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Boletim Gaúcho de Geografia AGB - Seção Porto Alegre Associação dos Geógrafos Brasileiros ISSN 0101-7888 e-ISSN 2357-9447 hp://seer.ugs.br/bgg PERCEPÇÃO SOBRE MUDANÇAS NA PAISAGEM DE MODORES RUIS EM ÁREA SUSCETÍVEL À DESERTIFICAÇÃO NO SEMIÁRIDO POTIGUAR Jane Azevedo de Araújo, Raquel Franco de Souza, Neusiene Medeiros da Silva Boletim Gaúcho de Geografia, v. 43, n.2, Dezembro, 2016. Versão online disponível em: hp://seer.ugs.br/index.php/bgg/article/view/58766 Publicado por Associação dos Geógrafos Brasileiros Informações Adicionais Email: [email protected] Políticas: hp://seer.ufrgs.br/bgg/about/editorialPolicies#openAccessPolicy Submissão: hp://seer.ufrgs.br/bgg/about/submissions#onlineSubmissions Diretrizes: hp://seer.ufrgs.br/bgg/about/submissions#authorGuidelines Data de publicação - Dezembro, 2016. Associação dos Geógrafos Brasileiros Seção Porto Alegre, RS, Brasil.

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PERCEPÇÃO SOBRE MUDANÇAS NA PAISAGEM DE MO� DORES RU� IS EM ÁREA SUSCETÍVEL À DESERTIFICAÇÃO NO SEMIÁRIDO POTIGUAR

Jane Azevedo de Araújo, Raquel Franco de Souza, Neusiene Medeiros da Silva

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Percepção sobre mudanças na paisagem de moradores rurais em área suscetível à

desertificação no semiárido potiguar

Jane Azevedo de AraújoLicenciada em Geografi a (UFRN), Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente

(PRODEMA/UFRN), Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente (DDMA/UFRN). E-mail: [email protected]

Raquel Franco de SouzaProfessora do Departamento de Geologia da UFRN. Docente do Programa Regional de Pós-

Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UFRN)E-mail: [email protected]

Neusiene Medeiros SilvaLicenciada em Geografi a (UFRN), Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente

(PRODEMA/UFRN). E-mail: [email protected].

Resumo Os processos naturais e a ação humana adicionam constantemente novos elementos que constituem a paisagem e, ao mesmo tempo, a transformam. No semiárido norte-rio-grandense, há uma relação intensa entre o homem e a natureza, ocasionando modifi cações na paisagem local. O objetivo da pesquisa foi avaliar a percepção sobre mudanças na paisagem de moradores rurais em três comunidades localizadas em área susceptível à desertifi cação no município de Parelhas/RN. Utilizou-se para a análise dos dados qualitativos o teste Qui-quadrado, o teste exato de Fisher e a análise de correspondência. Constatou-se que a maioria dos entrevistados percebeu mudanças na paisagem, sendo a idade e a escolaridade variáveis importantes para essa percepção. O tempo de residência nas comunidades, por sua vez, não infl uenciou. As comunidades percebem de forma diferenciada mudanças na vegetação e de maneira similar as alterações no solo e pastagens. A avaliação feita mostrou que os moradores das comunidades percebem as mudanças de modo particular, independente de residirem há mais de 20 anos no mesmo lugar.

Palavras-chave: Parelhas. Seridó. Comunidades. Vegetação.

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Introdução

Desde a época do aparecimento do homem, o processo de interação de dois sistemas inter-relacionados (Natureza e sociedade) tem se convertido em um dos principais processos de desenvolvimento do planeta (RODRIGUEZ; SILVA; CAVALCANTI, 2010, p. 154). Dessa maneira, a trajetória histórica da transformação da natureza inclui a contribuição humana através das suas atividades socioeconômicas, de modo que novos elementos são inseridos ao meio ambiente.

Os elementos sociais, culturais, econômicos e políticos interagem com os naturais dando uma nova fisionomia ao ambiente, pois, no decorrer do tempo, o homem, por meio da sua capacidade de trabalho, modifica o espaço geográfico onde habita, ocasionando alterações na paisagem. Conforme Vitte (2007, p. 77), “a geração da paisagem é o resultado imediato da intencionalidade humana na superfície terrestre. Seja ontem ou hoje, por meio dos mais variados meios técnicos e científicos, a sociedade imprime sua marca no espaço que fica registrada na paisagem”.

Na visão de Claval, a cultura das sociedades contribui para a composição da paisagem, pois,

A paisagem traz a marca da atividade produtiva dos homens e de seus esforços para habitar o mundo, adaptando-o às suas necessidades. Ela é marcada pelas técnicas materiais que a sociedade domina e moldada para responder às convicções religiosas, às paixões ideológicas ou aos gostos estéticos dos grupos. Ela constitui desta maneira um documento-chave para compreender as culturas, o único que subsiste frequentemente para as sociedades do passado (CLAVAL, 2007, p. 14).

Na opinião de Santos (1997, p. 61), “tudo aquilo que nós vemos, o que a nossa visão alcança, é paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons etc.”. O autor destaca, ainda, que “a paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza” (SANTOS, 2002, p. 103).

Assim, o homem é agente transformador do meio onde vive através da realização do seu trabalho, “imprimindo suas próprias marcas, a paisagem, que nada mais é que uma expressão de seus modos de vida” (CORRÊA, 1990, p. 43), por essa razão a natureza é tocada e modificada. Contudo, tal relação confere às pessoas maior conhecimento do meio onde habitam e melhor percepção das mudanças ocorridas, especialmente na paisagem, dado que “a princípio, essa ligação interna

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que une os elementos da paisagem é a presença do homem e o seu envolvimento nela” (CABRAL, 2000, p. 39).

Em adição a isso, a relação com o meio em que se vive permite ao indivíduo possuir uma percepção do ambiente que o cerca, já que, “íntima e individualmente, cada ser humano constrói, seleciona as paisagens que envolvem sua própria história de vida, numa revelação de símbolos que encerram em si as atitudes, percepções, os sonhos e sentimentos únicos, singulares, relativos às suas vivências” (LIMA, 2000, p. 8). O cotidiano das pessoas revela seus modos de vida, sua cultura, sua relação com a natureza, seus sentimentos e suas ações.

Tuan (1980), através da ótica da percepção, buscou estudar a relação do homem com a natureza. Para ele, o ser humano percebe o mundo simultaneamente através de todos os seus sentidos, porém, no dia a dia, é utilizada apenas uma pequena porção do experienciar. Assim,

Percepção é tanto uma resposta dos estímulos externos, como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados. Muito do que percebemos tem valor para nós, para a sobrevivência biológica, e para propiciar algumas satisfações que estão enraizadas na cultura (Tuan, 1980, p. 4).

Para Rocha (2003, p. 12), a percepção é responsável pela forma como se vê o mundo. Há tantos mundos quantas forem as percepções, pois cada um vê o seu entorno e o mais além, a partir de referenciais, de informações, de conhecimentos adquiridos ao longo da vida. É a percepção que vai determinar a forma de o indivíduo ver, interpretar e interferir em seu meio. Acrescenta-se ainda que a percepção do meio em que se vive consiste em uma singularidade que, segundo Santos; Kirchner; Fleig,

varia de indivíduo para indivíduo, já que a sua interação com o mundo é afetada por diversos fatores tais como: estar sujeita às particularidades das combinações de elementos físicos, biológicos e sociais do espaço; ser dependente das características fisiológicas individuais, ou seja, das condições físicas dos órgãos sensoriais do sujeito; ser fortemente relacionada às disposições da personalidade, sendo profundamente alterada, de acordo com a motivação, cansaço, lembranças, expectativas e valores individuais (Santos; Kirchner; Fleig, 2009, p. 109).

De acordo com Sieber; Medeiros; Albuquerque (2010, p. 2), a proximidade das pessoas com os ambientes naturais propicia o desenvolvimento de relações íntimas entre os seres humanos e os recursos naturais disponíveis, dando a estas conhecimentos específicos sobre o meio ambiente no qual vivem. Partindo desse

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pressuposto, aqueles que vivem em contato com a natureza, por exemplo, residentes em áreas rurais, adquirem um bom conhecimento do ambiente que os cercam e uma boa percepção a respeito das mudanças locais ocorridas ao longo dos anos.

O meio rural, como enfatizam Pissinati; Archela (2009, p. 6),” é um sistema dinâmico, tanto devido à busca natural por um equilíbrio entre seus elementos quanto em decorrência das atividades humanas”. São justamente as atividades humanas responsáveis pelas transformações ocorridas, isto é, a atividade agrícola, o pastoreio, a fruticultura, a construção de novas residências, reservatórios, estradas, que, ao longo do tempo, adicionam à paisagem rural novos elementos que se misturam com os já existentes, gerando as mudanças. Em vista disso, a “paisagem nada tem de fixo, de imóvel [...] se transforma para se adaptar às novas necessidades da sociedade” (SANTOS, 2007, p. 54). Dessa maneira, ocorre a adição de novas formas à paisagem.

Para Kearney et al (2008, p. 118), assim como as características físicas da paisagem induzem a percepção visual e preferências, igualmente importante na assimilação da paisagem são as características do indivíduo que a percebe, tais como conhecimento e experiências anteriores, familiaridade com a paisagem e atitudes. Dessa feita, Stephenson (2008, p. 134) afirma que “interpretação e percepção da paisagem são, portanto, uma constante interação entre seres humanos e seu meio ambiente”.

Diante disso, o objetivo da pesquisa foi avaliar a percepção sobre mudanças na paisagem de moradores rurais em três comunidades localizadas em área susceptível à desertificação no município de Parelhas/RN.

Área de Estudo

Atualmente, a região semiárida do Brasil contabiliza 1.135 municípios. O estado do Rio Grande do Norte se destaca por apresentar 88,02% de seus municípios inseridos na porção semiárida; isto equivale a 147 municípios dos 167 existentes no estado (INSA, 2012). O município de Parelhas/RN (Figura 1) possui uma área territorial de 513 km² e está inserido na região semiárida do estado, localizado na porção centro-sul, na microrregião do Seridó Oriental, distante 240 km da capital Natal. A população é constituída por 20.354 habitantes, sendo 17.084 na zona urbana e 3.270 na zona rural (IBGE, 2010).

A caatinga é a vegetação predominante e o clima é semiárido. Os solos são pedregosos, do tipo “neossolos litólicos e luvissolos crômicos; no Brasil é comum

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a presença desses tipos de solos na região semiárida nordestina” (IBGE, 2007, p. 231). As formações geológicas consistem em rochas cristalinas, sendo formadas por rochas resistentes como granitos, quartzitos, gnaisses e micaxistos (FELIPE; CARVALHO; ROCHA, 2011).

Os primórdios da economia do município passaram pelo cultivo do algodão e a pecuária; após a crise desses sistemas, as atividades de base mineral, como a mineração e a indústria de cerâmica vermelha, principalmente, fortaleceram a economia municipal.

Como descrito por Trajano (2005, p. 83), as décadas de 1960 a 1970 representaram o apogeu da cotonicultura, o que proporcionou ao município de Parelhas uma intensificação do povoamento e o crescimento de sua economia. Em meados da década de 1980, esse sistema de produção, fundamentado no binômio algodão-gado, decaiu. Buscou-se, então, como alternativa para o seu desenvolvimento econômico, a atividade ceramista. Hoje, a grande maioria da população do município é detentora de emprego desse setor.

O município de Parelhas está entre aqueles que o PAN Brasil relaciona como área piloto para investigação sobre desertificação no semiárido brasileiro; constitui-se como o principal produtor de cerâmica do estado, usando a argila como matéria-prima e a lenha como fonte de energia; há alguns anos, a problemática da degradação ambiental local é alvo de discussões e reflexões entre as comunidades rurais e organizações governamentais e não governamentais (RIO GRANDE DO NORTE, 2005, p. 15).

A pesquisa foi realizada na área rural do município compreendendo três comunidades, Santo Antônio (conhecida popularmente como comunidade Cobra), Juazeiro e Cachoeira, localizadas na área de abrangência da micro-bacia do rio Cobra. No entanto, apesar da localização privilegiada, enfrentam o quarto ano de seca consecutivo. Juntas, as comunidades têm uma população de 1.677 pessoas, segundo dados do SIAB (Sistema de Informação de Atenção Básica) de 2014, obtidos na Secretaria Municipal de Saúde de Parelhas.

Essas comunidades são bem organizadas e estruturadas, possuem escolas, creches, postos de saúde, associações de moradores, pequenos comércios e bares, energia elétrica, internet, serviços de telefonia fixa e móvel. Há também ruas pavimentadas em duas comunidades, Juazeiro e Cobra. Esta possui fábrica do setor têxtil direcionada à produção de confecção de roupas para empresas desse ramo.

A indústria de cerâmica vermelha está presente nas três comunidades e, atualmente, cada comunidade possui uma cerâmica em atividade. Essa atividade gera emprego e renda, entretanto, o consumo da lenha como fonte energética, e

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Figura 1: Mapa de localização do município de Parelhas/RN

Fonte: Elaborado por Robson Rafael de Oliveira, 2016.

da argila como matéria-prima, tem contribuído ao longo dos anos para o aumento de áreas com estágios de degradação preocupantes.

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Procedimentos metodológicos

A pesquisa foi realizada em junho de 2014, nas comunidades rurais Juazeiro, Cachoeira e Cobra. A técnica utilizada para a investigação e interpretação dos dados foi a aplicação de formulários; nesse caso, “o pesquisador está presente e é ele quem registra as respostas” (Gil, 2002, p. 119). Estes foram compostos por questões totalmente estruturadas, isto é, “quando se desenvolve a partir de relação fixa de perguntas” (Ibid. p. 117). Cada entrevista durou em média 30 minutos.

O convite para participar da pesquisa foi feito porta a porta. O participante que aceitou responder ao formulário, a princípio, assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, já que a pesquisa foi realizada de acordo com as orientações éticas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade (CAAE 31267214.6.0000.5537, parecer nº 709.440).

O tamanho da amostra para estimar a proporção (p) de uma população finita é dado pela equação a seguir (MARTINS, 2002). Para valores de proporção amostral desconhecidos, substitui-se P e Q por 0,5 (LEVINE; BERENSON; STEPHAN, 2000).

Onde:N = tamanho da população = 1677 Z = abscissa da normal padrão (encontrado na tabela da normal) = 1,645P = estimativa da proporção (população desconhecida p = 0,5)Q = 1 – P = 1 – 0,5 = 0,5d = erro amostral = 10%n = tamanho da amostra = 68

Para uma população N de 1677 pessoas nas três comunidades rurais, Z = 1,645 (nível de confiança de 90%) e erro máximo de estimativa de 10%, foi calculado o número mínimo de indivíduos da amostra n = 68.

n = Z² x P x Q x N

d²(N – 1) + Z² x P x Q x P x Q x N

n = (1,645)² x 0,5 x 0,5 x 1677

(0,10)² x (1676) + (1,645)² x 0,5 x 0,5= 68

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Foi estabelecido um critério temporal de 20 anos de residência na comunidade para participar da pesquisa, com base na hipótese de que quem reside há mais tempo no local consegue perceber melhor as mudanças ocorridas. A hipótese baseou-se em Araújo (2012), que pesquisou a percepção de moradores rurais em quatro comunidades no mesmo município; foi identificado que aqueles com 20 anos ou mais de moradia nas comunidades rurais pesquisadas (Almas, Domingas, Sussuarana II e Colonos) foram os que mais perceberam as mudanças ocorridas na paisagem.

Os formulários foram instrumentos essenciais para entender como os entrevistados percebem o ambiente local (comunidade rural, solo, vegetação, pastagens) e as alterações relacionadas à paisagem. Na visão de Westling et al. (2014, p. 2616), a pesquisa interpretativa considera como os fenômenos são compreendidos pelos atores e como esses diferentes entendimentos são expressos em termos de política e prática para produzir registros de narrativas ricas e situadas.

A percepção de mudança na paisagem foi avaliada pelas seguintes perguntas do formulário, a saber: “Houve alguma mudança na paisagem nos últimos 20 anos? (1= Sim, 2= Não, 3= Não Sabe). Caso sim, em que mudou?”.

As perguntas seguintes objetivaram avaliar a percepção das mudanças em três constituintes distintos da paisagem, a vegetação, o solo e as áreas de pastagens: “Houve alguma mudança na vegetação? (1= Sim, 2= Não, 3= Não sabe). Caso sim, em que mudou?”; “Houve mudança no solo? (1= Sim, 2= Não, 3= Não sabe). Caso sim, qual?” e “Nas áreas de pastagens houve alguma mudança? (1= Sim, 2= Não, 3= Não sabe). Caso, sim qual?”.

Foram produzidos dois conjuntos de dados: um com base em respostas fixas (Sim, Não, Não sabe) e outro conjunto de respostas abertas. Ambos foram tratados de forma diferenciada para a apresentação dos resultados.

De posse dos dados referentes às respostas fixas, estes foram submetidos a testes estatísticos. Utilizou-se o teste Qui-quadrado de Person (χ²), que consiste em testar a hipótese de que duas variáveis categorizadas são independentes (VIEIRA, 1980, p. 103), e o teste de Fisher, que constitui uma técnica muito útil para analisar dados discretos (nominais ou ordinais), quando o tamanho de amostras independentes é pequeno (SIEGEL; CASTELLAN JR., 2006, p. 27). O teste Qui-quadrado de Person (χ²) e o teste exato de Fisher possuem a mesma finalidade, sendo este utilizado quando 25% das células tiveram valores esperados inferiores a 5. Aplicou-se também a análise de correspondência para verificação de associação entre variáveis.

Foi estabelecido um nível de significância (α) de 5% e 10%. Segundo Vieira

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(Op. cit.), o nível de significância é a probabilidade de rejeitar a hipótese de nulidade (H₀) quando ela é verdadeira, ou seja, o pesquisador deve estabelecer o valor máximo da probabilidade de errar, quando diz que existe diferença entre os grupos, e essa diferença, na realidade, não existe.

Os dados obtidos foram digitados e armazenados no programa Microsoft Excel versão 2013. O banco de dados foi exportado para o software SPSS versão 20.0, o qual foi utilizado neste trabalho como principal ferramenta para fazer análises estatísticas. Utilizou-se também o programa R versão 3.1.3. As respostas abertas foram listadas e apresentadas em forma de quadros.

Resultados e discussão

Os perfis dos participantes estão descritos na tabela 1. Constatou-se que nas comunidades Juazeiro e Cobra a maioria dos participantes foi do sexo feminino, 81% e 70%, respectivamente, enquanto que na comunidade Cachoeira mais da metade (52%) foi do sexo masculino. A faixa etária prevalecente nas comunidades Cachoeira e Cobra foi 60 anos ou mais; em Juazeiro, o percentual foi igual para as faixas etárias de 45 a 59 anos e 60 anos ou mais (38%).

Com relação ao tempo de residência nas comunidades, aqueles que moram de 20 a 30 anos corresponderam a 57% ( Juazeiro), 24% (Cachoeira) e 55% (Cobra). Os percentuais dos que sempre moraram nas comunidades foram 31%, 68% e 33%, respectivamente. Sobre a escolaridade, apenas na comunidade Cobra houve registro de 9% de quem nunca foi à escola. A maioria tem Ensino Fundamental Incompleto, sendo 44% ( Juazeiro), 72% (Cachoeira), 46% (Cobra); há também aqueles que concluíram o Ensino Médio, 25% ( Juazeiro), 24% (Cachoeira), bem como o Ensino Superior, 19% ( Juazeiro), 18% (Cobra).

No que se refere à percepção sobre mudança na paisagem, a maioria dos entrevistados, nas três comunidades, observou mudanças nos últimos 20 anos, as quais estão relacionadas ao meio natural que os cerca, bem como a melhorias sociais e estruturais (Quadro 1). De acordo com os relatos, houve um crescimento significativo das comunidades, estas foram sendo modificadas pela construção de novas casas, escolas, creches, postos de saúde, quadra de esportes, ruas foram pavimentadas, houve a instalação de fábrica têxtil e surgiram também serviços como telefonia e internet. Essas modificações foram agrupadas no Quadro 1 como mudanças estruturais e sociais.

Percepções sobre desmatamento foram citadas, além da percepção de mudanças nas condições atmosféricas, por exemplo, o decréscimo das chuvas,

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o que tem relação direta com a mudança na paisagem. Para Conti (2014, p. 241), a paisagem é produto de uma convergência de processos atmosféricos, geomorfológicos, hidrológicos e antrópicos. O clima, abstrato enquanto categoria, não pode ser expresso em imagem, mas aparece subjacente em qualquer paisagem da superfície terrestre, [...] por meio da atuação de seus elementos, tais como temperatura, umidade, ventos, entre outros.

Tabela 1: Perfil dos entrevistados por comunidade ruralJuazeiro Cachoeira Cobra

Sexo n % n % n %

Masculino 3 19 13 52 10 30

Feminino 13 81 12 48 23 70

Idade

25 a 34 anos 2 12 6 24 2 6

35 a 44 anos 2 12 3 12 5 15

45 a 59 anos 6 38 6 24 6 18

60 ou mais 6 38 10 40 20 61

Tempo de residência na comunidade

20 a 30 anos 9 57 6 24 18 55

31 a 40 anos 1 6 - - 2 6

41 a 50 anos 1 6 2 8 2 6

Sempre morei aqui 5 31 17 68 11 33

Escolaridade

Nunca foi a Escola - - - - 3 9

Ensino Fundamental Incompleto

7 44 18 72 15 46

Ensino Fundamental Completo

1 6 - - 2 6

Ensino Médio Incompleto - - - - 3 9

Ensino Médio Completo 4 25 6 24 3 9

Ensino Superior Incom-pleto

1 6 - - 1 3

Ensino Superior Com-pleto

3 19 1 4 6 18

Fonte: Elaborado por Jane Azevedo de Araújo, Raquel Franco de Souza, Neusiene Medeiros Silva, 2015.

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Quadro 1: Síntese das percepções dos entrevistados sobre mudança na paisagemHouve alguma mudança na paisagem nos últimos (20) anos? Caso sim, em que mudou?

Comunidade Juazeiro Comunidade Cachoeira Comunidade Cobra

Mudanças estruturais e sociais Mudanças estruturais e sociais Mudanças estruturais e sociais

“Antes tinha muitas plantas, mas retiraram a vegetação para

construção de casas”“Não tem desmatamento”

“O desmatamento diminuiu, mas nasce poucas plantas pela falta de

chuvas”

“As plantas diminuíram” “Processo de desertificação”“As fontes de água estão secando”

“Pouca Chuva”“Chove pouco e não tem fartura”

“Desmatamento, as plantas morreram por causa da seca e as

frutíferas também, diminuiu a vegetação”

“Quando chove fica verde, quando não fica diferente”.

“As plantas morreram”

“Desmatamento para fazer roçado e casas”

“Mais arborização”Fonte: Elaborado por Jane Azevedo de Araújo, Raquel Franco de Souza, Neusiene Medeiros

Silva, 2015.

Ainda foram relatadas as mudanças em três constituintes da paisagem pré-estabelecidos no formulário de pesquisa: a vegetação, o solo, as pastagens. Os resultados são mostrados no Quadro 2, constatando-se que tais constituintes sofreram modificações ao longo dos anos. Em síntese, as mudanças relativas ao solo e às pastagens foram similares, solo mais seco e improdutivo, pastagens diminuíram ou aumentaram de acordo com a precipitação das chuvas em cada comunidade.

Houve uma variedade de respostas mais expressiva com relação à mudança na vegetação. Uma possível causa para essa ocorrência pode ser o fato da existência de cerâmicas nas comunidades que usam os recursos naturais do entorno, principalmente lenha e argila, para o desenvolvimento de suas atividades. Isso ocasiona áreas desnudas de vegetação e solo exposto, contribuindo, dessa maneira, para o risco à desertificação.

As descrições que os moradores fizeram de suas comunidades revelam o passado e, ao mesmo tempo, o presente, são carregadas de sentimentos positivos

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e negativos conforme os acontecimentos, sobretudo aqueles relacionados às secas consecutivas. Para Almeida; Sartori (2008), o sentimento antagônico pode ser compreendido pelo fato de que, psicologicamente, cada pessoa tem uma percepção individual do meio ambiente e de sua qualidade, pois, biologicamente, a percepção está limitada por condições anatômicas e fisiológicas do homem e é processada dentro de valores culturais, geográficos e históricos.

Nesse sentido, a paisagem guarda o passado e o presente; conforme descrito por Ab’Saber (2010, p. 9), isso ocorre, pois as paisagens têm sempre o caráter de herança de processos (fisiográficos e biológicos) de atuação antiga, remodelados e modificados por processos de atuação recente. Assim sendo, as paisagens são uma herança, um patrimônio coletivo dos povos que, historicamente, os modificaram ao longo do tempo e do espaço.

Araújo (2012) pesquisou, no mesmo município, a percepção sobre mudanças na paisagem de moradores rurais em três comunidades às margens do rio Seridó e com cerâmicas em suas cercanias. Assim, 70% dos entrevistados perceberam mudanças na paisagem local. No solo e nas pastagens também foram relatadas mudanças, sobretudo na vegetação, pois esta estaria diminuindo. De acordo com os relatos, as espécies vegetais que mais diminuíram foram: Angico (Anadenanthera macrocarpa Benth.), Caibeira (Tabebuia caraiba Mart. Bureau), Imburana (Commiphora leptophloeos Mart.), Favela (Cnidoscolus quercifolius Pohl), Jurema-preta (Mimosa tenuiflora Willd. Poir.), Mangueira (Mangifera indica L.) e Oiticica (Licania rigidaBenth.).

Para detectar as associações entre as comunidades e as mudanças ocorridas na paisagem, vegetação, solo e pastagens, foram utilizados o teste Qui-quadrado e, em seguida, o teste de Fisher. O nível de significância estabelecido foi de 5% e 10%, ou seja, ocorreram associações a um nível de significância de 5%, quando o valor p foi < 0,05, e de 10%, quando o valor p foi< 0,10. Na Tabela 2, estão os resultados das associações encontradas.

Conforme a Tabela de contingência 2, houve associação entre as comunidades, com a mudança na paisagem, a um nível de significância de 5% e, com a vegetação, a um nível de 10%. No caso da mudança na paisagem, o valor p de 0,045 é menor que 0,05, estabelecendo-se associação a um nível de significância de 5% (o que inclui 10%); o valor p de 0,056 da mudança na vegetação é maior que 0,05 e menor que 0,10, implicando em associação a um nível de significância de 10%. Esses resultados indicam que a identificação dessas mudanças depende das comunidades, ou seja, cada uma delas percebe de forma peculiar as mudanças ocorridas na paisagem e na vegetação. Não houve associação ao nível de significância de 5% ou 10% para a mudança no solo e nas pastagens.

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Quadro 2: Síntese das percepções dos entrevistados sobre mudanças no solo, vegetação e pastagens

Comunidades Solo Vegetação Pastagens

Juazeiro

“O solo está improdutivo, fraco,

desgastado, não nasce nada”

“As mudanças no solo ocorrem por

causa da seca”

“A vegetação diminuiu em função do

desmatamento. Não existe mais diversidade

de plantas”

“Há áreas abertas, muitas plantas morreram ou

foram arrancadas para construir”

“A vegetação aumentou”

“Diminuiu por causa da falta de chuva”

“Houve mudança quando choveu”

“Aumentou a pastagem”

Cachoeira

“O solo está fraco, desgastado,

improdutivo, produz bem menos”

“Está mais seco”

“Mudou por causa da falta de chuva”

“O solo está mais produtivo”

“Não tem plantas por causa da seca”

“A vegetação diminuiu e a diversidade também, só

tem Jurema-preta”

“Há desmatamento”

“Aumentou a vegetação”

“As árvores estão mais bonitas”

“Tem pouca diversidade, antes tinha capim Seda, capim Panasco, hoje

só Malva”

“O pasto diminuiu”

“Quando chove há pasto”

“Mudou por causa do desmatamento”

“Aumentou, tem pasto”

Cobra

“O solo está desgastado e improdutivo”

“A seca mudou o solo”

“O solo está mais seco e pedregoso”

“Está degradado”

“O desmatamento, a retirada da vegetação do rio, o corte da vegetação,

está diminuindo, mas não nascem plantas”

“Mudou por causa da seca, do crescimento da comunidade, por causa das áreas de pastagens”

“As plantas morreram e as frutíferas também”

“Depois que deixaram de criar caprinos, a

vegetação se recuperou”

“Tem pouco pasto, diminuiu, está fraco”

“O pasto está mais seco”

“O pasto morreu”

“Aumentou por causa das chuvas que caíram”

Fonte: Elaborado por Jane Azevedo de Araújo, Raquel Franco de Souza, Neusiene Medeiros Silva, 2015.

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Foi aplicada a análise de correspondência para detectar onde estavam as associações para a mudança na paisagem e vegetação em relação às comunidades (Figuras 2 e 3).

Figura 2: Análise de correspondência da mudança na paisagem

Fonte: Elaborado por Jane Azevedo de Araújo, Raquel Franco de Souza, Neusiene Medeiros Silva, 2015.

No que se refere a mudanças na paisagem (Figura 2), observa-se que as comunidades Cobra e Cachoeira estão associadas à resposta ‘Sim’, e a comunidade Juazeiro à resposta ‘Não’ ou ‘Não sabe’. De acordo com a figura 3, as comunidades Juazeiro e Cachoeira estão associadas às percepções ‘Não’ e ‘Não sabe’. Já a comunidade Cobra não está associada a nenhuma resposta.

Verificou-se também a existência de associações entre as variáveis idade, tempo de residência e escolaridade com a mudança na paisagem, sendo os resultados mostrados na tabela de contingência 3. Houve associação entre a faixa etária com a percepção de mudança na paisagem a um nível de significância de 10% (valor p=0,06834), e com a escolaridade a um nível de significância de 5% (valor p=0,01089). O tempo de residência, por sua vez, não está associado com a percepção da mudança na paisagem aos níveis de 5% e 10%.

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Figura 3: Análise de correspondência da mudança na vegetação

Fonte: Elaborado por Jane Azevedo de Araújo, Raquel Franco de Souza, Neusiene Medeiros Silva, 2015.

Considerando as associações entre idade e escolaridade constatadas na tabela 3, foram confeccionados gráficos de análise de correspondência (Figuras 4 e 5), nos quais podem ser mais bem visualizadas as associações mostradas na tabela de contingência 3.

Pela análise de correspondência, nota-se que a mudança na paisagem está associada à faixa etária de 25 a 59 anos, isto é, as pessoas com essas idades foram as que mais perceberam mudanças na paisagem nos últimos 20 anos. Pessoas com 60 anos ou mais responderam ‘Não’ ou não souberam responder.

O gráfico da análise de correspondência da escolaridade mostrou que as pessoas que têm até o Ensino Fundamental completo responderam ‘Não’ ou ‘Não sabe’ para a mudança na paisagem. Já as pessoas que têm Ensino Médio completo/incompleto e Superior completo/incompleto foram as que mais perceberam as mudanças na paisagem. Portanto, a percepção da mudança na paisagem depende da idade e escolaridade dos entrevistados.

Com relação ao tempo de residência, não houve associação aos níveis de significância de 5% ou 10%. Assim, pode-se dizer que a percepção sobre a mudança

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Tabela 3: Associações entre idade, tempo de residência, escolaridade e a mudança na paisagem

Idade/Paisagem Não ou Não sabe % Sim % Total Valor p

De 25 a 44 anos 1 6,25 19 32,76 20

0,06834

De 45 a 59 anos 4 25,00 14 24,14 18

60 anos ou mais 11 68,75 25 43,10 36

Total 16 100,00 58 100,00 74

Tempo de residência/Paisagem

Não ou Não sabe % Sim % Total

0,519De 20 a 50 anos 10 62,50 31 53,45 41

Sempre morou aqui 6 37,50 27 46,55 33

Total 16 100,00 58 100,00 74

Escolaridade/Paisagem Não ou Não sabe % Sim % Total

0,01089

Até Ens. Fundamental Completo 15 93,75 31 53,45 46

Médio Incompleto/Completo 1 6,25 15 25,86 16

Ens. Superior Completo/Incompleto 0 0,00 12 20,69 12

Total 16 100,00 58 100,00 74

Fonte: Elaborado por Jane Azevedo de Araújo, Raquel Franco de Souza, Neusiene Medeiros Silva, 2015.

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Figura 4: Análise de correspondência da faixa etária

Fonte: Elaborado por Jane Azevedo de Araújo, Raquel Franco de Souza, Neusiene Medeiros Silva, 2015.

Figura 5: Análise de correspondência da Escolaridade

Fonte: Elaborado por Jane Azevedo de Araújo, Raquel Franco de Souza, Neusiene Medeiros Silva, 2015.

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na paisagem independe do tempo de moradia nas comunidades, no âmbito do universo pesquisado, que restringiu os participantes da pesquisa àqueles que residiam há mais de 20 anos na comunidade. O tempo de moradia, nesse caso, não influenciou na percepção dos moradores das comunidades pesquisadas, no tocante à mudança na paisagem, refutando a hipótese de que os que residem há mais tempo no local teriam percepção melhor sobre as mudanças.

Conclusão

O gênero dos entrevistados das comunidades Juazeiro e Cobra, em sua maioria, foi do sexo feminino; já na comunidade Cachoeira, mais da metade foi do sexo masculino. A faixa etária prevalecente nas comunidades Cachoeira e Cobra foi 60 anos ou mais; em Juazeiro, o percentual foi igual para as faixas etárias de 45 a 59 anos e 60 anos ou mais.

A percepção sobre mudança na paisagem foi confirmada pela maioria dos entrevistados. Essas mudanças envolveram o meio ambiente no qual estão inseridos, seus fenômenos atmosféricos, como também mudanças estruturais e sociais ocorridas ao longo dos anos. Do mesmo modo, mudanças na vegetação, no solo e nas pastagens foram relatadas.

De acordo com os testes estatísticos aplicados, houve associação entre as comunidades e a mudança na paisagem aos níveis de 5%, e na vegetação, de 10%. Os gráficos da análise de correspondência corroboraram esses resultados mostrando onde as associações ocorreram. Outrossim, houve ainda associações concernentes à mudança na paisagem para as variáveis idade e escolaridade.

Aqueles na faixa etária de 25 a 59 anos foram os que mais perceberam mudanças na paisagem. Com relação ao grau de escolaridade, os sujeitos entrevistados que estudaram até o Ensino Fundamental não perceberam ou não sabiam responder sobre a mudança na paisagem. Os que possuíam Ensino Médio completo/incompleto e Ensino Superior completo/incompleto perceberam mudanças na paisagem. Essa percepção depende, portanto, das comunidades estudadas, uma vez que cada uma delas a identifica de modo particular.

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Perception on landscape changes of rural residents in an area susceptible to desertification

in semi-arid region of rio grande do norte state

AbstractThe natural processes and human action constantly add new elements that constitute the landscape and, at the same time, transform it. There is an intense relationship between man and nature in the semiarid of Rio Grande do Norte State, causing modifications in the local landscape. The objective of this research was to evaluate the perception of changes in the landscape of rural residents in three communities located in area susceptible to desertification in the municipality of Parelhas/RN. Chi-square test, Fisher exact test and correlation analysis were used for the analysis of qualitative data. It was found that most respondents realized changes in landscape, being the age and schooling important variables for this perception. The residence time in the communities, in turn did not influence. The communities perceive differently changes in vegetation, and in similar way the changes in soil and grass. The evaluation showed that the residents of the communities perceive the changes in a particular way regardless the fact of residing for more than 20 years in the same place.

Keywords: Parelhas. Seridó. Communities. Vegetation.

Percepción de cambios en el paisaje de los residentes rurales en el área susceptible a la

desertificación en la región semiárida del estado de rio grande do norte

ResumenLos sucesos naturales y la acción humana añaden constantemente nuevos elementos que constituyen el paisaje y al mismo tiempo la transforman. En el semiárido (zona de clima desértico) del Rio Grande do Norte hay una intensa relación entre el hombre y la naturaleza provocando cambios en el paisaje local. El objetivo de la investigación fue analizar la percepción de cambios en el paisaje de los residentes rurales entres comunidades ubicadas en el área susceptible a la desertificación en el municipio de Parelhas/RN. Fue utilizado para el análisis de datos cualitativos el test del chi-cuadrado, test exacto de Fisher y análisis de correspondecia. La mayoría de los participantes ha percibido cambios en el

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paisaje, siendo las variables edad y escolaridad importantes para esa percepción. El tiempo de residencia en las comunidades no ha influido. Las comunidades perciben de manera distinta los cambios en la vegetación y de modo similar los cambios en el suelo y los pastos. El análisis realizado mostró que los residentes de las comunidades perciben los cambios de una manera particular aunque hayan vivido desde hace más de 20 años en el mismo lugar.

Palabras clave: Parelhas. Seridó. Comunidades. Vegetación.

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Data de recebimento: 25/09/2015Data de aceite: 16/12/2016