Boletim Informativo de Olho Aberto - Edição #1 - Dezembro 2015

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Campanha de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra | Ano 1 | nº 1 | dezembro | 2015 por Xavier Plassat, coordenador da Campanha “De olho aberto para não virar escravo”: 18 anos de Campanha Alerta: querem acabar com nossos direitos! Informar, divulgar, denunciar, contar e ouvir histórias sobre um tema que persiste em existir no Brasil: trabalho escravo. É para esses e outros fins que nasce o “Boletim Informativo De Olho Aberto”, criado pela Campanha de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra. Em celebração aos 18 anos de Campanha, nesta primeira edição recordaremos um pouco de sua história. Enquanto mobilização contra o trabalho escravo, a Campanha começou bem antes de 1997. Foram momentos essenciais de uma cres- cente mobilização: em 1971, a Carta Pastoral de dom Pedro que denunciou a escravização como meio do avanço do capital sobre a Amazônia; em 1984, a denúncia da CPT contra Volkswagen, dono da imensa fazenda Rio Cristalino no Pará; a firme atuação no Fórum Nacional contra a Violência no Campo e o 1º Seminário Nacional “Trabalho Escravo Nunca Mais”, em 1994. Nestes anos, o trabalho escravo ficou na pauta de todos os encontros das equipes CPT do Mato Grosso, do Pará e do Tocantins. A constatação era simples: atacar o trabalho escravo apenas lá na ponta, aonde ele se manifesta (PA, MT), não adian- ta, se continuamos sem fazer nada ao longo da Estão na mesa do Congresso Nacional, para ser examinados a qualquer momento, vários projetos de lei que querem retirar direitos conquistados pelos trabalhadores do Brasil. As alterações propostas podem levar o Brasil um século para trás. Dois destes querem anular a avançada definição do trabalho escravo que já consta na lei: para ruralistas e outros setores patronais, não seria mais tida como escrava aquela pessoa que trabalha em condições degradantes ou com jornada exaustiva, mas somente aquela amarrada e forçada a trabalhar. Não pode! Fiquemos em alerta! rota da escravidão que começa no fundo do Mara- nhão, do Piauí ou do Tocantins, com o aliciamento de trabalhadores. Ao longo de 18 anos, muitos estados se engaja- ram na Campanha, aumentou a mobilização da sociedade, avançou a construção de instrumentos de política pública e progrediu a repressão. Porém, estamos longe ainda de quebrar o ciclo da escravização. Novos passos são indispensáveis para construir alternativas reais na vida daqueles que, do contrário, o sistema continuará a aliciar para alimentar sua cobiça insaciável. DE OLHO ABERTO Boletim Informativo foto: Arquivo CPT foto: Arquivo CPT

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Produzido pela Campanha Nacional de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra.

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Campanha de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra | Ano 1 | nº 1 | dezembro | 2015

por Xavier Plassat, coordenador da Campanha“De olho aberto para não virar escravo”: 18 anos de Campanha

Alerta: querem acabar com nossos direitos!

Informar, divulgar, denunciar, contar e ouvir histórias sobre um tema que persiste em existir no Brasil: trabalho escravo. É para esses e outros fins que nasce o “Boletim Informativo De Olho Aberto”, criado pela Campanha de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra. Em celebração aos 18 anos de Campanha, nesta primeira edição recordaremos um pouco de sua história. Enquanto mobilização contra o trabalho escravo, a Campanha começou bem antes de 1997. Foram momentos essenciais de uma cres-cente mobilização: em 1971, a Carta Pastoral de dom Pedro que denunciou a escravização como meio do avanço do capital sobre a Amazônia; em 1984, a denúncia da CPT contra Volkswagen, dono da imensa fazenda Rio Cristalino no Pará; a firme atuação no Fórum Nacional contra a Violência no Campo e o 1º Seminário Nacional “Trabalho Escravo Nunca Mais”, em 1994.Nestes anos, o trabalho escravo ficou na pauta de todos os encontros das equipes CPT do Mato Grosso, do Pará e do Tocantins. A constatação era simples: atacar o trabalho escravo apenas lá na ponta, aonde ele se manifesta (PA, MT), não adian-ta, se continuamos sem fazer nada ao longo da

Estão na mesa do Congresso Nacional, para ser examinados a qualquer momento, vários projetos de lei que querem retirar direitos conquistados pelos trabalhadores do Brasil. As alterações propostas podem levar o Brasil um século para trás. Dois destes querem anular a avançada definição do trabalho escravo que já consta na lei: para ruralistas e outros setores patronais, não seria mais tida como escrava aquela pessoa que trabalha em condições degradantes ou com jornada exaustiva, mas somente aquela amarrada e forçada a trabalhar. Não pode! Fiquemos em alerta!

rota da escravidão que começa no fundo do Mara-nhão, do Piauí ou do Tocantins, com o aliciamento de trabalhadores. Ao longo de 18 anos, muitos estados se engaja-ram na Campanha, aumentou a mobilização da sociedade, avançou a construção de instrumentos de política pública e progrediu a repressão. Porém, estamos longe ainda de quebrar o ciclo da escravização. Novos passos são indispensáveis para construir alternativas reais na vida daqueles que, do contrário, o sistema continuará a aliciar para alimentar sua cobiça insaciável.

DE OLHO ABERTOBoletim Informativo

foto: Arquivo CPT

foto: Arquivo CPT

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por Evandro Rodrigues, da CPT Araguaia | Tocantins

Boletim Informativo De Olho Aberto

“A liberdade haverá!”

Trabalho Escravo: Denuncie!

Elias Vieira da Silva, 42 anos, e Nerisvan da Silva, 33 anos, dois irmãos pernambucanos, foram liber-tados da escravidão na fazenda São Lucas, em Muricilândia (TO), em fevereiro de 2015. As condições de trabalho e de vida eram péssimas: alojamento em casinha de madeira exposta à chuva; nenhum acesso à água potável. O trabalho era o roço da “juquira” e aplicação de veneno. “Certa vez pedi uma capa para me proteger do veneno. O patrão disse para eu fazer com saco velho”, conta Elias.Nerisvan recorda a humilhação que sofriam: “’Pobre nasceu para ser pobre e rico para ser rico’, era o que eles diziam quando a gente pedia dinheiro para comprar carne”. Preocupado com a intoxi-cação que tomava conta do irmão, Nerisvan foi para Araguaína pedir socorro ao Procurador do Trabalho.Dada a urgência da situação, o Procurador, Dr. Lincoln Cordeiro, cobrou do Ministério do Trabalho

Seja nas lavouras ou numa oficina de confecção, o trabalho escravo ainda afeta muita gente pelo Brasil. Em 2014, mais de 1,7 mil pessoas foram libertadas de condição análoga à de escravo no país. E você sabe o caminho para fazer uma denúncia? Se há a suspeita de alguma situação de trabalho escravo, você pode procurar uma equipe da CPT ou o sindicato de trabalhadores da sua região; o Ministério do Trabalho e o Centro de Direitos Humanos também são locais confiáveis. O mais importante é recorrer a um órgão compe-tente e nunca se expor a uma situação de perigo.

a disponibilização imediata de um Auditor Fiscal do Trabalho e, juntos, fizeram o resgate. Logo mais, Lincoln fez contato com a Comissão Pasto-

ral da Terra (CPT) para que acolhesse os irmãos enquanto estivessem interna-

dos em Araguaína, devido seu estado de grave intoxicação.

Na pressa de viajarem para a terra natal, o tempo ficou pouco para conversar sobre como aplicar o dinheiro da indenização: eram tantos sonhos reprimidos entre a terra própria, animais para

criar...De volta a Pernambuco, Elias e

Nerisvan mantiveram conversas com a CPT, que intermediou o con-

tato com o CRAS (Centro de Referência em Assistência Social) e o Sindicato dos Tra-

balhadores Rurais de Ouricuri. Nerisvan comprou um pedacinho de chão, mas está muito cedo ainda para nele garantir sua sobrevivência. Elias continua à procura de uma terra para sair por inteiro do ciclo da escravidão.

Expediente | Campanha de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo Coordenação editorial: Rafael Oliveira | Colaboração: Liliana Won Ancken, Xavier Plassat e Evandro Rodrigues | Projeto Gráfico: Bruno S. AlfaceComissão Pastoral da Terra | www.cptnacional.org.br | Tel.: (63) 3412-3200

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