Boanerges Ribeiro - O Apostolo Dos Pes Sangrentos

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    OOAAPPSSTTOOLLOODDOOSSPPSS

    SSAANNGGRREENNTTOOSS

    BoanergesRibeiro

    Ano: 1988Gnero: Biografias

    Procedncia: NacionalEditora: CPAD

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    CAPTULO 1

    AINFLUNCIADOLAR

    Em meados do sculo passado, os siks do Punjab rebelaram-secontra o invasor ingls, e o sangue correu em duas guerras, masgradativamente os marajs se aproximaram dos oficiais britnicos e avelha autoridade sik comeou a ressurgir, at que 3 estados siks setornaram semi-independentese os rajs voltaram a exercer supremaautoridadesobreseussditos.

    Deste 3 estados siks,Patiala ouPutiala era omais importante comcerca de um milho e meio de habitantes e um imenso territrio deplancies cultivadas.Opasestavadivididoemdistritoscentralizadosemdeterminadas aldeias, de governo hereditrio. Odistritoque tinha comocentroRampureragovernadoporSherSingh e, foinesta aldeiaque,a 3desetembro de 1889, nasceu-lhe o ltimo filho, que recebeu o nome deSundar.

    A vida em Rampur era tranqila e patriarca. Como irmo maisvelhoSher Singhchefiavanosasuaprpria famlia,mas tambmadeseupaijfalecido,ealgunsdosseus irmosesobrinhosresidiamcomelenovelho solardafamlia.OutrosserviamaomarajemPatialaeumdelesocupava altopostonadireodoestado.

    A influncia da civilizao ocidental era quase nula. Falavam alngua nacional, praticavam regularmente os atos de culto e as crianas

    cresciamno respeitoaospais,observando abela amizade entremarido emulhereolugardehonraqueameocupavanacasa,comoeracostumeentreos siks.Asonolnciada aldeia era apenas sacudidademadrugadapelo apito agudo do comboio de Ludiana que s 5 horas penetrava naestaozinha,bufandoe cobrindodevaporquenteospassageirosque seerguiam na plataforma onde tinham passado horas espera, comcaractersticodesprezoorientalpelo tempo.

    Enquanto a madrugada avermelhava o cu, os meninos tangiampara o pasto os grandes bois de que cuidavam e no bazar iniciava-se a

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    algazarrados preges,dasjurasedaspragasquena ndiaacompanhamastransaes comerciais.

    EaopassoqueSherSinghapsobanhoerpidasoraestomavaarefeio damanhesaaacompanhadopelosdoisfilhosmaisvelhos,paraostrabalhosdodia, sua piedosa esposa consagrava-se commaisdemoraaobanho cerimonial, liaatentamenteoGitaedepoisdirigia-seao templosik, ondecumpria seus deveres de adorao. Acompanhava-a sempre afilha e, quando comeou a andar, tambm o pequeno Sundar, a quem,desde que aprendeu afalar, ensinou as oraes que devia fazer aolevantar-se, antes da primeira refeio do dia, pedindo aos deuses oalimentoespiritual; inutilmenteopequeno,nasmadrugadas frias, tentavasatisfazer antes da orao a fome devoradora que o acordava: com

    palavras

    carinhosas

    a

    me

    o

    obrigava

    ainiciar

    o

    dia

    entrando

    em

    comunho com a divindade - e quando palavrascarinhosas no oconvenciam,reforava-ascommeiadziadepalmadas,argumentoqueofilhosempreconsideravadecisivo,nessestempos.

    Assim cresceu Sundar Singh, ouvindo diariamente a leitura doslivros sagrados que a me fazia, acompanhando-a ao templo, atento aosconselhos es dissertaes oraculares do sacerdote, visitando o velhosadu do bosque prximo e escutando s longas, e s vezes, malcompreensveis palestras que mantinha com sua me, para a qual essesadu era grande e respeitvel santo.Mesmo durante o vero, quando afamlia iaparaapropriedadequetinhanas frescasmontanhasdeSimla,aatmosfera que a me criava em torno da filhae de Sundar eraprofundamentereligiosa.

    Talvez fossemaispreciosodizerqueaatmosferaqueenvolviaessestrs membros da famlia era de intensa inquietao religiosa - uma

    inquietao que no atingia Sher Singh, homem prtico e dedicado scoisasprticasda terra,nema seus filhosmaisvelhos.Mas ame sentiahaver uma profunda paz reservada para os que atingem a verdadeabsoluta e, sofregamentebuscava essa paz; no se satisfazendo com osensinos siks, buscava tambm os brmanes; jejuava dias seguidos,absorvia-se cadavezmaisnas suas oraes; e, impelida pela procuradapaz,chegoumesmoarecebercom alegriaavisitaqueumavezlhefizeram

    asmulheres

    da

    Misso

    Presbiteriana

    que

    acabava

    de

    abrir

    uma

    escola

    em

    Rampur. Nada ambicionava mais que a carreira religiosa para o filhomenor,aquemseucoraoseuniapelamaisternaamizade.

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    Esseafetomoldava aalmadcilda criana e,afinal comunicou-lhea mesma inquietao febril. Certa tarde regressava do bosque e reinavaentre ambos um silncio pesado de pensamentos; o sadu falaralongamente da inexcedvel paz reservada aos que atingem o absoluto.Comoatingiressapaz?Quandoasombradagrandefigueiraquecobriaa

    entradadacasadeSherSinghos abrigou,amecolocouamonoombrodo filho: - Tu deves procurar essa paz na tua prpria alma e amar areligio. Umdia poders ser sadu.E na alma do menino, precoce comoemgeralosoascrianas indianas,principiouaesboar-seaangustiantelutaconsigomesmo-odesesperoqueantecedeapaz.

    AinflunciadeSherSinghsobreofilhomenornofoitoprofunda:separavam-nosostemperamentosdiversos.SundarSingh,desdeainfncia

    envolvidopela

    preocupao

    espiritual,

    era

    introverso;

    opai

    era

    homemprtico e pouco dado a especulaes, amarrados aos deveres dirios de

    governador do distrito, melhor compreendido pelos dois filhos maisvelhos,quepreparavaparasubstitu-lonaadministrao.

    Mas sua figura austera e bondosa marcou tambm a paisagemdainfncia de Sundar, que anos mais tarde referiu um incidente bemcaractersticodas relaes entoexistentesentrepaie filho:Certodia emquesedirigiaaobazarparacomprardoces,opequeno encontrou-secomuma velhinha esfarrapada que lhe estendeu a mo. Compadecido, fez oquemuitasvezesviraamefazer:deu-lheasmoedasquetraziaevoltousemosdoces,masafligia-oacertezadequeaquelas moedinhasnoseriamsuficientes para remediar as urgentes necessidades da coitada. Vira ovento frio agitar-lheos farrapos em tornodo corpomagro,egostariadepoderabrig-lamelhor.Procurouopai, contou ahistriae perguntou seno seriapossveldaremvelha5rupiasparaagasalhos.Distrado,Sher

    Singh respondeu que vrias vezes a socorrera, e que agora competia aoutros faz-lo. Mas o filho no se conformava com esta soluo. Sabiaonde ficava o dinheiro do pai. Silenciosamente retirou cinco rupias edisparouparaobazar.Masasmoedasqueimavam-lheamo.Aquiloeraroubar,eelecompreendiabemovalormoraldaaopraticada.Eseopaidescobrisse? No temia o castigo, mas temia perder a amizade e aconfianada famlia. Deteve-se. Olhou as moedas, fechou-as novamentena mo e voltou rapidamente. Havia gente perto do cofre. Escondeu o

    dinheiro e nada disse. Mais tarde o pai notou a falta das rpias. Faltaincompreensvel, poistinha a certeza de hav-las guardado. Procuroumelhor - em vo. Perguntou ao pequeno Sundar se as tinha visto e ele

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    respondeuqueno.Noera quantiagrandeelogoSherSinghseesqueceudocaso.

    Anoiteceu e todos se recolheram, aps a leitura de um trecho dolivro sagrado.Masofilhomaisnovorevolvia-senacama,inquieto.Passouanoite em claro e no dia seguinte, mal a madrugada comeou aavermelharo cu, correuao lugarondeesconderaodinheiro, retirou-oefoientreg-loaopai,confessandoaculpa.

    Imediatamente o tormento interior que roa desapareceu, dandolugarauma tranqilidade.Queviesseocastigo.MasSherSinghapenasoobservou,depois de tudo ouvir: - Eu sempre confiei em ti, meu filho, eagoravejoquenomeenganava!Eestendendoamoaberta:-Aquiestodinheiro.Leva-omulher.

    Podemos imaginar o respeito e a admiraodo pequeno pelo pai.Masera evidentequeopaino estava em condiesde compreenderasesquisitices do filho.Enquantoosprimoseos irmosmaioresbrincavam,Sundar absorvia-senameditaodosentidodostextossagrados.Aosseteanos sabia todo o Gita de cor. Quando aprendeu a ler, mergulhou nasEscrituras,eeraumquadro comoventeodaquela criana commenosde10anos,quese curvavajunto lmpadadeleo, lendo, lendonosilncio

    da casa adormecida. Quantas vezes Sher Singh acordava pelo meio danoiteeia arrancarofilhodolivro:-Lerattotardefazmal.

    Mas mal maior lhe fazia o desespero - a nsia de paz que odevorava. Quando entrando em casa, o sardar procurava o filhomenor,era seguro que o encontraria encolhido em algum canto, pensativo, oucom um livro sagrado na mo, esquecido do mundo. Sacudia -o comamistosa severidade: -Meninosda tua idade spensam embrincareem

    sedivertir.

    Como

    possvel

    seres

    to

    cedo

    dominado

    pela

    mania

    religiosa?

    Mais tarde tu ters tempo de sobra para pensares nisso. E afastando-seaindaresmungava:-Spodeterapanhadoestaloucuradameedosadu!

    Mas a me compreendia-o perfeitamente; nas suas oraes nodeixavade pedir por ele,desejosadev-lo sempre topiedoso.E nessamtua compreenso, quando os outros o hostilizavam - ainda quecarinhosamente - estreitava mais os laos que osuniam. Durante toda avida sempre se referiu a ela com saudade e amor. "Minhame criou-meem atmosferade devoo. Preparou-me para a obra de Deus. Creio quetodohomemreligioso temme religiosa.FoioEspritoSantoqueme fezcristo.Masquemmelevouasersadu foiminhame."Quandonosseus

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    sermes, anosmais tarde, falava smes, seus olhosbrilhavam,enuncadeixavade se referir, agradecido a Deus, me piedosa que tivera. Umpastor, quando lhe sugeriua oportunidadede freqentarumaEscoladeTeologia, surpreendeu-se com a resposta: - Pois j estive no melhorseminriodomundo-Qual?-Oregaodeminhame.

    Os anos em Rampur passavam-se tranqilamente, sem agitaesnemnovidades.Com os anos acentuava-se o temperamento religioso domenino.Eleeraagoraumadolescenteplidoeacanhadoenada indicavaa sade de ferro que mais tarde possuiria. Os moradores da aldeiacostumavamv-lodescerpeloquintalda casa at o leitodo caminhodeferro,porondeandavahoras,absortoempensamentos,ouacruzarasruasem companhia da me, nadireo do bosque onde o velho sadu

    aguardavaamorte.

    Mas

    um

    dia

    amadrugada

    veio

    e

    ele

    saiu

    s,

    mais

    distrado quede costume, sepossvel.Logo a aldeia toda ficou sabendoqueosacerdoteforachamadocomurgnciacasadosardar,parainvocarosdeusesembenefciosdadonadacasa,gravementeenferma.Asvisitasdosacerdoteseamiudaram;orostodoSherSinghcobriu-sedesombrasealgunsdiasdepoisochorosubiadasvarandasdasuacasaparaosdeusesquenohaviamatendidoaosacerdote.

    AmortedamefoiparaSundarSinghumgolpedoloroso.Foicomose lhe arrancassem uma parte da prpria personalidade. Dias e noitespenouamargurado,duvidandoatdaexistnciadeDeus.Tinha14anosepenetrava pelaviadosofrimentonagrandecrisequedecidiuseudestino:alutacom Cristo.

    CAPTULO 2

    ALUTACOMCRISTO

    O espritode Sundar Singhdebatia-senas trevas ejnohavianaterra quemocompreendesse.

    Outragrandealmaquea ndiaconheceu,RenedeBenoit,descrevecom termosprecisosesseestranho apertodecoraoqueosadolescentesde temperamento e educao religiosa costumam sentir: "Na Conveno

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    deChexbresfoicomoseDeusseescondesseemedeixasse entregueamimmesma e ao mal. Os hinos que ressoavam aos meus ouvidos ealinguagemcristcausavam-merepulsa.Anossamenoatinavacomoqueeutinha.Nofuijantarnaqueledia;soluavanomeuquarto.Oh!Eraterrvel.Nopodiaorar..."

    Rene de Benoit era filha de Cristos, dos quais recebera desde amais tenra infncia o conhecimento de Cristo atravs de informaesfornecidaspor outrem, mas no o encontrara pessoalmente; de sbitoverificavaqueo que aalmadesejavaeraumaexperinciada realidade enoapenasinformaesarespeitodela.

    A lutas desse outro adolescente, Sundar, mais pattica: a almasenteque existe o Caminho, mas no o conhece; anseia por ele, e tateia

    nastrevas.Sodoisnufragosentreguesaopodermalficodasondas.Umv ao longe a praia e esfora-se por alcan-la; outro, cego, sente queexiste praia, masno sabe onde e luta com as ondas e com o prpriodesespero.

    "Nemum instanteposso viver sem ti, Senhor. Tenho tudoquandosintoque estsemmim:porqueTu,Senhor,someutesouro.Suspiramosporti,Senhor;temossededeti.Somenteemtinossocoraodescansa."

    Estaspalavrasdosmestresacenavamcomumapazinexcedvel.Masonde encontr-la? Nos livros sagrados? Acentuava-se a cada dia a suatendnciade devorador de textos religiosos. Aos 15 anosj conhecia oGranth dos siks, o Coro, e cerca de 52 Upanishads. Ou seria nas boasobras que seencontrava a salvao? No havia mendigo no distrito quenooprocurasse,poissuafamadecaritativojseespalhara.

    Mas cada dia, depois de atravessar todos os tediosos rituais do

    sikismo edo hindusmo, de perder horas embebido nos livros e deatender a todos os mendigos, l se dirigia cabisbaixo e plido, para obosque,procuradas sbiaspalavrasdosadu.Ecadadiaregressavamaisvencido,comoum tntaloadolescentequenemaomenosvisseo lagodeguafrescaparaos lbiosfebris.

    Afinal, depois de te tentar inutilmente acalmar aquela sedeassustadora com citaesediscursos,ovelhosantodobosque confessou-

    sevencido:-Meufilho, intilperderestempoagoracomestascoisas.E,vendo acentuar-se a amargura nos olhos do rapaz: - Mais tardeconseguirsentend-las.Maistarde?

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    Falava-se muito nasprticas sublimesdo ioga. Um homem que seassenhoreasse de seus mistrios conheceria o Cu na Terra e entrariaimediatamente na posse da salvao. Havia em Rampur um brmaneiogue, e Sundar procurou-o, sujeitando-se ao penoso aprendizado dessaarte deauto-hipnotismo. Chegou ao xtase. Era uma maravilha. Tudo

    desaparecia,paradar lugar veemente sensaodepaze esquecimento.Horas depois - ou seriam minutos? - voltou a si, sob o riso radiante dobrmane, seu mestre. Mas a cabea pesava e o corpo doa, como sehouvesse transportado pesada carga. O mundo era o mesmo e, SundarSingheratambmomesmo,aindacom mais tristezaeamarguranaalma,depoisdotranseenganador.

    Abandonouo ioga.BuscavaaRealidade,enoum fogo ftuo.Sher

    Singh

    cada dia

    se

    preocupava

    mais

    com

    o

    filho.

    O

    rapaz

    definhava

    agarradoaoslivros oucomosolhosfitosnovcuo,esquecidodomundo.Nemestudara,depoisde aprendera leitura.Talveznovaspreocupaesocurassemdaquelainfelizmania.

    Dizia-se que os mestres da misso americana ensinavam bem.Verdadequeeram malditoscristos,comosquaisumbomsiknodeviater contato; mas ensinavam bem e no havia outra escola em Rampur...Sundar foi matriculadona escola presbiteriana. Cruzou o portal emcompanhia de outro adolescente de Rampur que no mesmo dia sematriculara.

    Desambientados, foram sentar-se na carteira que a professoraindicou e daliSundar examinou cautelosamente a sala e a professora; adesconfiana bailava nos seus olhos negros e profundos. A estrangeiraapanhou na mesa um livrinho de capa preta e entregou-o aos novatos,aberto no incio, paraverificar o seu grau de adiantamento. O filho do

    sardartomou-oeleu-oem silncionopontoemqueaunhadaprofessoraassinalara: "Pai nosso queests nos Cus, santificado seja o teu nome,venhao teuReino..."Recuoualgumas linhas,eviuonomedeCristo.Erao livrodos cristos!Fechou-o imediatamente e empurrou-o, temerosodocontato imundo. - Leia, convidou a professora. Aps longo silncio,ressentido, Sundar replicou: -Porqueo leria? Somos siks.Onosso livrosagrado o Granth. - Mas o que eu quero no que se faam cristos;

    vocpode

    ler

    oNovo

    Testamento

    econtinuar

    sendo

    sik.

    Ecomoambosseobstinassemnarecusa,pacientementemostrou-lheso Regulamento da Escola, que dizia ser o livro de texto o Novo

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    Testamento.Noseobrigavapessoaalgumaamatricular-se;masquemofizesse deveriacumprir as regras do estabelecimento. Pensassem nisso ecomprassemoNovoTestamentoparaacompanharaclasse.

    Quando soubedo caso, SherSingh simplesmente estendeuao filhoo dinheiro para a compra, e Sundar, relutante ainda, foi adquirir umaBblia.

    Comeoual-lasemprazer.

    Homem estranho, esse Jesus Cristo de que o livro falava; suaspalavras prendiam o corao. A alma febril sentia haver em Cristo algonovo, refrigerante como a brisa nos dias de cancula. Absorveu-se naleitura.

    Em certoponto, todavia,percebeuquehaviaali ensinos totalmentecontrriosssuascrenas;ensinosqueporiamporterraadoutrinadesuame.Fechouolivro,indignado.MasomagnetismodeCristojoprendia.Voltou leitura, contrafeito edesejosode encontrar contradies e erros.Mas to logo mergulhava noEvangelho, esquecia omundo, e certa vez,mesmo, um amigo o assustou, tocando-lhe no ombro durante o seuestudodaBblia: -Tunodeves leresse livro. -Porqu? -Por causadofeitioqueneleexiste.Tornar-te-scristo.Muitosoutros comearama l-loetornaram-secristos.Nooleais.Eafastou-se.

    Deixando o livro, Sundar Singh franziu o sobrolho, perplexo.Haveria ento tanto poder nesse livro? Aquele homem no era cristo,mas reconheciaqueo livrodos cristospossuauma fora estranha.E seesse livroo levassea abandonar sua religio?AtirouaBbliapara longe,horrorizado,eresolveunovoltarescolacrist.

    Oano

    letivo

    terminava

    eoprtico

    Sher

    Singh

    no

    via

    motivo

    para

    o

    filho perderosexames.Fezosexamesepediuaopaiqueomatriculassenaescola hindudaaldeiaprxima.Estavaresolvidoanomaislidarcomcristos,nemcomoseulivromgico.

    Mas no fora sem conseqncias que passara catorze anosenclausurado emcasa ou na penumbra dos templos e do bosque; notolerouaviolnciado sol queo castigavaasperamenteduranteosquatroquilmetros do percurso e teve de voltar escola crist poucos mesesdepois.

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    Desta vez a sua reao foi violenta. Todo o seu ser se revoltavacontra os estrangeiros e contra a sua religio. Odiava-os. Zombava daBblia.

    Por essa poca omissionrio, disposto a rompero crculode ferrodos preconceitos que limitavam seu campo de ao, iniciou reunies depregao aoarlivre,juntoaobazar.

    Certa tarde, quando erguia a Bblia e citava um texto, um gritoescarninho interrompeu-o, seguido de formidvel vaia. Insistiu. Umapedra assobiou sobre a sua cabea, logo seguida de outras, e opequenogrupodecristosqueo acompanhavadispersou-sedesanimado.Quandose retirava, ainda sob a vaia desrespeitosa, o pregador surpreendeu-secomaexpressodedioque incendiavaosolhosdofilhodosardar.

    E desde aquele dia Sundar Singh tornou-se o lder da maltadesordeiraque tomaraapeitovarrerosmissionriosdeRampur.Essalutaeraum derivativopara a angstia interior que o roia, e era a reaodaalma verdadequepressentianova criatura,enecessariamente reduziriaapo edifciojexistente.Suaintuionooenganava.

    E tamanho era o seu horror a Cristo que, quando a sombra domissionrio caiu sobre ele, correu para casa e passou toda uma horalavando-se para se purificar do contgio imundo... Como se isso nobastasse,agarroua Bblia,despedaou-adiantedoestupefatoSherSingh,embebeu de petrleo as pginas rasgadas e lanou-lhes fogo. A chamadestruiuo livro toviolentamente como aspaixes lhe consumiamo ser.O rostodeSherSingh tornou-se severo.No aprovava tanto fanatismo erepreendeuofilho.Mas Sundar, foradesi,aindaatirous labaredasqueavermelhavama silhuetaesbelta os outros livrosda Escola crist.E seus

    olhos

    brilhavam

    de

    formato

    maligna

    como

    as

    lnguas

    vermelho-amareladasque rapidamente lambiamas pginasdespedaadasdaqueles

    volumesmalditos.

    Era o paroxismo. Depois daquilo, passou a viver como se tivesseveneno nas veias. Afinal, na madrugada do terceiro dia, chegou a umaresoluo desesperada. Para ser mais preciso: na madrugada de 18 dedezembrode1904."...Eassimdecidiabandonartudoeacabarcomavida.Trsdiasdepoisde queimaraBblia levantei-mes trsdamanh, tomeio banho usual e orei: ' Deus - se que Deus existe - mostra-me ocaminho certo ou eumemato!'Seno encontrasse a paz,poria a cabeanotrilhodocaminhodeferro,quandoviesseocomboiodascincohoras,e

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    alimorreria.Tinhaaimpresso dequeencontrariasossegonaoutravida,se no o encontrasse nesta: E alifiquei, orando continuamente, semresposta.Teriamaismeiahoradeorao,naesperanadepaz.squatroemeiavialgoquenunca imaginaraantes:vi umagrande luznoaposento;penseique fosse incndio.Olheiaoredor,mas nadadescobri.De repente

    veio-meidiaqueissopodiaserarespostade Deus.E,enquantooravaecontinuavaolhandoparaaluz,viovultodo SenhorJesusCristo.Eraumaapariogloriosa,plenadeamor.Fossealguma encarnaohindu,eumeteriaprostradodiantedele.MaseraoSenhorJesus Cristo,oqual,poucosdias antes, eu insultara. Senti que essa viso nopodia ser fruto daimaginao. Uma voz me disse em hindustani: 'At quando meperseguirs? Eu vim para salvar-te; oravas para conhecer o Caminhoverdadeiro. Por que no o tomas?' 'Veio-me mente uma idia:Jesus

    Cristo no estmorto,masvive, e esteElemesmo!'Ca aosseuspsesentiessa paz maravilhosa que no havia encontrado noutro lugar. Eraessaapazqueeubuscava.AquiloeraoprprioCu.Quandomelevantei,aviso tinha desaparecido,mas apaz e a alegriapermaneceram comigopara sempre. Sa e fui dizer ao meu pai que me fizera cristo. Elerespondeu-me: 'Vaideitar-te e dormir; pois se anteontem mesmo tuqueimavasaBblia,comome vensagoradizerquescristo?'Expliquei:-

    que

    verifiquei

    hoje

    que

    Jesus

    Cristo

    est

    vivo,

    eresolvi

    segui-lo.

    Hoje

    eu

    metorneidiscpulodeleepasseiaservi-lo."

    CAPTULO 3

    ATORMENTA

    Por esse tempo julgava-se em Rampur uma das causas maisruidosasdeque tinhamnotciaos tranqilosaldeos.Ochefedeumadasmaisricasfamliasdolugarlevaraaotribunalosmissionriossobacusaode corromperemseufilhoemlugardeoinstrurem.

    Tratava-se exatamente do rapazinho que acompanhara Sundar em

    seuprimeiro diadeaula.ApsarebelioinicialhaviaeledadoatenoaoNovo Testamento e terminara por se converter. E como promessas,

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    pedidos, ameaase maus tratos no o convenciam, o enfurecido paichamouosmissionrios justia.

    No dia em que a causa foi julgada uma multido rumorosa seapinhavaem tornodos rusedodenunciante,queentremeouaacusaode pragas e invectivas bem sintomticas de sua prpria necessidade deconverso.

    Orapazfoichamadoadepor.

    No se sabe como, conseguira conservar consigo um exemplar doNovo Testamento;apresentou-secomelenamo.Vinhaplidoeabatido,masno rosto transpareciaafirmeza.Todososolhosfitaramquandoojuizperguntouseeramverdadeirasasacusaesdeseupai.Eele:

    -No por causadosmissionriosque eu creioemCristo.Podemsolt-los.

    Um arrepio percorreu a assistncia. E ojovem, erguendo o NovoTestamento:-pelaleituradestelivro.

    Opaicerrouosdentes,plidodedio.Absolvidososmissionrios,segurouobraodofilhoe,sempronunciarpalavra,olevou.

    Trancou-onum

    quarto,

    em

    casa.

    hora

    da

    refeio,

    atirou-lhe

    alimentocomoaumanimal,semolh-lo.

    Amargurado,omoobaixou-see comeu.Minutosdepois sentiunoestmagouma dorviolenta,comodepunhalada,ealgunssegundosmaistarde estava morto.O eco desse escandaloso caso ainda no se apagaranas conversaesdapraaedobazar,quandonovo rumor seergueu:osmeninosdaEscolaandavam dizendoqueofilhodosardarsefizeracristo.Realmente,j no eravisto matinalmente na Gurdvara, nem suas tardeserampassadasnobosque,juntoaosbioesantosadu.

    UmdiaumremoquemaisclarofezcorarofilhomaisvelhodeSherSingh que, ao chegar em casa, pediu ao pai providncias. A famlia sereuniu, pontilhando a queixa de apartes aprovadores. Mas Sher Singh,queviraseufilhoqueimaraBbliaumdiapara logodepoisviracord-locom anotciade que se fizera cristo,no o tomava a srio.Conhecia orapaz: voluntarioso e ressentido, embirraria no cristianismo se o

    aborrecessem, mas logo o esqueceria se no dessem importncia. -Deixem-no empaz.Seningumse incomodar, logoesta loucura tambmpassa.

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    Masosoutrosnoqueriamsaberdetolerncia. tarde, quandoSundar se assentou para a refeio, silenciosamente se ergueram,deixando-o s diante do pesaroso pai. Para no expulsar a famlia toda,tevede tomaropratoeircomer fora,comoumpria.Quando terminou,ergueu-senoquarto,buscandooNovoTestamentoenaoraoforaspara

    atormentaque pressentia.Oambientefamiliartornava-secadadiamaiscarregado.AfinalSher

    Singh resolveu enfrentar a situao e procurou o filho. Exps-lhe seusaborrecimentos.SeSundar continuasseobstinadonoseucristianismo,eleacabariaperdendoo respeitodoDistrito.Afinal, era sardar, e se em suaprpria casa semanifestava a apostasia, com que autoridade imporia aopovo acatamento aos princpios e costumes siks? No somente ele, mas

    todaa famlia

    j

    sofria

    ateima

    de

    Sundar.

    Pois

    ento

    ele

    no

    podia

    dirigir

    seu fervor religioso para outro lado, se lhe era mesmo impossvelabandonar esse fanatismoquemanifestavadesdea infncia?No tinhameles suadivindade? No tinham livros sagrados? No viviam to bemcom a religio de seus antepassados? Para que, agora, esse estranhocapricho? O cristianismoera religio de estrangeiros - dos estrangeirosqueoprimiama ndia.

    Falava com calma e gravidade, como se o filho menor fosse umadultoquelhe merecessetodoorespeitoeconsiderao.

    E quando o moo respondeu, com firmeza, que no se tratava demanianova,masdeumarealidadequeodominavaequalconsagrariaavida,feza derradeira tentativa:bem,poisquesefizessecristo,seistolheagradava. Mas o pai lhe pedia ao menos um obsquio: no lheenxovalhasseo nomepregandoa tortoeadireitoquetinhanovareligio.Seguisse aCristo em silncio, em casa. Que necessidade havia de lanar

    publicamente lamasobreonomehonradodafamlia?

    Pensassenaquiloduranteanoiteenamanhseguinteoprocurassecoma resposta.

    Sundar Singh passou a noite no vale da sombra damorte.Afinal,quemal haviaemiraLudiana,batizar-seevoltardepois,sembulha,parase consagraraoestudodoEvangelhoeorao,nacalmadolarpaterno?Talvez mesmo chegasse o dia da converso de seu pai, e ento eleproclamariapublicamenteasuacrena.

  • 8/2/2019 Boanerges Ribeiro - O Apostolo Dos Pes Sangrentos

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    Mas o evangelho era claro: Cristo exigia tudo e imediatamente.Contemporizareraimpossvel.

    Aoraiarodia,Sundarapresentou-seaopai,comosolhosfundosdainsnia.

    SherSinghergueuacabeaeumaexclamaodehorrorescapou-lhedos lbios:alongacabeleiranegradofilho-distintivoeorgulhodossiks-fracortadarenteeeleseapresentavaaopaicomoumrenegadomaldito.

    Desta vez quem desencadeou a perseguio foi o sardar. Poucosdias depois fechava-se a Escola e os missionrios eram expulsos deRampur.Oscristos hindus foramcompletamente isolados.Certodiaumdeles se dirigiu ao bazar, para fazer compras. Inexplicvel surdez

    acometeuos

    mercadores

    eele voltou

    de

    mos

    vazias.

    Edesde

    essa

    hora,

    cristo algum conseguiu comprar fosse o que fosse em Rampur. Afinal,vencido,umdelesseretirou,comseus poucoshaveres.Logooutrafamliamelancolicamenteo seguiuedentrode pouco tempoSundarSingh eraonico cristo residente na aldeia, rodeadode parentes que o odiavam,observadocomamargurapelopaicujocabelo comeavaabranquear.

    Foipor essa pocaque surgiu emRampuro irmode Sher Singh,oficialdo Raj.Mal chegou,percebeuquealgumacoisahaviaacontecido.No via Sundar durante as refeies e quando perguntava por ele aperguntase perdianoareoutros levantavamassuntosdiversos,comoseosouvidosda famliaestivessemtrancadosparaessenome.

    Afinal,umdiaviuo sobrinho com seuNovoTestamentoemurdu,sem a longa cabeleira sik, e compreendeu tudo. Homem experimentado,afeito s intrigase aosjogos psicolgicos da corte, nada lhe disse e foitrancar-se na salacom o irmo; palestraram longamente. O resultado da

    palestrafoiumasbita melhorianaatitudedafamlia,talvezcausadapelaevidentesimpatiacomqueotiotratavaaquelemalditocristo.

    Essa simpatia chegou ao cmulo quando o bondoso parente oconvidouapassar algumassemanasemsuacasa,nacapital.Aceitoucomprazer,dandograasa Deuspelodescansoqueopasseioseria.

    Em casa do tio todos o rodearam de simpatia e amizade, e seucorao comeoualigar-seporprofundoafetoqueleirmodeseupai.

    Umdiaohomemoconvidouadesceradegadacasa,ondeestavatrancadaa riquezadafamlia.Descerampelaescadinhadepedra,escurae

  • 8/2/2019 Boanerges Ribeiro - O Apostolo Dos Pes Sangrentos

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    ngreme, male mal iluminada pela chama vermelha da lanterna. Apesadaportarangeueos doisentraramnasalamidaeempoeirada,ondeas sombrasdanavam sinistramente. Deixando no p as marcas de suassandlias, o tio se dirigiu ao canto onde ficava a arca; curvou-se, lutoucoma fechaduraenferrujadaeergueuafinala tampa,colocandonumdos

    cantosda caixaabertaa lanterna.Sundaraproximouorosto,curioso.Eraumsonho.Centenasdemoedas amarelasbrilhavamfoscamente;barrasdeouromacio;pacotesdepapel-moeda.Odonodaqueletesouromergulhounele asmos e erguendo-as deixou cairpedras preciosas que cintilavamcombrilhomisteriosoemalvolo.

    Depois endireitou-se; ergueu a mo direita e arrancou o turbantequeatirouaop.Eraamaiorhumilhaopossvelparaumpobre sik.E,

    fitandonos olhos,

    osobrinho

    assombrado:

    -Fica

    conosco,

    filho.

    Toda

    esta

    riquezatepertencer.

    Compreendendo omotivodahumilhaode seu tio,SundarSinghchorou,comovido.

    No dia seguinte voltava para Rampur, deixando atrs de siressentimentoe rancor,pelaobstinao insultuosacomqueseapegavaaoseucristianismo.

    Atentativafinalfoifeitaporumcunhado,oficialdoRajdeNabha.Levouconsigoo irmode suamulher,na esperanadequeo esplendorda corte,as vestesmagnficas,oambientede riqueza todiversodavidasonolentada aldeiaofizessemmudardepensamento.

    Por acaso o Raj veio a saber que em casa de um dos seusservidores estava um rapazinho de descendncia nobre, convertido aocristianismo, e considerou ponto de honra atra-lo novamente velha e

    boareligiodo Punjab;mandoucham-lo.Maravilhado, Sundar atravessouosjardins, assalaseoscorredores

    do palcio.Aberta com cerimniaumaporta, avanou s tontas eviu-sediantede uma sala imensa, onde um crculo de homens de idademagnificamente trajados seassentavaem coxins.EraaDurbar-osenadoestadual-presididapeloprprioRaj.

    Inclinou-se respeitosamente. O Raj o recebeu com um sorriso eamistosamenteoexortouaabandonaranovareligio.Ossikserampovonobre e guerreiro, respeitado pelos prprios ingleses. Seus feitos dearmaseram lembrados com orgulho. Eram Singhs (Lees). Pois ento

  • 8/2/2019 Boanerges Ribeiro - O Apostolo Dos Pes Sangrentos

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    Sundar Singh abandonaria este nome glorioso para adotar o de Sundar-Co? (Porque para um sik, abandonar sua religio e aceitar a de Cristoequivaliaatransformar-sedeLeoemCachorro.)

    Os sbios membros da Durbar curvavam respeitosamente asvenerandascabeas,acadafrase.

    ModestamenteSundarexpsasrazesdesuaconversoereafirmouseupropsitodepermanecercrenteemCristo.

    Os senadoresmordiam os lbiosde clera.Eles sabiammuitobemresolver esses casos e chamar ao respeito rapazolas impertinentes. Comumgesto impacientededespeito,oRajodespediu,eeleacompanhoudevolta pelas salas e corredores do palcio o desapontado marido de sua

    irm.

    Depois disso a tempestade que desde nove meses se acumulavasobre sua cabea desabou com fragor. Levado de volta a Rampur, ali oesperava Sher Singh que se afastou para que no o tocasse aquele filhoinfeliz.Deram-lhecomida.

    Aoentardecerafamliasereuniu.Rodeadoporfilhosesobrinhos,oporte nobre de Sher Singh se erguia como odevelha figueiramajestosa

    entrervores menores. Com dureza e desprezo contemplou o renegado,que olhava o cho humildemente. Custava-lhe compreender que aquilofosserealmenteseu filhomaisnovo.Pronunciousobreeleamais terrveldasmaldies,deserdou-oeodeclarousemcasta.

    Depoisoenxotoucomoumco.

    "Eu me lembro da noite em que fui expulso de casa - a primeiranoite...Passei-a ao relento, sob uma rvore. Nunca me havia acontecido

    isso.No estava acostumado vida sem conforto.Pus-me apensar: 'Athojeeuvivi no luxodeminha casa; agora, aqui estou, tremendode frio,comfomee sede,esemabrigo'.Alifiqueianoitetoda.Maslembro-medaalegria maravilhosaque sentia edapazde alma.Paramim,aquelanoitefoi a primeira que passei no cu. Uma alegria inexplicvel me faziacompararaquelahoracomo luxodaminhacasa,ondeeunoencontrarapazparao corao.ApresenadoSalvadortransformavaosofrimentoempaz".

  • 8/2/2019 Boanerges Ribeiro - O Apostolo Dos Pes Sangrentos

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    CAPTULO 4

    OSCRISTOS

    BufandocomoumaferaotremdeLudianacobriuaplataformacomseuvapor claroequente.

    Orapazinhoqueoaguardavahaviamaisdeumahora,ergueu-seepenetrouna terceira classe,onde recebeuadesconfianadoscamponesessonolentos,acomodou-seemumcantoecerrouosolhos.

    O apito agudo f-lo estremecer e fitar a aldeia, cujas casinholas

    pobres se acomodavam resignadamente em torno da Gurdvara. O trempartiucomum arranco; segundosdepoisRampurdesapareceu, eSundarSinghcompreendeuque estavasnomundocomseuCristo.

    Mergulhou na orao, prendendo com fora o Novo Testamentojuntoaopeitoe nosentiuashorasquepassavam.Quandoabriuosolhososoljcastigava violentamenteaterra.EstarialongeLudiana?Encontrariaali os missionrios que conhecia?Um solavancoviolento o arrancoudas

    suas cogitaes. Olhou pela janela e viu uma aldeola pobre quetimidamente fugiada estao.ROPUR.Ropur?Tinhaouvidodizerque amaiorpartedoscristos deRampurestavaali.Porqunoosprocuraria?

    Desceunomomentoexatoemqueo trempartiaeperguntouaumcamponsse alihaviaministrocristo.

    O homem o fitou, desconfiado e apontou vagamente. Tomou orumo indicado. Uma pontada feriu-lhe o estmago. Seria fome? No

    conheciaaindaa linguagemdessa companheiradesapiedada.Apressouopasso, indagou novamente e afinal atingiu a casa do pastor indiano. Oestmagoestavaem fogo.Bateu.Ouviupassos.Adorsefaziamaisaguda;eracomoseacabassedeengolirbrasas.Contorceu-sededor.

    E o pastor, atnito, teve de carregar para dentro um estranhorapazinho sik de cabelos tosados que vomitava sangue, no conseguiafalareagarravaconvulsivamenteumNovoTestamentoemurdu.P-lona

    cama e mandou chamar o mdico, que ouviu o caso, examinouatentamenteaespumaquemanchavaoscantosdabocadorapazemoveu

  • 8/2/2019 Boanerges Ribeiro - O Apostolo Dos Pes Sangrentos

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    a cabea,desanimado,mencionandoumvenenomortal;aosairprometeuvoltarnodiaseguinteparaoatestadodebito.

    Odia sepassouemagonia.Quandoas trevasenvolveramaaldeia,aesposa dopastorveioassentar-secabeceiradoenfermo,ealificoutodaa noite,tentandoemvorefrescar-lheatestaescaldante.

    Entreum eoutro acessodedelrioSundar se agarrava convicode que devia servir seu Mestre na terra; no podia ainda morrer. Nopodia!

    A manh encontrou-o vivo. Nos dias seguintes, fraco e abatido, ocuidadodo pastoredesuaesposanooabandonou.

    Afinal,convalescenteainda,retomouocaminhodeLudiana.

    Quandootremdesapareceueopequenogrupodecristossedispsa regressaraldeia,omdico tomou tambmsuaresoluo: tinhavistoamode Deus operar:j no podia ser o mesmo homem. Em 1918 aindaestavaem plenaatividadenaBirmnia,comomissionrio.

    * * *

    Mr. Wherry, diretor da Escola Preparatria Crist, que ospresbiterianos mantinham em Ludiana, dava por quase terminados ostrabalhosde 1904.As frias aproximavam-se eno ano seguinteFifeviriasubstitu-lo,demodoque tratavadedeixar tudoemordem,para facilitarotrabalhodocolega.

    Por issono ouviu com agrado a notcia deque porta havia umadolescente hindu, talvezcandidatoamatrcula.Emtodocaso,mandou-oentrar,dispostoaexaminarpessoalmenteoassunto:nocostumavanegaroportunidades.

    Ojovementrou.VinhadeRopur,aconselhodopastordaaldeia.Enarrousuahistria.

    Umahora

    depois

    oregente

    do

    internato

    lhe

    indicava

    uma

    cama

    que

    devia ocupar.

  • 8/2/2019 Boanerges Ribeiro - O Apostolo Dos Pes Sangrentos

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    Desdelogosesentiuisoladoentreoscolegas.Filhosdepaiscristos,livresdas lutasque ele conhecia,os rapazespouco sepreocupavam comproblemas espirituais, limitando-se a absorver o ensino e oscostumesreligiosos.Onovato era entre elesumapea grandedemaisnaengrenagem: incomodava e chamava a ateno.Noqueriajogar criqu,

    noqueriapraticar atletismo,noqueria ira reunies sociais,noqueriaparticipardaprosaligeiraenemsemprelimpadosrecreios.Queriaapenasentocaiar-se no quarto ou sob as rvores da chcara, com aquele eternoNovo Testamentonamo.

    A diretora o protegia, levava-o para sua mesa ao almoo; Mr.Wherry -e depois tambmMr. Fife - se trancavam comelenoescritrioemlongas palestrasesemdvidao idiotajsejulgavamelhordoqueos

    outros.

    Umdia,aosairdodormitrio,umamapodreespatifou-seemseurosto, saudada pela vaia dos colegas. Limpou-se e se afastou, admirado.Porque aquilo?Poisnoeramtodoscristos?

    Mas ele prprio estava perplexo com o cristianismo. Seus colegascristos vestiam-se como ingleses; diariamente iam sala de cultos,assentavam-se pomposamente nos bancos escuros para ouvir a prdica

    formalizada do professor; cantavam hinos cuja msica os ouvidosindianos de Sundar no conseguiam assimilar; falavam ingls, deprefernciaaohindustani.

    Pois ento tinha que arrancar a pele, para ser cristo?Amudananodevia ser do corao? Por que abandonavam seus trajes nacionais?Muitos nem turbante usavam. Por que no arredavam aqueles bancosincmodosenoseassentavamnocho,comonaGurdvara?Opregador

    deviadescer

    do

    plpito

    evir

    para

    omeio

    deles

    palestrar

    informalmente,

    como os sacerdotes e os sadus. Cantariam hinos com modulaesindianas...Nopodiaentenderbem aquelecristianismoinglesado.

    Oshorriosocomprimiam;perdiaaulas,absortonaleiturabblica.

    Tomava,de preferncia, os textos doEvangelhodeJoo referentesaoamor deDeus.Lia-osatentamente,procurandoentenderbemosentido.Assim, concentrada, sua alma era como a lente que rene em lugar

    determinadomuitos raiosde sol; e esses raios reunidos lhedavam luz ecalor.

  • 8/2/2019 Boanerges Ribeiro - O Apostolo Dos Pes Sangrentos

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    Tinha de exercer sobre si mesmo constante vigilncia, pois logoverificouquecomaconversonoperderao temperamentoarrebatadoevoluntarioso.Foiuma lutasem trguas,ondecadavitriacustavadiasdeoraoe meditao.Tratavacombranduraoscolegaseafinalcaptou-lhesaamizade.

    Masdecididamentenofrafeitoparaseguirregulamentosescolares.Escandalizava os professores com a tranqila desobedincia de regraspara eles sagradas. Haja vista o caso deDoraha:juntamente comoutrosalunos tinha sido enviado a Ambala, nas frias de vero. Quandoregressaram, lembrou-se de visitar parentes, em Doraha, edisplicentementeabandonouo tremsemdarsatisfaesaquemquerquefosse,para reaparecer,diasmais tarde, emLudiana comomais inocente

    dossemblantes.

    Os diretores afligiam-se com essa independncia; nunca podiampreveros atosdeSundarSingh.Depois,opaieos irmosjrondavamaescola,havendomesmotentadoumdiarapt-lo.Omelhorseriamandaromoopara mais longe, aomenosdurante algum tempo.A tranqilidadeda Misso MdicaAmericana de Sabatu talvez fosse melhor com seutemperamento.

    * * *

    Foimuitssimomelhor.

    Vinte e trs milhas alm de Simla, Sabatu uma aldeolamontanhesa quieta e fresca, rodeada de cheirosas florestas de pinheiroscujos claros deixam ver distncia os cumes esbranquiados da neveeterna.

    Sundarpassava osdiasna floresta ou em seuquarto,meditandoeorando. Sua vida se ligava cada vez mais a Cristo, medida que oconheciamelhor.

    Os missionrios o tratavam com simpatia, continuando a obra doscolegas de Rampur e Ludiana.Embora intensamente indiano, Sundar osestimava profundamente.Via em sua vida umperfume evanglico,umaaura refrigerante de idealismo,vindos talvezdodesejoquase ingnuodedar,de fazerbem,queorientava seusatos.Temposmais tardea torrentedegratidoque duranteanosseacumularaemsuaalma transbordou.Foina Inglaterra. Ummissionrio seu amigo levou-o a visitar o velho pai.

  • 8/2/2019 Boanerges Ribeiro - O Apostolo Dos Pes Sangrentos

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    Embora no fossedadoa dramatismos, Sundar Singh no se conteve aoveroancio:ajoelhou-se,beijou-lheosps eardentemente lheagradeceuhaverdadoseufilho ndia comopregador.

    Desdeque se converteradesejava semprereceberobatismo.Afinalpde voltar a Simla, a tumultuosa capital do Norte, onde refervem asespumas da espionagem e da contra-espionagem fronteiria, e ali foibatizado, a trsde setembro de mil novecentos e cinco, pelo Rev. J.Redman,daIgrejaAnglicana.

    Completavanessediadezesseis anos.Eraportantomaior, segundoocostume hindu.

    CAPTULO 5

    SADUSUNDARSINGH

    Umjovemhindudeserdadoesemcasta,malditonolardeseuspais

    ena aldeia

    em

    que

    nascera,

    caminhava

    pela

    estrada

    que

    de

    Simla

    sedirige

    a Sabatu,comaalma inundadadealegria.Paradoxalalegria,qualjsemesclava preocupao gravssima: o batismo, se lhe resolvera osproblemas espirituais, selando definitivamente sua consagrao a Cristo,nolhedava contudoorientaosobreorumoa imprimirvida.Nolheseria possvel continuar vivendo da boa vontade dos missionrios. Quefaria?

    Todas as suas foras e tendncias se dirigiam para um rumo: apregao do Evangelho. Precisava remir o tempo perdido, desfazer osmalesque causara aospregadoresdeRampur.Maspregar como?Passaranos encerrado noSeminrio, receber lies de Teologia, de Grego, deLatim, assimilarpor processo exaustivo e mecnico a piedade de outroshomens; pastorear depois uma igreja, viver preso parquia e a seuspequeninos problemas geradospela eterna mesquinharia do homem;esgotar-se nas interminveis e nemsempre edificantes discusses e

    atitudes de Conclios, para depois, e uma vez mais, afundar no lagoparado da rotina paroquial? Fazer cuidadosas distines dogmticas,demonstrarondeestavaoerrodospresbiterianos,ondeodosmetodistas,

  • 8/2/2019 Boanerges Ribeiro - O Apostolo Dos Pes Sangrentos

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    eafirmarvitoriosae invariavelmentequeoCaminho,aVerdadeeaVidaresidiam no seio da Igreja da Inglaterra, que o batizara? E a qual dascorrentesquenelasedigladiavamhaveriaeledese filiar?

    Engolfado em tais pensamentos, sombra fresca dospinheiraisdeSabatu, seus olhos caam muitas vezes nas neves que faziam fundo paisagem. Himalaia! As guas que ali nasciam, na neve permanente,rasgavamnapedra damontanhaoleitoporondecorreriam.Dispensavamconcurso humano. Conseguisse ele manter sempre a ntima unio comCristoque agorapossua epoderiadispensar a organizaoeclesisticaeos canais com que ela orientava o rumo da piedade dos fiis. Mesmoporque a europeizao dandiaera ingrata tarefa que a igreja evanglicaindiana parecia apostada emlevar a cabo - e isto lhe repugnava. Fortes

    laos

    emocionais

    o

    prendiam

    terra

    onde

    repousava

    sua

    me,

    e

    aos

    costumes da infncia. No se convertera civilizao ocidental, mas aoCristoUniversal.

    "Umdia euvi,naRajputana,um brmanede alta castaque corriaparaa estao.Ocaloreratantoque,aoatingiraplataforma,caiu.Ochefeda estao era anglo-hindu; desejoso de auxili-lo trouxe uma xcarabranca comgua.Percebia-sequeohomemestavasedento,masnoquisbeber.-Nopossotomarguaa;prefiromorrer.-Masningumlhepedeque beba a xcara, observou algum. Tome a gua. - Nunca hei dedesrespeitaras regrasdeminha casta.Antesamorte.Quando trouxeramgua na vasilha de cobre, bebeu sofregamente. 'D-se o mesmo com aguaViva.Oshindusprecisamdela,masdispensamaxcara europia.'"

    Mascomocriarumavasilhahinduparaanovabebida?Nova?No!Eraa bebidaeterna!Asformasdedevooda ndiaabuscavam,tacteantese desesperadas. Bastava tomar a melhor dessas formas de devoo e

    ench-lado lquidocristalinoerefrigerante.

    Trinta e trs dias aps o batismo, vendeu como pde os escassosobjetos que possua, comprou na aldeia a roupa amarela de sadu,envergou-ae,descalo,levandoemumadasmosoNovoTestamentoemurdu,tomouorumodoSul.

    Seria,dessediaemdiante,OSadu.

    Sadu, palavra snscrita que significa reto, adotada para designaruma classe especial de religiosos, veio a ter o sentido de puro, santo. quemse consagra inteiramente religio, abandonando para sempre

  • 8/2/2019 Boanerges Ribeiro - O Apostolo Dos Pes Sangrentos

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    qualquer veleidademundana.Nosorarosnandiaexemplosdehomensque,aps cumpriroquelhespareciamissoterrena-criarosfilhos,serviro pas, abandonam famlia, bens, cargos e desaparecem num recesso demontanha,ondepassamahabitarqualquergruta, imersosemmeditao.O Purum Baghat, deKipling, real. So os saniasis. O que talvez os

    poderia distinguir dossadus o fato de ser toda a vida dos ltimosconsagradareligioenoa partefinalapenas.

    Vestidoscomaroupacordeaafroquetofacilmentesedistingue,caminham geralmente descalos, sem pouso fixo. Nas aldeias e nascidades todos tmprazer emdar-lhesuma escudelade comida,um leitode palhas, uma hora de palestra. Seus conselhos so respeitados, suasmaldies temidas.Oviajantequepercorrerasmargensdosriossagrados,

    freqentemente

    encontrar

    esses

    santos

    imersos

    em

    meditao

    ou

    ocupados flagelando-sepelosmaisengenhososprocessos,ourezandocommonotonia.

    To intimamente relacionadacomopaganismohinduestavaavidadosadu,queeranecessriomaisquesimplesoriginalidadeparaadot-laepregar o cristianismo. A Igreja receberia tal idia com escndalo edesagrado;eos mesmos indianosqueoacolhessem,aoverificaremqueoSanto-Homem era apenas um maldito cristo de casca amarela,possivelmentesevingariam ferozmentedologro.

    Mas Sundar Singhno estava procuradeum artifcio:queria sersadu eno apenas vestir-se de sadu. Possuiria a mentalidade do sadu,comalmade cristo.

    DiasdepoispenetravaemRampur.Juntoaovelhobazarqueoviraapedrejando pregadores, cantou com voz brilhante um hino cristo. E

    quandoopovo,

    curioso,

    seaglomerou,

    contou-lhe

    atransformao

    que

    se

    operaraem suavida.Porquenosefaziamelestambmcristos?PorquenoliamaBblia?JesusCristoestavavivo,eeraDeus!OnicoDeus!

    Deixaram-no em paz. Alguns intrigados, outros impressionados.Um deles foi chamar Sher Singh, mas quando este chegou j o filhodesaparecera,rumo aldeiaseguinte.

    Naestradapoeirentaeardenteosardarapenasdistinguiuasmarcas

    dos ps descalos de seu filho. Era fcil conhec-las, porque estranhossinais escurosas identificavam,no labirintodepegadas impressasnop.

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    cerraram-se,quando,comfirmeza,orapaz-nodeviatermaisde17anos,eerabemfranzino- comeouadizerqueJesusCristo,cujahistriavinhanaquele livrinhochamado Novo Testamento, era o Grande e VerdadeiroDeus;queospecadosdohomemeramlavadospelosanguedeJesusCristo.Aquilo cheirava a blasfmia. Toda gente sabia que as guas do Rio

    Sagradoquepurificavam.Aproximou-seumfuncionriohinduqueobservavaacenadelonge,

    curioso.

    Um zumh zumh comeou a formar-se entre os homens.Umdeles,maisatrevido,comentouemvozalta:-Bah!Cristodisfaradodesadu!

    Era Kripa Ram, bem conhecido na aldeia pela sua truculncia. O

    sussurro continuou

    e

    engrossou.

    Afinal

    Kripa

    Ram

    abriu

    caminho

    aos

    empurres e, aproximando-se do falso sadu, deu-lhe uma bofetada. Suamo pesava como ferro e o mocinho caiu. Gargalhadas. Levantou-se,empoeirado, com o rosto e uma das mos sangrando. Alguns dentre opovocomearamaretirar-se discretamente.Cristoou indiano,ohomemse vestede sadu, e ningum sabese suasmaldies sero ouvidaspelosdeuses; - um sadu ofendido sabe amaldioar cientificamente o ofensordesde os cabelosda cabea at as unhas dos ps. Mas o estranho santo

    canta outro hino. Ao termin-lo, faz uma orao em que pede a seusdeuses -eentreelesesseJesusCristo -que perdoemaopovodaaldeiaequenocastiguemoseuofensor.

    Ressabiado, Kripa Ram se retira. Um dos homens presentes, comlongas e imaginosas desculpas a respeito de sua pobreza, pede ao saduquehonresua indignaresidnciadormindoemumdosquartos.Paralsedirigem, reiniciando-se a palestra luz tosca do fogo. Ao recolher-se o

    jovemsadu

    seajoelha

    emergulha

    em

    orao.

    "Senhor,

    bendito

    sejas

    pelas

    alegriasdos diaspassadosepelossofrimentosdehoje.Abem-aventuranadocu torna-se realparamimquando carrego a tua cruz.Sdepoisquesofriquevimaconheceralegriareal".

    Os lbiosmovem-se rapidamente.Passam-seosminutos,umahora,outra.Afinal,deita-senaesteiraeadormece.

    Amadrugadanocoloriraaindaocu,quandoavidavoltoucasa

    pobre queo abrigara. Curioso, o hospedeiro espreitou pela janela doquarto.Tudo em ordem.Mas o estranho sadudesaparecera.Mesesmaistardeumjornalcristoda ndiatransmitiaodramticoapelodeumKripa

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    Ram,que acabavade abraaro cristianismo edesejava ser batizado"poraquelamoferida".

    Assim atravessou Sundar Singh o Punjab pela primeira vez, atatingir os speros contrafortes das montanhas de Cachemir. Vadeoutorrentes bravias, venceu florestas, viveu com pastores em cabanasimundas,cruzouo Beluquisto;pelaprimeiravezemsuavidainternou-senaterradostofaladosguerreirosafegoseatingiuJalalabad.

    Valeapenarecordarsuaaventuranessacidade.

    Depois de observar com olhos curiosos as velhas ruas tortuosas emalssonde pululava uma humanidade mal encarada, armada at osdentes, e onde trotavam cavalicoques ligeiros e nervosos, mirados com

    olhar

    avaliadorpelos

    mercadores

    de

    longas

    unhas

    tarjadas

    de

    preto,

    escolheuumpontode bommovimento,cantouumdeseushinos-aquelavoz desafinada teria de serouvida em toda a sia? - e iniciou palestracom os curiosos que logo seaglomeraram para ouvi-lo. A princpiotrataram-no com cautelosa deferncia, mas medida que ele falava asfisionomiasseanuviavam;afinal,vociferando,umdosouvintesseretirou;os demais no tardaram emsegui-lo. Cansado, o sadu sentou-se a umcantoecaiuemmeditao.Quando voltouaomundoexterior,algumlhe

    puxavaviolentamenteovestido;voltou-se edeu comuma caramedrosacujosolhosnocessavamdevigiaros lados.-Santo-Homem,fuja,queunspats (afegos) resolveram mat-lo hoje. E no deixe de se lembrar emsuasoraesdofilhodemeupai.

    Malsussurrouessaspalavras,esgueirou-sepelobeco.

    Osaduergueu-se;olhouaoredordesieverificouqueo lugarseriaideal para um crime. Caminhou perdido na cidade que se recolhia para

    resistir auma noite de gelo, at que encontrou o serai (pouso decaravanas),ondese misturoucomhomens,animaisemosquitos,dispostoasuportartodososmausodoresdouniverso.Osoldesaparecera.Poucoapouco se foram apagandoasescassas fogueirasdo serai eosviajantes serecolheram s barracas ou aos cantosondehaviam ajuntadopalhasparadormir. Aconchegavam-se aos cobertores grossos, geralmente reforadospelacapadeviagem.S,osadulimpounaescuridoumcantodoseraiedeitou-senaterramida.Haviam desaparecidoasnuvenseocubrilhavana cintilao fria das estrelas. Contra ele se recortou a silhueta de umgrupodehomensqueavanava indeciso, tateandonaescuridoefalandoem voz baixa. Afinal, atingiram o ponto em que o sadu tiritava, com a

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    roupajmolhadapelochomido.Recuaram,discutiram rapidamente,eseretiraram.

    Noite de horas imensas. O frio atingia os ossos. Era como se oprprio sangueestivessegelado,ecirculassepelasveias levandoa todoocorpo um arrepio de morte. Afinal, o cu comeou a se acinzentar e omovimentodo serairessurgiu.

    Sundar Singh ergueu-se.A roupa estavamolhada,osdedosduros,os lbios roxos.Ajuntou gravetos e acendeuumapequena fogueiraparareadquiriro calor e enxugar-se.Nisto surgiram ospats.Passadas largasdevalentes.Foramaopontoemqueelehaviadormido,voltaram-seumtantoconfusose deramcomoco infielque,deccoras,seaquentava.Orisoquetraziam congelou-se,transformando-seemexpressoquasecmica

    de espanto. Conferenciaram excitadamente, enquanto o sadu aguardavaansiosoecomum arrepioa sentena finaldamorte.Afinalumdeles -ochefe,pelosmodos- avanousozinhoe,parasurpresadomoo,ajoelhou-seebeijou-lheosps,antesqueelepudessefazerqualquermovimento.Eexplicou-se:

    Quando verificaram que ele pertencia maldita religio crist,resolverammat-lo,epara istooacompanharampelacidade,aguardando

    o melhor momento; ao verem que ia dormir no serai, completamentedesabrigado,dispersaram-se.Sabiamqueumanoitecomoaque iriamtermatariahomens maisfortes.Nopodiamagoracompreendercomoestavaaindavivoelesto,comforaspara fazerfogo;seurostodavaa impressode que ele havia passado uma noite deliciosa, no leito de penas de umpalcio real. A nica explicao possvel era que Al o tinha em suabendita proteo. Poderia osaduji fazer-lhe o obsquio de aceitar ahospitalidademagra epobrequelhe ofereciam e repetir-lhes aspalavras

    desabedoriaquetinhamouvidona tardeanterior?

    Umasemanasepassou.Pregavadiariamente,aassistnciascadadiamais numerosas.Masnodesejavafixarresidnciaemcidadealguma.Eraumsaduperegrino.Reiniciouaviagem.

    Cruzou o Indus, viu novamente as plancies onde os arrozais seestendem sem fim,penetrouemPatiala, reconfortou-se com aspaisagensfamiliares de um passado tranqilo que se encontrava a um sculo dedistncia(haviaumano queerasadu).Efoideter-seemKotgar.

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    Um ano de trabalho. Do menino dbil que no suportava oitomilhasdirias sobo soljnohavianele amais leve lembrana.Eraummoodemsculos elsticoserijos,organismoendurecidonaescaladadasmontanhas,na luta contra torrentesenasviagens infindveisdaplancie,aosolechuva.Nosolhostoexpressivoshaviaumachamaardente.

    KotgardistadeSimla55milhas,est6.000psacimadomareumvilarejo tosco, rodeado de altos pinheiros, com algumas dezenas decasasque se amontoam em torno da torre da igreja evanglica. O longotelhadodo hospitaldamissoumaferidaabertanavegetaoquecobretudocomseuverdeexuberante.Deumadesuasruassaiaestradinhamaltratada que, mergulhando no bosque, tropeando em troncos seculares,fugindo a regatos, vai afinal morrer na estrada Industo-Tib, em um

    ponto

    escarpado

    onde

    os pinheiros

    erguem

    para

    o

    cu

    seus

    galhos

    de

    pontassperas.

    Quem sedetivernesse entroncamentomodesto e sevoltarparaosladosda aldeiaserranaavistarpelasclareirasdamataosvalescultivadosouaareiaclaraeserpejantedo leitodoSutlej, topequeninosdistnciaque chegam a parecerpaisagemde sonho. Se erguer os olhos esbarrar,deslumbrado, com a brancura dos cumes do Himalaia, que cerra ocaminhodoTibete.

    Em Kotgar residia o velho pastor Betuel,junto da igreja. Acolheucomprazerojovemsadueohospedou.MaistardeoDr.Jukestambmsefixou naaldeia. Sua casa, na colina, era constantemente procurada peloscamponesesdosarredoresquetinhamdoenaemcasaouque,apanhadospelanevascae derrubados,haviamsidorecolhidospormoscompassivasaohospital.

    Kotgartornou-se

    para

    Sundar

    Singh

    ponto

    de

    partida

    eponto

    final

    de jornada,desdeessedia.

    Os amigos se afizeram ao seu temperamento original e nada lheperguntavam quando,repentinamente,eleabandonavaasalaondeofogocrepitavana lareira,emergulhavanobosquebrancodeneve. s vezesvoltava,horas depois - s vezes ficavadias fora, orando emeditando.muitopossvelquenessespasseiospelobosquedepinheiros,aoatingiraestrada do Tibete, se detivesse a contemplar a linha torturada que seagarrava montanha,quea cingia,aenleava,eafinalseperdiaalm,nomisterioso Bothyal, onde a pregao cristjamais encontrara lugar ondeapoiasseos ps.

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    CAPTULO 7

    SAMUELSTOKES

    Mr. Stokes no saberia explicar o que se passava. Iniciava-se umsculo,seusnegciosprogrediam firmemente,sua fortuna lheasseguravavida tranqila-eumainquietudeinexplicvelodominava,haviameses.

    Levantou-se e cruzou o escritrio nervosamente, resmungando.Deteve-se junto estante e correuosolhosdistradospelos livrosde suapredileo.

    "VidadeSoFranciscodeAssis"?Deonde teriavindoaquilo?Deleno era; curioso, retirou o volume e folheou. Correu os olhossuperficialmentepor umapgina,deteve-se,voltou-apara acompanhar anarrativaeafinalfoi sentar-sedenovo,agarradoaolivro.

    Quando se levantou, horas depois, era outro homem: havia

    encontradooque lhe

    faltava

    -um

    ideal.

    Consagrar-se-ia

    aseus

    semelhantes,

    comoo"povorello"deAssis,masintegralmente,incondicionalmente,comoaquele santo. Onde haveria, no mundo de seus dias, maior soma desofrimento humano?Onde?Obscuramenteselembravadepasesexticos,populaes miserveis, um continente onde a lepra, a peste e atuberculose comiam avida humana implacavelmente.ndia! Valia a penafundar uma ordem monstica de sentido evanglico, semelhante deFranciscoeconsagrar-sendia.

    Abandonou riqueza e famlia, embarcoupara a ndia e foi fixar-sepertode Kotgar.EmSabatuhaviaum leprosrio,eemLahoreumcampodepestosos.Passou aviverpara eles,dedicandoopouco tempoque lherestavaaviagens evangelsticas.

    No vero de 1906 desceu at Kotgar e em casa de Betuel travouconhecimento comumsaduquejfizerauma"tourne"evangelsticapeloPunjab,havendo atingidooAfeganisto.Essemoosofrerahorrivelmente,

    chegando mesmo aser preso. Contudo, sentia-se que ao narrar seussofrimentosumaalegria estranha e incompreensvel odominava.Pareciaat que tinha prazer emsofrer quando pregava. Estranho rapaz.

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    Convidou-o para pregar no leprosrioe o convite foi imediatamenteaceito.Desdeento,nose largavam,durante trsmeses, findososquaisStokes convidou o sadupara a "Irmandadeda Imitao". O sadu era deuma independnciapessoalabsolutaenoquis submeter-ses regrasdairmandade,emborapossusseoespritode verdadeiro imitadordeCristo.

    RegressouaKotgareStokescontinuouseutrabalho.No vero seguinte reapareceu-lhe o hindu, sugerindo um

    acampamentopara crianasaleijadas,pertodeKotgar.Aceitouaproposta,organizaram o acampamento e da por diante passaram a repeti-lo cadavero.

    Anosmais tardeStokes regressourapidamenteaosEstadosUnidos.Masa lembranada ndiaoobcecava.Velhosincidentesvoltavamtona:

    "Estvamos no interior, para onde avanramos algumas centenasdemilhas, e atravessramosuma regio extremamente insalubre. SundarSingh foi atacado pela febre durante vrios dias; alm disso, padeciadeindigestoaguda.Afinal,numanoitedenossapenosacaminhada,pioroutantoqueno conseguiuprosseguir e caiudesmaiadonocho.Aestradaatravessava a montanha, e ao lado havia uma pequena eminncia.Arrastei-opara l, tendo cuidadoparaquea cabea ficassemaisaltaque

    os ps. Agitavam-no os calafrios que precedem o acesso de febre, e aspontadas no estmago faziam contrair-se o seu rosto. Eu no sabia quefazer,porquantonos encontrvamos isolados e ss eviajvamos ap.Ofrio era intenso. Aproximei meus lbios de seu ouvido e perguntei-lhecomo se sentia. Estava certo de que no ouviria queixas, mas nuncaesperariaarespostaquedeu.Abriuosolhos;umdoloridosorrisocoloriu-lhe o rosto e com voz quase imperceptvel respondeu: '- Sinto-me feliz!ComobomsofrerporEle!'"

    DiasdepoisStokesregressava ndia.

    Em 1908 o sadu fez sua primeira viagem ao Tibete. Desde entopassoua percorreroPunjabnosmeses frios,consagrandooveroquelaterra.Considerava-aseucampo,suaparquia,eaelaconsagrouavidademaneira todaparticular.

    CAPTULO 8

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    BOTHYAL

    OPasdosLamas.

    Comprimidoentremontanhas-Himalaia,Caracorum,Cuen-Lun-oTibeteum pasquasedesconhecidodosocidentais.Suaextensonoestainda definida com preciso, visto que ao Norte no se sabe quandotermina o Bhot para dar lugar ao Sinkiang; quanto ao nmero detibetanos, gegrafos o tm calculado em dois milhes, outros em seismilhes, o que d a idia da dificuldade de estudar o assunto com

    exatido.AbarreiradoHimalaia,queoseparada ndia,dafeioregio

    onde oSadu iniciou seus dias de apostolado tibetano. speras rochaspolidas pela mais persistente das neves, picos erguidos contra o cu,envoltosem nuvens,cobertosdegelo;florestasmartirizadasdecipresteseconferas, vales fundos, alguns dos quais cultivveis; aldeias misrrimasde pastores,que se agarram montanha com pertincia frrea, as quais

    detrsde

    suas tendas

    de

    couro

    de

    Iaque

    espreitam

    os

    abismos

    -"ninhos

    de

    andorinhasnobeiraldomundo",comodisseopoetaingls.

    Alm,encontra-seoplanalto,semeadodeescassascidadesealdeias,colorido por vegetao baixa e maltratada, rasgado pelos servos quelavrama terrasemesperanadepoderumdiaabandon-laoumudardesorte, porqueo regime econmico medieval. De longe em longe amansosenhorialdeum nobrequeteveentreantepassadosumdalai-lamaou,oque mais raro,descendente da velha linha real tibetana quedeulugar aosReis-Monges. Edificao de mais deumpavimento, slida emsuasparedesdepedra lavrada,tetochatoedesgracioso.Atrsedoslados,os estbulos e casasde servos. Em alguns pontos ainda h escravos -felicidade,alis,pois so geralmentemaisbem tratadosqueos servosdagleba,nominalmentelivres.

    Esparsas,aschoasdepedrasdoscamponeses,cobertasdebarrooude folhas,velhssimaseimundas,agarradasaosolocomoparasitas.

    Nas cidades acotovelam-se os comerciantes com caravanas deburricosquevo paraoNorte levandocourose leretornamcarregados

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    de sal dos grandes lagos. Nas gargantas que o Himalaia abre para darpassagemaotrfegonoraroverumrebanhodecarneiroscarregados-afirmezadepsos transformaemanimaisdecarga.Osmercadoresdescem ndia procura de produtos manufaturados. Levam o ouro que ascorrentestibetanassempre trazememseuseio,oucouros.

    No raro erguer-se isolado, nas plancies, um mosteiro onde oslamas lem ou ouvem ler os livros sagrados, correm beatificamente ascontas dos rosrios ou giram a roda das rezas - sistema original deindustrializaoda prece.Cada famlia obrigada a consagrar religioaomenosumde seusfilhosvares,oque torna inacreditvelaproporodemongesnopas.Ummosteiro,nasproximidadesdeLhasa,temseismil.

    Juntodecadacidadecertoencontrar-seumaLamaria,ecadapovoado

    governado

    por

    um lama

    ao

    menos,

    acolitado

    pelo

    secretrio

    que,

    no

    governosupremo,juntoao dalai-lama,fazasvezesdeprimeiro-ministro.

    O sistemamonstico caracterizaobudismo tibetano -e lhegaranteopoder tremendoquepossuinopas,ondesuplantouareligiooriginale,mesmo, se tornou mais forte que nandia, onde nascera. A unidadepoltica dolamaismo tem como frincha nica a autoridade crescente dotashi-lama,abade domosteirodeShingatze,quehojegovernaquasetantocomooprprio dalai-lama.Emboraconserveinalteradaaunidadepoltica,o lamasmo est dominado de cises doutrinrias que, no decorrer dosanos,tmformado seitasnointeriordocorpo.

    H algumas centenas de anos era relativamente fcil penetrar noBhot - nome que lhe do os hindus - e travar conhecimento com osdesconfiadosbotias,baixoteseescuros,queopovoam.Algunsviajantesefrades atingiram Lhasae l permaneceram algum tempo. O furaco dasinvases e incurses guerreiras dos mongis, que assolou o Imprio

    Romano e aRssiaMedieval,que sevoltoupara aChina epenetrounandia,deixousempre indeneo tabuleiro tibetano,graas cintaagressivadas montanhas que o defende. Isto tornava os habitantes menosdesconfiadosdevisitasestrangeiras.Mas veioodomniochins,ecomelecessou a liberdade. Acresce que um orculo budista julgou oportunopredizer que a autoridade dos Lamas seria quebrada por uma incursoestrangeira - o que tornou a pregao de qualquer religio estranha ao

    budismoocrime

    dos

    crimes.

    De qualquer maneira vrios exploradores, levados pelo esprito deaventura,enfrentaramproibiesetentaramviajarpelopas-inutilmente,

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    extremamentedelicada ao ponto de no admitirem que se mate umhomem nemmesmo no cumprimento de sentena legal. Mas, por outrolado, tm tograndeamorortodoxiaquejamais tolerariamaexistnciade uma almadanada a semearheresia entre suas ovelhas.E como, paratornar mais complicada suasituao moral, no lhes restava aquele

    notvel recurso de entregar o criminoso ao "brao secular" - porque obrao secular so eles prprios - onico remdio que podiam dar situao era permitir a morte espontnea do ru. Tinham vrios eengenhososprocessosparaatingiresseobjetivo.

    ComKartar Singh empregaramumdosmais simples:despiram-nonapraa,entreosrugidosdamultido,costuraram-nodentrodeumapelemidadeiaqueeexpuseram-noaosol. medidaquesecava,ocourose

    encolhia,comprimindo

    o

    corpo.

    Estalavam

    os

    ossos.

    Ao

    lado

    do

    fardo

    sinistroquese retorciaestavacadoum livrinhodecapapreta-umNovoTestamento.

    EalimorreuKartarSingh.

    Observavaacenacomolhosdeconhecedorosecretriodolama.Emdado momento reparou no livrinho e, curioso, foi ergu-lo. Guardou-opara exame posterior, porque a morte de Kartar Singh o impressionara

    maisdo que gostaria de confessar, e desejava conhecer a religio que oinspirara a suportar com tanta doura o martrio. A leitura da vida deCristo, ilustrada pelos acontecimentos dos ltimos dias, venceu-lhe ocorao.Aps algumassemanasdelutadecidiu-seefoidizeraolamaquesefizeracristo.

    Amortedohindu tinha sidomuito suave -por issoquejhaviaquem quisesseacompanh-lo.Maso lamaresolveudar,napessoadoseu

    secretrio,um

    exemplo

    definitivo

    que

    escarmentasse

    opovo.

    Meteram-no no couro mido, que costuraram. Mas esse couroestavafuradoem vriospontos,easmosficaramparafora.Nosorifciosmetiam,de temposem tempos,um ferro embrasa,que ia chiarna carnedo cristo. Ainda havia na praa o cheiro de carne queimada quandoderam incio quele clebresuplcio de meter lascas de madeira sob asunhas,agolpesdemartelo.

    A morte custava. Afinal, impacientes, os esbirros do lamadescosturaramo corpo,prenderamaumacordaospulsosdoprisioneiroe,acompanhadospela massaululante,dispararampelasruastortuosas,indo

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    deter-se junto ao mal cheiroso monte de lixo, onde atiraram o corposangrento,vivomas inconsciente.

    Nuncasoubecomoconseguiu,aovoltarasi,arrastar-separacasadeum amigo,ondeseocultouatrestabelecer-se.

    QuandonarravaaoSaduasuahistriaeahistriadeKartarSingh,seus lbiostremiam.

    E quando o Sadu, de regresso ndia, foi contar ao velho pai deKartar Singh omartriodo filho aquem ele expulsara como renegado,oancio, comovido, s pde responder que "Eu tambm sou crente emCristo".

    PrimeiraViagem-1908

    EmPoo-idoisirmosmorviosacolheramosaduadolescente,altoeforte, de olhos mansos e profundos, de quem j tinham ouvido falaralgumas vezes. Deram-lhe a hospitalidade tosca e pobre que o lugarejoagrestepermitiae ouviramcomatenoeentusiasmoadeclaraoporelefeitadeque pretendiadedicar-seevangelizaodoTibete.Estavacom19anos.

    Ia tentar a invaso de uma terra onde nunca estivera, cuja lnguaignorava,cujoshabitantesnoo conheciam.Ficouuma semanaemPoo-iiniciando o aprendizado da lngua tibetana e depois, acompanhado porumtrabalhadorda missoquecontinuariaoensino,tomouotrilhosperoque serpenteava parao Passo de Hoti e era conhecido como "Rota doPeregrino".

    Tomouo leiteecomeuoqueijoque lheofereceramospastoresdasaldeotas montanhesas - emmuitasdasquais sepraticava apoliandria,elongamente palestroucomelesa respeitoda religiodeCristo.Atingiuoplanalto,entrounasaldeias,pregouaopovoque se reunianaspraasaoentardecer para a orao coletiva e ficou conhecendobemoque seja serexpulso consecutivamentedecadapontoondeiniciavaapregao.

    Lcontinuou,decabanaemcabana,dealdeiaemaldeia,atatingira cidadedeTashigang,ondeoritmo,quese faziamontono,depregao

    e expulso, foiquebrado.O lama localo recebeu comamizade, reuniuopovo para ouvi-lo, agasalhou-odos rigoresdo tempo edeu-lhe carta derecomendaoparaumamigodeoutracidade.

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    pulmes como a gua da represa invade o vale, rompidos os diques.Tossindo,atordoado,ouviucomoemsonhosorangerdatampa,osomdachavenafechadura.

    Olhou em torno, para conhecer seu amigo desconhecido, mas viuqueestava s,naescuridonoturna.CaiudejoelhosedeugraasaDeus.Amanhecia.Vacilante,dirigiu-seaoserai,ondeadormeceuentreobulcioda fainadiria que comeava. Ningum imaginaria que o saniasimergulhadonomais profundodossonoseraomesmocondenadoaopootrsdiasantes.

    Quandoacordou,reiniciouapregao.

    Seu caso estava encerrado visto que todos ojulgavam morto; o

    tumulto

    e

    o susto

    foram

    enormes,

    quando

    aquele

    fantasma

    surgiu.

    Novamentelevadoao lama,narrousualibertao.

    O monge tremeu de fria. - A chave! Com quem est a chave dopoo?

    Amedrontados, os oficiais sentiram claramente que o sadu teriacompanheiros no fundo da cisterna, desta vez. E procuraram a chave,ansiosos. No aparecia. Afinal, um dos presentes fez uma observao

    medrosae, instantesdepois,acompanhandoosolhares,o lamaTashiganglevouamoaocinto,ondeencontrouachave...

    Sundar Singh foi expulso sem maiores violncias e continuou ajornada.Mais tardemanifestou tendnciapara crerqueumanjodeDeusolibertara.Mas sempreinsistiunisto:poucoimportavasaberseolibertaraum amigo secreto do cristianismo - como s vezes surgem alguns noTibete -ououtra criatura.Seu libertador real eraCristo.O agenteque se

    encontravaatrs

    da

    mo

    que

    movera

    achave

    era

    seu

    Mestre.

    Durantealgum tempofoiacompanhadoporumtibetanocomquemfizera amizade.

    Certodiaparticularmentefrioosdoissubiamo trilhodamontanha,soba neve lentaesilenciosa.Friodegelarosossos.Aoitadospeloventomalvolo, mal vestidos, desesperavam de terminar com vida a viagem.margemdo trilho a montanha sedespenhavanumprecipcio escarpado.

    No fundo uma figura escura, como um vulto humano que a nevepintalgasse. O sadu firmou a vista. Um homem! No podia deix-lo ali.Chamou o companheiro, mas este, indignado, voltou-lhe as costas. Mal

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    malandrosendurecidose cnicos.Asestradasda ndiasocomoquaisqueroutras.

    Certavezdirigia-separaumaaldeia,quandodoishomenspassarampor ele, andandodepressa, edesapareceramnuma curva da estrada.Aofazer a mesma curva viu um homem em p, consternadssimo.Aproximou-se e verificou queera um dos que haviam passado por ele.Apontavaumvultocoberto,beira docaminho.Erguendoacapa,osaduviuumafacergidadecadver.

    - Caiu morto aqui, de repente. Ai de mim! Nem uma moeda decobretenho para,paraenterrarmeumaioramigo!SantoHomem,socorre-me!

    Adiantehavia

    uma

    ponte

    eosadu

    recebera

    duas

    moedas

    prata

    para

    pagara licenadeatravess-la.Tomouasmoedaseentregou-asaoinfeliz,com uma palavra de simpatia. Continuou o caminho, mas logo depoisouviurumorde passosnaestrada.Voltou-seedeucomohomem,ofegante,olhos esbugalhadosdepavor.

    -Sadu,omeuamigomorreumesmo!

    Nocompreendeubem.Morreumesmo.Como?

    Eooutroplido,explicouqueeraumvelho costumeque usavamparaenganarosviajantes:cadavezumsefingiademortoeo outro pedia aesmola.Pois desta vez, vendo que o companheiro no seerguia,descobrira-oeoencontraraimvel,semvida.Eacrescentou:

    -Benditossejamosdeuses;noeraaminhavez!

    Estava certo de que o sadu era um grande santo; a divindademataraoseucompanheiroporcastigo.Pediaperdo.Nooamaldioasse,aliestavamas moedas...

    Osaduexpsaoinfelizamensagemevanglica.

    -SantoHomem,queroserteudiscpulo.

    -Mascomosersmeudiscpulo,seeuprpriojosoudeoutro?

    - Mas permite ao menos que eu te acompanhe, Santo Homem.

    Quero

    reformar minha

    vida.

    E

    assim

    o

    acompanhou

    algumas

    semanas.

    Depois Sundar encaminhou-o aosmissionrios de Garhwal, que maistardeobatizaram.

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    AdireodeDeus na vida humana evidencia-se a cada momento,mas raramente toclara comoemvidassemelhantesdosadu,que tudoentregava orientaodivina.Porissomesmo,aprendeuaatribuirtudoaDeus,queo guardava,alimentava,abrigavaelevavaa lugaresondeasuapresenaera necessria.

    Diante dele estendiam-se coleantes dois caminhos, na montanha.Indeciso, tomou qualquer um e continuou a caminhada. Dezessetequilmetros adiante viu uma aldeia. Interrogando um dos moradores,verificouqueestavaerradoeregressouencruzilhada.Antesdelchegarviuquealgumseguiaa mesma trilha,metrosadiante.Eraumhinduquelia,absorto.Toabsortoquesdeupelasuapresena,quandoelequaseoalcanava.Escondeusobressaltadoo livrinho,curvou-sereverentementee

    acelerouopasso

    para

    acompanh-lo.

    Sundar

    Singh

    comeou

    afalar-lhe

    de

    Cristo e imediatamenteele retirou das dobras do vestido o NovoTestamento, com um sorriso aberto.Estava exatamente lendo o livro deCristo, quando o Sadu o alcanou. Tinha pensado que era um Saniasihindu,epor issoocultaraovolume.Masparaser franco,haviaali coisasque no compreendiabem.Por exemplo... e passou amencionar as suasdvidas, que o sadu foi resolvendopacientemente, com os textos doEvangelho.Quandoatingiramocruzamento,o homemdeugraasaDeus,

    queenviaraaqueleSantoHomem,afimdeesclarec-lodassuasdvidas."Eentoeucompreendiomotivoporquehaviaerradoocaminho"-

    comentou o sadu, anos depois - "Cristo enviara-me para auxiliar aquelaalma."

    NodistritodeToriaatingiuumdiaumaaldeiaondeopovonoquisreceb-lo. Era o sadu cristo, e eles nada queriam com cristos. Viu-seforadoapassarasnoitesnuma cavernaprxima. comia frutos silvestres

    e vinha para a praa cantar. Inutilmente. maltratavam-no, e as lnguashindus, particularmente frteis em insultos, se requintavam desutilezasquando ele aparecia. Ao entardecer, um dia, regressoudesalentado. Nem uma alma se abrira para a mensagem do evangelho.Chegou caverna, estendeu a capa e dedicou-se orao. Quando sedeitou, as trevas haviam invadido a floresta e a caverna, trevas toespessas que no conseguia ver a prpriamo. Exausto, adormeceu. A

    madrugadadespertou-o

    com

    adesagradvel impresso

    de

    algo

    quente

    e

    malcheirosonasproximidades.Voltou-se.Umagrandepanteradormiaaoseu lado. Retirou-se precipitadamente e fugiu damata. Passou o dia

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    rosto.Pediaao representantedajustiaquedeixasseempazseuofensor.No fariaqueixa contra ele.Evoltoupraiaparareiniciarapregao.Opolicial pensou alguns segundos, indeciso. Afinal, se o prprioofendidopediaasolturadoculpado,quemalhavianisso?Elargouo agressorque,ressabiado, voltou ao grupo. Ouviu com ateno. Terminada a palestra,

    pediu licenaaosaduparaacompanh-lo.Edurantevriosmesesfoiseucompanheirodedicadoefiel.

    Na ndia, as coisas espirituais dominam o homem desde onascimentoata morte.Opovovivenummundodedeusesesemideusesque se encarnam em vacas, em crocodilos, em outros animais, ouvagueiampeloespao,quandono escolhem homenspara habitao.Desorte que muitos incidentes que a ns pareciam sem importncia,

    assumem,ali,

    propores

    de

    luta

    de

    morte entre

    asforas

    das

    trevas

    eo

    poderdeCristo.Taleraaopiniodosadua respeitodo incidentecomomgico no comboio. No carro sem conforto em que viajava ia umindivduoque sediziamgico.Haviahipnotizadoumdospassageiros, eos demais, embasbacados, ouviam assuas frioleiras como se fossemprolasdesabedoria.

    O sadu interps-se, para desmenti-lo, e o mago, imediatamente,ameaoudomin-lo tambm.SundarSingh inclinouacabeaecomeouaorar, enquantoo outro iniciava o trabalho. Durante meia hora labutou eafinal, suado e exausto, disse que nada podia fazer por causa doencantamentodolivrinho queosadutraziaconsigo.Calmamente,SundarSingh retirou o NovoTestamento e colocou-o no banco. Outra tentativafalhada, nova explicao: havia ainda em poder do Santo Homem umapginadolivrinho.Defato,havendoencontradonocaminhoumapginacadadoEvangelho,SundarSingha apanharaeguardara.Retirouafolha

    e colocou-ajunto ao livro. Nova tentativa, novo fracasso. Era a capa dosadu que tornava impossvelhipnotiz-lo. Sundar tirou a capa. Afinal,ofegante,ohomem confessouqueno conseguiahipnotizar aqueleSantoHomem.Haviana suapessoauma fora misteriosa,maiorque adele.Eento o sadu explicou ao mago e aos companheiros de viagem querealmentetinhaumpoderinvencvel-nodele,masdoseuGuru,queera

    JesusCristo.E, enquantoocomboioresfolegavanasencostas,contou-lhesalgunsincidentesdamaravilhosavidadeseuGuru.

    No decurso de suas viagens afrontou muitas vezes as ordens detiranetes dos principados do Norte, que proibiam terminantemente a

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    pregao de qualquer religio estrangeira em seu territrio. Entre essesestooButo,oNepaleominsculoSiquim,todosnaorladoTibete.

    Penetrando no Nepal, dirigiu-se para Ilom, no muito longe dafronteira.Logoqueiniciouapregaonacidade,umdosnaturaisdaterraadvertiu-o,emvoz baixa,de que omelhor seria voltarpara a ndia, emlugar de seexpor morte ali. Continuou. Mas no por muito tempo.Poucas horas depois, quando pregava na rua, uma escolta prendeu-o elevou-o, aos trancos,para a cadeia local,ondeoatiraramparaomeiodeassassinos e ladresprofissionais. Contemplando os mal-encaradoscompanheiros, Sundar Singh encheu-sedepiedade. Inicioupalestra comeles e logo ouviram, profundamente atentos. Anoiteceu. Um delesprovidenciouum cantoondeele dormisse empaz.O saduabriuoNovo

    Testamentoeanotou,

    na

    primeira pgina:

    "Nepal,

    7de

    junho

    de

    1914.

    A

    presenadeCristotransformoua minhaprisonumcuabenoado:comonohdeseroprpriocu?"

    No dia seguinte, a palestra com os criminosos continuou. Nodemoroumuitoe um deles declarou que quando sassedalinuncamaisreincidirianos velhos vcios. Seria cristo, como o saduji.Os carcereiros,abismados, foram relatar aos oficiais o que se passava e veio ordem deretirarosaducristoda cadeia e lev-loao tronco,napraa.Mosepspresos,em posioforadaeincmoda,despido,passoualiodiaeanoite.Colocaramsanguessugasnoseucorpo,para lheabsorverem lentamenteavida, num suplcio diablico. At a morte conservou cicatrizes destetormento.AsmarcasdoSenhorJesus.Em torno,umamultido selvagemfugidadaspginas daHistriaMedievalgritavaeinsultava.Quandoodiaseguinteraiou,vieramos coveirosencarregadosde sepult-lo.Pasmados,verificaramqueosaducristonosestavavivo,masconservavanorosto

    umaexpresso inalteradadecalmaquefaziapensarnamaistranqiladasnoites. "Nosei porque,mas tinhaocorao tocheiodealegriaquenopodia abster-me de cantar e pregar". Soltaram-no, maravilhados. Fracopela perda de sangue e pelo sofrimento, caiu inconsciente, e ali odeixaram. Mas residiam no lugar cristos da Misso Saniasi, os quaisserviamaDeusocultamente.Esses irmosvierambusc-lo,carregaram-noatsuacasaecuidaramdele.

    Nosanos

    duros,

    mas

    abenoados,

    aprofundou-se

    avida

    espiritual

    do sadu. As longas horas de prece transformavam-se, muitas vezes,inexplicvele insensivelmente,emhorasdextaseeviso.Nosmomentosdedoruma estranhaalegriaodominava,alegriaquaseeufrica,irresistvel

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    e dulcssima. Sofrer por Cristo era, para ele, aps as primeiras lutas emque chegaraaduvidarqueDeusoguardasse,umafelicidade.

    CAPTULO 11

    OSUL

    Quando foi convidado para pregar em Madrasta, havia treze anosque Sundar Singh se consagrara vidade sadu cristo.Completamenteembebido na meditao e no trabalho que escolhera, no lhe sobraratempo algum nem interesse para verificar at que ponto a pessoa tinhaimpressionado a Igreja. Desceu do Punjab inconsciente daquilo que oaguardava.

    Havia no sul da ndia comunidades crists mais antigas e maisnumerosas que as do Norte. As igrejas srias da plancie de Travancoreafirmavam estaremsuas razes nos dias apostlicos quando - dizia atradio - Tom as estabelecera. O pregador das aldeias e casinholas

    isoladas,ondeareuniodetrintapessoasconstituafatodignoderegistro- como se deu emKieland - ia entrar em contato com as igrejas dasmultides.

    Os cristos do Sulj tinham notcias de sua pessoa, trazida pormissionriosqueo estimavam,porpastoresnacionais eporcristosseusconhecidos.Foirecebidocomentusiasmoeapsasprimeirasconfernciase consultas seu prestgio cresceu vertiginosamente. Os convites surgiam

    em escala crescente e o que ele imaginara ser rpida viagem para umasrie de conferncias transformou-se em trabalho exaustivo, de vriassemanas consecutivas.

    Trabalhador incansvel, geralmente pregava duas vezes ao dia: demanh e noite.No intervalodaspregaes recebiavisitas -dezenasdepessoasquese acotovelavamnos corredoresdohotel,desejosasdeexporproblemase pediroraes.Chegouatendermaisde100pessoaspordia.

    Os auditrioscresciam sempre. Nos templos no havia lugar, e vinhamacentar-sepessoas atnaplataformadoplpito.Depoisopovocomeouachegarmaiscedoeafinalverificou-sequevinhams trshorasda tarde,

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    para a reunio dasseis. Terminada a conferncia da noite, tomava ocomboio, o barco, o autocarro e dirigia-se a outro ponto,para atender anovoconvite.Em cidadesondehaviaescolasmissionrias, faziapalestrasespeciaisparaos alunos,almdasconfernciaspblicas.

    Embora viajasse sem uma moeda no bolso, e no pertencesse anenhuma organizaoeclesistica,jamaislhefaltaramrecursos.

    Em Travancore esteve na reunio anual de estudo bblico, quegeralmente congregava cerca de vinte mil fiis. Quando se ergueu parafalar,voltaram-separa aplataforma 32.000pessoas -ummarde cabeasatentase respeitosas.

    Em maio - corria o ano de 1918 - passou a Colombo, onde

    permaneceudurante seis

    semanas.

    Os

    jornais

    noticiaram

    amplamente

    seu

    trabalho.Devoltaaocontinente,ainfluenzaapanhou-oemCalcut."Coma doena, Deus me deu descanso e tempo para orar, o que no forapossvel fazer no Sul". Curado, foi a Bolpur, em visita a RabindranathTagore,comquem passoualgunsdias.

    Masnopodiademorar-se:esperavam-nonaBirmnia.Visitoutodasas grandes cidadesdessepas.EmPenangdeu-seum fatonico:quandoterminou uma conferncia especialmente dirigida aos siks, um dospresenteslevantou-see convidou-oparapregarnaGurdvara local.Nessamesma cidade,apsouvi-lo,o chefedepolciadeu tolernciadepontoatodos os subordinados para que pudessem tambm escutar a suamensagem.

    Do Estreito subiu China. Da China passou aoJapo. At aqui osadu era uma figura singular bem conhecida nas estradasdoNorte,nasaldeias da fronteira e no restrito crculo cristo do Punjab, onde a sua

    pessoa eragrandemente estimada.Repentina e inesperadamente adquiriaprojeo mundiale seu vulto comeava a chamar a ateno curiosa daIgrejaOcidental.

    A personalidade formada naqueles treze anos de servio intensofalava Igreja. E a Igreja imediatamente compreendeu que diante delaestavaum homemdeDeus.UmhomemcomamensagemdeDeus.

    Diasperigosos.Comoobservavaumdeseusbigrafos,rarasvezesaperseguio do mundo to prejudicial ao servo de Deus como aadulaoda Igreja.Houvemesmoquemtemessetantapopularidadeparapregador to jovem.Maso sadupermaneceuomesmohomemmodesto,

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    cujavida se centralizavanomestre.EmCeilo estava morteo filhodeumcrente.Os mdicoshaviam-nodesenganado.Amepediuaosaduquelheimpusesseas moseorasse.

    - "As minhas mos no tem poder" - respondeu. - "Somente opossuemasmos feridasdeCristo".

    Mas a mulher insistiu e ele concordou em ir ao hospital, ondecolocou as mos sobre a cabea da criana e orou. Trs dias depois omenino estava no recinto das conferncias em companhia da me,completamentecurado.

    "Percebi que, embora eu repetisse que quem curara fora Cristo, opovo comeava a considerar-me um milagreiro; conclu que no devia

    fazeristo novamente

    porque

    encorajaria

    asuperstio

    edesviaria

    aateno

    do Evangelhoqueeupregava".

    Foi sempre esta sua atitude. Quando, numa sala algum o tratavacom a considerao que sedispensa a seres excepcionais, ele se retirava,aborrecido.Disse certavezquenopodia tolerar taisnscios.Equando,mais tarde,emCopenhagem,umadamadaaltanobreza lhepediuqueaabenoasse,respondeu-lhe:

    - "No mereo abenoar algum com estas mos que jdespedaaramasEscrituras.AsmosdeCristoqueabenoam".

    Pregavabem.Altoesimptico,asuafiguraempolgavade imediatooauditrio, quando se erguia tranquilamente, com o Novo Testamentonasmos.Edesdeomomentoemqueiniciavaapregaoataocasioemque se sentava, a assistncia permanecia dominada pela mensagem. Togrande era o seu magnetismo pessoal que, quando certa vez, cansado,

    pronunciouoperodo final

    do

    discurso

    eimediatamente

    sesentou,

    deixou

    apenaso intrpreteperantea assistncia,umbulcio inquietopercorreuasala e no foipossvel manter a ateno do povo. Desde ento, semprepermaneceudepatqueointrpretepronunciassealtimapalavra.

    A necessidade de ser acompanhado por intrprete tornava-seexaustiva,especialmenteparaele,porque,emborafalassecommoderao,era homem de temperamento fogoso, apaixonado, a quem era difcilinterromper-se, reiniciar mais tarde, interromper-se novamente, como secaminhasseaos saltos,comaspernasamarradas. Impacientava-sequandoo intrprete dava longas explicaes em torno das suas frases, havendocertavezpedidoaumdelesquetraduzissesimplesmenteoqueeledizia.

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    Nunca dava pregao evanglica tom polmico, emboraconhecesse os livros sagrados e os costumes das religies hindus, queanalisacomfirmezanumdosseuslivros.

    Homem em quem a imaginao predominava, partia sempre dailustrao para o enunciado da verdade, dando-a como prova desde omomentoemqueestivesse convenientementeexemplificada.Quemhojelas suas parbolas, compreende imediatamente estar em contato comummsticoquefoitambmfinoe sensvelpoeta.

    No costumava escrever sermes. Orava longamente e durante aorao vinham-lhe mente o texto, o assunto, odesenvolvimento. "Nome sento para escrever os meus sermes. Quando oro, recebo o texto, oassunto,as ilustraes.Opregadordeve receber amensagemdoprprio

    Deus. Se for busc-la aos livros no estar pregando o seu prprioEvangelho: pregar o Evangelho alheio. Senta-se em ovos de outrem echoca-os,pensandoqueso seus..."

    Nem sempre levava para o plpito um assunto determinado, masnunca pregava sem longa meditao e sem ter em mente um grupo deidias para o momento, dentre as quais escolheria aquelas que lheparecessemmaisadequadasao auditrio,cujareaodeterminavaemboa

    parteorumoquedavaprdica.O contato ntimo e contnuo com a natureza fornecia-lhe figuras e

    parbolas que eram a principal caracterstica das suas palestras,juntamente com os vrios e sempre interessantes episdios da sua vidaerrante.

    Davaorao,emconexocomaprdica,excepcional importncia.Emcerta convenohospedou-secomunsmissionriosnomesmoquarto.

    De madrugada um deles acordou e viu-o de joelhos, orando. NaInglaterra ao terdiantede sireuniode grande importncia, fezquestode levar o fato ao conhecimento dos amigos na ndia, a fim de queorassemporele.

    Nesse tempo no possua grande cultura. Mas os livros a que sededicara,como"A ImitaodeCristo"e"VidadeSoFranciscodeAssis",haviam sido bem aproveitados. A Bblia era-lhe familiar e tambm os

    livros religiososda ndia. Como todo o seu interesse era religioso, nosentia necessidade de ampliar o crculo de suas leituras, emboraaconselhasseosjovensafazeremcursoseacultivaremamente.Contudo,

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    seentendermospor cultura,nooacumulodenoes,masa capacidadede observar o mundo, compreendero homem, ter perante o universoatitudedefinidae certa, resultantede interpretaopessoalda realidade,entoosadueraumhomemculto.Palestroucommuitossbios.Homensdeculturafilosfica,cientficaouartsticaouviram-nopregar.NaHolanda

    reuniram-se certa vez duzentos homens; a elite cultural de Haia, paraouvi-lo: estadistas, professores, financistas e governantes; em Estocolmohospedou-o oprncipeOscar, irmo do rei;na catedraldeUpsala teveoarcebispo como intrprete, e nuncaqualquer desses homens saiu da suapresenacomaimpressodequelhe falaraumignorante.

    Quando regressou s montanhas amadasdoPunjab,o sadu estavaexausto.Aguardava-o,porm,notciaexcitante:SherSinghconvertera-se.

    Estranhoaperto

    de

    corao

    sentiu