Boas práticas de regulamentação

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BOAS PRÁTICAS DE REGULAMENTAÇÃO Guilherme A.Witte Cruz Machado* Ao longo dos tempos, os governos nacionais têm utilizado a regulação econômica e social como um poderoso mecanismo para atingir o bem público. Historicamente, a criação de empresas estatais nos diversos países do mundo foi o principal modo de regulação econômica e social. As origens das primeiras empresas estatais remontam ao século XVII. No entanto, seu uso como um instrumento regulador, de fato ocorreu, no século XIX com o fornecimento de eletricidade, água e gás; o desenvolvimento das estradas de ferro, do telégrafo e do telefone. Em teoria, a criação das estatais nesses segmentos deu ao Estado o poder de impor uma estrutura planificada na economia, permitindo proteger o interesse público. A idéia era que os padrões de qualidade e preço poderiam ser melhor geridos pelas empresas estatais. A partir da década de 90, uma série de fatores político-econômicos ocorridos no mundo impulsionou a redefinição do papel Estado, que deixou de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social para se tornar seu promotor e regulador. A desestatização e a concessão dos setores de energia, telecomunicações, transportes públicos, entre outros, para agentes econômicos privados (em vários países) e a criação de uma nova figura na administração pública – as agências reguladoras – são exemplos desses fatores. No campo econômico, a publicação (1994) do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (Agreement on Technical Barriers to Trade – TBT) e do Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Sanitary and Phytosanitary Agreement – SPS) impactou diretamente a forma de regulação de bens dos países signatários dos Acordos citados. ____________________________________________________________________________________ *Sócio Executivo da SEXTANTE Ltda. Atuou no Projeto de Divulgação e Implementação do Guia Brasileiro de Boas Práticas de Regulamentação – Comitê Brasileiro de Regulamentação – Conmetro.

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BOASPRÁTICASDEREGULAMENTAÇÃO

GuilhermeA.WitteCruzMachado*

Ao longo dos tempos, os governos nacionais têm utilizado a regulação econômica e

social como um poderoso mecanismo para atingir o bem público.

Historicamente, a criação de empresas estatais nos diversos países do mundo foi o

principal modo de regulação econômica e social. As origens das primeiras empresas

estatais remontam ao século XVII. No entanto, seu uso como um instrumento

regulador, de fato ocorreu, no século XIX com o fornecimento de eletricidade, água e

gás; o desenvolvimento das estradas de ferro, do telégrafo e do telefone.

Em teoria, a criação das estatais nesses segmentos deu ao Estado o poder de impor

uma estrutura planificada na economia, permitindo proteger o interesse público. A

idéia era que os padrões de qualidade e preço poderiam ser melhor geridos pelas

empresas estatais.

A partir da década de 90, uma série de fatores político-econômicos ocorridos no

mundo impulsionou a redefinição do papel Estado, que deixou de ser o responsável

direto pelo desenvolvimento econômico e social para se tornar seu promotor e

regulador.

A desestatização e a concessão dos setores de energia, telecomunicações,

transportes públicos, entre outros, para agentes econômicos privados (em vários

países) e a criação de uma nova figura na administração pública – as agências

reguladoras – são exemplos desses fatores.

No campo econômico, a publicação (1994) do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao

Comércio (Agreement on Technical Barriers to Trade – TBT) e do Acordo sobre

Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Sanitary and Phytosanitary Agreement – SPS)

impactou diretamente a forma de regulação de bens dos países signatários dos

Acordos citados. ____________________________________________________________________________________ *Sócio Executivo da SEXTANTE Ltda. Atuou no Projeto de Divulgação e Implementação do GuiaBrasileirodeBoasPráticasdeRegulamentação–ComitêBrasileirodeRegulamentação–Conmetro.

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Nesta perspectiva, a modernização das funções de regulação, particularmente no

âmbito da administração pública federal dos governos, tem gerado (ao longo da última

década) uma ampla agenda de reforma regulatória internacional.

Em sua totalidade, essas reformas regulatórias pretendem garantir a qualidade das

novas regulações (e das existentes) através do emprego de um conjunto diferente de

instrumentos regulatórios (econômicos, sociais, técnicos e administrativos) pelo qual

os governos fazem exigências aos setores econômicos e aos cidadãos (ou seja, à

sociedade em geral).

A regulação, por princípio, é uma importante ferramenta para preservar e promover o

interesse público e cumprir com os objetivos legítimos do Estado, que estão

relacionados com os aspectos da saúde, segurança, concorrência justa, proteção do

consumidor, do patrimônio e do meio ambiente, dentre outros.

A regulação é, portanto, uma intervenção do Estado no funcionamento da sociedade

ou da economia e se dá quando a ausência de intervenção pode resultar em prejuízos

ou danos, ou pode comprometer o alcance dos objetivos legítimos. Assim, a regulação

tem um objetivo definido: evitar – ou corrigir – um potencial – real – problema.

Para atingir o objetivo desejado, o Estado pode recorrer a uma diversidade de ações,

dentre as quais uma das possibilidades é o estabelecimento de regulamentos técnicos.

Os regulamentos técnicos podem ser definidos como documentos de caráter

obrigatório, emitidos por uma autoridade com mandato para tal, que estabelecem

requisitos para produtos, serviços, bens, processos, competências de pessoas ou

seus resultados. Podem incluir prescrições acerca dos métodos e processos de

produção, fornecimento ou prestação ou ainda aspectos relacionados com os produtos,

serviços, processos, bens, ou competências de pessoas, como terminologia,

rotulagem, procedimentos para verificar ou demonstrar a conformidade, etc.

A regulamentação técnica pode ser a única maneira eficaz de se alcançar os objetivos

pretendidos. Isto é particularmente verdade quando estão em jogo riscos significativos

para a saúde, a segurança e o meio ambiente.

Todavia, uma regulamentação mal concebida e pouco ponderada pode revelar-se

excessiva e ultrapassar o estritamente necessário. Certas regras podem ser

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demasiado complexas, desnecessariamente onerosas ou contraproducentes,

prejudicando as empresas, o próprio poder público e os cidadãos em geral.

Por outro lado, a regulamentação pode tornar-se rapidamente obsoleta: a rápida

evolução da tecnologia, os mercados globais abertos e em expansão e o acesso

crescente à informação obrigam a uma revisão e atualização constantes da

regulamentação para que esta possa acompanhar o ritmo de um mundo em

permanente mutação.

Assim, a regulamentação técnica não deve ser mais restritiva do que o necessário

para se alcançar os objetivos pretendidos e devem se envidar todos os esforços para

que seja eficiente e eficaz no alcance desses objetivos.

Face ao contexto acima, diversos países (inclusive o Brasil) estabeleceram guias e

códigos de boas práticas de regulamentação. De uma forma geral, esses documentos

observam o seguinte roteiro para a construção de um regulamento técnico:

• estabelecimento dos objetivos a alcançar;

• avaliação do impacto da regulamentação;

• avaliação da relação com a legislação existente, inclusive acordos

internacionais, multilaterais ou bilaterais de que o país seja signatário;

• projeto básico de elaboração do regulamento;

• notificação, consulta e audiência públicas.

Em especial, vale ressaltar dois pontos cruciais em todos os guias de boas práticas de

regulamentação: a avaliação do impacto da regulamentação e a participação das

partes interessadas.

A avaliação do impacto da regulamentação nas dimensões econômica, social e

ambiental é uma prática recomendada, com o objetivo de proporcionar à sociedade

uma boa regulamentação. Espera-se que o poder público responsável pela

regulamentação possa confirmar que analisou criticamente os impactos da

regulamentação, assegurando que os impactos positivos superam os negativos, sejam

econômicos, ambientais ou sociais, decorrentes da implementação da regulamentação.

Ressalta-se que uma das possíveis conclusões da avaliação do impacto da

regulamentação pode ser a recomendação de não regulamentar segundo a proposta

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analisada, sendo necessária conceber uma nova proposta de regulamento técnico que

seja aceitável do ponto de vista da análise.

A participação das partes interessadas, por sua vez, deve garantir que as discussões

desde as etapas iniciais do processo, seja visando a sua efetiva contribuição na

elaboração da regulamentação, seja para consolidar apoio, seja para legitimar a sua

adoção tenham a participação efetiva de especialistas técnicos e personalidades

formadoras de opinião, dos diversos órgãos governamentais e do meio acadêmico, de

associações empresariais e profissionais, de organizações de consumidores,

trabalhadores e ambientais, de entidades e órgãos de fomento e outras de interesse

social.

Em resumo, a implementação efetiva das boas práticas de regulamentação é um dos

principais desafios dos governos nacionais na modernização do Estado, sendo um

efetivo mecanismo de inovação, desenvolvimento tecnológico, econômico e social dos

países desenvolvidos e em desenvolvimento.

BIBLIOGRAFIAMAJONE,Giandomenico.AvataresdelareformaregulatoriaenlaUniónEuropea.InPolíticadigital.Nexos.México:Novembro,2003.FARIAS, Pedro. Desempenho, transparência e regulação: o mito das incompatibilidadescongênitas. IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de laAdministraciónPública.Espanha:Novembro,2004.Legislarmelhor:umaexplicaçãosimplesdesta iniciativa.ComissãoEuropéia.Luxemburgo:2006.Resolução no. 5/2007 – Guia de Boas Práticas de Regulamentação. ConselhoNacional deMetrologia,NormalizaçãoeQualidadeIndustrial–Conmetro.Brasil:Dezembro,2007.BRESSER‐PEREIRA, Luiz Carlos – O modelo estrutural de gerência pública. Revista deAdministraçãoPública–FundaçãoGetúlioVargas.Brasil:Março/Abril,2008.WEGRICH,Kai.RegulaçãoModernaemDiscussão–Umestudoliterário.Alemanha:Junho,2008.