BOA NOITE, PENEDO

5
 BOA NOITE PENEDO - cantando à beira do São Francisco Luiz Alberto Machado A qui estou, Velho Chico O sol nos olhos de janeiro E a rua espia a calma das pessoas no seu lar Aqui estou, menino grande E que o telefone saiba que eu existo neste quarteirão de mundo A esperar que a cerveja anime uma e moção que valha o filme da televisão A esperar que o cinzeiro não esborre a quietude de bulir no coração Aqui estou, Velho Chico E o sol, meus companheiros, nesse crepúsculo tão maravilhoso. Julgava saber tudo até presenciar escunas burilando meu sangue e eu  pudesse dizer ao mundo o q uanto é lindo poder viver aqui, neste lugar , nesse recanto de mundo, nessa margem do tempo A quinta-feira já se despede Dizendo ao mundo que a vida prossegue amanhã E amanhã de manhã estarás aí, Velho Chico E o sol nos saudará para que incautos nos possam ver tão mágicos quanto lúcidos na vida E Se o sol morre agora lá na serra Ele nasce noutra pradaria

description

Poema do livro O Trâmite da Solidão, de Luiz Alberto Machado. www.luizalbertomachado.com.br

Transcript of BOA NOITE, PENEDO

  • BOA NOITE, PENEDO

    - cantando beira do So Francisco

    Luiz Alberto Machado

    Aqui estou, Velho Chico

    O sol nos olhos de janeiro

    E a rua espia a calma das pessoas no seu lar

    Aqui estou, menino grande

    E que o telefone saiba que eu existo neste quarteiro de mundo

    A esperar que a cerveja anime uma emoo que valha o filme da

    televiso

    A esperar que o cinzeiro no esborre a quietude de bulir no corao

    Aqui estou, Velho Chico

    E o sol, meus companheiros, nesse crepsculo to maravilhoso.

    Julgava saber tudo at presenciar escunas burilando meu sangue e eu

    pudesse dizer ao mundo o quanto lindo poder viver aqui, neste lugar,

    nesse recanto de mundo, nessa margem do tempo

    A quinta-feira j se despede

    Dizendo ao mundo que a vida prossegue amanh

    E amanh de manh estars a, Velho Chico

    E o sol nos saudar para que incautos nos possam ver to mgicos

    quanto lcidos na vida

    E

    Se o sol morre agora l na serra

    Ele nasce noutra pradaria

  • E ns, na escurido da noite,

    Nos despedimos como se fosse a ltima vez

    Pois , Velho Chico, tua serenidade me seduz pro amor

    Acaso possa eu ser capaz de tal iniciao

    Na minha teimosia de viver

    Se eu sei, quem saber?

    Pra qu saber das coisas

    Dos seres

    Das gias mais confusas dos pedantes?

    Na verdade eu sequer sei

    Como tambm no sabes

    Nem o vrtice da cincia

    Nem o douto julgador

    Pois , meu velho amigo,

    Dessas horas diminutas

    To midas, to presentes

    Nem sequer sabemos da poesia to pobre, to pura

    Mera versificao duma louca vontade de dizer at o fim o que a

    prpria deidade mais profana poderia dizer

    Dizer do qu?

    Pra qu dizer?

    A boca fala do que est cheio o corao em possesso de segundos

    minutos horas

    E eu digo que

    H dias meses anos dcadas sculos

    Quanta sede

    Quanta exploso de sentimentos to vulnerveis

    To superficiais

    To fingidos do que deveras sente

    A quem s corao numa noite j sem crepsculo j sem sol sem

    noite sem nada

    Verdadeira catarse do prprio Jos sem ter para onde ir no chegou a

  • lugar nenhum

    Oh! que eu nem sei nem ousaria saber

    Salve ns molambos cegos retraos soltos sujos nojentos bagaos

    trapos inermes

    E a infinitude imensa do gluto que abocanharia at pluto! Oh! no!

    Ah! S a ti, Velho Chico, a minha segunda catarse

    Agora sexta-feira mais ngreme que qualquer outra

    Mais lcida que a overdose da criao no estigma do trejeito potico e

    no antema das cinzas

    A quem o ser no mais que reduzido a p

    Barro que alma

    Alma que sonho

    Sonho que nada

    Nada o que me faz dizer asneiras loucas

    Prximas do sbio doido que no existe

    E infante sem saber de si

    Sem saber do longe

    Sem saber do perto

    Sem saber de ontem ou anteontem

    Sem saber amanh de manh

    Que calendrio mais hostil pra quem no sabe da desvairada

    transcendncia do triz

    Do cis

    Do pr do pr do ps do m de escorpio

    Do leiro e da pedra de m

    Do d da cano

    Meu sermo

    Sem refro

    Sem praia

    Sem raiz

    Pr laia mais luzente no sol poente de Alagoas

    As loas

    As coisas boas do Pernambuco

    Lavor to louco do kabuki

    Do trabuco que o homem do canavial carrega nas faces queimadas da

    safra

  • E espinafra o suor insone de quem pende o outro lado da corda

    Da banda

    Do Chico Buarque de Hollanda

    Polindo o verniz pr gente

    Fiis mais descrentes

    Da f mais desvalida

    Do que me diga de Fridda

    Ou de Florbela Espanca

    Ou da mais singular carranca de Caruaru

    J estou nu, Velho Chico

    Nem mesmo rei mais despido

    No cs no vestido

    Partido no meio

    O veio que d para o mar

    Sabe da sua nudez

    No h mais cabea pra imaginar o possvel

    No mais contrrio factvel de se encontrar

    H e por haver imaginao

    Ou loucura

    Teor maior da emanao

    Desvo tresloucado do lado do no

    Meu velho amigo Chico

    Estou na rua

    Alma nua

    Transparente

    O que dizer se mente

    Se ela s sabe lembrar

    O que di ou o que alegra

    Refrega dum labirinto

    Brinco da loucura

    E a voz mais pura

    Solfeja o que amar

    Boa noite, Penedo, vou pr Macei

    Onde o vento canta ao meu ouvido em d menor

  • Vou para Macei descer para Recife

    E se o que eu disse foi despudor

    Maior o calor de sentir

    A emoo do verdadeiro amor

    www.luizalbertomachado.com.br