Bolsa Familia e as Familias No Brasil

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Análise acerca das famílias beneficiárias do PBF.

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  • NACIONES UNIDAS COMISIN ECONMICA PARA AMRICA LATINA Y EL CARIBE

    BRASIL: DESAFIOS DE POLTICAS PARA AS FAMLIAS

    Ana Maria Goldani Professora Adjunta do Departamento de Sociologia

    Universidade da California (UCLA) e Professora Visitante do Programa de Mestrado

    Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais, ENCE/IBGE.

    Ada Verdugo Lazo Pesquisadora Titular

    Escola Nacional de Cincias Estatsticas (ENCE/IBGE)

    REUNIN DE EXPERTOS

    CAMBIO DE LAS FAMILIAS EN EL MARCO DE LAS TRANSFORMACIONES GLOBALES:

    NECESIDAD DE POLTICAS PBLICAS EFICACES

    CEPAL, Santiago, 28 a 29 de octubre de 2004

    Sala de Conferencias Celso Furtado

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    NDICE

    Introduo

    I. O Contexto da Reproduo das Famlias no Brasil: Regime Demogrfico, Condies de Vida, Gasto Social Pblico e Transferencias Familiares............................ 5

    A. Regime Demogrfico ......................................................................................................... 5 B. Condies de Vida ............................................................................................................. 7 C. Gastos Social Pblico......................................................................................................... 9 D. Transferencias Intrafamliares .......................................................................................... 11

    II.Estado, Famlia e Proteo Social no Brasil: Da Cidadania Legal a Cidadania de Fato.............................................................................................................. 13

    A. Cidadania Legal............................................................................................................ 13 B. Cidadania de Fato ......................................................................................................... 15

    III. Retratos das Famlias Brasileiras .................................................................................. 18

    A. Os Arranjos Domiciliares Brasileiros: uma viso retrospectiva, 1970-2000....................... 18 A.1. Cenario A: Dinamica Familiar e Trabalho , 1995/1996 ....................................... 19 A.2. Cenario B: Dinamica Familiar e Trabalho, 2000/2002........................................ 20

    B. Os Arranjos Domiciliares Urbanos: mudanas no perodo 1990-2001............................... 22

    B.1 As Famlias Urbanas com Filhos, 1990/2001 ....................................................... 23

    B1.1 Familais Biparentais: o modelo ideal em declnio .................................. 24 B1.2 Familais Monoparentais: os modelos que crescem ................................. 25 B1.3 Familias Extensas: um novo modelo? .................................................... 26

    IV. Polticas para as Famlias............................................................................................... 29 A. Propostas Brasileiras ........................................................................................................ 29 B. Polticas para quem ?........................................................................................................ 33 C. Que tipo de poltica eficaz? .............................................................................................. 35

    Anexos ...................................................................................................................38

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    Introduo

    O programa Bolsa Famlia a nova cara das politicas para famlias brasileiras e se impe na abertura deste trabalho, tanto pela relao com o tema como pela atualidade e questes que coloca. Hoje, este programa polariza no s as atenes da mdia do pas, de polticos e analistas sociais como de fato, se apresenta como o carro chefe e sinalizador da agenda social do Presidente Lula. Criado no mbito da Presidncia da Republica em 9 de Janeiro de 2004, este programa se destina aes de transferencia de renda para familias com condicionalidades. O benefcio bsico destinado a unidades familiares que se encontrem em situao de pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua composio gestantes, nutrizes, crianas entre 0 (zero) e 12 (doze) anos ou adolescentes at 15 (quinze) anos (Lei no Anexo1).

    Contando entre seus principais objetivos a unificao de procedimentos da gesto de uma serie de outros programas voltados para o atendimento das famlias pobres, inclusive criando um Cadastro nico destas, o programa catalisa o interesse de diferentes segmentos da populao e gera polemicas importantes. Recoloca o problema da permanente desigualdade social, de quem deve ser os principais beneficirios dos gasto publico, do escopo e abrangncia das polticas, da eficincia e eficcia dos programas sociais, do papel do Estado e da sociedade civil, dos limites entre os espaos publico e privado, e do entendimento de quem so e o que significam as famlias no Brasil.

    Paralelamente, estas polmicas ressuscitam uma serie de discursos, no necessariamente coincidentes com a orientao e o espirito do Bolsa Famlia. Por um lado, discursos ultrapassados que sugerem o excessivo crescimento populacional como causa da pobreza, e outros conservadores, que propem a regulao do comportamento sexual individual. Em outra vertente, esto os discursos crticos da excluso social, causada pelo modelo neo-liberal e suas prescries de eficincia, qualificao e seletividade, que prope cidadania para todos, no s atravs do direito legal, mas das prticas e polticas sociais. Os movimentos de mulheres e femenistas endossam estes ltimos discursos com palavras tais como o pessoal poltico, democracia em casa e na rua e diferena sim, desigualdade no. Palavras estas que destacam a importncia da esfera privada e da construo da democracia nas relaes interpessoais e o reconhecimento das diferenas e a valorizao da diversidade e pluridade (Rodrigues, 2001:16).

    A comunalidade destes discursos parece estar no reconhecimento de que a famlia brasileira se mantm como importante instituio formadora de valores, atitudes e padres de conduta dos indivduos e tem demonstrado uma imensa flexibilidade e capacidade de gerar estratgias adaptativas. Bem como no reconhecimento de que existem mudanas fundamentais na proviso de servios governamentais para o bem-estar da populao que se chocam com as transformaes e as condies de vida de uma grande maioria das famlias.

    neste quadro atual das discusses no Brasil, do qual o Bolsa Famlia se apresenta como emblemtico, que nos propomos a analisar as transformaes ocorridas nas famlias brasileiras no perodo 1990- 2001 e as demandas por polticas eficazes. Uma outra dimenso desta analise so as transformaes globais, que na sua interao com a historia nacional do os contornos e tambm os contedos de uma nova ordem econmica, social e familiar para o Brasil neste incio de sculo. Assim que, nesta articulao, entre o global e o local e seus efeitos sobre a estratificao e a cidadania que trataremos da questo das mudanas nas famlias brasileiras e as demandas por programas e polticas de bem-estar eficazes. Ao fazer isto estaremos atentas para as vulnerabilidade e riscos diferenciados dos membros e tipos de famlias, a partir de um olhar das desigualdades e diferenas de gnero.

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    Portanto, o Bolsa Famlias serve de atalho para discutirmos as questes deste texto:

    1. Em que contexto social, economico, poltico e demogrfico se reproduziram as famlias brasileiras nesta ultima dcada?

    2. Qual a relao histrica e contemporanea entre o Estado brasileiro, a Famlia e o Modelo Proteo Social ?

    3. Quais so os arranjos domiciliares/familiares atuais e como poderiam informar polticas? 4. Quais so as propostas e debates sobre polticas de bem estar para familias no Brasil?

    A estratgia de analise adotada considera que, tal como as prticas e as representaes individuais constituem dimenses fundamentais para entender e explicar os processos de transformaes nas famlias, estas dimenses jogariam, tambm, um papel importante para o entendimento dos atuais programas e propostas de polticas voltados para as famlias. Nesta perspectiva, os discursos de key actors seriam to importantes quanto os dados empricos tradicionalmente usados. A percepo destes atores envolvidos na avaliao e formulao de polticas serviriam, at mesmo, para especular sobre o futuro destas.

    Assim que, alm dos dados oficiais sobre estruturas familiares, fornecidos pelas tabelas da CEPAL e outras do IBGE, fizemos um survey com experts nos temas famlia e polticas pblicas. Assim, contamos com a opinio de acadmicos, analistas e fazedores de polticas, sobre temas como a importncia das transformaes familiares para a poltica social, a avaliao do atual sistema de bem-estar e do tipo de polticas em pratica, bem como sugestes de medidas voltadas para o bem-estar da famlia (Questionario em Anexo). Entendemos que alm do valor dos discursos em si mesmos, em termos da interpretao e direo que as polticas sociais apresentam ou poderiam tomar, estes atores influenciariam direta ou indiretamente na direo dos programas sociais governamentais.

    As estatsticas brasileiras sobre pobreza e desigualdade nas famlias so contundentes e colocam como desafios, por um lado uma cuidadosa interpretao das diferenas e contrastes e por outro, a necessidade de irmos alm das constataes numricas para melhor entender a complexidade da estrutura social em que estas se encontram. At porque, uma coisa analisar a estrutura social atravs das estatsticas, e outra bem diferente examinar como os indivduos experienciam esta estrutura social. As restritas informaes disponveis para cumprir com esta segunda parte da tarefa colocam os limites deste trabalho. Tratando de preencher estas lacunas foi que consideramos as percepes de certos atores sociais em termos do que ocorre com a estrutura social brasileira, em particular com as famlias, o modelo de proteo social vigente e com as polticas sociais.1 Outro limite deste trabalho se refere a anlise das polticas e/ou programas sociais que se restringem ao mbito do governo federal. Ou seja, as medidas e polticas a nvel dos Estados no foram consideradas, apesar das diferenas regionais e do importante movimento de descentralizao.

    1 Agradecemos muito a valiosa colaborao para este trabalho de todos aqueles que dedicaram tempo e responderam nosso

    questionario . Assumimos responsabilidade exclusiva pelo resumo que fizemos das opinies emitidas mas queremos dar crdito e nominar nossos informantes, que denominamos aqui de Experts : Jos Eustaquio Alves, Kaizo Beltrao, Christina Bruschini, Mary Castro, Sonia Correa, Sonia Draibe, Lena Lavinas, Felicia Madeira, Marcelo S. Medeiros, Rosane Mendona, e tres outros que optaram por no serem identificados

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    I. O Contexto da Reproduo das Famlias no Brasil: Regime Demogrfico, Condies de Vida, Gasto Social Pblico e Intercmbios Familiares.

    As famlias brasileiras necessitam mobilizar recursos, tanto monetrios como no monetrios para garantirem a sua reproduo social e biolgica. Um argumento dominante, no entanto, de que, hoje, a grande maioria das necessidades bsicas de uma famlia podem ser satisfeitas atravs de bens e servios adquiridos no mercado. At mesmo a reproduo biolgica, vista na perspectiva da tecnologia in vitro, estaria acessvel. Para isto, se assume que as famlias participam do mercado e tem recursos monetrios, e a insuficincia de renda se apresenta como o indicador mais comum das carncias das famlias. Os limites desta viso, no caso do Brasil, ficam claros desde o no cumprimento do seu pressuposto bsico. Uma grande parcela das famlias no tem acesso aos bens e servios, tanto porque no esto no mercado ou porque a renda no lhes permite . Basta ver as estatsticas mais recentes, de 2002, que mostram que cerca de 15% do total das famlias brasileiras no contavam com nenhuma pessoa trabalhando e ao redor de 40% tinham apenas uma pessoa no mercado de trabalho. Da mesma forma, cerca de 1/4 das famlias, (23.9%) viviam com rendimentos mdios mensais de at um salrio mnimo ( $240 reais, equivalentes a $80 dlares) e menos de dez por cento das famlias (7.4%) viviam com mais de cinco salrios mnimos mensais . A extenso destas dificuldades ficam ainda mais claras quando se observa que estas propores e valores, praticamente, no mudaram desde 1995 (IBGE, 2002).

    De fato, para se reproduzirem as famlias brasileiras necessitam contar, tanto com recursos monetrios como no monetrios de diferentes fontes, e esta a perspectiva que utilizamos para traar um perfil das condies de reproduo das famlias brasileiras nesta ultima dcada. Entre os recursos monetrios se considera trs principais fontes: i) do trabalho remunerado dos membros no mercado (formal e informal); ii) das transferncias formais de renda do governo para as famlias, via aposentadorias, penses e/ou programas especiais e das iii) transferencias informais, dentro do grupo de parentesco, vizinhos e amigos. J os recursos no monetrios dos quais a famlia lana mo seriam advindos: i) da produo domstica de seus membros e ii) do acesso a servios pblicos, obras sociais, subsdios diretos, obtidas por transferencias formais. A origem dos recursos para satisfazer as necessidades da famlia no pareceria importante, no entanto, se argumenta que a sustentabilidade e o grau de independncia das famlias depende da parcela de renda gerada autonomamente, ou seja, do rendimento do trabalho de seus membros (Barros et all. 2003).

    Ao discutir os recursos que as famlias necessitam mobilizar para se reproduzirem, fundamental ter presente que a unidade domstica se distingue de outras organizaes nos incentivos utilizados para motivar os seus membros para realizar as tarefas que lhes foram determinadas. Neste sentido, Jelin (1998) chama ateno para o fato de que, para convencer as pessoas a contriburem com trabalho comum, incorporando ao oramento comum os recursos monetrios obtidos e/ou participando do trabalho domstico, o clculo utilitrio individual de custos e benefcios monetrios da sobrevivncia no o critrio bsico. Tornam-se necessrias, apelaes predominantemente morais, dirigidas a diferentes pessoas segundo sua localizao na estrutura da unidade domstica, tarefa esta cada vez mais complexa diante da transformaes pelas quais passam as relaes entre os membros das famlias (Jelin, 1998:34).2

    A. Regime Demogrfico

    A populao brasileira aumentou em cerca de 23 milhes de pessoas ( 146,8 para169,8 milhes) entre 1991 e 2000, enquanto o numero de domiclios aumentou ao redor de 10 milhes (34,7 para 44,8 milhes). Isto ocorre em um quadro de intensa desruralizao, que consolida o Brasil como um pas de populao predominantemente urbana (81,2% em 2000). O regime demogrfico neste

    2 Esta operao de convencimento se apoiaria em pilares ideolgicos tais como: o sistema de deveres e obrigaes entre pais e

    filhos e a tipificao de papis sexuais. Assim, a abnegao da me, a responsabilidade do pai, a obedincia dos filhos so valores tradicionais sobre os quais se assenta o sistema de incentivos. Estes valores fundados em um processo ideolgico de naturalizao da diviso do trabalho entre os sexos e as geraes entram em crise na famlia moderna (posmoderna) , na qual os valores democrticos e igualitrios vo deixando sua marca e reclamam uma transformao, que sempre ser carregada de profundos afetos e desejos corporificados em relaes sociais altamente personalizadas (Jelin, 1998).

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    perodo foi marcado por uma melhoria geral da mortalidade que propiciou ganhos de 5 anos na esperana de vida para ambos os sexos ( de 65,6 passa a 70,4 anos) e por uma acelerao de queda na taxa de fecundidade( 3,6 para 2,2 filhos). Todo essa dinmica configura uma estrutura etria mais madura da populao ( 30% menores de 15 anos, 65% entre 15-64 anos e 6% com 65 anos e mais)(IBGE,2004).

    A revoluo demogrfica do final do sculo XX colocou o Brasil entre os pases que envelhecem mais rapidamente, situao esta que somada as condies econmicas e sociais, responderiam pelo fato de 1/4 dos domiclios brasileiros hoje, contarem com a presena de pelo menos um idoso. O recente e rpido fenmeno de envelhecimento da estrutura populacional brasileira convive com a presena de muitas crianas e jovens, o que faz com que 74% dos domiclios ainda tenham filhos residindo com os pais3. Filhos estes que se tardam cada vez mais a sair de casa, quer seja porque tem opo, de estudar e contar com suporte financeiro familiar, quer seja por falta de opo no mercado de trabalho para que se mantenham independentes. Nesta rea, a chamada gravidez precoce ou adolescente fica como a novidade do perodo (o Brasil teria uma taxa media anual maior que a media mundial, que seria de 50 por mil) e seu aumento, maior entre a jovens mais pobres, se soma a polemica em torno a relao entre pobreza e nveis de fecundidade. Polemica esta ressuscitada para fins eleitorais mas que tambm aparece associada a discusso dos programas de transferencias de renda, do tipo Bolsa Familiar.

    De fato, com uma fecundidade alcanando os nveis de reposio em 2003 e uma melhoria generalizada na mortalidade, um aumento da populao em idades ativas e muitos jovens demandando trabalho e servios pblicos somados as transformaes nos arranjos sexuais de convivncia o regime demogrfico brasileiro se apresenta como um desafio e volta a gerar polemicas extremas. Para alguns, este representaria um momento de oportunidades para saldar nossa dividas sociais enquanto para outros, este continuaria sendo o responsvel pela pobreza de muitas famlias. Ambos discursos informam o debate atual dos programas sociais voltados para as famlias e vale a pena estar atento para o reducionismo dos seus argumentos. Para fins deste trabalho, bastaria dizer que ambos discursos ignoram as causas estruturais das mudanas e atribuem ao fator demogrfico um peso desmesurado. Um aspecto que consideramos crucial, que estes discursos ignoram que foi a generalizada esterilizao das mulheres em unio (43%), o mecanismo responsvel maior pela verdadeira imploso nos nveis de fecundidade do pas. Enfim, os riscos do reducionismo demogrfico parecem ser vrios, mas afetando diretamente as famlias eu destacaria o risco da falsa premissa de que, diante dos baixos nveis de fecundidade alcanados, j no h porque preocupar-se com o planejamento familiar e outras questes de sade reprodutiva da mulher.

    Os resultados mais visveis do atual regime demogrfico seriam, ao nvel macro, um menor crescimento populacional e as transformaes nas estruturas por idade, sexo e maritais e portanto, alteraes nos ndices de dependncia econmica e por idade. Esta reduo na razo de dependncia se estima que contribuiu em 30% para o crescimento da renda per capita ocorrido na dcada de 90 (Barros, et. Al. 2004:14). J em termos das implicaes mais imediatas para a vida das pessoas se destaca, uma maior longevidade e crescente segmentao do ciclo de vida individual e familiar marcados pelas possibilidades de varias unies e divrcios, uma mortalidade maior por causas crnico-degenerativas. Como parte ativa destes processos as famlias afetam e so afetadas pelos novos comportamentos, alguns destes mais visveis, como a diminuio do tamanho e reorganizao interna, e outros no to visveis, como so as mudanas na percepo e expectativas em termos das responsabilidade de seus membros diante das novas duraes dos eventos e as demandas por cuidado dos dependentes. Ou seja, o regime demogrfico reflete e sintetiza muitas das condies de reproduo das famlias ao mesmo tempo que as influencia4.

    3 Entre os frutos desta dinamica para a vida familiar na ltima dcada se enfatizou muito as potenciais relaes entre o excepcional

    aumento de jovens 15-24 nos 90s, a onda jovem e o aumento da violncia entre estes que teriam aumentado suas taxas de mortalidade devido as mortes por causas violentas. Inclusive se estima que isto teria contribudo para um menor crescimento da esperana de vida masculina na ultima dcada, fato mais claramente demonstrado para So Paulo. Os dados mais recentes mostram, tambm, que enquanto as taxas de homicdios entre os jovens aumentou de 30 para 52 (por 100 mil jovens) entre 1980 e 200 , esta mesma taxa permaneceu, praticamente estvel entre os no jovens (21 por 100 mil)) Bercovich et. All. 1997; Castro e bromovay,2004.

    4 Um impacto concreto deste sobre a vida familiar nos anos seria via o excepcional aumento de jovens 15-24 nos 90s e o aumento

    da violncia entre os estes bem como de suas taxas de mortalidade por causas violentas. Se estima que isto teria contribudo para

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    B. Condies de Vida

    O panorama geral das condies de vida nas quais as famlia brasileiras se reproduziram nesta ultima dcada, sugestivamente denominada dcada de luzes e sombras, (CEPAL, 2003), sugere que o Brasil aumentou sua renda per capita e seu gasto social publico bem como reduziu seus nveis de pobreza, fato que se atribui ao crescimento da renda per capita familiar, a queda dos preos relativos dos alimentos e mudanas na estrutura demogrfica (CEPAL, 2001 e 2003, Barros e Carvalho, 2003, Barros et all. 2004). Isto, desde logo, faz pensar que houve uma melhoria generalizada nas condies de vida da populao brasileira. Entretanto, as imagens de violncia do quotidiano nas grandes cidades e das enormes filas de desempregados buscando trabalho chocam e reforam a pssima reputao do pas, alimentando a percepo de que as condies sociais estariam piorando (Scwartzman,2003).

    Uma parte importante do entendimento das condies de vida dos brasileiros nestes incios de sculo diz respeito ao que ocorre com a economia e com o modelo de proteo social. Historicamente, o modelo econmico do pais privilegiou o progresso tecnolgico e o uso intensivo de capitais, energia e outros insumos em detrimento da qualificao da mo de obra (Reis, 2004; Barros,et all.). Os efeitos perversos deste modelo podem ser observados nesta ltima dcada, nas dificuldades de resposta as transformaes da economia global e suas demandas por mo de obra qualificada e competitiva. De fato, o Brasil por muito tempo, teria tido uma ampla disponibilidade de trabalho, ainda que em postos de baixa qualidade, o que teria funcionado como um importante mecanismo de preveno a extrema pobreza, situao esta que se reverte na ultima dcada (Barros et.all, 2004). A alta flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro teria contribudo, at o Plano Real, para minorar a falta de acesso ao trabalho por parte dos trabalhadores menos qualificados. Entretanto, a situao mudou rapidamente, no setor da industria de transformao entre 1986-1996 houve uma perda de 1,1 milhes de empregos, o setor que mais cresceu foi o de servios na maioria sazonais, temporrios e com baixa remunerao (Nunes, 2002). Desde ento so crescentes as taxas de desemprego e precarizaco do trabalho que gera cada vez maior e novas formas de desigualdade e pobreza.

    Nos anos 90, as taxas de desemprego s no foram maiores em funo, de um lado, da capacidade de absoro da mo-de-obra no setor informal e, de outro, da queda nas taxas de participao entre os mais jovens. Haveria um retardamento no ingresso de jovens no mercado de trabalho, devido em parte ao aumento da atratividade da escola, mas tambm pela maior seletividade do mercado em termos de escolaridade (Urani, 1997). Entre as mulheres brasileiras, que representavam 40% das pessoas ocupadas em 1996, as condies tenderam a piorar com a concentrao ainda maior nosetor informal da economia e a precariedade associada a este. Tambm suas taxas de desemprego so bem maiores que para os homens e o ramo que mais contribui para o emprego destas o trabalho domstico (Urani, 1997). Portanto, no mundo do trabalho brasileiro, cada vez mais multifacetado, as atuais transformaes no mercado so marcadas no s pela elevao das taxas de desemprego (7% em 1996 e 55 em 2002), mas tambm por mudanas na estrutura setorial de emprego e, sobretudo, do emprego industrial. As transformaes e deslocamentos que caracterizam um movimento de passagem do emprego industrial, das reas mais industrializadas as regies metropolitanas para o interior dos Estados, emergem como fatores fundamentais no que tange a reestruturao industrial. (Paes de Barros et al., 1998).

    Um novo sistema de proteo social, definido pela Constituio de 1988 e implementado nos anos 90s, no s amplia os direitos mas coloca em prtica legislao, programas e polticas sociais que viabilizam o cumprimento destes. Uma medida geral, da efetividade destes programas para as condies de vida da populao pode ser vista na estimativa de que 30% do aumento da renda per capita das famlias, ocorrida ao longo da dcada dos anos 90, resultou do expressivo crescimento das transferencias governamentais, ainda que beneficiando os segmentos no-pobres o que ajudou a

    um menor crescimento da esperana de vida masculina da ultima dcada no pais e mais claramente demonstrado para So Paulo. Os dados mais recentes mostram, tambm, que enquanto as taxas de homicdios entre os jovens aumentou de 30 para 52 (por 100 mil jovens) entre 1980 e 200 , esta mesma taxa permaneceu, praticamente estvel entre os no jovens (21 por 100 mil)) Bercovich et. All. 1997; Castro e Abromovay,2004).

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    manter as desigualdades segundo Barros et. Al. (2004:32). A constituio prope redirecionar o sistema anterior, considerado meritocrtico - pluralista ou conservativo-corporativo5. para um modelo de proteo social institucional - redistributivo ou mais universalista e equnime (Draibe, 1993: 23). Os critrios de elegibilidade para os benefcios foram redefinidos e a sua cobertura ampliada. A respeito do papel da seguridade social, os movimentos de mulheres chama ateno para o hiato entre a existncia legal e formal da seguridade social e os constrangimentos de suas aes, de seu financiamento e de seus gastos. Apontam para o fato de que, cerca da metade dos trabalhadores brasileiros no se encontram cobertos pelo sistema e que entre aqueles que em 1999, efetivamente, contribuam para a previdncia, apenas 1/3 era formado por negros e indgenas. Na mesma linha, apontam para a pequena parcela de mulheres trabalhadoras includas e suas desvantagem em relao aos trabalhadores do sexo masculino. Em 1999 ao redor de 51% da PEA feminina no contava com renda mensal regular e o trabalho domstico era a maior categoria ocupacional feminina, com cerca de 4,6 milhes de mulheres (CFEMEA/FES/ILDES. 2003).

    As interpretaes sobre as condies de vida dos brasileiros hoje variam amplamente mas em geral dois so os paradoxos comuns do debate. Um primeiro, considerado relativamente novo, se refere ao visvel deterioro da qualidade de vida, sobretudo nas reas Metropolitanas, acompanhado pela melhoria de uma serie de indicadores sociais bsicos, como, mortalidade infantil, condies de moradia, esperana de vida e a educao (Schwartzmann, 2003:31), Um segundo e antigo paradoxo, se refere a permanente desigualdade de renda, estreitamente relacionados ao porqu um pas relativamente rico ainda tem tanta gente pobre (Barros et all. 2004).

    Uma explicao do primeiro paradoxo, na perspectiva da economia poltica, chama a ateno para o fato de que entre 1980 e 2000 o aumento do gasto social per-capita foi grande, mas que o aumento da renda por habitante foi pequeno. Enquanto a renda por habitante permanecia quase estagnada, crescendo apenas 8,5% (de 6.951 para 7.544 reais), o gasto social publico per-capita , incluindo a Unio, os estados e municpios cresceu em 43% ( Bresser-Pereira2003). Para este autor houve, portanto, um substancial esforo na rea social, resultado bvio da democracia e da presso dos eleitores por maiores ganhos nesta rea o qual produziu uma reduo do analfabetismo de ao redor de 32% para 17% e da taxa de mortalidade infantil, que caiu de 69 para 30 por mil e aumentou a esperana de vida de 62,5 para 70,5 anos (p:106). Com isto este autor conclui que, os efeitos da poltica social progressiva brasileira das ultimas dcadas no aparece nas estatsticas de concentrao de renda porque no envolveu transferencias monetrias e tambm por isso mesmo no aparece nas estatsticas de renda individual e/ou familiar levantadas pelo IBGE (Bresser Pereira, 2003). Ao mesmo tempo, este autor atribui a retomada da concentrao de renda nos ltimos trinta anos ao fenmeno de acelerao do progresso tcnico que aumentou a procura de trabalho qualificado e diminuiu a de trabalho no especializado (Bresser Pereira, 2003:106).

    Em termos do segundo paradoxo, o das desigualdades de renda, se diz que dada a renda per capita disponvel em 2002, seis vezes maior do que o montante requerido para a satisfao das necessidades nutricionais de uma pessoa e trs vezes maior do que o requerido para satisfazer todas suas necessidades bsicas so as desigualdades de renda que explicariam o fato do Brasil ainda contar com 33% da sua populao (55 milhes de pessoas) em situao de pobreza e 13%, (22 milhes) na condio de extrema pobreza6. Ou seja, o fato de que os 10% brasileiros mais ricos tem uma renda 22 vezes maior que os 40% pobres. Isto resulta de que os mais pobres retiveram, apenas 8% da renda, enquanto os ricos se apropriaram de 47% . (Barros e Carvalho, 2003:2, Barros et all. 2004:4). O Brasil ocupava a quarta posio entre os pases com maiores desigualdades de renda no mundo, em 2002. Os trs primeiros pases encontram-se no continente Africano (Namibia, Lesotho e Serra Leoa). Ainda que o IDH (ndice de Desenvolvimento humano) para o Brasil tenha melhorado de 0.644 em 1975 para 0.775 em 2002, o Brasil continua a ocupar a 72 posio no ranking dos 177 pases em 2002, tendo por base uma renda per capita anual equivalente

    5 Esse modelo assumia que os indivduos deveriam ser capazes de resolver suas prprias necessidades, baseados no seu trabalho e na

    sua produtividade. As polticas sociais atuariam apenas parcialmente, de forma a corrigir o processo alocativo do Mercado e das instituies pblicas, atrelando o emprego com o acesso ao benefcio. Nesse sistema corporativo e estratificado, os benefcios so diferenciados em funo das categorias profissionais (Draibe, 1993; 8).

    6 A linha de extrema pobreza aqui mencionada tem uma valor de R$56, ou seja, ao redor de 20 dolares mensais. (Barros e Carvalho,

    2003)

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    a US$ 7.700, expectativa de vida de 68 anos, 13% da populao sem acesso a gua tratada e 86.4% da populao adulta alfabetizada.

    Entre as explicaes para a permanncia das desigualdades de renda uma primeira sustenta que essas desigualdades se devem muito mais a existncia de uma ampla classe mdia alta nas reas urbanas, que se beneficia de um amplo diferencial de salrios existente entre os mais educados, do que propriamente do contraste entre os poucos ricos e os milhes de pobres. Ou seja, o que chamaria a ateno no o salrio da camada rica (mdia mensal de ao redor de 3 mil reais em 1997, na poca equivalente a 3 mil dlares), mas a larga diferena entre os extremos (da ordem de 22 vezes) e o fato de que, o nvel do salrio mdio aumenta enormemente na medida em que aumentam os anos de escolaridade. Ou seja, o argumento de que a convencional proposta, de retirar dos ricos e dar ao pobres, no pareceria a mais adequada para o Brasil. A melhor poltica para reduzir a pobreza seria investir na educao para promover a qualificao da populao e reduzir a vantagem comparativa daqueles com nveis educacionais mais elevados (Scwhuartzman, 2003:30). Uma avaliao recente dos principais fatores determinantes da desigualdade de renda no Brasil, conclui que a desigualdade de renda no trabalho central para explicar a desigualdade em renda familiar per capita mas que estas (as desigualdade de renda no trabalho) no estariam sendo geradas pelo mercado propriamente dito, mas sim pelas condies que precede a entrada dos trabalhadores no mercado de trabalho. Ou seja, seria na etapa de aquisio do capital humano, onde a educao ou melhor a falta de elevao nos nveis educacionais jogaria um papel central. Isto seria determinante, tambm, para entender que a pobreza brasileira, por muito tempo, foi derivada da baixa produtividade do trabalho e no da falta de trabalho.(Barros, et.all.2004)

    A sociedade brasileira est estratificada em diferentes grupos com status, poder e acesso a recursos desiguais. Grupos estes que esto cortados por pervasivos eixos de desigualdades ao longo das linhas de classe, gnero, raa, etnicidade e idade. Por exemplo, homens brasileiros, pretos e pardos tem salrios que corresponde a 40% e 50% dos homens brancos e as mulheres brasileiras, tem salrios que correspondem a 66% dos homens. A desigualdade racial no Brasil estaria associada, sobretudo grande ausncia da populao no branca entre os setores sociais mdios e altos (classes media e alta), muito mais do que ausncia de brancos entre os pobres. Por exemplo, no intervalo salarial mais alto no Brasil ($2,000 dlares ou mais) encontra-se 7.7% da populao branca mas apenas 1.5% de no brancos no ano 2000. Ou seja, os brancos tem 5 vezes mais chances do que os no brancos de estarem no topo da escala salarial. Comparativamente, com outras sociedades multirraciais como a brasileira, estas cifras mostram que, nos EUA os brancos tem duas vezes mais chances que os no-brancos de estarem no topo da escala enquanto na frica do Sul os brancos tem 10 vezes mais chances que os no-brancos de estarem nesta mesma situao. Um resumo das diferenas raciais brasileiras pode ser visto no ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) para 1996/1997 ,cujo valor mdio para o Brasil foi de 0.773 enquanto para o s brancos foi de 0.784 e para os no- brancos de 0.663 (Telles, 2004).

    As desigualdades salariais entre homens e mulheres no Brasil esto entre as maiores da Amrica Latina. As mulheres trabalhadoras de reas urbanas tinham salrios mdios que correspondiam a 66% daqueles obtido pelos homens em 1990, situao esta que melhorou ligeiramente segundo os dados recentes, passando a ser de 70% em 2002 (IBGE 2004). Estas diferenas permanecem e inclusive pioram com os nveis de escolaridade e alcanam em 1990 quase 50% nos nveis de escolaridade de mais de 11 anos, situao que no muda muito pois em 2002 esta mesma cifra era da ordem de 58% (Lavinas, 1996; IBGE, 2004). Entre as mulheres, tambm se verificam diferenas salariais por cor, com as pretas e pardas recebendo 68% dos rendimentos da mulheres brancas. Portanto, controlando por sexo e cor as condies salariais dos brasileiros, se encontra a seguinte ordem: em primeiro lugar esto os homens brancos com os salrios mais elevados, seguidos das mulheres brancas depois os homens pardos e pretos, e nas piores condies salariais, esto as mulheres pardas e pretas (Telles 2004)

    C. Gasto Social Publico

    No processo de reproduo das famlias no h duvida que o financiamento social do Estado brasileiro, sempre desempenhou e continua a desempenhar um papel fundamental, apesar dos

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    questionamentos e polemicas recentes sobre quem so os beneficirios do gasto publico social do governo federal (UFF, 2003). Mesmo durante o modelo meritocratico, ao longo do perodo 1930-1980, apesar da sua caracterstica excludente, as polticas sociais do governo federal produziram efeitos positivos em termos de uma organicidade do sistema de proteo social e consecuo de certos objetivos de equidade. Isto teria se tornado ainda mais eficaz na dcada de 90 quando um sistema mais abrangente de proteo recupera e redefine os valores mnimos dos benefcios sociais, mostrando um comprometimento mais efetivo do Estado e da sociedade com o financiamento de todo o sistema (Draibe, 1993:23).

    Em 2002, do total das receitas primarias do Governo central um 69,5% foram destinadas ao gasto social direto, 18,8% foram para gastos em outras reas e 11,7% ficaram com o supervit primrio. Assim que, o gasto social direto neste ano foi da ordem de 204, 2 bilhes, ou o equivalente a 15,5% do PIB, segundo documento oficial do Ministrio da Fazenda oficiais( Brasil, 2003). Neste mesmo anos, a composio do gasto social (excluindo renuncias fiscais e subsdios), vista atravs de suas oito grande reas mostra que mais de 3/4 deste foi para as reas da previdncia social (68,5%) e de sade (12,8%). Por ordem de grandeza dos recursos alocados, seguem as reas de assistncia social (5,5%), educao (5, 3%) e trabalho (5. 5%). As demais reas respondem por menos de seis por centos dos gastos e so elas a o setor a de organizao agraria (2.0%), de habitao e saneamento(0.6%) e o restante seriam outros gastos (2,9%).

    Para analisar a alocao dos gastos sociais e transferencias diretas de renda, um dado importante que esta responde, pelo menos em parte, ao novo modelo de proteo social j mencionado. Este modelo foi ampliado e se constitui de trs eixos principais: a Previdncia Social, Assistncia Social e Sade. Entre os principais aspectos do novo sistema encontra-se: a universalizao da cobertura, a equivalncia entre os benefcios dos trabalhadores rurais e urbanos, a seletividade na concesso dos benefcios, a irredutibilidade do valor dos mesmos, a equanimidade dos custos, a diversificao das fontes de financiamento, a descentralizao e a participao dos trabalhadores na administrao do sistema.

    Portanto, no por acaso ou desvio de objetivos do financiamento do Estado brasileiro, como alguns querem fazer crer, que a previdncia social atravs de seus dois regimes1 recebe a maior proporo na distribuio do gasto social do governo federal em 2002, mas por um comprometimento constitucional com a expanso dos benefcios previdenciarios. A importncia destes benefcios para a melhoria das condies de vida da populao tem sido enfatizadas por avaliaes nacionais e internacionais, onde ganha destaque especial os efeitos positivos da expanso dos chamados benefcios no contributivos. Por exemplo, a Lei Orgnica de Assistncia Social (LOAS) aumentou a concesso de beneficios para idosos e os domiclios com aposentados ou pensionistas apresentam uma renda 15% superior aqueles que no contam com os benefcios previdencirios. Sem os benefcios previdenciarios a pobreza dos idosos brasileiros, estimada em um patamar de 23%, ascenderia a 72% (Bertranou, 2001).

    Os impactos diretos e indiretos da previdncia rural, no entanto, constituem um dos melhores exemplos dos efeitos positivos do gasto social para a reproduo das famlias brasileiras. Por exemplo, o carter macio do acesso da economia familiar ao seguro previdenciario (7,3 milhes de benefcios permanentes), beneficiando 1/3 dos domiclios rurais em 2002, e sua insero nacional conferem ao sistema uma dimenso de instituio promotora de uma mudana estrutural no mbito da distribuio social da renda (Delgado et alli, 2004). Nesta mesma avaliao se aponta que, entre os efeitos diretos, estaria uma elevao significativa da renda domiciliar do pblico beneficirio, incidindo tais benefcios sobre uma populao rural ou microurbana, em geral, muito pobre. Entre os efeitos no planejados, estaria a revitalizao da economia familiar rural, a ponto de se constituir, no meio rural, uma categoria social de aposentados como grupo social que efetivamente se diferencia do universo de domiclios do setor rural tradicional. Conclui que a previdncia rural provocaria modificaes na estrutura produtiva do prprio regime de economia familiar rural e que estas no podem ser negligenciadas pelas avaliaes de impacto e pelos gestores de polticas ( Delgado et alli, 2004).

    Enfim, a expanso da previdncia social brasileira, que hoje paga benefcios para cerca de 80% dos idosos estaria contribuindo de forma importante para a renda media familiar do total dos domiclios

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    que tem idosos (25%) em 1999. Isto significa que, nestes domiclios, 59% da renda resultava da contribuio dos idosos e que mais de 1/3 desta tinha origem nos benefcios recebidos do sistema previdenciario (38%). Comparadas com o Mxico, que contem a mesma porcentagem de domicilios com idosos (25%) mas diferente cobertura previdenciaria dos idosos (19%) em 2000, as cifras brasileiras assumem ainda maior significado. Nos domiclios mexicanos com idosos um 36% da renda familiar resulta da contribuio dos ingressos de idosos, sendo que apenas 8% destes ingressos tem como fonte os benefcios previdenciarios (cifras de varias tabela de Camarano e Pazinato, 2003).

    Inspiradas no novo modelo de proteo social brasileiro e diante da crescente vulnerabilidade das famlias, no quadro de desemprego e informalizao do mercado de trabalho, as poltica sociais de transferencia direta de renda ganham maior nfase nos incios deste sculo atravs de programas catalogados como de assistncia social que se expandiram de forma significativa entre 2000 e 2002. A expanso dos chamados programas de renda mnima existentes e o impacto disto sobre a vida dos diferentes membros das familias benficiadas apontam para resultados positivos. Uma ampla avaliao do conjunto destes programas de transferencias diretas de renda, demonstra que isto ocorreu para todos os grupos etrios em geral, com efeitos claros sobre a renda media familiar, que cresceu 30% nesta utima dcada. A reduo da pobreza, no entanto, teria sido muito mais efetiva entre os idosos quando comparada com crianas e adultos (Barros e Carvalho, 2003). As simulaes sobre a incidncia da pobreza nos grupos etrios, na ausncia de programas governamentais, apontam que a pobreza teria sido 60% superior entre os indivduos com mais de 65 anos de idades proporo esta maior do que a estimada para as crianas que ficou entre 50 e 60%. No entanto, aps as transferncias de renda governamentais, os nveis de pobreza entre as crianas torna-se trs vezes maior do que o encontrado para os idosos. Se conclui que pobreza entre os idosos fica inferior, tambm, quando comparada com a dos adultos da faixa etria de 25 a 65 anos (Barros e Carvalho, 2003:8). Essas estatsticas alimentam o debate emergente sobre o vis geracional da distribuio dos recursos pblicos, e o maior gasto social com idosos considerado paradoxal em um pas com uma populao ainda relativamente jovem como o Brasil (Goldani, 2004).

    D. Transferencias Intrafamliares

    Ao contemplar os recursos no monetrios com que as famlias brasileiras contam para se reproduzirem fica difcil no pensar na natureza e a prevalncia da solidariedade e tenses dentro da famlia. Em um modelo idealizado de famlia o conflito no existe e a solidariedade presente e integeneracional tida como algo dado. Entretanto, basta ter presente os ndices de violncia domestica no pas para que se entenda que a solidariedade familiar de fato, um fenmeno multidimensional, com complexas e s vezes contraditrias relaes entre pais e filhos, adultos e crianas, homens e mulheres. De fato, os custos da produo domstica no computado e como discutimos recentemente, o tempo e o dinheiro que as famlias brasileiras dispensam com o cuidado para seus dependentes -- ajudando reproduo biolgica e social da populao -- so ignorados nas discusses do PIB e na formulao de polticas. To pouco se considera as indicaes de que as mulheres brasileiras deixaram de ser um recurso invisvel" e passaram a ser um recurso escasso" entre as geraes, fator este negligenciado nesta fase de crescente demanda por servios e cuidados ao inteior das familias, e de cortes nos servios prestados pelo Estado (Goldani, 2004).

    Em geral, o reconhecimento de que, apesar do aumento nos gastos sociais governamentais recentes, o bem-estar de cada membro da famlia sem renda , praticamente, determinado pelos recursos da famlia a que pertence. Em meados dos 90s se demonstra que as transferencias monetrias entre os que possuem e os que no possuem renda ocorreriam, em sua quase totalidade, no interior das famlias. (Barros e Mendona, 1995). Entretanto, os recursos no monetrios quase no so quantificados, e por isto mesmo quase nunca contabilizados nos custos de reproduo da populao. Um exemplo atual disto so os cuidados dos dependentes nas famlias, tarefa tradicional das mulheres, que comea a ter mais visibilidade diante do fenmeno do envelhecimento e da escassez das mulheres, hoje trabalhando cada vez mais no mercado (Goldani, 2004).

    De fato, so os estudos sobre envelhecimento que oferecem maiores informaes sobre os intercmbios familiares, deixando claro o papel dos recursos no monetrios. Assim, se aponta

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    que 92% dos idosos brasileiros recebem algum tipo de ajuda familiar (Saad, 2002) e que a co-residncia no Brasil parece estar associada a melhores condies de vida. Se constata nestes estudos que o cuidar e ser cuidado nas famlias brasileiras segue o equilbrio entre afetos e reciprocidades em uma estrutura normativa. As mulheres mais do que os homens e os parentes mais do que os no parentes so preferidas no processo de intercmbio intergeracional e na proviso de cuidados. (Debert, 1999; Saad, 1999, Camarano, 2002). Enfim, no processo de transferencia no monetarias fica claro o papel das familias, percebidas em termos cada vez mais amplos. As famlia no seriam, apenas uma importante fonte de apoio material mas percebida, tambm, como a principal fonte de alegria e felicidade, como mostra uma recente pesquisa com idosos (Goldani, 2004)

    Comentrios

    O panorama de mudanas nas condies de reproduo social das famlias mostra muito claramente que as opes por um certo modelo de desenvolvimento vem promovendo novas formas de integrao e excluses. Resultado, em grande parte, das mudanas no mundo do trabalho este processo influencia as famlias no s em termos de mercado de trabalho mas tambm em termos dos novos valores que advm da esfera do trabalho. No se quer dizer com isto que a esfera da famlia regida somente pelos valores predominantes na esfera do trabalho. Entretanto, como nos recorda Nunes (2003) importante ter presente que as lgicas e os valores que hoje predominam nas esferas do trabalho e criam novas identidades influenciam o nosso cotidiano. At mesmo na esfera da subjetividade a interveno do mundo do trabalho aparece ainda mais evidente, em uma conjuntura na qual se demanda a produo de sujeitos sociais diferentes de pocas anteriores para responder outras necessidades (p:7). Na pratica, isto sugere uma demanda por uma nova socializao e ai podemos ver uma outra conexo importante entre transformaes no mundo do trabalho, a famlia e a demanda por novas polticas sociais.

    Um outro aspecto que emerge do traado das mudanas do contexto brasileiro, que em uma realidade de muitas e extremas desigualdades a situao de autonomia econmica das famlias, baseada no rendimento do trabalho de seus membros, continua sendo uma utopia. Neste sentido, cabe ao Estado como mediador reforar no s as condies bsicas universais de sade, educao e moradia mas intermediar condies mais igualitrias para todos os membros das diferentes famlias, desta vez a nvel das praticas de polticas sociais e no apenas legal. Ou seja, fica claro que sem o Estado , apenas uma parcela da populao brasileira continuarem tendo acesso aos benefcios de um mercado de bens, cada vez mais sofisticado e do qual uma grande maioria se encontra excludo. Afinal, como costumava dizer Wilmar Faria ser cidado , tambm, ter acesso ao mercado.

    Enfim, na medida em que novos valores e identidades esto sendo criados nestes incios de sculo transformam-se os sistema de deveres e obrigaes entre pais e filhos e os papis sexuais. A expanso dos direitos de cidadania, os valores democrticos e igualitrios reforam este processo e impe uma renegociao dos diferentes contratos sociais ( de gnero, poltica social e entre o grupo de parentesco ou famlia) Goldani, 2004. Tambm aqui, o papel de mediador do Estado tem cabida, ao estar atento a questo das mltiplas discriminaes, tais como sexual, racial, e econmica.

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    II. Estado, Famlia e Proteo Social no Brasil: Da Cidadania Legal a Cidadania de Fato.

    A. Cidadania Legal

    A natureza da estreita e histrica relao entre o Estado brasileiro e a famlia constitui uma etapa fundamental, tanto para entender os atuais programas sociais voltados para as famlias, como para sugerir novos. Ao reivindicarmos uma poltica social que considere as famlias e a partir de uma tica de gnero que contemple desigualdades e diferenas, temos em mente os modernos princpios constitucionais de 1988 e o novo cdigo civil de 2001. Entretanto, no se pode esquecer que durante todo o sculo XX a normatizao familiar obedeceu a um cdigo civil editado em 1917 (modificado no tempo), e que na pratica este segue sendo o modelo, sendo mesmo aplicado (Pimentel et. All 2001) . Da a importncia de termos presente que foram as famlias patriarcais extensas que serviram de modelo para a montagem do Estado brasileiro no sculo XIX. Estas familias, de fato, exerceram o poder poltico e foram as provedoras de servios e da ordem social. Ou seja, estabelecem as origens do assitencialismo brasileiro. Quando o Estado ganha poder e se estabelece, este se estrutura de forma similar as famlias patriarcais. A este respeito so eloqentes os discursos da elite e polticos brasileiros da poca, enfatizando que a nao como uma famlia, dirigida por um patriarca (Besse,1996).

    Na construo do Estado-Nao e da modernizao brasileira o Estado liderou, tanto o crescimento econmico como promoveu a incorporao das massas urbanas, atravs de um modelo de cidadania que priorizou o social sobre os direitos civis e polticos Assim, nos anos 20 e 30 em um contexto de crescimento econmico e de industrializao, com forte organizaes sindicais de trabalhadores de diferentes categorias e um setor pblico forte e profissionalizado, o Brasil deu inicio ao seu sistema de welfare. Um complexo e generoso conjunto de benfcios sociais marca a formao de um Estado de bem Estar inspirado no modelo Europeu. Uma legislao trabalhista estabelece limites de horas de trabalho, frias anuais, um salrio mnimo, benefcios de aposentadorias e penses, licena maternidade, seguro desemprego e de sade, etc Estes benefcios sociais, no entanto, estiveram limitados aos trabalhadores com emprego regular nos centros urbanos e eram diferenciados por categorias. Portanto, a populao rural no foi coberta e se estabeleceu as desigualdades de benefcios entre categoria, que alias permanece at hoje entre civis e militares.( Reis, 2000; Schwartzman, 2003).

    Nesta fase de modernizao do Estado brasileiro, com o suporte cientfico do movimento eugenista o discurso oficial sobre famlia reconstrudo no sentido de favorecer a famlia do tipo nuclear. Assim, nas dcadas de 1920 e 1930 a proteo das mes e crianas passa a ser prioridade e os programas sociais so chamados de materno-infantis, nomenclatura que alis perdura at os anos 70s. As mes trabalhadoras ganham a licena maternidade e dois intervalos dirios do trabalho para poder amamentar. A educao publica primaria foi expandida e o trabalho infantil foi regulado mais estritamente. Os papis familiares foram reforados por discursos oficiais e polticas pblicas que definiam os homens como os trabalhadores provedores e as mulheres mes reprodutoras da fora de trabalho. De fato, a base da legislao trabalhista construda nos anos 30, que marca a formao de um Estado de Bem estar no Brasil, explicita uma concepo de proteo da mulher no mundo do trabalho que refora seu papel de me. As obrigaes das mulheres se tornaram no s cuidar os filhos mas a de um trabalho patritico, ou seja a de reproduzir o Estado atravs de uma fora de trabalho forte e saudvel.

    Uma avaliao da relao entre cidadania e estratificao no Brasil sugere que, em grande medida, o modelo de cidadania social colocado em pratica em 1930 pelo regime de Vargas, permaneceu at 1964 (Reis, 2003). O argumento de que isto se deveu, em parte, ao persistente crescimento econmico no perodo, o qual teria possibilitado a absoro das massas rurais pelo mercado de trabalho urbano, bem como pelo mercado poltico , no qual lideres populistas tratavam de estabelecer-se. Os sindicatos de trabalhadores estavam estreitamente relacionados ao Estado fazendo mesmo parte do arranjo corporativista hierrquico que regulava a cidadania. Entretanto, conclui Reis, o sucesso do modelo de modernizao gerenciado pelo Estado e a expanso da cidadania social, a largo prazo se mostrou problemtico. Isto porque acabou enfraquecendo um elemento chave deste modelo, as classe baixas das reas rurais, na medida que estes foram

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    excludos do modelo de cidadania. Alis, teria sido uma incipiente mobilizao poltica destes setores um dos principais fatores que ativaram o golpe militar de 1964 e que inaugurou o perodo de 21 anos de ditadura militar ( Reis, 2003).

    Entre 1964-1985 o modelo de modernizao dos militares, baseado na aliana entre as firma estatais, as corporaes multinacionais e o capital nacional, promove uma generalizao do acesso ao direitos sociais, rompendo com o modelo corporativista anterior. Isto ocorre , primeiro, atravs da unificao do sistema de bem-estar e logo com a extenso deste para os trabalhadores rurais com a implantao do Prorural/Funrural (1971/1992). Tal como no modelo anterior foi o continuo crescimento do mercado de trabalho que deu suporte para a implementao dos direitos sociais (Reis, 2003). neste quadro e a partir do aumento expressivo das mulheres no mercado de trabalho nos anos 70s que se inicia uma campanha mais intensa sobre os direitos das mulheres. Com o fortalecimento de uma segunda onda feminista e do movimento de mulheres, despertam as campanhas de salrio igual para trabalho igual e ganha visibilidade a segmentao das mulheres e de trabalhadoras, com destaque para as condies das mulheres negras e das trabalhadoras domesticas rurais. Como parte desta situao uma serie de medidas afirmativas no trabalho e regulao do servios de planejamento familiar foram promovidas a nvel do governo federal.

    No perodo 1985-2000, um pas praticamente urbano e em processo de redemocratizao se enfrenta crises econmicas. As dificuldades de emprego no mercado formal estimula um setor informal ainda maior e tudo isto demanda um novo modelo de proteo social. As elevadas propores de imigrantes das reas rurais pressionaram fortemente os servios e bens pblicos em um contexto de no aumento do emprego industrial. As taxas de desemprego alcanaram seus nveis mximos no perodo 1989-1996 quando a populao ativa cresceu ao redor de 16% e o crescimento do emprego alcanou apenas cerca de 11%. Nos anos 80s a combinao de elevados gastos pblicos e taxas de juros internacionais elevadas geraram elevadas taxas de inflacao e a estagnao econmica o que afetou, particularmente, a populao mais pobre (Reis, 2003). O controle inflacionario, iniciado com o chamado plano real em 19995, marca um breve perodo de estabilizao econmica que permitiu melhorias concretas para os pobres. As estimativas so de que o controle inflacionario respondeu pelo aumento de renda ao redor de 30% entre os estratos mais baixos, aumentando o consumo de produtos e bens domsticos durveis no perodo imediato a adoo do plano real. Para o final da dcada, em 1998/1999 a economia se desacelera novamente e aumenta o desemprego, situao esta que piora ainda mais com a desvalorizao da moeda nos incios de 1999 (CEPAL, 2001, Scwartzman, 2003).

    Nesta fase uma transformao fundamental ocorre em termos do modelo de proteo social, redefindio pela Constituio de 1988 (Draibe, 1993). A constituio teria redirecionado o sistema para um modelo de proteo social institucional-redistributivo ou mais universalista e equnime (Draibe, 1993: 23). Os critrios de elebigilidade para os benefcios foram redefinidos e a sua cobertura ampliada atravs dos benefcios no-contributivos. Foram muitos os ganhos legais que se formalizaram em leis e estimularam medidas afirmativas e melhoria nas condies de vida das mulheres. A reviso do conceito de famlia como sinnimo de casamento legal foi um dos grandes avanos. Agora o Estado brasileiro reconhece um casal formado por um homem e uma mulher em convivncia estvel como uma famlia para fins legais. A reviso da lei do divorcio se soma ao novo conceito de familia e amplia as possibilidades de arranjos sexuais legais. Depois de tramitar por 35 anos no Congresso Brasileiro uma primeira lei de divorcio foi assinada em 1976 mas esta permitia divorciar-se, apenas uma vez. Com a Constituio de 1988 se retirou esta restrio e desde ento se conta com uma legislao mais completa.

    Uma serie de reformas constitucionais e leis subsequentes acabaram se somando e substituiriam o Cdigo Civil vigente desde 1917. Entre algumas das mudanas no codigo civil de 2001, encontra-se que este eliminou normas discriminatorias de genero como por exemplo, as referentes a chefia masculina da sociedade conjugal passa a ser compartilhada; a prepondrancia do patrio poder quando se substirui o termo homem quando usado genericamne para referir-se ao ser humano , peela palavra pessoa; permite ao marido adotar o sobrenome da mulher; e o estabelecimeno da guarda dos filhos que passa da mae como prioridade para ser o conjuge em melhores condies de exerce-la (Pimentel, et. Alli. 2001). Saudado como um novo marco para a condio das mulheres nas famlias o novo cdigo, editado em 2001, ainda apresentaria alguns resqucios conservadores,

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    na avaliao de Correa (2004) que cita especificamente a questo do nascituro como titular de patrimnio, principio que estaria sendo utilizado pelos setores anti-aborto.

    Ao mesmo tempo que amplia e moderniza o conceito de familia a Constituio de 1988 aconsidera responsabilidade da famlia, da sociedade e do Estado dar suporte aos idosos, assegurar sua participao na comunidade, defender sua dignidade e bem-estar, bem como garantir o seu direito vida (artigo # 230). No primeiro pargrafo deste artigo constitucional dito tambm que os programas do apoio para os idosos devem ser realizados, preferencialmente, dentro de seus domiclios. Assim que, na atribuio de responsabilidades a famlia vem primeiro. Novas leis e diversas medidas prticas, foram empreendidas pelo Estado brasileiro visando proteger a populao idosa contra a discriminao, a violncia e dificuldades econmicas. A Poltica Nacional do Idoso, de 1994 e o Estatuto dos Idosos de 2004 so alguns exemplos destas medidas legais.

    B. Cidadania de Fato

    O hiato entre a cidadania legal e a cidadania de fato tem sido objeto de preocupao de diferentes grupos, uns interessados(as) na avaliao de aes e politicas sociais e com uma linguagem economicista de eficiencia, eficacia, efetividade e focalizao,7 e outros apontando para a distancia entre o direito legal e o direito real e mais preocupados(as) com a questo dos direitos individuais e da cidadania, das desigualdades e das medidas afirmativas.

    Entre os exemplos de analises sobre a cidadania de fato, a partir da perspectiva mais economicista, encontram-se as avaliaes sobre o funcionamento das politicas de emprego e renda do Governo federal. Estes tratam de mostrar o grau de focalizao, ou seja, o quanto estas politicas esto atendendo os pobres. Nesta area, um dos focos a questo do seguro desemprego posto que em 2002 os gastos com o seguro desemprego equivaleram a 3,7% do total das transferencias diretas de renda do governo federal (Tabela 12 e Anexo)8. O programa do Seguro desemprego hoje, oferece assistencia finaceira ao trabalhador dispensado do mercado formal (isto , com registro do rompimento do vinculo na carteira de trbalho) sem justa causa por um periodo que varia de tres a cinco meses. O beneficio de pelo menos um salario minimo mensal mas pode ser o dobro. O direito do trabalhador brasileiro ao seguro desemprego data dos anos 80 e tratavas atender as demandas da crise daquele momento, Com valores baixos e criterios muito rigidos este nao teria tido maior impacto e s a partie de 1990, com uma estrutura totalmente alterada este passou a ter maior visibilidade e impacto.

    Uma avaliao do grau de focalizao dos benefcio do seguro-desemprego estimam que a probabilidade de encontrar-se um trabalhador do primeiro decil de renda entre os beneficiarios deste seguro quase 22 vezes menor que entre os trabalhadores ocupados remunerados, enquanto a probabilidade de encontrar um trabalhador do segundo e do decimo decil , respectivamente 3,6 e 2,5 vezes menor que entre os trabalhadores rmunerados. No quinto e sexto decis da distribuio de renda a probabilidade de encontrar um trabalahdor enre os benficirios do seguro praticamente duas vezes maior que a de encontrar entre ocupados remunerados. Assim, em 1999 com dados da pesquisa domciliar, a concluso de que o beneficio do seguro-desemprego atinge prioritariamente um segmento no pobre dos trabalhadores brasileiros, embora tambm subrepresente as faixas salariais mais altas (Passos et all.2002:174). Uma outra avaliao das politicas de emprego e renda para as regies Nordeste e Sudeste em 1996, toma em conta o grau de focalizao de tres programas (seguro-desemprego, abono salarial e fundo de garantia (FGTS), ( Tabela XII e Anexo), e conclui que estes programas sim tem atendido adequadamente certos

    7 Estes conceitos que tem servido de referencia na avaliao so definidos como: 1.eficacia, via de regra est relacionado aos graus

    de certeza da proviso dos servios; 2. eficiencia em geral est associado a uma consciencia de custos da proviso dos servios ; 3. efetividade, est ligado a efetiva amenizao/resoluo d problema que se pretendeia com oa prestao do servicosisto ao seu impacto.

    8 Em 1990 foi criado o Fundo de Amparo ao Trabalhador, (FAT), (Lei n.7.998/90 ), do qual faz parte o Programa do Seguro-

    Desemprego que engloba o pagamento do benefcio do seguro desemprego propriaente dito e a Politica de Intermdiao de Mo-de-Obra e a Qualificao Profissional (PLANFOR) Ao receber as contribuioes do PIS/PASEP, Programa de Integrao Social e Programa d ePatrimonio do Servidor Publico, o FAT tornou-se uma fonte proria de finaciamento das politicas d eemprego e renda e hoje o seu eixo articulador (Passo, et all. 2002:169).

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    seguimentos da populao mas que definitivamente estes no esto servindo de proteo aos trabalhadoes mais carentes (Barros et. All, 2001).

    A expanso significativa dos chamados programas de renda mnima existentes e do nmero de famlias beneficiadas, com destaque para os tipo Bolsa (Bolsa-Escola, Bolsa-Criana Cidad, Bolsa para jovens de 15-17 anos, Bolsa-Alimentao agora o Bolsa Escola.),9no periodo 2000-2004,(Tabela 12), tem contribuido para o debate da cidadania de fato. Quantas famlias estes programas abrangem, qual o nvel e significado dos benefcios recebidos em termos das condies de vida destas famlias, so algumas das muitas questes no bem respondidas. Avaliaes existentes reconhecem os benefcios dos programas para os indivduos e apontam para suas limitaes. Por exemplo, com respeito ao Bolsa-Escola se conclui que a reduo no percentual de populao pobre na dcada foi muito pequeno, de 1,3% mas que isto se deveria, em parte, ao baixo valor das transferencias que eram realizadas no mbito deste programa (Brasil, 2003). O alcance limitado dos programas assistencias tipo bolsas discutido por Lavinas(2004) que aponta para os reduzidos investimentos feitos e suas regras de funcionamento. Chama a ateno, para o fato de que estes progamas representariam menos de 2% dos gastos sociais publicos federais em 2002 e aponta para as possibilidade do Programa Bolsa Familia promover mudanas. Ainda que com o carater seletivo dos outros programas este parece promover mudancas no desenho dos programas compensatrios que poderiam ir na direo de ampliar os benefcios. A unificao de programas de renda minima existentes, o aumento do beneficio mensal, e a perspectiva de ampliao da cobertura, prevista para 11,2 milhoes de familias so alguns exemplos (p:10). Aqui vale mencionar que a meta anunciada, de cobrir mais de 6 milhes de familias em 2004 parece estar cada vez mais difcil e tem exacerbado as polemicas a respeito do Bolsa Familia.

    O maior avano em termos de uma cidadania de fato parece ter ocorrido atravs dos beneficios no-contributivos. Estes beneficios foram a grande novidade das polticas sociais brasileiras na segunda metade da dcada de 1990 e resultam da implementao dos princpios universais de seguridade social da Constituio de 1988. Avaliaes sugerem que os benefcios no contributivos representariam, de fato, um dos fatores mais importantes do sistema de seguridade social brasileiro e que contribuiram de forma decisiva para a melhoria de vida das familias nesta ultima dcada. Da perspectiva de equidade de genero se avalia que os benefcios no contributivos da previdncia rural10 representariam, um poderoso instrumento de equidade entre gneros rurais ao conceder o mesmo valor e a mesma espcie de beneficio previdenciario para homens e mulheres. Esse fator, associado aos aspectos demogrficos, colaboram para que 64% dos beneficirios da Previdncia Rural sejam mulheres (Silva, 2000).

    Outras avaliaes da expanso dos benefcios no contributivos apontam na direo de ganhos na cidadania de fato atravs da implementao da Lei Organica de Assistencia Social (LOAS). Tanto atravs do pagamento dos benefcios de prestao continuada (BPC), que consiste na garantia de um salrio mnimo por ms para os idosos com mais de 65 anos e pessoas consideradas deficientes, cujas familias tem uma renda mdia familiar per capita igual ou inferior a 1/4 do salario minimo (no elegveis para os benefcios contributivos e que vivam em famlias cuja renda mensal seja inferior a 1/4 do salrio mnimo) bem como do beneficio de aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais, equivalente a um salrio mnimo para as mulheres aos 55 anos de idade e aos homens aos 60 anos, (os quais no necessariamente contriburam para o sistema previdencirio)11 a LOAS desempenhou papel importante na melhoria da renda familiar. Este tipo de beneficio representou ao redor de 25% dos gastos assistenciais do governo federal e cerca de

    9 Todos estes programas esto sujeitos a comprovao de insuficincia de renda e tem como referencia uma renda mdia familiar

    per capita igual ou menor que uma certa linha de pobreza. A maioria tem condicionalidades e o benefcio em geral garantido por um certo tempo.

    10 A mudana do regime assistencial precrio do Prorural/Funrural (1971) para o regime especial da previdncia rural, implementado

    a partir de 1992 com base nos princpios de seguridade invlidos do meio rural e, particularmente, s mulheres semi-excludas do Funrural pelo critrio legal de amparo exclusivo ao cabea da famlia. De direito e de fato, muda-se uma concepo de proteo estritamente familiar ao idoso rural, vigente nos anos 40 e 50, para inseri-lo no mbito de uma poltica social que reconhece o direito do idoso ao acesso aposentadoria, independentemente de sua capacidade contributiva ao sistema de previdncia social. Entre os anos 70 e 80, prevaleceu o regime assistencial precrio do Funrural, estabelecendo formas de acesso a benefcios previdencirios minimos (por exemplo, meio salrio mnimo como teto de aposentadoria) e ainda por cima submetido a uma gesto clientelstica e de forte apelo eleitoral (Delgado, eta ll. 2004).

    11 A previdncia social rural tambm beneficia pescadores e garimpeiros. (ver Delgado neste livro).

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    2% do total dos gastos sociais publicos em 2002 (Tabela 12). Na avaliao de Lavinas estas cifras, certamente, estariam aqum da da demanda efetiva mas sim representam um progresso surpreendente na concesso deste tipo de benefcios ( 2004:7).

    Na perspectiva do direito formal e o direito real os movimentos de mulheres tem enfatizado que a distancia entre estes uma grande afronta a democracia e que apesar de existirem ganhos legais, a falta maior est na no observancia e o desrespeito cotidiano legislao brasileira e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (Rodrigues, 2003). Entre os ganhos legais da dcada de 90, associados a Plataforma de Ao Mundial e as Plataformas Feministas brasileiras com implicaes direta para as familias se destacam o conjunto de oito (8) leis e dispositivos12. Por exemplo: 1. a regulamentao da unio estvel (sem vnculo legal) e que define um casal heterossexual como famlia (Lei n.9.278/96); 2. o planejamento familiar que garante o servio gratuito e regulamenta a esterilizao (Lei n.9.263/96), e 3. a extenso do salrio-maternidade as trabalhadoras rurais, domsticas e avulsas (Lei n.9.304/96). Ao avaliar estes ganhos legais Rodrigues (2003) chama a ateno para o tratamento no igualitario entre categorias de tralhadores, onde se destaca as trabalhadoras domesticas, categoria que represena ao redor de 15% das mulheres ocupadas em 2002. Da mesma forma, na discusso das novas regulamentaes da previdncia social o movimento de mulheres brasileiro avalia que embora a aposentadoria diferenciada de cinco anos de trabalho entre homens e mulheres se mantive , a regulamentao do contrato de trabalho temporrio por prazo determinado (Lei n.9601/98), compromete concretamente o gozo da licena-gestante e a estabilidade provisria da gestante (Rodrigues,2003).

    Finalmente, uma outra avaliao sobre as poltica pblicas voltadas para a igualdade de direitos e eqidade de gnero em diferentes reas e com foco nas iniciativas dos poderes executivo, legislativo e judicirio no mbito federal brasileiro aponta para os avanos e os obstculos nos 5 anos aps Beijing. Esta conclui que estas polticas no tem tido a visibilidade desejvel, ou porque no existem suficientes campanhas de informao e sensibilizao ou porque, na verdade, elas so mais formais do que substantivas (AMB,2000).

    Comentrios

    Concluindo, este breve retrospecto histrico das conquistas legais sugere que a conexo entre mulher/me e famlia com o Estado possibilitou ganhos legais, ampliou os direitos de cidadania das mulheres gerando mudanas nas relaes entre os membros das famlias. Entretanto, o continuo uso, desta associao tem colocado a questo de que at que ponto isto hoje, atende as necessidades das mulheres e neste sentido aponta como um dos mais srios aspectos do hiato existente entre a cidadania legal e a cidadania de fato. O uso das mulheres como mes foi usado para justificar a extenso dos direitos destas em alguns casos, mas tambm, como justificativa para limitar estes direitos em outros casos. Por exemplo, o fato das mulheres terem sido to fortemente ligadas ao discurso da responsabilidade pela administrao da famlia resultou em uma desproporcional carga de trabalho para estas.

    No defendemos a idia das mulheres como vtimas passivas das foras opressivas do Estado brasileiro, pois muitos so os exemplos de quo agentes ativos as mulheres tem sido na relao com este, tanto atravs dos movimentos de mulheres como atravs de grupos atuantes ao nvel da administrao publica governamental . Entretanto, como bem lembram Portella e Gouveia (1999), haveria que considerar o duplo lugar das mulheres nas atuais politicas governamentais. Ou seja, seu papel tanto como beneficiarias das polticas, como implantadoras cotidianas de alguns dos programas sociais, como por exemplo, os de sade.13 De fato, nas diferentes concepes dos papis das mulheres na famlia e na sociedade que muitos dos programas sociais adquirem certos formatos( p:8).

    12 O conjunto de oito (8) leis e dispositivos sao: 1. o salario maternidade das trabalhadoras rurais domesticas e avulsas (Lei

    n.8.86d1/94); 2.Planejamento familiar (Lei n.9263/96); 3.Unio Estavel (Lei n. 9.278/96), 4. Dispositivo sobre Educao nfantil (Lei n.9.304/96); 5.Dispositivo sobre cotas por sexo no legislativo (Lei n.9504/97); 6. Mercado de trabalho da Mulher (Leis n.9.029/95 e n.9.799/99); 7. Cirurgia reparadora de mama em casos de mutilao, decorrentes de tratamento de cancer pelo SUS e por Convenios de saude (Leis n.9.797/99 e n.10.223/01), assedio Sexual (Lei n. 10.224/01).

    13

    Nos programas de sade as mulheres atuam tanto como agentes formalmente integradas a programas ou como voluntrias que auxiliam as aes governamentais na comunidade (Portella e Gouveia (1999:8).

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    interessante observar que entre nossos Experts entrevistados, mesmo algumas mulheres, conhecidas feministas, no parecem sensibilizadas ou percebem esta questo, que chamariamos de continuidade no uso das mulheres pelo Estado para promover o bem estar da crianas e/ou garantir uma fora de trabalho forte e saudvel. Pelo menos, nossos (as) entrevistados no identificaram esta questo como importante, quando perguntados sobre o nivel de concordancia com a citao abaixo. Das 12 respostas, um (42%) disseram que nem concordavam nem discordavam, 33% dissseram concordar parcialmente e apenas 25% concordaram integralmente com a afirmao.

    Elas, as mulheres encontram-se na confluncia de uma situao profundamente injusta em que, por fora das dificuldades de insero no mercado de trabalho formal e do seu lugar na famlia e na comunidade, terminam por se constituir numa fora de trabalho especial e privilegiada diante dos rgos governamentais. Para ns, so muitas as contradies embutidas nesta articulao (mulher, famlia e programas sociais governamentais) que, aparentemente, soluciona problemas de ordem scio-econmica e de desenvolvimento (Portela e Gouveia, 1999).

    Na interpretao das respostas de nossos Expertss haveria que considerar, tambm, os seus entendimentos frente aos possveis enfoques da relao entre gnero e polticas14. Ou seja, o entendimento de como as mulheres, enquanto populao beneficiaria/e ou executora dos programas sociais se envolvem ou deveriam envolver-se, deveriam ser tratadas, atendidas e percebidas. Um exemplo da variedade destes enfoques foi proposto por Moser (1992), que menciona cinco (Bem Estar, Equidade, Anti-pobreza, Eficcia e Empoderamento) 15.

    Enfim, assumindo que haveria algum tipo de preocupao com gnero nas polticas sociais brasileiras ( quando mais no seja , por presses de acordos e financiamentos internacionais), e olhando para a mencionada classificao de Moser, diramos que o enfoque dominante nas prticas e percepes seria o do Bem Estar, ou seja, que concebe o papel e desempenho de me como a contribuio maior das mulheres ao desenvolvimento. Nesta mesma referencia de enfoques diramos que estamos bem longe de um ideal enfoque, do tipo do empoderamento, ou seja de uma viso da mulher como sujeito ativo, formuladora e participante de todas as etapas dos programas e polticas sociais.

    III. Retratos das Famlias Brasileiras

    A. Os Arranjos Domiciliares/familiares: uma viso retrospectiva, 1970-2000.

    Nos incios dos sculo XXI os brasileiros de Sul a Norte continuam morando, preferencialmente, em unidades domsticas organizadas ao redor de um casal e grupo de parentesco, mas a estrutura interna destes arranjos muda e com ela o significado. Nos ltimos trinta anos as famlias brasileiras quase triplicaram seu numero (17,6 para 47,9 milhes) e diminuram seu tamanho mdio de 4,9 para 3,5 pessoas (Tabela 2). Um breve perfil estatstico destas famlias que houve uma melhoria em suas condies de vida ao longo do tempo e que a diversidade de arranjos sua marca maior. (Tabela Geral Alexandre). Assim que entre 1970 e 2000, nota-se que a renda mdia familiar per

    14

    Uma outra questo que pareceria em aberto e mereceria maior ateno, e que no o caso neste trabalho, diz respeito a cumplicidade em termos das relaes de gnero que permaneceria arraigada a cultura local tanto popular como poltica (vide a resperio Goldani, 2000).

    15 Moser identifica cinco diferentes enfoques de gnero possveis em programas de desenvolvimento, (ou seja, programas

    governamentais ou no que objetivem o crescimento econmico e/ou promoo de bem estar): 1. 1, Equidade, as aes so dirigidas no sentido de reduzir as desigualdades em diferentes esferas, trata a mulher de forma integral que participem ativamente do processo de desenvolvimento. A meta maior seria a igualdade entre homens e mulheres; 2. Bem-Estar Social, enfatiza o papel da mulher como me e que sendo melhores mes esta seria a melhor contribuio das mulheres aos programas de desenvolvimento; 3. O anti-pobreza trata de contribuir para intensificao da produtividade das mulheres pobres e assim os programas tratam da gerao de emprego renda. A pobreza vista como problema de desenvolvimento e no como de subordinao de gnero; 4. Eficcia trata de integrar as mulheres enquanto fora de trabalho e liderana comunitria no desenvolvimento de um leque de programas entre os quais aes na ara de sade preventiva e curativa; 5. Empoderamento, se coloca em oposio so outros quaro enfoques pois percebe a mulher como sujeito ativo do desenvolvimento. Seria vista como formuladora de suas prprias necessidade e projetos. Neste enfoque as mulheres participariam em toda a fases dos programas sociais e fortaleceria as sua prprias organizaes (Moser, 1992, in Portella e Gouveia,1999: 10).

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    capita cresceu substancialmente, mesmo considerando a perda do poder aquisitivo dos salrios mnimos, e o numero mdio de pessoa diminuiu. De uma renda menor que um (1) salrio mnimo mensal as famlias passaram a contar com 2,4 salrios e o numero de pessoas trabalhando permaneceu praticamente o mesmo. Claro que aqui haveria que considerar, tambm, a diminuio de mais de uma pessoa no tamanho mdio das famlias, que neste perodo passaram de uma mdia de 4,9 para 3,5 pessoas, em parte relacionado ao descenso da fecundidade. A escolaridade aparece como importante indicador de qualidade de vida e no caso os anos mdios de escolaridade dos chefes de famlia mais que duplicaram (2,7 para 5,8 anos). Outras melhorias para as famlias podem ser vistas atravs do aumento das idades mdias dos chefes de famlias em cerca de 2 anos e nas mudanas da composio por sexo, onde as mulheres mais que dobraram sua representao relativa (12% para 27%). Associado a este processo est a distribuio dos tipos de famlia onde mes com filhos dobram sua participao relativa ( 8% para 16%) (Tabela 2)

    Ao longo das ultimas trs dcadas muitos foram os fatores a nvel macro e micro que transformaram as famlias brasileiras. Estreitamente relacionada com os sistemas e as condies do mercado de trabalho estas mudanas apontam para o aumento da informalidade e precariedade dos empregos, altas taxas de desemprego e baixos salrios e a incapacidade dos homens adultos continuarem como provedores principais de suas famlias. Da mesma forma, os jovens enfrentam restries no mercado para desempenharem seu papel de recurso adicional para a renda familiar. A fora de trabalho feminina, uma vez mais, aparece como o recurso disponvel para a manuteno de muitas unidades domsticas na atual conjuntura. Assim, no por acaso que a taxa de atividade das mulheres cresceu ainda mais nesta dcada e superou a dos homens em 9 pontos percentuais. Em meados dos anos 90, ao redor de 33% das mulheres brasileiras j eram chefes econmicas de seus domiclios em 1993 (Arriagada,1998).

    De fato, a crescente participao das mulheres no mercado de trabalho e sua implicaes para a dinmica de funcionamento da famlia se constitui na fora impulsionadora maior das transformaes familiares ainda que isto no esteja reconhecido a nvel das polticas. Voltamos a enfatizar que as polticas seguem assumindo o papel de recurso invisvel das mulheres na famlia e ignoram que estas tornam-se cada vez mais recursos escassos(Goldani, 2004). Para ilustrar esta dinmica traamos dois cenrios que consideramos indicativos da complexidade das transformaes bem como das vulnerabilidades que se apresentam para os diferentes membros das famlias nesta ltima dcada. Tomamos dois momentos para traar os cenrios: Cenrio A: Dinmica Familiar e Trabalho em 1996/97 e Cenrio B: Dinmica Familiar e Trabalho 2000/2001

    A.1. CENARIO A: Dinmica Familiar e Trabalho ( 1996/97)16

    A participao das mulheres na atividade econmica neste perodo marcada por uma queda na taxa de atividade das mulheres mais jovens e uma forte expanso nas idades mais elevadas, estas em geral situadas em empregos precrios com menor segurana e baixa proteo social (Lavinas, 1997; Bruschini & Lombardi, 1997). Isto particularmente verdadeiro para mulheres brasileiras casadas e ocupadas, mas tambm para aquelas no casadas, responsveis por filhos, pais ou parentes idosos. Paralelamente ao crescimento das taxas de atividade feminina, no houve maiores mudanas na diviso sexual do trabalho domstico e nem melhoria nas polticas sociais de suporte s famlias, as quais aliviariam a exclusividade feminina nas responsabilidades domsticas. Ilustrativos a respeito so os dados pioneiros sobre a alocao do tempo das pessoas em diferentes atividades17, que revela que o chamado trabalho produtivo e os afazeres domsticos so as atividades que mais consomem o tempo de homens e mulheres. A mdia de tempo semanal dedicada ao trabalho produtivo foi de 40 horas; para os afazeres domsticos este tempo foi de 30 horas, enquanto o tempo gasto em estabelecimentos de ensino somaram 21 horas. O tempo dedicado ao trabalho comunitrio ou assistencial foi de 6 horas por ms e apenas 2,8% da populao exerceu este tipo de trabalho (IBGE, 1999, p. 127).

    Assim, em 1996/97 do total da fora de trabalho ocupada no chamado trabalho produtivo, 37% eram mulheres. A situao por sexo mostra que os homens gastariam 43 horas por semana no

    16 Este cenrio foi construdo com base em material j publicado por Goldani, 2002.

    17 Estes dados so da Pesquisa de Padro de Vida (PPV) realizada pelo IBGE, entre 1996-1997, nas regies Sudeste e Nordeste, que representam cerca de

    2/3 da populao total do pas. (IBGE, 1999).

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    trabalho produtivo e as mulheres 36 horas. J no trabalho domstico so as mulheres que gastam muito mais horas do que os homens. Elas trabalham 36 horas por semana, enquanto os homens trabalham, apenas, 14 horas.18 Verifica-se ainda que, do total da populao feminina, ao redor de 79% das mulheres e apenas 29% dos homens dedicavam tempo aos afazeres domsticos. Interessante observar que o padro de atividade domstica se manteve praticamente estvel segundo a cor, regies e situao de domiclio de homens e mulheres. A renda domiciliar per capita, tambm, no foi um elemento diferenciado substancial do nmero mdio de horas que as mulheres dedicavam aos afazeres domsticos. a educao das mulheres o fator que distingue as diferenas de tempo que estas gastam nos afazeres domsticos. As mulheres com menos de um ano de estudo so as que mais gastaram seu tempo em afazeres domsticos (38 horas semanais), comparados com 34 horas das mulheres nos nveis educacionais intermedirios e 28 horas das mulheres que tinham 12 anos e mais de estudos (IBGE, 1999, p. 135).

    A relao entre famlia e trabalho com o cuidados dos dependentes aparece como um dos exemplos importantes para polticas voltadas para famlias. Em meados dos 90s a situao de oferta de creches e educao pr-escolar publica foi considerada uma das reas mais deficitrias da educao. Os dados brasileiros de 1996 de certa forma confirmam isto ao mostrarem as dificuldades que as mulheres que trabalhavam enfrentaram para cuidarem seus filhos. Por exemplo, naquele ano, 51% das mulheres em idades reprodutivas (15-49 anos) estavam trabalhando e ao redor de 23% destas tinham filhos menores de 5 anos 19. Para cada 100 destas mulheres, que trabalhavam e tinham filhos menores de cinco anos, se encontra que 23 delas cuidavam dos prprios filhos, e apenas em 4 casos o marido quem cuidava dos filhos. Para as outras 73 mulheres foi sobretudo o esquema familiar quem respondeu pela maior ajuda, onde 34 delas tinham outros parentes que cuidavam de seus filhos, 12 contavam com ajuda de filhas (os) maiores, 12 a empregada domstica cuidava, 10 tinha os filhos na creche e as 5 outras mulheres contavam com outros arranjos de cuidado para os filhos. Esta mesma situao para a regio Nordeste20, mostra que as mulheres que trabalham dependem ainda mais do esquema familiar para cuidar seus filhos menores de 5 anos. Para mais da metade destas mulheres (54%) so os outros parente e filhas (os) mais velhos que cuidam de seus filhos menores, enquanto a escola ou creche, apareceu como um recurso quase no utilizado (4%), quer pela falta destas ou mesmo por custos elevados21. Interessante observar estes dados na perspectiva das relaes de gnero ao interior das famlias.

    Olhando esta dinamica intrafamiliar e mulheres ocupadas na perspectiva de genero se observa ainda que embora fossem poucos os maridos que cuidam dos filhos enquanto as mulheres trabalham, estes foram muitos na hora de decidir sobre o que fazer com o salrio da mulher. Ou seja, para este mesmo conjunto de mulheres unidas que trabalham e tinham rendimentos em 1996, um 63% decidiam elas mesmas sobre o uso do seu salrio, 30% disse decidir em conjunto com o marido e 7% respondeu que era o marido sozinho quem decidia sobre o uso do salrio dela (PNSD1996). Ou seja, as assimetria por sexo desfavorvel a mulher, continuam sendo um dado concreto ao interior das famlias brasileiras.

    A.2. CENARIO B: Dinmica Familiar e Trabalho 2000/2002

    A dinmica de trabalho e famlia nos incios do sculo mostra uma participao ainda mais intensa da mulher no mercado de trabalho, uma diminuio da atividade masculina causada pelo aumento

    18

    O valor monetrio das horas trabalhadas para os homens 32% maior do que o das mulheres. Este dado consistente com as diferenas na renda mdia e mediana mensal por sexo. Os homens ocupados no Nordeste e Sudeste tinham em mdia um salrio mensal de 676 reais comparado com a mdia mensal de 444 reais para as mulheres. Estas diferenas por sexo so maiores na Regio Sudeste (61.4%) do que no Nordeste (30,5%). (IBGE,1998).

    19 A maior parte destas mulheres, 62%, tem um vnculo empregaticio e 38% so trabalhadoras por conta prpria e apenas 5% que

    declararam no ter rendimento.

    20 Representando 43% da populao brasileira em 1996 esta regio considerada como a mais pobre do pas e com os piores

    indicadores de qualidade de vida. As desigualdades por renda so ainda mais elevadas que para a mdia nacional. Em 1996 o valor do ndice de Gini (do rendimento de todos os trabalhos das pessoas ocupadas) foi da ordem de 0,603 para o Nordeste e de 0,581 para o Brasil. Apesar do aumento no nvel de escolaridade da populao brasileira em geral, as taxas de analfabetismo no Nordeste ainda eram o dobro do pas em 1996. No total da regio, um 27% das pessoas com 10 anos e mais eram analfabetas, cifra que se eleva ainda mais quando se trata da populao rural (42%) (IBGE, 1997).

    21 Os dados mostram que entre as mulheres que trabalham e tem filhos menores de 5 anos, 18% declaram elas mesmas cuidarem dos

    filhos, 2% os maridos, 20% filhas (os) maiores, 38% outros parentes,12% empregadas,4% escol ou creche, e o restante 5% so outros arranjos (PNSD 1996).

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    nos nveis de desemprego e uma continua e importante contribuio dos filhos para o oramento familiar. De fato, na ultima dcada censitria as taxas de atividade feminina cresceram onze pontos percentuais (33% para 44%) e a dos homens diminuiu em dois pontos ( 71% para 79%). Assim, as mulheres seguem intensificando sua atividade e mesmo que tenham uma taxas de ocupao menor que a dos homens22, e ganhem 70% do rendimento masculino elas assumiram, cada vez mais, o papel de provedoras. Ao redor de 1/4 dos domiclios possuam uma mulher como a responsvel (chefe) em 2000 e os nveis mais elevados de chefia domiciliar se encontravam nas idades 35-49 anos o que consistente com o perfil etrio das taxas de atividade no mercado (IBGE, 2000). Do total das mulheres chefes ao redor de 22% tinham 65 anos ou mais, o que revela no s o fenmeno demogrfico de maior sobrevivncia feminina mas, tambm a universalizao previdenciaria no perodo 1990-2000, cujos benefcios de aposentadoria passou a incluir as mulheres rurais com mais de 55 anos, e permitiu que as mulheres mais velhas assumam a condio de responsvel pelo seu domicilio.

    Um dado importante da dinmica famlia e trabalho atual est na intensa participao das mulheres mes de menores de 6 anos no mercado de trabalho (Tabela 20). O Brasil contava em 2001 com cerca de 15 milhes de mulheres mes com filhos menores de 6 anos. Destas, ao redor de 45% trabalhavam fora, ou para o mercado. Dependendo da regio de residncia, a proporo destas mes trabalhadoras varia, de 42%, no Nordeste a 52% no Sul. Isto varia, tambm, segundo o tipo de famlia e da etapa do ciclo familiar em que se encontram estas mes. As cifras de mes que trabalham so sempre maiores nas famlias monoparentais, (que representam 19% das mes com filhos menores de 6 anos), e na fase de expanso e consolidao de suas famlias (aqui definido pela presena de filhos menores e maiores de 14 anos.

    Do total das mes de menores de 6 anos e que forma