador Antônio Carlos Magalhães
(PFL-BA). Reprodução
O post, então, trazia na íntegra dois trechos, praticamente semelhantes, escrito por Afonso e
usado por ACM. Mais que isso: a descoberta do Catarro Verde fez com que veículos da imprensa
tradicional estabelecida apontassem também outros plágios de ACM em seu discurso de renúncia106
- o trecho que cita o diplomata Joaquim Nabuco vem, originalmente, de outro discurso do deputado
federal mineiro, revelou na semana seguinte O Estado de São Paulo107.
O Catarro Verde, porém, não foi o primeiro veículo a divulgar o plágio. Quatro dias antes do
post de Sérgio, o jornal paulista Diário Popular revelava que o senador havia copiado conteúdo de
Arinos, sem, porém, comparar na íntegra os trechos que apontavam o plágio ou oferecer o áudio do
105 http://www.catarro.blogspot.com/2001_06_01_archive.html#3932361#3932361. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 106 http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u20577.shtml. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 107 http://www.estadao.com.br/arquivo/nacional/2001/not20010606p38198.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
discurso, como fez posteriormente Sérgio. A divulgação do post do Catarro Verde na lista de
discussão Palíndromo, da qual participava o apresentador Marcelo Tas.
O clipping registrado nos dias seguintes no próprio Catarro108 fala por si: após a publicação
no blogue, o programa de TV Vitrine, da TV Cultura, comandado pelo apresentador Marcelo Tas,
deu projeção às acusações, fazendo com que jornais, revistas e outros programas de TV citassem o
trabalho de Sérgio.
Vale notar que, mesmo quase dois anos após a primeira vez em que o termo “weblog” foi
citado, a maioria esmagadora dos veículos brasileiros que acusaram o plágio de ACM usando o post
de Sérgio como base classificavam o Catarro Verde como “site” ou “diário”, decorrência direta do
infeliz uso de metáforas na classificação inicial dos blogues pela mídia estabelecida que Boyd
aborda.
A visibilidade dos blogues no Brasil também tem relação intrínseca com a centralização do
desenvolvimento do fenômeno dentro dos portais, como já explicitado entre as ferramentas
oferecidas aos brasileiros. A maneira pela qual portais adotaram como blogueiros jornalistas ou
personalidades vindas de outras mídias já populares, como TV, rádio e jornal, mostra como, no
Brasil, a popularidade dos blogues é decorrência direta da alta penetração de mídias analógicas.
Outros marcos da blogosfera brasileira passam por portais. Em janeiro de 2003, os blogues
de relativo sucesso Mundo Perfeito, de Daniela Abade, e Eu Hein, de Nelito Fernandes, começam a
ser hospedados e divulgados pelo Terra. Pelo acordo firmado, o portal espanhol bancava os custos
de hospedagem de ambos os blogues e dividia com eles a receita dos banners de publicidade.
O acordo possibilitou que Fernandes se tornasse o primeiro blogueiro brasileiro a receber
algum dinheiro por causa do seu blogue. Em registro feito pela jornalista Cora Ronai em abril de
2003109, Fernandes recebeu um cheque de 1,5 mil reais pela veiculação de publicidade de empresas
como GM, Fiat, Editora Globo e Brasil Telecom no seu Eu Hein, blogue especializado em piadas
visuais.
108 http://www.catarro.blogspot.com/2001_06_01_archive.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 109 http://cora.blogspot.com/2003/04/meu-blog-meu-tesourofinalmente-algum.html. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
A entrada do UOL no setor de ferramentas de publicação decorre do pedido do apresentador
Marcelo Tas que o portal criasse um serviço “a toque de caixa” para ele. A ferramenta criada para o
Blog do Tas foi a base do UOL.
A postura pode ser ainda observada na maneira como portais (iG, principalmente) procuram
blogues relevantes em suas respectivas categorias para acordos de parceria publicitária: o portal usa
a audiência dos blogues para entregar anúncios publicitários, que rendem quantias variadas aos
blogueiros. Exemplos incluem Jovem Nerd, Brainstorm #9, Tiago Dória e InterNey Blogs no iG,
Jacaré Banguela e Instante Posterior na Globo.com e MacMagazine, Goma e Zumo no UOL.
Pode-se argumentar que o tratamento dado a jornalistas experientes como blogueiros
(observado facilmente na maneira como jornais distribuem blogues para repórteres relevantes ou
editorias inteiras) criou uma “barreira simbólica” no tratamento de notícias jornalísticas inéditas,
conhecidas como furos no meio: a blogosfera brasileira não criada dentro das redações quase não
tem furos jornalísticos para se gabar, ao contrário da norte-americana.
Em enquetes verbais conduzidas durante a pesquisa desta dissertação com blogueiros
brasileiros, o fato jornalístico de maior relevância nascido da blogosfera citado com maior
frequência foi a descoberta da garota de programa Bruna Surfistinha pelo blogueiro (e também
jornalista de redação) Pedro Doria, dentro do finado site No.com.br. Após ser descoberta por Dória
como a mais popular no site de relacionamentos GP Guia110 (voltado à classificação de garotas de
programa), Bruna se tornou presença frequente em reportagens de jornais e canais de TV e rádio,
escreveu dois livros e será tema de um filme, inspirado livremente em ambas as obras.
A própria adoção inicial dos blogues por jornalistas tem relação direta com as redações – foi
a já citada Cora, então editora de tecnologia do jornal carioca O Globo, a primeira jornalista
brasileira a ter um blogue. O InternETC nasceu em agosto de 2001 dentro do Blogger como forma
de Cora abordar assuntos relacionados à tecnologia que não cabiam em sua função n'O Globo,
como comentar a participação do presidente da Microsoft, Steve Ballmer, no programa Roda Viva,
110 http://www.gpguia.net/phpbb/phpbb2/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)
da TV Cultura111.
O internETC começou como um blog principalmente de tecnologia, em que eu reunia notas publicadas no Globo Online com observações sobre a vida em geral e sobre os gatos em particular. Com o tempo virou uma espécie de diário virtual. Não quis incorporá-lo ao site do Globo porque gosto de atualizá-lo com fotos em tempo real, e testar umas brincadeiras de vez em quando, e a ferramenta do jornal é mais fechada, por questões de segurança. (RONAI, 2009).
Se nos Estados Unidos temos exemplos de blogueiros que foram adotados por veículos
tradicionais como Ana Marie Cox, ex-editora do blogue político Wonkette contratada pela
tradicional revista Time para editar sua sessão online de política, ou Michael Arrington, cujo
TechCrunch fechou contrato de licenciamento de conteúdo com o jornal Washington Post, no Brasil
a relevância jornalística de blogues mantidos não por jornalistas experientes é bastante
questionável.
Por outro lado, são variados os exemplos daqueles que, projetados por seus blogues, foram
empregados em programas de TV com viés humorístico, como é o caso de Antônio Tabet,
responsável pelo Kibe Loco (colaborador do Caldeirão do Huck, na TV Globo) ou Marco Aurélio,
responsável pelo Jesus Me Chicoteia (redator do CQC, na TV Bandeirantes). Não que não existam
exemplos da transição jornalística: a fictícia Jackie Miller (codinome de Flávia Cintra) levou seu
Jackie Miller Conta para o tradicional Jornal do Brasil em junho de 2001, assinando a coluna
Conexão Blogger, na editoria chamada Internet. Blogue e coluna condensavam notinhas sobre
blogueiros em uma espécie de coluna social da blogosfera.
A visibilidade dos blogues no Brasil foi ajudada também pela veiculação na grande mídia de
casos envolvendo tanto problemas na justiça com blogueiros como iniciativas que exploram
comercialmente os blogues. Pelo primeiro, os exemplos mais retumbantes são o do Bangu1 (já fora
do ar), criado pelos amigos Derly Prado, Diego Lopes e Lúcio Leonardo, e do Imprensa Marrom,
criado em 2001 pelo advogado Fernando Gouveia.
Em fevereiro de 2004, a Justiça do Rio de Janeiro tirou do ar o blog satírico, criado em
111 http://cora.blogspot.com/2001/08/steve-ballmer-melhor-do-que-encomenda.html (Acesso em 25 de outubro de
2009)
HTML pelos três amigos, alegando que a publicação de posts que satirizavam a crise na segurança
pública carioca, assinados pelos blogueiros “Elias Eunuco", “Ranca Toco” e “Paraíba Ninja” se
encaixava nos crimes de apologia e formação de quadrilha e bando. A ideia do blogue, segundo
Lúcio, nasceu após a rebelião dentro do Bangu1, quando o traficante Fernandinho Beira-Mar
comandou o motim por 23 horas para assassinar quatro rivais e deveria dar a satírica impressão que
detentos conseguiam manter o blogue a partir da prisão de segurança máxima.
A decisão de cassar o blogue, proferida pela delegada Beatriz Senra Calmon Garcia, da
Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), era desdobramento direto da
insatisfação da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, que acusou o blogue de
“apologia ao tráfico de entorpecentes, bem como [veiculação de] notícias de Bangu 1 e
possibilidade de contatos com os internos via e-mail". A acusação do Estado do Rio de Janeiro
continha ainda termos inadequados para a área em que se arriscava, como a indicação de que o
Bangu1, “estando hospedado em servidos [sic] nos Estados Unidos", oferecia links para
fornecedores de drogas internacionais. Dois meses após ser bloqueado, em 5 de abril de 2004, o
Bangu1 voltou ao ar por decisão da juíza Sirley Abreu Biondi, da 21ª Vara Criminal do Rio de
Janeiro, que cancelava a ação judicial original112.
Em 2004, uma decisão da Justiça tirou o Imprensa Marrom do ar pela publicação de um
comentário anônimo que ofendia nominalmente o sócio de uma empresa de recrutamento. A crítica
acontecia no post em que Gouveia, sem citar nomes, atacava os métodos usados por serviços de
recrutamento que supostamente prometiam vagas milagrosas. O post foi ao ar em janeiro de 2004,
mas a decisão da Justiça (e a consequente desconexão temporária do blog) aconteceu apenas em
setembro.
Ao serviço colaborativo brasileiro Overmundo, Gouveia explica o problema:
A liminar tirou do ar não somente a janelinha de comentários, mas todo o conteúdo do blogue, inclusive o texto que denunciava o “Golpe do RH”. Recorremos da decisão, mas ainda assim excluímos o tal texto bem como os respectivos comentários. O Tribunal de Justiça, nessa ocasião, concordou que o blogue poderia voltar a funcionar. Mas o processo
112 http://www.conjur.com.br/2004-abr-13/blog_satirico_volta_ar_determinacao_judicial (Acesso em 25 de outubro de
2009)
se manteve. Apenas agora, na metade de 2006, saiu da decisão de primeira instância. Nem houve audiência! E fomos condenados a pagar dez salários mínimos de indenização. (GOUVEIA, 2004)113.
O processo envolvendo Gouveia não foi o primeiro, mas trouxe mais visibilidade à questão
dos direitos individuais dos blogueiros frente à Constituição. Em março, Alessandra Félix, do
Amarula com Sucrilhos, foi ameaçada pela fabricante da bebida alcoólica usada no título do seu
blogue e resolveu alterá-lo para Licor de Marula com Flocos de Milhos Açucarados.
Nos anos seguintes, o Brasil envolveu outros blogueiros em ações legais, menos noticiados
que o caso do Imprensa Marrom pelo pioneirismo da situação, como os processos movidos
separadamente pelos jornalistas Políbio Braga114 e Felipe Vieira115 contra o blogue político A Nova
Corja, a ação ganha pelo senador José Sarney (PMDB-AP) contra a blogueira Alcinéa
Cavalcante116 ou o processo iniciado por Rosana Hermann117 contra um comentarista anônimo em
seu próprio blogue, o Querido Leitor, após a publicação de acusações antissemitas.
Há um ponto de contato entre os casos envolvendo a justiça e a euforia ao redor das formas
de se ganhar dinheiro com blogues: Edney Souza.
Simultaneamente às ameaças feitas a Alessandra, o Interney, blogue criado pelo
programador em 2001, recebia ameaças do suposto responsável por uma empresa de recrutamento
envolvendo um processo avaliado em um milhão de reais após a publicação de um post sobre o mau
atendimento a consumidores por (assim como o Imprensa Marrom) empresas de recolocação
profissional.
Atento ao crescente interesse de usuários novatos na criação de blogues, Edney criou uma
série de perguntas e respostas básicas sobre a plataforma que deu o nome de BlogFAQ e começou a
se popularizar organicamente entre quem queria começar um blogue. A popularidade através do
boca a boca levou a um número de links que deu ao BlogFAQ relevância no algoritmo do Google,
113 http://www.overmundo.com.br/overblog/como-meu-blog-foi-condenado-por-um-comentario-1. (Acesso em 25 de
outubro de 2009) 114 http://www.novacorja.org/?page_id=4145 (Acesso em 25 de outubro de 2009) 115 http://www.novacorja.org/?p=4991 (Acesso em 25 de outubro de 2009) 116 http://alcinea-cavalcante.blogspot.com/2007/08/sarney-na-veja-o-santinho.html (Acesso em 25 de outubro de 2009) 117 http://idgnow.uol.com.br/internet/2007/10/31/idgnoticia.2007-10-31.5043639670/ (Acesso em 25 de outubro de
2009)
fazendo com que o conteúdo aparecesse nas primeiras posições de buscas envolvendo dúvidas sobre
blogues.
A avalanche de acessos que Edney registrava à medida que a inclusão digital avançava foi
suficiente para se traduzir em receita mensal quando o programador começou a colocar as primeiras
publicidades no InterNey – no final de 2003, os gastos com servidor tinham se tornado altos demais
para um blogue pessoal feito nas horas vagas. Com a publicação de outros conteúdos de alto
potencial para atrair audiência (além do BlogFAQ, Edney cita seu gerador de números para
MegaSena e testes gerais como “minas de ouro dos cliques”), a monetização do InterNey se tornou
um processo trivial e bastante lucrativo.
A lucratividade do InterNey atingiu o ponto, em 2005, em que o salário de Souza como
gerente de sistemas da Divicom era menor do que a receita publicitária vinda do blogue. Edney
abandonou seu emprego118 e ganhou destaque na mídia especializada, transformando-se em
referência para qualquer recém-iniciado com ideia de montar um blogue com o propósito de
acumular dinheiro. Ainda que seja arredio a números, o programador admite que seus atuais ganhos
mensais apenas com a publicidade no InterNey está na casa das dezenas de mil reais.
O pioneirismo fez com que Edney se envolvesse com outros dois empreendimentos
comerciais relacionados a blogues: o InterNey hospedou o primeiro aglomerado de blogues com
modelo de negócios do Brasil, o Interney Blogs, atraindo blogueiros para um acordo de partilha que
garante 80% da receita publicitária ao autor do blogue; os 20% restantes ficam com a agência. Na
outra ponta, Edney se aliou a Alexandre Inagaki, Mário Soma e Gustavo Jreige para montar a
Pólvora, uma entre tantas agências de comunicação desenvolvidas a partir de 2007 para tentar lucrar
com o fenômeno crescente dos blogues no Brasil, mediando o interesse de empresas em atrelarem
suas marcas a blogueiros – outros exemplos englobam Riot, Frog, LiveAD, Sync, Dudinka,
Cubo.CC e Garage Interactive. A exploração comercial dos blogues pautou a abordagem
excessivamente marqueteira em campanhas que, em sua maioria, adotaram blogueiros como forma
118 http://www.teras.com.br/archives/2006/01/18/entrevista-com-edney-interney-souza/. (Acesso em 25 de outubro de
2009)
de propagandear uma marca.
A decorrência direta dessa abordagem exageradamente promocional fez com que muitas
marcas contratassem consultorias para a realização de eventos envolvendo blogueiros
caracterizados mais pelo oba-oba de ofertas nababescas, como passeios de helicópteros (LG),
caronas de limusine para bares (Absolut) ou viagens para balneários (prefeitura de Porto de
Galinhas), do que pela abordagem mais centrada em um conteúdo no qual blogueiros poderiam se
basear para posts próprios.
Adoção corporativa
A abordagem excessivamente promocional pelas empresas a blogueiros tem relação direta
com a adoção semelhante que as próprias companhias fazem dos blogues como veículos de
comunicação. Na comparação com os Estados Unidos, o uso corporativo de blogues no Brasil tem
uma postura ainda mais marqueteira que nos Estados Unidos – em ambos, o uso promocional é
sempre o mais popular, defende Cipriani (2006).
Se você olhar mais de perto verá que existem blogs menos direcionados para marketing, olhando outros lados da empresa. Também existem mais blogs com discurso de alguém de dentro da empresa de forma transparente. Eles vêem os blogs como assunto sério de comunicação em comunidade. No Brasil, de lado algumas exceções, se vê os blogs como mais uma oportunidade para vender mais. (CIPRIANI, 2009).
No Brasil, a postura corporativa “engessa” o uso comunicacional da plataforma,
transformando os blogues em mais um veículo para divulgação unilateral de anúncios da
companhia, ao invés de incentivar a interação entre instituição e consumidor. Responsáveis por
blogues corporativos no Brasil respondem aos comentários publicados sem “muita conversa, uma
interação simples e basta”. Cipriano explica a especificidade nacional pela “maioria dos blogs (no
Brasil) continuar sendo de uma empresa para pessoas e não de pessoas para pessoas” (2009).
O primeiro blogue usado como veículo de comunicação corporativa foi o criado por Dave
Winer para divulgar novidades da sua empresa, a UserLand. Dada a especialização da empresa, não
havia canal melhor – a UserLand é, até hoje, responsável pelas ferramentas de publicação Frontier e
Manila que também permitem a criação de blogues. O blogue da UserLand119 foi criado
simultaneamente ao lançamento do blogue pessoal de Winer, o ScriptingNews, quando nem o termo
“weblog” (e sua consequente diminuição “blog”) havia sido cunhado.
O primeiro diretor geral de uma empresa a criar um blogue para discutir a estratégia
corporativa tanto com funcionários quanto com o mercado é Jonathan Schwartz, então presidente da
Sun Microsystems, que publicou seu primeiro post em 28 de junho de 2004, apresentando três
razões para começar um blogue.
Porque estou fazendo isso, começando um blogue? Primeiro, sou um grande apoiador da ideia que inovação é autossustentável quando perde sua previsibilidade. Imaginei que faria minha parte para promover a autossustentação. Segundo, para mudar o formato e fidelidade com a qual o que eu digo é transcrito. Sem mais comentários de comentaristas “sob contexto”. Agora, você terá tudo a partir de mim. Terceiro, para ter respostas diretas da comunidade. (…) Eu prometi ouvir – de todos os constituintes servidos (clientes, acionistas, desenvolvedores, consumidores, fornecedores... todos). (SCHWARTZ, 2004).120
Em 2006, ao assumir o cargo de Chief Executive Officer (CEO) da Sun, Schwartz garantiu
que o hábito de publicar posts analisando a estratégia da Sun e adiantando novidades da empresa
continuaria.
Para responder ao óbvio, àqueles que perguntaram se, 'como CEO, eu continuarei blogando?. Absolutamente sim – conte com isso. (Nós agora seremos a única empresa no (ranking da revista) Fortune 500 com um CEO que bloga – o primeiro de muitos por vir). É apenas uma das muitas maneiras para virar a Sun do avesso – no nosso caminho para aumentar nosso valor (não apenas em receita e lucro). (SCHWARTZ, 2006).121
Pouco antes de Jonathan, o Brasil viu seu primeiro blogue corporativo – em maio de 2004
entrava no ar o Blog de Guerrilha, blogue criado pela agência de comunicação digital especializada
em campanhas virais Espalhe. Em junho de 2005, a Procter & Gamble colocou no ar o Blog da
Mamãe Pampers, reunindo conteúdos informativos para gestantes, centrado em sua popular marca
de fraldas e permitindo a interação entre as mães leitoras. O viés promocional está presente aqui
pelo fato de o blogue, após ganhar relativa visibilidade tanto pelo caráter pioneiro como pela
qualidade do conteúdo, ter sido tirado do ar pela companhia.
119 http://blog.userland.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 120 http://blogs.sun.com/jonathan/entry/200406180. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 121 http://blogs.sun.com/jonathan/entry/sunlight_is_the_best_disinfectant. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
Meses depois, veríamos o primeiro blogue promocional criado sem que tanto a empresa
contrante como a agência responsável admitissem a campanha publicitária: criado para um serviço
de pôquer, o 10anosa1000.com foi bolado pela Espalhe122 e envolveu até a distribuição de notas de
um real na Avenida Paulista em agosto de 2005 pelo blogueiro Kid (a conta de Kid no serviço de
fotos Flickr continua ativa.123 Assim como o Blog da Mamãe Pampers, o 10anosa1000.com saiu do
ar logo após ganhar espaço em veículos tradicionais, como o portal Terra124 e o jornal O Globo.
Um mês depois do CEO da Sun discutir os hábitos relativos ao seu blogue após a promoção,
o Brasil teve seu primeiro diretor geral a ter um blogue. Em 4 de abril de 2006, o então CEO do
HSBC no Brasil, Emílson Alonso, ouviu conselhos da filha e, após se filiar às comunidades
relativas ao banco na rede social Orkut, criou um blogue na internet para discutir decisões da sua
gestão com os cerca de 27 mil funcionários brasileiros do HSBC. No primeiro mês, o blogue de
Alonso ultrapassou os 41 mil acessos e registrou cerca de 1,1 mil comentários em seus posts,
segundo o boletim Comunicação Empresarial número 59125. Em agosto de 2006, o Brasil ganhou
sua contrapartida a Schwartz – Stelleo Tolda, diretor geral do serviço de leilões Mercado Livre,
iniciou seu Mlog126 no serviço online Wordpress, ao contrário dos CEOs tanto da Sun como do
HSBC, em 23 de agosto de 2006 destacando a política do que chamou de “site” com preceitos como
“não apagaremos comentários”, “seremos transparentes”, “responderemos a comentários” e
“faremos referências a fontes originais”.
4. Estudos de caso
A última parte desta dissertação analisará três blogues com diferentes posturas frente à
interação com as comunidades que se criaram ao redor de seus conteúdos. As análises contarão com
122 http://www.blogdeguerrilha.com.br/2005/08/31/a-guerrilha-do-ano/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 123 http://www.flickr.com/photos/10anosa1000/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 124 http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI653197-EI306,00.html. (Acesso em 25 de
outubro de 2009) 125 http://francisco.pro.br/aulas/mod/resource/view.php?inpopup=true&id=126 (Acesso em 25 de outubro de 2009) 126 http://mlonlinegeneration.wordpress.com/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
entrevistas com os fundadores e mantenedores dos blogues, traçarão o histórico de cada um deles,
analisarão alguns dos conceitos expostos no subcapítulo referente às práticas dos blogues e se
concentrarão nas formas pelas quais se dá a interação entre blogueiros e leitores e a influência que
estes têm sobre aqueles.
Os blogues que serão analisados são: Para Francisco127, criado e mantido pela designer
mineira Cristiana Guerra; Correndo Atrás128, criado e mantido pelo subeditor de arte Mario
Guilherme de Vasconcelos; e AllesBlau129, criado pela publicitária catarinense Juliana Maria e
mantido por um grupo de colaboradores.
127 http://parafrancisco.blogspot.com/ (Acesso em 25 de outubro de 2009) 128 http://colunas.globoesporte.com/correndoatras (Acesso em 25 de outubro de 2009) 129 http://allesblau.net/ (Acesso em 25 de outubro de 2009)
FIGURA 18: reprodução da página inicial do blogue Para Francisco
(http://parafrancisco.blogspot.com).
4.1 - Para Francisco
Entre os três blogs estudados nesta dissertação, é seguro afirmar que o Para Francisco é o
que tem a maior capacidade de atrair uma comunidade, embalado nos relatos altamente emocionais
da designer Cristiana Guerra, mas, contraditoriamente, é o que menos explora o interesse de seus
leitores para publicar seus posts. A produção do Para Francisco é estritamente individual e pessoal.
Nascido em julho de 2007, o Para Francisco é produto direto de uma perda: em 17 de
janeiro de 2007, o namorado de Cristiana, o também designer Guilherme Fraga, sofreu morte
súbita. No vai e vem de um namoro instável que já durava sete anos, Cristiana engravidou. Dois
meses antes de nascer, Francisco (se fosse menina, Cora seria seu nome) perdia o pai. A descrição
feita por Cristiana para o blogue sintetiza a situação.
Um homem tem morte súbita, dois meses antes do nascimento do seu único filho. Assim nasce este blog. Tentando entender e explicar dois sentimentos opostos e simultâneos vividos pela viúva e mãe que, no caso, sou eu. Muitos questionamentos. Muitos raciocínios. Muito aprendizado. E uma pressa em falar para o Francisco sobre seu pai, sobre o mundo e sobre mim mesma (só por garantia). (GUERRA, 2007)
O Para Francisco é o relato sem edição ou intermediários de uma mulher posta em uma
situação difícil que resolveu apelar para o blogue não apenas como forma de reconstruir a imagem
de Guilherme, enquanto o filho crescesse, mas também para que a grande carga emocional fosse
entendida pela designer por meio da escrita, em exemplo claro do que Nardi et. al. (2004, p. 9)
chamou de “pensar enquanto se escreve” – é vantajoso trabalhar questões emocionais por meio de
um blogue, argumenta a pesquisadora, pela presença de uma audiência “que ajuda a moldar a
escrita” e pelo arquivo.
Da maneira como foi criado, o blogue de Cristiana é uma réplica de um diário virtual, com
seu registro público da narrativa pessoal, com comentários habilitados e conteúdo que explora as
capacidades multimídias do hipertexto, como músicas disponíveis em outros serviços que a
blogueira insere em alguns posts – em alguns casos, posts são compostos apenas pela canção e um
breve comentário que a contextualiza. A interação é feita tanto pelos comentários como pela
listagem de blogues ou jornais e revistas que veicularam conteúdos sobre a experiência de Cristiana.
Fiz o blog no impulso. Eu escrevia muito sobre e para o Gui, depois da morte dele. Muita gente falava para eu criar um blog, mas eu não via muito sentido nisso. Quando o Francisco tinha 4 meses, voltei a trabalhar na agência em que eu tinha trabalhado com o Gui. E era uma data importante, 17/07/2007. Fazia 6 meses que ele tinha morrido, um ano que eu tinha descoberto a gravidez e seria o nosso aniversário de 2 anos de namoro. Achei a data muito significativa e escrevi para os amigos, mais uma vez, sobre ele. Mas usei uma figura de linguagem, escrevendo como se fosse para o Francisco. Resultado: nesse momento tive um insight de criar um blog com esse título. Um espaço virtual onde, quando eu quisesse, colocasse coisas que eu queria falar pra ele (ou, indiretamente, para o Gui). Foi então que inaugurei o blog (postei no dia seguinte o texto feito para os amigos) e abri uma torneira de onde saiu uma infinidade de textos, compulsivamente. Quando entendi para quem eu precisava falar, comecei a encontrar o caminho para dissolver minha angústia, essa angústia de ter o Francisco, mas não poder fazê-lo conhecer o pai sensacional que ele teve. (GUERRA, 2009).
O relato honesto e esmagadoramente íntimo em alguns momentos é atraente o suficiente
para que uma comunidade de leitores se forme ao redor do Para Francisco, que se expressa tanto
pelos comentários nos posts (independente do tamanho, há sempre dezenas deles em cada uma das
entradas publicadas) como na mobilização do público para os lançamentos que a editora ARX
promoveu em São Paulo e Belo Horizonte. O Para Francisco tem comentaristas costumeiros e os
encontros para o lançamento do livro, principalmente em São Paulo, foram momentos de contato
entre a blogueira oprimida pela perda do marido e o nascimento do filho e os leitores que se
identificavam ou se sentiam sensibilizados pelo contexto. Houve, inclusive, o encontro com uma
leitora, também viúva do marido, grávida e também chamada Cris, que a designer classifica como
um “abraço […] de um significado enorme”.
A comunidade do Para Francisco na rede social Orkut tem mais de 1,7 mil inscritos e, sem
a efetiva participação de Cris na maioria das discussões, atrai pessoas que dividem tragédias
pessoais, ainda que não envolvam filhos (afinal, a razão principal do blogue é recriar uma
identidade do pai para Francisco por meio das impressões da mãe, expressas em músicas e textos,
majoritariamente), como as leitoras Daniele e Roberta descrevendo em um tópico, iniciado em 18
de setembro de 2009130, a perda dos respectivos maridos.
Os cumprimentos durante o lançamento, a postura sempre solícita para entrevistas e
130 http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=60577605&tid=5382681211777466433&start=1 (Acesso em 25
de outubro de 2009)
participações em programas da mídia e a lista de blogues que citaram o Para Francisco, porém,
são as únicas formas de interação de Cris com a comunidade. No começo, ela relembra, tentou
responder todos os comentários, mas o volume se tornou tão grande que ficou impossível
estabelecer um diálogo. O diálogo do Para Francisco, segundo ela, “[...] era escrever, receber os
comentários e continuar escrevendo.”. Cris admite isso também ao justificar sua escolha pela
plataforma:
Eu precisava de um espaço virtual porque isso ampliava a minha possibilidade de postar de mais lugares e em quaisquer circunstâncias. E o fato de ser público agradava, como uma espécie de grito para o mundo, um desabafo mesmo. Não pensava que as pessoas leriam, a não ser os amigos. E estes quase não leram, porque já tinham sofrido demais com o assunto. (GUERRA, 2009).
O desinteresse da blogueira em conhecer demograficamente sua audiência (algo necessário
àqueles que pretendem procurar anunciantes, como forma de indicar quais públicos a publicidade
pode atingir naquele espaço) fica claro também em sua descrição do perfil médio do Para
Francisco: “atinjo mais as mulheres e tenho um impacto grande nas pessoas não intelectualizadas”.
Não há posts no Para Francisco inspirados em materiais enviados, opiniões ou relatos pessoais dos
comentaristas. Os comentários apoiam a blogueira, mas não influenciam o conteúdo que ela
escreve. Desde seu começo, o blogue serve ao propósito original de recriar a imagem de um pai
ausente para um filho em crescimento e ajudar a mãe que conecta ambos em assimilar a torrente
emocional. Se levarmos em conta o modelo de tipificação proposto por Primo (2008), trata-se de
um blogue pessoal auto-reflexivo, uma emulação do diário pessoal em ambiente digital com o
mínimo de sociabilidade.
E é exatamente por seguir sua proposta original que o Para Francisco está prestes a ser
encerrado. A blogueira admite que “o blogue está quase em extinção, porque o principal já foi dito”.
Um terceiro blogue (Cris ainda tem o Hoje vou assim, em que, metodicamente, registra em fotos e
descreve as roupas com que vai trabalhar diariamente), o Amor e ponto foi criado “para me
desvincular da escrita relacionada à perda e para exercitar uma possível literatura”. O ritmo de
atualização, antes compulsivo, foi minguando conforme a perda do marido, seguida do nascimento
do filho, se popularizou mediante as confissões feitas pela blogueira no espaço.
Hoje percebo que o blog tinha um tempo dele, os dois anos em que postei compulsivamente até publicar o livro e alguns meses depois da publicação, tempo em que, acredito, postei textos melhores, num momento mais maduro como escritora. Mas o blog continua lá, para quem quiser descobri-lo agora. Pode não fazer tanto sentido para mim, mas vai fazer para algumas pessoas que precisarem ou forem tocadas por ele. (GUERRA, 2009).
FIGURA 19: reprodução da página inicial do blogue Correndo Atrás (http://colunas.globoesporte.com/correndoatras)
4.2 - Correndo Atrás
O Correndo Atrás nasceu de um projeto, pensado pela Rede Globo e pelo
Globoesporte.com, sua operação de jornalismo online, de acompanhar a rotina de um sedentário nos
meses que antecediam uma corrida de rua, como forma de prestigiar um esporte que, segundo a
empresa, é o que mais cresce e já aparece como segunda modalidade mais popular do Brasil. A ideia
de explorar o formato do blogue para acompanhar o desenrolar do treinamento do sedentário partiu
do subeditor de arte da Globo.com, Mario Guilherme de Vasconcelos. Como nenhum jornalista da
redação da Globoesporte.com se interessou pelo projeto, Mario Guilherme, ele mesmo um
sedentário e com peso acima do recomendado, aceitou assumir o desafio.
Nota-se aqui uma diferença fundamental entre o Correndo Atrás e os outros dois blogues
analisados nesta dissertação, o Para Francisco e o AllesBlau. Enquanto ambos foram criados como
escapes no desdobramento de duas situações específicas (a perda do marido e iminente nascimento
do filho no Para Francisco e a organização de um fluxo caótico de informações sobre a tragédia em
Santa Catarina no AllesBlau), o Correndo Atrás foi um projeto pensado corporativamente para
atingir um público específico, valorizando a modalidade para popularizar o conteúdo online do
Globo Esporte dentro daquele grupo demográfico.
Ainda que sirva aos objetivos estipulados por Mario Guilherme no vídeo de apresentação do
blogue (perder 30 quilos em oito meses para correr 10 quilômetros em uma prova de rua em
dezembro), o Correndo Atrás tem outro objetivo maior que obedece à estratégia da empresa
responsável pelo projeto. Se considerarmos a tipificação de Primo (2008) analisada no capítulo
dois, o Correndo Atrás poderia ser qualificado como um blogue pessoal autorreflexivo, já que o
blogue serve de mídia para que o blogueiro detalhe, descreva, analise e critique atividades próprias.
Aqui, vale a mesma observação feita a respeito dos jornalistas que mantêm blogues dentro das
versões online de jornais e revistas: o conteúdo está sujeito às decisões do blogueiro, muito embora
o veículo possa ser considerado componente de uma estratégia maior (o que pode fazer com que seu
conteúdo seja passível de interferência ou edição por parte da direção da empresa).
O Correndo Atrás nasceu em 12 de abril de 2009, esclarecendo informações básicas sobre o
blogueiro, que se apresenta em um vídeo mantido constantemente na capa do blogue. No começo
do blogue, Mario tinha 130 quilos. Pretendia atingir os 100 quilos até o final do ano. A perda
ajudaria a se condicionar para começar a correr – até então, o subeditor não mantinha qualquer
rotina esportiva.
Os posts do Correndo Atrás se destacam por um profissionalismo envolvendo imagens e
vídeos não muito comum de se encontrar em outros blogues. Seja por explorar a estrutura tanto da
Globo.com como da Rede Globo ou pelo simples fato do blogueiro trabalhar com design digital, o
Correndo Atrás acumula vídeos constantes com boa captação e montagem, tabelas que detalham
tanto o cardápio como o ritmo de exercícios da semana, gráficos que apontam a evolução na perda
de peso de Mario e montagens de fotografias nos percursos ou nas pesagens que, ainda que simples,
deixam o visual do blogue mais agradável e facilitam a leitura.
Como parte de um projeto que envolve também a Rede Globo, o Correndo Atrás tem vídeos
semanais de cerca de cinco minutos veiculados no jornal matutino Bom Dia Brasil, da TV Globo.
Os boletins semanais se focam em aspectos do treinamento de Mario, como o bem-estar com roupas
mais folgadas ou a primeira corrida sem interrupções ao redor do estádio do Maracanã, deixando
para o blogue o detalhamento metódico da rotina.
Tecnicamente, o Correndo Atrás usa uma versão da plataforma aberta WordPress
“personalizada para nossas necessidades”, após a Globo.com abandonar o desenvolvimento de sua
ferramenta própria, chamada Globolog, em julho. A mudança é qualificada pelo blogueiro como
“um grande salto qualitativo”. Mesmo que seja um projeto corporativo adotado por Mario, o
Correndo Atrás não é sua prioridade, algo que afeta diretamente o ritmo de atualização do blogue.
Por mais que admita que “o ideal seria que as atualizações fossem diárias”, Mario lembra que “não
posso deixar de fazer as coisas para as quais de fato sou pago”, o que diminui as atualizações para
cerca de quatro por semana. A atualização em segundo plano tem outra consequência: de junho a
outubro, foram nove posts exclusivamente para justificarem o atraso na publicação dos conteúdos.
O conteúdo publicado no Correndo Atrás pode ser classificado em 12 categorias: Dia a dia,
Treinamento, Nutrição, Percurso, Saúde, Acessórios, Depoimentos, Motivacionais, Planilhas,
Pesagem, Meu Time e Bom Dia Brasil. A atualização das categorias não é regular: enquanto Meu
Time, onde Mario traça perfis dos profissionais envolvidos em seu treinamento (uma professora de
educação física, uma nutricionista e uma fisioterapeuta até o final de outubro de 2009), tem apenas
três posts, Pesagem, Dia a dia e Treinamento representam dezenas dos posts, principalmente por
acompanharem os principais momentos da rotina de Mario. Todas as categorias tentam cobrir os
diferentes aspectos do treinamento: posts em Planilhas reproduzem tabelas que conduzem os treinos
semanais, enquanto Nutrição apresenta a seleção de pratos da nutricionista, Acessórios fala sobre
roupas e tênis que um corredor amador deve ter e Percurso qualifica espaços públicos no Rio de
Janeiro (onde Mario mora) para se praticar corrida de rua, como o Recreio dos Bandeirantes, a praia
de Copacabana e o Aterro do Flamengo.
Quando falamos sobre interação, o Correndo Atrás é o blogue analisado nesta dissertação
com a melhor projeção para atrair uma comunidade que se interesse pelo assunto tratado. Em 21 de
abril, Mario colocou no ar um post pedindo que leitores enviassem histórias pessoais semelhantes,
em que sedentários recorriam à corrida como forma de melhorar suas vidas. A categoria
Depoimento agrupa este material: dos oito posts da categoria até 24 de outubro, quatro relatavam
histórias de leitores, com fotos comparando a estrutura física antes e depois da adoção do esporte,
como os casos do fotógrafo Frederico Busch (em três anos, seu peso caiu de 126 quilos para 83
quilos), do estudante Thiago Sebba (em menos de dois anos, emagreceu 53 quilos com corrida e
reeducação alimentar) e de Diogo Antônio Soares (seu peso caiu de 165 quilos para 75 quilos após
operação de redução de estômago e treinos para corridas de rua). Vale notar que nestes quatro
depoimentos dos leitores, publicados no Correndo Atrás, os comentários obedecem todos a um
mesmo padrão: felicitações e congratulações ao leitor retratado pelas profissionais envolvidas no
treinamento de Mario, inclusive. O envio de depoimentos levou à criação de laços entre Mario e
alguns dos leitores.
Recebo as histórias por email. Esses depoimentos são muito importantes para criar outros exemplos e assim aumentamos a chance das pessoas se identificarem com o projeto. Posteriormente comecei a falar com algumas pessoas desses depoimentos pelo e-mail e MSN e hoje já somos até amigos. (VASCONCELOS, 2009).
Os quatro posts restantes na categoria Depoimentos englobam outras formas de interação
com a comunidade, sem a identificação imediata com o projeto do designer, como o depoimento de
um senhor de 69 anos que Mario considera inspiração e um bate-papo virtual do qual participou,
assim que o quadro do Bom Dia Brasil estreou, em 30 de junho. Vale destacar que, nas palavras de
Mario, a cada veiculação do boletim no jornal da TV Globo, “o telefone aqui de casa não para de
tocar. E as mensagens, por sua vez, não param de chegar… um montão de gente dando força e
pedindo ajuda”. Potencializada pela aparição na televisão, a audiência do Correndo Atrás atrai
pessoas que “já passaram por experiências parecidas com a minha e que aparecem para dar força e
gente que passou a correr incentivada pelo blog. Enfim, gente que já corria antes e que passou a
correr agora”, além daqueles que ainda não conseguiram “sair do sofá também”.
Ainda que cubra um período de tempo específico (de abril a dezembro de 2009, quando
ocorre a prova de rua da qual pretende participar), o Correndo Atrás não deverá terminar no final do
ano, já que Mario tem planos de continuar tanto o treinamento como o blogue para tentar correr 21
quilômetros (metade de uma maratona) até o final de 2010.
4.3 - AllesBlau
O AllesBlau nasceu da necessidade de cidadãos atingidos pelas fortes chuvas que
provocaram enchentes e 135 mortes em Santa Catarina, em novembro de 2008, organizarem o caos
em que se encontrava a divulgação de notícias durante a calamidade. O blogue nasceu em 22 de
novembro de 2008, às 19h20, após a primeira tarde em que o excesso de chuvas já provocava danos
a cidades do Estado de Santa Catarina, a partir de Blumenau, a cidade mais castigada pelas
enchentes.
Após ficar ilhada em um centro espírita com mais de 100 pessoas na tarde do dia 22, a
publicitária Juliana Maria da Silva conseguiu pegar o filho na casa dos seus pais no começo da noite
e ir para casa, em um bairro alto de Blumenau, não atingido pelos chuvas. Antes de sair às ruas,
soube pela rádio de um deslizamento ao lado do shopping da cidade que obrigou seu evacuamento.
Ao chegar em casa e ligar o computador atrás de informações sobre as fortes chuvas, não conseguiu
seu situar em um ambiente com “confusão e informações desencontradas”.
Nenhuma informação organizada, nada publicado em lugar nenhum. Os veículos tradicionais sem registro do que havia acontecido. Voltamos ao século passado. Uma mistura de surpresa e indignação me fez criar o AllesBlau [“tudo azul”, em tradução livre do alemão]. O nome pode até soar irônico, dada a situação atual. Mas a realidade é que naquele momento, nada mais sério havia acontecido (ainda). E o objetivo era (e ainda é) criar um canal de comunicação mais versátil para nossa cidade. (SILVA, 2008)131.
Nas horas seguintes, Juliana formatou um blogue no WordPress, plataforma escolhida por já
ser utilizada em seus blogues pessoais e por achar mais “profissional” que a rival Blogger (ela conta
já ter tido um blogue no serviço pioneiro, antes mesmo da aquisição da desenvolvedora Pyra pelo
Google, em 2003). A publicitária conversou com o amigo Fábio Ricardo, que acabou
posteriormente ajudando na atualização do blogue, mas no momento estava envolvido na remoção
dos móveis de famílias atingidas pelas enchentes em Blumenau. Às 19h20, o AllesBlau foi
131 http://allesblau.net/2008/11/26/antes-tarde-do-que-nunca/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
inaugurado com um post132 em que Juliana conta sobre as horas em que ficou presa no centro
espírita (com foto da água cercando o prédio) e sua jornada para buscar o filho e criar o blogue.
Dois dias depois, o prefeito da cidade, João Paulo Kleinübing, decretava estado de calamidade
pública.
A razão para a escolha do blogue como plataforma para organizar as informações
desencontradas sobre a tragédia é explicada por Juliana de maneira simples: “o blogue permitiria
múltiplas entradas, publicação de fotos, vídeos, podcasts, comentários e indexação por tags”. A
produção de conteúdo do AllesBlau teve como parceira importante as rádios, veículos que
tradicionalmente se adaptam à divulgação de informações úteis e serviços públicos em cenários de
tragédias. O relato do colaborador Ariel Gajardo dá conta do fenômeno.
Fizemos um trabalho em conjunto não assumido com elas nos momentos mais difíceis, tanto as AMs como as FMs que conseguiram manter a transmissão com Blumenau inteira quase às escuras. Elas noticiavam, nós publicávamos e postávamos imagens retiradas de álbuns no Orkut ou vídeos do YouTube. Somávamos quase sempre relatos de leitores vindos por e-mail. (GAJARDO, 2008)133.
A adoção do rádio como principal meio para que informações sejam divulgadas, relatos dos
atingidos sejam agregados e iniciativas de ajuda sejam promovidas tem nas enchentes de New
Orleans, provocadas pelo furacão Katrina, outro bom exemplo. Em visita à cidade meses após a
força do furacão de nível 5 (o pior na escala de furacões ,Saffir–Simpson) romper barreiras que
separavam as águas do Rio Mississípi e do Lago Pontchartrain do declive onde a cidade está
situada, o editor da revista The New Yorker, David Remnick, relatou na reportagem “High water”134
(“Maré alta”, na tradução oficial para o português) como o programa de rádio conduzido pelo
apresentador de TV Garland Robinette “[...] era um ponto de convergência para boatos, para a
ridicularização dos boatos, entrevistas, especulação e um tipo de terapia para desastres regionais.”
(2006, p.119).
Os atingidos pela enchente ligavam para o rádio para informarem sobre pontos de 132 http://allesblau.wordpress.com/2008/11/22/4/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 133 http://www.simviral.com/2008/11/alles-blau-um-blog-sobre-a-enchente-de-blumenau/. (Acesso em 25 de outubro de
2009) 134 http://www.newyorker.com/archive/2005/10/03/051003fa_fact. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
distribuição de alimentos, parentes perdidos, pessoas encontradas, larápios tentando aplicar golpes
ou simplesmente para trocarem informações sobre “gás, eletricidade, suprimentos e imóveis de
aluguel por todo o sul”. A transformação das estações de rádio em pontos de convergência para as
vítimas tem também outra consequência inevitável: os relatos desesperados por ajuda daqueles em
situações lastimáveis. Nas palavras do diretor de notícias da WWL, maior estação de rádio de New
Orleans, David Cohen: “Começamos a receber telefonemas surpreendentes: uma mulher em sua
casa com uma criança de dois anos no colo e uma de cinco anos a seu lado, sem leite, sem comida.
'O que eu faço? E o que eu digo a ela? Eu sou apenas o cara do rádio!'”(2006, p. 123).
No mesmo dia em que estreou o blogue, Juliana arregimentou os primeiros colaboradores do
AllesBlau (atualmente, são 11) tendo como pré-requisito uma conexão e energia elétrica, estar em
situação razoavelmente tranquila e produzir (ou reproduzir) conteúdos que diziam respeito à
situação. No final da noite, sua energia elétrica caiu. Foi por Ariel, nascido em Blumenau mas
morando em São Paulo, que o AllesBlau deu seu primeiro furo relevante: o estouro de um gasoduto
na noite do dia 23135, com texto enviado pelo publicitário Denis Budag pelo telefone celular, e com
imagem retirada do perfil no Orkut de um morador de Blumenau.
Estou aqui escrevendo do celular, todo arrepiado. Estou em casa […] quando a minutos atrás um som muito alto e assustador tomou conta. Parecia uma turbina enorme de avião ao lado de fora da sacada. […] Ouvi no rádio alguém querendo saber o que era o clarão e explosão naquela região. Parecia do gasoduto. Fui correndo para a rua e não me acreditei no que vi e vejo até agora da sacada do meu quarto, que é bem longe de lá. Labaredas enormes, céu vermelho e aquele barulho horrível nos ouvidos. Só lamento não possuir energia e internet para transmitir imagens e vídeo. A única rádio, furb fm já recebeu inúmeros emails e ligações sobre o assunto mas só ignoram. Se tiver mais informações, ou se você usuário, tiver. Mantenha-nos informado. Não sei se conseguirei dormir vendo esse fogo pelo vidro da minha sacada. No momento a chuva parou e o fogo só cresce” (BUDAG, 2008).
Pela capacidade de organizar informações colhidas dos veículos tradicionais (rádio,
principalmente) e também de agregar vídeos e fotos publicados no YouTube e no Flickr além de
relatos de parentes, conhecidos e amigos, o AllesBlau começou a ganhar projeção no dia seguinte à
sua criação, amparado também pela confusa e falha cobertura de jornais, revistas e programas de
135 http://allesblau.net/2008/11/23/enchente-blumenau-relato-e-foto-de-explosao/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
TV e rádio de âmbito nacional. Assim, o AllesBlau começou a alimentar os veículos que
tradicionalmente deveriam trazer as informações. A divulgação “boca a boca”, nas palavras de
Juliana, fez com que o blogue se popularizasse na região e aumentasse o contingente de
colaboradores pelos comentários ou pelo e-mail. Alguém que lia um post pedindo confirmação
sobre um bloqueio na rua repassa o link para algum conhecido na região que, momentos depois,
publicava um comentário confirmando e aprofundando a situação. Nas palavras da publicitária,
“[...] cada um trazia o que via ao seu redor, a cidade estava isolada em alguns pontos, mas
continuava com internet.”. No modelo proposto por Primo (2008), o AllesBlau se encaixaria como
um blogue organizacional informativo.
A organização de colaboradores junto à crescente popularidade do AllesBlau, causada pela
ágil organização, replicação e reportagem de notícias sobre a tragédia (não havia ritmo pré-
estabelecido – o ritmo obedecia à sucessão de fatos), teve como resultado “[...] uma avalanche de
informações, postadas com uma velocidade enorme e organizadas por tag, categoria e ordem
cronológica. Os acessos dispararam. Já no primeiro dia registramos 88.000 visitas, no segundo dia,
123.000 visitas.” (SILVA, 2008).
A relevância fez com que o AllesBlau interagisse com os veículos tradicionais além da
simples republicação de conteúdos sobre a tragédia, como fez o jornal O Estado de S. Paulo com
foto da colaboradora Marion Rupp136, ou de notícias sobre a atuação do blogue, como o próprio
Estado137 e o jornal Folha de S. Paulo138 - contatos com os blogueiros do AllesBlau alimentou
reportagens publicadas tanto na mídia nacional como internacional, caso da BBC, cujo editor de
web em Londres escreveu ao blogue139 pedindo informações que comporiam matéria do
conglomerado britânico140 sobre a tragédia (sem citar o AllesBlau). A categoria AllesBlau141 tentou
reproduzir todas as referências ao blogue na internet ou em mídias offline, mas acabou sendo
136 http://topicos.estadao.com.br/fotos-sobre-chuvas-em-sc/foto-de-marion-rupp-do-blog-alles-blau-mostra-a-situacao-
das-cidades-atingidas,250e7cfe-4f9e-40d7-8019-59e98b9c2713. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 137 http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid282386,0.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 138 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/informat/fr0312200805.htm. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 139 http://allesblau.net/2008/11/24/blumenau-na-bbc-de-londres/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 140 http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/7745133.stm. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 141 http://allesblau.net/category/allesblau/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
deixada de lado no avanço da tragédia.
Nascido com o propósito “[...] de suprir a demanda de informações locais e regionais fora do
timing da mídia tradicional [...]”,142 o AllesBlau continuou a noticiar fatos referentes à cidade de
Blumenau, como o desempenho do time de basquete da cidade143 ou destelhamentos causados por
temporais,144 obviamente sem a mobilização registrada pelas vítimas das enchentes em novembro
de 2008 e afetado por não ser a prioridade de nenhum dos seus envolvidos. Além da ajuda prestada
aos atingidos pelas enchentes, como a planilha145 criada para registrar pessoas desaparecidas após as
fortes chuvas, é inegável que o AllesBlau teve importância por provar como a mobilização coletiva
por meio de um blogue pode ser relevante em tragédias no Brasil. Nas palavras de Juliana, “Deus
nos ajude a não precisarmos tão cedo de tal mobilização, mas sei que se for necessário estaremos
todos novamente aqui”.
Considerações finais
Terminada a pesquisa proposta no início desta dissertação, podemos chegar a algumas
conclusões que serão abordadas nestas considerações finais. Primeiramente, existe uma relação de
dependência entre as ferramentas oferecidas pelos serviços disponíveis para os usuários e as
práticas que emergem da apropriação destas ferramentas. Se considerarmos o avanço técnico das
ferramentas, com a crescente integração de serviços complementares aos blogues por meio de
widgets (como é o caso do Sphere, do Google Friend Connect ou da cada vez mais popular conexão
entre blogues e redes sociais ou Twitter), poderemos concluir que as práticas, simultaneamente,
evoluirão, com a emersão de novos hábitos e rotinas para a manutenção dos blogues nos próximos
anos.
142 http://allesblau.net/sobre-o-blog/. (Acesso em 25 de outubro de 2009) 143 http://allesblau.net/2009/08/05/basquete-feminino-de-blumenau-disputa-taca-santa-catarina-em-brusque/. (Acesso
em 25 de outubro de 2009) 144 http://allesblau.net/2009/09/08/temporais-provocam-estragos-em-santa-catarina/. (Acesso em 25 de outubro de
2009) 145 http://allesblau.net/2008/11/29/lista-de-pessoas-procuradas/. (Acesso em 25 de outubro de 2009)
Da mesma forma, a ascensão de plataformas para tipos específicos de conteúdos, como são
os tumblelogs para materiais multimídia, os fotologs apenas para fotografias, os videologs para
registros em vídeo e os microblogs para mensagens curtas, poderemos partir do pressuposto de que
o formato tradicional do blogue será “limitado”, já que utilizações pioneiras da plataforma (como
usar um blogue para criar um álbum de fotos ou compilar comentários curtos, como se fossem
aforismos) migrarão para serviços próprios. Podemos cogitar que essa migração tornará os blogues
(ainda que não de maneira generalizada) ferramentas mais voltadas à publicação de comentários de
tamanho maior.
O lançamento de serviços que automatizam processos, em movimento iniciado pelo Blogger,
da Pyra Labs em 1999, popularizou o blogue como uma plataforma de publicação simplificada
graças à facilidade de manuseio dos softwares, sempre baseados em poucos comandos realizados
por meio do apertar de ícone, o que fez com que a plataforma se mostrasse mais amigável do que
outros sistemas de gerenciamento de conteúdo digital. Não é toda apropriação da ferramenta,
porém, que explora a construção “de expressões umas sobre as outras sob um mesmo teto digital”,
como Boyd (2006, p.10) definiu a prática dos blogues. Em outras palavras, blogues podem
funcionar como substitutos de outras ferramentas de publicação, sem levar em consideração
conceitos inerentes à natureza do fenômeno, como a construção contínua de conteúdo ou o
mapeamento da conversação onde aquele post se insere por meio de funções como o permalink e o
trackback. Ter um blogue não significa, necessariamente, blogar. A liberdade de uso da ferramenta
permite sua aplicação para objetivos que simplesmente emulam outras mídias de massa.
Pudemos observar também a importância dos trackbacks e dos permalinks para o registro de
todos os caminhos que uma conversação mediada por blogues pode tomar. A alta fragmentação do
diálogo e seu potencial para expansão infinita, dada a liberação do polo de emissão que permite o
ingresso de qualquer interessado, exige que todos os serviços suportem as ferramentas já citadas
para que possamos mapear com maior precisão os meandros do diálogo que “escorre” (PRIMO,
2006, p.10) por outros comentários e blogues. A falta de suporte aos trackbacks por parte do
Blogger é um exemplo gritante de como, mais de dez anos após o início do movimento, os blogues
ainda enfrentam problemas básicos para o rastreamento das conversas que o utilizam como apoio.
Ao analisarmos os métodos de classificação empregados historicamente pela academia,
percebemos que se concentrar no conteúdo veiculado pelo blogue nos traz sistemas falhos de
tipificação, já que os blogues partilham de algumas, não de todas, as características de outras
mídias, como a TV ou o rádio. Como bem lembra Herring (2004, p. 2), o blogue não é algo
fundamentalmente novo ou único, “mas ocupa uma nova posição na ecologia de gêneros on-line”
por oferecer um formato híbrido e mais flexível. Ao contrário de mídias antecessoras, o blogue não
é apenas a mídia na qual o conteúdo é veiculado, mas também o produto da prática adotada pelo seu
usuário. Como explica Boyd (2006, p.11), “blogues são produtos da expressão e da própria mídia”,
o que faz com que, caso precisemos comparar o fenômeno a algum tipo de suporte, o blogue se
pareça mais com o papel do que com a revista, já que ambos (papel e blogue) servem para as mais
diversas aplicações, da criação de lista de compras à publicação de tratados internacionais sobre
navegação marítima.
É por isso que os conceitos apresentados tanto por Schmidt (2007), para as práticas, quanto
por Primo (2008), para um sistema de classificação generalista, apóiam-se não no conteúdo veículo,
mas no objetivo social do usuário assim que ele adota aquela plataforma. Se precisarmos separar os
blogues em grupos, é bom que prestemos atenção nas razões pelas quais os blogueiros se apropriam
da ferramenta e quais são os objetivos sociais que tentam atingir, sejam pela veiculação de
conteúdos próprios inéditos ou pelo emaranhado de materiais alheios republicados sem qualquer
análise.
No que diz respeito ao desenvolvimento nos Estados Unidos e no Brasil, a comparação
descrita no capítulo 3 nos sugere que, da mesma maneira que a criação de ferramentas nacionais
para blogues seguiu caminho semelhante à centralização observada nos portais, custeados por
investimentos provindos de operadoras de telefonia (Telefônica para o Terra, Portugal Telecom para
o UOL, Brasil Telecom para o iG) ou de grandes conglomerados nacionais de mídia (Rede Globo
para a Globo.com e Rede Record para R7, mais recentemente), o desenvolvimento centrado em
portais, no entanto, não garantiu a continuidade das ferramentas, já que Terra, iG e Globo.com
abandonaram suas próprias soluções em nome da plataforma aberta WordPress, o que demonstra a
incapacidade das operações nacionais manterem paridade de inovação com o que vem sendo feito
nos Estados Unidos.
Pesquisas futuras que usem este material como referência poderão abordar os
desdobramentos para a natureza do blogue como linguagem a partir da sua fragmentação, com o
desenvolvimento de ferramentas para a publicação de conteúdos específicos, como vídeos,
fotografias ou registros automáticos da atividade online do usuário. O desenvolvimento do
fenômeno no Brasil atrelado ao poder centralizador dos portais nacionais também pode ser um
caminho futuro para a pesquisa, assim como o detalhamento com maior profundidade dos principais
marcos da blogosfera no Brasil, ouvindo personagens envolvidos na construção da blogosfera
brasileira para lhe traçar o contexto de seus primeiros momentos.
Referências
AMARAL, Adriana; MONTARDO, Sandra; RECUERO, Raquel (orgs.). “Blogs.com - Estudos sobre blogs e comunicação”. São Paulo: Momento Editorial, 2009. Disponível em http://www.sobreblogs.com.br/blogfinal.pdf BARGER, Jorn. “Weblog resources". 1999. Disponível em http://www.robotwisdom.com/weblogs/ BATTELLE, John. “The Search - How Google and it's rivals rewrote the rules of business and transformed our culture”. Nova York: Portfolio, 2006. BAKHTIN, Mikhail. “Estética da criação verbal”. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BIRKERTS, Sven. “The Gutenberg elegies: the fate of reading in an eletronic age”. Boston. Ballantine, 1995. BLOOD, Rebecca. "Weblogs: A History and Perspective", Setembro de 2000. Disponível em http://www.rebeccablood.net/essays/weblog_history.html. BOWMAN, Shayne; WILLIS, Chris. “We Media – How audiences are shaping the future of news and information". The Media Center at the American Pess Institute, 2003. Disponível em www.hypergene.net/wemedia/download/we_media.pdf BOYD, danah. 2006. “A blogger’s blog: exploring the definition of a medium.” Disponível em. http://reconstruction.eserver.org/064/boyd.shtml BRAMBILLA, Ana Maria. “Jornalismo open source: discussão e experimentação do OhMyNews International". 2006. Disponível em http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/8457/000576267.pdf?sequence=1 CASTELLS, Manuel. “The rise of the network society”. Malden: Blackwell, 2000. CASTELLS, Manuel. “A galáxia da internet – Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade”. São Paulo. Jorge Zahar Editora, 2003.
CIPRIANI, Fábio. “Blog Corporativo”. São Paulo: Novatec, 2006. DORIA, Pedro. Eu gosto de uma coisa errada. São Paulo. Ediouro, 2006. DÖRING, Nicola. “Personal home pages on the web: a review of research”. 2002. Disponível em http://jcmc.indiana.edu/vol7/issue3/doering.html. DUBNER, Stephen. “Who comments on blogs, and why?”. 15 de março de 2007. Disponível em http://freakonomics.blogs.nytimes.com/2007/03/15/who-comments-on-blogs-and-why/ DUBNER, Stephen. “Why you comment on blogs". 16 de março de 2007. Disponível em http://freakonomics.blogs.nytimes.com/2007/03/16/why-you-comment-on-blogs/ EFIMOVA, Lilia; HENDRICK, Stephanie. “In search for a virtual settlement: An exploration of weblog community boundaries”. In: Communities and Technologies, 2005. Disponível em https://doc.novay.nl/dsweb/Get/Document-46041 EFIMOVA, Lilia; DE MOOR, Aldo. “An argumentation analysis of weblog conversations”. 2004. Disponível em https://doc.novay.nl/dsweb/Get/Document-41656 ESMAILI, Kyumars; JAMALI, Mohsen; NESHATI, Mahmood; ABOLHASSANI, Hassan; SOLTAN-ZADEH, Yasaman. “Experiments on persian weblogs”. 2006. Disponível em http://www.blogpulse.com/www2006-workshop/papers/persian-weblogs.pdf GILLMOR, Dan. We the media - Grassroots journalism by the people, for the people. Sebastopol: O'Reilly Media, 2006. GODIN, Seth. “Death of the personal blog?". 26 de novembro de 2008. Disponível em http://sethgodin.typepad.com/seths_blog/2008/11/death-of-the-pe.html GUERRA, Cristiana. “Para Francisco". São Paulo, Arx. 2008. GUTIERREZ, Suzana de Souza. “O fenômeno dos weblogs: as possibilidades trazidas por uma tecnologia de publicação na internet”. 2003. Disponível em http://www.seer.ufrgs.br/index.php/InfEducTeoriaPratica/article/view/4958/2933 HAYES, Conor; AVESANI, Paolo; VEERAMACHANENI, Sriharsha. “An Analysis of the Use of Tags in a Blog Recommender System”. 2007. Disponível em http://www.aaai.org/Papers/IJCAI/2007/IJCAI07-445.pdf HAYES, Conor, AVESANI, Paolo, VEERAMACHANENI, Sriharsha. “An Analysis of Bloggers and Topics for a Blog Recommender System". 2006. Disponível em http://sra.itc.it/people/hayes/pubs/hayes_ecml_webmine06.pdf HERRING, Susan.; SCHEIDT, Lois Ann; BONUS, Sabrina; WRIGHT, Elijah. “Bridging the gap: a genre analysis of weblogs’”. 2004. Disponível em http://www.blogninja.com/DDGDD04.doc JARVIS, Jeff. “Product v. process journalism: the myth of perfection v. beta culture". 07 de junho de 2009. Disponível em http://www.buzzmachine.com/2009/06/07/processjournalism/ JENKINS, Elwyn. “Dynamics of a blogosphere story". 20 de maio de 2003. Disponível em http://chaquente.com/wp-content/uploads/2009/10/microdoc-news_-dynamics-of-a- blogosphere-story.pdf KRISHNAMURTHY, S. The multidimensionality of blog conversations: The virtual enactment of September 11. Holanda, 2002. LEÃO, Lucia. Derivas: cartografia do ciberespaço. São Paulo: Annablume; Senac, 2004. LEÃO, Lucia. O Chip e o caleidoscópio: reflexões sobre as novas mídias. Senac, 2005 LEMOS, André. “A arte da vida. Diários pessoais e webcams na Internet”. 2002. Disponível em http://intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/2002_NP8LEMOS.pdf LEMOS, André. “Cibercultura – tecnologia e vida social na cultura contemporânea”. Porto Alegre, Sulina, 2002. MANOVICH, Lev. “Software takes command”. 2008. http://lab.softwarestudies.com/2008/11/softbook.html MARLOW, C. Audience, structure and authority in the weblog community. Maio de 2004, Disponível em http://www.researchmethods.org/ICA2004.pdf
MATHES, Adam (2004). Folksonomies - Cooperative Classification and Communication Through Shared Metadata. Disponível em http://www.adammathes.com/academic/computer-mediated- communication/folksonomies.html MARCUSCHI, Luiz Antônio. “Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital”. In: MARCUSCHI, Luiz Antonio; XAVIER, Antônio Carlos (eds.), “Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido”. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. MERELO, Juan; ORIHUELA, J. ; RUIZ, Víctor; TRICAS, F. “Revisiting the spanish blogosphere”. 2004. Disponível em http://webdiis.unizar.es/~ftricas/Articulos/blogTalkSlides2004.pdf MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo. Pensamento-Cultrix, 1996. MORIN, Edgar. ”Introdução ao pensamento complexo”. Lisboa. Instituto Piaget, 1991. NARDI, Bonnie., SCHIANO, Diane, GUMBRECHT, Michelle, SWARTZ, Luke. 2004. "I'm blogging this: A closer look at why people blog". 2004. Disponível em http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download? doi=10.1.1.84.3216&rep=rep1&type=pdf NARDI, Bonnie; SCHIANO, Diane; GUMBRECHT, Michelle. 2004. "Blogging as Social Activity, or, Would You Let 900 Million People Read Your Diary?". 2005. Disponível em http://home.comcast.net/~diane.schiano/CSCW04.Blog.pdf OLIVEIRA, Sílvio Luiz. Sociologia das organizações: uma análise do homem e das empresas no ambiente competitivo. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. O'REILLY, Tim. “What Is Web 2.0 - Design Patterns and Business Models for the Next Generation of Software”. 2005. Disponível em http://oreilly.com/web2/archive/what-is-web-20.html PARK, David. “Blogging with authority: strategic positioning in political blogs". 2009. Disponível em http://ijoc.org/ojs/index.php/ijoc/article/viewFile/355/308 PRIMO, Alex; SMANIOTTO, Ana. “Blogs como espaços de conversação: interações conversacionais na comunidade de blogs insanus”. 2006. Disponível em www6.ufrgs.br/limc/PDFs/conversacao.pdf PRIMO, Alex. “Interação mediada por computador”. Porto Alegre. Sulina, 2007. PRIMO, Alex; RECUERO, Raquel. “Hipertexto cooperativo: uma análise da escrita coletiva a partir dos blogs e da wikipédia”. 2003. Disponível em http://www6.ufrgs.br/limc/PDFs/hipertexto_cooperativo.pdf RECUERO, Raquel. “Weblogs, webrings e comunidades virtuais”. 2003. Disponível em http://pontomidia.com.br/raquel/webrings.pdf REMNICK, David. “Dentro da floresta”. São Paulo. Companhia das Letras, 2006. ROSENBERG, Scott. “Say everything - How blogging began, what it's becoming, and why it matters”. Nova York: Crown, 2009. SCHMIDT, Jan. Blogging practices in the German-speaking blogosphere. Findings from the "Wie ich blogge?!". 2007. Disponível em http://www.fonk- bamberg.de/pdf/fonkpaper0702.pdf SCHMIDT, Jan. “Blogging practices: An analytical framework”. Journal of Computer- Mediated Communication, 12(4), article 13. 2007. Disponível em http://jcmc.indiana.edu/vol12/issue4/schmidt.html TRAMMEL, Kaye; TARKOWSKI, Alek; HOFMOKL, Justyna; SAPP, Amanda. “Rzeczpospolita blogów: examining polish bloggers through content analysis”. 2006. Disponível em http://jcmc.indiana.edu/vol11/issue3/trammell.html. VIEIRA, Eduardo. “Os bastidores da internet no Brasil”. São Paulo, Manole, 2003. WELLMAN, Barry. “Physical Place and Cyber Place: The Rise of Personalized Networking". 2001. Disponível em http://www.amd.com/us-en/assets/content_type/DownloadableAssets/The_Rise_of_Personalized_Networking.pdf
ANEXOS A.1 - Entrevista com a designer Cristiana Guerra, responsável pelo blogue Para
Francisco O que a motivou a criar o blogue? Fiz o blog no impulso. Eu escrevia muito sobre e para o Gui, depois da morte dele. Muita gente falava para eu criar um blog, mas eu não via muito sentido nisso. Quando o Francisco tinha 4 meses, voltei a trabalhar na agência em que eu tinha trabalhado com o Gui. E era uma data importante, 17/07/2007. Fazia 6 meses que ele tinha morrido, um ano que eu tinha descoberto a gravidez e seria o nosso aniversário de 2 anos de namoro. Achei a data muito significativa e escrevi para os amigos, mais uma vez, sobre ele. Mas usei uma figura de linguagem, escrevendo como se fosse para o Francisco. Resultado: nesse momento tive um insight de criar um blog com esse título. Um espaço virtual onde, quando eu quisesse, colocasse coisas que eu queria falar pra ele (ou, indiretamente, para o Gui). Foi então que inaugurei o blog (postei no dia seguinte o texto feito para os amigos) e abri uma torneira de onde saiu uma infinidade de textos, compulsivamente. Quando entendi para quem eu precisava falar, comecei a encontrar o caminho para dissolver minha angústia, essa angústia de ter o Francisco, mas não poder fazê-lo conhecer o pai sensacional que ele teve. Por que um blogue? E por que o Blogspot? Eu precisava de um espaço virtual porque isso ampliava a minha possibilidade de postar de mais lugares e em quaisquer circunstâncias. E o fato de ser público agradava, como uma espécie de grito para o mundo, um desabafo mesmo. Não pensava que as pessoas leriam, a não ser os amigos. E estes quase não leram, porque já tinham sofrido demais com o assunto. Blogspot porque minha iniciadora foi a Ju Sampaio, do Mothern (mothern.blogspot.com). Você tem algum ritmo de publicação? Atualmente o blog está quase em extinção, porque o principal já foi dito. Eventualmente posto alguma coisa contando do próprio Francisco pra ele ler no futuro. Ou vou postar ainda mais alguma coisa que vier à cabeça sobre a minha família, ou sobre o próprio Gui. Mas hoje percebo que o blog tinha um tempo dele, os dois anos em que postei compulsivamente até publicar o livro e alguns meses depois da publicação, tempo em que, acredito, postei textos melhores, num momento mais maduro como escritora. Mas o blog continua lá, para quem quiser descobri-lo agora. Pode não fazer tanto sentido para mim, mas vai fazer para algumas pessoas que precisarem ou forem tocadas por ele. Já se sentiu tentada a encerrar o blogue? Sim. Criei o amor e ponto (amoreponto.blogspot.com) para me desvincular da escrita relacionada à perda e para exercitar uma possível literatura, rs. Eu ia substituir um por outro, mas depois pensei bem e achei melhor deixar o para francisco no ar. Não há necessidade, pelo menos atualmente, de
extingui-lo. Se eu mudar de ideia, restrinjo os acessos a convidados. Mas deixo lá. Consegue reconhecer um perfil médio no seu leitor? O perfil do meu leitor é o leitor médio, sem querer fazer trocadilho com a pergunta. Acho que atinjo mais as mulheres e tenho um impacto grande nas pessoas não intelectualizadas. Isso é legal. Aprendi a falar uma linguagem simples e acessível, com a redação publicitária, então acho que isso amplia a possibilidade de Há algum assunto que você prefere não abordar no blogue? Não toco muito em religião. Não falo da ex-mulher do Gui - que é uma parte importante da história, de certa forma. Como se dá a interação entre você e a comunidade formada ao redor do Para Francisco? Sempre recebi os comentários e tentei respondê-los, mas aos poucos foi ficando cada vez mais difícil. Não considero essencial estabelecer um diálogo no blog. O diálogo, para mim, era escrever, receber os comentários e continuar escrevendo. Existem leitores costumazes do Para Francisco, aqueles que aparecem em todos os posts? Acho que sim. Atualmente estou sem atualizar (hoje escrevi um texto novo!), mas ao longo da existência mais ativa do blog percebi que, sim, existiam leitores que apareciam em todos os posts. Além do lançamento do livro, houve alguma outra mobilização em que leitores foram ao seu encontro? Houve apenas o lançamento do livro (os dois lançamentos, em bh e em sp). Aliás, como foi encontrar quem comenta no teu blog no lançamento? Foi sensacional. A maioria tinha a atitude de se identificar, dar cara à pessoa cujo nome já aparecia em emails e comentários. Mas teve alguns momentos particularmente emocionantes, como uma menina, também Cris, que tinha acabado de perder o marido grávida, e apareceu lá chorando muito, e o nosso abraço foi de um significado enorme. Pra ela, naquele momento, eu era a esperança de que ela iria ficar bem, porque eu tava feliz, lançando um livro, ou seja, virando uma página triste de um jeito legal. Vi muita gente chorando e isso foi impressionante. Naquele evento em SP, que foi diferente de BH, aquele bate-papo em que pude responder às perguntas, eu percebi a importância que o blog tinha para muita gente. Foi uma das noites mais significativas da minha vida. Era muita emoção, alegria e intensidade juntos. Lembra-se quando recebeu o primeiro comentário de apoio? Tem tanto tempo, que eu não me lembro mais. Tentei ir ao blog pra relembrar, mas vi que era muito pouco comentado no começo. Se os primeiros posts hoje trazem comentários, são comentários recentes em posts antigos. Você usa histórias ou conteúdos de leitores nos seus posts? Não. Acho que não. rs.
A.2 - Entrevista com o subeditor de arte Mario Guilherme de Vasconcelos, responsável pelo blogue Correndo Atrás
De quem nasceu a ideia do Correndo Atrás – de você ou da Globo.com? A Rede Globo e o Globoesporte.com percebem que a corrida de rua é o esporte que mais cresce no Brasil. Atualmente, esta modalidade já é a segunda mais praticada, perdendo apenas para o futebol. Mas um dado interessante, por exemplo, é que se vendem muito mais tênis de corrida do que chuteiras no "país do futebol". Diante deste interesse crescente, surgiu a idéia de valorizar a editoria e cativar novos leitores. A idéia de ter um personagem sedentário é exatamente para motivar pessoas na mesma condição a seguirem o exemplo e, desta forma, se tornarem também consumidoras de notícias relativas ao assunto. A idéia do blog foi minha mas inicialmente não deveria ser realizada por mim. Buscaríamos um jornalista da casa que topasse o desafio. Como ninguém abraçou a idéia, eu mesmo segui com o projeto. A ferramenta usada é própria da Globo.com? A globo.com abandou a sua ferramenta própria, o globolog. Atualmente usamos a ferramenta de publicação da wordpress com alguns ajustes, personalizada para as nossas necessidades. Foi um grande salto qualitativo, acredite. Existe um ritmo de atualização oficializado ou você atualiza quando dá? O ideal seria que as atualizações fossem diárias. Mas a carga de trabalho me impossibilita de me focar somente no blog. Na verdade, eu sou o subeditor de arte do globesporte.com e minha função não passaria nem perto de estar escrevendo ou sendo filmado. Como não posso deixar de fazer as coisas para as quais de fato sou pago para fazê-las, o blog fica em um segundo plano. As atualizações são, em média, quatro por semana. Mas o meu treinamento é diário. Como acontece a interação entre você e os leitores? Como você reaproveita conteúdos e histórias de leitores do Correndo Atrás? Basicamente recebo as histórias por email. Esses depoimentos são muito importantes para criar outros exemplos e assim aumentamos a chance das pessoas se identificarem com o projeto. Posteriormente comecei a falar com algumas pessoas desses depoimentos pelo email e msn e hoje já somos até amigos. Tem a percepção de um perfil médio do leitor do Correndo Atrás? Basicamente pessoas que já passaram por experiências parecidas com a minha e que aparecem para dar força e gente que passou a correr incentivada pelo blog. Enfim, gente que já corria antes e que passou a correr agora. E gente que ainda não conseguiu sair do sofá também. :) Depois da corrida no final do ano, pretende encerrar o blogue? Pretendo partir para os 21km em 2010 e seguir com o blog, incrementando e melhorando várias coisas. Algum leitor se dignou a correr os 10 km contigo no final do ano? Sim, alguns leitores ja toparam me acompanhar... legal, ne? E tem um pessoal do trabalho que vai
correr comigo tb, alem da equipe que me acompanhou.
A.3 - Entrevista com a publicitária Juliana Maria da Silva, responsável pelo blogue AllesBlau
Como nasceu o AllesBlau? De quem foi a ideia? Quantos foram os fundadores iniciais? O alles nasceu no sábado, dia 22 de novembro às 7:12pm conforme o primeiro post (http://allesblau.wordpress.com/2008/11/22/4/). Eu fiquei isolada por uma hora mais ou menos e quando consegui sair, busquei meu filho na casa de meus pais e fui pra casa. Fiquei bastante preocupada pois as notícias que chegavam aleatoriamente eram de deslizamentos e alagamentos e a chuva não cedia. Em minha casa, apartamento na verdade, tudo seco e calmo. Moro em um bairro alto da cidade. Escola Agrícola. Conforme eu tentava me inteirar do que estava acontecendo, percebia que havia muita confusão e informações desencontradas. Alguns locais da cidade já estavam sem energia elétrica e aparentemente muita gente não imaginava o que estava acontecendo. O deslizamento e alagamento do estacionamento do Shopping estava confirmado e aos poucos a internet começou a mostrar uma dianteira interessante sobre as outras mídias. Quem estava online tinha alguma coisa pra dizer. Apareciam fotos, relatos e depoimentos via MSN, twitter, e-mail, skype. Tudo solto, vindo de todos os lados. Falei com o Fábio, que estava online e nessa conversa avisei que ia montar um blog pra organizar tudo que eu estava encontrando. O Fábio achou a idéia legal mas pessoalmente estava envolvido com ajudar algumas pessoas a tirar móveis e salvar pertences. Fiquei por algum tempo configurando o blog no wordpress, plataforma que escolhi por já utilizar em meus blogs pessoais e achar mais “profissional” que o blogger. (já tive blog lá no blogger também, antes de ser propriedade Google, em 2001). O nome escolhido, AllesBlau foi pensado para permanecer após a chuva. “AllesBlau” é um termo recorrente por aqui pra dizer que está tudo bem. A idéia era fazer um blog de informações da cidade, independente de catástrofes, depois vimos que não seria tão simples manter o plano original. Logo percebi que seria tarefa pra mais de uma pessoa atualizar o blog com tudo que aparecia de notícia. Por dois motivos principais a internet bombando enquanto a mídia tradicional estava off e também a ausência de energia elétrica aleatoriamente pela cidade. Eu também poderia ficar no escuro a qualquer momento e o blog precisava continuar. Pra selecionar os colaboradores os critérios foram simples: 1 – tem conexão e/ou energia elétrica 2 – está numa situação razoavelmente tranqüila 3- Está produzindo (ou reproduzindo) algum conteúdo, referente à situação no MSN ou twitter Esses critérios acabaram por incluir o Ariel, importantíssimo colaborador, que mesmo morando em
São Paulo, colaborou imensamente pra manter o blog atualizado quando aqui estava todo mundo off. Fiquei sem energia elétrica em casa no sábado mesmo, às 23h. meu último post do sábado foi esse: http://allesblau.wordpress.com/2008/11/22/previsao-errada/ Porque um blog? E porque o WordPress? Porque o blog permitiria múltiplas entradas, publicação de fotos, vídeos, podcasts, comentários e indexação por tags. Eu já imaginava o volume de informações que seriam postadas, o que não imaginava é que tudo seria tão rápido. Wordpress, como disse acima já era a plataforma que eu usava pro meu blog, confiável e conhecida pra mim. Havia algum ritmo fechado de publicação de conteúdo? Nada foi combinado. Como disse, de sábado pra domingo fiquei sem energia elétrica, antes disso acontecer incluí alguns outros colaboradores, o Alex Santos já fazia parte do time, além do Ariel e do Fábio. Na virada do dia 22 pro 23 é que o ritmo de publicações disparou, por conta de todos terem muita coisa pra publicar. Não combinamos periodicidade nenhuma. A partir de que momento os leitores começaram a repassar informações sobre a tragédia? Já no domingo, dia 23, o boca-a-boca foi o responsável por divulgar o blog . Muitas pessoas entraram em contato pelos canais dos colaboradores e depois pelos comentários do blog mesmo. Como foi a interação com outros veículos de notícia, além da overdose de cobertura que vocês receberam? Não solicitamos nada a ninguém, como cobertura, funcionamos algumas vezes como ponte, entre comunidade e veículos, outras como fonte, outras como mero agregador. A mídia local não sabia exatamente como se comportar diante do blog, não havia concorrência na web. Nós repetíamos as notícias de outros veículos constantemente, sempre dando a fonte. Como a comunidade ajudou a encontrar novas informações? Cada um trazia o que via ao seu redor, a cidade estava isolada em alguns pontos, mas continuava com internet, isso ajudou bastante. Algumas pessoas liam um post em que pedíamos confirmação do bloqueio de uma rua, por exemplo e instante depois alguém que morava na tal rua comentava dizendo como estava a situação. Houve algum furo de informação do AllesBlau? Sim, na explosão do gasoduto. http://allesblau.net/2008/11/23/fogo/ O Denver tentou publicar a foto, assim que aconteceu, mas não conseguiu conexão, mandou então um sms pro Ariel, que publicou o post, lá de São Paulo. Como novos colaboradores fixos foram sendo aceitos no blogue? A medida que a quantidade de notícias aumentava, e que a real dimensão da situação era conhecida mais colaboradores eram somados, sempre pensando em manter o blog o mais atualizado possível. Qual a história mais tocante que chegou a vocês pelo blogue? Foram várias. As que eu prefiro comentar são as das pessoas que conseguiram notícias de seus conhecidos e familiares pelas notícias publicadas no blog. Ficamos sabendo de muitas pessoas isoladas sem luz, telefone e água, de pessoas desaparecidas, falta de mantimentos. Eram tantos que organizamos uma planilha http://allesblau.net/2008/11/29/lista-de-pessoas-
procuradas/ A maioria não deu retorno ao blog, se conseguiu ou não localizar, porém vários entraram em contato dando notícias dos localizados. Sobre o mestrando
Guilherme Felitti tem 26 anos e, durante a execução desta pesquisa, exercia o cargo de editor-assistente no site de notícias sobre tecnologia IDG Now!. É comentarista esporádico na CBN e assina uma coluna online sobre o assunto na Carta Capital. Teve seu primeiro blogue em 2001 no Blig, que funcionava como um repositório de textos ficcionais. Dois anos depois, seu segundo blogue, desta vez no Blogger, veiculava tanto ficção como comentários sobre cultura. Desde 2006 mantém o Chá Quente (http://chaquente.com), blogue em WordPress hospedado em servidor próprio onde comenta o mercado brasileiro de tecnologia e escoa material não aproveitado no IDG Now!.