Boletim Trimestral da CGU/AGU n.1, jan./mar. 2012

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Ano I, nº 1 , jan./mar. 2012 Boletim Trimestral da CGU/AGU ISSN 0000-0000

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O presente trabalho tem por objetivo propor um procedimento único, no âmbito da CGU/AGU, de divulgação das matérias jurídicas produzidas, além de outros documentos, tais como relatórios, livros, artigos, estudos, manifestações históricas da Consultoria-Geral da República (CGR), que resulte em um acesso qualificado e de maior agilidade às principais manifestações jurídicas diariamente oferecidas. Propõe-se ainda à divulgação de outros documentos, em especial, os que compõem o acervo histórico e os documentos produzidos pelos Integrantes das Carreiras em decorrência da participação em cursos, seminários, congressos e outros escritos, dentre os quais, a respectiva produção literária, assim como as matérias relevantes publicadas nos diversos sítios institucionais, as quais poderão ser reproduzidas ou disponibilizadas em forma de links, de acordo com a repercussão que possam representar na atuação consultiva. O modelo sugerido deverá ter, preferencialmente, o formato de boletim

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Ano I, nº 1 , jan./mar. 2012

Boletim Trimestral da CGU/AGU

ISSN 0000-0000

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BOLETIM TRIMESTRAL DA CGU/AGU

Ano I nº 1 – Brasília-DF, jan./mar. 2012

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BOLETIM TRIMESTRAL DA CGU/AGU CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO

Setor de Autarquias Sul, Edifício Multibrasil Corporate - AGU Sede I Quadra 3, Lote 05/06, 12º andar CEP 70070-030 - Brasília (DF)

ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Ministro Luís Inácio Lucena Adams

CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO SUBSTITUTO

Wilson de Castro Junior

CONSELHO EDITORIAL Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Célia Maria Ribeiro Cavalcanti Francisco Orlando Costa Muniz

Gustavo Caldas Guimarães de Campos Oswaldo Othon Saraiva de Pontes Filho

Otavio Luiz Rodrigues Junior Rafaelo Abritta

Sávia Maria Leite Rodrigues Gonçalves Sérgio Eduardo de Freitas Tapety

Wilson de Castro Junior

Capa Mathias Ribeiro da Silva

Diagramação

Departamento de Informações Jurídico-Estratégicas

Os conceitos, as informações, as citações e as opiniões expressas nos artigos publicados são de responsabilidade exclusiva de seus autores

Boletim Trimestral da CGU/AGU – Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União

– v. 1, n. 1 (jan./mar. 2012)

Brasília: CGU-AGU, 2012 - .

ISSN 0000-0000

1. Direito Público – Brasil – Periódico 2. Generalidades – Brasil – Periódico I. Brasil.

Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União

CDD 341.05

CDU 342 (05)

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SUMÁRIO

EDITORIAL ........................................................................................................................................................ 4

HISTÓRICO ....................................................................................................................................................... 6

A HISTÓRIA DO BRASIL CONTADA PELA ADVOCACIA-PÚBLICA CONSULTIVA – 1. O CASO DA PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA

PÚBLICA- 1903 ...................................................................................................................................................... 6

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy............................................................................................................... 6

INSTITUCIONAL .............................................................................................................................................. 10

SEGURO DESEMPREGO DOS PESCADORES ARTESANAIS ................................................................................................ 10

Antonio dos Santos Neto .............................................................................................................................. 10

PROGRAMA DE APOIO À CONSERVAÇÃO AMBIENTAL .................................................................................................. 31

Sônia Regina Maul Moreira Alves Mury ....................................................................................................... 31

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO: CASO TST........................................................................................ 44

Luciane Carneiro Pinto ................................................................................................................................. 44

CONCILIAÇÃO ....................................................................................................................................................... 54

1. TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU 035/2011-HCL E GHR ................................................................... 54

Helena Dias Leão Costa e Gustavo Henrique Ribeiro de Melo ..................................................................... 54

2. TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU 037/2011- GHR............................................................................ 57

Gustavo Henrique Ribeiro de Melo .............................................................................................................. 57

ESTUDOS ........................................................................................................................................................ 59

OS TRÊS VETORES DA EFICIÊNCIA DA COMMON LAW .................................................................................................. 59

Ana Flávia Lopes Braga ................................................................................................................................. 59

A INEXIGIBILIDADE DO EXAME DE SIMILARIDADE NA IMPORTAÇÃO POR ENTE DA FEDERAÇÃO ............................................. 71

Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho ...................................................................................................... 71

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR N.º 140, DE 8 DE DEZEMBRO DE 2011, QUE TRATA DA

COMPETÊNCIA COMUM DOS ENTES FEDERADOS EM MATÉRIA AMBIENTAL ....................................................................... 87

Gustavo Caldas Guimarães de Campos ........................................................................................................ 87

HUMANIDADES .............................................................................................................................................. 95

ATÉ ONDE IREMOS? ............................................................................................................................................... 95

Orlando Muniz .............................................................................................................................................. 95

GALERIA ......................................................................................................................................................... 97

PALESTRA “CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO JURÍDICA” ABRE CICLO TEMÁTICO DE PALESTRAS ..................................................... 97

GECOPA.......................................................................................................................................................... 98

REALIZAÇÃO DE NOVA CHAMADA PÚBLICA PARA SELEÇÃO DE PROJETOS QUE PODERÃO INTEGRAR A PROGRAMAÇÃO OFICIAL DO

BRASIL PELA REALIZAÇÃO DA COPA DO MUNDO ......................................................................................................... 98

Teresa Cristina de Melo Costa ...................................................................................................................... 98

DECOR INFORMA ......................................................................................................................................... 104

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................................. 104

MANIFESTAÇÕES JURÍDICAS RELEVANTES DO DECOR ................................................................................................ 105

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EDITORIAL

A vigência da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regula o acesso

às informações públicas, exige de todo servidor público nova percepção, em relação ao trato

com as informações. Deve-se enfrentar uma cultura do segredo, que vê riscos permanentes na

veiculação de informações, e que qualifica toda demanda como um problema que

sobrecarrega a Administração. Brota, com toda força, uma cultura de transparência.

No contexto da Lei nº 12.527, de 2011, o acesso à informação passa a ser a

regra; o sigilo, doravante, a exceção. Fundamentada também em ampla experiência

internacional, a Lei de Acesso às Informações (LAI) apreende na circulação responsável das

informações um importante instrumento para a realização plena da democracia. E porque a

democracia depende de um voto consciente, o que demanda escolhas, tem-se que a boa

escolha decorre prioritariamente da simetria de informações. O cidadão mal informado

escolhe mal, vota inadequadamente, perde-se num conjunto infinito de opções que não

consegue avaliar adequadamente. A falta de informação fomenta a corrupção, dissolve valores

morais e nos torna dependentes. Nesse sentido, a LAI representa passo importantíssimo no

fortalecimento de nosso modelo democrático.

É justamente nesse ambiente propício à circulação de informações, que a LAI

pretende desenvolver, que nós - - integrantes da Consultoria-Geral da União - -cogitamos da

confecção desse Boletim Trimestral da CGU/AGU, que agora se divulga, em seu primeiro

número.

Trata-se de espaço cibernético, veiculado em meio eletrônico (e, portanto, a

reduzidíssimo custo, inclusive ambiental), que divulgará manifestações mais significativas da

CGU. Assim, o Boletim Trimestral é espaço que permitirá veiculação de pareceres, notas,

memorandos de entendimento, manifestações, produzidas na CGU, e em seus vários

departamentos, bem como em unidades estaduais.

E porque a produção intelectual investigativa é essencial ao trabalho consultivo

que se desenvolve na CGU, o Boletim Trimestral divulgará também artigos de doutrina e

opiniões. Uma seção de humanidades cuidará de questões menos pontuais e mais conceituais,

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permanentes na inquietação humana, a exemplo de temas de literatura e de generalidades

culturais. Uma seção histórica resgatará o histórico da advocacia-consultiva federal, a

exemplo daquele que provavelmente fora o primeiro parecer da Consultoria-Geral da

República, órgão no qual a CGU encontra seu antepassado mais próximo, e ao mesmo tempo

mais remoto.

O Boletim Trimestral também nasceu no conjunto de comemorações alusivas

aos 10 anos da CGU, mostrando-se como instrumento de recorrente consulta, especialmente

para o investigador e profissional externo.

O Boletim Trimestral deve sua existência no plano fático, isto é, sua

organização, à Dra. Sávia Maria Leite Rodrigues Gonçalves e à Sra. Janete Miranda Torres. A

Dra. Sávia, à frente de um potente Departamento de Informações, que colhe material, avalia o

conteúdo do que se transita e que disponibiliza aos públicos interno e externo o conjunto

informacional que se trata e produz. A Sra. Janete, pela imaginação conceitual, pela dedicação

e obstinação em um trabalho de qualidade, é que esse Boletim Trimestral deve sua seiva.

Vida longa a essa iniciativa. É o que todos da CGU desejamos.

Brasília, abril de 2012. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Consultor-Geral da União

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HISTÓRICO

A HISTÓRIA DO BRASIL CONTADA PELA ADVOCACIA-PÚBLICA CONSULTIVA – 1. O CASO

DA PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA- 1903

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy1

Um estudo da atuação da advocacia-pública consultiva brasileira fornece farto

material para uma compreensão de alguns aspectos da História do Brasil. Refiro-me, mais

especificamente, ao período republicano, especialmente a partir da atuação da Consultoria-

Geral da República, assimilada e transformada em Advocacia-Geral da União e,

especialmente, por uma de suas extensões, isto é, pela atual Consultoria-Geral da União.

Ao longo dos anos, o Poder Executivo tem submetido à Consultoria

questionamentos sobre fatos políticos, econômicos e jurídicos da mais alta relevância. O meu

argumento é no sentido de que uma avaliação das respostas encaminhadas pelos órgãos de

consulta possa acenar com miríade de informações relevantes a propósito de nossa trajetória

histórica, sobremodo no que se refere a um esforço de compreensão de nossa administração

pública.

Nesse sentido, recolho, e reproduzo, inicialmente, uma das primeiras

manifestações da Consultoria-Geral da República que se tem notícia, de autoria de Tristão de

Alencar Araripe Júnior. Trata-se de nosso primeiro Consultor-Geral da República, que atuou

nessa qualidade de 2 de janeiro de 1903 a 29 de outubro de 1911, período que compreende os

mandatos presidenciais (completos ou não) de Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e

Hermes da Fonseca.

Refiro-me a um parecer datado de 27 de janeiro de 1903, confeccionado pelo

Araripe Júnior em resposta a provocação do Ministro da Guerra. Apreciava-se pretensão de

um alferes a Guarda Nacional, Flaubiano de Oliveira Maciel. O interessado pretendia que a

Fazenda Nacional lhe pagasse soma referente a vencimentos que teria direito, por ter prestado

serviços ao Exército no Rio Grande do Sul, de onde fora dispensado pelo comandante das

operações.

1 Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Consultor-Geral da União.

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Comprovou-se que havia autorização orçamentária para o pagamento dos

valores reclamados. No entanto, negava-se o pedido com base em prescrição supostamente

ocorrida, dado que dos fatos ocorridos (1895) ao protocolo do requerimento (5 de novembro

de 1902) teriam se passado mais do que cinco anos.

Num caso semelhante, no entanto, o Ministério da Fazenda reconheceu que não

ocorrera a prescrição, forte em disposição de um decreto que fixava que a prescrição não

corria quando a demora fosse ocasionada por fato do Tesouro, tesourarias ou repartições, a

quem competiria liquidar e reconhecer dívidas e efetuar pagamentos.

O parecerista entendeu, naquele caso, que não havia demora eventualmente

praticada por quem responsável pelo pagamento dos valores discutidos. Além do que, o

mesmo decreto também dispunha que o interessado em assegurar direitos deveria - - ao longo

do prazo prescricional - - requerer que se certificasse a demora, em repartição competente.

Não se demonstrou negligência, por parte do responsável pelo pagamento, pelo

que inaplicável a hipótese que impedia o andamento da prescrição. Entendeu-se que a regra

suspensiva da prescrição não tinha por objetivo proteger credores negligentes da Fazenda

Nacional. Segue o parecer:

Gabinete do Consultor-Geral da República – Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1903. Sr. Ministro da Guerra. – Restituo-vos, com o meu parecer, os papeis, que acompanharam o vosso Aviso n. 2, de 15 do corrente mês, e relativos à pretensão do alferes da Guarda Nacional Flaubiano de Oliveira Maciel. Flaubiano de Oliveira Maciel, representado por seu procurador o advogado Dr. José Rodrigues Lima, requereu em 5 de novembro de 1902, lhe fosse paga no Tesouro Nacional a importância que ainda lhe resta a Fazenda Nacional, por dívida de exercícios findos, proveniente de seus vencimentos de campanha, no Estado do Rio Grande do Sul, de conformidade com os documentos que apresentou ao comandante do 4º Distrito Militar com requerimento de 23 de dezembro de 1895. Do atestado passado no acampamento de S. Gabriel, em 28 de julho do dito ano de 1895, pelo comandante do 4º Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional da 1ª brigada da 4ª divisão em operações naquele Estado, tenente-coronel Antonio Candido Vaz de Oliveira, consta que Flaubiano Maciel servira efetivamente como oficial do corpo sob seu comando, desde 1º até 17 de junho, data em que pela reorganização do mesmo corpo foi dispensado do serviço pelo general comandante da divisão. O atestado termina declarando que era firmado para que o requerente pudesse receber da repartição competente o soldo e gratificações a que tinha direito. Trata-se, pois, de serviços, por sua natureza e origem, legais. Por decreto n. 1.687, de 1894 foi mobilizada a Guarda Nacional no Estado do Rio Grande do Sul. Autorizadas as despesas, foram estas aprovadas, bem como outros atos do Poder Executivo, pelo decreto legislativo n. 273, de 13 de junho de 1895.

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A despesa relativa aos vencimentos requeridos, portanto, acha-se nos termos da circular da Fazenda n. 36, de 3 de janeiro de 1871, art. 3º, decreto n. 10.155, de 5 de janeiro de 1889, art. 13, n. I, e lei n. 490, de 16 de dezembro de 1897, art. 31. Todavia, verificando-se que das últimas datas de 1895 até a da apresentação do requerimento de 5 de novembro decorreu o lapso excedente de cinco anos, de que cogitam os arts. 1º e 3º do decreto n. 857, de 12 de novembro de 1851, sou de parecer que o direito que tinha o requerente a se fazer reconhecer credor da Fazenda Nacional incorreu em prescrição. Não posso aceitar a doutrina do aviso do Ministério da Fazenda de 3 de outubro de 1902, no qual se declara não prescrita a divida de Eduardo Pires Martins, oriunda de serviços prestados no mesmo lugar, no mesmo tempo e em idênticas condições que o requerimento, pelos seguintes motivos: Funda-se o aviso aludido no art. 7º, § 2º, do citado decreto n. 857. Esse decreto, porém, não sufraga as conclusões dele tiradas. Diz o referido art. 7º, § 2º: “Os cinco anos não correm para a prescrição. § 1º............................................................................................................. § 2º Quando a demora for ocasionada por fato do Tesouro, tesourarias ou repartições a que pertença fazer a liquidação e reconhecimento das dividas e efetuar o pagamento.” Não diz a lei o que se deva entender por demora, mas pela conexão dos dois números do artigo, isto é, desse numero com o antecedente, vê-se que a demora a que se refere o art. 7º, § 2º, não pode ser senão de ordem imperativa, - a omissão de ato de natureza processual, continuo, determinado em lei, regulamento ou mesmo em praxes consagradas. Qual o ato substancial que rigorosamente deveria ter sido praticado por qualquer funcionário do Ministério da Guerra e que propositalmente ou por desídia foi omitido com prejuízo que a parte não pudesse prever ou amparar de modo decisivo? Nenhum. Ao contrario disto o decreto citado indicava no art. 12 ao interessado o meio de o praticar nas seguintes palavras: “Aqueles que quiserem segurar o seu direito, obstando a que corra para a prescrição o tempo consumido por demora e embaraços das repartições, poderão requerer e se lhes dará um certificado da apresentação do requerimento e documentos com especificada declaração do dia, mês e ano.” Desta disposição, como da do art. 5º deduz-se claramente que o legislador não cogitou em favorecer a negligência dos credores da Fazenda Nacional; antes, dando expressamente o motivo da prescrição liberatória, instituída em favor do Estado, infringiu-a como pena aos descuidados no andamento de papeis, que não comportam, nem podem comportar, principalmente no atual regime, marcha contenciosa. O requerente, pois, incorreu na pena que se impõe aos negligentes; e deve somente queixar-se de si ou do rigor da lei. Este modo de pensar está de inteiro acordo com a doutrina geralmente aceita e decorrente da distinção que os tratadistas estabelecem entre o elemento de direito publico e o de direito privado, que concorrem no exercício da função publica remunerada.

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Nos casos de vencimentos devidos, regulam as leis patrimoniais, porque tais vencimentos são derivados de um contrato, e o decreto n. 857 assim deve ser entendido. (Laband, Le Droit Public de l’Empire Allemand, II, p. 127, §§ 45 e segs. ; Baudry-Lacantinerie, De la Prescription, p. 534, n. 811.) A administração figura, então, como gestora dos negócios da União enquanto pessoa jurídica de direito privado; e a nenhuma regra, aplicável a relações de particulares, salvo o privilegio do foro e isenção da penhora forçada, pode-se eximir esse gestor sob pretexto de que a gestão resulta da publica organização. – T. A. Araripe Junior.

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INSTITUCIONAL

A Consultoria-Geral da União divulga nesta edição do Boletim Trimestral manifestações jurídicas exaradas no âmbito dos seus Departamentos.

SEGURO DESEMPREGO DOS PESCADORES ARTESANAIS

Antonio dos Santos Neto Advogado da União

PARECER N. º 062/2011/DECOR/CGU/AGU PROCESSO N.º 00400.011433/2011-49 INTERESSADA: Consultoria Jurídica da União no Rio Grande do Sul – CJU/RS ASSUNTO: Seguro-desemprego dos pescadores artesanais

SEGURO DESEMPREGO PREVISTO NA LEI N.º 10.779/2003 (SEGURO-DEFESO). BENEFICIÁRIOS. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO. PESCADORES PROFISSIONAIS ARTESANAIS. LICENÇA AMBIENTAL. ATUAL INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE PARA HABILITAÇÃO AO SEGURO-DEFESO. RECOMENDAÇÃO DE INCLUSÃO DA LICENÇA AMBIENTAL. I – somente os pescadores profissionais artesanais são beneficiários do seguro-desemprego previsto no art. 1.º da Lei n.º 10.779/2003 (seguro-defeso). II – Pescador profissional é aquele que captura o pescado, nos termos do art. 2.º, III e XXII, da Lei n.º 11.959/2009, e do art. 1.º, § 2.º, da Lei n.º 10.779/2003. III – A licença ambiental não está elencada na Lei n.º 10.779/2003 nem na Resolução CODEFAT n.º 657/2010 como um dos requisitos para habilitação ao seguro-defeso. IV – A exigência de licença ambiental pode reduzir eventuais fraudes na concessão do seguro-defeso. V – Com fundamento no art. 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 10.779/2003 e no art. 3º, § 5.º, da Resolução CODEFAT n.º 657/2010, é recomendável a edição de instrução normativa da competência da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – SPPE do Ministério do Trabalho e Emprego com o escopo de introduzir a exigência de licença ambiental emitida pelo IBAMA dentre os requisitos para a concessão do seguro-defeso.

Senhora Coordenadora-Geral de Orientação,

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1. Versa o presente processo sobre o alcance e os requisitos do seguro-desemprego previsto na Lei n.º 10.779/2003 em favor dos pescadores profissionais artesanais no período de defeso.

2. A Coordenadora-Geral da Consultoria Jurídica da União no Rio Grande do Sul – CJU/RS, via mensagem eletrônica encaminhada em 11/07/2011, prestou as seguintes informações preliminares sobre o assunto ao Diretor deste DECOR (fls. 01/02):

(...) A Superintendência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul (SRTE/RS) encaminhou consulta acerca do pagamento de seguro desemprego, durante o período do defeso, a pescador artesanal, onde faz os seguintes questionamentos: a) se o pagamento do seguro desemprego (‘seguro defeso’) deve ser feito somente a quem realize a pesca captura ou a todos que exerçam atividade pesqueira em regime de economia familiar; b) se a licença ambiental deve ser exigida como requisito para a concessão do referido benefício; e c) o alcance e interpretação dos demais documentos exigidos pela Resolução CODEFAT n.º 657, de 16.12.2010. Em síntese trata-se da percepção do Seguro Desemprego do Pescador Artesanal – SDPA para as mulheres de pescadoras que, embora vivendo em regime de economia familiar, não exercem diretamente a atividade de pesca, vale dizer, participam da atividade pesqueira, porém não entram na água para pescar. No dia 30/06 foi realizado o Fórum da Lagoa dos Patos, na comunidade da Colônia de Pescadores Z3, de Pelotas, e conforme relato da Adriane Lobo, Superintendente Federal de Pesca e Aquicultura – SFPA/RS do Ministério da Pesca e Aquicultura (...) foi verificada muita apreensão da comunidade local sobre a decisão que será tomada quanto a essa questão, uma vez que algumas mulheres já estão recebendo (as que cumpriram os critérios estabelecidos pelo MTE) e isso está gerando uma grande incompreensão. Ademais, há que salientar que o assunto está sendo tratado também pelo Ministério Público Federal, o qual defende o pagamento do seguro defeso às mulheres dos pescadores (...)

3. Por intermédio do Parecer MWB/CJU-RS/CGU/AGU n.º 1015/2011, de 06/07/2011, a Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande do Sul apresentou formalmente consulta a este Departamento nos seguintes termos (fls. 142/154):

(...) 11. A dúvida surge do confronto dos conceitos de ‘pesca’ e de ‘atividade pesqueira’ e de quem é beneficiário do denominado ‘seguro-defeso’, se quem exerce a pesca ou todo aquele que pratica atividade pesqueira. 12. Da leitura do art. 4º da Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, depreende-se que a atividade pesqueira é gênero do qual a pesca é espécie, uma vez que ‘a atividade pesqueira compreende todos os processos de pesca, explotação e exploração, cultivo, conservação, processamento, transporte, comercialização e pesquisa dos recursos pesqueiros’ 13. No caso específico da atividade pesqueira artesanal, são incluídos ‘os trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca, os reparos realizados em embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da pesca artesanal.’ 14. Aponta-se ainda que a pesca artesanal pode ser realizada de forma individual ou em regime de economia familiar, conforme art. 8º, I, a da Lei nº 11.959/2009 e art. 1º da Lei n.º 10.779/2003 acima transcrito. 15. Assim, conforme o já citado dispositivo da Lei no 10.779/2003, é garantido, ao pescador profissional, o direito ao seguro-desemprego durante o período de defeso. Nos termo do art. 2º, XXIII, da Lei nº 11.959/2009, pescador profissional é ‘a pessoa física, brasileira ou estrangeira residente no País que, licenciada pelo órgão público competente, exerce a pesca com fins comerciais, atendidos os critérios estabelecidos em legislação específica’.

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16. Ou seja, o dispositivo que cria o direito em questão trata especificamente de quem exerce a pesca e não a atividade pesqueira. 17. Já a Resolução CODEFAT nº 657, de 16.12.2010 (art. 1º, § 2º) restringiu ainda mais esse conceito ao definir que, para concessão do benefício, somente se entenderia como pesca aquela realizada na modalidade da captura. 18. Tais definições, lidas de forma isolada, parecem não deixar dúvida quanto ao sentido da norma. Porém, uma leitura mais atenta das mesmas normas mostra uma série de incongruências entre esta interpretação de caráter mais literal e as demais normas constantes das leis acima mencionadas. 19. Nesse sentido, a própria ementa da lei que institui o benefício diz que ‘dispõe sobre a concessão do benefício de seguro desemprego, durante o período de defeso, ao pescador profissional que exerce a atividade pesqueira de forma artesanal.’ Note-se que a norma fala em atividade pesqueira e não pesca. 20. Do mesmo modo, o art. 1º da Lei no 10.779/2003 refere-se ao ‘período de defeso de atividade pesqueira’. Até mesmo porque, o defeso impede o exercício da atividade pesqueira, conforme o art. 6º, XXIII, da Lei nº 11.959/2009. Note-se que ambas as normas falam em atividade pesqueira e não pesca. 21. Destarte, temos a primeira contradição dentro das normas que tratam a matéria. Impede-se a atividade pesqueira como um todo e não apenas a pesca, mas o seguro seria destinado apenas àqueles que exercem a segunda atividade, excluindo-se parte daqueles que tem seu trabalho impedido pelas restrições ambientais 22. O segundo ponto contraditório consta da Resolução CODEFAT nº 657, de 16.12.2010, pois, a nova regulação, qual seja, a Resolução CODEFAT nº 657, de 16.12.2010 (art. 1º, § 2º), inovou ao definir que, para concessão do benefício, somente se entenderia como pesca aquela realizada na modalidade da captura. 23. Destaca-se que esta definição NÃO constava da norma que regulava a matéria até então (RESOLUÇÃO CODEFAT 468, de 21 de dezembro de 2005). 24. Até o corrente ano, o pagamento do benefício em questão, na região estuarina, era direcionado a quem exercia ‘atividade pesqueira’, tendo em vista que os mesmo possuíam os documentos suficientes para a concessão do benefício e a licença ambiental para pesca – o que, enfatize-se, segue ocorrendo. 25. De onde se observa a absoluta falta de qualquer documento entre aqueles exigidos na referida Resolução que diferencie quem se sustente da pesca, aos dos que realizam atividade pesqueira. Se por um lado, a norma restringe (até pontos que são questionáveis frente à norma superior), por outro lado não consolida essas restrições entre os requisitos práticos, ficando por assim dizer ‘no meio do caminho’. 26. Se a norma, conforme relatado acima, restringe à percepção do benefício ao pescador profissional que exerce a captura e em outro, amplia seu escopo ao não exigir a comprovação desses requisitos, abre espaço para interpretações conflitantes – do que os documentos trazidos aos autos e a própria consulta em questão fazem prova. 27. Neste sentido, cabe ao intérprete do texto legal fazer o esforço para integrar a norma, de acordo com as demais normas que tratam da matéria e dos princípios que o regem. No presente caso, sob o cunho social, é evidente que se irá buscar a interpretação mais protetiva daquele cidadão que necessita do amparo para manter sua dignidade e, sob o ponto de vista, ambiental, daquela que irá trazer maior proteção ao meio ambiente. Como diz o art. 3º da Lei nº 11.959/2009, buscando promover o desenvolvimento sustentável da pesca e da aquicultura e o desenvolvimento socioeconômico, cultural e profissional dos que exercem a atividade pesqueira, bem como de suas comunidades buscando o ‘o equilíbrio entre o princípio da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a obtenção de melhores resultados econômicos e sociais (...)’. 28. Neste sentido, mais que as definições restritas de parte da norma, aponta o sistema normativo para um visão holística, considerando a atividade pesqueira como um todo e não se restringindo à captura, inclusive quanto à concessão do benefício do seguro-defeso. (...) 30. Frise-se, e se irá tratar desta questão em distintos pontos desta manifestação jurídica, tal questão não possui matizes meramente teóricos, é importante considerar a realidade da região do estuário da Lagoa dos Patos, na medida em que há o envolvimento da comunidade na atividade pesqueira. Neste local, a atividade da pesca é exercida precipuamente por homens,

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enquanto as mulheres participam da cadeia produtiva, centralizando a etapa do processamento e os trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca. (...) 32. No outro questionamento suscitado pela Administração é indagado se a licença ambiental deve ser exigida como requisito para a concessão do referido benefício. 33. Tal documento, apesar de não constar do rol original de documentos, vinha sendo exigido para a concessão do benefício em virtude da Recomendação n. 001/2008, de 14/05/2008, expedida pelo Ministério Público Federal, que determina que, a partir do Defeso de 2008, seja exigido, além dos documentos previstos no art. 2º da Lei 10.779/2003, a Licença Ambiental de Pesca emitida pelo IBAMA no ano anterior. 34. Em se considerando que o CODEFAT - Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, órgão da estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego, é o órgão competente para estabelecer as ‘condições indispensáveis ao recebimento do benefício’ conforme o art. 2º - B, § 3º, da Lei nº 7.998/1990. 35. Ora, o Ministério do Trabalho e Emprego e sua Superintendência Regional no Rio Grande do Sul estão obrigados, pelo art. 37 da Constituição, a obedecer ao Princípio da Legalidade que é assim explicado na célebre lição de Hely Lopes Meirelles, ‘enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe. Na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.’ (In Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 22ª ed., p. 82). (...) 37. Destarte, fica claro que não pode a Administração, no trato de situações específicas, ignorar os seus próprios atos destinados a regular estas situações. Assim, se o CODEFAT, órgão do Ministério do Trabalho e Emprego edita norma determinando os documentos necessários para o recebimento do benefício, não pode a SRTE/RS, também órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, simplesmente ignorar este regulamento. (...) 40. Destarte, temos claramente que foi estabelecido um procedimento regulando a forma como serão exigidos eventuais novos documentos, com um órgão competente (Secretaria de Políticas Públicas de Emprego - SPPE do Ministério do Trabalho e Emprego) e mediante forma específica (Instrução Normativa). 41. Mais uma vez recorremos ao magistério de Hely Lopes Meirelles ao afirmar que são requisitos do ato administrativo: competência, finalidade, forma, motivo e objeto (p. 142, Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed.). 42. Assim sendo, qualquer ato da SRTE/RS exigindo a licença ambiental para fins de concessão do benefício do ‘seguro-defeso’ careceria de dois requisitos fundamentais: competência e forma, levando a sua nulidade. 43. No entanto, conforme se verá abaixo, ainda que não possa, por ora, ser exigida como requisito para habilitação ao seguro-desemprego, é importante tratar alguns pontos em relação à licença ambiental concedida pelo IBAMA para a pesca artesanal na Lagoa dos Patos e seus efeitos jurídicos. 44. A licença ambiental é um importante instrumento para o acesso aos recursos naturais e seu manejo. Torna-se peculiar, no presente caso, por ser um dos poucos locais onde há essa exigência para a pesca artesanal. (...) 46. A situação descrita decorre das alterações legais de forma a facilitar o acesso ao benefício que levou à multiplicação dos beneficiários no Rio Grande do Sul, podendo comprometer inclusive a sustentabilidade do manejo dos recursos pesqueiros bem como a continuidade da própria política pública em questão, na medida em que os recursos financeiros da União são destinados a pessoas que não são efetivamente destinatárias da referida política – pescadores artesanais. 47. Este quadro, combinado com as recorrentes fraudes ocorridas no pagamento do benefício (situação expressamente reconhecida na jurisprudência) levam a se afirmar que, embora atualmente não seja possível exigir a licença ambiental como requisito para habilitação ao benefício, este documento não pode ser sumariamente ignorado pelos órgãos reguladores (CODEFAT e SPPE/MTE) e executores (SRTE/RS) desta política. (...)

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49. Destarte, ainda que não possa ser tolerada a exigência da licença ambiental entre os requisitos de habilitação, a fiscalização do pagamento do benefício não pode ignorar este documento. Assim como quaisquer outros que possam demonstrar que o pagamento do benefício está se dando de forma indevida. 50. Por este ângulo, a licença ambiental é um instrumento bastante efetivo já que somente quem possui a licença ambiental pode pescar, credenciando-o para ser utilizado pela fiscalização na identificação de eventuais fraudes no recebimento do benefício. Ao conceder benefício a pescadores sem licença, estará a Administração sendo conivente e até mesmo estimulando com uma irregularidade ambiental, o que tampouco pode ser tolerado – o que nos leva à recomendação que a SRTE/RS leve ao conhecimento do órgão competente – SPPE/MTE a situação em comento. (...) 66. Se o pagamento do seguro-desemprego (‘seguro-defeso’) deve ser feito somente a quem realize a pesca captura ou a todos que exerçam atividade pesqueira em regime de economia familiar. 66.1. Nesse sentido, recomenda-se que o pagamento deve ser realizado a todo aquele que apresentar os documentos exigidos pela Resolução CODEFAT nº 657 de 16.12.2010, mantendo-se o esforço para coibir as fraudes. 66.2. Em se considerando o questionamento per se, em se considerando a Lei Complementar nº 73, e considerando-se também que há diferentes posturas e interpretações, ainda que não possam não estar estritamente formalizadas no corrente de diferentes órgãos e ministérios, bem como o alcance nacional da matéria, recomenda-se o encaminhamento da questão ao Departamento de Orientação e Coordenação de Órgãos Jurídicos – DECOR, da Advocacia-Geral da União, para o deslinde da questão. 67. Se a licença ambiental deve ser exigida como requisito para a concessão do referido benefício. 67.1 Em se considerando que a Resolução CODEFAT nº 657 de 16.12.2010 não arrola a licença ambiental como requisito de habilitação para o benefício, o mesmo não pode ser exigido até sua inclusão no rol dos documentos pelo órgão competente e na forma adequada, conforme tratado neste Parecer. 67.2 Em se considerando a alteração promovida pela referida Resolução que delega competência para a exigência de novos documentos (art. 3º, § 5º) à Secretaria de Políticas Públicas de Emprego - SPPE do Ministério do Trabalho e Emprego), não assiste competência à SRTRE/RS para a inclusão de novos documentos dentre os exigíveis para a concessão do benefício. 68. O alcance e interpretação dos demais documentos exigidos pela Resolução CODEFAT nº 657 de 16.12.2010. 68.1 A avaliação da necessidade, ou não, desses documentos e de seu conteúdo deverá ser realizada à luz dos elementos fáticos particulares a cada caso. Se a SRTE/RS não possui os elementos fáticos para tanto deverá recorrer aos seus congêneres federais, em especial com o órgão estadual do Ministério da Pesca e Aquicultura e a Superintendência do IBAMA no Rio Grande do Sul. ENCAMINHAMENTOS PROPOSTOS 69. Após este breve parecer, onde se pretendeu apresentar os elementos essenciais para um encaminhamento adequado da questão diante do grande volume de documentos trazidos à análise e dos inúmeros questionamentos acessórios, propomos os encaminhamentos que seguem: a- com relação ao questionamento se o pagamento do seguro-desemprego (seguro-defeso’) deve ser feito somente a quem realize a pesca captura ou a todos que exerçam atividade pesqueira em regime de economia familiar, em se considerando o questionamento per se, em se considerando a Lei Complementar n.º 73, e considerando-se também que há diferentes posturas e interpretações, ainda que não possam estar estritamente formalizadas no corrente de diferentes órgãos e ministérios, bem como o alcance nacional da matéria, recomenda-se o encaminhamento da questão ao Departamento de Orientação e Coordenação de Órgãos Jurídicos – DECOR (...) para o deslinde da questão; e (...)

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4. Às fls. 103/117, foi acostada a referida consulta que a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul dirigiu à Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande do Sul.

5. Às fls. 20/22, este Departamento solicitou às Consultorias Jurídicas dos Ministérios do Trabalho e Emprego, da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente o fornecimento de subsídios sobre o tema.

6. A Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego assim se manifestou no Parecer CONJUR/MTE n.º 338/2011, de 22/07/2011 (cópia às fls. 26/40):

06. O benefício do seguro-desemprego é um direito garantido ao trabalhador pelo art. 7.º, inc. II, da Constituição Federal. Trata-se de um auxílio financeiro aos trabalhadores demitidos sem justa causa, nos termos da Lei n.º 7.998, de 11 de janeiro de 1990. 07. Referido benefício foi estendido pela Lei n.º 8.287, de 20 de dezembro de 1991 (atualmente revogada pela Lei n.º 10.779, de 25 de novembro de 2003), ao pescador profissional que exerça sua atividade de forma artesanal, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com a colaboração eventual de parceiros. O benefício, no valor de um salário mínimo mensal, é concedido durante o período de defeso, fixado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, objetivando a preservação das espécies. 08. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, por sua vez, considerando a competência a ele atribuída pelo art. 19, inc. V, da Lei n.º 7.998, de 1990, editou a Resolução n.º 657, de 2010, que dispõe sobre a concessão do seguro-desemprego aos pescadores profissionais, categoria artesanal, durante os períodos de defeso, instituído pela Lei n.º 10.779, de 2003. (...) Item 1 – Dos profissionais habilitados ao recebimento do seguro-desemprego 10. Inicialmente, questiona ‘se o pagamento do seguro-desemprego (‘seguro-defeso’) deve ser feito somente a quem realize a pesca captura ou a todos que exerçam atividade pesqueira em regime de economia familiar’. 11. Referida indagação fora objeto de recente consulta feita pela Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – SPPE desta Pasta a esta Consultoria Jurídica, que se manifestou através do Parecer CONJUR/MTE N.º 307/2011 (...) concluindo no sentido de que ‘está vedado ao intérprete ampliar o conceito de ‘pescador profissional’, previsto no art. 1.º, caput, da Lei n.º 10.779, de 2003, para incluir pessoas que efetivamente não praticam a pesca, mas se inserem, por conexão, à atividade econômica pesqueira artesanal’. 12. Transcreve-se abaixo o citado Parecer CONJUR/MTE N.º 307/2011: A Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – SPPE (...) encaminha dúvida para pronunciamento desta Consultoria Jurídica (...) 2. Relata, inicialmente, que existem questionamentos sobre a correta abrangência do conceito do regime de economia familiar contido no art. 1.º e seu § 1.º da Lei n.º 10.779, de 25 de novembro de 2003, para fins de concessão do seguro-desemprego ao pescador profissional artesanal (...) 3. Refere-se a um requerimento (...) formulado pelo Fórum da Lagoa dos Patos, e afirma que não houve mudança no posicionamento da área técnica sobre o pagamento do benefício do seguro-desemprego à mulher do pescador (...) 4. Afirma que o Ministério do Trabalho – MTE sempre se posicionou no sentido de que a concessão do benefício do seguro-desemprego somente é devida ao pescador, assim entendido como aquele que se dedica à captura do pescado, indeferindo o pleito de familiares do mesmo, ainda que inseridos na atividade pesqueira (...) 5. Pontua, contudo, que a então Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca – SEAP, hoje Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA, expediu registros de pescador a inúmeras mulheres de pescadores em todo o país, fato que importou no pagamento do benefício de forma indevida e em questionamentos da Controladoria-Geral da União (...) 6. Alega que a discussão voltou à tona com a edição da Lei n.º 11.959, de 29 de junho de 2009, que inclui na atividade pesqueira artesanal os trabalhos de confecção e de reparos de artes e

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petrechos de pesca, os reparos utilizados em embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da pesca artesanal (parágrafo único do art. 4.º) (...) 7. Aduz que o Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA, ao editar a Instrução Normativa n.º 02, de 25 de janeiro de 2011, previu a criação de um cadastro próprio para os trabalhadores da cadeia produtiva (§ 3 do art. 1.º), distinta, todavia, da inscrição do pescador, também prevista no art. 1.º da referida IN (...) (...) 9. Conclui a sua manifestação indagando sobre a correção da interpretação que vem dando ao art. 1.º da Lei n.º 10.779, de 25 de novembro de 2003, ao restringir a concessão do benefício do seguro-desemprego somente ao pescador profissional que atua individualmente ou em regime de economia familiar, excluindo as pessoas que o auxiliam no processamento do pescado, conserto e confecção de redes etc., especialmente a mulher e filhos do pescador (...) 11. O cerne da questão está em definir se seria possível juridicamente interpretar a expressão ‘pescador profissional’, contida no art. 1.º da Lei n.º 10.779, de 2003, de forma a abranger também os familiares do pescador, em função do que estabelece o parágrafo único do art. 4.º da Lei n.º 11.959, de 2009. (...) 19. De fato, ainda que incluídos na atividade econômica da pesca, esses não pescadores poderão se beneficiar de políticas públicas específicas e outros benefícios, mas não farão jus ao seguro-desemprego instituído pela Lei n.º 10.779, de 2003, por não atenderem às exigências legais. 20. O art. 1.º da Lei n.º 10.779, de 2003 (...) é expresso ao atribuir o direito ao ‘pescador profissional’, o que impossibilita a leitura do dispositivo de maneira extensiva para inserir pessoas que não exercem a pesca, mas apenas atividades do amplo espectro da atividade econômica da pesca artesanal. 21. Por sua vez, o art. 2.º, II, da Lei n.º 10.779, de 2003, determina que o interessado em obter o benefício do seguro-desemprego apresente ao Ministério do Trabalho e Emprego – MTE comprovante de inscrição e de recolhimento da contribuição previdenciária como pescador (...) 22. Ora, o pescador profissional artesanal é aquele que se dedica à captura da espécie protegida durante o período de defeso (§ 2.º do art. 1.º da Resolução n.º 657, de 2010, do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT). 23. O pescador profissional tem nessa atividade, em regra, o seu único meio de subsistência, diferentemente de outros trabalhadores que integram a cadeia produtiva, incluindo seus familiares. 24. Se os familiares do pescador são também pescadores profissionais e atendem, cada um deles, os requisitos legais para se habilitarem ao recebimento do benefício, farão jus ao seguro-desemprego do ‘pescador profissional’ por direito próprio. 25. Nesse ponto, é importante observar que a Lei n.º 10.779, de 2003, embora não de forma expressa, demonstra a intenção de oferecer o benefício ao pescador e seus familiares, pois considera que a pesca artesanal pode ser feita com o auxílio destes (art. 1.º) sem se referir à possibilidade de pagamento de múltiplos benefícios aos membros da mesma família. (...) 27. Todos esses dispositivos legais apontam para a impossibilidade de conferir o benefício a pessoas que não exercem a pesca profissional. A discussão sobre a legitimidade da extensão do direito a pessoas não originariamente beneficiadas deve ocorrer no Congresso Nacional. 28. Deve-se ressaltar que a Lei n.º 11.959, de 2009, editada para orientar a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, não tratou em nenhum momento do benefício do seguro-desemprego. (...) (...) é regra de hermenêutica que uma lei especial (Lei n.º 10.779, de 2003, ao tratar do seguro-desemprego do pescador profissional artesanal) não é revogada pela geral (Lei n.º 11.959, de 2009) (...) (...) 45. Cabe ao CODEFAT, ainda, nos termos do inciso V do art. 19 da Lei n.º 7.998, de 1990, ‘regulamentar os dispositivos desta Lei no âmbito de sua competência’. Esse dispositivo, combinado com o art. 5.º da Lei n.º 10.779, de 2003, permitem ao referido Conselho detalhar o regramento para o pagamento do benefício do seguro-desemprego ao pescador profissional (...)

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46. No exercício dessa competência, o CODEFAT editou a Resolução n.º 657, de 16 de dezembro de 2010, que não deixa qualquer dúvida acerca do descabimento do benefício do seguro-desemprego do pescador artesanal a não pescadores. 47. No § 2.º do art. 1.º daquela Resolução n.º 657, de 2010, o Conselho estabeleceu que ‘para concessão do benefício, entende-se como pesca a captura, para fim comercial, da espécie do defeso’. 48. Ora, a interpretação dada pelo CODEFAT, em consonância com as disposições legais, especialmente aquelas previstas na Lei n.º 10.779, de 2003, como visto, não merecem qualquer reparo. De fato, o art. 1.º da Lei n.º 10.779, de 2003, refere-se a pescador profissional. 49. Nesse ponto, é importante observar que a previsão inserida no § 3.º do art. 1.º da Instrução Normativa n.º 02, de 25 de janeiro de 2011, do Ministério da Pesca e Aquicultura, não permite extrair a conclusão sobre a obrigação de pagamento do seguro-desemprego a todas as pessoas que estão inseridas na cadeia produtiva da atividade pesqueira. 50. Fica claro daquele dispositivo, inclusive, que essas pessoas serão incluídas no Registro Geral da ‘Atividade Pesqueira’ – RGP em situação distinta do pescador que, de fato, não são. Aliás, a referida IN não trata dessas pessoas, mas apenas do registro do aprendiz de pesca e do pescador profissional (art. 1.º). (...) 13. Assim, considerando-se o entendimento firmado por esta Consultoria Jurídica no Parecer CONJUR/MTE n.º 307/2011, tem-se que o pagamento do seguro-desemprego deve ser feito somente ao pescador profissional que atua individualmente ou em regime de economia familiar, excluindo as pessoas que o auxiliam no processamento do pescado, conserto e confecção de redes etc., inclusive esposa e filhos do pescador. 14. Ainda conforme registrado no citado parecer, se os familiares do pescador são também pescadores profissionais e atendem, cada um deles, os requisitos legais para se habilitarem ao recebimento do benefício, farão jus ao seguro-desemprego do ‘pescador profissional’ por direito próprio. Caso contrário, poderão se beneficiar de políticas públicas específicas e outros benefícios, mas não farão jus ao seguro-desemprego instituído pela Lei n.º 10.779 (...) ITEM 2 – Da licença ambiental 15. Questiona-se ainda ‘se a licença ambiental deve ser exigida como requisito para a concessão do referido benefício’. (...) 17. Verifica-se que, no caso específico dos pescadores que exercem a pesca no Estuário da Lagoa dos Patos (RS), a área técnica responsável pela política do seguro-desemprego no âmbito desta Pasta, acatando a recomendação expedida pelo Ministério Público Federal, orientou as unidades locais a exigirem a licença ambiental como requisito ao pagamento do benefício. 18. De fato, o art. 2.º da Lei n.º 10.779, de 2003, enumera os requisitos necessários ao recebimento do seguro-desemprego pelo pescador profissional (...) 19. Registre-se que o inciso IV, e respectivas alíneas, da citada Lei n.º 10.779/03 foram declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3464-2/DF, sob o fundamento de violação à liberdade sindical (...) 20. Por outro lado, a Resolução CODEFAT n.º 657, de 2010, editada com fulcro na competência que fora atribuída àquele órgão pelo art. 19, inc. V, da Lei n.º 7.998, de 1990, enumera, em seu art. 2.º, os requisitos necessários à habilitação ao benefício, e, em seu art. 3.º, os documentos que deverão ser apresentados pelos beneficiários (...) 21. Analisando tais dispositivos, verifica-se que não é necessária, para habilitação ao pagamento do benefício, a apresentação da licença ambiental emitida pelo IBAMA. No entanto, o parágrafo único do art. 2.º da Lei n.º 10.779, de 2003, dispõe que ‘O Ministério do Trabalho e Emprego poderá, quando julgar necessário, exigir outros documentos para a habilitação do benefício’. 22. Assim, avaliando esta Pasta a necessidade de exigência de outros documentos para habilitação ao benefício, poderá ela fazê-lo com fundamento no citado dispositivo legal. Tal exigência, no entanto, deverá ser feita por meio de ato normativo específico, ainda que direcionado unicamente aos pescadores de uma determinada região. 23. Nesse sentido, a Resolução CODEFAT n.º 657, de 2010, atualmente em vigor, estabelece, em seu art. 3.º, § 5.º, que ‘O Ministério do Trabalho e Emprego poderá, por meio da SPPE,

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quando julgar necessário, exigir outros documentos para a habilitação do benefício, conforme parágrafo único do art. 2.º da Lei 10.779/2003, mediante instrução normativa’. 24. Nesse sentido, entende-se que é válido ao MTE exigir, com base na avaliação da área técnica competente, a licença ambiental para habilitação ao benefício do seguro-desemprego do pescador artesanal, desde que tal exigência conste de ato normativo específico, atualmente, instrução normativa da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – SPPE desta Pasta. Item 3 – Alcance e interpretação dos documentos exigidos pela Resolução CODEFAT n.º 657, de 2010 25. Por fim, solicita-se manifestação acerca do ‘alcance e interpretação dos demais documentos exigidos pela Resolução CODEFAT n.º 657, de 16.12.2010’. 26. Não restou especificado, no entanto, a dúvida jurídica específica sobre tais documentos, não sendo possível, conforme ressaltado pela CJU/RS, proferir uma manifestação jurídica em tese sobre o tema. 27. De fato, tais documentos são objetivamente definidos pelo art. 3.º da citada Resolução CODEFAT, e eventual dúvida deverá ser especificada para possibilitar um pronunciamento jurídico sobre o tema, ou mesmo analisada à luz de um caso concreto. 28. Em face dos argumentos expostos, conclui-se: a) o pagamento do seguro-desemprego deve ser feito somente ao pescador profissional que atua individualmente ou em regime de economia familiar, atendidos os requisitos fixados na Lei n.º 10.779, de 2003, e na Resolução CODEFAT n.º 657, de 2010, restando indevido o pagamento do benefício às demais pessoas porventura inseridas na cadeia produtiva da atividade pesqueira, conforme entendimento firmado por esta Consultoria Jurídica no Parecer CONJUR/MTE n.º 307/2011 (...) b) pela possibilidade do MTE exigir, com base na avaliação da área técnica competente, a licença ambiental para habilitação ao benefício do seguro-desemprego do pescador artesanal, desde que tal exigência conste de ato normativo específico, atualmente, instrução normativa da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – SPPE desta Pasta (art. 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 10.779, de 2003; art. 3.º, § 5.º, da Resolução CODEFAT n.º 657, de 2010); e c) os documentos exigidos pela Resolução CODEFAT n.º 657, de 2010, para habilitação ao benefício do seguro-desemprego são objetivamente definidos pelo seu art. 3.º e eventual dúvida deverá ser especificada para possibilitar um pronunciamento jurídico sobre o tema, ou mesmo analisada à luz de um caso concreto. (...)

7. A Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, emitiu a Nota n.º 200/2011/CGAJ/CONJUR/MMA/MME, de 29/07/2011 (fls. 178/181):

(...) No que diz respeito à pesca, o Poder Público Federal conta com órgão específico para a questão, qual seja, o Ministério da Pesca e Aquicultura, com competências previstas na Lei 10.683/03 (alterada pela Lei 11.958/09). 4. O mesmo ato normativo, forte na transversalidade que a atividade pesqueira guarda com a questão ambiental, estabeleceu regime de competência compartilhada entre os Ministérios do Meio Ambiente e da Pesca e Aquicultura para a edição de atos normativos conjuntos (...) 5. Por sua vez, o Decreto n.º 6.981/2009, ao regulamentar a Lei n.º 10.683/2003, criou o sistema de gestão compartilhada do uso sustentável de recursos pesqueiros, que tem como objetivo principal subsidiar a elaboração e implementação de normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento do uso sustentável de recursos pesqueiros (...) 6. As regras acima deixam claro que a atuação deste Ministério do Meio Ambiente somente se dá, nos assuntos tocantes à pesca, para ‘fixar as normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros’, dentro da competência fixada pela Lei 10.683/03. (...) 9. O estabelecimento do período de defeso é uma das regras que se inserem na competência conjunta MMA e MPA (...) 10. Todavia, as regras para o pagamento do seguro desemprego/defeso não se inserem na competência conjunta aqui já tratada. Existe, pelo que observo, maior interesse do Ministério do Trabalho e Emprego na questão, e isso porque o pedido e a verificação do cumprimento dos

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requisitos competem a tal Pasta. Este Ministério do Meio ambiente não toma parte em tal relação. 11. As questões submetidas à Consultoria-Geral da União dizem respeito aos requisitos para a concessão do benefício; requisitos que, como se mostrou acima, são verificados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e a discussão aqui tratada em nada afeta o estabelecimento de normas de uso sustentável dos recursos pesqueiros, uma vez que uma de suas principais regras – o período de defeso, de forte caráter ambiental de preservação das espécies – não será afetada pela interpretação que se pretende elucidar (conceitos de atividade pesqueira e pesca, para fins de concessão do seguro desemprego). 12. Todavia, entendo importante tecer algumas considerações sobre a licença ambiental mencionada no item ‘b’ da consulta. 13. Em primeiro lugar, destaco que a licença, expedida pela autoridade competente, está no cerne do conceito de pescador (...) 14. A própria Lei 10.683/03 (...) ao mesmo tempo que atribui ao MPA competência para a concessão de licenças, permissões ou autorizações para o exercício da pesca, o faz ‘sem prejuízo das licenças ambientais previstas na legislação vigente’, demonstrando a possibilidade da dupla exigência. (...) 18. E apenas aquele que exerce regularmente sua atividade faz jus ao recebimento de seguro desemprego; e a regularidade do exercício da atividade pesqueira depende da concessão de licença ou autorização, que deve cumprir as normas de uso sustentável dos recursos pesqueiros, estabelecidas em conjunto pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Pesca e Aquicultura. 19. Destaco que a Recomendação 01/2008 mencionada no Parecer da CJU/RS foi editada em data anterior às leis 11.958/09 (...) e 11.959/09 (...) 20. Destaco também que a Instrução Normativa Interministerial (MMA e SEAP) n.º 4, de 2003, que regulamenta a licença ambiental na Lagoa dos Patos, se trata de um caso excepcional de licença ambiental para a pesca, editada em cumprimento à decisão judicial. (...) 25. A exigência, em que pese seja adotada como tal pelo Ministério do Trabalho e Emprego, há de possuir justificativa razoável (no caso, o caráter ambiental envolvido) (...) 26. Sugiro, assim, seja ouvido o IBAMA – órgão executor no âmbito federal da Política Nacional do Meio Ambiente, incumbido do exercício do poder de policial ambiental, preventivo (licenciamento) e repressivo (fiscalização) – quanto ao tema, bem como dos Ministérios da Pesca e Aquicultura e do Trabalho e Emprego. (...)

8. Por último, valendo-se do Parecer CONJUR/AGU/MPA n.º 370/2011, de 05/08/2011, a Consultoria Jurídica do Ministério da Pesca e Aquicultura assim se posicionou sobre o tema (fls. 208/217):

(...) 06. A alínea ‘d’ do inciso XXIV do art. 27 da Lei n.º 10.683/2003 (...) estipula que compete ao Ministério da Pesca e Aquicultura organizar e manter o Registro Geral da Pesca – RGP (...) 07. A Portaria MPA n.º 523, de 1.º de dezembro de 2010, que aprova o Regimento Interno do Ministério da Pesca e Aquicultura, especificamente no inciso I do art. 39, atribuiu a competência de coordenar, organizar e manter o Registro Geral da Atividade Pesqueira – RGP ao Departamento de Registro da Pesca e Aquicultura – DRPA, órgão da Secretaria de Monitoramento e Controle da Pesca e Aquicultura – SEMOC do MPA (...) 08. A Portaria MPA n.º 523, de 1.º de dezembro de 2010 (...) especificamente no inciso IV do art. 38, atribuiu a competência de controlar as licenças, permissões e autorizações para o exercício da pesca à Secretaria de Monitoramento e Controle da Pesca e Aquicultura. (...) 09. Portanto, para exercer a atividade pesqueira, na forma artesanal, no território nacional, é necessária a prévia inscrição no Registro Geral da Atividade Pesqueira – RGP, a cargo do Departamento de Registro da Pesca e Aquicultura – DRPA (...) (...)

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18. A licença ambiental para a pesca profissional artesanal no estuário da Lagoa dos Patos (...) foi criada através da Instrução Normativa Conjunta MMA/SEAP/PR n.º 3, de 9 de fevereiro de 2004 (...) 19. Destarte (...) para exercer a pesca no estuário da Lagoa dos Patos/RS, basta estar inscrito no RGP e possuir licença ambiental do IBAMA. (...) (...) por força da Lei n.º 10.779, de 25 de novembro de 2003, as mulheres dos pescadores artesanais, desde que atendidos os requisitos legais, poderão se inscrever regularmente no Registro Geral da Pesca – RGP, estando portanto aptas a exercerem a atividade pesqueira em sua plenitude, e, por conseguinte, estão aptas a receber o benefício em questão. 22. Nota-se que o rígido controle da atividade pesqueira visa, sobretudo, a proteção dos ecossistemas, manutenção do equilíbrio ecológico, preservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos naturais entre outros. O que em tese justifica a exigência de licença ambiental, contudo a legislação da pesca atualmente em vigor não menciona tal exigência. 23. Ressalto, ainda, que em estudo efetuado pela Universidade Federal de Rio Grande – FURG, no Laboratório de Recursos Pesqueiros Artesanais do Instituto de Oceanografia, observou-se a relevância do ‘seguro-defeso’ para o sustento das famílias, visto que a atividade pesqueira naquela região não se mostra atualmente rentável. 24. Por seu turno o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT editou a Resolução n.º 657, de 16 de dezembro de 2010, que restringe o conceito de atividade pesqueira, entendendo como pesca aquela realizada na modalidade de captura, desconsiderando, por sua vez, a amplitude do conceito atividade pesqueira. 25. Destarte, a Resolução n.º 657, de 16 de dezembro de 2010, do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, ao restringir o conceito de pesca à única e exclusiva modalidade de captura, não obedeceu ao disposto na nova Lei da Pesca, Lei n.º 11.959, de 26 de junho de 2009, quando esta estabeleceu o novo conceito de pesca no art. 2.º, inciso III (...) 26. Portanto, de acordo com a nova Lei da Pesca (...) o ato de pescar é muito mais que apenas capturar recursos pesqueiros, mas compreende, ainda, ‘toda operação, ação ou ato tendente a extrair, colher, apanhar ou apreender recursos pesqueiros’. 27. Assim, verifica-se o desacordo conceitual sobre pesca existente entre a Resolução n.º 657, de 16 de dezembro de 2010, do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, e a nova Lei da Pesca (...) 28. Convém ressaltar, ainda, que a retirada de direitos das mulheres pescadoras, de modo a servir de obstáculo a sua autonomia, perpetuando as desigualdades de gênero, sem a imediata implementação de outras políticas públicas que assegurem formas alternativas de geração de renda, poderá provocar um aumento na vulnerabilidade dessas mulheres e de suas famílias. 29. Existe na região do estuário da Lagoa dos Patos/RS um grupo de trabalho institucional do qual o MTE faz parte, onde em reunião foi acordado que as mulheres receberiam o referido benefício com a documentação do titular. 30. Em nota acerca do tema, sinteticamente o MPF/RS (...) esclarece ‘que é favorável ao pagamento de seguro-defeso às mulheres de pescadores do estuário da Lagoa dos Patos que, em regime de economia familiar, ali usualmente capturem tainha, bagre, corvina e camarão...’ De pronto, percebe-se que o MPF condiciona o pagamento do benefício à existência do ‘regime de economia familiar’. (...) 33. Ante o exposto (...) restrinjo-me a opinar, sob o ponto de vista jurídico-formal, pela legalidade do recebimento do seguro-desemprego pelas mulheres pescadoras artesanais no estuário da Lagoa dos Patos, no Estado do Rio Grande do Sul, desde que devidamente inscritas no Registro Geral da Atividade Pesqueira – RGP, uma vez que não há exigência de licença ambiental por parte do CODEFAT para o pagamento do ‘seguro-defeso’. 34. Com relação ao questionário presente no Parecer MWB/CJU-RS/CGU/AGU n.º 1.015/2011, de 06/07/2011, passo a responder objetivamente: a) se o pagamento do seguro desemprego (‘seguro defeso’) deve ser feito somente a quem realize a pesca captura ou a todos que exerçam atividade pesqueira em regime de economia familiar; Resposta: a todos que exerçam a atividade pesqueira em regime de economia familiar.

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b) se a licença ambiental deve ser exigida como requisito para a concessão do referido benefício; e Resposta: Sim, posto que de acordo com a legislação atual, a saber, a IN Conjunta MMA/SEAP/PR n.º 3/2004, no § 1.º do art. 7.º, a mesma é ‘individual e intransferível’. Contudo, há o costume local de estender esta licença para o núcleo familiar, de maneira que, desde sua criação, as mulheres pescadoras esposas de pescadores exercem a atividade pesqueira com a licença ambiental concedida ao marido. c) o alcance e interpretação dos demais documentos exigidos pela Resolução CODEFAT n.º 657, de 16.12.2010. Resposta: O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, através da Resolução n.º 657, de 16 de dezembro de 2010, restringiu o conceito de pesca, entendendo-o como tal apenas aquela realizada na modalidade de captura, desconsiderando, por sua vez, a amplitude do conceito de pesca presente na Lei n.º 11.959, de 26 de junho de 2009. Assim, verifica-se o desacordo conceitual sobre pesca existente entre a Resolução n.º 657, de 16 de dezembro de 2010, do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, e a nova Lei da Pesca, Lei n.º 11.959, de 26 de junho de 2009.

É o minucioso relatório. Passa-se a opinar.

II – Objeto do presente parecer

9. Desde logo, é importante fixar o objeto desta análise.

10. Serão examinados os dois primeiros questionamentos da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul sintetizados pela Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande do Sul no Parecer MWB/CJU-RS/CGU/AGU n.º 1015/2011, de 06/07/2011: “a) se o pagamento do seguro desemprego (‘seguro defeso’) deve ser feito somente a quem realize a pesca captura ou a todos que exerçam atividade pesqueira em regime de economia familiar; b) se a licença ambiental deve ser exigida como requisito para a concessão do referido benefício”.

11. Não se cuidará da terceira questão proposta (o alcance e interpretação dos demais documentos exigidos pela Resolução CODEFAT n.º 657, de 16.12.2010), uma vez que, como bem ressaltado pela Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande do Sul e pela Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego, não foi especificada dúvida jurídica que reclame manifestação em tese.

III – Beneficiários do seguro-desemprego previsto na Lei n.º 10.779/2003

12. Nos presentes autos, evidencia-se a existência de posições conflitantes acerca da interpretação a ser dada ao art. 1.º da Lei n.º 10.779/2003 no que respeita aos beneficiários do seguro-defeso.

13. De um lado, aparecem a Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande do Sul e a Consultoria Jurídica do Ministério da Pesca e Aquicultura defendendo uma interpretação ampla do art. 1.º da Lei n.º 10.779/2003 a fim de possibilitar o pagamento do seguro-defeso àqueles que desenvolvem atividade pesqueira diversa da captura do pescado, notadamente às mulheres e aos filhos dos pescadores.

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14. Do outro, está a Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego, que só aceita o pagamento do seguro-desemprego previsto na Lei n.º 10.779/2003 aos pescadores profissionais artesanais, seja a atuação destes individual ou em regime de economia familiar. Os familiares dos pescadores só fariam jus ao benefício se comprovassem também ostentar a condição de pescadores profissionais.

15. Antes de buscar definir o mais sensato entendimento acerca da matéria, vale transcrever as principais disposições legais e regulamentares pertinentes:

Lei n.º 10.779/2003 Art. 1o O pescador profissional que exerça sua atividade de forma artesanal, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de parceiros, fará jus ao benefício de seguro-desemprego, no valor de um salário-mínimo mensal, durante o período de defeso de atividade pesqueira para a preservação da espécie. § 1o Entende-se como regime de economia familiar o trabalho dos membros da mesma família, indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados. § 2o O período de defeso de atividade pesqueira é o fixado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em relação à espécie marinha, fluvial ou lacustre a cuja captura o pescador se dedique. Art. 2o Para se habilitar ao benefício, o pescador deverá apresentar ao órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego os seguintes documentos: I - registro de pescador profissional devidamente atualizado, emitido pela Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República, com antecedência mínima de um ano da data do início do defeso; II - comprovante de inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social - INSS como pescador, e do pagamento da contribuição previdenciária; III - comprovante de que não está em gozo de nenhum benefício de prestação continuada da Previdência ou da Assistência Social, exceto auxílio acidente e pensão por morte; e IV - atestado da Colônia de Pescadores a que esteja filiado, com jurisdição sobre a área onde atue o pescador artesanal, que comprove: (Vide ADI n.º 3464-2/DF) a) o exercício da profissão, na forma do art. 1o desta Lei; b) que se dedicou à pesca, em caráter ininterrupto, durante o período compreendido entre o defeso anterior e o em curso; e c) que não dispõe de outra fonte de renda diversa da decorrente da atividade pesqueira. Parágrafo único. O Ministério do Trabalho e Emprego poderá, quando julgar necessário, exigir outros documentos para a habilitação do benefício. Art. 3o Sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis, todo aquele que fornecer ou beneficiar-se de atestado falso para o fim de obtenção do benefício de que trata esta Lei estará sujeito: I - a demissão do cargo que ocupa, se servidor público; II - a suspensão de sua atividade, com cancelamento do seu registro, por dois anos, se pescador profissional. Art. 4o O benefício de que trata esta Lei será cancelado nas seguintes hipóteses: I - início de atividade remunerada; II - início de percepção de outra renda; III - morte do beneficiário; IV - desrespeito ao período de defeso; ou V - comprovação de falsidade nas informações prestadas para a obtenção do benefício. Art. 5o O benefício do seguro-desemprego a que se refere esta Lei será pago à conta do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, instituído pela Lei no 7.998, de 11 de janeiro de 1990. Art. 6o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 7o Fica revogada a Lei nº 8.287, de 20 de dezembro de 1991. Lei n.º 7.998/90

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Art. 1º Esta Lei regula o Programa do Seguro-Desemprego e o abono de que tratam o inciso II do art. 7º, o inciso IV do art. 201 e o art. 239, da Constituição Federal, bem como institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) Art. 2º O Programa de Seguro-Desemprego tem por finalidade: I - prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo; (Redação dada pela Lei nº 10.608, de 20.12.2002) II - auxiliar os trabalhadores na busca ou preservação do emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001) (...) Art. 19. Compete ao CODEFAT gerir o FAT e deliberar sobre as seguintes matérias: (...) V - propor o aperfeiçoamento da legislação relativa ao seguro-desemprego e ao abono salarial e regulamentar os dispositivos desta Lei no âmbito de sua competência; (...) Lei n.º 11.959/2009 Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, formulada, coordenada e executada com o objetivo de promover: (...) CAPÍTULO II DEFINIÇÕES Art. 2o Para os efeitos desta Lei, consideram-se: I – recursos pesqueiros: os animais e os vegetais hidróbios passíveis de exploração, estudo ou pesquisa pela pesca amadora, de subsistência, científica, comercial e pela aquicultura; (...) III – pesca: toda operação, ação ou ato tendente a extrair, colher, apanhar, apreender ou capturar recursos pesqueiros; (...) XI – processamento: fase da atividade pesqueira destinada ao aproveitamento do pescado e de seus derivados, provenientes da pesca e da aquicultura; (...) XIX – defeso: a paralisação temporária da pesca para a preservação da espécie, tendo como motivação a reprodução e/ou recrutamento, bem como paralisações causadas por fenômenos naturais ou acidentes; (...) XXII – pescador profissional: a pessoa física, brasileira ou estrangeira residente no País que, licenciada pelo órgão público competente, exerce a pesca com fins comerciais, atendidos os critérios estabelecidos em legislação específica. CAPÍTULO III DA SUSTENTABILIDADE DO USO DOS RECURSOS PESQUEIROS E DA ATIVIDADE DE PESCA Seção I Da Sustentabilidade do Uso dos Recursos Pesqueiros Art. 3o Compete ao poder público a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira, conciliando o equilíbrio entre o princípio da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a obtenção de melhores resultados econômicos e sociais, calculando, autorizando ou estabelecendo, em cada caso: I – os regimes de acesso; II – a captura total permissível; III – o esforço de pesca sustentável; IV – os períodos de defeso; (...) § 1o O ordenamento pesqueiro deve considerar as peculiaridades e as necessidades dos pescadores artesanais, de subsistência e da aquicultura familiar, visando a garantir sua permanência e sua continuidade.

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(...) Seção II Da Atividade Pesqueira Art. 4o A atividade pesqueira compreende todos os processos de pesca, explotação e exploração, cultivo, conservação, processamento, transporte, comercialização e pesquisa dos recursos pesqueiros. Parágrafo único. Consideram-se atividade pesqueira artesanal, para os efeitos desta Lei, os trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca, os reparos realizados em embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da pesca artesanal. Art. 5o O exercício da atividade pesqueira somente poderá ser realizado mediante prévio ato autorizativo emitido pela autoridade competente, asseguradas: I – a proteção dos ecossistemas e a manutenção do equilíbrio ecológico, observados os princípios de preservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos naturais; II – a busca de mecanismos para a garantia da proteção e da seguridade do trabalhador e das populações com saberes tradicionais; III – a busca da segurança alimentar e a sanidade dos alimentos produzidos. Art. 6o O exercício da atividade pesqueira poderá ser proibido transitória, periódica ou permanentemente, nos termos das normas específicas, para proteção: I – de espécies, áreas ou ecossistemas ameaçados; II – do processo reprodutivo das espécies e de outros processos vitais para a manutenção e a recuperação dos estoques pesqueiros; III – da saúde pública; IV – do trabalhador. § 1o Sem prejuízo do disposto no caput deste artigo, o exercício da atividade pesqueira é proibido: I – em épocas e nos locais definidos pelo órgão competente; II – em relação às espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos não permitidos pelo órgão competente; III – sem licença, permissão, concessão, autorização ou registro expedido pelo órgão competente; IV – em quantidade superior à permitida pelo órgão competente; (...) § 2o São vedados o transporte, a comercialização, o processamento e a industrialização de espécimes provenientes da atividade pesqueira proibida. (...) CAPÍTULO IV DA PESCA Seção I Da Natureza da Pesca Art. 8o Pesca, para os efeitos desta Lei, classifica-se como: I – comercial: a) artesanal: quando praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte; (...) CAPÍTULO VI DO ACESSO AOS RECURSOS PESQUEIROS Art. 24. Toda pessoa, física ou jurídica, que exerça atividade pesqueira bem como a embarcação de pesca devem ser previamente inscritas no Registro Geral da Atividade Pesqueira - RGP, bem como no Cadastro Técnico Federal - CTF na forma da legislação específica. Parágrafo único. Os critérios para a efetivação do Registro Geral da Atividade Pesqueira serão estabelecidos no regulamento desta Lei. Art. 25. A autoridade competente adotará, para o exercício da atividade pesqueira, os seguintes atos administrativos: (...) IV – licença: para o pescador profissional e amador ou esportivo; para o aquicultor; para o armador de pesca; para a instalação e operação de empresa pesqueira;

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(...) § 1o Os critérios para a efetivação do Registro Geral da Atividade Pesqueira serão estabelecidos no regulamento desta Lei. § 2o A inscrição no RGP é condição prévia para a obtenção de concessão, permissão, autorização e licença em matéria relacionada ao exercício da atividade pesqueira. (...)

16. No plano infralegal, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT editou a Resolução n.º 657, de 16/12/2010, que assim dispõe sobre os beneficiários do seguro-defeso e os requisitos para habilitação:

Art. 1º Ficam estabelecidos os procedimentos para a concessão do Seguro-Desemprego ao pescador profissional que exerça sua atividade de forma artesanal, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de parceiros, durante o período de defeso de atividade pesqueira para preservação da espécie, instituído pelo Ministério do Meio Ambiente - MMA e pelo Ministério da Pesca e Aquicultura - MPA, devidamente publicado no Diário Oficial da União. § 1º Entende-se como defeso, para fins de concessão do benefício, o período de paralisação da pesca das espécies incidentes na localidade, nos termos fixados pelo MMA e MPA. § 2º Para concessão do benefício, entende-se como pesca a captura, para fim comercial, da espécie objeto do defeso. § 3º Nos casos do exercício da pesca realizada com o auxílio de embarcação que necessitem de autorização obrigatória pelo MPA, esta deverá estar devidamente regularizada pelo órgão competente, para a captura da espécie, objeto do defeso. Art. 2º Terá direito ao Seguro-Desemprego o pescador que preencher os seguintes requisitos no processo de habilitação: I - ter registro como Pescador Profissional, categoria artesanal, devidamente atualizado no Registro Geral da Atividade Pesqueira - RGP, emitido pelo MPA, com antecedência mínima de um ano da data do início do defeso; II - possuir inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social - INSS como segurado especial; III - possuir nota fiscal de venda do pescado a adquirente pessoa jurídica, ou pessoa física equiparada à jurídica no período compreendido entre o término do defeso anterior e o início do defeso atual; IV - na hipótese de não atender ao inciso III e ter vendido sua produção a pessoa física, possuir comprovante de recolhimento ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, constando em matrícula própria no Cadastro Específico - CEI, no período compreendido entre o término do defeso anterior e o início do defeso atual; V - não estar em gozo de nenhum benefício de prestação continuada da Previdência ou da Assistência Social, exceto auxílio-acidente, auxílio-reclusão e pensão por morte; e VI - não ter vínculo de emprego ou outra relação de trabalho, ou outra fonte de renda diversa da decorrente da pesca. (...) Art. 3º O benefício do Seguro-Desemprego será requerido pelo pescador profissional, categoria artesanal, nas unidades de atendimento autorizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, vedada a intervenção de agenciadores/despachantes no processo de habilitação, mediante a apresentação dos seguintes documentos: (...) § 5º O Ministério do Trabalho e Emprego poderá, por meio da SPPE, quando julgar necessário, exigir outros documentos para a habilitação do benefício, conforme Parágrafo único, art. 2º da Lei 10.779/2003, mediante Instrução Normativa.

17. Exposta a legislação, adere-se integralmente à tese muito bem defendida pela Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego no Parecer CONJUR/MTE n.º 338/2011 (fls. 26/40).

18. Ora, o art. 1.º da Lei n.º 10.779/2003 é preciso ao definir o beneficiário do seguro-defeso: “pescador profissional que exerça sua atividade de forma artesanal,

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individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de parceiros”.

19. O benefício é devido ao pescador profissional que age individualmente e também àquele que recebe auxílio de seus familiares (“regime de economia familiar”). Nos dois casos, o benefício é único. O número de colaboradores é irrelevante para a concessão.

20. Com efeito, o legislador não pretendeu conferir um benefício para cada integrante da família do pescador profissional que executasse alguma atividade pesqueira diferente da captura do pescado. Os membros da família dos pescadores só fazem jus ao benefício se também forem pescadores profissionais.

21. Se a intenção fosse a ampliação do rol de beneficiários, seria fácil para o legislador escrever de outro modo o dispositivo para incluir todos aqueles que participam da atividade pesqueira.

22. Pescador profissional artesanal é aquele que captura o pescado. Tal conceito é extraído da análise das definições constantes dos arts. 2.º, III, XI, XXII, e 4.º, caput e parágrafo único, da Lei n.º 11.959/2009 e, de forma alguma, conflita com o art. 1º, caput e § 2.º, in fine, da Lei n.º 10.779/2003.

23. De fato, aqueles que desempenham funções ligadas à cadeia produtiva da pesca exercem atividade pesqueira, porém não são pescadores profissionais.

24. Assim, não há como extrair a interpretação pretendida pelas Consultorias Jurídicas da União no RS e do Ministério da Pesca e Aquicultura sem esbarrar no princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição da República).

25. Também os argumentos sociais e econômicos desenvolvidos em defesa da extensão do pagamento às mulheres dos pescadores não têm força para dar interpretação ao art. 1.º da Lei n.º 10.779/2003 absolutamente diferente do que fora almejado pelo legislador ordinário.

26. Sem dúvida alguma, os fundamentos utilizados para defender a percepção do seguro-defeso pelas mulheres dos pescadores profissionais só se prestam para fundamentar eventual modificação da Lei n.º 10.779/2003.

27. E, obviamente, o foro adequado para o debate sobre possível alteração legislativa é o Congresso Nacional.

28. Nesse sentido, conforme anotado pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul (fls. 103/117), pode-se dizer que há dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que almejam a ampliação do rol de beneficiários do seguro-defeso (PL n.º 6.697/2006 e PL n.º 7.139/2010).

29. Por fim, cabe destacar que a inscrição de mulheres de pescadores profissionais no Registro Geral de Atividade Pesqueira na condição de pescadoras conforme insinuado no Parecer CONJUR/AGU/MPA n.º 370/2011, não importando se, de fato, atuam na captura do pescado, é medida irregular, que deve ser sanada.

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30. Nos termos do art. 1.º, caput e § 3.º, da Instrução Normativa MPA n.º 2, de 25/01/2011, que dispõe sobre os procedimentos administrativos para a inscrição de pessoas físicas no Registro Geral da Atividade Pesqueira nas categorias de Pescador Profissional e de Aprendiz de Pesca, as situações dos pescadores profissionais e daqueles que exercem outras atividades pesqueiras são distintas e merecem, por isso, tratamento diverso quando da inscrição no Registro Geral da Atividade Pesqueira:

Art. 1º. Estabelecer normas e procedimentos para a inscrição de pessoas físicas no Registro Geral da Atividade Pesqueira - RGP nas categorias de Aprendiz de Pesca e Pescador Profissional, sob a responsabilidade do Ministério da Pesca e Aquicultura - MPA. § 1º. Para fins do disposto no caput, poderá se inscrever no RGP a pessoa física em pleno exercício de sua capacidade civil, brasileiro nato ou naturalizado, assim como o estrangeiro portador de autorização para o exercício profissional no País, desde que atendam os demais requisitos estabelecidos nesta Instrução Normativa. § 2º. A Licença de Aprendiz de Pesca, a Licença Inicial de Pescador Profissional e a Licença de Pescador Profissional são consideradas documentos comprobatórios de inscrição do interessado no RGP. § 3º. As pessoas físicas que atuam em trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca e em reparos realizados em embarcações de Arqueação Bruta (AB) igual ou inferior a 20 (vinte), assim como aquelas que atuam no processamento do produto da pesca artesanal, de que trata o parágrafo único do art. 4º da Lei 11.959, de 29 de junho de 2009, serão qualificadas e inscritas no RGP sob condições e critérios estabelecidos em norma específica. (...)

31. Assim, entende-se que somente os pescadores profissionais artesanais são alcançados pelo art. 1.º da Lei n.º 10.779/2003. Sendo certo que pescador profissional é aquele que captura o pescado, nos termos do art. 2.º, III e XXII, da Lei n.º 11.959/2009, e do art. 1.º, § 2.º, da Lei n.º 10.779/2003.

IV – A licença ambiental expedida pelo IBAMA

32. Quanto à necessidade de licença ambiental expedida pelo IBAMA para fins de habilitação ao seguro-desemprego previsto na Lei n.º 10.779/2003, cabe dizer que também há divergência no presente caso.

33. Desta vez, a Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande do Sul e a Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego concordam ao afirmar que a Resolução CODEFAT n.º 657/2010 não exige licença ambiental para a concessão do seguro-desemprego especial previsto na Lei n.º 10.779/2003.

34. Sustentam que não é necessária a licença ambiental expedida pelo IBAMA para usufruir do seguro-defeso. Mas não deixam de apontar a possibilidade de alteração do atual cenário a partir da edição de instrução normativa da competência da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – SPPE do Ministério do Trabalho e Emprego que introduza a exigência de licença ambiental emitida pelo IBAMA, tudo nos termos do art. 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 10.779/2003 e do art. 3º, § 5.º, da citada Resolução CODEFAT n.º 657/2010.

35. Já a Consultoria Jurídica do Ministério da Pesca e Aquicultura entende que a licença ambiental deve ser exigida para a concessão do seguro-defeso com base na Instrução Normativa Conjunta MMA/SEAP/PR n.º 3/2004. Entretanto, depois de consignar que tal

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licença é pessoal e intransferível, admite que pelo costume tal documento possa abarcar todo o núcleo familiar dos pescadores profissionais.

36. Desde já, adianta-se a preferência pelo posicionamento sustentado pela Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande do Sul e pela Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego.

37. Leitura atenta da Lei n.º 10.779/2003 e da Resolução CODEFAT n.º 657/2010 demonstra que não é necessária a apresentação da licença ambiental a cargo do IBAMA para gozo do benefício denominado seguro-defeso.

38. Não se desconhece o teor da Instrução Normativa Conjunta MMA/SEAP/PR n.º 3, de 09/02/2004, que determina a obrigatoriedade de apresentação da licença ambiental para que o pescador trabalhe regularmente na Lagoa dos Patos. Eis os dispositivos pertinentes da mencionada norma:

INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 3, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2004 A MINISTRA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE E O SECRETÁRIO ESPECIAL DE AQUICULTURA E PESCA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, no uso de suas atribuições legais e tendo em vista o disposto na Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003, no Decreto-Lei n.º 221, de 28 de fevereiro de 1967, e nas Leis n.os 7.679, de 23 de novembro de 1998; 8.617, de 4 de janeiro de 1993; 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 e o que consta do Processo IBAMA/CEPERG/RS n.º02033.000047/98-71, e da Ação Civil Pública n.º 2002.71.01.01.010012-0, da 2.ª Vara Federal do Rio Grande do Sul e Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.º 2002.04.01.056380-2/RS, resolvem: Art. 1º A atividade de pesca no Estuário da Lagoa dos Patos no Estado do Rio Grande do Sul fica condicionada aos critérios técnicos, padrões de uso e procedimentos administrativo estabelecidos nesta Instrução Normativa. (...) Art. 7º O acesso à atividade de pesca no Estuário da Lagoa dos Patos somente será permitido aos pescadores profissionais inscritos no Registro Geral da Pesca junto a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República-SEAP/PR e detentores de Licença Ambiental de Pesca, a ser emitida pelo IBAMA. § 1º A Licença Ambiental de Pesca é individual e intransferível e será emitida conforme modelo contido no Anexo I desta Instrução Normativa, com validade anual. § 2º Os pedidos de Licença Ambiental de Pesca deverão ser apresentados, anualmente, no período de 1.º de junho a 30 de agosto, conforme modelo de requerimento contido no Anexo II desta Instrução Normativa. § 3º No pedido de Licença Ambiental de Pesca para as pescarias dirigidas ao bagre e camarão rosa, deverá constar a área de localização da(s) andaina(s), devendo ser considerado como preferencial para efeitos de controle na ocupação de espaços, o histórico de registros anteriores. Art. 8º Os pedidos de Licença Ambiental de Pesca, desde que solicitados no período estabelecido no art. 7.º desta Instrução Normativa, somente serão concedidos depois de ouvido um fórum com atribuições específicas para o Estuário da Lagoa dos Pat os, composto por representantes das comunidades pesqueiras, entidades de classe dos pescadores da região e da sociedade civil organizada. Parágrafo único. O fórum de que trata o caput deste artigo exercerá funções consultiva e cooperativa às ações da SEAP/PR e do IBAMA.

39. Sem dúvida alguma, a citada norma condiciona o exercício da pesca profissional na Lagoa dos patos à apresentação da licença ambiental. Isso é certo e deve ser rigorosamente fiscalizado pelos órgãos competentes.

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40. Contudo, tal necessidade de licença ambiental não está elencada na Lei n.º 10.779/2003 nem na Resolução CODEFAT n.º 657/2010 como um dos requisitos para habilitação ao seguro-defeso.

41. Desse modo, não há como se exigir atualmente a licença ambiental para o usufruto do seguro-defeso. Não há base legal específica para vincular a concessão do seguro-defeso à apresentação de licença ambiental.

42. Inobstante tal constatação, defende-se aqui a inclusão da licença ambiental dentre os documentos exigidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

43. Conforme o art. 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 10.779/2003, o Ministério do Trabalho e Emprego pode exigir outros documentos para a habilitação ao seguro-defeso.

44. E, considerando o narrado nestes autos, a licença ambiental apresenta-se como um documento apto a reduzir eventuais fraudes na concessão do benefício em comento.

45. Desse modo, em conformidade com o art. 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 10.779/2003 e o art. 3º, § 5.º, da Resolução CODEFAT n.º 657/2010, sugere-se a edição de instrução normativa da competência da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – SPPE do Ministério do Trabalho e Emprego com o escopo de introduzir a exigência de licença ambiental emitida pelo IBAMA dentre os requisitos para a concessão do seguro-defeso.

V – Conclusão

46. Ante o exposto, em consonância com o posicionamento firmado no Parecer CONJUR/MTE n.º 338/2011 (fls. 26/40), entende-se que:

a) somente os pescadores profissionais artesanais são beneficiários do seguro-desemprego previsto no art. 1.º da Lei n.º 10.779/2003 (seguro-defeso);

b) pescador profissional é aquele que captura o pescado, nos termos do art. 2.º, III e XXII, da Lei n.º 11.959/2009, e do art. 1.º, § 2.º, da Lei n.º 10.779/2003;

c) a licença ambiental não está elencada na Lei n.º 10.779/2003 nem na Resolução CODEFAT n.º 657/2010 como um dos requisitos para habilitação ao seguro-defeso;

d) a exigência de licença ambiental pode reduzir eventuais fraudes na concessão do seguro-defeso; e

e) com fundamento no art. 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 10.779/2003 e no art. 3º, § 5.º, da Resolução CODEFAT n.º 657/2010, é recomendável a edição de instrução normativa da competência da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – SPPE do Ministério do Trabalho e Emprego com o escopo de introduzir a exigência de licença ambiental emitida pelo IBAMA dentre os requisitos para a concessão do seguro-defeso.

À consideração superior.

Brasília, 10 de agosto de 2011.

Antonio dos Santos Neto Advogado da União

Matrícula SIAPE n.º 1507736

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OAB/DF n.º 24.052

Despacho do Consultor-Geral da União nº 723 /2011

PROCESSO: 00400.011433/2011-49 INTERESSADO: Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande do Sul ASSUNTO: Seguro-desemprego dos pescadores artesanais. Sr. Advogado-Geral da União, 1. Estou de acordo com o PARECER Nº 062/2011/DECOR/CGU/AGU. 2. Caso Vossa Excelência acolha o entendimento consubstanciado no referido Parecer, sugiro o envio do presente processo a esta Consultoria – Geral da União, para os encaminhamentos devidos.

À consideração.

Brasília, 23 de agosto de 2011.

ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY Consultor-Geral da União

DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

REFERÊNCIA: Processo nº 00400.011433/2011-49

Aprovo, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 723/2011. Em 24 de agosto de 2011.

LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS

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PROGRAMA DE APOIO À CONSERVAÇÃO AMBIENTAL

Sônia Regina Maul Moreira Alves Mury Advogada da União

PARECER Nº 153/2011/DENOR/CGU/AGU PROCESSO n° 00001.005682/2011-06 INTERESSADA: Subchefia de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações

Institucionais da Presidência da República. ASSUNTO: Projeto de Lei de Conversão nº 24, de 2011 (MP 535/11), que Institui o Programa

de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais; altera as Leis nºs 10.696, de 2 de julho de 2003, 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e 11.326, de 24 de julho de 2006.

Projeto de Lei de Conversão que Institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais; altera as Leis nºs 10.696, de 2 de julho de 2003, 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e 11.326, de 24 de julho de 2006. Emendas parlamentares que guardam pertinência temática com a propositura. Ausência de óbices constitucionais à sanção.

Senhor Diretor,

1. A Subchefia de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, por meio do Ofício nº 2487/2011- Supar/SRI, datado de 30 de setembro do ano em curso, solicita que esta Instituição se manifeste acerca do Projeto de Lei de Conversão nº 24, de 2011 ( MP 535/11), que Institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais; altera as Leis nºs 10.696, de 2 de julho de 2003, 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e 11.326, de 24 de julho de 2006. 2. Requer, na oportunidade, que o pronunciamento com o “aprovo” do titular desta Instituição lhe seja encaminhado até o dia 7 subseqüente, a fim de subsidiar a posição governamental sobre o assunto, e informa que também estão sendo consultados os Ministérios da Justiça, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Educação, do Trabalho e Emprego e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e as Secretarias de Direitos Humanos e de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República. 3. Para possibilitar uma melhor compreensão das alterações ocorridas no Congresso Nacional por ocasião do trâmite do projeto de lei de conversão da medida provisória em referência, apresentaremos o quadro comparativo a seguir.

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2 Decreto nº 7.572, de 28 de setembro de 2011., que regulamenta dispositivos da Medida Provisória no 535, de 2 de junho de 2011, que tratam do Programa de Apoio à Conservação Ambiental - Programa Bolsa Verde

MP 535 PLV 24

Institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais; altera a Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e dá outras providências.

Institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais; altera as Leis nºs 10.696, de 2 de julho de 2003, 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e 11.326, de 24 de julho de 2006.

CAPÍTULO I

DO PROGRAMA DE APOIO À CONSERVAÇÃO AMBIENTAL

Art. 1o Fica instituído o Programa de Apoio à Conservação Ambiental, com os seguintes objetivos:

I - incentivar a conservação dos ecossistemas, entendida como sua manutenção e uso sustentável; e

II - promover a cidadania, a melhoria das condições de vida e a elevação da renda da população em situação de extrema pobreza que exerça atividades de conservação dos recursos naturais no meio rural nas áreas definidas no art. 3o.

Parágrafo único. A execução do Programa de Apoio à Conservação Ambiental ficará sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, ao qual caberá definir as normas complementares do Programa.

CAPÍTULO I

DO PROGRAMA DE APOIO À CONSERVAÇÃO AMBIENTAL

Art. 1º Fica instituído o Programa de Apoio à Conservação Ambiental, com os seguintes objetivos: I – incentivar a conservação dos ecossistemas, entendida como sua manutenção e uso sustentável; II – promover a cidadania, a melhoria das condições de vida e a elevação da renda da população em situação de extrema pobreza que exerça atividades de conservação dos recursos naturais no meio rural nas áreas definidas no art. 3º; e III – incentivar a participação de seus beneficiários em ações de capacitação ambiental, social, educacional, técnica e profissional. Parágrafo único. A execução do Programa de Apoio à Conservação Ambiental ficará sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, ao qual caberá definir as normas complementares do Programa.

Art. 2o Para cumprir os objetivos do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, a União fica autorizada a transferir recursos financeiros a famílias em situação de extrema pobreza que desenvolvam atividades de conservação de recursos naturais no meio rural, conforme regulamento.

Parágrafo único. Fica atribuída à Caixa Econômica Federal a função de Agente Operador do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, mediante remuneração e condições a serem pactuadas com o Governo Federal.

Art. 2º Para cumprir os objetivos do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, a União fica autorizada a transferir recursos financeiros e a disponibilizar serviços de assistência técnica a famílias em situação de extrema pobreza que desenvolvam atividades de conservação de recursos naturais no meio rural, conforme regulamento.2 Parágrafo único. Fica atribuída à Caixa Econômica Federal a função de Agente Operador do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, mediante remuneração e condições a serem pactuadas com o Governo Federal.

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Art. 3o Poderão ser beneficiárias do Programa de Apoio à Conservação Ambiental as famílias em situação de extrema pobreza que desenvolvam atividades de conservação nas seguintes áreas:

I - Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas federais e Reservas de Desenvolvimento Sustentável federais;

II - de projetos de assentamento florestal, projetos de desenvolvimento sustentável ou projetos de assentamento agroextrativista instituídos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA; e

III - outras áreas rurais definidas como prioritárias por ato do Poder Executivo.

§ 1o O Poder Executivo definirá os procedimentos para a verificação da existência de recursos naturais nas áreas de que tratam os incisos I a III.

§ 2o O monitoramento e controle das atividades de conservação ambiental nas áreas elencadas nos incisos I a III ocorrerão por meio de auditorias amostrais das informações referentes ao período de avaliação, ou outras formas, conforme previsto em regulamento.

Art. 3º Poderão ser beneficiárias do Programa de Apoio à Conservação Ambiental as famílias em situação de extrema pobreza que desenvolvam atividades de conservação nas seguintes áreas: I – Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável federais; II – projetos de assentamento florestal, projetos de desenvolvimento sustentável ou projetos de assentamento agroextrativista instituídos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra; III – territórios ocupados por ribeirinhos, extrativistas, populações indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais; e IV – outras áreas rurais definidas como prioritárias por ato do Poder Executivo. § 1º O Poder Executivo definirá os procedimentos para a verificação da existência de recursos naturais nas áreas de que tratam os incisos I a IV. § 2º O monitoramento e o controle das atividades de conservação ambiental nas áreas elencadas nos incisos I a IV ocorrerão por meio de auditorias amostrais das informações referentes ao período de avaliação, ou outras formas, incluindo parcerias com instituições governamentais estaduais e municipais, conforme previsto em regulamento.

Art. 4o Para a participação no Programa de Apoio à Conservação Ambiental, a família interessada deverá atender, cumulativamente, às seguintes condições:

I - encontrar-se em situação de extrema pobreza;

II - estar inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal; e

III - desenvolver atividades de conservação nas áreas previstas no art. 3o.

Art. 4º Para a participação no Programa de Apoio à Conservação Ambiental, a família interessada deverá atender, cumulativamente, às seguintes condições: I – encontrar-se em situação de extrema pobreza; II – estar inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal; e III – desenvolver atividades de conservação nas áreas previstas no art. 3º.

Art. 5o Para receber os recursos financeiros do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, a família beneficiária deverá:

I - estar inscrita em cadastro a ser mantido pelo Ministério do Meio Ambiente, contendo informações sobre as atividades de conservação ambiental; e

II - aderir ao Programa de Apoio à Conservação Ambiental por meio da assinatura de termo de adesão por parte do

Art. 5º Para receber os recursos financeiros do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, a família beneficiária deverá: I – estar inscrita em cadastro a ser mantido pelo Ministério do Meio Ambiente, contendo informações sobre as atividades de conservação ambiental; e II – aderir ao Programa de Apoio à Conservação Ambiental por meio da assinatura de termo de adesão por parte do responsável pela família beneficiária, no qual serão especificadas as atividades de conservação a serem desenvolvidas. § 1º O Poder Executivo definirá critérios de priorização das famílias a serem beneficiadas, de acordo com características

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responsável pela família beneficiária, no qual serão especificadas as atividades de conservação a serem desenvolvidas.

§ 1o O Poder Executivo definirá critérios de priorização das famílias a serem beneficiadas, de acordo com características populacionais e regionais e conforme disponibilidade orçamentária e financeira.

§ 2o O recebimento dos recursos do Programa de Apoio à Conservação Ambiental tem caráter temporário e não gera direito adquirido.

populacionais e regionais e conforme disponibilidade orçamentária e financeira. § 2º O recebimento dos recursos do Programa de Apoio à Conservação Ambiental tem caráter temporário e não gera direito adquirido.

Art. 6o A transferência de recursos financeiros do Programa de Apoio à Conservação Ambiental será realizada por meio de repasses trimestrais no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), na forma do regulamento.

Parágrafo único. A transferência dos recursos de que trata o caput será realizada por um prazo de até dois anos, podendo ser renovada.

Art. 6º A transferência de recursos financeiros do Programa de Apoio à Conservação Ambiental será realizada por meio de repasses trimestrais no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), na forma do regulamento. Parágrafo único. A transferência dos recursos de que trata o caput será realizada por um prazo de até 2 (dois) anos, podendo ser prorrogada nos termos do regulamento.

Art. 7o São condições de cessação da transferência de recursos do Programa de Apoio à Conservação Ambiental:

I - não atendimento das condições definidas nos arts. 4o e 5o e nas regras do Programa, conforme definidas em regulamento; ou

II - habilitação do beneficiário em outros programas ou ações federais de incentivo à conservação ambiental.

Art. 7º São condições de cessação da transferência de recursos do Programa de Apoio à Conservação Ambiental: I – não atendimento das condições definidas nos arts. 4º e 5º e nas regras do Programa, conforme definidas em regulamento; ou II – habilitação do beneficiário em outros programas ou ações federais de incentivo à conservação ambiental.

Art. 8o O Poder Executivo instituirá o Comitê Gestor do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, com as seguintes atribuições, sem prejuízo de outras definidas em regulamento:

I - aprovar o planejamento do Programa, compatibilizando os recursos disponíveis com o número de famílias beneficiárias;

II - definir a sistemática de monitoramento e avaliação do Programa; e

III - indicar áreas prioritárias para a implementação do Programa, observado o disposto no art. 3o.

Parágrafo único. O Poder Executivo definirá a composição e a forma de funcionamento do Comitê Gestor.

Art. 8º O Poder Executivo instituirá o Comitê Gestor do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, com as seguintes atribuições, sem prejuízo de outras definidas em regulamento: I – aprovar o planejamento do Programa, compatibilizando os recursos disponíveis com o número de famílias beneficiárias; II – definir a sistemática de monitoramento e avaliação do Programa; e III – indicar áreas prioritárias para a implementação do Programa, observado o disposto no art. 3º. Parágrafo único. O Poder Executivo definirá a composição e a forma de funcionamento do Comitê Gestor, bem como os procedimentos e instrumentos de controle social.

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3 Deve ser interpretado em conformidade com a Constituição Federal, uma vez que não cabe ao Poder Legislativo dispor sobre atribuições de órgãos ou entidades da administração federal ou estabelecer obrigatoriedade ao Poder Executivo para fazê-lo. 4 Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006., que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Art. 3º ............................................. § 2o São também beneficiários desta Lei: I - silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes; II - aqüicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo e explorem reservatórios hídricos com superfície total de até 2ha (dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede; III - extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput deste artigo e exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores; IV - pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo e exerçam a atividade pesqueira artesanalmente.

CAPÍTULO II

DO PROGRAMA DE FOMENTO ÀS ATIVIDADES PRODUTIVAS RURAIS

Art. 9o Fica instituído o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, com os seguintes objetivos:

I - estimular a geração de trabalho e renda; e

II - promover a segurança alimentar e nutricional dos seus beneficiários.

CAPÍTULO II DO PROGRAMA DE FOMENTO ÀS ATIVIDADES

PRODUTIVAS RURAIS

Art. 9º Fica instituído o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, com os seguintes objetivos: I – estimular a geração de trabalho e renda com sustentabilidade; II – promover a segurança alimentar e nutricional dos seus beneficiários; III – incentivar a participação de seus beneficiários em ações de capacitação social, educacional, técnica e profissional; e IV – incentivar a organização associativa e cooperativa de seus beneficiários.

§ 1o O Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais será executado em conjunto pelos Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Desenvolvimento Agrário, conforme regulamento.

§ 2o O Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais será executado por meio da transferência de recursos financeiros não reembolsáveis e da disponibilização de serviços de assistência técnica.

§ 1º O Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais será executado em conjunto pelos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, conforme o regulamento. § 2º O Poder Executivo disporá sobre a participação de outros Ministérios e outras instituições vinculadas na execução do Programa de que trata o caput deste artigo.3 § 3º O Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais será executado por meio da transferência de recursos financeiros não reembolsáveis e da disponibilização de serviços de assistência técnica.

Art. 10. Poderão ser beneficiários do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais:

I - agricultores familiares, silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores que se enquadrem nas disposições da Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006; e

II - outros grupos populacionais definidos como prioritários por ato do Poder Executivo.

Art. 10. Poderão ser beneficiários do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais: I – os agricultores familiares e os demais beneficiários que se enquadrem nas disposições da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006;4 e II – outros grupos populacionais definidos como prioritários por ato do Poder Executivo.

Art. 11. Para a participação no Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, a família interessada deverá atender, cumulativamente, às seguintes condições:

I - encontrar-se em situação de extrema

Art. 11. Para a participação no Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, a família interessada deverá atender, cumulativamente, às seguintes condições: I – encontrar-se em situação de extrema pobreza; e II – estar inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – Cadúnico.

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pobreza; e

II - estar inscrita no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal. Art. 12. Para o recebimento dos recursos financeiros do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, a família beneficiária deverá aderir ao Programa por meio da assinatura de termo de adesão pelo seu responsável, contendo o projeto de estruturação da unidade produtiva familiar e as etapas de sua implantação.

§ 1o No caso de beneficiários cujas atividades produtivas sejam realizadas coletivamente, o projeto poderá contemplar mais de uma família, conforme regulamento.

§ 2o O Poder Executivo definirá critérios de priorização das famílias a serem beneficiadas, conforme aspectos técnicos e de disponibilidade orçamentária e financeira.

§ 3o O recebimento dos recursos do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais tem caráter temporário e não gera direito adquirido.

Art. 12. Para o recebimento dos recursos financeiros do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, a família beneficiária deverá aderir ao Programa por meio da assinatura de termo de adesão pelo seu responsável, contendo o projeto de estruturação da unidade produtiva familiar e as etapas de sua implantação. § 1º No caso de beneficiários cujas atividades produtivas sejam realizadas coletivamente, o projeto poderá contemplar mais de uma família, conforme o regulamento. § 2º O Poder Executivo definirá critérios de priorização das famílias a serem beneficiadas, conforme aspectos técnicos e de disponibilidade orçamentária e financeira. § 3º O recebimento dos recursos do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais tem caráter temporário e não gera direito adquirido

Art. 13. Fica a União autorizada a transferir diretamente ao responsável pela família beneficiária do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais os recursos financeiros no valor de até R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais) por família, na forma do regulamento.

§ 1o A transferência dos recursos de que trata o caput dar-se-á em, no mínimo, três parcelas e no período máximo de dois anos, na forma do regulamento.

§ 2o Na ocorrência de situações excepcionais e que impeçam ou retardem a execução do projeto, o prazo a que se refere o § 1o poderá ser prorrogado em até seis meses, conforme regulamento.

§ 3o Fica atribuída à Caixa Econômica Federal a função de Agente Operador do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, mediante remuneração e condições a serem pactuadas com o Governo Federal.

Art. 13. Fica a União autorizada a transferir diretamente ao responsável pela família beneficiária do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais os recursos financeiros no valor de até R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais) por família, na forma do regulamento. § 1º A transferência dos recursos de que trata o caput dar-se-á em, no mínimo, 3 (três) parcelas e no período máximo de 2 (dois) anos, na forma do regulamento. § 2º Na ocorrência de situações excepcionais e que impeçam ou retardem a execução do projeto, o prazo a que se refere o § 1º poderá ser prorrogado em até 6 (seis) meses, conforme o regulamento. § 3º A função de agente operador do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais será atribuída à instituição financeira oficial, mediante remuneração e condições a serem pactuadas com o Governo Federal.

Art. 14. A cessação da transferência de recursos no âmbito do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais ocorrerá em razão da não observância das regras do Programa, conforme regulamento.

Art. 14. A cessação da transferência de recursos no âmbito do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais ocorrerá em razão da não observância das regras do Programa, conforme o regulamento.

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5 Art. 19. Fica instituído o Programa de Aquisição de Alimentos com a finalidade de incentivar a agricultura familiar, compreendendo ações vinculadas à distribuição de produtos agropecuários para pessoas em situação de insegurança alimentar e à formação de estoques estratégicos. § 1o Os recursos arrecadados com a venda de estoques estratégicos formados nos termos deste artigo serão destinados integralmente às ações de combate à fome e à promoção da segurança alimentar. § 2o O Programa de que trata o caput será destinado à aquisição de produtos agropecuários produzidos por agricultores familiares que se enquadrem no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, ficando dispensada a licitação para essa aquisição desde que os preços não sejam superiores aos praticados nos mercados regionais. § 3o O Poder Executivo constituirá Grupo Gestor, formado por representantes dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; da Fazenda; do Planejamento, Orçamento e Gestão; do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; e da Educação, para a operacionalização do Programa de que trata o caput deste artigo. § 4o A aquisição de produtos na forma do caput somente poderá ser feita nos limites das disponibilidades orçamentárias e financeiras. 6 Lei nº 5.764 - de 16 de dezembro de 1971 - DOU DE 16/12/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências

Art. 15. O Poder Executivo instituirá o Comitê Gestor do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais com as seguintes atribuições, sem prejuízo de outras definidas em regulamento:

I - aprovar o planejamento do Programa, compatibilizando os recursos disponíveis ao número de famílias beneficiárias; e

II - definir a sistemática de monitoramento e avaliação do Programa.

Parágrafo único. O Poder Executivo definirá a composição e a forma de funcionamento do Comitê Gestor.

Art. 15. O Poder Executivo instituirá o Comitê Gestor do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, com as seguintes atribuições, sem prejuízo de outras definidas em regulamento: I – aprovar o planejamento do Programa, compatibilizando os recursos disponíveis ao número de famílias beneficiárias; e II – definir a sistemática de monitoramento e avaliação do Programa. Parágrafo único. O Poder Executivo definirá a composição e a forma de funcionamento do Comitê Gestor, bem como os procedimentos e instrumentos de controle social.

CAPÍTULO III DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS –

PAA Art. 16. Podem fornecer produtos ao Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, de que trata o art. 19 da Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003, os agricultores familiares e os demais beneficiários que se enquadrem nas disposições da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006.5 § 1º As aquisições dos produtos para o PAA poderão ser efetuadas diretamente dos beneficiários de que trata o caput ou, indiretamente, por meio de suas cooperativas e demais organizações formais. § 2º Nas aquisições realizadas por meio de cooperativas dos agricultores familiares e dos demais beneficiários que se enquadrem nas disposições da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, a transferência dos produtos do associado para a cooperativa constitui ato cooperativo, previsto na Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971.6 § 3º O Poder Executivo federal poderá estabelecer critérios e condições de prioridade de atendimento pelo PAA, de forma a contemplar as especificidades de seus diferentes segmentos e atendimento dos beneficiários de menor renda. § 4º A aquisição de produtos na forma do caput somente poderá ser feita nos limites das disponibilidades orçamentárias e financeiras.

Art. 17. Fica o Poder Executivo federal, estadual, municipal e do Distrito Federal autorizado a adquirir alimentos produzidos pelos beneficiários descritos no art. 16, dispensando-se o

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procedimento licitatório, obedecidas, cumulativamente, as seguintes exigências: I – os preços sejam compatíveis com os vigentes no mercado, em âmbito local ou regional, aferidos e definidos segundo metodologia instituída pelo Grupo Gestor do PAA; e II – seja respeitado o valor máximo anual ou semestral para aquisições de alimentos, por unidade familiar, cooperativa ou por demais organizações formais da agricultura familiar, conforme definido em regulamento. Parágrafo único. Produtos agroecológicos ou orgânicos poderão ter um acréscimo de até 30% (trinta por cento) em relação aos preços estabelecidos para produtos convencionais, observadas as condições definidas pelo Grupo Gestor do PAA.

Art. 18. Os alimentos adquiridos pelo PAA serão destinados a ações de promoção de segurança alimentar e nutricional ou à formação de estoques, podendo ser comercializados, conforme o regulamento.

Art. 19. Os alimentos adquiridos no âmbito do PAA poderão ser doados a pessoas e famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional, observado o disposto em regulamento.

Art. 20. Sem prejuízo das modalidades já instituídas, o PAA poderá ser executado mediante a celebração de Termo de Adesão firmado por órgãos ou entidades da administração pública estadual, do Distrito Federal ou municipal, direta ou indireta, e consórcios públicos, dispensada a celebração de convênio.

Art. 21. Para a execução das ações de implementação do PAA, fica a União autorizada a realizar pagamentos aos executores do Programa, nas condições específicas estabelecidas em regulamento, com a finalidade de contribuir com as despesas de operacionalização das metas acordadas.

Art. 22. A Companhia Nacional de Abastecimento – Conab, no âmbito das operações do PAA, poderá realizar ações de articulação com cooperativas e demais organizações formais da agricultura familiar.

Art. 23. O pagamento aos fornecedores descritos no art. 16 será realizado diretamente pela União ou por intermédio das instituições financeiras oficiais, admitido o convênio com cooperativas de crédito e bancos cooperativos para o repasse aos beneficiários. Parágrafo único. Para a efetivação do pagamento de que trata o caput, será admitido, como comprovação da entrega e da qualidade dos produtos, termo de recebimento e aceitabilidade, emitido e atestado por representante da entidade que receber os alimentos e referendado pela entidade executora, conforme o regulamento.

Art. 24. Os Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea são instâncias de controle e participação social do PAA. Parágrafo único. Na hipótese de inexistência de Consea na esfera administrativa de execução do programa, deverá ser indicada outra instância de controle social responsável pelo acompanhamento de sua execução, que será, preferencialmente, o Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável ou o Conselho de Assistência Social.

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CAPÍTULO III

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 16. O Poder Executivo definirá em regulamento o conceito de família em situação de extrema pobreza, para o efeito da caracterização dos beneficiários das transferências de recursos a serem realizadas no âmbito dos Programas instituídos nesta Medida Provisória.

CAPÍTULO IV

DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 25. O Poder Executivo definirá em regulamento o conceito de família em situação de extrema pobreza, para efeito da caracterização dos beneficiários das transferências de recursos a serem realizadas no âmbito dos Programas instituídos nesta Lei.

Art. 17. A participação nos Comitês previstos nesta Medida Provisória será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.

Art. 26. A participação nos Comitês previstos nesta Lei será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.

Art. 18. Os recursos transferidos no âmbito do Programa de Apoio à Conservação Ambiental e do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais não comporão a renda familiar mensal, para o efeito de elegibilidade nos programas de transferência de renda do Governo Federal.

Art. 27. Os recursos transferidos no âmbito do Programa de Apoio à Conservação Ambiental e do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais não comporão a renda familiar mensal, para efeito de elegibilidade nos programas de transferência de renda do Governo Federal.

Art. 19. As despesas com a execução das ações dos programas instituídos por esta Medida Provisória correrão à conta de dotação orçamentária consignada anualmente aos órgãos e entidades envolvidos em sua implementação, observados os limites de movimentação, empenho e pagamento da programação orçamentária e financeira anual.

Art. 28. As despesas com a execução das ações dos programas instituídos por esta Lei correrão à conta de dotação orçamentária consignada anualmente aos órgãos e entidades envolvidos em sua implementação, observados os limites de movimentação, empenho e pagamento da programação orçamentária e financeira anual.

Art. 29. O Poder Executivo divulgará periodicamente, por meio eletrônico, relação atualizada contendo o nome, o Número de Identificação Social inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – NIS, a unidade federativa e os valores pagos aos beneficiários dos Programas de que tratam os arts. 1º e 9º desta Lei.

Art. 30. Fica autorizado o Poder Executivo a discriminar, por meio de ato próprio, programações do Plano Brasil Sem Miséria a serem executadas por meio das transferências obrigatórias de recursos financeiros pelos órgãos e entidades da União aos órgãos e entidades dos Estados, Distrito Federal e Municípios para a execução de ações no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria. Parágrafo único. Caberá ao Comitê Gestor Nacional do Plano Brasil Sem Miséria divulgar em sítio na internet a relação das programações de que trata o caput, bem como proceder às atualizações devidas nessa relação, inclusive no que se refere a alterações nas classificações orçamentárias decorrentes de lei orçamentária anual e seus créditos adicionais.

Art. 31. Os recursos de que tratam os arts. 6º e 13 poderão ser majorados pelo Poder Executivo em razão da dinâmica socioeconômica do País e de estudos técnicos sobre o tema, observada a dotação orçamentária disponível.

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Art. 32. Na definição dos critérios de que tratam o § 1º do art. 5º e o § 2º do art. 12, o Poder Executivo dará prioridade de atendimento às famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar e às famílias residentes nos Municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.

Art. 33. O art. 19 da Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 19. Fica instituído o Programa de Aquisição de Alimentos, compreendendo as seguintes finalidades: I – incentivar a agricultura familiar, promovendo a sua inclusão econômica e social, com fomento à produção com sustentabilidade, ao processamento de alimentos e industrialização e à geração de renda; II – incentivar o consumo e a valorização dos alimentos produzidos pela agricultura familiar; III – promover o acesso à alimentação, em quantidade, qualidade e regularidade necessárias, das pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, sob a perspectiva do direito humano à alimentação adequada e saudável; IV – promover o abastecimento alimentar, que compreende as compras governamentais de alimentos, incluída a alimentação escolar; V – constituir estoques públicos de alimentos produzidos por agricultores familiares; VI – apoiar a formação de estoques pelas cooperativas e demais organizações formais da agricultura familiar; e VII – fortalecer circuitos locais e regionais e redes de comercialização. § 1º Os recursos arrecadados com a venda de estoques estratégicos formados nos termos deste artigo serão destinados integralmente às ações de combate à fome e à promoção da segurança alimentar e nutricional. § 2º (Revogado). § 3º O Poder Executivo constituirá Grupo Gestor do PAA, com composição e atribuições definidas em regulamento. § 4º (Revogado).” (NR)

Art. 20. O inciso II do art. 2o da Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, passa a vigorar com a seguinte redação:

“II - o benefício variável, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre zero e doze anos ou adolescentes até quinze anos, sendo pago até o limite de cinco benefícios por família; e” (NR)

Art. 34. O inciso II do art. 2º da Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004 passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 2º .......................................... II – o benefício variável, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre 0 (zero) e 12 (doze) anos ou adolescentes até 15 (quinze) anos, sendo pago até o limite de 5 (cinco) benefícios por família;

Parágrafo único. O aumento do número de benefícios variáveis atualmente percebidos pelas famílias beneficiárias, decorrente da alteração prevista no caput, ocorrerá nos termos de cronograma a ser definido em ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Art. 35. O aumento do número de benefícios variáveis atualmente percebidos pelas famílias beneficiárias, decorrente da alteração prevista no art. 34, ocorrerá nos termos de cronograma a ser definido em ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

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Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 20047 Art. 11. Ficam vedadas as concessões de novos benefícios no âmbito de cada um dos programas a que se refere o parágrafo único do art. 1º . 8Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Art. 1o Fica criado, no âmbito da Presidência da República, o Programa Bolsa Família, destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades. Parágrafo único. O Programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação - Bolsa Escola, instituído pela Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA, criado pela Lei n o 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde - Bolsa Alimentação, instituído pela Medida Provisória n o 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto nº 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001. Art. 14. A autoridade responsável pela organização e manutenção do cadastro referido no art. 1º que inserir ou fizer inserir dados ou informações falsas ou diversas das que deveriam ser inscritas, com o fim de alterar a verdade sobre o fato, ou contribuir para a entrega do benefício a pessoa diversa do beneficiário final, será responsabilizada civil, penal e administrativamente.

§ 1o Sem prejuízo da sanção penal, o beneficiário que dolosamente utilizar o benefício será obrigado a efetuar o ressarcimento da importância recebida, em prazo a ser estabelecido pelo Poder Executivo, acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, e de 1% (um por cento) ao mês, calculados a partir da data do recebimento.

§ 2o Ao servidor público ou agente de entidade conveniada ou contratada que concorra para a conduta ilícita prevista neste artigo aplica-se, nas condições a serem estabelecidas em regulamento e sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis, multa nunca inferior ao dobro dos rendimentos ilegalmente pagos, atualizada, anualmente, até seu pagamento, pela variação acumulada do Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. § 2o Ao servidor público ou agente de entidade conveniada ou contratada que concorra para a conduta ilícita prevista neste artigo aplica-se, nas condições a serem estabelecidas em regulamento e sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis, multa nunca inferior ao dobro dos rendimentos ilegalmente pagos, atualizada, anualmente, até seu pagamento, pela variação acumulada do Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Art. 36. O art. 11 da Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: Art. 11. ............................. Parágrafo único. A validade dos benefícios concedidos no âmbito do Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA – “Cartão Alimentação” encerra-se em 31 de dezembro de 2011.” (NR)7

Art. 37. O art. 14 da Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 14. Sem prejuízo das responsabilidades civil, penal e administrativa, o servidor público ou o agente da entidade conveniada ou contratada responsável pela organização e manutenção do cadastro de que trata o art. 1º será responsabilizado quando, dolosamente:

I – inserir ou fizer inserir dados ou informações falsas ou diversas das que deveriam ser inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – Cadúnico; ou II – contribuir para que pessoa diversa do beneficiário final receba o benefício. § 1º (Revogado).

§ 2º O servidor público ou agente da entidade contratada que cometer qualquer das infrações de que trata o caput fica obrigado a ressarcir integralmente o dano, aplicando-se-lhe multa nunca inferior ao dobro e superior ao quádruplo da quantia paga indevidamente.” (NR)8

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(os grifos são nossos) 4. As alterações acima apontadas guardam pertinência temática com a propositura original e não apresentam, a nosso ver, óbices constitucionais. Quanto ao interesse público, melhor dirão as áreas específicas consultadas, em especial acerca das questões orçamentárias e financeiras que decorrem da adoção das medidas projetadas.

5. Essas as considerações que submeto à apreciação de V. Sa, no prazo assinalado pelo e-mail juntado a seguir (hoje) e, que, se aceitas, poderão subsidiar a decisão governamental sobre o tema, podendo comportar a sanção do projeto de lei de conversão em referência, por ausência de óbices constitucionais, a teor do art. 66, caput, da Carta Política.

Brasília-DF, 5 de outubro de 2011

Sônia Regina Maul Moreira Alves Mury Advogada da União

Art. 38. A Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 14-A: “Art. 14-A. Sem prejuízo da sanção penal, será obrigado a efetuar o ressarcimento da importância recebida o beneficiário que dolosamente tenha prestado informações falsas ou utilizado qualquer outro meio ilícito, a fim de indevidamente ingressar ou se manter como beneficiário do Programa Bolsa Família. § 1º O valor apurado para o ressarcimento previsto no caput será atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

§ 2º Apurado o valor a ser ressarcido, mediante processo administrativo, e não tendo sido pago pelo beneficiário, ao débito serão aplicados os procedimentos de cobrança dos créditos da União, na forma da legislação de regência.” Art. 39. O art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 3º .............................................. ......................................................... III – tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; V – povos indígenas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput do art. 3º; VI – integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais e demais povos e comunidades tradicionais que atendam simultaneamente aos incisos II,

“III e IV do caput do art. 3º.” (NR).

Art. 21. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 40. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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De acordo. À consideração superior.

Brasília 5 de outubro de 2011

Gustavo Caldas Guimarães de Campos Diretor do Departamento de Análise de Atos Normativos

Despacho do Consultor-Geral da União Nº 0901/2011 PROCESSO n° 00001.005682/2011-06 INTERESSADA: Subchefia de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações

Institucionais da Presidência da República. ASSUNTO: Projeto de Lei de Conversão nº 24, de 2011 (MP 535/11), que Institui o

Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais; altera as Leis nºs 10.696, de 2 de julho de 2003, 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e 11.326, de 24 de julho de 2006.

Senhor Advogado-Geral da União,

01. Concordo com o Parecer nº 153/2011/DENOR/CGU/AGU e com o despacho que a ele se refere, que não vislumbram óbices constitucionais à sanção do PLC 24/2011 (MP 535/11).

02. À consideração de V. Exa.

Brasília, 4 de outubro de 2011.

ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY

Consultor-Geral da União

DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO REFERÊNCIA: Processo nº 00001.005682/2011-06

Aprovo, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União n° 0901/2011, o PARECER Nº 153/201/DENOR/CGU/AGU.

Cientifique-se a Subchefia de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.

Em 06 de outubro de 2011.

LUIS INÁCIO LUCENA ADAMS

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PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO: CASO TST

Luciane Carneiro Pinto Advogada da União

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO

PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

A ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, em face do Ofício nº 1044/2010-SEJUD.DIAS, do Tribunal Superior do Trabalho, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 103-B, § 4o, III, da Constituição Federal e artigos 91 e seguintes do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, requerer a instauração de

P R O C E D I M E N T O D E C O N T R O L E A D M I N I S T R A T I V O

em face do ato praticado pelo Colendo Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho ao proferir a decisão contida nos autos da Matéria Administrativa - MA-2022816-39.2008.5.00.0000 (Processo administrativo nº 502917/2008.7), em que é Requerente ANTÔNIO MARIA THAUMATURGO CORTIZO, ex-Ministro Classista do TST, em flagrante ofensa à legislação vigente, consoante se passa a expor:

I- DOS FATOS

1. O ex-Ministro Classista do Tribunal Superior do Trabalho, ANTONIO MARIA THAUMATURGO CORTIZO requereu administrativamente ao TST o pagamento “[...] da equiparação da parcela autônoma de equivalência [...] deferida aos Exmos. Srs. Ministros do Tribunal pelo eg. Órgão Especial, para a inclusão da verba do auxílio-moradia recebida pelos membros da Câmara dos Deputados no período de setembro de 1994 a setembro de 1999”.

2. Foi formalizado o Processo administrativo nº 502917/2008.7 (Matéria Administrativa - MA-2022816-39.2008.5.00.0000) que tramitou naquela Corte objetivando o pagamento das diferenças da parcela autônoma de equivalência postuladas, em razão do cômputo do auxílio-moradia no período compreendido entre setembro de 1994 e dezembro de 1997. O pedido, formulado pelo requerente, foi indeferido inicialmente por decisão monocrática do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, consoante despacho proferido em 04 de setembro de 2008, com o seguinte teor:

Considerando o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, constante dos autos do Mandado de Segurança nº 21.466-DF e do RMS nº 25.104-DF, no sentido de que “os representantes classistas da Justiça do Trabalho, ainda que ostentem títulos privativos da magistratura e exerçam função jurisdicional nos órgãos cuja composição integram, não se equiparam e nem se submetem ao regime

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jurídico constitucional e legal aplicável aos magistrados togados”, bem assim a decisão desta Corte em relação à matéria em apreço, contida no RMA nº 85872/2003-900-02-00.3, indefiro o pleito formulado pelo Exmo. Sr. ANTÔNIO MARIA THAUMATURGO CORTIZO, Ministro Classista aposentado do TST.

3. Em face dessa decisão, o ex-Ministro Classista, ANTONIO MARIA THAUMATURGO CORTIZO, apresentou pedido de reconsideração ao Presidente do TST, e que, caso o mesmo mantivesse sua decisão, encaminhasse seu pedido ao Órgão Especial, para apreciação do recurso, nos termos do artigo 69, inciso II, aliena “p” do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

4. O pedido de reconsideração foi indeferido pelo Ministro Presidente, em razão da ausência de fato novo a ensejar o reexame pretendido, tendo sido determinado, na ocasião, que o feito fosse distribuído no âmbito do Órgão Especial do TST na forma do art. 69, II, “p”, do Regimento Interno daquele Tribunal Superior.

5. Após distribuição do feito no Órgão Especial, foi solicitada a audiência do Ministério Público do Trabalho que se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso, eis que no mérito a decisão recorrida estava fundamentada na jurisprudência do Excelso Pretório, bem como em precedentes daquela Colenda Corte Superior do Trabalho.

6. Apreciada a matéria em sessão, o COLENDO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, nos autos do PROCESSO Nº TST-MA-2022816-39.2008.5.00.0000, decidiu “[...] acolher a pretensão deduzida na presente Matéria Administrativa para deferir ao requerente as diferenças da parcela autônoma de equivalência postuladas, em razão do cômputo do auxílio-moradia, na forma estabelecida nos autos da Certidão de Deliberação constante do processo administrativo nº 501.918/2008-4, deste Tribunal Superior, no período compreendido entre setembro de 1994 e dezembro de 1997”.

7. Eis a ementa do acórdão prolatado nos autos do Processo TST/MA-2022816-39.2008.5.00.0000(Processo Administrativo nº 502917/2008.7), na sessão do Órgão Especial, realizada no dia 03.05.2010:

MATÉRIA ADMINISTRATIVA. RECÁLCULO DA PARCELA AUTÔNOMA DE EQUIVALÊNCIA PERCEBIDA PELO REQUERENTE, NA CONDIÇÃO DE MINISTRO CLASSISTA DESTA CORTE SUPERIOR, PARA A INCLUSÃO DO AUXÍLIO-MORADIA, EM FACE DE SUA ABSORÇÃO NO VENCIMENTO BÁSICO DOS MINISTROS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. INTELIGÊNCIA DA LEI N.º 10.474/2002. 1. Tem jus às diferenças remuneratórias decorrentes do recálculo da parcela autônoma de equivalência (Lei n.º 8.448, de 21 de julho de 1992), em face da inclusão do auxílio-moradia, ex-Ministro Classista deste Tribunal Superior, que percebia tal parcela, no período compreendido entre setembro de 1994 e dezembro de 1997, no exercício da função judicante. 2. A isonomia na remuneração mensal de Ministros Togados e Classistas, assegurada nos termos do artigo 93, V, da Constituição da República, com a redação vigente à época, e a absorção da parcela autônoma de equivalência no vencimento básico dos Ministros dos Tribunais Superiores, por força da Lei n.º 10.474/2002, legitimam o pedido. 3. O entendimento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que os Juízes Classistas têm jus apenas aos benefícios e vantagens que lhe tenham sido expressamente outorgados em legislação específica, não obsta o reconhecimento do direito pleiteado porquanto, no caso concreto, busca-se a recomposição do valor da

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remuneração mensal auferida pelo requerente no período compreendido entre setembro de 1994 e dezembro de 1997, quando regularmente investido na função de Ministro Classista desta Corte superior. Pretensão em Matéria Administrativa acolhida, para estender ao requerente os benefícios reconhecidos aos Ministros desta Corte superior, nos autos do processo administrativo n.º 501.918/2008-4, na forma ali estabelecida, no período compreendido entre setembro de 1994 e dezembro de 1997.

8. Após a publicação do acórdão, a Advocacia-Geral da União foi intimada da referida decisão, nos termos do art. 35, inciso II, da Lei Complementar nº 73/93, e 6º da Lei nº 9.028/95 pela Secretaria Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho.

II – DO CABIMENTO DO PEDIDO DE PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO

9. O art. 103-B, § 4o, incisos I e II, da Constituição Federal, fixa, dentre as competências do Conselho Nacional de Justiça:

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

10. Por sua vez, o Regimento Interno do CNJ, em seu art. 4º, II, assim determina:

Art. 4º - Ao Plenário do CNJ compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, o seguinte: I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II – zelar pela observância do art. 37 da Constituição Federal e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União e dos Tribunais de Contas dos Estados; (grifos nossos)

11. Também o artigo 91 do citado Regimento Interno dispõe que o “controle dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário será exercido pelo Plenário do CNJ, de ofício ou mediante provocação, sempre que restarem contrariados os princípios estabelecidos no art. 37 da Constituição, especialmente os de legalidade,

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impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União e dos Tribunais de Contas dos Estados”.

III – RAZÕES PARA OFERECIMENTO DA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR

12. A Lei nº 8.448/92 autorizou o Poder Judiciário a adequar a tabela remuneratória do seu pessoal de forma a preservar a equivalência dos valores percebidos pelos membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal.

13. Com base nesta autorização normativa o Supremo Tribunal Federal, na Sessão Administrativa de 12/08/92, decidiu fosse incluído na retribuição dos seus Ministros, como Parcela Autônoma de Equivalência, o valor correspondente à diferença entre a remuneração dos Parlamentares e a dos Ministros daquela Corte. Tal parcela foi estendida aos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, bem como aos juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho.

14. Tendo em vista que no cálculo desta Parcela Autônoma de Equivalência não havia sido incluído o valor do Auxílio-Moradia pago aos Parlamentares9, a Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE – impetrou Mandado de Segurança contra os Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais sob a alegação de desrespeito às regras estabelecidas na Lei nº 8.448/92.

15. O STF, nos autos da Ação Originária nº 630-9-DF, concedeu liminar para determinar ao Presidente do Supremo Tribunal Federal que emitisse ato fazendo incluir na parcela autônoma de equivalência o valor correspondente ao Auxílio-Moradia. Ato contínuo, o Supremo Tribunal Federal editou a Resolução nº 195/2000 especificando a nova composição da remuneração dos Ministros daquela Corte, em cujas parcelas se incluiu o valor do Auxílio-Moradia pago aos Deputados Federais.

16. Observando referida Resolução, a Presidência do Tribunal Superior do Trabalho editou o ATO.TST.GP.Nº 109 (DJ de 29/03/2000) concedendo o mesmo tratamento aos magistrados da Justiça do Trabalho.

17. Posteriormente, a Lei nº 10.474/2002, ao tratar da remuneração da magistratura da União, dispôs nos seus arts. 1º e 2º que:

Art. 1º Até que seja editada a Lei prevista no art. 48, inciso XV, da Constituição Federal, o vencimento básico do Ministro do Supremo Tribunal Federal é fixado em R$ 3.950,31 (três mil, novecentos e cinqüenta reais e trinta e um centavos). § 1º Para os fins de quaisquer limites remuneratórios, não se incluem no cômputo da remuneração as parcelas percebidas, em bases anuais, por Ministro do Supremo Tribunal Federal em razão de tempo de serviço ou de exercício temporário de cargo no Tribunal Superior Eleitoral. § 2º A remuneração dos Membros da Magistratura da União observará o escalonamento de 5% (cinco por cento) entre os diversos níveis, tendo como

9 Referido Auxílio, criado pelo Ato da Mesa da Câmara dos Deputados nº 104/88, consistia no reembolso mensal da despesa com moradia ou estadia e já estava elencado entre as vantagens outorgadas aos magistrados conforme o inciso II do art. 65 da Lei Complementar nº 35/79 – LOMAN.

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referência a remuneração, de caráter permanente, percebida por Ministro do Supremo Tribunal Federal. § 3º A remuneração decorrente desta Lei inclui e absorve todos e quaisquer reajustes remuneratórios percebidos ou incorporados pelos Magistrados da União, a qualquer título, por decisão administrativa ou judicial, até a publicação desta Lei. Art. 2º O valor do abono variável concedido pelo art. 6º da Lei nº 9.655, de 2 de junho de 1998, com efeitos financeiros a partir da data nele mencionada, passa a corresponder à diferença entre a remuneração mensal percebida por Magistrado, vigente à data daquela Lei, e a decorrente desta Lei. § 1º Serão abatidos do valor da diferença referida neste artigo todos e quaisquer reajustes remuneratórios percebidos ou incorporados pelos Magistrados da União, a qualquer título, por decisão administrativa ou judicial, após a publicação da Lei nº 9.655, de 2 de junho de 1998. § 2º Os efeitos financeiros decorrentes deste artigo serão satisfeitos em 24 (vinte e quatro) parcelas mensais e sucessivas, a partir do mês de janeiro de 2003.

18. A Lei nº 9.655/98 – referida no art. 2º da Lei nº 10.474/2002 – instituiu o Abono Variável aos membros do Poder Judiciário, nos seguintes termos:

Art. 6º Aos membros do Poder Judiciário é concedido um abono variável, com efeitos financeiros a partir de 1o de janeiro de 1998 e até a data da promulgação da Emenda Constitucional que altera o inciso V do art. 93 da Constituição, correspondente à diferença entre a remuneração mensal atual de cada magistrado e o valor do subsídio que for fixado quando em vigor a referida Emenda Constitucional.

19. Assim, os Ministros do TST requereram as diferenças da Parcela Autônoma de Equivalência, em razão do cômputo do Auxílio-Moradia, até 31/12/97, pois a partir de 1º/01/98 o subsídio pago aos magistrados da União absorveu a Parcela contendo o valor correspondente à rubrica paga aos Parlamentares.

20. Em 1º/07/2008 o Órgão Especial do TST reconheceu o direito à percepção, pelos Ministros da Corte, “[...] de diferenças remuneratórias decorrentes do recálculo da parcela autônoma de equivalência [...] em face da inclusão do auxílio-moradia, no período compreendido entre setembro de 1994 e dezembro de 1997”.

21. Importante destacar que no que toca à extensão desse direito aos magistrados classistas, o próprio TST, em 27.05.2004, ao apreciar o RMA – 85872/2003-900-02-00.3, deliberou o seguinte:

LEI Nº 9.655/98 – IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DO AUXÍLIO-MORADIA AOS JUÍZES CLASSISTAS APOSENTADOS. O Juiz classista não faz jus à verba denominada auxílio-moradia, que foi incluída na parcela autônoma da equivalência dos magistrados togados, nos termos do Ato GP.TST 109/00, uma vez que, desce a Lei 9.655, de 2/6/90, as gratificações de audiência, que lhe eram devidas como remuneração, já não mais estavam vinculadas aos vencimentos dos juízes presidentes de Varas, e, portanto, a referida parcela, devida apenas aos magistrados togados, não poderia integrar seus proventos. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Mandado de Segurança nº 21.466-DF, foi categórico ao afirmar que os representantes classistas, não obstante titulados de magistrados, não se equiparam, só por esse fato, ao mesmo regime jurídico-constitucional e legal aos magistrados togados, fazendo jus apenas aos benefícios e vantagens expressamente constante de legislação específica. Também já firmou entendimento acerca da inexistência de direito adquirido a regime jurídico. Precedentes:RE-293.578/PR, Relator Min. Ilmar Galvão; RE 225.328 ED/CE Relatora: Min. Ellen Gracie. Recursos em matéria administrativa não provido.

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22. O Ex-Ministro Classista ANTONIO MARIA THAUMATURGO CORTIZO requereu ao TST, em 22 de agosto daquele mesmo ano, “[...] o pagamento da equiparação da parcela autônoma de equivalência, recentemente deferida aos Exmos. Srs. Ministros do Tribunal pelo eg. Órgão Especial, para a inclusão da verba do auxílio-moradia recebida pelos membros da Câmara dos Deputados no período de setembro de 1994 a setembro de 1999”.

23. O Ministro Presidente do TST concluiu pela inviabilidade do pedido, ao fundamento de que os representantes Classistas da Justiça do Trabalho não se equiparam e nem se submetem ao regime jurídico-constitucional e legal aplicável aos magistrados Togados.

24. Assim, o requerente aviou pedido de reconsideração, alegando afronta ao princípio da isonomia, sob o fundamento de que a remuneração dos Ministros Classistas fora fixada pela Lei n.º 7.722/89, em estrita equivalência com aquela devida aos Ministros Togados do Tribunal Superior do Trabalho. Afirmou ainda que recebeu a parcela autônoma de equivalência enquanto Ministro Classista desta Corte, razão por que entendeu fazer jus ao cômputo da verba em questão tal como concedido pelo Órgão Especial aos demais Ministros da Corte.

25. Importante destacar que já no momento da apreciação do recurso de reconsideração, o bem elaborado parecer do Assessor-Chefe de Legislação de Pessoal, datado de 08 de outubro de 2008 (fls. 101/121 dos autos da Matéria Administrativa - MA-2022816-39.2008.5.00.0000 - Processo administrativo nº 502917/2008.7) e que desde já adotamos como razões de direito, cujo teor passa a integrar a presente peça reclamatória, alertou aquela Corte, de que “[...] em direito administrativo, as regras de hermenêutica e integração normativa não admitem a chamada interpretação extensiva. Ou seja, não se admite a utilização das formas de integração de normas com vistas a criar direitos e vantagens não expressamente conferidos em regra específica”.

26. Em que pese o posicionamento divergente esposado pela Secretária de Gestão Interna do Tribunal, modificando seu posicionamento anterior no pedido inicial, o Exmo. Ministro Presidente do TST conheceu do pedido de reconsideração interposto tempestivamente e, no mérito, manteve a decisão recorrida, em face da inexistência de fato novo apto a ensejar o reexame, tendo na ocasião, distribuído o feito no âmbito do Órgão Especial, na forma do disposto no artigo 69, II, alínea “p”, do Regimento Interno do TST.

27. Dada audiência ao Ministério Público do Trabalho, esse se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso, eis que no mérito a decisão recorrida estava fundamentada na jurisprudência do Excelso Pretório, bem como em precedentes daquela Colenda Corte Superior do Trabalho.

28. Todavia, os Ministros do Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho acolheram a pretensão do ex-Ministro Classista, “para deferir ao requerente as diferenças da parcela autônoma de equivalência postuladas, em razão do cômputo do auxílio-moradia, na forma estabelecida nos autos da Certidão de Deliberação constante do processo administrativo n.º 501.918/2008-4, deste Tribunal Superior, no período compreendido entre setembro de 1994 e dezembro de 1997”.

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29. As razões do voto proferido pelo d. Relator do PROCESSO Nº TST-MA-2022816-39.2008.5.00.0000 caminham no sentido:

1) de que a parcela autônoma de equivalência instituída pelo Supremo Tribunal Federal foi estendida aos Juízes e Ministros da Justiça do Trabalho (mediante o ATO.TST.GP.N.º 109, publicado no DJU de 29/3/2000) sem que se tenha feito qualquer distinção entre Togados e Classistas; 2) de que o ex-Ministro Classista ANTONIO MARIA THAUMATURGO CORTIZO auferiu a mesma remuneração mensal fixada para os Ministros Togados desta Corte superior, inclusive a parcela autônoma de equivalência, entre setembro de 1994 e dezembro de 1997, sem perceber, no entanto, o valor correspondente à integração do auxílio-moradia; e 3) de que, por isso mesmo – porque o requerente havia recebido, na qualidade de Ministro Classista, a multicitada parcela autônoma de equivalência, ainda que sem a inclusão do auxílio-moradia – não se cuidava, na hipótese, de equiparar ou submeter ao mesmo regime jurídico Ministros Togados e Classistas, “[...] mas simplesmente de reconhecer o direito a diferenças da parcela autônoma de equivalência efetivamente percebida pelo requerente, na condição de Ministro Classista do Tribunal Superior do Trabalho, de setembro de 1994 a dezembro de 1997, em decorrência da alteração introduzida na sua forma de cálculo, de que resultou a inclusão do auxílio-moradia no valor do vencimento básico fixado para os Ministros dos Tribunais Superiores”.

30. Parece-nos que a realidade fática apresentada pelo Relator – vale dizer, a circunstância de se tratar de parcela efetivamente percebida pelo requerente junto ao TST – aliada a razões de isonomia parecem ter norteado a decisão do Órgão Especial, conforme se demonstra no trecho abaixo do voto do relator:

[...] Não se controverte, aqui, portanto, acerca de qualquer benefício ou vantagem não previstos em lei. Ao contrário, no caso concreto, busca-se a recomposição do valor da remuneração mensal auferida pelo requerente no período compreendido entre setembro de 1994 e dezembro de 1997, quando atuava na condição de Ministro Classista desta Corte, em razão da isonomia de vencimentos com os Ministros deste Tribunal Superior, expressamente assegurada nos termos do artigo 93, V, da Constituição da República, com a redação vigente à época.

31. Em relação ao fundamento isonômico, a só leitura da Lei nº 7.722/89 – invocada pelo requerente no pedido de reconsideração – associada à prática administrativa que outrora grassou no âmbito dos Tribunais Trabalhistas realmente parecia autorizar a conclusão de que não haveria qualquer diferenciação remuneratória entre juízes Togados e Classistas de tribunais.

32. Este cenário alterou-se drasticamente a partir do julgamento do Mandado de Segurança nº 21.466-DF pelo Excelso Supremo Tribunal Federal. Nesse julgamento restou expressamente assentado:

1) que os representantes Classistas da Justiça do Trabalho, ainda que ostentem títulos privativos da magistratura e exerçam função jurisdicional nos órgãos cuja composição integram, não se equiparam e nem se submetem, só por isso, ao mesmo regime jurídico-constitucional e legal aplicável aos magistrados Togados; 2) que a especificidade da condição jurídico-funcional dos juízes Classistas autoriza o legislador a reservar-lhes tratamento normativo diferenciado daquele conferido aos magistrados Togados;

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3) e que o juiz Classista, em consequência, apenas faz jus aos benefícios e vantagens que lhe tenham sido expressamente outorgados em legislação específica.

33. Nem poderia ser diferente, pois o fato de a figura do juiz Classista ter tido assento constitucional não é suficiente para, per si, autorizar a equiparação com os juízes Togados. Recorde-se, com efeito, que a própria Constituição lhes dava tratamento diferenciado ao prever a temporariedade do exercício da função pública e a figura do suplente.

34. Em razão dessa nítida diferenciação, o Parecer acostado pelo Parquet nos autos do MS nº 21.466-DF – aprovado pelo em. Chefe do Ministério Público da União e encampado pela fundamentação do voto vencedor no STF – afirmava expressa e textualmente que, ao contrário do que afirmado pelo d. Relator do MA-2022816-39.2008.5.00.0000, não se aplicava ao juiz Classista o art. 93 da Constituição Federal, uma vez que tal norma era claramente dirigida “[...] aos magistrados togados, apenas, como se deduz do próprio texto”.

35. Concluiu o Parquet que o magistrado Classista poderia gozar tão-somente das vantagens e benefícios previstos em legislação específica e nos estritos termos em que ela [a lei] os deferisse, “[...] não sendo lícito estender-se a eles, sem norma autorizadora, os que forem assegurados aos magistrados togados”.

36. Perceba-se que os fundamentos expendidos pelo Ministério Público – e endossados pelo Supremo Tribunal Federal – tratam de vantagens e benefícios em sentido amplo, não se restringindo à específica verba objeto daquele Mandado de Segurança.

37. Em outras palavras, somente é devido aos juízes Classistas – sejam ou não de tribunal – aquilo que lei específica expressamente lhes tenha deferido.

38. Este entendimento foi posteriormente reafirmado pelo Supremo no MS 22.498/DF e no RMS 25.104/DF:

MS 22498 / BA - BAHIA MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. MOREIRA ALVES Julgamento: 02/02/1998 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 03-04-1998 PP-00007 EMENT VOL-01905-02 PP-00256 EMENTA: Juízes classistas da Justiça do Trabalho. Pretensão de aplicação a eles da vantagem a que se refere o inciso I do artigo 192 da Lei 8.112/90. - A aposentadoria dos juízes temporários da União se dá nos termos da Lei 6.903/81, e essa Lei não lhes confere a vantagem prevista no inciso I do artigo 192 da Lei 8.112/90. Esses juízes só fazem jus a benefícios e vantagens que lhes tenham sido expressamente outorgados em legislação específica (MS 21.468). - Ademais, ainda que assim não fosse, e se aplicasse a Lei 8.112/90 aos juízes classistas da Justiça do Trabalho, o inciso I do artigo 192 desse Diploma Legal ("O servidor que contar tempo de serviço para aposentadoria com provento integral será aposentado: I - com a remuneração do padrão da classe imediatamente superior àquela em que se encontra posicionado") não se aplicaria a eles, até porque o conceito de classes graduadas está vinculado ao de cargo que admita promoção de uma para outra, o que é incompatível com a natureza do cargo isolado. Mandado de segurança indeferido. RMS 25104 / DF - DISTRITO FEDERAL

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 21/02/2006 Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação: DJ 31-03-2006 PP-00019 EMENT VOL-02227-01 PP-00211 EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO DO TRABALHO. JUIZ CLASSISTA. AFASTAMENTO LIMINAR DO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES PELO RELATOR DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA. ART. 61, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 9.784/99. INTERPRETAÇÃO EM CONJUNTO COM O PRECEITO DO ART. 663, § 2º, DA CLT. DIREITO DO TRABALHO. EQUIPARAÇÃO DOS JUÍZES CLASSISTAS AOS MAGISTRADOS TOGADOS. IMPOSSIBILIDADE. MÁ-FÉ. CONFIGURAÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS ENQUANTO INVESTIDO DAS FUNÇÕES DE MAGISTRADO CLASSISTA. IMPOSSIBILIDADE. VALOR SOCIAL DO TRABALHO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. ART. 1º, IV, E ART. 170, DA CB/88. DECISÃO EXTRA PETITA. NULIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O poder geral de cautela alcança as decisões administrativas. Embora o preceito do art. 662, § 3º, da CLT determine que as impugnações à investidura dos juízes classistas sejam recebidas no efeito meramente devolutivo, o preceito do art. 61, parágrafo único, da Lei n. 9.784/99 --- aplicável ao processo administrativo no âmbito do Poder Judiciário [art. 1º, § 1º] --- permite que, em determinadas hipóteses, havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação, a autoridade recorrida ou imediatamente superior, de ofício ou a pedido, dê efeito suspensivo ao recurso. 2. Os representantes classistas da Justiça do Trabalho, ainda que ostentem títulos privativos da magistratura e exerçam função jurisdicional nos órgãos cuja composição integram, não se equiparam e nem se submetem ao regime jurídico-constitucional e legal aplicável aos magistrados togados. Precedente [MS n. 21.466, Relator o Ministro CELSO DE MELLO, DJ 06.05.94]. 3. A má-fé do candidato à vaga de juiz classista resta configurada quando viola preceito constante dos atos constitutivos do sindicato e declara falsamente, em nome da entidade sindical, o cumprimento de todas as disposições legais e estatutárias para a formação de lista enviada ao Tribunal Regional do Trabalho - TRT. 4. O trabalho consubstancia valor social constitucionalmente protegido [art. 1º, IV e 170, da CB/88], que sobreleva o direito do recorrente a perceber remuneração pelos serviços prestados até o seu afastamento liminar. Entendimento contrário implica sufragar o enriquecimento ilícito da Administração. 5. A decisão judicial extra petita gera nulidade da ordem no ponto em que excede o pedido deduzido pela parte. 6. Recurso ordinário parcialmente provido, para tornar inexigível a ordem do Tribunal Superior do Trabalho - TST no ponto em que determina a devolução dos valores recebidos pelo recorrente a título de remuneração pelo exercício da função de magistrado classista entre 04.05.98 e 08.08.2000.

39. O que se pretende enfatizar é que o tratamento isonômico entre juízes Togados e Classistas é exceção e não regra.

40. Na realidade num exame perfunctório do decisum do Órgão Especial do TST, que foi comunicado à AGU pelo próprio TST resta evidente que a ilegalidade que o macula, foi antecedida por outra decisão ilegal que conferiu o pagamento da Parcela Autônoma de Equivalência efetivamente paga ao ex-ministro ANTONIO MARIA THAUMATURGO CORTIZO.

41. O certo é que se nem mesmo a própria Parcela Autônoma de Equivalência era

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devida ao ex-ministro requerente, também não lhe é devido, por óbvio, “[...] a recomposição do valor da remuneração mensal auferida pelo requerente no período compreendido entre setembro de 1994 e dezembro de 1997”.

42. Assim, s.m.j, a decisão do Colendo Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho de conceder as diferenças da parcela autônoma de equivalência postuladas, em razão do cômputo do auxílio-moradia, na forma estabelecida nos autos da Certidão de Deliberação constante do processo administrativo TST n.º 501.918/2008-4, no período compreendido entre setembro de 1994 e dezembro de 1997 ao ex-Ministro Classista , agride a legalidade referida nos arts. 5º, II, e 37, caput, da Carta Magna, interfere na esfera jurídico-patrimonial da União, pessoa jurídica que, ao fim e ao cabo, será a única responsável pelo pagamento indevido ante a inexistência de norma legal específica a amparar tal recomposição

43. Desta forma, resta flagrante a ilegalidade tanto do ato administrativo de concessão da Parcela Autônoma de Equivalência paga ao ex-ministro ANTONIO MARIA THAUMATURGO CORTIZO, bem como do ato decisório do Órgão Especial que deferiu o pagamento das diferenças da parcela autônoma de equivalência postuladas, em razão do cômputo do auxílio-moradia, na forma estabelecida nos autos da Certidão de Deliberação constante do processo administrativo n.º 501.918/2008-4, deste Tribunal Superior, no período compreendido entre setembro de 1994 e dezembro de 1997.

V – DO PEDIDO

44. Pelo exposto, a ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO requer a esse Colendo Conselho Nacional de Justiça, se digne a determinar o processamento do presente pedido de Procedimento de Controle Administrativo em face do ato praticado pelo Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, com a consequente desconstituição de todos os atos administrativos concessivos ao Ex. Ministro Classista ANTONIO MARIA THAUMATURGO CORTIZO, tanto da Parcela Autônoma de Equivalência, quanto do pagamento das diferenças pagas para equiparação da parcela autônoma de equivalência [...] deferida aos Exmos. Srs. Ministros do Tribunal pelo Eg. Órgão Especial, para a inclusão da verba do auxílio-moradia recebida pelos membros da Câmara dos Deputados no período de setembro de 1994 a setembro de 1999” e devolução dos valores recebidos indevidamente.

Termos em que, Pede Deferimento. Brasília, 17 de novembro de 2011.

RAFAELO ABRITTA

Advogado da União Diretor do Departamento de Assuntos Extrajudiciais

LUCIANE CARNEIRO PINTO

Advogada da União

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CONCILIAÇÃO

Termos de Conciliação aprovados pelo Exmo. Ministro Advogado-Geral da União:

1. TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU 035/2011-HCL E GHR

Helena Dias Leão Costa e Gustavo Henrique Ribeiro de Melo Conciliadores

TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU 035-/2011-HLC e GHR

PROCESSO Nº 00400.009796/2010-33 CONCILIADORES:

Helena Dias Leão Costa Gustavo Henrique R. de Melo

ASSUNTO

Sobreposição geográfica entre territórios quilombolas em fase de delimitação e unidades de conservação no Estado de Rondônia. Reunião conjunta de conciliação.

INTERESSADOS Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBIO

CONJUR - Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA

Fundação Cultural Palmares – FCP

Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República- GSI –

DATA 07 de dezembro de 2011

HORÁRIO INÍCIO 15h 00min TÉRMINO 18h 00min

LOCAL Sala de reuniões da CCAF I, edifício sede AGU I, Brasília (DF).

DISCUSSÕES

MINUTA DE TERMO DE CONCILIAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO:

Tendo em vista as competências legais de cada ente público que subscreve este acordo, os

atos normativos aplicáveis ao caso (arts. 23, III, VI e VII, 196, 215, 216, caput e § 1º., e 225,

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§ 1º., III, e art. 68 do ADCT da Constituição Federal; artigo 6o. da Convenção 169 da OIT

sobre povos indígenas e tribais em países independentes; Decreto nº 4.887, de 2003;

Instrução Normativa INCRA nº 57, de 2009; Norma de Execução Conjunta INCRA DF/DT

nº 3, de 21 de junho de 2010; Lei nº 9.985, de 2000; arts. 31 a 34 da Lei nº 12.288, de 2010;

Lei nº 10.678, de 2003; Decreto nº 6.040, de 2007), e a audiência pública realizada com a

comunidade quilombola de Santo Antônio do Guaporé, situada no Município de São

Francisco do Guaporé, em Rondônia, os entes públicos acima referidos assumem os

compromissos a seguir descritos.

COMPROMISSOS:

1 – O ICMBio se compromete a elaborar, no prazo de 40 dias a partir desta data, proposição

legislativa que será encaminhada ao MMA desafetando porção da área da Reserva Biológica

do Guaporé, conforme audiência pública realizada em 30 de julho de 2011 com a

comunidade de Santo Antônio do Guaporé e diligência conjunta ICMBio e INCRA realizada

em agosto de 2011, consistente em aproximadamente 7.221,4200 hectares, com os limites

descritos no Relatório de Atividades datado de 29 de setembro de 2011, em anexo, o qual

passa a fazer parte do presente termo de conciliação.

2 – No projeto de lei deverá constar que a área de reserva legal referente ao território

quilombola será integrada no interior da REBIO, ficando dispensada a obrigação de

averbação da reserva legal no território a ser titulado.

3 – Tão logo seja aprovada a referida proposição legislativa, o INCRA, no prazo de 90 dias,

se compromete a titular o território quilombola de Santo Antônio do Guaporé, localizado no

Município de São Francisco do Guaporé (RO).

4 – O Grupo de Trabalho que elaborou o Relatório de Atividade, acrescido de um

representante da FCP, será coordenado pelo Chefe da REBIO e deverá elaborar o Plano de

Utilização do território quilombola, no prazo de 60 dias. Elaborado o Plano, o INCRA e o

ICMBio se comprometem a peticionar, por meio de suas respectivas unidades jurídicas,

apresentando nos autos da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal, de no

2010.41.01.0003553-3, em trâmite na 5 ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção

Judiciária de Rondônia, o referido Plano de Utilização levando em conta os novos limites

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DESPACHO DO DIRETOR DA CCAF Nº 386/2011 - OCM

Senhor Consultor-Geral da União,

Submeto à apreciação de Vossa Senhoria o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-035/2011-HCL E GHR, referente ao Processo nº 00400.009796/2010-33, com vistas ao seu encaminhamento ao Advogado-Geral da União para homologação, nos termos do art. 36, XII, do Anexo I do Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010.

Brasiia, 22 de dezembro de 2011.

Francisco Orlando Costa Muniz Diretor da Câmara de Conciliação

e Arbitragem da Administração Federal

DESPACHO DO CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO Nº 1229/2011

De acordo, Submeto ao Advogado-Geral da União o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-035/2011-HCL E GHR, referente ao processo 00400.009796/2010-33, para homologação.

Brasília, 22 de dezembro de 2011.

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy Consultor-Geral da União

DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

HOMOLOGO o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-035/2011-HCL E GHR, referente ao Processo nº 00400.009796/2010-33.

Brasília, 22 de dezembro de 2011.

Fernando Luiz Albuquerque Faria Advogado-Geral da União Substituto

aqui acordados.

5 – O INCRA e o ICMBio peticionarão conjuntamente, por meio de suas respectivas

unidades jurídicas, nos autos da Ação Civil Pública n. 2001.41.00.000304-3, em trâmite na

mesma Vara, comunicando a existência de Câmara de Conciliação instaurada e a celebração

de acordo pendente de homologação pelo Advogado-Geral da União, após a qual deverá

também ser comunicada ao juízo da causa e requerida a extinção do feito.

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2. TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU 037/2011- GHR

Gustavo Henrique Ribeiro de Melo Conciliador

TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU- 037-/2011 - GHR

PROCESSO Nº 00475.005357/2009-44 CONCILIADOR: GUSTAVO HENRIQUE RIBEIRO DE MELO

ASSUNTO Processo punitivo instaurado pelo Conselho Regional de Biblioteconomia – 6ª Região – contra o Colégio Militar de Juiz de Fora, sob a alegação de funcionamento de biblioteca na unidade de ensino sem direção e administração de servidor com registro profissional no aludido órgão de classe.

Colégio militar de Juiz de Fora

Comando do Exército

Conselho Regional de Biblioteconomia – 6ª Região

Conselho Federal de Biblioteconomia

Procuradoria-Geral da União

Ministério do Planejamento

DATA 12 de dezembro de 2011

HORÁRIO INÍCIO 14:30 h TÉRMINO 16:30 h

LOCAL Sala de Reuniões da CCAF, 3º andar, sala I

REGISTROS DA REUNIÃO DE 12 DE DEZEMBRO DE 2011 Os representantes do Comando do Exército, do Conselho Federal de

Biblioteconomia, da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento e a representante da Procuradoria-Geral da União, reunidos na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF, decidiram pôr fim à controvérsia surgida com a instauração de procedimento punitivo pelo Conselho Regional de Biblioteconomia - 6ª Região contra o Colégio Militar de Juiz de Fora, em razão do funcionamento de biblioteca na unidade de ensino sem direção e administração de servidor com registro profissional no aludido órgão de classe.

Para equacionar o problema, o Comando do Exército procedeu a designação da Sra. Edinéia Maria de Carvalho, com registro profissional no CRB 6 sob o nº2592, para a prestação de serviço de bibliotecário no Colégio Militar de Juiz de Fora, na forma consignada na reunião anterior. Além disso, no contexto da política de pessoal do Exército Brasileiro, criou o Curso de Formação de Oficiais de Carreira do Quadro Complementar de Oficiais na área de atividade de Biblioteconomia (Portaria n° 183-EME, de 20 de dezembro de 2010).

De sua parte, o Conselho Federal de Biblioteconomia comprometeu-se a encaminhar ao Conselho Regional de Biblioteconomia – 6ª Região pedido para que seja apreciada na próxima reunião do colegiado a possibilidade de anulação da multa aplicada ao Colégio Militar de Juiz de Fora, bem como a possibilidade de arquivamento do processo disciplinar.

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DESPACHO DO DIRETOR DA CCAF Nº 391/2011 – OCM

Senhor Consultor-Geral da União, Submeto à apreciação de Vossa Senhoria o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU—GU- 037/2011- GHR, referente ao processo nº 00475.005357/2009-44, com vistas ao seu encaminhamento ao Advogado-Geral da União para homologação, nos termos do art. 36 XII do Anexo I do Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010.

Brasília, 22 de dezembro de 2011

Francisco Orlando Costa Muniz Diretor da Câmara de Conciliação

e Arbitragem da Administração Federal

DESPACHO DO CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO Nº 1226/2011 De acordo, Submeto ao Advogado-Geral da União o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-037/2011-GHR, referente ao processo 00475.005357/2009-44, para homologação.

Brasília, 22 de dezembro de 2011.

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy Consultor-Geral da União

DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

HOMOLOGO o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-037/2011-GHR, referente ao Processo nº00475.005357/2009-44.

Brasília, 22 de dezembro de 2011.

Fernando Luiz Albuquerque Faria Advogado-Geral da União Substituto

No âmbito da Administração Pública Federal, sugeriu-se à Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento que expeça, no prazo de sessenta dias, ofício aos órgãos que possuam biblioteca solicitando especial atenção às normas do Conselho Federal de Biblioteconomia.

Diante dessa composição, os interessados manifestaram-se pelo encerramento do procedimento conciliatório, condicionado o arquivamento do processo conciliatório à apresentação, pelo Conselho Regional de Biblioteconomia da 6ª Região, da anulação da multa aplicada ao Colégio Militar de Juiz de Fora.

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ESTUDOS

OS TRÊS VETORES DA EFICIÊNCIA DA COMMON LAW

Ana Flávia Lopes Braga Procuradora da Fazenda Nacional

O Banco Mundial promove anualmente um estudo que avalia a infraestrutura econômica de um país com base nas condições legais e institucionais para o desenvolvimento de uma atividade econômica. O relatório desse estudo, intitulado Doing Business, mostra que para que o desenvolvimento seja sustentável, há necessidade de instituições e leis sólidas10.

Por mais incrível que pareça, quando entra no campo judiciário, o estudo

aponta que o sistema jurídico da common law é mais eficiente do ponto de vista econômico do que o sistema jurídico estatutário. Apesar das falhas que, atualmente, tentam ser supridas pela codificação, é possível identificar três vetores de eficiência da cultura jurídica norte-americana que podem ser estudados e adaptados na aplicação do nosso direito.

O primeiro vetor de eficiência da common law que identificamos é o

pensamento jurídico econômico; o segundo é o extremo incentivo às transações privadas; e o terceiro, mas não menos importante, é o instituto da stare decisis. Vejamos.

AS DIFERENTES CULTURAS JURÍDICAS A abordagem das diferenças e aproximações entre os ordenamentos jurídicos

norte-americano e brasileiro deve levar em conta o sistema ou a família ao qual pertence cada um.

É de se notar que os vários ordenamentos existentes formulam as normas de

modo diferente porque as estruturas sociais e, bem assim, os valores sobre as quais se fundam, são diferentes. Desse modo, não há fina correspondência entre as noções e categorias jurídicas de um ordenamento para outro, contudo é possível perceber elementos comuns que possibilitam o seu agrupamento em famílias, facilitando a comparação com os demais. Fala-se em família de direito quando se identifica nos ordenamentos jurídicos traços constantes, comuns a uns e diferentes de outros, que possibilitam seu estudo conjunto11.

Costuma-se apontar, na doutrina do Direito, três grandes famílias: a de base

romano-germânica (civil law), a da commom law e a dos direitos socialistas, que indicam diferentes modelos de organização social.

O Brasil, ao sofrer colonização portuguesa, recepcionou a tradição do direito

romano-germânico, disseminada na Europa continental (civil law).

10 DOING BUSINESS: Measuring Business Regulations. Disponível em: <http://www.doingbusiness.org/>. 11 STAJAIN, Rachel; GORGA, Érica. Tradições do Direito. In: ZULBERSZTAJN, Decio; STAJN, Rachel (org.). Direito & Economia, Rio de Janeiro, Elsevier, 2005, p. 137-196

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A civil law cresceu com o direito civilista romano, sofreu influencia do direito

canônico e, posteriormente, dos povos bárbaros que se espalharam pelo continente europeu. Os princípios informadores desses direitos são concebidos como regras de conduta presas a noções de moral e justiça. Os sistemas jurídicos que seguem esse modelo são protagonizados pela lei codificada.

Os códigos são conjuntos de normas jurídicas sistematizadas de forma

harmônica, que disciplinam as relações intersubjetivas. O direito romano-germânico descreve, a si próprio, como ideal, independente

das outras disciplinas. As regras são comandos gerais e abstratos que tipificam condutas ideais e prescrevem punições pela sua inobservância, descrevem a forma dos negócios jurídicos e prevêem nulidades na sua falta. O prejuízo advindo da conduta alheia irregular é compensado pela reparação civil.

Os Estados Unidos, por sua vez, assimilaram os direitos da família common

law, que têm como base o modelo originado na Inglaterra (King’s Court) 12. A common law, ou direito consuetudinário, foi se formando pelo conjunto das

decisões dadas pelos juízes. Os juízes, após viajar pelo país decidindo principalmente questões de propriedade, conversavam entre si sobre suas decisões, para avaliar se as regras que faziam tinham consistência com as outras13.

Uma decisão a ser tomada num caso depende das decisões adotadas para casos

anteriores e afeta o direito a ser aplicado a casos futuros. Nesse sistema, quando não existe um precedente, os juízes possuem a autoridade para criar o direito, estabelecendo um precedente, mas essa decisão será formada de acordo com o raciocínio jurídico empregado nas decisões anteriores.

Essa família de direitos se caracteriza por ser menos abstrata do que as normas

dos sistemas de base romano-germânica. Observa-se um pensamento prático, atento mais às consequências do resultado

da decisão para a conformação das relações intersubjetivas diante de um fato imprevisto do que para a punição da desconformidade da conduta ideal e recomposição do status quo ante.

A) O PENSAMENTO ECONÔMICO NO DIREITO O pensamento jurídico econômico permeia o direito americano com

fundamento na racionalidade consequencialista das decisões judiciais; sua aplicação pragmática e eficiente.

12 Salvo o Estado da Louisiana, que, ao ser colonizado pela França, incorporou o sistema romano-germânico. [Os Estados Unidos compraram a Louisiana à França por 15 milhões de dólares em 30 de abril de 1803 (History.com: http://www.history.com/this-day-in-history/louisiana-purchase-concluded)] 13 Anotações das aulas ministradas pelo professor THOMAS GOLDEN, na Thomas Jefferson Scholl of Law, durante o Legal Education Exchange Program – Fudamentals of U.S. Law – 2011.

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Tomemos a definição de economia atrelada à eficiência na aplicação dos recursos (maximização da riqueza e do bem-estar a partir da minimização de custos sociais):

A economia é a ciência das escolhas racionais, orientada para um mundo no qual os recursos são inferiores aos desejos humanos. Nesse sentido, o homem é um maximizador de utilização racional. ... Valor, utilidade e eficiência norteiam escolhas. Quando percebemos decisões jurídicas ou métodos normativos como escolhas, do juiz ou do legislador, conclui-se que essas decisões poderiam se orientar pelos cânones de valor, utilidade e eficiência, que se distanciam de concepções de justiça, teóricas e contemplativas. Admite-se também, bem entendido, que o alcance da economia é limitado, dado que se centra em valor, utilidade e eficiência. Essa conclusão comprova que o pragmatismo é ponto comum na relação entre direito e economia. A racionalidade (instrumental e convencional) instruiria as relações entre direito e economia. A chamada habilidade para uso do raciocínio como instrumento para resolução dos problemas da vida formataria os eixos epistemológicos de uma convergência conceitual e discursiva entre direito e economia.14

A interação do Direito com a Economia busca analisar os estímulos legais no

comportamento humano, fornecendo aos juristas uma ferramenta útil para atribuir ao Direito a função de tornar eficientes as relações sociais.

Nesse sentido, a Análise Econômica do Direito é um movimento que se filia ao

consequencialismo, isto é, seus praticantes acreditam que as regras às quais nossa sociedade se submete, portanto, o direito, devem ser elaboradas, aplicadas e alteradas de acordo com suas consequencias no mundo real, e não por julgamentos de valor desprovidos de fundamentos empíricos.15

Com efeito, ao propor a utilização de postulados da Economia ao Direito, ou

seja, uma análise do fenômeno jurídico sob uma perspectiva econômica, a Análise Econômica do Direito permeia de objetividade a atividade do intérprete da norma.

O diálogo entre Direito e Economia é tão antigo quanto esta última. No século

XVIII, Adam Smith, ao estudar os efeitos econômicos decorrentes da formulação das normas jurídicas já demonstrava a importância da análise interdisciplinar. Contudo, é a partir dos anos 60 que se iniciou o desenvolvimento da área de Law and Economics, que vem se fortalecendo na pesquisa acadêmica.16

Por sua vez, a disciplina denominada Análise Econômica do Direito (AED)

teve início com BECCARIA e BENTHAM, cujas obras introduziram as noções de desincentivos comportamentais e de utilitarismo, respectivamente.17

14 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e Economia: Introdução ao Movimento Law And Economics. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1509, 19 ago. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10255> 15 GICO Jr., Ivo T. Introdução à Análise Econômica do Direito. In RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius (coord.). O Que é Análise Econômica do Direito: Uma Introdução, Belo Horizonte, Editora Fórum, 2011, p. 17-26. 16 STAJAIN, Rachel. Law and Economics. In: ZULBERSZTAJN, Decio; STAJN, Rachel (org.). Direito & Economia, Rio de Janeiro, Elsevier, 2005, p. 74-83 17 BARBOSA, Louise Maria Barros. Colisão de Princípios Jurídicos: Uma Solução pela Análise Econômica do Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2454, 21 mar. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14505> A autora fundamenta os dados nas obras de BECCARIA, Cesar. On crime and punishment. Indiana: Hackett Publishing, 1986, e BENTHAM, Jeremy. The principles of moral and legislation. New York: Prometeu Books, 1988. Cf. CARVALHO, Cristiano. A Análise Econômica do Direito Tributário. In: "Direito Tributário – Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo, Quartier Latin, 2008.

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O movimento remonta à obra de COASE intitulada The Problem of Social Cost

18 que, ao tratar da aplicação da teoria do custo-benefício na tomada de decisões jurídicas, como forma de obter uma maior eficiência na solução dos conflitos, trouxe para ao Direito a possibilidade de aplicação direta dos princípios da microeconomia. O fortalecimento desse moderno método de análise do fenômeno jurídico é concomitante ao crescimento do chamado realismo jurídico, cujo desenvolvimento é fruto do descontentamento generalizado, mormente de juristas americanos, com o mecanicismo na aplicação da lei caracterizava o positivismo jurídico dominante.19

POSNER, na sua obra Economic Analysis of Law 20 , teve o mérito de

sistematizar a aplicação dos postulados econômicos a todos os ramos do conhecimento jurídico. 21

POSNER foi o grande defensor da tese da superioridade da common law sobre

a civil law no que concerne ao critério de eficiência econômica. O autor não considera que toda doutrina ou decisão de direito consuetudinário seja eficiente, mas que, em geral, a sua evolução é mais bem explicada a partir de sua tendência a promover a eficiência econômica, o que não aconteceria no âmbito da tradição do direito codificado.22

POSNER sustenta sua tese com base nas diferenças dos processos judicial e

legislativo pelos quais as regras jurídicas são formuladas nas duas tradições. No processo jurisdicional da tradição de direito consuetudinário, pelas regras processuais, os juízes não podem conhecer ex ante as partes do litígio sub judice, sendo, por isso, difícil a manifestação de grupos de interesse no processo judicial. O mesmo não ocorre no processo legislativo pelo qual as regras jurídicas dos sistemas de direito românico são criadas, já que o processo eleitoral para a escolha dos legisladores criaria um mercado no qual eles “vendem” legislação protetiva para aqueles que os ajudaram com votos ou no financiamento da campanha. O argumento tem base na literatura da Escolha Pública (Public Choice).23

O processo legislativo, em suma, não é disciplinado como o judicial. Os

legisladores podem levar em conta as vontades de partes que serão afetadas diretamente pela legislação. Quando são os juízes que fazem as leis substantivas, as regras tendem a ser consistentes com os ditames da eficiência, pois, mesmo que os juízes sejam alheios a questões de eficiência, tenderão a basear suas decisões em intuições econômicas.24

Em Análise Econômica do Direito, POSNER afirma que apesar dos campos do

direito terem sua própria história, vocabulário e regras específicas, na common law tudo pode ser reiniciado em termos econômicos que explicam as principais doutrinas, tanto substantivas como corretivas. As doutrinas de cada campo formariam um sistema que induz as pessoas a se comportarem de maneira eficiente, não apenas em mercados explícitos, mas em toda gama de interações sociais.

18 COASE, Ronald. 1960. Prêmio Nobel de Economia em 1991. 19 SALZBERGER, Eli M. apud BARBOSA, Louise Maria Barros. op. cit. 20 1993. 21 BARBOSA, Louise Maria Barros. op. cit. 22 SZTAJN, Rachel e GORGA, Érica. op. cit. 23 Ibid. 24 Ibid.

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Nas situações em que o custo de transações voluntárias é baixo, como a

negociação em torno da propriedade, por exemplo, a common law cria incentivos para as pessoas transacionarem, criando direitos de propriedade e de proteção para prevenir transferências coercitivas; remédios como injunções, direito de restituição, punição de danos e punição criminal. Nesse sentido, há maximização do valor da propriedade pelos direitos de proteção conferidos.

Nas situações em que o custo transacional é proibitivamente alto, como quando

falamos de danos corporais, o preço do comportamento imita o mercado. A negligência é coibida com a punição dos danos causados pelo comportamento culposo.

Desse modo, explica POSNER, a análise econômica não se aplica apenas

dentro dos campos do direito da common law, mas entre eles. Assim, quase todos os problemas de danos (torts) podem ser resolvidos como um problema contratual, verificando-se se as pessoas envolvidas no acidente adoraram, com relação às medidas de segurança, a postura que seria acordada caso um acordo fosse possível.

Da mesma forma, quase todo problema contratual pode ser resolvido com um

problema de dano (tort problem), verificando se a sanção é necessária para se impedir a conduta socialmente negligente, como obter vantagem da vulnerabilidade alheia por quebra do contrato para negociação do objeto com outra parte.

Bem assim, problemas de danos e contratuais podem ser emoldurados nos

contornos do direito de propriedade. Por exemplo, a lei de negligência pode ser tomada por empréstimo para se definir o direito de termos segurança pessoal em nossos corpos físicos, contra ferimentos acidentais. A definição de direito de propriedade poderia, dessa forma, ser vista como um processo de descobrir que medidas as partes concordaram em ter, a fim de criar incentivos para evitar desperdício de recursos valorados.

Nessa seara, a common law configura um corpo unificado de doutrinas,

informado pelas mesmas políticas fundamentais, então se espera que casos similares sejam decididos na mesma forma, ainda que surjam em diferentes campos jurídicos.

Dessa arte, segundo POSNER, a common law é economicamente sensível por

senso comum. As atividades doutrinárias em termos econômicos, apesar de estarem além da capacidade dos juízes e advogados, seriam intuitivamente sentidos. O que Adam Smith se referiu como riqueza da nação, o que designamos por eficiência e o que um leigo pode chamar de “fatia da torta”, sempre tem importante valor social. Daí não é surpresa que integre as decisões judiciais. Valores sociais concorrentes, todavia, são controversos e mais difíceis de serem efetivados do que permitem as ferramentas à disposição dos juízes. Valores sociais tem a ver com idéias sobre justiça, distribuição de renda e riquezas, onde nenhum consenso é formado25.

POSNER explica que, tendo em vista que efetivas políticas redistributivas

requerem taxações e poderes de ordenação de despesas que os juízes não têm e, ainda, que os

25 POSNER, Richard A. op. cit. p.249-253. Tradução livre.

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juízes não podem alterar os pedaços da torta que os vários grupos da sociedade têm, eles se concentram em aumentar o tamanho da torta. Os doutrinadores tradicionais da common law não defendem que os juízes devem “negociar” com metas sociais, eles pensam que os juízes devem aplicar os princípios de justiça, mas a inspeção desses princípios normalmente revela uma característica funcional ou instrumental: ser, de fato, uma versão de eficiência e política redistributiva26.

Com efeito, a fruição dos direitos fundamentais depende que o país tenha

recursos econômicos para efetivar os investimentos necessários ao desenvolvimento das diversas áreas sociais. De nada adianta o indivíduo ter direito à habitação se não possui meios de adquiri-la; ter direito à saúde se o esgotamento da rede médico-hospitalar é ineficiente para atendê-lo a tempo e modo necessários; ter direito à educação se esta é insuficiente para prepará-lo para o mercado de trabalho e etc.

A eficiência é altamente controvertida quando vista como único valor que as

instituições públicas sociais devem perseguir, mas muito menos controvertida quando vista como apenas um dos valores a ser perseguido.

A análise econômica do direito visa identificar a lógica e os efeitos econômicos

das doutrinas e instituições e orienta juízes e outros definidores de políticas públicas sobre os métodos mais eficientes de regular condutas por meio do direito.

[...] Explorando os avanços na economia de comportamento extramercado, a análise econômica do direito se expandiu muito além de seu foco original em defesa da concorrência, tributação, normatização de serviços públicos, finanças empresariais e outras áreas de normatização explicitamente econômica; enquanto, dentro desse universo, ela se expandiu para incluir áreas como direito das coisas e direito contratual, direito previdenciário, transações garantidas e direito falimentar e, notadamente, direito de propriedade intelectual, uma área em especial, com rápido crescimento e significado econômico. A “nova” análise econômica do direito inclui áreas do direito que são extramercado ou quase extramercado, como responsabilidade civil, direito de família, direito penal, liberdade de expressão, processo e prova, legislação, direito internacional público, direito da privacidade, as normas que regem o processo de julgamento e recurso, direito ambiental, o processo administrativo, a regulamentação de saúde e segurança, as leis que proíbem a discriminação no trabalho e normas sociais vistas como fontes, obstáculos e substitutas do direito formal. Também inclui o estudo das principais instituições jurídicas, incluindo o juiz e o júri, agências reguladoras e membros do poder legislativo. Os economistas são amplamente solicitados a atuar como peritos em áreas como a normatização da defesa da concorrência e garantias, bem como em todos os tipos de caso – lesão pessoal ou casos comerciais – em que é preciso calcular indenização ou outra forma de reparação aplicável. Embora a análise econômica do direito tenha o seu maior impacto prático nas áreas de normatização econômica explícita, como normatização de defesa da concorrência e serviços públicos, na qual analistas econômicos sempre desempenharam um papel significativo na condução do direito americano em direção a um livre mercado, cada vez mais sua marca se faz sentir em outras áreas do direito, como o direito ambiental; em que os direitos negociáveis de emissão são um marco da abordagem econômica em relação ao meio ambiente; o direito do domínio iminente, no qual a crescente preocupação judicial com desapropriações “reguladoras” traz a

26 Ibid.

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característica dos analistas econômicos do direito; e o direito do divórcio, em que as percepções feminista e econômica se uniram para enfatizar a dimensão econômica da produção doméstica, resultando na adoção de novos métodos para dividir o patrimônio e calcular alimentos em casos de divórcio pelos tribunais. No entanto, os recentes escândalos financeiros nos Estados Unidos deverão redirecionar o foco da análise econômica do direito para uma de suas preocupações essenciais, o problema dos “custos de representação” no domínio corporativo, isto é, o problema de alinhar os incentivos de gerentes corporativos com os de proprietários dispersos da empresa, os acionistas, que podem ter pouco incentivo ou informações para monitorar o comportamento de seus representantes (nominais), os gerentes.27

Pois bem, a Análise Econômica do Direito encontra campo mais fértil no

campo da common law do que no campo da civil law, devido à tradição de concepção jurídica que se desenvolveu naquela cultura, bem como em virtude da multidisciplinaridade que ela promove, muito menos idealizada e sistematizada do que a codificação romano-germânica.

Além disso, nos Estados Unidos, cada uma das principais faculdades de direito

tem um ou mais economistas com PhD em seu corpo docente; fora isso os professores nos cursos normais de direito frequentemente incluem a perspectiva econômica em sua disciplina. A maioria dos juízes federais e muitos estaduais dos Estados Unidos frequentaram programas de treinamento sobre a Análise Econômica do Direito. Muitos juízes federais de segunda instância (dentre os quais se encontram Guido Calabresi, Frank Easterbrook, Douglas Ginsburg, Stephen Williams, Ralph Winter e Richard Posner) e um juiz da Suprema Corte (Stephen Breyer) foram especialistas em Direito e Economia.28

Anthony Kronman, reitor da Faculdade de Direito de Yale, um crítico do

movimento de Direito e Economia, ainda assim o define como “uma enorme força animadora do pensamento jurídico americano” e diz que “continua a ser a escola mais influente da ciência do direito neste país”.29

B) AS TRANSAÇÕES Por sua vez, o procedimento judicial que se desenvolve nos Estados Unidos

oferece inúmeras oportunidades de transação. Os juízes não se cansam de fomentar as partes aos mais diversos tipos de soluções para a contenda. A composição assume contornos que buscam favorecem a atividade econômica do autor e do réu muito além do que prevê o sistema codificado da simples reparação ou compensação ou recomposição do status quo ante. As possibilidades que as partes possuem de promover o seu empreendimento são inúmeras. Há transação penal e transação tributária.

Todo esse mar de oportunidades deságua em um oceano de eficiência. O

direito se torna uma ferramenta de construção das relações produtivas. Trata-se da maximização racional, do pensamento econômico do direito,

efetivado pelas partes. Com foco da solução da contenda em benefício de suas atividades econômicas e sociais, as partes buscam soluções que vão muito além do ofício judicante.

27 POSNER, Richard A. Direito e Economia na Common law, Civil law e Nações em Desenvolvimento. Tradução de ARNOLD, Carla. Revistas da Faculdade de Direito Uniritter, Porto Alegre, 2009. n. 10, p. 119-136. 28 POSNER, Richard A., 2009. op. cit. 29 Ibid.

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A título ilustrativo, traz-se à colação um exemplo utilizado por COASE quando

trata do problema do custo social:

Vamos reconsiderar, primeiramente, o caso Sturges v. Bridgman, que utilizei como ilustração do problema geral no meu artigo sobre a “Federal Communications Commision”. Neste caso, um confeiteiro (na Rua Wigmore) usava dois almofarizes e pilões para a realização do seu trabalho (um estava em operação na mesma posição por mais de 60 anos e o outro por mais de 26 anos). Um médico, então, veio a ocupar instalações vizinhas (na Rua Wimpole). O maquinário do confeiteiro não causava mal ao médico, até que, oito anos depois de ter ocupado pela primeira vez suas instalações, ele construiu uma sala para consultas no final do seu jardim, colada à cozinha do confeiteiro. Foi então que se descobriu que o ruído e a vibração causados pelo maquinário do confeiteiro criavam dificuldades para que o médico utilizasse sua nova sala de consultas. “Particularmente... o barulho impedia que ele examinasse seus pacientes com doenças no peito por auscultação. Ele também se viu impossibilitado de envolver-se, com efeito, em qualquer atividade que requeresse atenção e raciocínio”. O médico, portanto, ajuizou uma ação para forçar o confeiteiro a parar de usar seu maquinário. O julgador teve pouca dificuldade em garantir ao médico a ordem judicial que ele buscava. “Casos individuais de sofrimento podem ocorrer na estrita realização do princípio com base no qual fundamentamos nosso julgamento, mas a negação do princípio levaria a um maior sofrimento individual, e produziria, ao mesmo tempo, um efeito prejudicial para o desenvolvimento de áreas com fins residenciais”. A decisão do tribunal estabeleceu que o médico tinha o direito de impedir que o confeiteiro usasse seu maquinário. Mas, é claro, teria sido possível modificar a solução vislumbrada pela decisão judicial por meio de uma barganha entre as partes. O médico estaria disposto a renunciar ao seu direito e permitir que o maquinário continuasse em funcionamento se o confeiteiro lhe pagasse uma soma de dinheiro que fosse maior que a perda de renda que ele sofreria por ter que se mudar para um local mais caro ou menos conveniente, ou por ter que restringir suas atividades naquele local, ou, como foi sugerido como possibilidade, por ter que construir uma outra parede que abafaria o ruído e a vibração. O confeiteiro estaria disposto a fazer isto se a quantia que ele tivesse que pagar ao médico fosse menor que a queda na renda que ele sofreria se tivesse que mudar seu modo de operação naquele local, encerrar seu funcionamento ou mudar sua confeitaria para outra localidade. A solução do problema depende, essencialmente, de se saber se o uso contínuo do maquinário acrescenta mais à renda do confeiteiro do que diminui da renda do médico. Porém, considere agora a situação se o vencedor do caso tivesse sido o confeiteiro. O confeiteiro, então, teria obtido o direito de continuar usando maquinário ruidoso e gerador de vibração sem ter que pagar qualquer coisa ao médico. A situação se inverteria: o médico teria que pagar ao confeiteiro para dissuadi-lo a parar de usar o maquinário. Se a renda do médico tivesse caído mais com a continuidade do uso do maquinário do que o montante acrescentado à renda do confeiteiro, haveria, claramente, espaço para uma barganha na qual o médico pagaria ao confeiteiro para que parasse de usar seu maquinário. Ou seja, as circunstâncias nas quais não valeria a pena ao confeiteiro continuar usando o maquinário e compensar o médico pelas perdas que isto acarretaria (se o médico tivesse o direito de impedir o uso do maquinário pelo confeiteiro) seriam aquelas nas quais o médico teria interesse em fazer o pagamento ao confeiteiro e, assim, persuadi-lo a não continuar com o uso do maquinário (se o confeiteiro tivesse o direito de usar o maquinário). As condições básicas neste caso são exatamente as mesmas do exemplo do gado que destruía plantações. Com transações de mercado sem custos, as decisões dos tribunais a respeito da responsabilização pelos prejuízos não teriam efeito na alocação dos recursos. É claro que a visão dos juízes era a de que eles estavam afetando o funcionamento do sistema econômico – e numa direção desejável. Qualquer outra decisão teria tido

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“um efeito prejudicial no desenvolvimento de áreas para fins residenciais”, um argumento que foi elaborado ao se examinar o exemplo de uma fundição operando em uma área de terra estéril que, posteriormente, foi desenvolvida para outros propósitos. A visão dos juízes de que estavam estabelecendo como as terras deveriam ser usadas somente seria verdade no caso no qual os custos de transação para se realizar uma operação no mercado excedessem o ganho que poderia ser alcançado por qualquer realocação de direitos. E seria desejável preservar as áreas (Rua Wimpole ou a área de terra estéril) para uso residencial ou profissional (ao dar a usuários não industriais o direito de, por ordem judicial, fazer cessar os ruído, vibrações, a fumaça, etc.) apenas se o valor obtido das instalações residenciais adicionais fosse maior que o valor das perdas relativas a bolos e ferro. Mas isto os juízes parecem desconhecer. 30

Uma vez que o custo judicial de exercer um direito (de usar um fator de

produção) é sempre a perda sofrida em outro lugar em conseqüência do exercício desse direito, a transação promove um contexto no qual são levados em conta os custos envolvidos para operar os vários arranjos sociais (seja o trabalho de um mercado ou de um departamento de governo), o que projeta um efeito total de ganho para o sistema econômico em geral.

C) STARE DECISIS Stare decisis é o reflexo da common law que lhe dá unidade. Está no cerne do

sistema como o princípio que confere coesão à doutrina. Peter Collin31 assim define a doutrina do stare decisis: “Latin phrase meaning

‘stand by preceding decisions’: principle that courts must abide by precedents set by judgments made in higher courts”. 32

Trata-se da vinculação ao precedente estabelecido, que será obrigatória

(mandatory law) apenas dentro de cada jurisdição. Porém a decisão de outra jurisdição ainda assim exercerá sua influência nos casos futuros de forma persuasiva (persuasive law)33.

Desse modo, uma decisão judicial afeta os julgamentos dos demais casos

semelhantes em maior ou menor grau, compreendendo-se por caso semelhante aquele cujos fatos não lhe imprimem diferença substancial.

Condensa o desejo por consistência, justiça e previsão das decisões judiciais.

Se o indivíduo se comporta de determinada maneira, sabe que conseqüências seu comportamento deve causar. Isso significa que se uma Corte julga um caso de determinada forma, quando estiver diante de outro caso semelhante, julgará da mesma forma.34

30 COASE, Ronald. The Problem of Social Cost. New Haven: Journal of Law and Economics and Organization, Vol. 4, n. 1, 1988. 31 Citado por BRITO, Jaime Domingues e OLIVEIRA, Flávio Luis. A convergência do sistema da civil law ao da common law e a concretização de direitos. (Unitoledo.br: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/INTERTEMAS/article/viewFile/2616/2405) 32 “Frase latina que significa ‘cumpra as decisões precedentes’: princípio que as cortes devem ser fiéis aos precedentes estabelecidos pelos julgamentos proferidos pelas cortes superiores.” (Tradução de BRITO, Jaime Domingues e OLIVEIRA, Flávio Luis). 33 Anotações das aulas ministradas pelo professor THOMAS GOLDEN, na Thomas Jefferson Scholl of Law, durante o Legal Education Exchange Program – Fudamentals of U.S. Law – 2011 34 Idem

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BRITO, Jaime Domingues e OLIVEIRA, Flávio Luis35 identificam e, assim resumem, as seguintes aspectos acerca do uso do precedente oriundo da doutrina do stare decisis:

a) o uso do precedente é um dos atributos notáveis do direito americano e fornece base para estudantes de direito, advogados, professores, juízes e promotores saberem o que a Corte entende em relação a um determinado caso; b) os precedentes nos Estados Unidos não estão gravados ou escritos em pedra, podendo, portanto, mudarem quando houver alteração legislativa ou quando o tempo, a cultura e a filosofia jurídica o requererem; c) a utilização da doutrina para outros sistemas requer reavaliação do método de ensino jurídico adotado, sendo, também, necessária a devida adaptação dos profissionais do direito ao sistema; d) a publicação das decisões precisa ser acurada e ficar rapidamente pronta e facilmente utilizável, com índices e detalhes completos em torno dos julgamentos, a fim de se poder, realmente, fazer a comparação e se verificar se existe analogia entre o precedente e o caso concreto a ser resolvido; e e) tomadas as devidas precauções, a utilização do precedente vinculante cumpre o seu papel de proporcionar segurança jurídica e isonomia, além de tornar mais rápida e efetiva a prestação jurisdicional.

Evidencia-se o sentimento de justiça que advém da regra de se aplicar o mesmo

entendimento jurídico para situações fáticas iguais. Trata-se da efetivação do princípio da isonomia. O aspecto conexo, mas não menos importante, é a previsibilidade da reação do direito, em grande parte do seu espectro de aplicação, para o comportamento que o indivíduo, a empresa ou ente público pretende adotar.

A previsibilidade fornecida pela stare decisis é judicialmente eficiente, pois a

invocação do precedente diminui a duração do processo e a instabilidade do direito. No momento da assinatura contratual, por exemplo, pode-se ter uma razoável

predição de quanto o rompimento da prestação contratada vai custar à parte contratante. Se não pelos parâmetros relativamente previsíveis de fixação de quantias indenizatórias nos casos de quebras contratuais e responsabilidades civis incidentes (torts), pela presteza do processo de execução. Diminuem-se as possibilidades de surpresa com relação à interpretação dos efeitos de quebra para as cláusulas contratuais e, ainda, com relação à época de recebimento do crédito executado. A partir daí projeta-se o custo do crédito de uma forma mais próxima a real.

Nesse contexto, incentiva-se o crédito, a negociação e o investimento na

produção e no comércio. Na contramão da stare decisis está a imprevisibilidade judicial, que atinge

graus elevadíssimos em nosso país36. A incerteza jurisdicional implica necessariamente na incerteza da satisfação do crédito, o que leva os credores a projetarem suas perdas em valores maximizados, aumentando os juros de empréstimo muito além do que se mostra necessário na atualidade.

35 BRITO, Jaime Domingues e OLIVEIRA, Flávio Luis. Op. Cit. 36 Para exemplificar, tomamos o exemplo dos honorários sucumbenciais, para o qual não conseguimos visualizar qualquer padrão dos nossos Tribunais: duas empresas de porte equivalente, em litígio com a Fazenda Pública, questionando lançamentos tributários de igual valor, sustentando a mesma tese e com fundamento nas mesmas razões de direito, podem sucumbir no objeto, sendo a primeira condenada em verba advocatícia milionária e a segunda em verba irrisória.

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Não é difícil perceber que, quanto maior o juros, mais atraente o mercado

financeiro como investimento e menos atraente a atividade produtiva. Daí porque a previsibilidade jurisdicional promove o ganho econômico no país.

CONCLUSÃO Verifica-se que a tradição americana na análise econômica do direito é um

eficiente fator jurisdicional, uma vez que a construção normativa é mais bem empregada quando não se perde o foco das suas conseqüências práticas.

Outrossim, a questão do incentivo à transação é relevante tema para a

conformação social, pois, diante de um fato imprevisto, promove a negociação de arranjos rentáveis para ambas as partes, e, portanto, para o sistema econômico como um todo. Arranjos esses que não são previstos pelas normas gerais e, portanto, não podem ser impostos pelos juízes; muitas vezes atrelados ao sistema de compensação de perdas.

De outro ângulo, o instituto da stare decisis é outro importante instrumento de

eficiência, tendo em vista que a incerteza jurisdicional, além de comprometer a justiça, abala o crédito tanto dentro do país como no cenário internacional.

No Brasil, a compreensão da relação entre justiça e eficiência vai se tornando

cada vez mais premente. A agenda microeconômica adotada pelo Governo Federal revela a importância do programa de pesquisa da interdisciplinaridade em Direito e Economia no contexto do desenvolvimento do país. Reformas institucionais associadas à Lei de Falências, Reforma do Judiciário, respeito a contratos, dentre outros temas, formam o alicerce sem o qual dificilmente teremos a tão decantada sustentabilidade do desenvolvimento brasileiro. 37

Embora a eficiência não possa ser considerada o único fator a ser perseguido

no ordenamento jurídico, deve integrar o Direito, vez que o desenvolvimento nacional é um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a teor do artigo 3º da Constituição da Republica.

6. BIBLIOGRAFIA BARBOSA, Louise Maria Barros. Colisão de Princípios Jurídicos: Uma Solução pela Análise Econômica do Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2454, 21 mar. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14505> CASTRO, Marcus Faro de. Direito, Tributação e Economia no Brasil: Aportes da Análise Jurídica da Política Econômica. Brasília: Revista da PGFN, Vol. 1, n. 2, julho 2011. CASTRO, Marcus Faro de. Análise Jurídica da Política Econômica. Brasília: Revista da Procuradoria-Geral do Banco Central, Vol. 3, n. 1, junho 2009.

37 FARINA, Elizabeth M.M.Q. Prefácio. In: ZULBERSZTAJN, Decio; STAJN, Rachel (org.). Direito & Economia, Rio de Janeiro, Elsevier, 2005.

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COASE, Ronald. The Problem of Social Cost. New Haven: Journal of Law and Economics and Organization, Vol. 4, n. 1, 1988. COOTER, Robert. Direito & Economia. Porto Alegre: Bookman, 2010. FARINA, Elizabeth M.M.Q. Prefácio. In: ZULBERSZTAJN, Decio; STAJN, Rachel (orgs.). Direito & Economia, Rio de Janeiro, Elsevier, 2005. FAUVARQUE-COSSON, Bénédicte; KERHUEL, Anne-Julia O Direito é uma Disputa Econômica? As Reações Francesas ao Relatório Doing Business do Banco Mundial e à Análise Econômica do Direito. Publicado originalmente com o título Is Law an Economic Contest? French Reactions to the Doing Business World Bank Reports and Economic Analysis of the Law in: Georgetown Law and Economics Research Paper n.10-10, Junho de 2010. Disponível em: http://scholarship.law.georgetown.edu/facpub/372. Traduzido para a língua portuguesa, com a permissão expressa das autoras, por Rafael A. F. Zanatta. Disponível em: <http://usp-br.academia.edu/RafaelZanatta/Papers/436346> GICO Jr., Ivo T. Introdução à Análise Econômica do Direito. In: RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius (orgs). O Que é Análise Econômica do Direito: Uma Introdução. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e Economia: Introdução ao Movimento Law and Economics. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1509, 19 ago. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10255> GUIMARÃES, Lucas Noura de Moraes Rêgo. Common Law, Civil Law e Análise Econômica do Direito. In Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/ arquivos/Anais/sao_paulo/2109.pdf> POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. New York: Aspen Publishers, 2003. POSNER, Richard A. Direito e Economia na Common law, Civil law e Nações em Desenvolvimento. Tradução de ARNOLD, Carla. Porto Alegre: Revistas da Faculdade de Direito Uniritter, n. 10, 2009. SANTOS, Alvaro. The World Bank’s Uses of the “Rule of Law” Promise in Economic

Development. TRUBEK, David M.; SANTOS, Alvaro (orgs.) The New Law and Economic Development. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. SALAMA, Bruno M. O Que é Pesquisa em Direito e Economia? São Paulo: Cadernos de Direito GV, Caderno 22, Vol. 5, n. 2, março 2008. STAJAIN, Rachel. Law and Economics. In: ZULBERSZTAJN, Decio; STAJN, Rachel (orgs.). Direito & Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. STAJAIN, Rachel e GORGA, Érica. Tradições do Direito. In: ZULBERSZTAJN, Decio; STAJN, Rachel (orgs.). Direito & Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

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A INEXIGIBILIDADE DO EXAME DE SIMILARIDADE NA IMPORTAÇÃO POR ENTE DA

FEDERAÇÃO

Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho Professor de Direito Financeiro e de Direito Tributário do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília – UCB.

Procurador da Fazenda Nacional. Consultor da União

Palavras-chave: Licença de importação. Imunidade tributária. Isenção. Imposto sobre importação.

Sumário: 1 Histórico - 2 A interpretação do art. 17 do DL nº 37/1966 - Imunidade versus apuração de similaridade e isenção - 3 Conclusão

1 Histórico

Neste artigo será analisada a juridicidade do ato inicial do Departamento de Operações do Comércio Exterior (Decex), órgão da Secretaria do Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que indeferiu pedidos de licenças de importação (L. I.), formulado por ente imune - o Estado do Ceará - de trens e composições, para servirem como meio de transporte do metrô de Fortaleza, em construção, mesmo tendo ocorrido duas licitações públicas, nas quais não se interessaram de participar empresas brasileiras, sob a alegação da falta, para o gozo da isenção do imposto de importação, do exame da similaridade, como condiciona o artigo 17 do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, bem como a fundamentação da decisão em recurso administrativo, que deferiu a tal pretensão do Estado cearense, com a consequente emissão das licenças de importação dos trens importados.

Cumpre avivar que a importação de bens, máquinas e equipamentos, em

decorrência da legislação aplicável, em especial o regime aduaneiro, impõe, por ocasião de seu ingresso no país, a realização do exame de similaridade, e quando constatado a existência de similar nacional - nas condições de preço, prazo e qualidade - o ingresso do bem deve ser precedido do pagamento do imposto de importação (I. I.).

O Estado do Ceará, visando à aquisição de trens e composições para o

transporte de passageiros do metrô da cidade de Fortaleza, realizou licitação nacional, para a qual não acudiram interessados, procedimento que foi seguido de outro certame, este internacional, oportunidade em que somente uma empresa italiana apresentou propostas e logrou a assinatura do contrato para o fornecimento dos equipamentos.

Transcorridos dois anos, ocorrera a entrega de duas composições de

equipamentos ferroviários, no total de vinte contratadas, sendo que a interpretação, da área técnica responsável, concluiu pela necessidade do exame da similaridade, procedimento que provocou, administrativamente, o inconformismo e o recurso do Estado do Ceará, que alegou o implícito desinteresse dos fornecedores nacionais, que não participaram dos dois certames licitatórios. Ademais, o Estado, como ente da Federação, em decorrência da imunidade recíproca, diante da interpretação do Decex e da própria Consultoria Jurídica do MDIC, não

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poderia promover o pagamento do imposto de importação e, com isso, seria impedido do ingresso dos equipamentos.

Com base na argumentação supra destacada, o Departamento de Operações do

Comércio Exterior (Decex), indeferiu, com fundamento nos artigos 118, 193 e seguintes, do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 (Regulamento Aduaneiro - RA/2009), pedidos de licenças de importação, formulados pelo Estado cearense, para a liberação e ingressos dos equipamentos ferroviários - dois Trens Unidades Elétrica (TUE), no total de vinte, adquiridos de fornecedor italiano, vencedor de licitação ocorrida, que, conforme afirmado no Parecer Jurídico nº 0653-1.5.1/2010/FC/CONJUR/MDIC, atendeu a todas as condições consignadas no respectivo edital.

Irresignado, o Estado cearense interpôs recurso administrativo, o que levou a

Consultoria Jurídica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior a emitir o Parecer nº 0653-1.5.1/2010/FC/CONJUR/MDIC, de 26 de agosto de 2010, da lavra do Consultor Jurídico Dr. Francisco Moreira da Cruz Filho, no qual pondera que, diante da realização de duas licitações, sem que os fornecedores nacionais tivessem manifestado interesse de participar dos certames, o que gerou a implícita concepção da desnecessidade, por parte do Estado do Ceará, da apuração da similaridade, e tendo em vista atos juridicamente perfeitos e o princípio da supremacia do interesse público, que estaria seriamente comprometido, se houvesse o Estado do Ceará de devolver os trens e composições importados e pagar a correspondente indenização pelo descumprimento total do contrato, deduziu que o deferimento dos pedidos de licenças de importação não descumpre, pela realidade apresentada, a legislação aplicável, ou seja, concluiu o referido parecer pelo firme convencimento da legitimidade da expedição das licenças de importação, permitindo, assim, o ingresso dos trens, ora aguardando desembaraço do porto cearense de Pecém.

O recurso, formulado pelo aludido ente da Federação, foi, enfim, deferido, pelo

Titular da Pasta Ministerial do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com supedâneo no parecer da Consultoria Jurídica do MDIC, e com a consequente e imediata emissão das licenças de importação dos trens importados diante da realidade fática apresentada no caso concreto.

O escopo deste artigo doutrinário é contribuir para assentar a adequada

interpretação da norma do artigo do Decreto-Lei nº 37/1966.

2 A interpretação do art. 17 do DL nº 37/1966 - Imunidade versus apuração de similaridade e isenção

A tese apresentada pelo parecer da Consultoria Jurídica do Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, adotada em recurso pelo Ministro do MDIC, embora não esgote todos os argumentos cabíveis à espécie, já é suficiente para demonstrar a injuridicidade do anterior ato administrativo denegatório da expedição das licenças de importação, senão vejamos a transcrição dos seus trechos:

O Estado do Ceará, por meio da Secretaria da Infraestrutura - Seinfra, órgão estadual da administração direta, interpõe recurso administrativo contra decisão do Departamento de Operações de Comércio Exterior - Decex, órgão fracionário da

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Secretaria de Comércio Exterior - Secex, deste Ministério, que indeferiu pedidos de Licenças de Importação, para ingresso de trens adquiridos de fornecedor italiano. Assinala, no recurso apresentado, que o ingresso desses equipamentos, compreendendo 02 (dois) Trens Unidades Elétrica - TUE, no total de 20 (vinte), cujas entregas futuras ocorrerão no prazo de mais dois anos, decorre de licitação realizada, quando foi proclamado vencedor empresa italiana, que atendeu a todas as condições consignadas no edital. Aponta que realizou licitação nacional, cumprindo todos os requisitos legalmente exigidos, referentes à publicidade dos atos, conforme determina a lei de licitações, entretanto não compareceram interessados ao certame, configurando - como deserto - o procedimento licitatório instaurado. Novo procedimento foi promovido, dessa feita de caráter internacional, ocasião em que empresa italiana apresentou proposta e, diante do atendimento de todas as condições estabelecidas no edital de concorrência, foi proclamada vencedora do certame. Sendo novamente assinalado, pelo recorrente, a ausência de qualquer proposta de empresa nacional. Firmado o contrato administrativo, decorrente de regular licitação realizada, com a empresa habilitada no certame licitatório realizado, atendendo todas as exigências legais aplicáveis, especialmente a publicidade, ao ser concluída a primeira etapa do ajuste com a entrega dos trens, pelo fornecedor italiano, providenciou o Estado, a expedição de licença de importação, para ingresso dos equipamentos no país. Reafirma, em diversos pontos do recurso administrativo interposto, que a ausência de participação de empresa nacional - em duas oportunidades - ou seja, nos certames licitatórios realizados, configuraria a impossibilidade de atendimento referente a prazo ou atendimento de exigência contemplada no edital. Menciona a condição de ente federativo, portanto aplicável - na hipótese - a imunidade recíproca, constitucionalmente assegurada, o que impediria a exigência de pagamento do I. I. Assevera que o princípio da supremacia do interesse público, diante da relevância social do empreendimento, representada pela implantação de transporte urbano moderno e eficiente, para atendimento à população, não pode - nesta oportunidade - esbarrar em exigência que possa favorecer empresa nacional que foi convocada em procedimento licitatório, desimpedido de exigências limitativas, pudesse estabelecer, depois de todos os atos realizados, a possibilidade de empresa nacional fornecer, para o Estado, os equipamentos, providencia que implicaria instauração de novo procedimento de licitação, bem assim o desfazimento do contrato regularmente celebrado com a empresa estrangeira. Por fim, assegura que as licitações realizadas, providência impositiva para qualquer contratação realizada pelo Estado, obedeceu regular procedimento, ocasião em que a empresa nacional não compareceu - medida configuradora de impossibilidade de atendimento, no momento, de fornecimento do produto, nas condições, à época, estabelecida - não permitiria, nesta oportunidade, estabelecer mecanismo reverso de consulta que resultaria, de toda prova, impossível de concretização, pelos fatos e condições que assinalou. Solicita, por derradeiro, o provimento do recurso e a expedição da L. I. solicitada, para que ocorra o desembaraço dos equipamentos, que estão no Porto de Pecém, Ceará. Este, em breve síntese, o relatório, passo ao exame da matéria. O Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, que dispõe sobre o imposto de importação e reorganiza os serviços aduaneiros, estabelece a obrigatoriedade da exigência de exame de similaridade, bem assim as hipóteses em que ocorrerá o afastamento da exigência, conforme segue:

Art. 17 - A isenção do imposto de importação somente beneficia produto sem similar nacional, em condições de substituir o importado. Parágrafo único. Excluem-se do disposto neste artigo: I - Os casos previstos no artigo 13 e nos incisos IV a VIII do artigo 15 deste decreto-lei e no artigo 4º da Lei n. 3.244, de 14 de agosto de 1957; II - as partes, peças, acessórios, ferramentas e utensílios:

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a) que, em quantidade normal, acompanham o aparelho, instrumento, máquina ou equipamento; b) destinados, exclusivamente, na forma do regulamento, ao reparo ou manu-tenção de aparelho, instrumento, máquina ou equipamento de procedência estrangeira, instalado ou em funcionamento no país. III - Os casos de importações resultando de concorrência com financiamento internacional superior a 15 (quinze) anos, em que tiver sido assegurada a par-ticipação da indústria nacional com uma margem de proteção não inferior a 15% (quinze por cento) sobre o preço CIF, porto de desembarque brasileiro, de equipamento estrangeiro oferecido de acordo com as normas que regulam a matéria. IV - (Revogado pelo Decreto-Lei nº 2.433, de 1988). V - bens doados, destinados a fins culturais, científicos e assistenciais, desde que os beneficiários sejam entidades sem fins lucrativos. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003) O diploma supramencionado também estabelece os critérios que nortearão o julgamento da similaridade, conforme descrito no art. 18, cujo trecho de interesse transcrevo: Art. 18 - O Conselho de Política Aduaneira formulará critérios, gerais ou específicos, para julgamento da similaridade, à vista das condições de oferta do produto nacional, e observadas as seguintes normas básicas: I - Preço não superior ao custo de importação em cruzeiros do similar estrangeiro, calculado com base no preço normal, acrescido dos tributos que incidem sobre a importação, e de outros encargos de efetivo equivalente; II - prazo de entrega normal ou corrente para o mesmo tipo de mercadoria; III - qualidade equivalente e especificações adequadas...

Portanto, o ingresso no país de produto estrangeiro, em decorrência das disposições constantes do regulamento normativo aplicável, impõe que seja procedida a verificação da similaridade, exame que é realizado pela Secretaria de Comércio Exterior, por meio do Decex, e regulamentado por disposições constantes do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009, especialmente quanto a condição temporal, que estabelece a sua realização antes da importação, conforme a seguir transcrito:

Art. 193. A apuração de similaridade para os fins do art. 118 será procedida em cada caso, antes da importação, pela Secretaria de Comércio Exterior, segundo as normas e os critérios estabelecidos nesta Seção...

Portanto, os procedimentos concernentes a verificação de existência de similar nacional deverá ocorrer antes da importação, possibilitando o ingresso do bem, máquina ou equipamento, sem o pagamento do I. I., ou - se for o caso - com o pagamento do referido tributo. Na hipótese, ora examinada, impressiona a existência de dois procedimentos licitatórios, com ampla divulgação, após o sempre laborioso caminho estabelecido, com a proclamação de empresa estrangeira como vencedora do certame, assinatura do contrato, e na entrega do objeto pudesse ocorrer à desconstituição de todos os atos, perfeitamente instituídos e submissos aos diplomas legais aplicáveis, pois a existência de similar nacional estaria a impor tal conduta. Ademais, neste caso, a imunidade recíproca, assegurada no art. 150, VI, "a", da Constituição Federal, impediria o pagamento do I. I., restando para o Estado o único e derradeiro caminho da restituição dos trens regularmente contratados. Sob o aspecto da ponderação das regras aplicáveis à espécie, seria razoável considerar que a ausência de participantes em certame licitatório, realizado por ente público, observando todas as determinações legais, para o qual não acodem empresas nacionais, estaria, na oportunidade, tacitamente considerado o desinteresse no fornecimento do bem, produto ou equipamento, pois o procedimento adotado, por ser cogente, não permite outro caminho para que o ente público possa celebrar contrato e adquirir, ao final, o bem pretendido. Construir raciocínio diverso levaria a impositiva condição que, embora realizada a licitação, ao final, ou seja, por ocasião da importação, quando por circunstância

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factual outra realidade fosse apresentada, estaria o ente pública compelido a desconstituir o ato jurídico formalizado sob o pálio de legislação vigente para, em decorrência dessa condição, viesse a realizar novo processo licitatório para realização de nova contratação. Não se pretende, em nenhum momento, consignar que licitação realizada dispensa o exame de similaridade, mas a ausência de propostas por eventuais fornecedores nacionais que, pela publicidade, conheceram a intenção do Estado em adquirir os bens e, por circunstâncias múltiplas, não compareceram ao certame licitatório, pudesse reverter, em quadro futuro, completamente diferente da época da licitação, o favorecimento à empresa nacional, fabricante do bem ou produto. Verifico ainda, que o princípio da realidade, usualmente invocado para descrever e enfrentar situações que se afiguram constituídas por circunstâncias que levariam à completa injustiça, seria - de todo - aplicado a este caso, tendo em vista que, se nesta oportunidade, configurada a existência de similar nacional, restaria ao Estado do Ceará, a restituição dos equipamentos, a rescisão do contrato firmado decorrente de licitação, com o pagamento concernente a todas as verbas indenizatórias. Além disso, a realização de novo procedimento licitatório poderia, como nos dois antecedentes, não ocorrer a participação de empresa nacional interessada. Os fatos, até o momento relatados, se admitidos, geram insegurança, o que não passou despercebido pelo Coordenador do Decex, ao propor a manutenção do indeferimento da expedição da L.I., constante de fls. 10: Não obstante a negligência ao diploma legal que rege as importações de interesse de entes públicos, há que se ressaltar: 1 - que as duas licitações, nacional e internacional, que objetivaram qualificar fornecedores para o Estado do Ceará foram desertas, sem qualquer interesse pela indústria doméstica; 2 - que a formalização e aquisição efetivas das litorinas ocorreram há dois anos, e duas delas já foram entregues regularmente com exigido pelo contratante; 3 - que o indeferimento do pleito de importação acarretará o descumprimento de contrato internacional de fornecimento, ocasionando embaraços internacionais de credibilidade, prejuízos pecuniários ao Ceará, bem como a interrupção de obras públicas de interesses sociais econômicos para a região. Não pode o ente público desconsiderar o Decreto 37/66, o que nos leva a propor a manutenção do indeferimento, enfatizando a necessidade de revisão das normas e procedimentos para análise de importações semelhantes ao caso em lide. Dois fatores preponderantes, no caso examinado, devem ser considerados, pois em duas oportunidades, o fornecedor nacional não demonstrou interesse em fornecer ao Estado do Ceará, que firmou contrato com empresa estrangeira, após regular processo licitatório e, ademais, como ente da Federação, emerge a imunidade tributária, como situação consequente e impeditiva para o ingresso dos equipamentos. As licitações realizadas, que tiveram a publicidade exigida, configuram fato comprobatório do desinteresse da empresa nacional para fornecimento dos equipamentos e, com isso, permitiu a celebração do contrato com a empresa estrangeira, impossibilitando - neste momento - a desconstituição dos atos decorrentes de procedimentos hígidos e legais utilizados. A aplicação literal dos dispositivos legais que regem a matéria levam ao indeferimento do pleito e a não expedição da L.I. e, com isso, a restituição, para o fornecedor, dos trens que estão no Porto de Pecém/Ceará, em Fortaleza. Entretanto, a interpretação adequada e sistematizada do arcabouço legal aplicável permite, para o caso concreto, e diante das circunstâncias apontadas para o deferimento da L. I., permitindo o ingresso dos bens, considerando que os procedimentos licitatórios, para os quais os fornecedores nacionais não acudiram, robustecem o desinteresse destes, configurando excludente de verificação, nesta oportunidade, da similaridade, pois as condições constituídas observaram rigoroso percurso exigido por diplomas legais aplicáveis, que impedem a desconstituição de atos que foram regularmente construídos.

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Forte neste convencimento, concluo pela expedição da L.I., permitindo o ingresso dos trens, ora aguardando o desembaraço, bem assim às futuras entregas que compõem o objeto do contrato, decorrente da licitação realizada.

Estamos, em parte, de acordo com a fundamentação jurídica retrotranscrita,

cabendo aduzir que vem ao encontro dela o princípio de devido processo legal material ou substancial do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República, de 1988, ou seja, o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, em combinação com os princípios constitucionais da Administração Pública da impessoalidade, da eficiência e da economicidade, esculpidos no artigo 37, "caput"; e no artigo 70, "caput", da mesma Carta Política.

Obviamente, a interpretação jurídica de normas da legislação

infraconstitucional, em baila, deve ser compatível e harmônica com os retroaludidos princípios da Constituição Federal.

No entanto, o MDIC, tanto por meio do Departamento de Operações do

Comércio Exterior (Decex), da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) quanto através de sua Consultoria Jurídica tem interpretado, em minha modesta opinião, equivocadamente o verdadeiro sentido da norma do artigo 17 do Decreto-Lei nº 37, de 1966, ao pretender que seria sempre, salvo expressas ressalvas de leis infraconstitucionais, exigido o exame da similaridade, para que o importador, quer fosse pessoa imune ou não, pudesse obter licença de importação, ou ter direito à exoneração do imposto de importação (I. I).

Ou seja, a Secex, por meio do Decex, interpreta o teor do disposto no

malsinado artigo 17 do Decreto-Lei nº 37/1966, que dispõe que "a isenção do imposto de importação somente beneficia produto sem similar nacional, em condições de substituir o importado", consideram que, na palavra "isenção", estaria compreendida ou alcançada, outrossim, a imunidade tributária.

Já a Consultoria Jurídica do MDIC, a meu ver, equivoca-se, apenas, na parte do

seu parecer que, considerando exigível o exame da similaridade, mesmo quando a importação tenha sido feita por ente não apenas isento, mas imune, afirma que a imunidade recíproca, assegurada no art. 150, VI, "a", da Constituição Federal, impediria o pagamento do I. I., restando para o Estado o único e derradeiro caminho da restituição dos trens regularmente contratados, já que não houve a demonstração da não existência de similar nacional dos trens importados.

Não é assim! Não é mesmo? Impende realçar, primeiramente, que não há norma alguma, mesmo com base

no artigo 237 da Constituição brasileira, de 1988, o qual confere competência ao Ministério da Fazenda, para fiscalizar e controlar o comércio exterior, essenciais aos interesses fazendários nacionais, que vede a importação de produtos importados sem o exame da similaridade, como, por exemplo, existe a norma do artigo 2º, "caput", do Decreto-Lei nº 666, de 2 de julho de 1969, que proíbe a importação de bens sem a utilização de navios de bandeira brasileira, dispondo que "será feita, obrigatoriamente, em navios de bandeira brasileira, respeitado o princípio da reciprocidade, o transporte de mercadorias importadas por qualquer órgão da administração pública federal, estadual e municipal, direta ou indireta, inclusive

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empresas públicas e sociedade de economia mista, bem como as importadas com quaisquer favores governamentais e, ainda, as adquiridas com financiamento total ou parcial, de estabelecimento oficial de crédito, assim também com financiamentos externos, concedidos a órgãos da administração pública federal, direta ou indireta".

O que existe é, simplesmente, a norma do artigo 17 do Decreto-Lei nº 37/1966,

que condiciona o benefício da isenção do imposto de importação - coloca como requisito para a fruição desse benefício fiscal - ao exame da similaridade entre produtos estrangeiros e nacionais.

O artigo 118 do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 - Regulamento

Aduaneiro (RA) -, com base no artigo 17 do Decreto-Lei nº 37/1966 e no artigo 2º, "caput", do Decreto-Lei nº 666, de 2 de julho de 1969, consolida as seguintes condições ou requisitos para o gozo de benefício fiscal do imposto de importação, da seguinte maneira: "Observadas as exceções previstas em lei ou neste Decreto, a isenção ou a redução do imposto somente beneficiará mercadoria sem similar nacional e transportada em navio de bandeira brasileira".

Demonstrada, no ponto que nos interessa, a não existência de produto similar

nacional, sucede a isenção, ou seja, conforme concebe a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a norma tributária incide sobre a importação, mas o pagamento do imposto de importação é dispensado.

Contrariamente, comprovando-se a existência de similar nacional, não cabe a

isenção, portanto, o importador - não imune - não estará proibido de importar; poderá importar, se assim decidir, o produto estrangeiro, mas não terá direito à dispensa do pagamento do imposto de importação, terá que pagar o tributo para promover o desembaraço aduaneiro do bem importado.

É o que estabelece o artigo 120 do Decreto nº 6.759/2009, que, com supedâneo,

nos artigos 11 e 12 do Decreto-Lei nº 37/1966; no artigo 9º, §1º, da Lei nº 4.502/1964, com a redação dada pelo artigo 37, inciso II, da Lei nº 9.532/1997; e nos artigos 10 e 11, da Lei nº 10.865/2004, preceitua que, no caso de descumprimento dos requisitos e das condições para fruição da isenção, em tela, o beneficiário ficará sujeito ao pagamento dos tributos que deixarem de ser recolhidos na importação.

Agora, se o importador for ente imune, não havendo o exame da similaridade -

apuração, aliás, dispensada em muitas hipóteses no artigo 201 do Decreto nº 6.759/2009 -, mesmo que esta pessoa for um ente da Federação, ou seja, que a importação tenha sido feita para cumprimento de elevado interesse público, ele teria, na interpretação equivocada do Decex, um inadmissível tratamento ainda mais severo do que o dispensado ao setor privado não imune a tributos, em tratamento fiscal discriminatório contra a entidade que a Constituição da República concedeu imunidade tributária, em respeito a princípio da proteção da Federação, amparado pela cláusula pétrea do artigo 60, §4º, inciso IV, da Lei Suprema, com lesão ao artigo 150, inciso II, da Constituição de 1988, e em claro descuramento ao princípio constitucional da razoabilidade e da proporcionalidade (CF/1988, art. 5º, LIV), entre outros princípios constitucionais retromencionados (CF/1988, art. 37, "caput"; art. 70, "caput").

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Isto é, sem o exame da similaridade, apuração esta, repita-se, até mesmo legalmente dispensada para outras pessoas e coisas, estaria o ente imune proibido de importar, diante da correspondente negação administrativa da emissão da licença de importação, sem norma legal expressa nesse sentido, sob o pouco refletido argumento que, ao ser imune, esta pessoa jurídica não poderia pagar, no lugar da exoneração tributária, o imposto de importação, mesmo que quisesse, pela impossibilidade, ordenada pela Lei Suprema, de incidir imposto sobre entidade imune.

Ora, até o mais ingênuo dos noviços em estudos de Direito Tributário sabe que

a imunidade tributária não pode ser confundida ou identificada com isenção. A imunidade vem da Constituição, vale dizer, de norma constitucional que

nega a competência tributária, o poder de tributar, sucede, com ela, a dispensa do próprio tributo, e não apenas do seu pagamento, isto é, veda a Lei Maior a existência de norma tributária infraconstitucional incidindo sobre determinada pessoa, coisa ou situação.

A isenção vem da lei infraconstitucional, é um favor conferido por lei, significando a dispensa do pagamento do tributo devido. Na isenção existe a norma tributária impositiva, ela incide, mas o pagamento do tributo, que de outra forma seria devido, é que fica dispensado.

Antes mesmo da edição do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966,

emergiu o artigo 2º, "caput", inciso IV, alínea "a", da Emenda Constitucional nº 18/1965 à Carta Política de 1946, que vedava à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar impostos sobre o patrimônio, renda e serviços uns dos outros.

Esta imunidade recíproca foi repetida pela Constituição de 1967, pela Emenda

Constitucional nº 1, de 1969, e pelo artigo 150, "caput", inciso VI, alínea "a", §2º e 3º, da Constituição Federal, de 1988, in verbis:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... §2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. §3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

A respeito da imunidade tributária recíproca do art. 150, "caput", inciso VI, alínea "a", da Constituição brasileira, de 1988, escrevi (SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Em artigo intitulado "Imunidade recíproca e ECT". Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT, n. 26, Belo Horizonte, referente aos meses de março e abril de 2007, p. 19 a 54):

A imunidade aqui visa a proteger a Federação, como forma de garantir a isonomia entre as pessoas estatais, como também a solidariedade e o respeito mútuo, e a própria autonomia dos entes da Federação - the power to tax is the power to destroy, cabendo destacar que a forma federativa de Estado está amparada pela cláusula

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pétrea do inciso I do §4º do art. 60, da Constituição Federal, de modo que nem emenda constitucional poderá tender a amesquinhar tal benefício. Justifica-se, também, a imunidade recíproca pela falta de capacidade contributiva dos entes da Federação, já que suas receitas servem para custear a realização dos respectivos encargos constitucionais, sobretudo, a prestação de serviços públicos e a realização de obras públicas. Não há mesmo sentido de um ente da Federação exigir imposto do outro, isto desfalcaria as condições de cada um prestar os serviços para a população, de acordo com a sua competência. ... Existia a tese de que os termos "patrimônio, renda ou serviços" deveriam ser interpretados em sentido estrito, o que importaria que a imunidade só se aplicaria aos impostos sobre o patrimônio, como o ITR, o IPTU, o IPVA, a renda como o IR, e os serviços como o ISS a parte dos serviços do ICMS, conforme discriminado na Constituição e posto na sistemática do Código Tributário Nacional, negando, assim, a interpretação ampla no sentido de que a imunidade se estenderia a todo e qualquer imposto existente no sistema tributário brasileiro. Por esta interpretação, afastados do âmbito protetor da imunidade estariam os impostos cujo fato gerador fosse fato diverso de renda, patrimônio ou serviços, como os impostos sobre o comércio exterior e sobre a produção e circulação, ou em outras palavras, a situação/base que serve de suporte à regra de tributação, deveria ter o mesmo sentido para a regra de imunidade. Ressalte-se, no entanto, que a tese contrária do Ministro Aliomar Baleeiro no sentido de que os termos "renda, patrimônio ou serviços" possuem significados amplos, expansivos, e que a imunidade recíproca aplicar-se a todo e qualquer imposto do sistema tributário tem prevalecido no Supremo Tribunal Federal. De modo que o Augusto Pretório tem, reiteradamente, decidido pelo reconhecimento da imunidade, afastando a incidência de regras de tributação, no caso, por exemplo, do extinto Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, estipulado pela Emenda Constitucional nº 3/93 e pela Lei Complementar nº 77/93 (ADIn 939, RTJ 151-03, p. 755), no caso do chamado Imposto sobre Operações Financeiras em relação aos entes federados e às suas autarquias, que havia sido previsto pela Lei nº 8.033/90. (AI 172.890-AgR, DJU, p. 12226, 19 abr. 1996)38 Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não se pode "invocar, para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos adotados por norma infraconstitucional (CTN), mesmo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade". (RE 203.755, DJU, p. 3221, 8 nov. 1996) Por outro lado, lei alguma pode restringir o alcance da imunidade recíproca, conforme estabelecida pela Constituição, e segundo a interpretação que o Supremo Tribunal Federal faz das normas da imunidade, tendo em vista que, como guardião da Constituição, compete o STF dizer a última palavra em matéria de interpretação constitucional. Assim é que, no julgamento do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.758-DF, ajuizada contra o art. 28, da Lei federal nº 9.532/97, que determina a incidência do imposto de renda sobre os rendimentos auferidos por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica imune ou isenta, nas aplicações em fundos de investimento, o que representava uma restrição ao conceito de "renda" não contemplada na Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, emprestando interpretação conforme à Constituição à expressão "inclusive pessoa jurídica imune", decidiu que ela não alcança as pessoas públicas

38 A título ilustrativo, transcreva-se a Ementa do Acórdão do STF - AI-AgR nº 172.890/RS: "Imposto - Imunidade Reciproca - Imposto sobre Operações Financeiras. A norma da alínea "a" do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal obstaculiza a incidência recíproca de impostos, considerada a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Descabe introduzir no preceito, a mercê de interpretação, exceção não contemplada, distinguindo os ganhos resultantes de operações financeiras."

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que gozam da imunidade recíproca - CF, art. 150, VI, a. (DJU, p. 6, 11 mar. 2005) (p. 22 a 24)

Mencione-se, parenteticamente, que compete ao Estado a construção e a organização de infraestrutura de transporte metropolitano ou intermunicipal e a prestação direta, ou sobre o regime de concessão ou permissão, do serviço público de transporte coletivo metropolitano ou intermunicipal (este serviço foi outorgado por lei estadual a uma empresa pública criada pelo Estado do Ceará, denominada de Metrofor, aplicando-se, na espécie, a mesma jurisprudência do STF relativa à ECT no que concerne ao reconhecimento da extensão da imunidade recíproca), serviço este tipicamente estatal com caráter essencial, não se confundindo com prestação de atividade econômica, ou em regime concorrencial, com finalidade lucrativa.

No artigo doutrinário supracitado (SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de

Pontes. Imunidade recíproca e ECT. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT, n. 26, p. 31 a 33), também apresentei as transcrições de uma série de Ementas de Acórdãos do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a imunidade tributária recíproca à empresa pública desempenhadora, não por delegação por regime de concessão, mas por outorga de lei federal, de serviço público da União. Assim, a posição, que vem prevalecendo, admite a imunidade das empresas públicas e das sociedades de economia mista, unicamente quando essas empresas prestarem, em nome do Estado, serviços públicos que lhes foram outorgados, aplicando-se a imunidade recíproca do artigo 150, "caput", inciso VI, alínea "a", da Constituição da República. Neste ponto, tragam-se à colação algumas Ementas de acórdãos de nossa Corte Constitucional:

STF. 2ª. T. - ECT e Imunidade recíproca. RE 407.099-5/RS, rel. Min. Carlos Velloso, in DOU de 22.6.2004: Ementa: A ECT está abrangida pela imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a, da CF, haja vista tratar-se de prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma reformou acórdão do TRF da 4ª Região que, em sede de embargos à execução opostos por Município, entendera que a atual Constituição não concedera tal privilégio às empresas públicas. Salientou-se, ademais, a distinção entre empresa pública como instrumento de participação do Estado na economia e empresa pública prestadora de serviço público. Precedente: RE 230.072/RJ. (DJU, 19 dez. 2002) (Destaquei em itálico) STF. 2ª. T. - ECT. Empresa pública prestadora de serviço público. RE 424.227-3/SC: Ementa: Constitucional. Tributário. ECT: Imunidade Tributária Recíproca: C.F., art. 150, VI, a. Empresa Pública que Exerce Atividade Econômica e Empresa Pública Prestadora de Serviço Público: Distinção. Taxas: Imunidade Recíproca: Inexistência. I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A ECT - Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 22, X; C.F., art. 150, VI, a. Precedentes do STF: RE 424.227/SC, 407.099/RS, 354.897/RS, 356.122/RS e 398.630/SP, Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma. II. - A imunidade tributária recíproca - C.F., art. 150, VI, a - somente é aplicável a impostos, não

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alcançando as taxas. III. - R.E. conhecido e improvido. (RFDT, n. 16, p. 165-175)39 (O destaque em itálico não consta no original) STF. 2ª T. ECT. Imunidade recíproca. Empresa pública que exerce atividade econômica e empresa pública prestadora de serviço público. RE 364.202-2/RS: Ementa: Constitucional. Tributário. ECT - Empresa Brasileira de Correios e Telegráficos: Imunidade Recíproca: CF, art. 150, VI, a, Empresa Pública que exerce Atividade Econômica e Empresa Pública Prestadora de Serviço Público: Distinção. Taxas: Imunidade Recíproca. Inexistência. I. As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A ECT - Empresa Brasileira de Correios e Telegráficos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo porque está abrangida pela imunidade tributária recíproca: CF, art. 21, X; CF, art. 150, VI, a. Precedentes do STF: RE 424.227/SC, 407.099/RS, 356.122/RS e 398.630/SP, Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma. II. A Imunidade tributária recíproca - CF, art. 150, VI, a - somente é aplicável a impostos, não alcançando as taxas. III RE conhecido e improvido. STF. 1ª T. Imóvel da União ocupado por empresa delegatária de serviços públicos. RE 253.394-7/SP: Ementa: Tributário. IPTU. Imóveis que compõem o Acervo Patrimonial do Porto de Santos, Integrantes do Domínio da União. Impossibilidade de tributação pela Municipalidade, independentemente de encontrarem-se tais bens ocupados pela empresa delegatária dos serviços portuários, em face da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal. Dispositivo, todavia, restrito aos impostos, não se estendendo às taxas. Recurso parcialmente provido. ("RFDT" 2/241- 246)40 STF. Sociedade de economia mista. Serviços delegados. RE 46.346: EMENTA: O Banco do Brasil S/A. está sujeito às mesmas imposições tributá rias que oneram os estabelecimentos de sua natureza. Imunidade só lhe assiste na execução de serviços delegados pela União. Embargos rejeitados. STF. Veículo da ECT e Imunidade. AgReg na ACO nº 765-1: EMENTA: Processual Civil. Ação Cível Originária. Decisão monocrática que indefere antecipação de tutela. Agravo regimental. Constitucional. Tributário. Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA). Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Exame da índole dos serviços prestados. Diferenciação entre serviços públicos de prestação obrigatória e serviços de índole econômica. Art. 150, VI, a, e §3º da Constituição. Em juízo cautelar, reputa-se plausível a alegada extensão da imunidade recíproca à propriedade de veículos automotores destinados à prestação de serviços postais. Precedentes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental conhecido e provido. (RFDT, n. 25, p. 189 a 198)

A Lei nº 5.172, de 25 de outubro de1966, recebida pela Constituição Federal, de 1988, com o status de lei complementar, regulada, com compatibilidade do artigo 146, "caput", inciso II, da mesma Carta Política, as limitações constitucionais ao poder de tributar, reza, no seu artigo 9º, "caput", inciso IV, alínea "a", que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar imposto sobre patrimônio, renda e serviços uns dos outros.

39 BRASIL. STF. Acórdão publicado na íntegra da Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT, Belo Horizonte, ano 3, n. 16, p. 165-175, jul./ago. 2005. 40 BRASIL. STF. Acórdão publicado na íntegra da Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT, Belo Horizonte, ano 1, n. 2, p. 241-246, mar./abr. 2003.

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A imunidade tributária, como direito constitucional, só pode ser condicionada

ou restringida pela própria Constituição, ou seja, conforme o alcance que a interpretação de nossa Corte Constitucional confere à norma de imunidade; lei alguma, complementar ou ordinária, pode criar obstáculos ao gozo da imunidade; já a isenção pode ser condicionada pela lei infraconstitucinal, ou seja, a lei infraconstitucional pode estabelecer os requisitos, que desejar, para que o eventual beneficiário possa usufruir de uma isenção.

Destarte, a exigência da similaridade só é exigível, para que o contribuinte

tenha direito à isenção do imposto de importação, não sendo exigível quando a importação é realizada por ente imune, pois nesse caso, ele não precisa se vincular aos requisitos legais objetivos, materiais ou substanciais, para o gozo da isenção, bastando para ele a norma constitucional da imunidade tributária e as normas de leis que identificam as características subjetivas da entidade imune, para que ela corresponda exatamente àquela pessoa imaginada pelo Estatuto Político como merecedora da imunidade.

De fato, não é correto interpretar que os artigos 17 ao 21 do Decreto-Lei nº

37/1966 possam condicionar ou subordinar a imunidade tributária recíproca, como entenderam o Decex e a Consultoria Jurídica do MDIC, a uma prévia declaração administrativa acerca da constatação da não similaridade do produto importado com eventual produto nacional, para, só assim, suceder a licença de importação, isto porque tal requisito ou condição não estava já disposto nem sequer na Emenda Constitucional nº 18/1966 à Carta de 1946, nem está previsto no preceptivo do artigo 150, "caput", inciso VI, alínea "a", da Constituição da República de 1988.

Exatamente neste sentido, é o Acórdão do Excelso Supremo Tribunal Federal,

muitas vezes destacado pela doutrina, proveniente do julgamento do Recurso Extraordinário nº 93.770-6/RJ, Relator o senhor Ministro Soares Muñoz, quando a necessidade do exame da similaridade para o gozo da exoneração do imposto de importação, prevista pelo artigo 17 do Decreto-Lei nº 37/1966, foi afastada, em face do confronto com o artigo 19, inciso III, alínea "c", da Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 1/1969, preceptivo igual ao disposto no artigo 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição da República de1988, cuja Ementa transcreve-se a seguir:

Ementa: Imposto de Importação. Imunidade - O art. 19, III, "c", da Constituição Federal não trata de isenção, mas de imunidade. A configuração desta está na Lei Maior. Os requisitos da lei ordinária, que o mencionado dispositivo manda observar, não dizem respeito aos lindes da imunidade, mas àquelas normas reguladoras da constituição e funcionamento da entidade imune. Inaplicação do art. 17 do Decreto-Lei nº 37/66. Recurso extraordinário conhecido e provido. (DJ, 3 abr. 1981)

Observe-se que o precedente jurisprudencial, supradestacado, tratou do afastamento da norma do artigo 17 do Decreto-Lei nº 37/1996 em face da imunidade tributária de instituição paraestatal de assistência social, sem fins lucrativos - o SESI -, cabendo, obviamente, sua aplicação, quando o ente imune for ente da Federação, como, no caso vertente, o Estado do Ceará.

Repita-se, mais uma vez, que os pressupostos da imunidade são

constitucionais, portanto, imunidade tributária é um direito constitucional.

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Lei infraconstitucional pode, procurando fielmente interpretar esses

pressupostos constitucionais, repeti-los, ou, em alguns casos, para evitar entidades fraudulentas, explicitar as características, quanto à constituição e funcionamento, das entidades imunes, harmonizando ou compatibilizando-as com aquele ente que a Constituição do país conferiu a imunidade.

Mas jamais, lei alguma, quer lei complementar, muito menos lei ordinária,

pode criar novos obstáculos para a fruição da imunidade, não previstos pela Constituição, ou alterar no sentido de restringir ou ampliar o direito à imunidade.

Em outro artigo doutrinário, tive oportunidade de explicar essa decisão do

Supremo Tribunal Federal, decorrente do julgamento do RE nº 93.770-6/RJ (SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Controvérsia acerca da imunidade tributária dos partidos políticos. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT, n. 45, referente aos meses de maio e junho de 2010, p. 25 a 48), in verbis:

Ressalte-se que, no caso supra, o Excelso Pretório, simplesmente, não permitiu que lei complementar ou lei alguma regulamentasse, limitando o real sentido da imunidade objetiva, a qual não se confunde com isenção, como fez o artigo 19 do Decreto-Lei nº 37/66, diploma legal que, a bem da verdade, era anterior à Constituição passada, e que impôs uma restrição objetiva à imunidade (só haveria imunidade se a mercadoria importada tivesse sido considerada, pelo Conselho de Política Aduaneira, sem similar nacional), uma restrição que não estava na melhor interpretação do texto constitucional. Mas disse mais a decisão, em comento, que cabe à lei ordinária estabelecer as características subjetivas para que possa identificar se determinada entidade é ou não uma daquelas que a Constituição favoreceu com a imunidade tributária. Portanto, uma questão relativa à estrutura da entidade, e não a problema de limitação ou restrição da imunidade objetiva. (p. 33 a 34)

Ademais, por ocasião do julgamento da ADIMC nº 1.802, Relator o senhor Ministro Sepúlveda Pertence, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional, além do §1º, do artigo 12, da Lei nº 9.532, de 1997, que estabelecia uma inaceitável restrição material à imunidade, que a Constituição Federal não contempla, isto é, rezava que não estavam abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital, auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável, o §2º, alínea "f", do mesmo preceito legal, que preceituava que, para o gozo da imunidade, as instituições de educação ou de assistência social estavam obrigadas a atender, entre um dos requisitos, "recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados, bem assim cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes", bem como o caput do artigo 13 da Lei nº 9.532/1997, que ostentava o seguinte teor: "Sem prejuízo das demais penalidades previstas na lei, a Secretaria da Receita Federal suspenderá o gozo da imunidade a que se refere o artigo anterior, relativamente aos anos-calendários em que a pessoa jurídica houver praticado ou, por qualquer forma, houver contribuído para a prática de ato que constitua infração a dispositivo da legislação tributária, especialmente no caso de informar ou declarar falsamente, omitir ou simular o recebimento de doações em bens ou em dinheiro, ou de qualquer forma cooperar para que terceiro sonegue tributos ou pratique ilícitos fiscais".

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Já tivemos a oportunidade de comentar o referido "decisum" do STF (SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. "Controvérsia acerca da imunidade tributária dos partidos políticos", publicado na Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT, n. 45, p. 29), que também se adapta como uma luva ao caso em exame, ipsis litteris:

De fato, no referido voto (do Min. Sepúlveda Pertence), fora dito que a suspensão da imunidade não pode ser utilizada como espécie de sanção por descumprimento de previsões alheias à própria figura constitucional da regra que nega competência de tributar. No caso da Lei nº 9.532/1997, cuja constitucionalidade fora examinada na aludida ADIn nº 1.802, o deferimento parcial do pedido da medida liminar, deveu-se ao fundamento de que a imunidade não poderia ser suspensa sob a justificativa de infração, pela entidade, a dispositivos da legislação tributária desconexos com a própria imunidade. A desconexão entre o escopo das normas - possibilitar uma fiscalização mais eficiente de qualquer ordem, mesmo fora do âmbito da imunidade - e os contornos da própria imunidade - tornaria as regras da focalizada lei ordinária inconstitucionais. Segundo tal decisum, sequer por lei complementar poderiam ser veiculadas.

Assim, a não liberação da licença de importação diante da falta de demonstração de inexistência de similar nacional dos bens importados, praticamente, cria um obstáculo à fruição da imunidade recíproca por parte do Estado do Ceará, que, ademais, seria, caso admitida a tese do Decex, duplamente prejudicado, pelo bisonho raciocínio no sentido de que sendo imune, não poderia, mesmo que quisesse, pagar o imposto de importação referente aos trens trazidos da Itália.

De modo que, além de ter sido criado, por errônea interpretação administrativa

do artigo 17 do Decreto-Lei nº 37/1996, um obstáculo ao direito do gozo da imunidade por parte do Estado do Ceará, vale dizer, importar e desembaraçar os trens sem a incidência do imposto de importação, ainda, estaria, caso prevalecesse a exegese do Decex, o Estado Alencarino sofrendo um tratamento mais gravoso do que o dispensado às empresas do setor privado não imunes, ou seja, sofreria o Estado cearense, pelo fato da não apuração da similaridade, a pena de não ter direito de importar ou liberar tais bens, justamente, por ser ente da Federação imune, e, assim, não poder pagar o imposto não previsto em lei, como, contrariamente, é facultado às pessoas não imunes, mas que poderiam se beneficiar de uma mera isenção.

Também estaria o ente da Federação, por equivocada interpretação

administrativa do art. 17 do Decreto-Lei nº 37/1966, recebendo um tratamento mais gravoso, que muitas outras pessoas ou coisas (importações efetuadas por missões diplomáticas; por representações de organismos internacionais e por seus funcionários, peritos, técnicos e consultores, estrangeiros; bagagem de viajante; partes, peças e componentes destinados a reparo, revisão e manutenção de aeronaves ou embarcações estrangeiras; gêneros alimentícios de primeira necessidade, fertilizantes e defensivos para aplicação na agricultura ou pecuária, e matérias-primas para sua produção no país, quando sujeitos a contingenciamento; partes, peças, acessórios, ferramentas e utensílios; bens doados a entidades sem fins lucrativos, destinados a fins culturais, científicos e assistenciais; bens adquiridos em loja franca; bens destinados a coletores eletrônicos de votos; bens destinados a pesquisa científica e tecnológica; bens importados com a redução do imposto a que se refere o art. 138 do RA/2009) diante do artigo 201 do Regulamento Aduaneiro, de 2009, que, com base, especialmente, no Decreto-Lei nº 37/1996, dispensa, em todos esses casos, a apuração de similaridade.

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Portanto, por mais justas que sejam as preocupações em salvaguardar os

interesses das empresas nacionais, temos um amo, a quem jamais podemos deixar de servir, ou colocá-lo em segundo plano, o texto constitucional.

Para encimar, cumpre endossar os demais pontos do parecer da douta

Consultoria Jurídica do MDIC, com fundamento, inclusive, no artigo 190 do Decreto nº 6.759/2009 (RA/2009), que, com supedâneo no artigo 18 do Decreto-Lei nº 37/1996, reza que se considera similar ao estrangeiro o produto nacional em condições de substituir o importado, que observe as seguintes regras básicas: qualidade equivalente e especificações adequadas ao fim a que se destine; preço não superior ao custo de importação, em moeda nacional, da mercadoria estrangeira, calculado o custo com base no preço Cost, Insurance and Freight (CIF), acrescido dos tributos que incidem sobre a importação e de outros encargos de efeito equivalente; e prazo de entrega normal ou corrente para o mesmo tipo de mercadoria.

Ora, empresa brasileira alguma teve interesse de participar das duas licitações

promovidas pelo Estado, quer, eventualmente, por não produzir bem similar ao posteriormente importado, quer, talvez, por não ter tido condições, ocasionalmente, de assumir novos compromissos, o que, de outra forma, possibilitaria a constatação das regras básicas para a apuração da similaridade, de que trata o artigo 190 da RA/2009 e o artigo 18 do Decreto-Lei nº 37/1996, fato este que não pode ser atribuído responsabilidade ao Estado do Ceará.

Constata-se, então, total falta de razoabilidade e proporcionalidade (CF, art. 5º,

LIV) subordinar o relevante e premente interesse público - servir, com maior celeridade possível, a população da região metropolitana de Fortaleza e cidades vizinhas de meio rápido e eficiente de transporte ferroviário intermunicipal por meio do metrô - a eventuais interesses de empresas privadas brasileiras.

De fato, sequer antes, tinha qualquer empresa nacional demonstrado interesse

ou querido participar das licitações efetuadas pelo Estado cearense. Haveria descumprimento ao devido processo legal material ou substancial, aos

princípios da eficiência administrativa e da economicidade (CF, arts. 37, "caput"; 70, "caput") se impor ao referido Estado, além da grave e irrecuperável perda de tempo, o descumprimento de ato jurídico perfeito - o contrato de importação com a empresa estrangeira vencedora da segunda licitação (CF/1988, art. 5º, XXXVI) -, com a consequente devolução dos bens importados e a imposição de enorme prejuízo econômico ao Estado, com a indenização ou o pagamento integral do contrato, quando, sequer, existe qualquer indício, mesmo hodiernamente, que, com uma nova licitação, muitos anos depois, e o exame da existência de similar nacional, se isto fosse cabível, o que não é no caso examinado, que, dessa vez, aparecesse alguma empresa nacional interessada de participar desse novo certame.

Isto tudo já demonstra, como ressaltou o parecer da Consultoria Jurídica do

MDIC, a improcedência do indeferimento, pelo Decex, dos pedidos de licença das importações, formulados pelo Estado do Ceará, impondo-se o deferimento do recurso, com a imediata emissão das licenças de importação requeridas.

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3 Conclusão

Diante de todo o exposto, resta concluir:

a) pela injuridicidade do ato administrativo do Decex, órgão da Secex, do MDCT, que indeferiu pedidos de licenças de importação, formulados pelo Governo do Estado do Ceará, por não apuração de similar nacional;

b) lei alguma proíbe a importação de produtos sem o exame da similaridade. O

que o art. 17 do DL nº 37/1996 faculta é a isenção; c) a exigência da similaridade só é exigível, para que o contribuinte tenha

direito à isenção do imposto de importação, não sendo exigível quando a importação é realizada por ente imune;

d) não sendo, pois, exigível o exame de similaridade para ente da Federação,

protegido por imunidade tributária constitucional, sob pena, inclusive, de se impor tratamento mais gravoso a ente imune do que o dispensado a coisas ou pessoas privadas não merecedoras de imunidade;

e) o analisado ato administrativo de indeferimento dos pedidos de licenças de

importação descurou aos arts. 150, VI, "a", §§2º e 3º; 5º, LIV e XXXVI; 37, "caput"; 70, "caput"; 150, II; todos da CF/1988, ao art. 9º, IV, "a", do CTN; tendo dado equivocada interpretação ao art. 17 do DL nº 37/1966.

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ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR N.º 140, DE 8 DE

DEZEMBRO DE 2011, QUE TRATA DA COMPETÊNCIA COMUM DOS ENTES FEDERADOS EM

MATÉRIA AMBIENTAL

Gustavo Caldas Guimarães de Campos Procurador da Fazenda Nacional

Diretor do DENOR/CGU/AGU

1. Disposições gerais

1. O art. 1º explicita que o objeto desta lei complementar é fixar normas relativas aos “incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora”.

2. De fato, o art. 23 da Constituição da República estabelece competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e seu parágrafo único elege a lei complementar como instrumento hábil a fixar “normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.” Confira-se:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; (...) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; (...) Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

3. Depreende-se que a matéria está inserida na competência da União e vem atender a comando constitucional. Além disso, nos termos do art. 61, a iniciativa “cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional”.

4. O art. 2º apenas conceitua alguns termos que serão adotados ao longo da proposta. Não há, portanto, inconstitucionalidade formal ou material nesses dispositivos.

2. Instrumentos de cooperação

5. Esse capítulo enumera os instrumentos de cooperação de que podem valer-se os entes federados, como consórcios públicos, convênios, comissões, fundos e delegação de atribuições ou da execução de ações administrativas.

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6. O art. 5º esclarece que, mediante convênio, pode ser delegada a execução de ações administrativas, “desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente”. O conceito de “órgão ambiental capacitado” é fornecido pelo parágrafo único desse artigo.

7. Não há vícios de inconstitucionalidade.

3. Ações de cooperação

8. Os artigos 7º, 8º e 9º arrolam uma série de ações administrativas que competirão, respectivamente, à União, aos Estados e aos Municípios.

9. Dentre outras funções, compete à União formular, executar e fazer cumprir, em âmbito nacional, a Política Nacional do Meio Ambiente. Além disso, cabe à União promover o licenciamento ambiental, controlar e fiscalizar as atividades e empreendimentos descritos no art. 7º, XIV41.

10. Aos Estados compete o exercício das diversas competências em matéria ambiental em seu território, além de promover o licenciamento ambiental, controlar e fiscalizar as atividades e empreendimentos que não sejam de competência da União ou dos Municípios (art. 8º).

11. Cabe aos Municípios o exercício das diversas competências em matéria ambiental em seus territórios, além de promover o licenciamento ambiental, controlar e fiscalizar as atividades e empreendimentos que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local ou localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs).

12. De acordo com o art. 13, “os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar”. “Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental” (§ 1º).

13. O art. 15 estabelece atuação supletiva dos entes federativos nas hipóteses de inexistência de órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no ente originariamente encarregado de exercer as ações administrativas.

41 “Art. 7º (...) XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar,

ambientalmente, for cometida à União; XIV – promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento”.

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14. No art. 16 está prevista ação administrativa subsidiária, que deve ser solicitada, e consiste em “apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro, sem prejuízo de outras formas de cooperação”.

15. O art. 17 atribui a competência para lavratura do auto de infração ambiental ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização. O § 2º obriga o ente federativo que tiver conhecimento de degradação da qualidade ambiental a determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis. Já o § 3º esclarece que “o disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput”.

4. Competência comum e os limites da lei complementar

16. Como se pode perceber, o Capítulo III é o coração do projeto de lei. É nele que se encontram as normas relativas à cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de que trata o parágrafo único do art. 23 da Constituição da República. Veja-se:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; (...) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; (...) Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

17. A doutrina discute o papel das leis complementares que devem fixar normas de cooperação entre os entes públicos em matérias de competência comum a todos os entes federados. De acordo com Paulo Gustavo Gonet Branco42:

A Carta da República prevê, no parágrafo único do art. 23, a edição de lei complementar federal, que disciplinará a cooperação entre os entes para a realização desses objetivos comuns. A óbvia finalidade é evitar choques e dispersão de recursos e esforços, coordenando-se as ações das pessoas políticas, com vistas à obtenção de resultados mais satisfatórios. Se a regra é a cooperação entre União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, pode também ocorrer conflito entre esses entes, no instante de desempenharem as atribuições comuns. Se o critério da colaboração não vingar, há de se cogitar do critério da preponderância de interesses. Mesmo não havendo hierarquia entre os entes que compõem a Federação, pode-

42 MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 852.

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se falar em hierarquia de interesses, em que os mais amplos (da União) devem preferir aos mais restritos.

18. Édis Milaré 43 destaca a necessidade de a lei complementar afastar a insegurança jurídica consubstanciada na possibilidade de um mesmo empreendimento ficar submetido à fiscalização de mais de um ente federado:

A falta de equilíbrio nessa atuação simultânea da União, Estados, Municípios e Distrito Federal em prol da defesa do meio ambiente, invariavelmente, gera, como dito, enorme insegurança jurídica, posto que o mesmo empreendimento pode ficar submetido, concorrentemente, à atuação fiscalizatória de qualquer um dos entes federativos. Assim, em nome do princípio da eficiência, a Administração Pública, ao exercer sua competência para a aplicação da legislação de proteção ambiental, deve atentar para outro princípio imanente à competência constitucional comum, isto é, o princípio da subsidiariedade. Consoante este último, “todas as atribuições administrativas materiais devem ser exercidas, de modo preferencial, pela esfera mais próxima ou diretamente vinculada ao objeto de controle ou da ação de polícia”. Ou, em outras palavras, “nada será exercido por um poder de nível superior, desde que possa ser cumprido pelo inferior.”

19. Assentada a necessidade de haver coordenação entre os entes, de modo a evitar conflitos e de conferir segurança jurídica aos administrados, a questão que se coloca, então, é a dos limites da lei complementar que fixa as normas de cooperação no exercício das competências comuns administrativas conferidas no art. 23.

20. Sobre o tema, Paulo Affonso Leme Machado44 assevera que:

A lei complementar, com base no art. 23, parágrafo único, da CF, deve ter como fundamento a mútua ajuda dos entes federados. Dessa forma, essa lei não visa, e não pode visar, à diminuição da autonomia desses entes, despojando-os de prerrogativas e de iniciativas que constitucionalmente possuem, ainda que não as exerçam, por falta de meios ou de conscientização política. A lei complementar não pode, pois, especificar quais os tipos de licenças ambientais a serem fornecidas pelos Estados e pelos Municípios.

21. De fato, a fixação de normas para a cooperação entre entes federados tem por objetivo “evitar choques e dispersão de esforços e recursos”, o que impõe a adoção de um sistema de cooperação e, em alguma medida, de distribuição de competências. Por outro lado, como o exercício dessas competências é irrenunciável, parece fundamental que, nos casos de omissão do ente responsável por efetuar a fiscalização, os demais possam agir.

22. Deve-se destacar que, atualmente, a Resolução 237/1997 do Conama realiza distribuição de competências – e, portanto, limitação de competências – em relação à atividade de licenciamento ambiental, deixando claro que “os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência”. Veja-se:

Art. 4º - Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se

43 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.535.

44 Direito Ambiental Brasileiro, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 103.

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refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber: I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União. II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados; III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados; IV - destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN; V- bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica. § 1º - O IBAMA fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento. § 2º - O IBAMA, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional, uniformizando, quando possível, as exigências. Art. 5º - Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades: I - localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal; II - localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais; III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios; IV – delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio. Parágrafo único. O órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, oparecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento. Art. 6º - Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio. Art. 7º - Os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores.

23. A atribuição de competência a um determinado ente acaba por inviabilizar o exercício, pelos demais, de uma competência comum, constitucionalmente estabelecida. Todavia, o modelo federativo adotado por nossa Constituição (federalismo cooperativo) estimula (ou mesmo exige) a cooperação entre os entes federados, o que torna a proteção do meio ambiente responsabilidade de todos, mas não impede a divisão de tarefas entre União, Estados e Municípios.

24. Nessa linha, verifica-se que o projeto de lei sob análise delimitou competências, de um lado, e instituiu diversos instrumentos de cooperação entre os entes, de outro.

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25. Com efeito, a delimitação de atribuições fica clara nos arts. 7º, XIII, 8º, XIII e 9º, XIII, que atrelam a competência fiscalizatória às hipóteses em que o ente tem a competência para licenciar e no art. 13, que impõe que o licenciamento ambiental deva ser efetuado “por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar”.

26. Noutra linha, há diversos dispositivos que permitem ou impõem a cooperação entre os entes, tais como:

Art. 13... 1º Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental. Art. 15. Os entes federativos devem atuar em caráter supletivo nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, nas seguintes hipóteses: I – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado ou no Distrito Federal, a União deve desempenhar as ações administrativas estaduais ou distritais até a sua criação; II – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Município, o Estado deve desempenhar as ações administrativas municipais até a sua criação; e III – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado e no Município, a União deve desempenhar as ações administrativas até a sua criação em um daqueles entes federativos. Art. 16. A ação administrativa subsidiária dos entes federativos dar-se-á por meio de apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro, sem prejuízo de outras formas de cooperação. Parágrafo único. A ação subsidiária deve ser solicitada pelo ente originariamente detentor da atribuição nos termos desta Lei Complementar. Art. 17. ... § 2º Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis. § 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

27. Em suma, a lei complementar não retira, por completo, as competências dos demais entes federados, que podem:

a) “manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização” (art. 13, § 1º);

b) “atuar em caráter supletivo nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental” (art. 15);

c) dar “apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro, sem prejuízo de outras formas de cooperação” (art. 16);

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d) determinar medidas para evitar, fazer cessar ou mitigar a degradação da qualidade ambiental (art. 17, §2º); e

e) exercer a “atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor” (art. 17, § 3º).

28. Porém, é importante salientar que as competências comuns descritas no art. 23 da Constituição são de proteção e preservação das paisagens naturais notáveis, dos sítios arqueológicos, do meio ambiente, das florestas, da fauna e da flora. A competência para proteger e preservar está intimamente ligada à competência para fiscalizar. Assim, é a atividade fiscalizatória que adquire maior relevo e que deve ser preservada, na maior medida possível, numa ponderação de interesses em relação aos princípios da eficiência (evitar desperdício de recursos públicos) e da segurança jurídica do administrado (impedir a concomitância de autuações com conteúdos discrepantes).

29. Nesse sentido, o art. 17, § 3º adquire importância fundamental para a aferição da constitucionalidade do projeto de lei. Pede-se vênia para novamente transcrevê-lo:

§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

30. A prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão ordinariamente competente pressupõe a validade daqueles lavrados pelos demais entes. Assim, essa norma tem por pressuposto a manutenção da competência fiscalizatória de todos os entes, ainda que, em caso de concomitância de autuações, prevaleça o auto de infração lavrado por um deles (segurança jurídica).

31. Não há, portanto, supressão (completa) de competência constitucional.

5. Conclusão

32. O acima exposto pode ser assim sintetizado:

a) a fixação de normas para a cooperação entre entes federados tem por objetivo “evitar choques e dispersão de esforços e recursos”, o que impõe a adoção de um sistema de cooperação e, em alguma medida, de distribuição de competências. Por outro lado, como o exercício dessas competências é irrenunciável, parece fundamental que, nos casos de omissão do ente responsável por efetuar a fiscalização, os demais possam agir;

b) o projeto delimita atribuições nos arts. 7º, XIII, 8º, XIII e 9º, XIII - que atrelam a competência fiscalizatória às hipóteses em que o ente tem a competência para licenciar

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- e no art. 13, que impõe que o licenciamento ambiental deva ser efetuado “por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar”;

c) por outro lado, a lei complementar não retira, por completo, as competências dos demais entes federados, que podem: i) “manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização” (art. 13, § 1º); ii) “atuar em caráter supletivo nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental” (art. 15); iii) dar “apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro, sem prejuízo de outras formas de cooperação” (art. 16); iv) determinar medidas para evitar, fazer cessar ou mitigar a degradação da qualidade ambiental (art. 17, §2º); e v) exercer a “atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor” (art. 17, § 3º); e

d) as competências comuns descritas no art. 23 da Constituição são de proteção e preservação do meio ambiente. Essa competência está intimamente ligada à competência para fiscalizar, que, assim, adquire maior relevo e deve ser preservada, na maior medida possível.

33. Em suma, o projeto de lei parece-nos constitucional, pois está amparado no art. 23, parágrafo único, da Constituição da República, e cumpre o objetivo de instituir sistema de cooperação entre os entes federados em matéria ambiental, numa tentativa de atender aos princípios da eficiência (evitar desperdício de recursos públicos) e da segurança jurídica do administrado (impedir a concomitância de autuações com conteúdos discrepantes).

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HUMANIDADES

ATÉ ONDE IREMOS?

Orlando Muniz

Quando da morte de José Saramago, tiveram muito destaque algumas frases

desse fantástico escritor português sobre sua expectativa de vida diante de doenças

oportunistas que estavam a lhe consumir a criatividade e a paciência. Diante da inevitável

caminhada rumo a um fim previsto, ele disse: "Agora, viverei o que faltar". Simples,

instigante, provocativo, complacente e belo! Não havia amargura em suas palavras, ao

contrário, festejava e contemplava com sinceridade explícita o amor por Pillar, a quem se

referia como uma benção de vitalidade que lhe permitia projetar um futuro por olhos que não

seriam os seus e nem caminharia — dali a alguns dias — em suas próprias pernas. O amor

faleceria em uma juventude que não viria mais com o passar dos velhos anos! Bebeu em seus

livros e em sua arte a perpetuação e a imortalidade. Quem escreve — e produz no fundo da

alma — as palavras que serão entalhadas nas folhas de um livro ou nas asas fugazes de um

editor de texto, sabe muito bem que morrer não é bem um atributo para fazer parte da

imaginação de amadores. Perecer é parte de um contexto da senilidade e virá quando vier,

nem mais nem menos, enfim, vão ficar as palavras. Pensamentos jovens sobre senilidade não

pode chegar a bom lugar! É o que penso, pelo menos agora, é isso o que penso!

Bom, mas nem todos os que se arvoram em continuar no passeio da

humanidade — em desfrute pelo ar que movimenta a máquina corporal — escrevem ou

traduzem seus encantos de futuro pelos olhos de outros que amam ou fazem da verve seu

segredo de vida eterna. Alguns vivem sem a preocupação das sementes, que, mais tarde, se

tornarão árvores frondosas com frutos e novas sementes para a vida que continuará. Nem

todos, para o bem ou para o mal, se preocupam com o final da caminhada. Vivem como se

não houvesse mais amanhã! Talvez os que não se martirizam pela expectativa do fim, vivam

mais felizes e menos ansiosos com toda a sorte de subidas e descidas nessa eterna montanha

russa que é a doce arte de viver. Fazer ou não fazer. Guardar ou gastar. Ser mais cioso com

suas economias ou um gastador contumaz pela possibilidade de sentir prazer pelo que ganhou.

Dúvidas que se encarregam de florescer na mais profunda capacidade humana de não ter as

certezas absolutas de nada. Viver por si só já é uma arte construída nos detalhes. Saber viver

com mais intensidade dentro dos limites que as ansiedades permitem já será uma vitória sem

adversários para chorar qualquer derrota.

Sem querer ser mais ansioso do que de costume, fico como Saramago a olhar

para frente sem muita alegria pelo andar das horas, que se multiplicam na velocidade de um

cavalo de corrida, mas também não fico na sofreguidão do medo pelo tempo que se passa.

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Creio que o melhor que temos a fazer é viver mesmo o que faltar, se possível

olhando com mais calma tudo o que nos circunda, aproveitando cada minuto sem as rabugices

estéreis que podem — essas sim — fazer a vida morrer um pouco mais cedo.

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GALERIA

PALESTRA “CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO JURÍDICA” ABRE CICLO TEMÁTICO DE PALESTRAS

Deu-se início na Escola da Advocacia-

Geral da União o ciclo de palestras versando sobre temas correlatos, cuja finalidade precípua é o aprimoramento do Sistema Consultoria – Siscon. O ciclo foi aberto pelo Consultor-Geral da União, Dr. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, que teceu algumas considerações sobre a importância da informação e que as novas gerações já fazem parte do contexto informacional, pois, entre outros aspectos, na infância já são familiarizados com as novas tecnologias.

A palestra inaugural, intitulada “Ciência da Informação Jurídica”, foi ministrada pelo Dr. Márcio Denys Pessanha Gonçalves, graduado em Administração e Direito, especialista em Segurança da Informação, Mestre em Relações Internacionais e Doutorando em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília (UnB), em exercício na Procuradoria-Geral da União.

Na abertura da palestra, o Dr. Márcio Pessanha Gonçalves referiu-se ao tema como algo bastante controverso, objeto de constantes debates, em que dois conceitos básicos sempre se apresentam: inovação e mudança de paradigma.

Em seguida, o palestrante abordou questões de alta relevância dentro da Ciência da Informação, apresentando seus diversos conceitos colhidos na doutrina; seu histórico, contemplando o comportamento informacional ao longo do tempo e, ainda, suas principais áreas de atuação, tais como arquitetura de sistemas, organização do conhecimento, acessibilidade, marketing, recuperação da informação, dentre outras.

Dando prosseguimento a sua apresentação, o Dr. Márcio Pessanha Gonçalves abordou a temática da segurança da informação jurídica, expondo sobre diversos aspectos da legislação de referência, em especial sobre a salvaguarda de documentos sigilosos.

As palestras são fruto da iniciativa da equipe de advogados e servidores da Procuradoria-Geral da União, da Consultoria-Geral da União e da Procuradoria-Geral Federal, sob a Coordenação da Diretoria do Departamento de Informações Jurídico-Estratégicas da CGU.

A Escola da AGU é parceira no Projeto, e as próximas palestras versarão sobre Pesquisa de Jurisprudência, Elaboração de Ementas e Indexação de informações jurídicas, a serem transmitidas para todo o País, pela TV Escola.

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GECOPA

REALIZAÇÃO DE NOVA CHAMADA PÚBLICA PARA SELEÇÃO DE PROJETOS QUE PODERÃO

INTEGRAR A PROGRAMAÇÃO OFICIAL DO BRASIL PELA REALIZAÇÃO DA COPA DO MUNDO

Teresa Cristina de Melo Costa Procuradora Federal

PARECER Nº 3/2012/GECOPA/CGU/AGU PROCESSO: 0400.003570/2012-91 INTERESSADO: Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 – GECOPA (Secretaria Executiva do Ministério do Esporte) ASSUNTO: Análise da minuta da Resolução GECOPA nº 6/2012

I. Ofícios nºs 144 e 150/2012/SE/ME. Resolução GECOPA nº 6/2011. Realização de nova Chamada Pública para seleção de projetos que poderão integrar a Programação Oficial do Brasil pela realização da Copa do Mundo FIFA 2014. Constituição de Comissão Especial de análise desses projetos. Revogação da Resolução GECOPA nº 01/2011. Recomendação ao Ministro do Esporte para revogar a Portaria nº 135, de 28 de setembro de 2011.

II. Constitucionalidade e legalidade do ato, com ressalva e sugestão de alteração de redação.

Excelentíssima Senhora Coordenadora-Geral do GECOPA/AGU,

1. O Ministério do Esporte, por intermédio de sua Secretaria-Executiva, na qualidade de Coordenador do Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 – GECOPA, instituído pelo Decreto de 14 de janeiro de 2010, encaminhou os Ofícios nºs 144 e 150/2012/SE/ME para análise acerca da legalidade da minuta da Resolução nº 6/2011, que dispõe sobre a realização de nova Chamada Pública para seleção de projetos que poderão integrar a Programação Oficial do Brasil pela realização da Copa do Mundo FIFA 2014; constitui Comissão Especial de análise de projetos; revoga a Resolução GECOPA nº 01/2011 e recomenda ao Ministro do Esporte a revogação da Portaria nº 135, de 28 de setembro de 2011.

2. É o relatório.

PRELIMINAR

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3. Inicialmente, deve-se destacar resumidamente qual o papel da AGU em sua missão institucional, em especial, em suas atividades relacionadas à Copa do Mundo FIFA 2014.

4. A Advocacia-Geral da União foi criada pela Constituição Federal de 1988 como Função Essencial à Justiça e “é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos de lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo” (art. 135 da CF/88).

5. Assim, compete à AGU a representação judicial e extrajudicial da União, bem como de suas Autarquias e Fundações Públicas Federais, o que se dá através de seus membros, os advogados públicos federais.

6. Em relação à atividade extrajudicial, previu a Lei Complementar nº 73/93, em seu artigo 11, inciso V, que à Consultoria Jurídica compete “assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica”.

7. Nesse sentido, o advogado público deve fazer a análise da legalidade e constitucionalidade dos atos administrativos, inclusive dos atos normativos.

8. O objetivo é auxiliar o gestor público de forma a que não sejam formuladas e implementadas políticas públicas que ofendam o ordenamento jurídico vigente, buscando-se evitar inúmeros questionamentos perante os órgãos de controle e Judiciário, bem como eventuais responsabilizações desses agentes públicos.

9. Assim, é premissa fundamental que a política pública esteja em perfeita consonância com o ordenamento jurídico em vigor e que o agente público aja dentro de suas atribuições e em atendimento aos princípios que norteiam a Administração Pública.

10. A AGU, assim, não formula a política pública. Mas faz o crivo de sua conformidade com as leis e atos normativos existentes no país.

11. A inexistência de manifestação consultiva da AGU potencializa problemas judiciais e extrajudiciais, tanto para o ente federal, como para o próprio gestor público.

12. Nesse sentido, ainda encontramos atividades governamentais sem respaldo no pronunciamento do órgão jurídico competente, o que explica boa parte das ações judiciais em curso contra o Poder Público e seus gestores. Portanto, a manifestação jurídica prévia, quando não é obrigatória, mostra-se extremamente conveniente para redução substancial dos riscos jurídicos.

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13. Importante observar a esse respeito, que a AGU somente poderá fazer a defesa judicial e extrajudicial do gestor público, acaso observados os atos normativos que regem o assunto – Lei nº 9.028/95, Decreto 7.153/2010 e Portarias AGU 408/200945 e 1.016/201046.

14. Ainda sobre o tema, cabe ressaltar que é de competência do GECOPA/AGU a análise da legalidade das minutas de resolução do GECOPA 2014 tal como previsto no art. 4º-A do Decreto de 14 de janeiro de 2010, alterado pelo Decreto de 26 de julho de 2011, a seguir transcrito:

“Art. 4º-A. A Advocacia-Geral da União – AGU constituirá grupo responsável para prestar auxílio jurídico ao GECOPA, bem como aos órgãos e entidades da administração federal direta e indireta responsáveis pela execução do Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo FIFA 2014.”

15. É de se notar ainda que a Lei nº 9.784/99, em seu art. 50, prevê que “os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: ... VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais”.

16. Desse modo, afigura-se fundamental a análise dos atos normativos expedidos pelo Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 – GECOPA pela AGU de modo a que se tenha um controle prévio de legalidade e constitucionalidade, além de se fazer necessária uma justificativa do gestor público caso as ponderações do órgão jurídico sejam afastadas. Isso porque, como explicitado acima, a análise da juridicidade das decisões concorre para a eficiência e segurança da condução dos trabalhos.

ASPECTOS FORMAIS

17. Estabelecida essa premissa, e passando à análise jurídica do ato, observa-se que o art. 3º do Decreto de 14 de janeiro de 2010 instituiu o Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 – GECOPA – responsável, no que aqui interessa, por “coordenar e aprovar as atividades governamentais referentes à Copa do Mundo FIFA 2014 desenvolvidas por órgãos e entidades da administração federal direta e indireta ou financiadas com recursos da União,

45 A Portaria AGU nº 408/2009 disciplina acerca da representação judicial dos agentes públicos. Em seu art. 4º, § 4º são elencados os itens a serem analisado pela AGU: “I – enquadramento funcional do agente público nas situações previstas no art. 22 da Lei nº 9.028, de 1995; II – natureza estritamente funcional do ato impugnado; III – existência de interesse público na defesa da legitimidade do ato impugnado; IV – existência ou não de prévia manifestação de órgão da AGU ou da PGF responsável pela consultoria e assessoramento da autarquia ou fundação pública federal sobre o ato impugnado; V – consonância ou não do ato impugnado com a orientação jurídica definida pelo Advogado-Geral da União, pelo Procurador-Geral Federal ou pelo órgão de execução da AGU ou da PGF; e VI – narrativa sobre o mérito e pronunciamento sobre o atendimento aos princípios que norteiam a Administração Pública.” Já o art. 6º cuida das hipóteses em que a AGU não fará a representação do agente público em juízo, cujo inciso III afasta a atuação da AGU se o ato impugnado tiver sido praticado em dissonância com a orientação, se existente, do órgão de consultoria e assessoramento jurídico competente, que tenha apontado expressamente a inconstitucionalidade ou ilegalidade do ato, salvo se possuir outro fundamento jurídico razoável e legítimo. 46 A Portaria AGU nº 1016/2010 dispõe sobre a representação dos gestores públicos perante o TCU. Em seu art. 9º, § 1º, exige-se: “A solicitação deverá vir acompanhada obrigatoriamente de parecer jurídico da respectiva unidade da Advocacia-Geral da União, atestando, conclusivamente, que: I - os atos foram praticados pelo gestor no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União, e de suas entidades da administração indireta; e II – os atos foram praticados em observância dos princípios elencados no caput do art. 37 da Constituição”.

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inclusive mediante patrocínio, incentivos fiscais, subsídios, subvenções e operações de crédito” (inciso IV). Dessa forma, compete efetivamente ao GECOPA dispor sobre a realização de Chamada Pública para seleção de projetos que poderão integrar a Programação Oficial do Governo Brasileiro pela realização da Copa do Mundo FIFA 2014; sobre a constituição de Comissão Especial de análise de projetos; sobre a revogação da Resolução GECOPA nº 01/2011, bem como sobre a recomendação dirigida ao Ministro do Esporte para que revogue a Portaria nº 135, de 28 de setembro de 2011, todas as medidas relacionadas ao Plano de Promoção do Brasil por ocasião do evento.

18. Ainda sob o aspecto formal, nota-se que o Ministério do Esporte é o coordenador do GECOPA (art. 4º do Decreto de 14 de janeiro de 2010). Nessa qualidade, o titular da Pasta nomeou o Sr. Luis Manuel Rebelo Fernandes como representante do Ministério no Grupo Executivo (Portaria ME n. 122, de 9 de setembro de 2011, publicada no DOU de 12/09/2011, com a nova redação conferida pela Portaria ME n. 36, de 2 de março de 2012). Assim, ao aludido servidor compete providenciar a edição da resolução em referência, como resultado da deliberação do órgão colegiado.

19. Em acréscimo, o ato normativo é próprio para a produção dos efeitos pretendidos, haja vista que “resoluções são atos, normativos ou individuais, emanados de autoridades de elevado escalão administrativo, como, por exemplo, Ministros e Secretários de Estado ou Município, ou de algumas pessoas administrativas ligadas ao Governo (constituindo) matéria das resoluções todas as que se inserem na competência específica dos agentes ou pessoas jurídicas responsáveis por sua aplicação.”47

MÉRITO

20. No mérito, a presente Resolução visa à integração do disposto no art. 3º, IV, do Decreto de 14 de janeiro de 2010, que institui o GECOPA e prevê, dentre suas atribuições, “coordenar e aprovar as atividades governamentais referentes à Copa do Mundo FIFA 2014 desenvolvidas por órgãos e entidades da administração federal direta e indireta ou financiadas com recursos da União, inclusive mediante patrocínio, incentivos fiscais, subsídios, subvenções e operações de crédito”.

21. Com efeito, a Resolução do GECOPA que ora se examina traz regras necessárias à execução do Plano de Promoção do Brasil por ocasião da Copa do Mundo FIFA 2014, notadamente com referência à Chamada Pública a ser realizada para esse fim.

22. Os arts. 1º e 3º da Resolução, mais uma vez atendendo ao já previsto no Decreto de 14 de janeiro de 2010, conferem publicidade à decisão do GECOPA de revogar a

47 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manuela de Direito Administrativo, 21.ed., Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p. 131.

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Chamada Pública autorizada pela Resolução GECOPA nº 1/2011, bem como de realizar novo chamamento público para igual finalidade.

23. A decisão de anular o Edital autorizado pela Resolução GECOPA nº 1/2011, bem como de revogar o texto da resolução anterior tiveram por fundamento as impropriedades apontadas pela Controladoria-Geral da União à Chamada Pública, por intermédio da Nota Técnica 3.170/DR/SFC/CGU-PR. Em síntese, a CGU concluiu que a) o projeto seletivo encontrava-se desprovido de regras e quesitos objetivos de pontuação técnica para escolha do projeto; b) a ferramenta desenvolvida para avaliação, classificação e seleção das propostas apresentava critérios não previstos no Edital; c) o edital não previu prazos para análise e divulgação dos resultados da seleção ou para apresentação de recursos; d) inexistiam critérios para aferir a capacidade técnico-operacional dos proponentes; e) o regime jurídico do aporte de recursos não estava definido; f) o edital não contemplava a definição de aspectos concernentes a programação oficial do Governo Brasileiro para a Promoção do Brasil, tampouco os critérios para a decisão acerca de quais projetos seriam de fato contemplados com o aporte financeiro.

24. Dessa forma, a decisão proferida pelo Grupo Executivo, adotando por fundamentos aqueles presentes na nota da CGU, atende aos princípios da Administração Pública, além de prestigiar a transparência.

25. Ressalva-se que, em razão dos ditames da eficiência e da publicidade, deve-se constar na redação do art. 1º da Resolução o prazo previsto para o lançamento do edital da nova chamada pública, a ser definido oportunamente pelo GECOPA. Assim, para que a decisão seja comunicada em sua inteireza, deve-se não apenas divulgar que uma nova chamada pública para seleção de projetos será realizada, mas também em que prazo a decisão será executada. Repita-se: a conveniência do administrador deve definir se o novo edital será apresentado em 30 (trinta), 45 (quarenta e cinco) ou outro prazo qualquer, mas deve-se, em obediência aos princípios da Administração Pública, expressar em que intervalo de tempo será iniciado o novo certame.

26. Igualmente importante é observar que, salvo melhor juízo, os projetos selecionados poderão ou não integrar a Programação Oficial do Governo Federal na Promoção do Brasil pela realização da Copa do Mundo FIFA 2014. Dessa forma, sugere-se substituir o termo “integrarão”, presente na ementa da Resolução e no art. 1º de seu texto, por “poderão integrar”, evitando-se indevidas expectativas e alegações de direito subjetivo à participação na Programação Oficial do Governo Federal.

27. Por fim, as demais disposições da minuta da Resolução GECOPA 6/2012, referentes à constituição de Comissão Especial para análise e seleção dos projetos, e de recomendação ao Ministro de Estado do Esporte para que revogue a Portaria nº 135/2011, visam a sistematizar a decisão do Grupo Executivo.

28. Isso porque, como a competência para a realização do ato, antes delegada ao Ministério do Esporte pela Resolução nº 1/2011, retornou ao GECOPA, o grupo deve recomendar ao Ministro do Estado do Esporte que revogue a Portaria que editara para

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executar a delegação (hoje inexistente). Ademais, também porque a competência é do GECOPA, e com base no Decreto de 14 de janeiro de 2010, o Grupo Executivo pode estabelecer a composição da comissão julgadora das propostas.

29. Assim, tais regras encontram-se dentro dos limites traçados pelo decreto regulamentador do GECOPA 2014, não havendo qualquer afronta às regras e princípios jurídicos em vigor.

30. Por relevante, observe-se que o presente parecer refere-se apenas e tão-somente à minuta da Resolução GECOPA nº 6/2012, não abrangendo o edital da futura Chamada Pública. Por isso, o texto do instrumento convocatório do novo certame, quando produzido, deverá ser previamente submetido à análise jurídica desta Advocacia-Geral, a fim de que possa ser validamente publicado.

31. Ante o exposto, conclui-se que a Resolução GECOPA nº 6/2012 respeita a legislação vigente, devendo-se observar a ressalva contida no item 25, bem como a sugestão de redação apresentada no item 26, reservando-se a AGU a prerrogativa de apresentar as considerações ao conteúdo do edital da nova Chamada Pública no momento oportuno.

À consideração superior.

Brasília, 9 de abril de 2012.

Teresa Cristina de Melo Costa Procuradora Federal

Coordenadora-Geral Substituta do GECOPA/AGU

APROVO o Parecer Nº 3/2012/GECOPA/CGU/AGU. Encaminhem-se os autos ao Ministério do Esporte, com urgência. Brasília, 9 de abril de 2012.

Luciana Hoff Procuradora Federal

Coordenadora-Geral do GECOPA/AGU

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DECOR INFORMA i (Trecho extraído do Boletim Informativo DECOR)

APRESENTAÇÃO

Este Boletim Informativo – DECOR/CGU/AGU busca levar ao

conhecimento de todos os Advogados Públicos Federais, que atuam na Consultoria-Geral da União, nas Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios e nas Consultorias Jurídicas da União nos Estados, algumas manifestações jurídicas relevantes elaboradas pelo Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos– DECOR/CGU/AGU.

É de extrema importância que todos sejam informados dos posicionamentos adotados pela Consultoria-Geral da União e que foram externados por meio deste Departamento.

Como todas as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos devem ser feitas de maneira a garantir ao administrador público total segurança jurídica no desempenho da prática de seus atos, compete a este Departamento, com vistas a atingir esse objetivo, fazer com que todos os órgãos jurídicos consultivos atuem de forma harmônica sobre determinados temas, dirimindo, assim, as divergências existentes.

Para que se possa alcançar essa meta é imprescindível que esta Consultoria-Geral da União, por meio deste Departamento, utilize mecanismos de integração com os demais órgãos jurídicos consultivos e de aproximação com todos os Advogados Públicos Federais em exercício nesses órgãos.

Creio que este Boletim Informativo – DECOR/CGU/AGU vem a ser exatamente um desses mecanismos, fazendo com que seja atendido, assim, o desejo intenso da Consultoria-Geral da União de atuar em total parceria com os órgãos e membros da área consultiva da Advocacia – Geral da União.

Este Boletim Informativo será encaminhado periodicamente a todos os Advogados Públicos Federais que atuam nos órgãos jurídicos consultivos.

Sérgio Eduardo de Freitas Tapety Diretor do DECOR/CGU/AGU

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MANIFESTAÇÕES JURÍDICAS RELEVANTES DO DECOR

1. PARECER Nº 070/2011/DECOR/CGU/AGU Ementa: ESTABILIDADE PROVISÓRIA. CONTRATO TEMPORÁRIO. LEI Nº

8.745/93. INCOMPATIBILIDADE. SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL TEMPORÁRIA GESTANTE.

I – A estabilidade provisória é uma garantia de emprego incompatível com o contrato temporário previsto na Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993. II – O art. 10, inciso II, alínea “b”, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal incide sobre a relação de emprego, mas não se aplica à relação jurídico – administrativa, na qual faz parte a servidora pública federal gestante.

2. PARECER Nº 074/2011/DECOR/CGU/AGU Ementa: ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS. REDUÇÃO DA JORNADA DE

TRABALHO SEMANAL DOS OCUPANTES DO CARGO DE ASSISTENTE SOCIAL PARA 30 HORAS COM ESPEQUE NA LEI Nº 12.317/2010. PORTARIA SRH/MP Nº 3.353/2010. ILEGALIDADE. I – É ilegal a redução de carga horária de trabalho semanal de servidor público federal por intermédio de portaria da SRH/MP que se arrima em lei que incide apenas sobre os profissionais vinculados ao regime celetista e, ademais, não foi de iniciativa do Chefe do poder Executivo da União. II – Necessidade de extirpação da ilegalidade, seja por sua anulação (deve poder de autotutela) seja pela produção ou aprovação de opinio pelo Advogado-Geral da União que contrarie o entendimento esposado pela SRH/MP.

3. PARECER Nº 079/2011/DECOR/CGU/AGU Ementa: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. MEMBRO DA AGU EM ESTÁGIO

PROBATÓRIO CEDIDO A OUTRO ÓRGÃO OU ENTIDADE. SUSPENSÃO DO PRAZO DO ESTÁGIO PROBATÓRIO ENQUANTO PERDURAR A CESSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE QUE A AVALIAÇÃO DE APTIDÃO SEJA REALIZADA POR ÓRGÃO OU ENTIDADE ESTRANHO À AGU OU POR ELA PRÓPRIA ENQUANTO O SERVIDOR NÃO RETORNAR ÀS FUNÇÕES DO SEU CARGO EFETIVO. I – A doutrina e a jurisprudência entendem que o estágio probatório tem por fim verificar a aptidão e capacidade do servidor para ocupar o cargo de provimento efetivo em que foi investido. II – Assim, situações que afastam o servidor do exercício das funções que são próprias do seu cargo efetivo de origem (v.g. cessões e licenças médicas) obstam que tal verificação seja realizada, acarretando a suspensão do prazo do estágio probatório.

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III - Por corolário, se o membro da AGU cedido tem seu estágio probatório suspenso, impede-se a sua avaliação, seja por órgão da própria da AGU, seja pelo órgão ou entidade cessionário, enquanto ele não retornar às funções do seu cargo efetivo.

4. PARECER Nº 087/2011/DECOR/CGU/AGU Ementa: SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO E

IMPEDIMENTO DE CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO. ART. 87, III, DA LEI Nº 8.666/93. EFEITOS SUBJETIVOS AMPLOS. A SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE LICITAR E CONTRATAR PREVISTA NO ART. 87, III DA LEI 8.666/93 POSSUI ALCANCE SUBJETIVO AMPLO, IMPEDINDO AS EMPRESAS PUNIDAS DE LICITAR E CONTRATAR COM TODA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA, E NÃO SOMENTE COM O ÓRGÃO SANCIONADOR.

Obs: O inteiro teor das manifestações constantes na seção “DECOR INFORMA” poderá ser solicitado através do endereço eletrônico [email protected]

i Informações compiladas do Boletim DECOR