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BOLETIM Surto de gastroenterite por Rotavírus eletrônico EPIDEMIOLÓGICO continua na página 2 Secretaria de Vigilância em Saúde ANO 06, N O 08 31/12/2006 EXPEDIENTE: Ministro da Saúde José Gomes Temporão Secretário de Vigilância em Saúde Gerson Oliveira Penna Ministério da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde Edifício Sede - Bloco G - 1 o Andar Brasília-DF CEP: 70058-900 Fone: (0xx61) 315.3777 www.saude.gov.br/svs SURTO DE GASTROENTERITE POR ROTAVÍRUS NO MUNICÍPIO DE RIO BRANCO-AC Introdução A doença diarréica aguda (DDA) é um dos grandes problemas de saúde pública no mundo, sendo uma das principais causas de morbidade e mortalidade infantil em crianças menores de cinco anos de idade, prin- cipalmente em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. 1 A DDA é de etiologia diversificada e pode ser causada por vírus, bac- téria, enteroparasitas; e, às vezes não-infecciosas (toxinas). Globalmente, o rotavírus é o principal agente etiológico viral de diarréia aguda grave em menores de cinco anos de idade. 2,5 É o responsável por mais de 125 milhões de casos de gastroenterites agudas em crianças e cerca de 440 mil óbitos ao ano: 82% desses óbitos em países em desenvolvimento. 3,4,7 A incidência da rotavirose é similar, tanto nos países em desenvolvi- mento quanto desenvolvidos. 4 O gênero do rotavírus faz parte da família Reoviridea e possui, até o momento, sete grupos (A, B, C, D, E, F e G), genótipos ou sorotipos (G-VP7 e P-VP4) e subgrupos (I e II). 4 Os grupos A-C são os que infectam os seres humanos; contudo, o grupo A possui a maioria das cepas. 6 Os principais sorotipos de importância mundial são: G1P[8]; G2[P4]; G3P[8]; e, G4P[8]. O sorotipo G9P[8] é considerado como uma das doenças emergentes e o quinto em impor- tância epidemiológica universal. 6 Antecedentes No dia 19 de agosto de 2005, a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde foi notificada pela Secretaria de Estado da Saúde do Acre (SES/AC) sobre o aumento do número de casos de diarréia aguda com febre e vômito na população do Município de Rio Branco-AC. No período de 14 a 19 de agosto, foi notificado um total de 816 doentes de doença diarréica aguda (DDA): um aumento de 70% em relação ao mesmo período do ano anterior. Foram coletadas duas amostras de fezes, ambas com resultado positivo para rotavírus. Nesse mesmo período, foi registrada a ocorrência de dois óbitos em crianças menores de dois anos de idade. No dia 20 de agosto de 2005, a Secretaria de Estado da Saúde do Acre solicitou apoio técnico da SVS para investigação. Objetivos da investigação Confirmar a existência do surto. Descrever o surto por pessoa, tempo e lugar. Confirmar a identificação de prováveis agentes etiológicos. Determinar possíveis fatores de risco para o óbito. Determinar as práticas: de higiene, preparo dos sais de reidratação oral (SRO) e consumo da água de beber. Recomendar medidas de prevenção e controle.

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BOLETIM

Surto de gastroenterite por Rotavírus

eletrônicoEPIDEMIOLÓGICO

continua na página 2

Secretariade Vigilância em Saúde

ANO 06, NO 0831/12/2006

EXPEDIENTE:

Ministro da SaúdeJosé Gomes Temporão

Secretário de Vigilância em SaúdeGerson Oliveira Penna

Ministério da SaúdeSecretaria de Vigilância em SaúdeEdifício Sede - Bloco G - 1o Andar

Brasília-DFCEP: 70058-900

Fone: (0xx61) 315.3777

www.saude.gov.br/svs

SURTO DE GASTROENTERITE POR ROTAVÍRUS NO MUNICÍPIO DE RIO BRANCO-AC

Introdução A doença diarréica aguda (DDA) é um dos grandes problemas de

saúde pública no mundo, sendo uma das principais causas de morbidade e mortalidade infantil em crianças menores de cinco anos de idade, prin-cipalmente em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.1

A DDA é de etiologia diversificada e pode ser causada por vírus, bac-téria, enteroparasitas; e, às vezes não-infecciosas (toxinas). Globalmente, o rotavírus é o principal agente etiológico viral de diarréia aguda grave em menores de cinco anos de idade.2,5

É o responsável por mais de 125 milhões de casos de gastroenterites agudas em crianças e cerca de 440 mil óbitos ao ano: 82% desses óbitos em países em desenvolvimento.3,4,7

A incidência da rotavirose é similar, tanto nos países em desenvolvi-mento quanto desenvolvidos.4 O gênero do rotavírus faz parte da família Reoviridea e possui, até o momento, sete grupos (A, B, C, D, E, F e G), genótipos ou sorotipos (G-VP7 e P-VP4) e subgrupos (I e II).4

Os grupos A-C são os que infectam os seres humanos; contudo, o grupo A possui a maioria das cepas.6 Os principais sorotipos de importância mundial são: G1P[8]; G2[P4]; G3P[8]; e, G4P[8]. O sorotipo G9P[8] é considerado como uma das doenças emergentes e o quinto em impor-tância epidemiológica universal.6

AntecedentesNo dia 19 de agosto de 2005, a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS)

do Ministério da Saúde foi notificada pela Secretaria de Estado da Saúde do Acre (SES/AC) sobre o aumento do número de casos de diarréia aguda com febre e vômito na população do Município de Rio Branco-AC.

No período de 14 a 19 de agosto, foi notificado um total de 816 doentes de doença diarréica aguda (DDA): um aumento de 70% em relação ao mesmo período do ano anterior. Foram coletadas duas amostras de fezes, ambas com resultado positivo para rotavírus.

Nesse mesmo período, foi registrada a ocorrência de dois óbitos em crianças menores de dois anos de idade. No dia 20 de agosto de 2005, a Secretaria de Estado da Saúde do Acre solicitou apoio técnico da SVS para investigação.

Objetivos da investigação• Confirmar a existência do surto.• Descrever o surto por pessoa, tempo e lugar.• Confirmar a identificação de prováveis agentes etiológicos.• Determinar possíveis fatores de risco para o óbito.• Determinar as práticas: de higiene, preparo dos sais de reidratação oral

(SRO) e consumo da água de beber.• Recomendar medidas de prevenção e controle.

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2 - SVS - Boletim eletrônico EPIDEMIOLÓGICO - ANO 06 - No 08 - 31/12/2006

Surto de gastroenterite por Rotavírus (continuação)

Métodos

Estudo descritivoFoi realizada uma busca ativa retrospectiva no Município

de Rio Branco-AC, a partir do início do surto, incluindo a busca de óbitos. As coletas das informações foram realizadas por meio do levantamento de prontuários médicos (13.773 prontuários) do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco-AC (HUERB) e mediante notificação dos do-entes pelo monitoramento das doenças diarréicas agudas (MDDA).

Definiu-se como doente qualquer pessoa residente ou visitante do Município de Rio Branco-AC, que tivesse apresentado diarréia (ocorrência de três ou mais evacuações líquidas ou semilíquidas no período de 24 horas) e/ou febre e vômito ou registro clínico de gastroenterite aguda no pe-ríodo de 29 de maio a 15 de outubro de 2005.

Utilizou-se uma planilha com dados de identificação e principais sinais e sintomas, para registro dos dados.

Estudo analítico

Caso-controle Realizou-se um estudo pareado por idade (dois meses a

menos até seis meses a mais da idade do paciente-caso) e local de residência (vizinho mais próximo). Foram adotadas as seguintes definições:

Paciente-casoCriança menor de cinco anos de idade, residente em

Rio Branco-AC, com quadro inicial de diarréia e/ou, febre e vômito, que tivesse evoluído para óbito por desidratação, choque hipovolêmico ou septicemia no período de maio a setembro de 2005.

ControleCriança menor de cinco anos de idade, residente em

Rio Branco-AC, que tivesse apresentado diarréia e/ou febre e vômito de maio a setembro de 2005 e que não evoluiu para óbito.

Foram realizadas entrevistas com as famílias dos óbitos, mediante um instrumento padronizado (questionário) com as seguintes variáveis:• Dados sociodemográficos: idade; sexo; data de

nascimento; dados de identificação da mãe ou responsável; e renda da família.

• Exposições: origem, armazenamento, tratamento e consu-mo da água de beber; lavagem das mãos antes do preparo dos alimentos e após o uso do banheiro e troca de fraldas; uso do leite materno; alimentos consumidos; utilização, conhecimento, uso e diluição adequada do sais de reidra-tação oral (SRO); e casos semelhantes na família.

• Informações gerais: dados sobre imunização, tratamento e assistência.

• Sinais e sintomas: presença de diarréia, febre, vômito, anorexia, dor abdominal, tosse, coriza, náuseas ou outros sintomas relatados.

Processamento e análise dos dadosOs testes estatísticos usados para as variáveis contínuas

foram: t de student ou Kruskal-Wallis. Para as variáveis cate-góricas, adotou-se o teste Qui-quadrado ou Exato de Fisher. Foi calculada a Odds-Ratio pareada (mOR) como medida de associação, e o intervalo de confiança de 95% (IC

95%). Um

valor de p<0,05 foi considerado significante.Os dados foram processados e analisados pelo software

Epi Info, versão 6.04d (CDC, Atlanta, EUA).Para todos os casos, foi recomendada a coleta de material

fecal (fezes in natura e swab retal/fecal). Amostras foram conservadas a 4oC por até uma semana depois da coleta.

As amostras fecais foram encaminhadas para os seguintes laboratórios de referência nacional e regional: Laboratório de Saúde Pública do Acre (Lacen/AC), Laboratório de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen-DF), Instituto Evandro Chagas (IEC-PA), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-RJ) e Instituto Adolfo Lutz (IAL-SP), para a identificação de possíveis agentes etiológicos. Foram realizados os seguintes testes: • Coprocultura: bactérias – Vibrio cholerae, Salmonella

Typhi, Shigella sp, Escherichia coli e Aeromonas sp.

• Microscopia óptica (Hoffman): protozoários – Cryptos-poridium parvum, Cyclospora sp e parasitas oportunis-tas.

• Aglutinação em látex, eletroforese em gel de policriamida (PAGE), ensaio imunoenzimatico (ELISA) e reação em cadeia da polimerase por transcrição reversa (RT-PCR): rotavírus, norovírus, astrovírus e adenovírus.As amostras ambientais (água potável) foram encami-

nhadas para o Lacen/AC. Foram coletadas amostras de água do sistema de abastecimento de água (SAA) e de solução al-ternativa individual (SAI). Foram realizadas análises bioquí-micas, físico-químicas (cor, turbidez e cloro residual livre) e bacteriológicas (coliformes totais e termotolerantes).

Resultados

Estudo descritivoAo avaliar o comportamento das doenças diarréicas

agudas no município, a partir dos dados da monitorização das doenças diarréicas agudas (MDDA) entre 1997 e 2004, observou-se um aumento no número de crianças com diarréia aguda notificada a partir de 29 de maio de 2005 (SE 22), considerada a semana epidemiológica de início do surto (Figura 1).

Figura 1 - Diagrama de controle da ocorrência de gastroenterite aguda pela MDDA em Rio Branco-AC. Brasil, 2005

1400

1200

1000

800

600

400

200

0

Semana epidemiológica

N° de casos

1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51

Lim sup Média 2005 Lim inf

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31/12/2006 - ANO 06 - No 08 - Boletim eletrônico EPIDEMIOLÓGICO - SVS - 3

Surto de gastroenterite por Rotavírus (continuação)

Durante o ano de 2005, da semana epidemiológica (SE) 22 a 41, foram notificados um total de 12.145 doentes no Município de Rio Branco-AC (Figura 2).

A incidência foi maior entre crianças menores de cinco anos de idade (21%, ou 7.757), significativamente mais alta quando comparada com a faixa etária maior ou igual a cinco anos (Tabela 1).

Nota-se que os casos notificados (representado com pontos de cor azul, vermelho ou preto) no mapa acima foram distribuídos amplamente no Município e cada ponto observado no mapa equivale a um doente.

Os principais sintomas apresentados nos casos suspeitos notificados a MDDA foram: diarréia, 81% (1.218); vômito, 75% (1.139); febre, 67% (1.012); e dor abdominal, 14% (206) (Figura 4).

Figura 2 - Casos de gastroenterites aguda por semana epidemiológica em Rio Branco-AC. Brasil, 2005

Tabela 1 - Incidência de gastroenterite aguda segundo faixa etária em Rio Branco-AC. Brasil, 2005

Faixa etária (anos) Incidênciaa IC9

5%Valor de p

≤5 21 12,1-13,0 <0,001

>5 2 - -

a) por 100

Como resultado da busca ativa retrospectiva, dos 1.558 doentes que preencheram os critérios de definição de caso, 52% (1.139) são do sexo masculino e estão distribuídos em vários bairros do Município. Esse mapa mostra a distribui-ção de casos de diarréia em Rio Branco-AC no período do surto (Figura 3).

Figura 3 - Distribuição dos doentes com gastroenterite aguda pela MDDA em Rio Branco-AC. Brasil, 2005

Figura 4 - Principais sinais e sintomas dos doentes com gastroenterite aguda pela MDDA em Rio Branco-AC. Brasil, 2005

Oito crianças menores de cinco anos foram a óbito (taxa de mortalidade 0,1%). Entre os pacientes-caso, a ida-de mediana foi de sete meses (intervalo: dois a 16 meses), 57% (quatro) são do sexo masculino e eram moradores da zona urbana, distribuídos um em cada bairro do Mu-nicípio. Quanto aos sintomas, 86% (seis) apresentaram a tríade: febre, vômito e diarréia. Todos fizeram uso de sais de reidratação oral em casa, 86% (seis) não fizeram à diluição do soro de forma adequada. Todos são moradores de zona urbana sem saneamento básico.

Sobre o consumo de água, 71% (cinco) consomem água da família do Sistema de Abastecimento de Água e Esgoto de Rio Branco (SAERB) e 29% (dois), água de poço, 20% (um) relata ter interrupção no abastecimento da água de uma a três vezes por semana.

Em relação ao armazenamento e tratamento da água, 57% (quatro) armazenam a água de beber da família em recipiente aberto, 43% (três) referem tratar a água de beber; destes, 100% (três) tratam a água com hipoclorito de sódio 2,5%. Mais da metade possui privada sem descarga 86%, (seis) e 100% (sete) possuem esgoto a céu aberto.

Sobre os dados referentes ao tratamento e assistência, 86% (seis) referiram conhecer o soro de reidratação oral; destes, 83% (cinco) têm conhecimento do soro caseiro. Quando perguntado sobre sua utilidade, 57% (quatro) refe-rem que serve para hidratar, 29% (dois) para interromper a diarréia e 29% (dois) não sabem qual a finalidade do SRO.

Quanto ao atendimento médico, 86% (seis) referiram ter ido a unidade de saúde e em 67% (quatro) foi indicado soro de reidratação oral em casa com prescrição para 50% (dois) de paracetamol e 40% (dois) de sulfa.

Estudo analíticoNa análise univariada, os pacientes-casos tiveram 11 vezes

mais chances de armazenar a água de beber em recipientes abertos, quando comparados aos controles (Tabela 2).

Outras características avaliadas não se mostraram signi-ficativas estatisticamente, tais como sexo, doença anterior, cômodo, origem e tratamento da água de consumo, tipo de privada, hábitos de higiene, tipo de fralda, origem e

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0Diarréia Vômito Febre Dor abdominal

Sinais e sintomas

% de casos

1400

1200

1000

800

600

400

200

016

Semana epidemiológica

N=12.145

N° de casos

17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41

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4 - SVS - Boletim eletrônico EPIDEMIOLÓGICO - ANO 06 - No 08 - 31/12/2006

Surto de gastroenterite por Rotavírus (continuação)

A B

tratamento da água utilizada para o preparo da mamadeira e lavagem da chupeta, o tempo e diluição de SRO, autome-dicação, entre outras.

Do total de 12.145 casos de diarréia notificados no perí-odo do surto, foram coletadas 6,5% (799) amostras fecais; destas, 78% (627) foram positivas para rotavírus por meio do teste de aglutinação em látex, realizado no Lacen/AC.

Das amostras fecais positivas (ELISA), foram identifica-dos 44% (146/331) para vírus; desses, em 38% (127/331), foi identificado rotavírus (PCR) (Tabela 3).

Amostras ambientaisAs coletas das amostras de águas foram efetuadas por

técnicos da Vigilância em Saúde Ambiental Estadual, Mu-nicipal e SAERB; e as análises, realizadas no laboratório do SAERB e no Lacen/AC, durante o período do surto.

Foram coletadas 75 amostras do Sistema Municipal de Abastecimento de Água (SAA), das quais 25% amostras estavam fora do padrão de potabilidade; e das 64 amostras do Sistema Alternativo Individual (SAI), 70% se encontra-vam fora do padrão de potabilidade e 50% apresentaram evidência de contaminação fecal.

Discussão

Os resultados deste estudo demonstram que ocorreu um surto de diarréia aguda por rotavírus do Grupo A, no Município de Rio Branco-AC por sorotipo G9P8, o mesmo relatado no ano de 2001 em um surto na Austrália.8 Esse sorotipo foi descrito pela primeira vez em 1987, nos Estados Unidos da America. Em 1995, no entanto, foi documentado no Brasil, Índia, Itália, Estados Unidos, Malawi, Bangladeche, Austrália, França, e Reino Unido.7 É caracterizado como o quinto de importância mundial. Em alguns países, é consi-derado como um sorotipo emergente e reemergente e como uma importante causa de diarréias severas em crianças.3,7

Em um estudo seccional realizado na Libya, Kenya e Cuba, no ano 2000 esse sorotipo foi detectado como o se-gundo de importância epidemiológica.7

A faixa etária de maior incidência foi a de menor de cinco anos de idade, com uma distribuição ampla no Município, provavelmente por ser um vírus altamente infeccioso e com disseminação fácil.4,7

Esses dados são compatíveis com algumas pesquisas, em que se estabelece que a maior parte das cepas do rotavírus humano é caracterizada pelo Grupo A. A incidência é similar nos países em desenvolvimento e desenvolvido e o sorotipo, caracterizado como emergente.3,4,7

Os óbitos ocorreram nas faixas etárias de dois a 16 me-ses. Essa idade é relatada em outros estudos como a idade de maior gravidade.3,4 Apesar de existir um declínio na mortalidade por diarréia, considera-se um problema de

grande importância para a Saúde Pública dos paises em desenvolvimento.3,4

Quanto aos sintomas, 86% (seis) dos óbitos apresentaram a tríade clássica do rotavírus: febre, vômito e diarréia.3,4 No momento, a única medida de tratamento adotada foi o uso de SRO. Embora a maioria dos óbitos tenha utilizado SRO na residência, a maior parte dos responsáveis não entendeu sua diluição correta. Todos os óbitos foram internados com desidratação grave e/ou choque hipovolêmico.

As gastroenterites associadas por rotavírus representam um problema importante em Saúde Pública, com grande impacto para os serviços de saúde. Os achados deste estudo reforçam a necessidade de medidas de prevenção e controle mais eficaz.4,5

Diante da importância do problema, o Brasil, no início de 2006, introduziu no calendário de vacinação da criança a vacina oral de rotavírus humano (VORH) com os objetivos de (I) proteger contra diarréia grave e ou moderada e (II) prevenir desidratação, hospitalização e óbito, para a redução da mortalidade e impacto econômico.

Limitações do estudo• Viés de memória (Ex: data de início dos sintomas, uso

de SRO) durante as entrevistas.• Viés de informação (obtida pelos pais ou responsá-

veis).• Ausência de amostras clínicas de todos os óbitos para

confirmação do agente etiológico.• O poder foi limitado, baseado na capacidade de incluir

apenas sete casos e 28 controles no estudo do caso-con-trole.

ConclusõesNo período de maio a outubro de 2005, ocorreu um surto

de gastroenterite por rotavírus do Grupo A, sorotipo G9P8, no Município de Rio Branco-AC, outros vírus também foram encontrados. Esse foi o maior surto de rotavírus já descrito no Brasil.

Foram oito óbitos entre crianças de dois a 16 meses, cujos principais sintomas foram diarréia, febre e vômito. A

Tabela 2 - Exposição associada ao óbito por diarréia, Caso-controle em Rio Branco-AC. Brasil - 2005

Água de beber em recipientes abertos

Exposição N (%)ORm IC

95%

Valor de pa

Paciente-caso(n=7)

Controles(n=28)

Sim 4 (57) 3 (11) 11,2 1,02-551,3 <0,03

Não 3 (43) 24 (89) - -

a) Qui-quadrado

Tabela 3 - Resultados laboratoriais dos doentes com gastroenterite aguda em Rio Branco - AC. Brasil, 2005

Vírus (N=331) n (%)

Rotavírus 127 (38)G9P8 87 (68)

G9G4P8 26 (20)G2P4 7 (5)G1P8 3 (2)G4P8 2 (2)

G9G5P8 1 (1)G9G4P8P4 1 (1)

Norovírus 10 (3)Astrovírus 9 (2)

Bactéria (N=315) n(%)

Shigella sp 8 (3)

Parasitas (N=106) n(%)

Cryptosporidium sp 3 (5)Ascaris limbricoides 1 (1)Giardia lamblia 3 (3)

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letalidade foi baixa, provavelmente pela adoção das medidas de prevenção e controle em tempo oportuno e um tratamen-to clínico adequado. Foi detectado o uso de recipientes de água abertos (sem tampa) como fator de risco para o óbito, possivelmente devido a uma contaminação na residência e, por conseqüência, à transmissão para outras pessoas (higiene pessoal).

Ações desenvolvidas • Aumento da capacidade de atendimento das unidades

de saúde.• Distribuição de pacotes de SRO por todos os bairros de

Rio Branco-AC.• Educação em saúde para a população (SRO, higiene e

tratamento da água). • Capacitação e seminários em doenças diarréicas agudas

para os profissionais de saúde.• Articulações, mobilizações e educação em saúde com

órgãos e instituições parceiras.• Notificação diária da MDDA.• Adotação de medidas de controle na comunidade, cre-

ches e presídio.• Identificação de surto em outros Municípios do Estado.• Coletas de amostras clínicas para análise laboratorial e

identificação do agente etiológico circulante.

Recomendações• Analisar os dados da MDDA por semana, com uma

vigilância mais sensível e oportuna, para a adoção das medidas de prevenção e controle em tempo hábil; desen-volver a capacidade de comparar dados em tempo real e usar dados históricos para identificar surtos oportuna-mente.

• Realizar a notificação e o acompanhamento diário das doenças diarréicas agudas em situação de surto.

• Garantir insumos (SRO), mantendo um estoque mínimo para ser distribuído regularmente à população.

• Educar a população sobre o uso e utilidade de SRO, para minimizar desidratação grave, choque e óbito quando preparado de forma correta.

Surto de gastroenterite por Rotavírus (continuação)

• Inserir na rotina a retroalimentação dos dados da vi-gilância epidemiológica para as unidades hospitalares, fortalecendo o trabalho de equipe e parcerias.

• Realizar coleta de material clínico em crianças (amostra) uma vez por semana, para identificar o agente etiológico circulante em unidades de saúde (sentinela).

• Construir rede de saneamento básico - em bairros que não possuem - e coleta, tratamento e destino adequado aos dejetos.

• Executar as análises (físicas e químicas) mensais, de acor-do com os planos amostrais de vigilância e de controle definidos para qualidade da água (Portaria n° 518, de 25 março de 2004).

• Realizar campanhas educativas (SRO, higiene e trata-mento de água) para a população, principalmente em bairros com pouca condição socioeconômica e sem saneamento básico.

• Intensificar as campanhas educativas (pela televisão, rádio, palestras em escolas, igrejas, etc.) três meses antes do período considerado como de provável aumento do número de doentes com gastroenterites agudas; promo-ver o armazenamento adequado da água de beber, em recipientes fechados; e a diluição adequada dos sais de reidratação oral.

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the global problem of diarrhoeal disease: a tem-year update. Bull WHO 1992; 70:705-714.

2. Midthun, K et al. Rotavirus vaccines. Clin Microbiolol Rev. 9(3) 423-434.

3. Linhares AC. Epidemiologia das Infecções por Rotavírus no Brasil e os desafios para seu controle. Cad Saúde Pública, 2000; 629-646.

4. Parashar, UD. Global illness and Deaths caused by Rotavirus Diseases in Children. Emerg Infect Dis 2003; 565-572.

5. Bente Olesen, Jacob Neimann, Blenda Bottigir. Etiology of diarrhea in young children in denmark a case-

control study. Journal of Clinical Microbiology; 2005, p.3636-3641.

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7. Cunliffe, N et al. Expanding GlobalDistribution of Rotavirus Serotype G9: Detection in Libya, Kenya, and Cuba. Emerging Infectious Diseases; 2000, p. 890-892.

8. Kirkwood, C. et al. Rotavirus Serotype G9P[8] AND Acute Gastroenteritis Outbreak in Children, Northern Australia. Emerging Infectious Diseases; 2004, p. 1593 - 1600.

Instituições participantesMinistério da Saúde/Secretaria de Vigilância em SaúdeDepartamento de Vigilância Epidemiológica - Devep/SVSPrograma de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do Sistema Único de Saúde - Episus/SVSCoordenação de Vigilância Epidemiológica de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar - Coveh/SVSCoordenação Geral dos Laboratórios de Saúde Pública - CGLAB/SVSInstituto Evandro Chagas (IEC)

Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco-AC

Secretaria de Estado de Saúde do Acre

Centers for Disease Control and Prevention (CDC), Atlanta, EUA

Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)

AutoresAlessandra Araújo Siqueira - SVS/MSAna Carolina Faria Silva Santelli - SVS/MSLuiz Rodrigues de Alencar Júnior - SVS/MSMarta Helena Paiva Dantas - SVS/MSCristiane Penaforte do Nascimento Dimech - SVS/MSJosé Paulo Galhardo Leite - Fiocruz/RJWildo Navegantes de Araújo - SVS/MSDouglas Lloyd Hatch - CDC/Atlanta

Equipe de investigaçãoAlessandra Araújo Siqueira - SVS/MSAna Carolina Faria Silva Santelli - SVS/MS Luiz Rodrigues de Alencar Júnior - SVS/MSWildo Navegantes de Araújo - SVS/MSCristiane Penaforte do Nascimento Dimech - SVS/MS

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6 - SVS - Boletim eletrônico EPIDEMIOLÓGICO - ANO 06 - No 08 - 31/12/2006

Deise Aparecida dos Santos - SVS/MSRejane Maria de Sousa Alves - SVS/MSGreice Madeleine Ikeda do Carmo - SVS/MSEliane Alves Costa - SES/AC Maria Jesuíta Arruda da Silva - SMS/Rio BrancoMarta Helena Paiva Dantas - SVS/MSMarize Barbosa Lucena - SES/ACMônica de Abreu Morais - SES/ACRosineide Monteiro de Araújo - SES/ACWilna Maria Pastos Pereira - Lacen/ACMarli Rocha de Abreu - SVS/MSJosé Paulo Galhardo Leite - Fiocruz/RJAlexandre Madi Fialho - Fiocruz/RJRosane Maria de Assis - Fiocruz/RJ

AgradecimentosA toda a equipe técnica e administrativa da Secretaria

Estadual de Saúde, Secretaria Municipal de Saúde e Se-cretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde, pelo apoio irrestrito a todas as atividades desenvolvidas, durante a investigação do surto e a população que permitiu a reali-zação deste trabalho.

Edição de textoErmenegyldo Munhoz Júnior/CGDEP/SVS/MS

DiagramaçãoEdite Damásio da Silva/CGDEP/SVS/MS

Surto de gastroenterite por Rotavírus (continuação)