Boletim Ecoeco 32-33 - Instrumentos Econômicos para Conservação da Biodiversidade e Serviços...

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ISSN: 1983 - 1072 Janeiro a Dezembro de 2013 Edição Especial Nº 32/33 Índice • Apresentação............................................................... 03 Artigos • A Ascensão do Pagamento por Serviços Ambientais no Brasil: Negociando uma Governança Policêntrica........ .06 • Caminho do Meio: Propostas para a Operacionalização da Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais......................................................................16 • Cotas de Reserva Ambiental (CRA) na Nova Legislação Florestal Brasileira: Uma Avaliação Ex Ante.................. 24 • Potencial Mercado de Cotas de Reserva Ambiental em São Paulo e Mato Grosso: Perspectivas em Diferentes Contextos....................................................................... 30 • O Potencial de CRA em um Município no Arco do Desmatamento: Cotriguaçu-MT ................................... 36 • A Crise Hídrica Paulista e seus Atenuantes: Panorama Atual do Uso do Solo nas Áreas de Contribuição do Sistema Cantareira - Implicações para PSA................. 42 • X Encontro da ECOECO - Vitória 2013....................... 46 • O Imbróglio do Clima: Debate.................................... 49 Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ) Av. Presidente Vargas 417 - 8º Andar - Rio de Janeiro - RJ Tel: (21) 2224 8577 - Ramal 233 E-mail: [email protected] Informes............................. 02 XI Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO) e VII Congreso Iberoamericano de Desarrollo y Ambiente (CISDA) 2015. "Aplicações da Economia Ecológica nas Políticas Públicas Latino - Americanas" Instrumentos Econômicos para Conservação da Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos Número Publicado em Dezembro de 2014

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Número publicado em Dezembro 2014. ISSN: 1983 - 1072. Edição EspecialNº 32/33.

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  • ISSN: 1983 - 1072 Janeiro a Dezembro de 2013

    Edio EspecialN 32/33

    ndice

    Apresentao............................................................... 03

    Artigos

    A Ascenso do Pagamento por Servios Ambientais no

    Brasil: Negociando uma Governana Policntrica.........06

    Caminho do Meio: Propostas para a Operacionalizao

    da Poltica Nacional de Pagamentos por Servios

    Ambientais......................................................................16

    Cotas de Reserva Ambiental (CRA) na Nova Legislao

    Florestal Brasileira: Uma Avaliao Ex Ante.................. 24

    Potencial Mercado de Cotas de Reserva Ambiental em

    So Paulo e Mato Grosso: Perspectivas em Diferentes

    Contextos....................................................................... 30

    O Potencial de CRA em um Municpio no Arco do Desmatamento: Cotriguau-MT ................................... 36

    A Crise Hdrica Paulista e seus Atenuantes: Panorama

    Atual do Uso do Solo nas reas de Contribuio do

    Sistema Cantareira - Implicaes para PSA................. 42

    X Encontro da ECOECO - Vitria 2013....................... 46

    O Imbrglio do Clima: Debate.................................... 49

    Curso de Ps-Graduao em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro(CPDA/UFRRJ) Av. Presidente Vargas 417 - 8 Andar - Rio de Janeiro - RJ

    Tel: (21) 2224 8577 - Ramal 233 E-mail: [email protected]

    Informes............................. 02

    XI Encontro Nacional da Sociedade Bras i l e i ra de Economia Eco lg ica (ECOECO) e VII Congreso Iberoamericano de Desarrollo y Ambiente (CISDA) 2015."Aplicaes da Economia Ecolgica nas Polticas Pblicas Latino - Americanas"

    Instrumentos Econmicos para Conservao

    da Biodiversidade e Servios Ecossistmicos

    Nmero Publicado em Dezembro de 2014

  • 8 a 11 de Setembro de 2015 - Araraquara-SP, Brasil.

    Universidade Estadual Paulista (UNESP) Campus de Araraquara Faculdade de Cincias e Letras

    Datas importantes: Data-limite para envio do resumo expandido

    15 de abril de 2015.

    Divulgao dos resultados da seleo

    de trabalhos:

    15 de maio de 2015.

    Data-limite para pagamento de inscrio

    para trabalhos selecionados:

    30 de junho de 2015.

    Mais detalhes no site da ECOECO (www.ecoeco.org.br)

    O objetivo do encontro promover uma

    aproximao dos estudos e pesquisas no campo da

    economia ecolgica com estratgias e polticas para a

    gesto da sustentabilidade no mbito do setor pblico,

    do se tor pr ivado (empresas e assoc iaes

    empresariais) e de organizaes no-governamentais.

    Estamos observando o agravamento de problemas

    ambientais no Brasil, na Amrica Latina, no mundo todo.

    O enfrentamento destes impe a urgncia de aes

    XI Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de

    Economia Ecolgica (ECOECO) e VII Congreso

    Iberoamericano de Desarrollo y Ambiente (CISDA) 2015 "Aplicaes da Economia Ecolgica nas Polticas

    Pblicas Latino-Americanas"

    integradas, construdas a partir da juno de

    competncias acadmico-c ient f icas com a

    experincia de gesto ambiental de atores pblicos e

    privados. Assim, neste evento conjunto XI ECOECO e VII

    CISDA 2015, pretendemos aproximar mais a Economia

    Ecolgica das experincias e recomendaes de

    polticas pblicas de sustentabilidade.

    EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

  • EC ECExpedienteDiretoria:Clvis Cavalcanti ( Presidente de Honra)

    Diretoria Executiva:Peter Herman May (Presidente)Luciana Togeiro de Almeida (Vice-Presidente)Joseph Weiss (Tesoureiro)Cltia Helena Backx Martins (Secretria)Valria Gonalves da Vinha (Suplente)

    Ncleo Norte:Oriana AlmeidaPhilip Martin FernasideSrgio Luiz de Medeiros Rivero

    Ncleo Nordeste:Franciso Correia de OliveiraIhering Gugoes Alcoforado de CarvalhoMaria Ceclia Junqueira LustosaSuely Salgueiro Chacon

    Ncleo Centro-Oeste:Alexandre Magno de Melo FariaAndr Luiz Campos de AndradeJoo Paulo Soares de AndradeLuciana Ferreira da SilvaMauricio AmazonasThomas Ludewigs

    Ncleo Sudeste:Carlos Eduardo Frickmann YoungDaniel Caixeta AndradeEnrique OrtegaJos Eli da VeigaJos Gustavo FeresPaulo Gonzaga Mibielli de CarvalhoShigeo ShikiSonia Maria Dalcomuni

    Ncleo Sul:Lucio Andr de Oliveira FernandesMaria Carolina Rosa GulloValdir Frigo DenardinUwe SpangerAdemar RomeiroFrederico Cavadas BarcellosMaria Amlia Rodrigues da Silva Enriquez

    Projeto grfico e diagramao:

    Cludio Ferraz

    O pagamento da anuidade

    conjunta realizado por

    intermdio da Sociedade

    Internacional de Economia Ecolgica (ISEE) ou

    atravs do seu site (www.isecoeco.org), ou

    atravs da prpria ECOECO.

    Formas de pagamento e maiores informaes na

    pgina de filiao da ISEE

    (http://theisee.wildapricot.org/) ou no site da

    ECOECO (www.ecoeco.org.br).

    ISEEThe International Societyfor Ecological Economics

    Apresentao

    Aproveito o fim do ano para refletir como esta virada traz,

    conjuntamente, complicaes de fundo e oportunidades para a

    sustentabilidade da economia brasileira. Em parte, tais complicaes so

    fortemente relacionadas s polticas pblicas equivocadas no que diz

    respeito gesto dos recursos naturais. Sobrepujando todos os demais em

    intensidade de dano provvel acoplado minimizao de prioridade por

    parte do poder pblico, estamos vivendo uma das piores crises de

    disponibilidade de gua j enfrentadas pelo Sudeste do pas (sem falar na

    seca no Nordeste, que atingiu seu terceiro ano consecutivo, em 2014).

    Procuradas as solues, a tica persiste em focar no capital construdo e no

    no capital natural, ou seja: transposio, canais, encanamento so as

    prioridades... Timidamente, tenta-se promover a economia de uso, atravs de

    "incentivos e no multas", como defende o governador de So Paulo, Geraldo

    Alckmin, embora, efetivamente, o sobreuso pelos grandes consumidores

    deva ser sobretaxado.

    No que tange s solues de longo prazo, que possam surgir a partir

    de uma tica alternativa, voltadas ao capital natural, h a perspectiva de

    compensao pela proviso de servios ecossistmicos. Retornamos neste

    nmero do Boletim da ECOECO a este assunto, que continua atraindo

    considervel ateno da poltica pblica ambiental. A exponencial produo

    cientfica sobre os pagamentos por servios ambientais (PSA), associada

    ateno do Congresso a este instrumento que mereceu debate por mais de

    sete anos consecutivos em sucessivos projetos de lei sobre a matria sem

    ignorar a crtica precificao de natureza implcita nesta estratgia de

    mercado , continuam a absorver considervel ateno, talvez desmedida,

    considerando os parcos resultados efetivamente alcanados em projetos

    PSA at o momento.

    Neste nmero, acompanhamos o debate sobre PSA no pas,

    apresentando resumidamente duas contribuies recentes importantes. A

    primeira, coordenada por Emilie Coudel (economista do CIRAD, lotada na

    Embrapa Amaznia Oriental, em Belm) contou com a participao de vrios

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    4

    integrantes da ECOECO, e ser publicada em verso

    completa num livro organizado por Roldan Muradian

    (um dos co-autores). O trabalho versa sobre a evoluo

    do pensamento sobre PSA no Brasil, desde os

    primrdios das tentativas de segmentos do governo e

    de assentados rurais em implementar o programa

    Proambiente, passando por experincias locais com o

    apoio de ONGs e prefeituras, at o presente em que se

    debate a implantao de um programa nacional de PSA.

    O segundo trabalho deste bloco, apresenta os

    resultados de uma consulta tcnica patrocinada pelo

    WWF-Brasil em 2014, com o apoio de outras entidades

    da sociedade civil junto com segmentos da academia,

    relativa formulao do PL 792-2007, que trata do

    programa e do Fundo Nacional do PSA. Os participantes

    nesta consulta chegaram concluso que o PL deve ser

    reformulado para superar vrios defeitos contidos na

    sua concepo, entre os quais o conceito de

    adicionalidade adotado, e a hegemonia federal prevista

    no PL sobre a gesto de recursos financeiros.

    Registramos um dilogo com a diretoria da ECOECO

    quanto pertinncia em propor a volta estaca zero nas

    negociaes do projeto, considerando as mudanas

    que ocorreram na composio do Congresso a partir de

    janeiro de 2015.

    Finalmente, Bruno Puga e Oscar Sarcinelli,

    doutorandos da UNICAMP, descrevem uma anlise do

    potencial de um sistema PSA para apoiar a proviso de

    servios hidrolgicos, com enfoque no Sistema

    Cantareira, em So Paulo, crucial fonte de gua para a

    regio metropolitana, que enfrenta a pior crise da sua

    histria.

    O segundo bloco de trabalhos contidos neste

    nmero do Boletim diz respeito a outro instrumento

    econmico: a Cota de Reserva Ambiental (CRA),

    incorporada como componente da nova legislao

    florestal do pas, aps revises do Cdigo Florestal

    contidas na Lei 12.651/2012. A CRA j tinha sido

    incorporada em outras edies do Cdigo Florestal,

    sucessivamente reeditadas via Medida Provisria pelo

    governo FHC nos anos 90, com o ttulo de Cota de

    Reserva Florestal, se referindo s Reservas Legais em

    propriedades privadas em todo o pas.

    A nossa discusso comea com uma reviso

    das origens do mecanismo chamado, em ingls, de

    Tradable Development Rights, amplamente aplicado

    nos EUA e em outros pases para conservar recursos

    naturais prioritrios, estimulando a troca de permisses

    de uso com outras reas, de modo a propiciar um

    resultado ambientalmente mais adequado. O trabalho

    de May et al. relaciona tentativas de avaliar a eficcia do

    instrumento em gestao no Brasil de forma ex ante. Tal

    avaliao esbarra numa srie de incertezas na

    regulamentao, que afetaro o seu potencial de

    assegurar uma maior rea conservada com menor

    custo.

    Outros dois trabalhos relacionados com a CRA

    foram includos na nossa coletnea. O primeiro, de

    Paula Bernasconi resume os resultados de simulaes

    da CRA efetivadas pelo Projeto POLICYMIX no estado

    de So Paulo e, posteriormente, em Mato Grosso

    (baseado em Micol, et al.), evidenciando um menor

    custo para atingir as metas da nova legislao florestal

    ao permitir trocas no mesmo bioma. Ao definir

    prioridades para conservao da biodiversidade de

    acordo com os critrios dos inventrios do BIOTASP em

    So Paulo, elevam-se os custos. No entanto, a

    priorizao permite que o instrumento proteja uma

    proporo maior da biota ameaada.

    A aplicao dos critrios da CRA para o Estado

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

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    de Mato Grosso indica uma maior oferta de reservas

    legais do que a demanda potencial do Estado, fazendo

    com que houvesse a perspectiva de preencher parte

    desta demanda oriunda de outros estados do Cerrado

    e/ou da Amaznia. O caso de Mato Grosso

    aprofundado no trabalho de Andrade et al. em

    Cotriguau, mostrando o potencial de trocas dentro do

    mesmo municpio, permitindo atingir os objetivos da

    nova legislao sem necessitar de um massivo

    investimento em restaurao ou procura de imveis em

    outros locais. O principal problema identificado em

    todos os casos o potencial efeito do grande excedente

    de oferta devido s isenes e anistias concedidas pela

    legislao sobre o preo alcanado nas trocas, o que

    pode fazer com que o mercado no se materialize,

    inviabilizando o instrumento, apesar dos esforos da

    BVRio de criar um mercado voluntrio em CRA.

    Finalmente, nosso nmero inclui reflexes do

    nosso ex-Presidente Paulo Mibielli e da Professora

    Sandra Dalcomuni sobre os resultados do X Congresso

    da Sociedade ECOECO, realizado com grande xito,

    em Vitria-ES, em agosto de 2014. Outra comunicao

    do Paulo reflete sobre um debate de especialistas

    ocorrido no Rio de Janeiro no dia 15 de dezembro de

    2014 sobre os resultados da COP20 da UNFCCC para

    os esforos de atingir as metas de controle de emisses

    de gases de efeito estufa no Brasil. Esperamos que os

    trabalhos reunidos sejam valiosos para os seus

    trabalhos e a continuidade do nosso dilogo, que

    continuar com maior fora ainda em 2015, com a

    realizao do XI congresso da ECOECO em conjunto

    com a VII CISDA, reunindo todas as sociedades

    regionais da Economia Ecolgica da Amrica Latina e

    da Pennsula Ibrica. O Congresso ser realizado entre

    os d ias 08 e 11 de se tembro de 2015, na

    UNESP/Araraquara, sob a coordenao da Professora

    Luciana Togeiro de Almeida. O anncio e chamada de

    trabalhos acompanha este nmero do Boletim.

    Um feliz e produtivo (mas decrescido!) 2015

    para todos.

    Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 2014

    Peter H. May

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    A Ascenso do Pagamento por Servios Ambientais no

    Brasil: Negociando uma Governana Policntrica.

    Autores: E. Coudel J. Ferreira , M. Amazonas , L. Eloy , M. Hercowitz , L. Mattos , P. May , R. Muradian , M.G. Piketty , F. Toni1,2,3, 2 3 4 5 6 7 8 1 3

    1. CIRAD, UR Green, 34398 Montpellier, Frana

    2. Embrapa Amaznia Oriental, Belm, Brasil

    3. Universidade de Braslia, Centro de Desenvolvimento Sustentvel, Braslia, Brasil

    4. CNRS UMR Art-Dev 5281 Universit Montpellier 3, Frana

    5. Pau Brasil, Economia Ecolgica e Gesto Socioambiental, So Paulo, Brasil

    6.Embrapa Cerrados, Planaltina-DF, Brasil

    7. Curso de Ps-Graduao em Cincias Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-CPDA/UFRRJ, Rio de Janeiro, Brasil

    8. Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil

    Introduo

    No final da dcada de 1990, os Pagamentos

    por Servios Ambientais (PSA) tornaram-se o novo paradigma da poltica ambiental, propondo conectar os

    atores que se beneficiam dos servios ambientais com

    os que contribuem com o fornecimento de tais servios

    (Engel et al., 2008; Pagiola et al., 2004). Uma grande

    variedade de modelos foi agrupada sob esta

    terminologia comum, variando desde arranjos

    estritamente de mercado at as polticas pblicas

    nacionais. O PSA tem sido largamente definido como

    "uma transferncia de recursos entre atores sociais, que

    pretende criar incentivos para alinhar as decises sobre

    o uso da terra (individuais e/ou coletivas) com o

    interesse social na gesto dos recursos naturais"

    (Muradian et al., 2010: 1205).

    No Brasil, o caso do PSA particularmente

    interessante para ilustrar como diferentes modelos

    surgiram, seguindo agendas distintas, e como se

    consolidaram. Enquanto o PSA em outros pases, como

    a Costa Rica e o Mxico, tem sido administrado pelos

    governos nacionais (Le Coq et al., 2012; Corbera et al.,

    2009), no Brasil, o PSA foi implantado no comeo da

    dcada de 2000 pelas ONGs e pelos governos locais,

    dando espao a uma experimentao considervel e

    direcionado para uma diversidade de prticas em todo o

    pas (Pagiola et al., 2012; Guedes e Seehusen, 2011).

    Arcabouos legais e recursos especficos foram

    progressivamente sendo criados para apoiar a

    implantao dos esquemas de PSA em diferentes nveis

    de governana (Santos et al., 2012). Existem vrios

    trade-offs entre os diferentes nveis de governana

    (Larson and Ribot, 2009; Toni, 2011). No que se refere ao

    nvel local, as aes de governana podem ser

    pe rceb idas por es ta rem ma is p rx imas s

    1. FAO (2007) define "servios ambientais" como os servios ecossistmicos,

    associados s atividades humanas. Portanto, mais comum se referir a

    "Pagamentos por servios ambientais", uma vez que se trata de uma

    6

    recompensa pela prestao recebida por meio das atividades humanas (ou

    atravs de restrio do uso humano). Esta terminologia ser mantida para todo

    o artigo.

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

    preocupaes e necessidades dos atores e os custos

    de transao e monitoramento podem ser mais baixos.

    Entretanto, falta frequentemente aos governos locais a

    capacidade para executar tais governanas, havendo o

    risco de uma "captura" pela elite. Com relao aos nveis

    mais altos, apesar de os governos poderem praticar

    economias de escala e limitar vazamento (leakage), o

    monitoramento pode tornar-se mais complexo, com a

    provvel resistncia por parte dos atores locais. As

    complementariedades entre os nveis de governana

    pode tornar esta governana mais eficiente (Nagendra e

    Ostrom, 2012), mas na prtica as relaes de poder

    estabelecem, com frequncia, o equilbrio entre os

    nveis e os modelos de poltica dominante.

    Revises diferentes do PSA no Brasil tm sido

    realizadas ao longo dos anos, proporcionando

    descries detalhadas das experincias e dos sistemas

    legais (e.g., Pagiola et al., 2012; Guedes e Seehusen,

    2011; Santos et al., 2012). Nosso objetivo aqui no de

    acrescentar mais um estudo a este conjunto j

    exaustivo, mas de analisar mais amplamente os

    processos associados s experincias do PSA no Brasil,

    em particular as tenses e complementariedades que

    surgiram entre os atores ao longo do caminho e como

    isso progressivamente configurou-se numa governana

    policntrica. Grande parte dos autores deste captulo

    esteve envolvida em pesquisas de experincias de PSA

    e vem acompanhando processos legislativos e

    observando de perto as dinmicas de aes entre os

    atores envolvidos. Dessa forma, busca-se no presente

    trabalho revelar os cenrios institucionais dos

    processos de deciso, junto com as relaes de poder e

    as controvrsias sociais, tendo como objetivo mostrar,

    como ressaltado por Shi (2004), que no h respostas

    nicas s perguntas polticas e normativas.

    1. O surgimento progressivo do PSA no Brasil: principais agendas e processos.

    1.1 Primeiro passo: idealizao dos incentivos

    socioecolgicos.

    Os movimentos sociais da Amaznia brasileira

    foram os primeiros a idealizarem o PSA, uma vez que

    estes instituram o Proambiente entre os anos de 2000 e

    2002, em parceria com as ONGs regionais. O

    Proambiente consistiu em uma proposta de poltica

    pblica para implantar um modelo novo de uso da terra,

    com base na gesto dos recursos naturais, nos quais o

    PSA teria um papel importante no incentivo da transio

    (Hall, 2008). A proposta tinha por objetivo combinar

    nveis diferentes de gesto e planejamento, envolvendo

    planos de produo individual, acordos comunitrios,

    atravs de certificao participativa, bem como planos

    de desenvolvimento territorial (Mattos e Hercowitz,

    2011). Este projeto piloto foi concebido para envolver

    mais de 20.000 famlias de produo rural, em nove

    estados da Amaznia brasileira.

    Durante o primeiro ano do governo do

    Presidente Lula, em 2003, a proposta do Proambiente foi

    includa no Plano Plurianual de 2004-2007 com a

    participao de diversos rgos governamentais, em

    particular o Ministrio do Meio Ambiente (MMA) e o

    Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA). Os

    movimentos sociais esperavam que o Proambiente se

    transformasse num programa de governo, porm estes

    no tinham considerado a necessidade de estabelecer

    7

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    1 .2 . Expec ta t i vas l i gadas a REDD+: 1 .2 . Expec ta t i vas l i gadas a REDD+: envolvimento dos governos estaduais e federal.envolvimento dos governos estaduais e federal.

    condies de pagamento verificveis pelo Programa .

    Isto causou um rompimento com o MMA em 2005. O

    pagamento foi implantado, em 2006, para 2.555 famlias

    de produo rural registradas no Proambiente, porm

    s durou seis meses (Mattos, 2010). A assistncia

    tcnica e extenso rural foram implementadas somente

    na fase inicial do Programa (nos primeiros dois anos),

    antes das prticas sustentveis preconizadas pela

    in ic iat iva serem adotadas pelas fam l ias. O

    planejamento territorial e os acordos comunitrios no

    foram implantados.

    A despeito das falhas do Proambiente, sua

    conseqncia maior foi a mobilizao social para

    demandas de po l t i cas pb l i cas , as qua is

    reconheceriam a proviso dos servios ambientais,

    motivando um debate nacional nos ministrios e no

    congresso a partir de 2006.

    1 .2 . Expec ta t i vas l i gadas a REDD+: envolvimento dos governos estaduais e federal.

    A crescente agenda internacional referente s

    mudanas climticas reforou a discusso nacional

    sobre a promoo dos servios ambientais. Entretanto,

    a partir de 2003, grande parte da ateno passou a ser

    focada na reduo de emisses de gases de efeito

    estufa nas florestas naturais, atravs do mecanismo de

    compensao REDD .O governo federal brasileiro vem

    2. REDD+ : Reduo das Emisses do Desmatamento e Degradao, com "+",

    significando a conservao dos estoques de carbono e a gesto sustentvel

    das florestas.

    3. A principal doao do governo da Noruega, que prometeu US$ 1 bilho

    entre 2009 e 2015.

    4. GCF uma iniciativa de colaborao subnacional de alguns estados de sete pases da Amrica do Norte e Sul. Seis estados brasileiros participam: Acre,

    Amap, Amazonas, Par, Mato Grosso e Tocantins.

    5. Trs estados j promulgaram leis direcionadas a REDD+: Amazonas em

    8

    2007, Acre em 2013 e Mato Grosso em 2014; mais trs outros estados esto na

    frase preparatria.

    6. O Brasil recebeu mais de US$ 266 milhes, com compromisso adicional para

    m a i s d e U S $ 8 1 9 m i l h e s , p a r a 1 2 p r o j e t o s o f i c i a i s

    (http://www.forestcarbonportal.com, acesso em 23/05/2014). Os projetos existentes

    incluem: reas protegidas, tais como a Juma Sustainable Use Reserve, o

    primeiro projeto brasileiro certificado envolvendo a REDD+; terras indgenas

    tais como o Suru Indgenous Territory, por exemplo; e projetos desenvolvidos

    em terras particulares, tais como o Purus Forest Conservation Project.

    argumentando que o mecanismo REDD+ no deve ser

    usado para compensar as emisses dos pases

    industrializados, devendo, em vez disso, ser financiado

    pelas doaes bilaterais e multilaterais (Santilli et al.,

    2003 ; MMA, 2012). Para consolidar esta estratgia, o

    governo federal lanou o Fundo Amaznia em 2008,

    com o objetivo de financiar projetos de reduo de

    emisses relacionados s mudanas de uso da terra na

    regio amaznica (Moutinho et al., 2011). A legislao

    nacional relativa REDD+ foi inicialmente proposta em

    2009, apesar de ainda estar em estudo pelas comisses

    do Congresso Nacional Brasileiro.

    medida que a legislao nacional de REDD+

    avana a passos lentos, os estados da Amaznia

    definiram suas estratgias de REDD+ como, por

    exemplo, a participao na Fora Tarefa dos

    Governadores para o Clima e a Floresta (GCF) (May et

    al., 2011; Toni, 2011). Neste frum, defendida uma

    abordagem aninhada (nested approach) com

    participao no mercado de carbono, portanto contrrio

    posio do governo federal (MMA, 2011). Para

    legitimar sua posio, oito estados da Amaznia j

    criaram um sistema regulatrio para a mudana de

    clima e os servios ambientais (Pavan e Cenamo, 2012).

    as iniciativas de REDD+ de escala local avanaram

    rapidamente, sendo o Brasil o maior captador de

    doaes para os projetos de REDD+ at o momento. A

    maior iniciativa de REDD+ atualmente o Programa

    +2

    3

    4

    5

    6

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

    Bolsa Floresta, lanado em 2007 pelo Governo do

    Estado do Amazonas, numa parceria de mltiplos

    atores, envolvendo 15 Unidades de Conservao

    Amaznicas e beneficiando mais de 30.000 pessoas.

    Com base na experincia da Reserva de Uso

    Sustentvel do Juma, o programa oferece pagamentos

    diretos s populaes locais junto com outros incentivos

    para estimular a prestao de servios ambientais (Hall,

    2008). Apesar do reconhecimento dos impactos sociais

    de benefcios desses programas (e.g., Brner et al.,

    2013; Mohammed et al., 2013), um ponto crtico

    importante a necessidade de uma melhoria no

    monitoramento do desmatamento e da degradao

    florestal, a fim de assegurar a condicionalidade e,

    portanto, a efetividade do programa (Tejeiro and

    Stanton, 2014).

    Junto com os pagamentos privados e

    voluntrios, muitos projetos se beneficiaram do Fundo

    Amaznia, embora muitas crticas apontem a

    burocracia e as dificuldades de acesso aos recursos,

    mesmo para os projetos aprovados. O setor da

    sociedade civil tem sido fundamental para fomentar

    as condies de iniciativas dos estados e municpios ,

    tendo as ONGs frequentemente um papel central nos

    arranjos hbridos de governana.

    Entretanto, o REDD+ aparenta estar numa

    situao paradoxal: o programa surge no cenrio de

    poltica domstica com a expectativa de receber

    recursos internacionais; ainda que a crise econmica

    global tenha lanado dvidas crescentes na

    credibilidade dessas expectativas de recursos. Os

    projetos de REDD+ at o momento no venderam seus

    crditos nos mercados internacionais de carbono e os

    PSA prometidos s populaes locais no se

    materializaram em sua maioria. Assim, o REDD+ pode

    muito bem se tornar uma poltica financiada em nvel

    nacional. Neste contexto, os avanos na preparao do

    REDD+, estabelecendo as linhas de base e metas para

    as redues de emisses nacionais e para a preparao

    de um sistema confivel de Monitoramento, Relatrio e

    Validao (MRV), podero possivelmente reforar os

    sistemas futuros de PSA.

    1.3 Consolidao da experincia do PSA em torno da agenda da gua.

    No inicio de 2001, o governo federal, atravs da

    Agncia Nacional de guas (ANA), lanou o Programa

    Produtor de gua para apoiar a gesto de bacias

    integradas, com a inteno de facilitar os sistemas de

    PSA guas descentralizados (Pagiola et al., 2012). No

    sudeste do Brasil, devido ao fornecimento de gua ter se

    tornado um problema srio para as grandes cidades,

    como o Rio de Janeiro e So Paulo, o Banco Mundial e

    ONGs ajudaram os estados e municpios na tentativa de

    criar esquemas de PSA. Atravs de uma parceria de

    7. At a presente data, este fundo financiou uma variedade de projetos REDD:

    ao todo 54 projetos receberam recursos no reembolsveis para investimentos

    mistos de aproximadamente US$ 390 milhes (Boletim Fundo Amaznia,

    Maro 2014).

    8. A maioria dos projetos financiados so coordenados por ONGs (35%),

    sendo o restante liderado pelos estados (33%) e municpios (15%).

    9

    7

    8

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    mltiplos nveis (ANA, governos do Estado de So Paulo

    e Minas Gerais , The Nature Conservancy e

    organizaes locais), dois experimentos pilotos de PSA

    foram lanados em 2006: Conservador das guas em

    Extrema (MG) e na bacia dos rios Piracicaba, Capivari e

    Jundia PCJ.

    Durante os anos posteriores, os projetos PSA

    proliferaram rapidamente no bioma da Mata Atlntica

    nas regies Sul e Sudeste, com 80 projetos identificados

    em 2010 (Guedes e Seehusen, 2011), principalmente

    para a conservao dos recursos hdricos atravs da

    proteo e restaurao das matas ciliares. medida

    que REDD+ ganhou visibilidade, as empresas e ONGs

    vislumbraram a oportunidade de suplementar os fundos

    de gesto hdrica com recursos dos fundos de mercado

    de carbono. Com base nessas experincias, os

    municpios e os estados comearam a construir um

    sistema regulatrio para dar suporte ao PSA. Santos et

    al. (2012), por exemplo, identificou 20 projetos de

    legislao estaduais e 7 municipais de PSA.

    O governo do Estado de So Paulo, apoiado

    pelo Banco Mundial e a ONG The Nature Conservancy

    (TNC), desempenhou um papel particularmente ativo na

    definio da poltica estadual para disseminar

    esquemas de PSA ligados gua no sudeste do pas.

    Aprendendo com a experincia de vrios programas

    PSA, com os quais instituies brasileiras tiveram

    experincias ao longo dos anos anteriores, foi lanado o

    programa Mina D'gua em 2009. No incio de 2013, a

    Secretaria de Meio Ambiente (SMA) realizou acordos

    9. Entrevista com Helena Carrascosa, 18/04/2013.

    10. ANA recebe um oramento anual de cerca de US$ 7 milhes para

    desenvolver o programa. Estes 20 projetos representam um investimento de

    US$ 12 milhes, o que significa que fontes adicionais de recursos so

    necessrios. (entrevista com Devanir Garcia dos Santos, 29/04/2013).

    10

    com 21 municpios. Como o estado no tinha recursos

    para implantar um projeto com seu corpo de tcnicos ,

    esta abordagem ajudou na construo da capacidade

    operacional necessria.

    A governana do PSA de mltiplos nveis foi

    tambm reforada pela ANA, ao encorajar novas

    iniciativas a serem includas no Programa Produtor de

    gua. Em 2013, este programa tinha 20 projetos em

    implantao, envolvendo uma rea de 310.000 ha e

    1.016 produtores. A ANA no coordena os projetos em

    si, mas faz a mediao entre as vrias entidades,

    promovendo os arranjos institucionais e financeiros, a

    expertise tcnica e captao de recursos, quando

    necessrio (cerca de 10-15% do valor total de cada

    projeto) .

    A multiplicao dos sistemas locais de PSA, no

    Sul e Sudeste e, agora, na regio central do Brasil

    atende a uma demanda local importante em termos de

    gesto dos recursos hdricos nas bacias hidrogrficas

    estratgicas. Embora a var iedade de aes

    institucionais permita a adaptao dos projetos aos

    contextos locais, os mecanismos adequados para dar

    escala a tais sistemas ainda so incipientes (Pagiola et

    al. 2012).

    1.4. Rumo ao Sistema federal de PSA: projetos de lei e o novo Cdigo Florestal Em 2006, aps as demandas dos movimentos

    sociais ligados ao Proambiente e com as promessas de

    negcios nos mercados de carbono e gua, o PSA

    9

    10

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

    11. Oito Projetos de Lei foram submetidos em 2007 e mais seis at 2009.

    12. O novo Cdigo Florestal (Artigo 41, 4, Lei 12.651) estipula que as APPs e

    RLs podem representar uma "adicionalidade" elegvel para serem

    comercializadas nos mercados domsticos e internacionais para reduo dos

    GEE. Em termos, isto uma contradio, uma vez que a "adicionalidade"

    definida como um aumento nos servios do ecossistema o qual no ocorreria

    na ausncia de um programa. Entretanto, h numerosos atores, incluindo

    oficiais do governo, que sustenta este argumento da "adicionalidade". 11

    ganhou relevncia entre vrios grupos de interesse.

    Este tema emergente se materializou, em 2007, numa

    avalanche de projetos de lei (PL) no legislativo, cada um

    abordando diferentes estruturas e interesses . O Poder

    Executivo (representado pelo MMA) props um projeto

    de lei em 2009, apresentando uma poltica nacional para

    PSA (PL 5487/2009). Os projetos de lei anteriores,

    incluindo aqueles do governo, foram transformados num

    s pacote, substituindo o PL 792/2007, que tem evoludo

    medida que as negociaes continuam entre os

    comits das Cmaras federais. No entanto, o

    entusiasmo inicial no legislativo referente ao tema

    esfriou rapidamente. Na verdade, na arena domstica

    brasileira, a batalha poltica aconteceu em torno da

    reviso do Cdigo Florestal, em que o PSA tornou-se o

    elemento estratgico.

    As di ferentes agendas anter iormente

    envolvidas com discusses de PSA cristalizaram-se ao

    redor do debate do Cdigo Florestal. Os movimentos de

    agricultura familiar destacaram o potencial da prestao

    dos servios ambientais. Os grandes proprietrios de

    terra defendiam o seu lado, mas no processo, as

    prticas agrcolas ficaram totalmente excludas; o foco

    permaneceu somente na cobertura florestal. Uma

    aliana inesperada entre os ambientalistas e o grupo

    rural levantou a questo sobre a adicionalidade . Os

    ambientalistas queriam legitimar os pagamentos

    destinados a ajudar reas j sob proteo legal. Os

    grandes proprietrios tinham como objetivo receber os

    11

    12

    pagamentos para conservao ou restaurao das

    reas de Proteo Permanente (APPs) e Reserva Legal

    (RL) localizadas nas propriedades privadas.

    O novo Cdigo Florestal (Lei n 12.651, aprovada em 25

    de maio de 2012), reconheceu o PSA pela primeira vez

    dentro do arcabouo legal nacional, ainda que de

    maneira ambgua. O ponto mais polmico que permite

    os pagamentos ou incentivos aos grandes proprietrios

    para manuteno ou restaurao das APPs e RLs

    (Artigo 41), o que em princpio viola a Constituio que

    probe o pagamento de um benefcio pblico para

    cumprimento da Lei. Entretanto, uma tentativa de

    incentivar os grandes proprietrios a respeitarem a Lei,

    dado o histrico descumprimento, podendo assim

    oferecer servios ambientais importantes.

    Neste interim, o governo federal avanou na

    agenda socioambiental de PSA criando em 2011 o Bolsa

    Verde. O programa concede pagamentos s famlias

    que vivem em extrema pobreza e tm direitos ao uso da

    terra em reas de relevncia ecolgica (principalmente

    as Unidades de Conservao). A mesma estrutura

    operacional do Programa Bolsa Famlia (um programa

    social federal de transferncia de renda) foi usada pelo

    Bolsa Verde, que registrou 59.000 famlias at meados

    de 2014 . Apesar disso, a condicionalidade ambiental

    do programa levanta algumas interrogaes. As famlias

    assinam um contrato para limitar os impactos do meio

    ambiente, mas como isto ser monitorado ainda no

    est claro.

    13

    14

    13. Cada famlia recebe aproximadamente US$ 150 a cada trs meses.

    14. http://www.mma.gov.br/desenvolvimento-rural/bolsa-verde/item/9141

    (consultado em 29/05/2014)

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    2. Que tipo de governana emerge deste

    processo?

    O Congresso brasileiro pode estar prximo de

    aprovar a poltica nacional de Pagamentos por Servios

    Ambientais . No entanto, as ONGs e os governos

    estaduais se opem a essa poltica, que no representa

    a diversidade de experimentos regionais e locais em

    andamento e advertem que sua aprovao pode

    colocar obstculos numa ferramenta em princpio

    flexvel. difcil prever qual ser o direcionamento das

    discusses e a flexibilidade dos acordos entre os nveis

    diferentes de governana. Os processos analisados

    mostram que as relaes entre os nveis de governana

    e setores podem ter muitas facetas. Atribuio do poder,

    descentralizao e re-centralizao so processos

    constantes, que so negociados entre o governo

    federal, nveis de governana mais baixo e outros

    setores, conforme os interesses dos atores (Andersson

    et al., 2006; Toni, 2011).

    No caso da agenda florestal, a governana de

    nveis mltiplos torna-se uma questo complexa.

    Embora, os estados e municpios sejam incentivados a

    se engajar na gesto ambiental, frequentemente faltam

    capacitao e incentivos para a execuo dos projetos

    (Toni e Kaimowitz, 2003). Como REDD+ trouxe

    promessas de recursos, os municpios e estados

    ficaram motivados para se engajar nas discusses

    nacionais e internacionais direcionadas para o

    desenvolvimento do mecanismo. No entanto, como a

    questo florestal estratgica para o governo brasileiro

    nas negociaes internacionais, desejvel manter o

    controle sobre REDD+. Este o paradoxo clssico de

    REDD+ (Phelps et al., 2010; Sandbrook et al., 2010), que

    resultou em certa re-centralizao da agenda florestal

    em alguns pases. No Brasil, no entanto, os estados tm

    um grau mdio de autonomia e poder, possibilitando-os

    a construir uma agenda forte de REDD+/PSA (Toni,

    2011). Apesar das ONGs desempenharem um papel de

    defesa referente abordagem aninhada com REDD+

    para implantar seus projetos, essas se tornaram

    tambm consultoras importantes para os governos

    estaduais e federal. Essas instituies tm apoiado as

    aes em curso para regularizao fundiria e

    formao da capacitao local, dois pontos cruciais no

    reforo da legislao florestal, mas tambm para

    qualquer adaptao futura do PSA em apoiar os

    esquemas REDD+. Por isso, a coordenao

    emergente entre as entidades, mas sob regras e

    monitoramento rgidos estabelecidos pelo governo

    federal.

    No caso da agenda socioambiental, um dos

    principais desafios est relacionado ao custo e

    complexidade dos programas PSA ligados s prticas

    agroambientais, em adio preservao de reas

    naturais. Ainda que algumas organizaes sociais

    tenham tentado melhorar a certificao participativa de

    tais prticas, esta estratgia mostrou-se impossvel sem

    um programa apoiado pelo governo federal. Como a

    agenda social foi integrada no programa Bolsa Verde,

    isto comprometeu seu potencial para a adicionalidade

    ambiental. Um projeto aprovado dentro do Fundo

    Amaznia iniciou recentemente esquemas de PSA em

    algumas reas plo do Proambiente e pode se tornar um

    15. Conforme mencionado anteriormente, aps quatro anos de suspenso,

    um Projeto de Lei Substituto foi submetido ao Congresso (Maio de 2014).

    16.O Projeto "Assentamentos Sustentveis na Amaznia," dirigido pelo 12

    15

    16

    IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amaznia)

    (http://www.fundoamazonia.gov.br).

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

    exemplo no estabelecimento da estruturao da

    governana para apoiar o PSA agroambiental. No

    entanto, as avaliaes realizadas aps o Proambiente

    mostram que os agricultores querem, principalmente,

    assistncia tcnica para desenvolver as atividades de

    modo correto ambientalmente, em vez de pagamentos

    diretos (Costa, 2008). O governo federal tem trabalhado

    para criar uma nova organizao com o objetivo de

    coordenar a assistncia tcnica, podendo assumir um

    papel facilitador de maneira semelhante ANA. Um

    novo instrumento poder se reforar neste contexto, o

    Crdito Ambientalmente Condicionado, o qual

    fornecer incentivos para os agricultores a mudar suas

    prticas de manejo da terra.

    Concluso

    Ao traar a emergncia do PSA no Brasil, trs

    processos diferentes so revelados: um para valorizar

    as prticas agroecolgicas; um devotado s florestas e

    dirigido ao REDD+; e um para consolidar a gesto da

    gua. Estas trs agendas diferentes se influenciaram

    parcia lmente entre s i , mas se confrontaram

    verdadeiramente quando o PSA foi discutido dentro do

    novo Cdigo Florestal. Isto um preldio para o debate

    sobre a Poltica Nacional de PSA, o qual est

    comeando novamente.

    O PSA iniciou um debate no Brasil sobre o

    possvel papel dos incentivos positivos da poltica de

    13

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    meio ambiente. A sua dimenso simblica foi criando

    muitas expectativas para valorar os esforos daqueles

    que fornecem os servios ambientais. As vrias

    experincias ratificam a disposio de muitos tipos de

    atores, desde os fundos privados s organizaes da

    sociedade civil at os governos locais para se engajar

    no debate nacional e avanar suas ideias para renovar

    as pol i t icas ambientais. Di ferentes t ipos de

    coordenao foram se consolidando em torno dos

    esquemas de PSA, nem sempre de maneira pacfica,

    mas as tenses tambm permitiram os atores a negociar

    seus papis e encontrar complementariedades nas

    aes de governana policntrica. O desafio para a

    pol t ica do governo federal oferecer mais

    possibilidades para a coordenao entre os nveis

    distintos de governana. O perigo, porm, que a

    poltica nacional possa permanecer incua e pouco

    eficiente se limitar-se a definir regras bsicas que j

    ex is tem em nve is loca is ou se meramente

    burocratizarem as experincias existentes.

    Construir polticas sempre um processo de

    argumentao coletiva (Bogelund, 2007), que se baseia

    em pontos de vista, prioridades e posicionamentos

    diferentes. Bogelund (2007) considera que a chave para

    o processo argumentativo nesta construo garantir

    que os diversos grupos de atores estejam engajados no

    processo de avaliao. Esse processo de avaliao

    coletiva das experincias de PSA em curso poder

    permitir os atores avanarem alm de uma descrio

    tcnica das experincias de PSA para realmente avaliar

    as aes de governana e suas limitaes, de acordo

    com os pontos de vista daqueles engajados no

    processo.

    14

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

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  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    Em resumo

    O texto apresenta o processo e principais

    resultados obtidos na primeira fase da Iniciativa

    "Diretrizes para Poltica Nacional de Pagamentos por

    Servios Ambientais" que contou com a participao

    das organizaes WWF-Brasil, CIFOR, The Nature

    Conservancy, Fundao Grupo Boticrio de Proteo

    Natureza, IDPV, Imazon, IPAM, Movimento Empresarial

    pela Biodiversidade, Instituto Internacional de

    Educao do Brasil, Forest Trends e SOS Mata Atlntica.

    A Poltica Nacional de Pagamentos por Servios

    Ambientais objeto do Projeto de Lei 792/2007 que

    atualmente encontra-se na Comisso de Finanas e

    Tributao da Cmara dos Deputados, aguardando

    parecer final para ser encaminhado a Comisso de

    Constituio e Justia e, logo ao Senado. As

    recomendaes para a operacionalizao da PNPSA

    representam um posicionamento entre diversos

    especialistas e organizaes da sociedade civil

    interessadas no tema, buscando, entre outras

    finalidades: (I) contribuir para a melhoria do PL 792 e

    demais instrumentos legais para operacionalizao do

    Caminho do Meio: Propostas para a Operacionalizao da

    Poltica Nacional de Pagamentos por Servios

    Ambientais. Mariana Ferreira ; Marcos Rugnitz ; Claudio Klemz

    PSA no Brasil; (II) servir como material de referncia para

    a elaborao do respectivo decreto de regulamentao

    da Lei, bem como para o futuro decreto referente ao

    artigo 41 do novo Cdigo Florestal, que prope vrias

    modalidades de compensao para proprietrios que

    mantm ou reconstituem a Reserva Legal e/ou APPs,

    entre os quais o PSA; (III) contribuir para a formulao e

    execuo de iniciativas regionais (estaduais,

    municipais) e privadas. Para isso, foi necessrio

    elaborar um documento de referncia a partir da reviso

    do histrico da tramitao do PL-792/2007 na Cmara

    dos Deputados e consulta a especial istas e

    representantes da sociedade civil.

    A partir dessa informao foi elaborada uma

    verso preliminar das recomendaes, tendo

    inicialmente em considerao os comentrios e

    posicionamentos j apresentados pela sociedade civil

    aos relatores do PL, a partir de cinco encontros.

    O documento passou por trs rodadas de

    anlises dos especialistas, incluindo ainda uma

    reunio tcnica com parceiros realizada na cidade de

    1. Superintendncia de Polticas Pblicas - WWF-Brasil

    2. Especialista em Servios ecossistmicos, consultor WWF-Brasil

    3. Coordenao de Articulao Equipe de Servios Ambientais - The Nature

    Conservancy.

    16

    1 2 3

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

    Braslia no dia 4 de junho de 2014, na qual

    participaram 26 representantes de 16 instituies,

    incluindo entre estes a Sociedade Brasileira de

    Economia Ecolgica-ECOECO. O texto completo com

    as recomendaes para a operacionalizao da

    Poltica Nacional de PSA poder ser visualizado em

    http://www.wwf.org.br/informacoes/bliblioteca/.

    A Importncia e o Histrico do Tema.

    O tema de Pagamentos por Servios

    Ambientais/Ecossistmicos (PSA/E) tem se tornado uma

    agenda prioritria no Brasil com o fortalecimento de uma

    economia baseada na conservao florestal, produo

    agropecuria sustentvel e na manuteno dos servios

    essenciais do meio ambiente para a sociedade. Entre

    outros benefcios, o PSA/E busca reconhecer atravs de

    incentivos as aes de recuperao e/ou conservao

    ambiental, realizadas por indivduos ou grupos que

    visem garantir a proviso de servios ecossistmicos

    para a sociedade. O uso de tal instrumento econmico

    permite que beneficirios de servios ambientais

    remunerem financeiramente ou de outras formas os

    provedores de tais servios de modo a garantir a

    conservao dos ecossistemas.

    No Brasil, o tema ganhou fora em 1997, a partir

    da lei da Poltica Nacional de Recursos Hdricos que, de

    maneira preliminar, instituiu a necessidade de

    pagamento por uso da gua e reinvestimento na prpria

    bacia hidrogrfica. Posteriormente, em 2003, com a

    iniciativa do governo federal, comeou um programa de

    desenvolvimento socioambiental denominado

    Proambiente, visando compatibilizar a conservao do

    meio ambiente a processos de desenvolvimento rural

    regional na Amaznia.

    A partir da experincia do Proambiente e de

    iniciativas privadas desenvolvidas em paralelo, diversos

    projetos de lei sobre PSA foram propostos no mbito da

    Cmara dos Deputados, Senado e na esfera estadual,

    alm de serem abordados em diferentes polticas, leis e

    programas governamentais. Ao mesmo tempo, foi

    atravs de iniciativas locais, lideradas por estados,

    municpios, comits de bacias e iniciativa privada que

    as primeiras experincia prticas ganharam corpo.

    Atualmente, levantamentos destacam que existem mais

    de 28 iniciativas, incluindo leis e decretos identificados

    em nveis estadual e federal, assim como projetos de lei

    federais ainda em discusso relacionados a PSA e

    REDD+, sendo a maioria no Sudeste, Sul e Norte do

    Brasil.

    Nos ltimos anos um amplo coletivo vem

    trabalhado para instituir uma regulao federal sobre o

    PSA. Apesar de seu longo tempo de tramitao, o

    Projeto de Lei 792 de 2007 tem ganhado fora dentro do

    legislativo e executivo para ser votado e aprovado,

    inclusive, apoiando a implementao das alteraes no

    Cdigo Florestal, como uma alternativa manuteno

    de tais servios.

    Apesar de todas as informaes geradas pela

    sociedade civil brasileira e pelo governo, o PL 792 ainda

    carece de uma anlise de elementos estruturais

    relacionados governana necessria para a

    implementao assim como de que forma os recursos

    4. Marco regulatrio sobre pagamento por servios ambientais no Brasil / Organizao de Priscilla Santos; Brenda Brito; Fernanda Maschietto; Guarany Osrio; Mrio Monzoni. Belm, PA: IMAZON; FGV/ GVCes, 2012.

    17

    4

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    advindos de uma Poltica Nacional poderiam apoiar o

    desenvolvimento de projetos e assegurar o ganho em

    escala dos resultados.

    Principais questes identificadas

    Inicialmente a iniciativa buscou no dar foco

    em novas alteraes no PL atual (substitutivo de abril

    2014, Parecer n. 1 CFT) e concentrar esforos no apoio

    regulamentao da futura lei; afinal j se passaram sete

    anos de tramitao. Entretanto, o debate levou ao

    consenso de que a verso corrente do PL 792 ainda

    demanda anlises mais aprofundadas. Entre outros

    motivos, destaca-se:

    Conceitos bsicos: os conceitos estabelecidos

    diferem do consolidado na literatura e nas

    polticas de PSA j existentes. A carncia de

    clareza que persiste no PL pode dificultar a correta

    compreenso pelos parlamentares, bem como ter

    implicaes indesejveis ou resultar em

    sobreposies com outras legislaes existentes.

    o PL-792 prope a Abrangncia do Programa:

    instituio de um Programa Federal estruturado

    com recursos captados em um Fundo Federal,

    gerenciado por uma instituio financeira tambm

    Federal. A proposta de um Programa Federal

    poderia representar um obstcilo a iniciativas

    regionais (estaduais, municipais) e privadas j

    existentes. J a proposio de um Programa

    "Nacional" que estabelea as bases para o

    florescimento e disseminao de iniciativas

    regionais e locais tende a ser mais estratgico;

    Sobreposio com iniciativas estaduais: a verso

    atual do PL no estabelece as bases que

    permitiro a convergncia da PNPSA proposta e

    do Programa Federal com as polticas e

    legislaes j existentes;

    Iniciativas independentes pblicas ou privadas: o

    PL no considera iniciativas regionais e privadas

    em andamento e no apresenta garantias

    necessria liberdade para novas iniciativas e

    arranjos locais. Tambm no considera de forma

    clara a participao do setor privado como

    pagador e gerador de servios ambientais nem

    promove benefcios claros ao engajamento do

    setor;

    Sobreposio com outras polticas nacionais: A

    atual verso do PL demonstra sobreposio de

    elementos da Poltica Nacional e do Programa

    Federal (ex. critrios de elegibilidade) com outras

    polticas e legislaes relacionadas ao tema.

    Todavia, no fica claro como ser a convergncia

    da PNPSA com esses instrumentos;

    Acumulao de servios prestados: no permite

    que um provedor de servio ecossistmico esteja

    a s s o c i a d o a m a i s d e u m a i n i c i a t i v a

    (projeto/programa de PSE hdrico, carbono,

    biodiversidade, etc.), quando a grande inovao

    do conceito de PSA/E justamente a de

    reconhecer e recompensar a conservao dos

    ecossistemas e seus mltiplos servios;

    Sustentabilidade do financiamento: as fontes de

    recursos determinadas para constituir o Fundo

    Federal de PSA no identificam fontes ou

    mecanismos inovadores que garantam a

    sustentabilidade do Programa;

    18

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

    Tributao e impactos previdencirios sobre o

    provedor do servio: no h previso de garantias

    da manuteno de direitos previdencirios

    adquiridos pelo provedor do servio como o

    caso de produtores rurais da agricultura familiar;

    Transferncias no monetrias: a definio de

    PSA contempla a transferncia de recursos

    financeiros ou "outra forma de remunerao". No

    entanto, no h uma definio clara das

    modalidades e critrios de repasse dos benefcios

    para as transferncias no monetrias.

    Recomendaes

    As recomendaes apresentadas a seguir

    esto estruturadas em quatro temas que foram o foco de

    trabalho da Iniciativa PNPSA: (I) governana, (II)

    desenho e modalidades, (III) acesso a benefcios e

    salvaguardas socioambientais e (IV) financiamento.

    Governana

    Principais funes de governana a serem exercidas num sistema de PSA

    Assegurar mecanismos para o alinhamento com

    as polticas e legislaes vigentes;

    Garantir a coerncia com programas nacionais,

    e s t a d u a i s , r e g i o n a i s e m u n i c i p a i s d e

    recuperao, conservao da biodiversidade, e

    combate ao desmatamento;

    Garantir a coerncia entre iniciativas pblicas e

    privadas federais, estaduais e municipais

    especficas ao tema;

    Garantir alocao de recursos (humano e

    financeiro) e transparncia nas transaes de

    todos os processos associados;

    Garantir a adequada representao dos usurios

    e provedores na tomada de deciso referente ao

    sistema;

    O papel do setor privado

    Entidades do setor privado beneficiadas pelos

    servios ambientais e/ou ecossistmicos providos

    devem ser estimuladas a assumir um papel de (I) co-

    financiadoras junto ao Poder Pblico nos esquemas

    pblicos; (II) de financiadoras ao adequar-se s normas

    e legislaes nos mercados formais ou; (III) indutoras

    nos mercados voluntrios formulando ou financiando os

    esquemas onde houver negociao direta entre atores

    privados, sem a regulamentao pelo Poder Pblico;

    (IV) sensibilizadoras do valor e dos limites do capital

    natural, atravs de polticas dirigidas a todos os seus

    stakeholders.

    O papel das organizaes no governamentais

    As ONGs vm assumindo diversos e

    importantes papeis no desenvolvimento e preparao

    de iniciativas PSA, conforme seu foco de atuao. A

    continuao destas aes pode ser assegurada atravs

    de formas de distribuio de recursos pblicos (via

    editais de Fundos e/ou Convnios) que tambm

    beneficie este setor. Entre as aes promovidas pelas

    ONGs que beneficiam o desenvolvimento de esquemas

    PSA no pas, esto: mobilizao e articulao dos

    atores; administrao, execuo e financiamento de

    aes complementares ao PSA, fornecimento de

    19

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    servios ecossistmicos e ambientais (caso possuam

    ativos ambientais), participao em comits gestores

    dos programas, elaborao e fornecimento de

    ferramentas e metodologias que fundamentem,

    p a d r o n i z e m e o t i m i z e m a s a t i v i d a d e s d e

    desenvolvimento, execuo e monitoramento dos

    esquemas de PSA.

    Desenho e modalidades de PSA

    Critrios de priorizao de reas para o Programa Nacional de PSA

    Em linhas gerais, recomenda-se que o

    Programa Nacional estabelea prioridades de acordo

    com o grau de presso antrpica, alto nvel de fluxo de

    servio ecossistmico, proteo, manejo e estado de

    conservao das reas. Algumas das reas a serem

    priorizadas so:

    reas prioritrias para a conservao da natureza

    (oficialmente reconhecidos pelo MMA ou

    governos estaduais);

    Entorno e interior de Unidades de Conservao

    (UCs) de proteo integral e de uso sustentvel -

    pblicas ou privadas - e terras indgenas;

    reas que possibilitem a formao de corredores

    de biodiversidade entre UCs ou grandes

    remanescentes de vegetao nativa relevantes

    em seu contexto regional;

    reas de recarga hdrica, mananciais de

    abastecimento pblico e reas com maior

    densidade de rios e nascentes;

    reas com maior presena de reas ngremes;

    reas urbanas verdes ou com elevado potencial

    de prestao de servios ambientais, como

    controle de enchentes, drenagem de gua,

    permeabilidade do solo, e controle trmico.

    Critrios de elegibilidade de propriedades para participao de uma iniciativa PSA

    Os pr-requisitos devem filtrar e organizar a

    demanda, porm sem inviabilizar a participao da

    maioria e, consequentemente, a implantao de uma

    iniciativa PSA. Segue alguns exemplos:

    Possuir rea natural preservada ou com potencial

    de ser restaurada;

    Estar total ou parcialmente inserida na rea

    geogrfica de execuo do projeto;

    Atender legislao ambiental vigente.

    Lembrando que mecanismo de incentivo como o

    PSA pode ser um vetor da promoo da

    adequao ambiental em complemento ao

    comando e controle;

    Um fator importante na contratao dos

    proprietrios de terra a definio da lista documental

    que ser exigida pelo executor. Em diversas regies do

    pas a situao fundiria precria, resultando numa

    def icincia de documentao por parte dos

    proprietrios. Dessa maneira, o aconselhvel que a

    documentao que habilita o interessado deva ser

    estabelecida pelo arranjo institucional local (com base

    em requisitos padro definidos no nvel nacional), de

    acordo com os objetivos especficos do projeto e as

    20

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

    leis/normas que orientam as atividades do executor ou

    financiador. A identificao correta do proprietrio

    essencial para determinar os direitos e deveres num

    Contrato de Pagamento por Servios Ambientais. O

    Cadastro Ambiental Rural pode auxiliar no engajamento

    de interessados quando o mesmo j estiver implantado

    no Estado ou municpio em questo.

    Financiamento

    O financiamento proveniente de um Programa

    Nacional de PSA deve principalmente garantir as

    condies para a organizao e estruturao de

    iniciativas, auxiliando a cobrir os custos de transao,

    em detrimento de ser uma fonte direta de recursos para

    pagamentos por servios ambientais. Idealmente, a

    fonte direta do PSA deve advir do prprio arranjo local.

    Possveis fontes/instrumentos complementares para o financiamento de PSA em escala nacional

    O Fundo (Federal) determinado no PL-792 tem

    como objetivo financiar aes do Programa federal. A

    recomendao que Fundo seja nacional e que

    tambm possa ser acessado pelos estados, municpios,

    ONGs e entidades privadas, via editais de Fundos e/ou

    Convnios.

    Adicionalmente, o Programa e, o FNPSA devem

    evitar sobreposies e complementar aes produtivas

    e/ou de conservao f inanciadas por outros

    instrumentos econmicos ambientais existentes, tais

    como:

    Fundos como o Fundo de Defesa de Direitos

    D i f u s o s ( F D D ) , F u n d o N a c i o n a l d e

    Desenvolvimento Florestal (FNDF) e o Fundo

    Dema;

    Compensaes financeiras e royalties pagos pelo

    setor hidroeltrico e o setor da minerao.

    Taxas de reposio florestal (cobrada quando a

    madeira nativa explorada); de Controle e

    Fiscalizao do IBAMA (TCFA); sobre resduos

    slidos ou poluio;

    ICMS Ecolgico

    Formas de repasse dos recursos do PSA

    em escala nacional

    Os recursos devem ser transferidos, aps a

    aprovao das iniciativas, em duas modalidades:

    (I) diretamente: aos beneficirios e/ou s instituies

    locais executoras definidas na apresentao das

    propostas atendendo a chamadas estabelecidas pela

    entidade executora do Programa Nacional;

    (II) indiretamente: com o repasse s entidades

    responsveis nos estados e/ou municpios (ex.

    prefeituras, secretarias do ambiente), que por sua vez,

    repassam aos beneficirios e/ou instituies locais;

    Os pagamentos devem ser diferenciados,

    segundo as variaes nos custos de proviso (incluindo

    os custos de oportunidade) e o tipo de servio ambiental

    prestado. Deve ser assegurado aos prestadores de

    servios ambientais o direito de participar em mais de

    um t ipo de iniciat iva (PSA-hdrico, carbono,

    biodiversidade, etc.) caso seja devidamente

    comprovado as diferenas nos servios prestados. Os

    21

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    projetos devem poder utilizar recursos de diversas

    fontes pbl icas e privadas disponveis, sem

    sobreposies de servios prestados sociedade.

    Acesso a benefcios e salvaguardas socioambientais

    Os benefcios advindos dos servios

    ambientais devem ser acessados de forma justa,

    transparente e equitativa por aqueles que detm o

    direito de uso da terra e/ou dos recursos naturais e que

    promovem as atividades de conservao, uso

    sustentvel e recuperao florestal de acordo com o

    Artigo 15 da Conveno sobre Diversidade Biolgica

    (CDB) e com o Protocolo de Nagoya. Sobretudo, o

    instrumento deve garantir que os recursos (monetrios

    ou no) cheguem integralmente aos provedores do

    servio.

    Salvaguardas a serem consideradas para assegurar o adequado acesso aos benefcios

    Deve ser garantida a transparncia de

    informaes sobre as iniciativas PSA, incluindo no

    mnimo, aquelas re lacionadas aos aspectos

    metodolgicos, localizao e tamanho da rea,

    definio e participao dos atores envolvidos e

    afetados, s atividades a serem executadas, ao tempo

    de durao da iniciativa e os mecanismos de resoluo

    de conflitos. Estas informaes devem fazer parte do

    registro das iniciativas de PSA, disponveis numa

    plataforma de cadastro acessvel a toda a sociedade e

    potenciais financiadores, buscando evitar sobreposio

    de financiamentos na mesma rea para os mesmos

    servios ambientais/ecossistmicos providos.

    Principalmente, para iniciativas PSA que envolvam a

    populaes tradicionais e pequenos agricultores

    familiares:

    Devem ser garant idas as condies de

    participao em todas as etapas da iniciativa PSA

    e nos processos de tomada de deciso, inclusive

    quanto definio, negociao e distribuio dos

    benefcios.

    Os processos de tomada de deciso devem

    garan t i r de fo rma e fe t i va o d i re i t o ao

    consentimento l ivre, prvio e informado,

    considerando as representaes locais e o

    respeito forma tradicional de escolha de seus

    representantes;

    Apoiar o engajamento das comunidades

    localizadas em reas das iniciativas e no entorno;

    Promover a identificao de sua vocao para os

    servios ambientais;

    As populaes localizadas na rea de influncia

    das iniciativas tambm devem ser informadas

    sobre as aes e potenciais benefcios e impactos

    relacionados ao PSA;

    Promover a adequao das potencialidades da

    comunidade com as demandas do PSA;

    Em terras pblicas e reas protegidas,

    principalmente, em reas que envolvam povos

    indgenas, agricultores familiares e comunidades

    tradicionais, ou em iniciativas PSA que utilizem recursos

    22

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

    pblicos, deve ser garantida tambm a transparncia

    de informaes relacionadas captao, aplicao e

    distribuio dos benefcios, e prestao de contas

    peridica.

    O que vem depois?

    Passada a primeira fase de formulao das

    recomendaes para operacionalizao da PNPSA o

    prximo passo para dar o devido seguimento

    participao da sociedade civil no processo de

    elaborao e operacionalizao da poltica ser a

    articulao com outros processos e setores, buscando

    maior convergncia nas aes destinadas a influenciar

    positivamente a Poltica Nacional de PSA. Entre as

    aes previstas para a nova fase espera-se: (I)

    identificar principais demandas comuns aos diferentes

    setores (sociedade civil, setor produtivo, academia,

    comunidades locais); (II) realizar reunies de anlise da

    situao com atores chave no Executivo e Legislativo; e

    (III) revisar o contedo do PL atual com base nas

    recomendaes aqui propostas e dos demais setores .

    5.Em um processo concomitante, o CEBDS formulou o documento:

    "Pagamento por Servios Ambientais: Recomendaes para o marco

    R e g u l a t r i o B r a s i l e i r o " ( p a r a s a b e r m a i s c o n s u l t a r :

    ht tp: / /cebds.org.br /publ icacoes/pagamento-por-serv icos-

    ambientais/#.VD1KHmddXwY)

    23

    5

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    Introduo

    O Cdigo Florestal Brasileiro (CF), criado em

    1965, estabeleceu que todas propriedades privadas

    devem manter uma "reserva legal" em vegetao natural

    com base em uma proporo fixa da rea da

    propriedade, diferenciada por bioma. Os proprietrios

    de terras muitas vezes ignoraram a lei, o que tornou sua

    aplicao e exigncia muito cara e difcil por exigir

    restaurao em reas j convertidas para a agricultura.

    As recentes alteraes do CF (Lei No. 12.651/2012)

    trouxeram a oportunidade para os proprietrios de

    terras que no cumprem os requisitos da reserva legal

    de serem compensados por outros que tem rea de

    vegetao natural em excesso ou planejam restaurar

    reas acima do exigido pelos requisitos legais mnimos.

    A lgica econmica por trs do instrumento

    deriva da existncia de custos de oportunidade

    diferentes para reas com diferentes aptides

    produtivas. A opo por negociaes privadas, por

    meio de um ativo denominado pela nova legislao de

    Cotas de Reserva Ambiental (CRA), provocou

    considervel entusiasmo como um meio para alcanar

    uma maior adequao ambiental das propriedades

    rurais. No entanto, tambm existe controvrsia a

    Cotas de Reserva Ambiental (CRA) na Nova Legislao

    Florestal Brasileira: Uma Avaliao Ex Ante

    Peter H. May , Paula Bernasconi , Sven Wunder e Ruben Lubowski

    respeito da potencial eficcia ambiental e eficincia

    econmica e das preocupaes sociais que podem

    advir, dependendo como venha a ser implementado. O

    presente estudo traz as principais concluses de uma

    avaliao do potencial do mecanismo CRA para

    complementar outros instrumentos como um meio para

    alcanar um maior cumprimento da legislao florestal.

    Para isso, foram analisadas a experincia internacional

    com instrumentos econmicos semelhantes, bem como

    estudos focados no caso brasileiro que simularam os

    resultados potenciais do instrumento. Entrevistas com

    alguns dos principais atores envolvidos com a questo

    complementam a reviso da literatura.

    Histrico do CRA e outros direitos

    negociveis

    Com base em nossa reviso de experincias

    com o instrumento, denominado de "direitos de

    desenvolvimento negociveis" (Tradable Development

    Rights - TDR) nos Estados Unidos e em pases em

    desenvolvimento como a ndia e China, fica claro que a

    fora desses mercados ambientais depende em grande

    Os autores agradecem a colaborao na reviso de literatura internacional

    feita por Pasha Feinberg e pelos comentrios de Jan Brner e Frederik Noack

    em verses preliminares desse documento. Esse artigo est baseado no

    relatrio "Environmental Reserve Quotas in Brazil's New Forest Legislation: An

    Ex Ante Appraisal", que parte de um projeto que recebeu apoio financeiro do

    CIFOR, EDF, e da Unio Europeia, em um acordo de cooperao tcnica com o 24

    1 2 3 4

    Ministrio do Meio Ambiente (MMA) do Brasil. 1. Professor do CPDA/UFRRJ e Presidente da ECOECO

    2. Gestora ambiental e Mestre em Desenvolvimento Econmico (Ambiental)

    3. Economista Principal, Centro Internacional de Pesquisa Florestal (CIFOR)

    4. Economista Ambiental, Environmental Defense Fund (EDF)

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

    medida do escopo dos direitos negociveis e da

    existncia de demanda suficiente para intensificao do

    uso da terra . Se o mercado local para o comrcio for

    morno, ou confinado a uma rea excessivamente

    restrita, os preos talvez precisem ser estimulados

    atravs da criao de "bancos" ou da compra

    complementar de direitos de desenvolvimento por parte

    do poder pblico ou entidades conservacionistas, com

    posterior liberao para o mercado quando a demanda

    se materializar. Outra forma para aumentar o valor das

    terras oferecidas em troca consiste em estabelecer um

    limiar para o crescimento.

    Em geral, o fator mais importante a existncia

    de restr ies em ambas as reas de "envio"

    (conservao) e "recebimento" (intensificao de uso)

    dos direitos, que tornam a comercializao necessria

    para alcanar os objetivos dos proprietrios.

    Experincias em TDR sugerem que um escopo de

    negociao excessivamente amplo pode minar em

    muito os efeitos ambientais desta transao, bem como

    reduzir o valor recebido pelas propriedades das reas

    de envio, devido ao excesso de oferta. No caso da CRA

    no Brasil, muitos dos estudos analisados consideram

    como linha de base a eficcia na implementao das

    restries da legislao florestal com respeito s reas

    protegidas. No entanto, como tal cumprimento foi raro no

    passado e, pelo relaxamento das exigncias em

    comparao com o Cdigo Florestal, dificilmente ser

    cumprido em todos os casos no futuro, apesar da opo

    da CRA.

    Efetividade ecolgica A maioria dos estudos sobre o potencial do

    CRA no Brasil concorda com a experincia internacional

    de que a eficcia ecolgica e a viabilidade econmica

    do mecanismo esto fortemente associadas ao escopo

    do mercado. Os estudos que comparam diferentes

    cenrios concluem que quanto maior o escopo, maiores

    as possibilidades do mercado. Alm disso, os custos

    para os compradores sero mais baixos, e o valor total

    do mercado pode ser maior. Por outro lado, como

    Sparovek (2012) adverte, um escopo muito amplo para o

    mercado de CRA ir resultar em grande perda de

    funes ecossistmicas.

    Como o Brasil um pas imenso e a rea de

    seus biomas tambm imensa, um escopo de mercado

    no bioma inteiro pode resultar em concentrao de

    conservao em reas onde h baixo risco de

    desmatamento devido baixa aptido para a agricultura

    ou distncia do mercado, enquanto intensifica reas j

    bastante degradadas onde h necessidade de restaurar

    os ecossistemas para assegurar a proviso de servios

    ambientais. Alm disso, existem muitas tipologias e

    ecossistemas diferentes dentro do mesmo bioma que

    podem acabar sendo sub-representadas num escopo

    mais amplo. A perspectiva de mercados segmentados

    que abordem melhor tanto os custos de oportunidade

    quanto os critrios ambientais devem ser contempladas

    dentro das regulamentaes e definies de

    prioridades dos Estados, conforme definido pelas

    normas emitidas em maio de 2014 (Decreto 8.235/2014).

    2. Em outros pases, o TDR tipicamente utilizado para preservar reas de alto

    valor ambiental, em troca da permisso para incrementos alm do permitido

    pelo zoneamento local na densidade de ocupao de reas vizinhas (veja

    SANTOS, et al. (2011), para uma anlise comparativa).

    25

    2

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    Alm disso, estudos mostram que alguns

    biomas tero perspectivas de mercado potencialmente

    baixas, porque ou h falta de oferta de zonas com

    excedentes (como na Mata Atlntica), ou h um excesso

    substancial da oferta (caso da Caatinga). O ltimo caso

    de especial preocupao, pois um excesso de oferta

    de CRA pode resultar em preos muito baixos para

    essas reas de floresta no mercado, resultando em

    ameaa de desmatamento das reas que no

    encontrarem demanda.

    Isto implica que, em geral, h um trade-off entre um

    escopo mais amplo, com menores custos de

    oportunidade, e um escopo mais restrito e com uma

    menor perda ecolgica para reas prioritrias para a

    conservao.

    Outro ponto importante levantado pelos

    estudos a diferenciao entre o excedente (CRA) que

    pode ser objeto de desmatamento e o que no pode .

    Por definio, estes tm diferentes custos de

    oportunidade. Em um mercado com excesso de oferta,

    essa diferena significa que parte do excedente que

    pode ser legalmente desmatada tende a ser convertido.

    Neste caso, o mercado de CRA ir desempenhar um

    papel de compensar alguns proprietrios de terra que,

    incentivados pelo preo, desistiro de desmatar sua

    floresta excedente, mas no vai evitar todos os novos

    desmatamentos.

    O impacto potencial do instrumento em termos

    de eficcia para a conservao foi diludo com o decreto

    de 05 de maio de 2014, que ampliou o conceito de "rea

    prioritria" fora de um determinado estado que poderia

    ser utilizada para compensao. Isto resultou num

    3. Pela nova legislao, excedentes que podem ser desmatados so

    diferenciados devido ao tamanho da propriedade e a presena ou no de

    zoneamento ecolgico-econmico no estado em questo.

    aumento adicional na oferta potencial que, somado com

    a reduo drstica da demanda (causada pelas anistias

    da legislao de 2012), podem reduzir a eficcia

    ecolgica da CRA. Isso aumenta a probabilidade de que

    a CRA tender apenas a ser emitida em reas muito

    marginais com custos de oportunidade muito baixos e,

    portanto, baixo risco de desmatamento.

    Seguindo o mesmo argumento, se o mercado

    fosse dominado pela CRA oriunda de Unidades de

    Conservao (Ucs), como simulado por Bioflica /

    ICONE (2013), isso tambm apresentaria baixa

    adicionalidade, pois essas reas j esto legalmente

    protegidas e terminariam sendo usadas para substituir

    as reas que potencialmente poderiam ser restauradas,

    pois teriam baixo custo de oportunidade. Para evitar

    estes resultados, os estados devem ser estimulados a

    elaborar seus Programas de Regularizao Ambiental

    (PRA), com uma seleo de reas prioritrias que

    poderia justificar que eles no aceitaro CRA emitidas

    fora do Estado ou em UCs. Isto, na nossa opinio, ser

    importante para garantir que os excedentes florestais no

    interior do estado sejam valorizados e para reduzir o

    risco deles serem desmatados, ao mesmo tempo que

    no desestimule completamente restaurao.

    Eficincia Econmica

    Quando se discute a eficincia do instrumento,

    os estudos e entrevistas apontam que a implementao

    de um mercado para a CRA pode contribuir adicionando

    valor monetrio vegetao nativa conservada em

    propriedades privadas, alm de permitir que

    26

    3

  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

    possibilidade de mudar o status da rea posteriormente,

    se o valor do CRA j no for de interesse financeiro ou

    para refletir mudanas nos custos de oportunidade da

    produo. Embora tais servides no foram muito

    usadas no CF anterior, devido insuficiente presso

    pelo cumprimento da reserva legal, esta opo pode ser

    prefervel nos termos da legislao vigente.

    Aspectos distribucionais e de equidade

    social

    Poucos estudos abordaram os aspectos

    distributivos e de equidade social do mercado de CRA.

    Os custos de transao podem excluir boa parte das

    propriedades de menor porte do mercado. Embora a lei

    exija especificamente que o poder pblico deva prestar

    assistncia tcnica aos pequenos agricultores no

    registro no CAR e na emisso de CRA, ainda h muito a

    ser feito para garantir que essas propriedades sero

    capazes de participar no mercado e receber uma

    compensao financeira para as suas reas de

    vegetao natural. Isso porque a maioria dos pequenos

    proprietrios no possuem os ttulos de propriedade da

    terra, portanto no poderiam emitir CRA pelas

    exigncias da legislao. Uma possibilidade prevista

    para apoiar a sua participao estimular agentes a

    trabalharem como "agregadores" prestando assistncia

    tcnica e promovendo escala.

    Dois pontos mencionados por Chomitz (2004)

    tm uma influncia sobre esses aspectos sociais: 1) Um

    mercado restrito a propriedades maiores tende a ter

    menores custos de t ransao porque esses

    proprietrios tm maior facilidade em lidar com a

    4. Entrevistados: Helena Carrascosa (SMA-SP) e Raul do Valle (ISA)

    propriedades em dficit no tenham que restaurar na

    prpria propriedade. Porm, nenhuma das simulaes

    calcula os custos de transao envolvidos. A maioria

    reconhece que a literatura diz que tais custos devem ser

    muito elevados e, por vezes proibitivos, mas este

    aspecto ainda exige mais pesquisas empricas,

    especialmente porque os estudos no abordam

    recomendaes para a sua reduo. A nica hiptese

    discutida (mas no testado) a de que quanto maior o

    escopo geogrfico do mercado, maiores os custos de

    transao envolvidos. Isso devido dificuldade de

    monitoramento e fiscalizao do funcionamento do

    sistema quando os compradores e vendedores esto

    longe um do outro, por exemplo, em dois estados

    diferentes. Mesmo no mesmo estado, os custos

    associados com o monitoramento do cumprimento com

    a legislao sero onerosos; ainda mais em situaes

    longnquas.

    A maioria dos resultados dos modelos

    analisados indicam que o valor de CRA ser insuficiente

    para cobrir os custos de oportunidade da produo

    agrcola, embora possa compensar se for usada a

    opo de regenerao natural em pastagens marginais,

    com baixa produtividade. Assim, a venda de CRA de

    reas de oferta pode vir a atuar mais como prmio de

    consolao para aqueles que preservaram mais do que

    o exigido por lei. Alguns entrevistados (Carrascosa,

    Valle ) mencionaram a durao dos contratos como uma

    varivel chave para atrair interesse dos potenciais

    vendedores. O interesse em emisso da CRA seria

    maior em contratos temporrios do que em servides

    permanentes, devido perspectiva de um fluxo regular

    de pagamentos de alugueis, e tambm pela

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    4

  • EC EC Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica

    burocracia desse mercado e seu reduzido nmero

    representa um substancialmente menor esforo

    administrativo para as autoridades pblicas. 2) A

    restrio a grandes propriedades tambm poderia ser

    mais eficaz para a conservao, porque essas

    propriedades concentram a maior parte da rea de

    excedentes (especialmente fragmentos maiores). A

    presso da cadeia de suprimentos para o agronegcio

    cumprir com exigncias ambientais pode agir como

    mais um fator motivador no lado da demanda.

    A nova legislao mudou as regras para

    clculo do excedente nas pequenas propriedades (at

    4 mdulos fiscais) para abordar de alguma forma as

    implicaes distributivas dos requisitos de reserva

    legal, dando mais vantagens para elas. Alguns estudos

    mostram que os pequenos agricultores poderiam em

    consequncia ter uma forte participao na oferta de

    CRA (e nenhuma participao na demanda, por

    definio). No entanto, essa perspectiva ainda no foi

    testada na prtica em amplo escopo (mas veja o artigo

    neste nmero sobre o potencial da CRA em Cotriguau-

    MT).

    Discusso final

    O que os estudos e entrevistas mostram que,

    apesar das grandes expectativas que esto sendo

    colocados na CRA, o seu potencial tem sido

    severamente prejudicado pela anistia, reduo de

    riscos e permisso para o mercado interestadual no

    contexto da nova legislao florestal. A CRA no de

    forma alguma uma panaceia que vai resolver todos os

    problemas de conservao de florestas em terras

    privadas no Brasil, e para ser eficaz deve ser utilizada

    em combinao com outros instrumentos, e no

    substitu-los. Na verdade, outros instrumentos que

    compensem os proprietrios de terras a adotarem

    me lho res p r t i cas e p ro te jam as f l o res tas

    remanescentes, como pagamentos por servios

    ambientais ou crdito subsidiado, podem ser mais

    eficazes do que a CRA. Acima de tudo, a sua eficcia

    depender do efetivo acompanhamento e fiscalizao

    das restries de uso da terra na prpria legislao

    florestal e dos esforos contnuos para motivar a

    restaurao de reas degradadas.

    Em resumo, a reviso da literatura sugere que

    as seguintes pr-condies devem ser consideradas

    para o funcionamento do mercado de CRA: (I) situao

    fundiria consolidada; (II) reas alocadas para proteo

    sujeitas fiscalizao; (III) instituies fortes de

    regulao que fiscalizem e garantam o cumprimento da

    le i em ambas as propr iedades ofer tantes e

    demandantes de CRA e (IV) custos de transao

    razoveis. Para garantir a adicionalidade (isto , maior

    benefcio ambiental do que se espera do "business as

    usual") tanto as reas de oferta como as de demanda

    devem ser consideradas ameaadas, seja com presso

    de fiscalizao para cumprimento da lei, seja com

    presso para desmatamento e consequente perda de

    valores ambientais. Desses pr-requisitos, fica claro que

    sem uma forte fiscalizao do cumprimento da

    legislao florestal, improvvel que a negociao

    prospere.

    Por fim, um aspecto muitas vezes citado se o

    sistema de transaes e usos do solo realisticamente

    possa ser monitorado e fiscalizado. O mercado de CRA,

    como qualquer esquema de TDR, requer um sistema de

    regist ro robusto e tambm um processo de

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  • EC ECBoletim N 32/33 Janeiro a Dezembro de 2013

    monitoramento e acompanhamento muito bom como

    requisito mnimo para seu funcionamento. Este

    particularmente importante no caso de existir diferentes

    estados e diferentes sistemas de cadastro para serem

    integrados. A importncia da fiscalizao para

    cumprimento da reserva legal tambm crucial: sem

    presso do governo, bancos e compradores na cadeia

    produtiva aos proprietrios a cumprir com as exigncias

    mnimas da lei, no haver qualquer demanda, portanto,

    no existir mercado.

    Consideraes para aprofundamento de pesquisas sobre o tema

    Nossa reviso das potenciais dificuldades e

    oportunidades associadas implementao do

    mercado de CRA no Brasil est longe de esgotar as

    questes estimuladas neste debate. Para fornecer uma

    avaliao mais completa, uma srie de questes surge

    como merecedora de pesquisas mais aprofundadas,

    enumerada a seguir. Em parte, essas questes podem

    ser abordadas com base nas simulaes j realizadas

    por outros autores, mas algumas podem exigir

    si