BOLETIM DO INSTITUTO DA MEMÓRIA DO POVO CEAftENSE - … · baragem Castanhão venha a ser...

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•••"'•' ' ' ' mmm CP v BOLETIM DO INSTITUTO DA MEMÓRIA DO POVO CEAftENSE - IMOPEC - ANO 2 - N g 07 - JUUSET. 1993 Parteiros da nova história ano de 1993 está no seu sétimo . mês e os brasileiros passaram dos J sobressaltosdogovemoColloraos : sustos e atropelos da transição de Itamar. Não como esquecer ou mas- carar a dura realidade: o povo sofre e 32 milhões vivem na miséria. Até o mo- mento, as trocas constantes de Ministros não enfrentaram tal situação. No Ceará, temos 757 mil e 100 famí- lias na mais absoluta pobreza, dado estarrecedor sobretudo se somarmos a ele a falta de assistência médica, o de- semprego que o provoca e a sede que mata e enlouquece. Em maio passado, o Deputado Eudoro Santana divulgou os dados rela- tivos à dívida externa brasileira ao final de cada governo. Reproduzimos a infoi^ mação nesta oportunidade: "1964/67- General Castelo Branco - 3,4 bilhões de dólares; 1967/69 - General Costa e Silva - 4,4 bilhões de dólares; 1969/74 - Gene- ral Mediei-17,2 bilhões de dólares; 1974/ 79 - General Geisel - 49,9 bilhões de dólares; 1979/84 - General Figueiredo - 100,0 bilhões de dólares; 1985/90 - José Samey - 120,0 bilhões de dólares". Não como desvincular a enorme dívida externa brasileira da situação de miséria absoluta dos nove milhões de famílias do País. E como afirma o Depu- tado, impossível acreditar num plano de combate à fome e à miséria, sem pensar a questão da dívida externa, sem incluir como base fundamental a refor- ma agrária (...)". Como aplacar a fome sem um programa persistente de produ- ção de alimentos, sem geração de em- prego e renda e sem uma distribuição justa da água? O semi-árido necessita de água e a açudagem e irrigação são prioritários. Estas são verdades elemen- tares que a sociedade não ignora e o homem do cam- po reivindica a nos, assim como não se desconhe- ce a existência da in- dústria da seca no Nor deste todo, mes- mo que o gover- nador do Estado teime em negar. Indústria cri- minosa que ali- menta políticos corrup- tos, manipula consci- ências, acorrenta o cidadão e mata de fome e de sede. Por isso, louva- mos a iniciativa da CPI que iria investigar a tão propalada indús- tria da seca e repudi- amos a sua morte ain- da no nascedouro. A desistência dos seis Deputados, que à última hora retiraram os seus nomes do documento que solici- tava a instalação da CPI é mais um grave ros atentado contra os direitos humanos no Ceará. A CPI da Seca, solicitada em boa hora pelo Deputado Inácio Arruda, se levada a efeito com seriedade, certamente des- nudaria um vício secular e vincularia muitas instituições fantasmas (as "fun- dações" de Deputados, por exem- plo) ao mencionado fato. Mas a sociedade civil organizada pode desvendar muita coisa. Inúme- segmentos sociais se ^f transformam em atores e começam a construir uma nova his- tória, criticando, cobrando soluções e principalmente, ensaiando a formulação de alternativas. Aqueles que são considerados exclu- ídos do processo histó- rico, os marginalizados vítimas da dívida ex- terna e da eterna in- dústria da seca, estão mais atuantes do que se pensa. Deles vem uma dose de esperança num mundo novo. Como afii^ ma Luiz Alberto Gómez de Souza, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, "os parteiros da nova história podem vir dos lugares mais inesperados e surpre- endentes". A LUTA PELA TERRA NO CEARÁ - Págs. 4 - 5 - 6 - 7 e suplemento

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BOLETIM DO INSTITUTO DA MEMÓRIA DO POVO CEAftENSE - IMOPEC - ANO 2 - Ng 07 - JUUSET. 1993

Parteiros da nova história ano de 1993 já está no seu sétimo

. mês e os brasileiros passaram dos J sobressaltosdogovemoColloraos

: sustos e atropelos da transição de Itamar. Não há como esquecer ou mas- carar a dura realidade: o povo sofre e 32 milhões vivem na miséria. Até o mo- mento, as trocas constantes de Ministros não enfrentaram tal situação.

No Ceará, temos 757 mil e 100 famí- lias na mais absoluta pobreza, dado estarrecedor sobretudo se somarmos a ele a falta de assistência médica, o de- semprego que o provoca e a sede que mata e enlouquece.

Em maio passado, o Deputado Eudoro Santana divulgou os dados rela- tivos à dívida externa brasileira ao final de cada governo. Reproduzimos a infoi^ mação nesta oportunidade: "1964/67- General Castelo Branco - 3,4 bilhões de dólares; 1967/69 - General Costa e Silva - 4,4 bilhões de dólares; 1969/74 - Gene- ral Mediei-17,2 bilhões de dólares; 1974/ 79 - General Geisel - 49,9 bilhões de dólares; 1979/84 - General Figueiredo - 100,0 bilhões de dólares; 1985/90 - José Samey - 120,0 bilhões de dólares".

Não há como desvincular a enorme dívida externa brasileira da situação de miséria absoluta dos nove milhões de famílias do País. E como afirma o Depu- tado, "é impossível acreditar num plano de combate à fome e à miséria, sem pensar a questão da dívida externa, sem

incluir como base fundamental a refor- ma agrária (...)". Como aplacar a fome sem um programa persistente de produ- ção de alimentos, sem geração de em- prego e renda e sem uma distribuição justa da água? O semi-árido necessita de água e a açudagem e irrigação são prioritários. Estas são verdades elemen- tares que a sociedade não ignora e o homem do cam- po reivindica há a nos, assim como não se desconhe- ce a existência da in- dústria da seca no Nor deste todo, mes- mo que o gover- nador do Estado teime em negar.

Indústria cri- minosa que ali- menta políticos corrup- tos, manipula consci- ências, acorrenta o cidadão e mata de fome e de sede. Por isso, louva- mos a iniciativa da CPI que iria investigar a tão propalada indús- tria da seca e repudi- amos a sua morte ain- da no nascedouro. A desistência dos seis Deputados, que à última hora retiraram os seus nomes do documento que solici- tava a instalação da CPI é mais um grave

ros

atentado contra os direitos humanos no Ceará.

A CPI da Seca, solicitada em boa hora pelo Deputado Inácio Arruda, se levada a efeito com seriedade, certamente des- nudaria um vício secular e vincularia

muitas instituições fantasmas (as "fun- dações" de Deputados, por exem-

plo) ao mencionado fato. Mas a sociedade civil organizada pode desvendar muita coisa. Inúme-

segmentos sociais se ^f transformam em

atores e começam a construir uma nova his-

tória, criticando, cobrando soluções e principalmente,

ensaiando a formulação de alternativas. Aqueles que

são considerados exclu- ídos do processo histó- rico, os marginalizados vítimas da dívida ex- terna e da eterna in- dústria da seca, estão mais atuantes do que

se pensa. Deles vem uma dose de esperança num

mundo novo. Como afii^ ma Luiz Alberto Gómez de Souza, professor da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, "os parteiros da nova história podem vir dos lugares mais inesperados e surpre- endentes".

A LUTA PELA TERRA NO CEARÁ - Págs. 4 - 5 - 6 - 7 e suplemento

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KAIZE5 ^íííí-^ííííííííííííííxow

NA TENDA COM OS ÍNDIOS DO CEARÁ O dia 05 de junho foi o Dia do Meio Ambiente. No Parque Ecológicodo Cocô foram montadas diversas tendas para a realização de atividades recreativas, ar- tísticas e culturais. OIMOPEC, a Missão Tremembé e o Instituto Ambiental orga- nizaram a tenda cultural, expondo aos visitantes (crianças, adolescentes e adul- tos) fotografias, notícias da imprensa, livros e artesanato indígena. O material exposto pelo IMOPEC refe- ria-se ao município de Jaguaribara e à construção do Castanhão: fotos de Beth Guabiraba e o boletim RAÍZES ficaram expostos por toda a manhã. Numa tenda ao lado foram exibidos os vídeos que narram a luta da população de Jaguaribara, que está completando em agosto oito anos.

COMISSÃO DO MEIO AMBIENTE RECEBE PROPOSTAS DEAMBIENTALISTAS É das mais interessantes a iniciativa da Comissão do Meio Ambiente, do Consu- midor e das Minorias da Câmara dos Deputados. Presidida pelo Deputado Marco Penaforte, a Comissão esteve reu- nida com os ONGs ambientalistas e gru- pos empenhados na questão sócio- ambiental dos Estados do Ceará e Piauí, para ouvir relatos e acolher propostas sobre a situação do meio ambiente nes- ses Estados. O Maranhão, que também deveria estar presente, não pode compa- recer. Estiveram reunidos grupos e ins- tituições que trabalham as questões in- dígenas e sócio-ambiental, além de co- missões representativas dos povos indí- genas cearenses, da população de Jaguaribara e dos moradores da Lagoa da Precabura, do município de Eusébio. Entre outros casos destacaram-se:

- as agressões sofridas pela população de Jaguaribara, que será desalojada caso a baragem Castanhão venha a ser construída; - as agressões sofridas pelos que sobrevi- vem da pesca na Lagoa da Precabura, município de Eusébio, que está ameaçada de desaparecer; - a situação dos pescadores artesanais do litoral cearense, agredidos pela especu- lação imobiliária e pelo turismo; - a miséria que atinge os trabalhadores do semi-árido cearense, vítimas da con- centração da terra e da água e que atra- vessam uma das maiores secas dos últi- mos anos; - a luta dos índios Tremembé e Tapeba, pela demarcação de suas terras e dos Genipapo-Canindé-Pitaguary, pelo seu reconhecimento como povos indígenas. Inúmeras propostas foram encaminha- das à Comissão contemplando os casos apresentados. No dia 14 de julho haverá uma reunião do fórum de entidades ambientalistas, às 19 h., no ESPLAR e no dia 07 de agosto, às 9 h., em local ainda a combinar, o Deputado Penaforte esta- rá reunido novamente com essas insti- tuições e movimentos para prosseguir as discussões iniciadas em momento tão oportuno.

CASA BORIS É OBJETO DE TESE A professora Denise Monteiro Takeya, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, atendeu a um convite do IMOPEC e do Departamento de História da UFC para apresentar sua tese de dou- torado sobre o capital comercial e a im- portância da Casa Boris no Ceará do séculoXIX. Denisecompareceu à Sala do Mestrado de Sociologia no dia 28 de maio passado, tendo atraído um público interessado na discussão do tema. Infor- mamos que a tese, cujo título é "Europa, França e Ceará: a Expansão Comercial Francesa no Brasil e as Casas Comerci- ais" deverá ser publicada pela USP, onde foi apresentada a sua defesa.

TRIBUNAL DA ÁGUA CONDENA LICENÇA DE INSTALAÇÃO DO CASTANHÃO Conforme foi anunciado, aconteceu em Florianópolis-SC, o Tribunal da Água, que julgou oito casos de poluição e mau uso dos recursos hídricos no Brasil. O Tribunal foi aberto no dia 25 de abril, com uma sessão solene que contou com a presença do Prefeito de Florianópolis, do Reitor da Universidade Federal de Sta. Catarina e outras autoridades. Um dos casos julgados foi o da barragem CASTANHÃO, no dia 28 de abril. Entre os jurados estavam os maiores nomes que tratam de Direito Ambiental no Bra- sil, como o Dr. Paulo Affonso Leme Ma- chado, autor de várias obras sobre meio ambiente e que foi o relator do caso CASTANHÃO. O IMOPEC compareceu ao julgamento na pessoa de sua Presidente. A comuni- dade de Jaguaribara foi representada por Jesus Jeso e pela Irmã Bemadete Neves. O Dr. Cássio Borges foi ouvido durante a sessão na qualidade de perito. O DNOCS se fez representar pelo técni- co Joaquim Gondim, que apresentou a defesa do órgão, tendo comparecido na qualidade de perito o engenheiro Hypérides Macedo. O advogado João Alfredo Telles Melo, que apresentou a acusação, discorreu sobre os impactos negativos da obra, defendendo a proposta do engenheiro Cássio Borges, de dez ou doze barragens de porte médio na bacia do Jaguaribe, solução que reduz os impactos sócio- ambientais e evita a inundação de Jaguaribara. O IMOPEC divulgou as principais peças do julgamento no boletim RAÍZES-Ex- tra. O significado do Tribunal da Água foi de grande valia. Apesar de o Tribunal não ter caráter judicial, a repercussão do fato atesta sua importância.

QUEM FAZ O IMOPEC Sócios fundadores e membros da Diretoria CÉLIA GUABIRABA - Presidente; FÁTIMA GUABIRABA - Secretária; JACQUELINE ESMERALDO - Tesoureira. Conselho de Contas: OCÉLIO TEI- XEIRA DE SOUZA; MARIA LÚCIA TAVE1RA. Conselho Consultivo: ANTÔNIO JOSÉ CUNHA DA SILVA; ALBANIZA NUNES PEREIRA; MARCE- LINO SIVINSKI. Sócios Colaboradores: FRANCISCA MALVINIER MACEDO; FERNANDO MONTE; EURÍDICE BESSA; MARIA IVONE FORTE PI- NHEIRO; JOANA ANGÉLICA DA COSTA; JOSÉ AUGUSTO GUABIRABA; MARIA DO CARMO RIBEIRO COSTA; MARIA AUGUSTA CUNHA MONTEIRO; MARIA JOSÉ TABOSA E SILVA; NAÍLA MONTE; MARIA DO SOCORRO VIEIRA ABRAÃO; TEREZA GUABIRABA; RICARDO CÉ- ZAR SOUZA; LUIZ CARLOS AIRES BARREIRA NANAN; SÉRGIO TAKANARI TAKAOKA; CONSUELO TAKAOKA. - RAÍZES Boletim trimestral do IMOPEC - Julho/Set. 1993 - Ano 2 - N0 07 Instituto de Memória do Povo Cearense - Av. Dom Manuel, 1197 - 60060-091 Fortaleza-CE - Fone (085) 226.1947 - Arte: ALEX RATTS - Composição e Impressão: EXPRESSÃO Gráfica e Editora - 261.8767 - Jornalista Responsável: JARBAS OLIVEIRA - MTB 746.

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RAIZE3 A engrenagem da indústria da seca

O capital comercia! em expansão no século XVI selou a sorte dos povos indí- genas no Brasil. A produção açucareira no Nordeste definiu a paisagem física e humana da região, delimitando a área de cultivo da cana-de-açúcar e da cria- ção de gado. Não havia espaço para o índio, que resistiu bravamente ao esbulho de suas terras e ao esmagamento de sua cultura.

Assiste-se hoje, ao renascimento des- ses povos, que em outro contexto e em outro momento histórico, buscam recu- perar as suas raízes. O discurso do capi- tal financeiro afirma que o Brasil já per- deu a hora de fazer sua grande Reforma Agrária. Para re- tomar o cresci- mento econômi- co que estaria de- fasado em cerca de vinte anos, será necessário voltar a investir, perseguir o fim da sonegação de impostos e anga- riar um mínimo de credibilidade, para que haja atração de capi- tais externos. Competir no mercado externo, exige, entre ou- tras coisas, auto- mação industrial, o que vem acarre- tando desempre- go em massa nos países avançados. Ima- gine-se a situação nos países do Terceiro Mundo!

As regras são ditadas, mais uma vez e sempre, pelos detentores do capital. Além dos povos indígenas, como fica a situação dos milhares de trabalhadores rurais que sempre sobreviveram da la- voura e não estão preparados para en- frentar o mundo da automação? Pela ótica do mundo das finanças, a Reforma Agrária, hoje, é uma fantasia. Não é mais a solução para a questão do emprego e da fome, conforme afirma Gilberto Dupas, ex-presidente da Caixa Econô- mica Estadual de S. Paulo. Insistimos na indagação: como serão tratados os enor- mes bolsões de pobreza? Onde será pro- duzido o alimento para os 32 milhões de brasileiros famintos?

A acreditar nas providências que vêm sendo tomadas para botar a casa em ordem e recuperar a tal credibilidade.

FAZENDA SÃO JOAQUIM Primeiros dias da Ocupação em 1989.

provocou um certo alento a notícia divulgada na imprensa acerca da pri- meira lista de sonegadores da Receita Federal. Vinte empresas cearenses cons- tam da lista. Até o dia 24 de junho do corrente ano foram apresentadas, em todo o País, 67 empresas e 36 pessoas físicas que deram calote na Receita. O destaque alcançado pelo Ceará - triste destaque! - no submundo dá sonegação merece um pouco da nossa atenção, so- bretudo se observarmos duas das em- presas que compõem a lista da Receita: a SIRAC - Serviço Integrado de Assesso- ria e Consultoria Ltda. e a AGU ASOLOS Consultora de Engenharia Ltda.

A AGUASOLOS apressou-se em di- vulgar nota paga desmentindo a

* | acusação. Quanto ' S à SIRAC, o silên-

cio é eloqüente. A importância das

t empresas citadas reside no fato de ambas estarem en- volvidas com a construção da bar- r a g e m CASTANHÃO. A primeira é autora do Relatório de Im- pacto Ambiental - RIMA da obra mencionada e a se- gunda tem ganho inúmeras concor-

rências no DNOCS, tendo o seu diretor, Dr. Hypérides Macedo, comparecido ao Tribunal da Água, realizado em abril passado, em Florianópolis, para teste- munhar na qualidade de perito, a favor do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas.

A imprensa cearense limitou-se a re- f>roduzir o noticiário do Sul do País e a ista dos sonegadores em letra miúda

sem comentários. No momento em que o DNOCS está sendo acusado de mal- versação dos recursos públicos, de per- furar poços em propriedades particula- res (78, em 1992 e 12, em 1993), não resta dúvida de que o amesquinhamento da questão por vários deputados e senado- res e pela imprensa local, levanta a sus- peita de uma conivência escandalosa e ampla.

O prolongamento da seca, a fome dos deserdados e a ameaça de colapso de água em Fortaleza obrigam a analisar os

fatos e a fazer as conexões possíveis. Há muito tempo que se fala da seca e de suas maiores vítimas. Há muito o Governo vem prometendo o que não está dispos- to a cumprir. A Igreja entrou no debate e estimulou ações para o enfrentamento da situação de penúria dos agricultores sem terra no Ceará. Foram realizados dois Seminários Sobre o Homem e a Seca no Nordeste, por iniciativa da Igreja, para discussão da problemática: o pri- meiro, em 1982 e o segundo, em 1991. Um salto foi dado ao se reconhecer, em 1982, que a pobreza do Nordeste não é apenas fruto da seca, mas o resultado da organização social, política e econômica injusta.

Há ainda um enorme fosso que sepa- ra da prática as propostas e resoluções desses Seminários. Indaga-se, por exem- plo, em que resultou o apoio às "inicia- tivas que levem à distribuição de terra em proveito do pequeno lavrador?" Onde o apoio "aos trabalhadores rurais para que, cada vez mais organizados, reivindiquem o direito de participar na elaboração e fiscalização dos programas e projetos do Governo"?

Em 1982, insistia-se na reformulação do Programa de Emergência. Onze anos são passados e hoje, o salário de um trabalhador nas frentes de serviço é de Cr$ 850.000,00, metade do salário míni- mo de maio. Que ação a Igreja ajuda a implementar para corrigir tamanha aber- ração?

Em 1991, três proposições do Semi- nário, entre outras, diziam: - "apoiar a luta dos trabalhadores atingidos pelas barragens;"

- "assumir papel ativo e vigilante diante do Castanhão e outras barragens";

-' 'recuperar os açudes para o serviço do povo".

Não há como negar: é pouco, muito pouco o que vem sendo feito (?) diante da infinita tragédia da fome e do medo de ser desalojado pela construção de uma barragem que não resolverá o pro- blema. Qual desenvolvimento econômi- co interessa ao Brasil: o do capital finan- ceiro ou aquele que prioriza a situação dos milhares de sem terra? A terra con- centrada nas mãos de poucos inviabiliza todas as propostas e alimenta a eterna indústria da seca, cuja engrenagem pas- sa pelo DNOCS, pelos projetos turísticos da SUDENE e seus órgãos de assessoria, penetra nos salões do submundo da so- negação de impostos e arrebenta a vida de mais de setecentas mil famílias de cearenses famintos.

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RAÍZE3 RAIZE Pretendemos analisar aqui o confron-

to entre os povos indígenas e os euro- peus após dois séculos da invasão da América. É sobre a disputa pela terra entre os grupos indígenas e o projeto de dominação portuguesa no Nordeste, dando ênfase a esse processo na Capita- nia do Ceará, que iremos centrar nossa análise.

À medida em que a produção açucareira avançava pelas terras do lito- ral, que se estendem da Paraíba até a Bahia, estas foram sendo ocupadas e a pecuária, uma atividade complementar, foi sendo tangida para as terras menos férteis do sertão. A ocupação do sertão do Nordeste se deu em fins do século XVII e início do século XVIII, com a expansão das fazendas de gado. O ser- tão do Nordeste, que havia se transfor- mado num território livre para os gru- pos indígenas que foram sendo expulsos das terras litorâneas, a partir da expan- são da pecuária, toma-se o palco do confronto entre os povos indígenas e os "colonizadores".

A GUERRA DOS BÁRBAROS NA CAPITANIA DO CEARÁ

Para acompanhar a disputa pela ter- ra na Capitania do Ceará, toma-se fun- damental analisarmos a relação entre a doação das cartas- de sesmaria e a agudização dos conflitos. Entre 1679- 1700, num período de 21 anos, foram doadas 212 sesmarias, o que representa uma média de 10 por ano. No entanto, entre 1701 el710, num período de 10 anos, foram doadas 542 sesmarias, sig- nificando uma média de 54 por ano. Foi nesse momento que o conflito entre índi- os e fazendeiros tomou-se mais agudo, culminando em 1713, com a invasão pelos índios, da vila de Aquiraz, a sede do poder colonial na Capitania do Cea- rá, depois de terem feito "grandes estra- gos" (segundo a linguagem da época), nas fazendas de gado do vale do Jaguaribe.

É importante ressaltar que, no pri- meiro período, o percentual de proprie- tários ausentes de suas terras era de 55,34%, com o agravante de que uma parcela significante destes nunca ocu- pou as sesmarias que obtiveram. No entanto, no segundo período, esta situa- ção mudou de forma radical, poi^ ape- nas 17% estavam ausentes e os demais se declaravam moradores na Capitania. Constata-se que entre 1701 e 1710 estava

A medida em que pecuária avançava para o interior da Captania, o conflito se acirrava.

Quando examinamos a documenta- ção sobre a doação das sesmarias, fica mais explícito o processo violento atra- vés do qual a pecuária avançava para o interior da Capitania, principalmente, na ribeira do Jaguaribe:

"(...) pela invasão do gentio bárbaro se retiraram da ribeira do Jaguaribe com seus gados para este distrito (. . .) por estarem protegidos próximo a Fortaleza". (Datas de Sesmarias, vol. I, n" 10,17.01.1699).

isso ocorre no início do século XVIII, principalmente no vale do Jaguaribe, onde estavam situados os principais gru- pos indígenas

"(...) visto a conta que me deu o Gover- nador de Pernambuco (...) das hostilidades que os Tapuyas de baixo e outros sertões tem feito aos moradores das Capitanias do Rio Grande e Ceará, como consta das devassas que os Capitães-Mores lhe remeteram, e ven- do também os pareceres que vários ministros lhe deram, sendo o remédio que se devia aplicar a tão grande damno, propondo-lhe o ditogovemador a causa que obrigava a con- sultar com elles esta matéria; e por se conhe- cer ser de grande pezoe digno queselhe acuda com remédio prompto, pois dissimulando-se com o castigo será depois mais dificultoso e uma total mina de toda aquella conquista". (Carta Regia a Luiz César de Menezes, Go- vemador do Estado do Brasil, de 20.04.1708. In MENEZES, Antônio. Algumas Ori- gens do Ceará. P. 205-206.)

O Governo Metropolitano usava o

forem a esta expedição sahindo para o sertão por todas as partes, certissimamente hão de encontrar com o tal inimigo, e encorporando-se umas com

as outras, farão mais- formidável o nosso poder e mais seguro o estrago desses contrários?', (idem, p. 206).

Como se pode perceber, o conflito havia adquirido proporções tais, que o Governo português recomenda que se matem todos os índios que resistirem e

ocorrendo a ocupação efetiva da Capita- nia, principalmente, do vale do rio Jaguaribe, onde o confronto foi mais agudo. Numa carta de 1704, dos verea- dores da Câmara deSão José de Ribamar do Aquiraz, a única vila da Capitania do Ceará, toma-se explícita, do ponto de vista dosproprietários, anecessidade de "limpar" a terra para que a pecuária pudesse continuar se expandindo para as áreas interioranas:

"(. ..) para a conservação desta Capita- nia será Vossa Majestade servido destruir estes bárbaros para quefiquemos livres de tão cruel jugo; em duas Aldeias deste Gentio assistem Padres da Companhia que foram já expulsos de outras Aldeias do sertão (. . .) Estes religiosos são testemunhas das cruel- dades que estes Tapuya tem feito (. . .)" (BEZERRA, Antônio. Algumas Origens do Ceará. P. 204)

Era o que afirmava o Tenente Cristó- vão Soares de Carvalho e o Capitão de Cavalos Gregório de Figueredo, em 1699, quando foram obrigados a se retirarem da ribeira do Jaguaribe para se instala- rem noutra sesmaria, entre os rios Pacoti e Choro, próximo à vila de Aquiraz, capital da Capitania. Constatação idên- tica pode ser feita quando analisamos outra carta de sesmaria, de 1704, conce- dida a João de Sarros Braga, que ficou famoso por exterminar os povos indíge- nas, tomando-se um dos grandes pro- prietários de terra na Capitania do Cea- rá, sendo posteriormente nomeado go- vernador da Capitania do Rio Grande do Norte (1731-1734).

O conflito atinge o seu auge na medi- da em que os criadores de gado foram ocupando o interior das Capitanias. Como nos referimos acima, na do Ceará

argumento de que a conquista portu- guesa corria risco, justificando assim a aplicação de "remédio pronto e eficaz". E)o ponto de vista do "colonizador", o remédio eficaz era, em alguns casos, a guerra de extermínio. E foi exatamente isto que propôs o Estado português:

"(...) porque se animarão estes gentios a emprehenderem novas tiranias alem das que tem obrado contra aquelles moradores; che- gando a suafereza não só a atreverem-se a injuriar a muitos nas suas pessoas, mas ainda na honra de suas mulheres e filhas, matando muitos e obrigando alguns a con- tribuições a que se sujeitam por não cahirem na sua indignação: Fui servido resolver se faça guerra geral a todas as nações de Índios de corço entrando-se por todas as partes, assim pelo sertão dessa Capitania como pela dePemambuco, CearáeRio Grandeparaque não posçam escapar uns sem cahirem nas mãos dos outros, e dividindo-se as tropas que

mais, admite que aqueles que forem capturados sejam escravizados como forma de "incentivar" os que forem na expedição (apesar de a escravidão indí- gena ter sido proibida desde fins do séculos XVI):

"(...) epara que se animem os que não só hão de matar a todos os que lhe resistirem, mas que hão de ser captivos os que se lhe renderem, os quaes se venderão em praça pública aos que mais derem por elles e que da importância que disto resultar se pague a Fazenda Real da despeza, que nesta guerra fizer; e que dos quintos que lhe tocam (...)". (Idem, p.206).

LIMPEZA SANGRENTA DA TERRA O último confronto armado de maior

monta na Capitania do Ceará, ocorreu em 1713. Os grupos indígenas, princi- palmente aqueles que estavam situados no vale do Jaguaribe, haviam consegui-

do controlar boa parte do território da Capitania, restando como um dos pou- cos refúgios para os moradores, o forte da Nossa Senhora dá Assunção, pois

como nos referimos an- teriormente, até a vila de São José de Ribamar, a capital da Capitania, foi "invadida". Essa foi uma das últimas tentati- vas de resistência arma- da em que se articula- ram vários povos indí- genas, como os Jaguaribara, os Anassé, Paiacu, Tremembé e ou- tros.

A reação da adminis- tração à "invasão" que ocorreu em 16 de agosto de 1713 foi imediata e arrasadora, como constatamos pelo exame da docu- mentação e do relato dos historiadores.

"Em dias de agosto de 1713, épocaemque teve lugar este grandedesastrejêz o Capitão- Mor Francisco Duarte de Vasconcelos um grande conselho de guerra na Fortaleza como os oficiais da Câmara da Vila e os cabos de guerra do Capitania, para concertar os me- lhores meios de destruir o dito inimigo, e recuperara Capitania tomada pelos bárbaros levantados". (STUDART FILHO, Carlos. Aborígenes do Ceará, p. 101).

O que fica explícito, noutro trecho, é que os "colonos" usavam o argumento de que a conquista estava em perigo, para justificar o genocídio dos "inimi- gos" e, também, para submetê-los como força de trabalho:

"(.. .)E assentaram todos que se lançasse um bando em nome de S. Majestade (...) no qual se referisse e declarasse dava o Capitão- Mor a campanha livre e isenta dos quintos reais das presas que houvesse na guerra dos ditos gentiosaosquelhefizessematésossegar e resgatar deles a Capitania, porque maior prejuízo segue à Real Coroa perder esta do que os quintos das presas que houvesse na dita guerra. (Idem, P. 100).

Este foi o momento em que o Estado Português, aliado aos sesmeiros, apro- veitou para destruir qualquer possibili- dade de resistência armada e "limpar" a terra para a pecuária.

Francisco José Pinheiro Professor do Departamento de História da UFC

Membro da Direção da ADUFC

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O grande bairro do PIRAMBU, famoso por sua história de luta e pela diversidade de suas experiências de organização popular, surgiu como resulta- do do processo migra- tório que expulsa o homem do campo por ausência de uma polí- tica agrícola e agrária que atenda aos reais interesses da popula- ção brasileira.

Deve-se o nome do bairro a um peixe que abundava naquela re- gião. No início, o bair- ro se estendia pelas praias dos Arpoadores, que era, antigamente, toda a costa oeste de Fortaleza.

As secas que atingiram o Nordeste, em especial a de 1958, provocaram in- tensas migrações para o bairro, agru- pando-se as famílias em pequenos bar- racos mal estruturados. Dois bairros ti- veram um crescimento bastante signifi- cativo: o Pirambu e o Coqueirinho, que, próximo ao centro da cidade por isso mesmo viria a desaparecer em conseqüência da expansão do centro. O Pirambu, porém, evoluiu e cresceu.

No mesmo ano da seca de 1958 che- gou ao Pirambu o Pe. Hélio Campos, cuja ação desenvolvida em favor dos pobres, deixaria o seu nome guardado para sempre na memória do povo da- quela área. Com ele veio também a esta- giária Aldaçi Barbosa, que, ao lado do Padre, iniciou um trabalho de conscientização social e política em tor- no cia questão da posse da terra.

O marco principal desse trabalho foi a famosa "marcha do Pirambu", ocorri- da em janeiro de 1962 e que tinha como principal reivindicação a desapropria- ção das terras do Pirambu. Os versos cantados durante a marcha dizem bem os seus objetivos:

"Vem ver oh Fortaleza, o Pirambu marchar! Somos pessoas humanas, temos di-

reitos que ninguém pode negar. Somos cristãos que não temem, o

Cristo é nosso ideal e por ele fazemos a refor-

ma social!" a repercussão foi grande e como re-

sultado o povo teve assinado o decreto de n" 1.058, que garantiu a fixação na terra sem ameaças de despejo.

Com o passar do tempo, muita coisa

PIRAMBU: RAÍZE5 A ORGANIZAÇÃO

POPULAR

35 anos de luta pela terra evoluiu no bairro. A organização comu- nitária cresceu e surgiram diversos gru- pos. Jovens se solidarizaram com a luta do povo e alguns passaram a residir na própria comunidade, como o grupo co- nhecido por "casinha da praia".

A LUTA PELO DIREITO DE MORAR

Sem dúvida, uma das lutas mais for- tes no bairro de Pirambu tem sido, desde a sua origem, a luta pela terra. Hoje há, aproximadamente, três mil famílias morando em terrenos ocupados recen- temente. A chamada ocupação da Av. Leste-Oeste possui 1.500 famílias já ca- dastradas, numa área pertencente à Pre- feitura de Fortaleza e à TIPROGRESSO, de Luís Esteves.

Uma outra ocupação está localizada em terreno pertencente à União (desa- p ropriado pelo decreto 1.058 já citado) e que aos poucos foi sendo tomado pela CIBRESME, empresa do grupo Ângelo Figueiredo. Aí estão espremidas 800 fa- mílias aguardando a ação da Justiça para reintegração de posse.

No "terreno do Sabão", próximo à Escola de Aprendizes Marinheiros, 80 famílias procuram se manter e aguar- dam que os seus direitos sejam reconhe- cidos. Há, ainda, uma ocupação com 40 famílias na rua Tenente Lisboa, em terre- no, ao que tudo indica, também perten- cente à União.

Outras ocupações são encontradas na direção da Barra do Ceará, mas não são acompanhadas pela Associação das Entidades Comunitárias do Pirambu, que forneceu as informações à equipe de RAÍZES.

A Associação das En- tidades Comunitárias do Pirambu - AECP come- çou a se constituir lenta- mente a partir de 1986, sendo no entanto, regis- trada em 1988. Ela atua numa vasta área do bair- ro, que se estende da rua Jacinto de Matos à Rua Francisco Calaço e tem como papel principal fa- zer a articulação entre as várias entidades existen- tes na região, reivindicar e encaminhar as questões vivenciadas pelos mora- dores do Pirambu. Conta hoje com 60 entidades

filiadas, entre as quais 48 participam ativamente da vida da Associação.

A estrutura da "Grande Associação" é formada por vários departamentos, que tratam das questões específicas dos Direitos Humanos, de Habitação, da Criança, da Cultura, Saúde e Educação. Um convênio com a entidade alemã GTZ vem possibilitando a atuação também na área de saneamento e de emprego e renda.

Outros grupos realizam trabalho de hortas comunitárias, ocupando mulhe- res e crianças que fabricam lambedores e vendem ervas medicinais em saqui- nhos. Alémdessas atividades^ "Comu- nidade de Emaús" recolhe objetos usa- dos e vende a preços acessíveis aos mo- radores do bairro.

Toda essa vitalidade existente no Pirambu inspirou a criação de um Cen- tro de Documentação e Pesquisa, o CPDOC, que reúne fotografias, vídeos e documentos diversos sobre a memória do bairro.

O crescimento do turismo no Ceará estimula a especulação imobiliária, fa- zendo avançar a Av. Leste-Oeste onde foi construído o Marina Park Hotel. A preocupação dos moradores do Pirambu se faz sentir em relação ao seu destino. Até quando será respeitado o decreto 1.058, que desapropriou toda a extensa área do bairro e que, aos poucos vem sendo tomada pelo poderio de indústri- as e empresas de turismo?

Colaboraram nesta matéria: Socorro Mendes Oliveira - trabalha no bairro com educação popular;

Edmar de Oliveira Júnior - fotógrafo e videomaker

Fco. Elisaldo da Silva - rei. públicas da AECP.

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KAIZE3

Um alarme que toca, é sinal de emer- gência. No Brasil há um alarme to- cando há muito tempo para alertar os nossos governantes e a socieda- de, .mas há uma minoria, que cen- traliza o poder, a informação e a economia, que não deixa a socie- dade consciente e organizada, atender à emergência. A emergência são os 32 milhões de brasileiros que ganham menos de meio salário mínimo; no Ceará, são quase 85% da população vivendo na faixa da pobreza. Isso significa fome, doença, mortalidade infantil com piques de 250 por mil, analfabe- tismo e outras misérias que conhece- mos. A distribuição da terra no nosso estado é mais um dado desta situa- ção: as mil maiores propriedades têm quase quatro vezes mais terra do que as 200.000 menores proprie- dades (ver quadro), e à agricultura o estado destina menos da metade do que investe no turismo. A situação lembrada acima é, em sua grande parte, o resultado da política do governo em. relação à terra. Os latifundiários não produzem e não deixam produzir; preferem usar a terra como investimento financeiro e como meio de controle e de po- der. Quando produzem, visam à ex- portação, isto é, visam ao lucro fi- nanciado e não às necessidades da maioria da população. A terra presa e escrava é irmã gê- mea da água cercada e privatizada. Quem tiver dúvidas quanto a isso confira um dado recente; em 1992, o DNOCS cavou 78 poços, todos em terrenos particulares, Há um elemento de fundo que colo- ca a liberação da terra e da água como necessidade "urgente- urgentíssima": é a questão ética. A terra e a água presas fazem de seus 1'proprietários" os responsáveis dire- tos pela morte de milhares de pesso- as. É aético, é imoral considerar os bens comuns destinados à vida -

como a terra e a água - proprieda- des inalienáveis. "Não éjusto, não é humano, não é cristão deixar tantas terras improdutivas, quando milhões de seres humanos morrem de fome" (João Paulo II). Distribuir a riqueza, distribuir a terra é, portanto, uma exigência ética ur- gente: não há outro caminho para possibilitar a vida de milhões de mise- ráveis! Mas esta massa de excluídos não é gente passiva que, de braços cruzados, fica esperando a chuva, ou o carro-pipa do prefeito ou as frentes de emergência do governo. Os trabalhadores rurais já formula- ram muitas propostas concretas para utilizar a terra e a água na realidade de seca que hoje estamos vivendo, como também têm projetos e pro- gramas para enfrentar a problemá- tica no seu conjunto: estas sugestões já foram colocadas nas mesas das autoridades responsáveis, para se- rem implementadas. Há um aspecto que se destaca em todas as propostas: é a necessidade de dar um novo rumo ao orçamento do estado e não, simplesmente, criar "fundos de emergência" que só servem para controlar a massa dos famintos. São as necessidades vitais de 85% dos Cearenses que devem determinar o destino das verbas do estado. Este, porém, é um problema político: ainda estamos sendo governados

por uma minoria abastada, daí por- que a solução deve partir da socie- dade como um todo, a partir dos saques, como puro e simples exercí- cio do direito de viver, até às formas mais variadas e estáveis deorgani- zação. No setor rural há numerosos grupos de produção que encontram aíter- nativas no tempo da estiagem; ou- tros ocupam as áreas molhadas à beira dos açudes, pressionam prefei- turas e estado para responderem às reivindicações, levam propostas aos bancos, à SUDENE, ao DNOCS para acabar com medidas paliativas e cobrar soluções reais para os proble^ mas. Um grande avanço está acon- tecendo no exercício do direito à cidadania das mulheres, que sem- pre mais estão ocupando seu espa- ço nas associações, nos sindicatos, grupos comunitários de produção, organizações políticas... Acreditamos nestas propostas ela- boradas e experimentadas pelos tra- balhadores como novos protagonis- tas da política. O trabalhador rural não está se decompondo; ao con- trário, está se recompondo na vivência sofrida com a terra, que é o chão fecundo de onde nascem no- vas formas de produção, de rela- ções, de cidadania.

Pe. Ermanno Allegri Secretário Executivo da CPT-CE

Tamanho Nsde %de Total % da Propriedade estabele- estabele- em em em ha, no Ceará cimentos cimentos ha ha

-de 10 205.129 63,26 679.306 6,17

de 10a-de 100 97.253 29,99 3.128.033 28,41

de 100 a menos de 1.000 20.760 6,40 4.999.219 45,41

de 1.000a-de 10.000 993 0,31 1.978.459 17,97

de 10.000 acima 16 0,00 224.140 2.04

rã - 19&5 Fonte: Anuário Estatístico do Cea

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RAIZE3 LIVROS RECOMENDADOS

OS POSSEIROS DE PARAMBU E SUA

LUTA PELA TERRA O trabalho que foi apresentado como tese à Coordenação do Curso de Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento da UFC, em 1987, tem como "eixo central a reconstituição histórica dos fatores determinantes da emergência do conflito entre posseiros e empresários em 1979, na Serra da Ibiapaba". Ele recupera e analisa o processo de formação da consciência dos posseiros, bem como o desenvolvimento de suas formas de organização e resistên- cia à grilagem empreendida pelos pseudo- proprietários. Vale destacar que a autora estuda o conflito "levando em considera- ção os diversos fatores e agentes sociais que nele interferiram, analisando as parti- cularidades do caso, sem perder a referên- cia da totalidade social em que o mesmo está inserido". O trabalho está dividido em duas partes centrais: 1. A Serra Grande e a Região dos Inhamuns; 2.0 Conflito e o Processo de Luta dos Posseiros. CASTELO BRANCO, Telma Regina Simões. Posseiros de Farambu e sua luta pela terra (Os). Fortaleza, UFC, 1987. (Có- pia xerox).

TERRA LIBERTA? A LUTA PELA DESAPROPRIAÇÃO DA

FAZENDA MONTE CASTELO - QUIXADÁ-CE

Mais uma tese de Mestrado apresentada à Coordenação do Curso de Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento da UFC, em 1986. Analisando o processo de

— I mobilizaçãodoscamponesessem terra pela ■ r* desapropriação da fazenda Monte Caste-

^'-' Io, no município de Quixadá-CE, a autora yl destaca que tal "mobilização é o reflexo da A^c organização desses camponeses pela EE; melhoria de suas condições de sobrevi-

vência" . No entanto, ao longo do trabalho, a autora demonstra ainda que "a luta pela terra é uma luta eivada de significação política, porque ultrapassa o nível econô- mico de uma simples reivindicação por melhores condições de vida, ao questionar as origens e o que determina a estrutura fundiária altamente concentradora". NASCIMENTO, Edna dos Anjos. Terra Liberta? A Luta pela Desapropriação da Fazenda Monte Castelo- Quixadá-CE. For- taleza, UFC, 1986. (Cópia xerox).

TRILHAS E ATALHOS DO PODER: CONFLITOS SOCIAIS

NO SERTÃO Apresentado originalmente como tese de doutorado junto ao Departamento de Ci- ências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, o pre- sente trabalho analisa as relações sociais no campo, destacando os movimentos or- ganizados dos camponeses para quebrar a ordem estabelecida, "baseada na domina- ção tradicional dos proprietários de terra, reproduzida pela dependência pessoal, pela exclusão dos camponeses enquanto "sujeitos políticos" e pela repressão desti- nada a garantir uma relação perpétua de força, num contexto de uma pseudo-paz agrária". Para tanto, o autor analisa três conflitos agrários ocorridos no sertão cearense, a prática política dos campone- ses em espaços como a Igreja e os sindica- tos rurais, as práticas dominadoras dos proprietários e as rupturas e permanênci- as na dominação. A partir do estudo reali- zado, o autor afirma que uma "nova or- dem política no campo" está sendo gestada, tendo como principais sujeitos históricos os trabalhadores sem terra, que organiza- dos e recebendo o apoio de diversas orga- ni zações, estão rompendo aos poucos com o poder dos antigos "coronéis". BARREIRA, César. Trilhas e Atalhos do Poder: Conflitos Sociais no Sertão. Rio, Ed. Rio Fundo, 1992.

CARTILHA DO AGRICULTOR A Cartilha do Agricultor elaborada pela equipe dos Círculos de Cultura de Tauá é um rico instrumento pedagógico de alfa- betização de adultos. Mais do que isso, a Cartilha resulta de cerca de duas décadas de trabalho junto aos camponeses dos dis- tritos de Inhamuns e Marroás, no municí- pio de Tauá-CE. O trabalho tem como referencial a pedagogia libertadora de Paulo Freire. Assim, seus textos falam de temas ligados à vida cotidiana das comu- nidades rurais, bem como de suas lutas pela conquista dos seus direitos, princi- palmente o acesso à terra. Em meio a tantas desilusões e desesperan- ças, a Cartilha do Agricultor sinaliza na direção de um novo tempo, quando demo- cracia e cidadania serão realidades palpá- veis.

CARTILHA DO AGRICULTOR. Forta- leza, Programa Terre des Hommes, 1992.

OUTRAS SUGESTÕES DE LEITURAS

Conflitos no Campo-Brasil 92 - Luta e Sonho na Terra. Goiânia, CPT, 1993. MARTINS, José de Souza. Caminhada no Chão da Noite: emancipação política e liberação nos Movimentos Sociais do Campo. S. Paulo, Hucitec, 1989. SANTANA, Eudoro. Órfãos da abolição: tráfico de trabalhadores e trabalho escra- vo. Fortaleza, EdiçõesdoLegislativo, 1993.

CARTAS "Recebi sua correspondência e dois exem- plares da edição extra de RAÍZES, relativos ao Tribunal da Água. Vocês não perdem tempo! Meus parabéns pela edição desse boletim e pela qualidade dos textos e meus agradecimentos pela remessa. Se vocês tive- rem outros exemplares disponíveis, gostaria de receber mais, pois serviriam para exemplificar o que pessoas unidas conse- guem fazer". (Christian Guy Caubet, presi- dente da Fundação Água Viva, de Santa Catarina e coordenador do Tribunal da Água).

"Muito obrigado por sua cartinha e o envio doboletim RAÍZES sobre o Tribunal da Água e parabéns aos denunciantes do caso Castanhão por seu trabalho e a excelente apresentação em Florianópolis. (...) O caso Castanhão é exemplo característico para tan- tos outros, quando o EPIA e mesmo o RIMA são apenas os apêndices inócuos de projetos já licenciados. Fiquemos em contato." (Mag- da Renner, presidente da Ação Democrática Feminina Gaúcha e membro dos Amigos da Terra Internacional).

"Acusamos o recebimento do boletim do IMOPEC - Ano 2 - n0 Extra - maio/93 e parabenizamos pela atuação no caso Castanhão. Temos aqui no Piauí muitos ca- sos de má utilização dos recursos hídricos. Um dos mais gritantes está relacionado com o uso do nosso imenso lençol freático. Sua ação nos inspira." (Hélio Paiva Melo, presi- dente em exercício da Fundação Rio Pamaíba - FURPA).