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bossa novauma estética

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Relatório • PPD Conclusão

Rafael Ortman • 9514999-8 Orientador • Luis Antônio Coelho

PUC-Rio • Desenho Industrial • Comunicação Visual

2001.1

bossa novauma estética

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agradecimentosEstE projEto só sE tornou possível graças a algumas pessoas que acreditaram nele e me deram todo o

apoio necessário para concluir esta fase da minha vida.

Devo agradecer a Luiz Antônio Coelho, orientador deste trabalho, por abrir minhas perspectivas em um

momento em que eu estava sem saber o que apresentar como proposta de projeto e acreditar na pesquisa

mesmo sem termos contato pessoal anterior.

Agradeço muito a Jorge Luiz Rodrigues, mestrando em design pela PUC-Rio, que me acompanhou em

todas as fases da confecção deste relatório, fornecendo subsídios importantíssimos à pesquisa.

A Rita Couto, minha co-orientadora, agradeço pela compreensão e paciência em ler e sugerir modifi-

cações e correções neste trabalho e ajudar no levantamento de capas da época.

A José Ricardo Cardoso, ex-professor desta instituição, de quem sou funcionário, que teve a bondade de

reduzir minha carga horária na empresa e ler todo o material escrito, sugerindo novas idéias e adequações

de vocabulário.

A Taís Leal de Oliveira, que fez toda a correção de texto do material.

Finalmente, à equipe do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, desde às estagiárias à diretora.

O MIS-RJ forneceu todas as condições para a pesquisa e o registro de capas de disco que já não são hoje

encontradas no mercado.

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InTRODUçãO ........................................................................................................................11

CenáRIO PARA O APAReCIMenTO DA BOSSA nOVA ............................13

Um Brasil de sonhos .......................................................................................................15

Um Brasil de boleros ......................................................................................................18

A classe média inventa um Brasil para si ..................................................................21

Modernismo e Bossa nova ............................................................................................24

BOSSA nOVA: ASCenSãO, TRAnSFORMAçãO e IMIgRAçãO ..................................25

A conquista do mercado................................................................................................27

O Brasil devora a Bossa nova .......................................................................................29

A elenco ...............................................................................................................................32

Radicalização política e Bossa nova: não podia mesmo dar certo... ...............34

BOSSA nOVA e DeSIgn ..........................................................................................................39

Pequena história da indústria fonográfica brasileira ...........................................41

Indústria e design gráfico brasileiro .........................................................................44

Um design Bossa nova? .................................................................................................49

Estrutura e ruptura ...........................................................................................................51

AnáLISe gRáFICA DO TRABALhO De CéSAR VILLeLA ...............................................53

O design da simplificação .............................................................................................56

Cinco capas de Villela ......................................................................................................60

a) O amor o sorriso e a flor (Odeon), João gilberto: 1960 ................................60

b) Maysa (elenco), Maysa: 1963 ...............................................................................62

c) Bossa, Balanço, Balada (elenco), Sylvia Telles:1963 ......................................64

d) A Bossa Nova de Roberto Menescal (elenco), Roberto Menescal :1963 ..66

e) Nara (elenco), nara Leão: 1964 ...........................................................................69

COnSIDeRAçõeS FInAIS ..............................................................................................71

BIBLIOgRAFIA ............................................................................................................................73

AnexO ..........................................................................................................................................75

Imagens ...............................................................................................................................77

Entrevista .............................................................................................................................87

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introdUÇÃoA Bossa nova intriga e fascina até hoje, desde fãs japoneses a musicólogos contemporâneos. Movimento

que tomou forma e corpo no final dos anos 50 e sobreviveu integrado em torno de um conceito muitíssimo

definido apenas até o golpe de 64, quando a radicalização política praticamente exigia uma posição clara

de todos, em especial do artista, a Bossa nova talvez nunca tenha sido popular verdadeiramente. Contudo,

estabeleceu para si uma estética e conceito tão representativos do momento vivido pelo Brasil da época

que acabou permeando toda a sociedade brasileira, de presidente a eletrodomésticos.

este projeto pretende apresentar uma estética Bossa nova, estabelecida graficamente a partir do

trabalho de César Villela, capista da gravadora elenco. César Villela promoveu uma ruptura no design de

capas de disco no Brasil. Seu trabalho foi bem sucedido a ponto de as demais gravadoras acompanharem

sua identidade visual. Mesmo impressos, cartazes, quase tudo que foi feito da Bossa nova depois de Villela,

seguiam o seu padrão.

A Bossa nova é a expressão de um Brasil entusiasmado com a modernidade, buscando adequar-se em

diversos níveis às expectativas de uma ainda recente sociedade de consumo. Procuraremos delinear este

Brasil moderno que gerou o movimento.

A pesquisa histórica/musical foi realizada com base em três autores: Ruy Castro (Chega de Saudade),

que faz um relato mais completo da história do movimento; Arthur da Távola (40 anos de Bossa Nova), que

faz considerações de ordem social, cultural e artística; e Júlio Medaglia (O balanço da bossa), mais íntimo

de questões musicais e do cenário da música brasileira do período. Teve papel importante também, tanto

na coleta de imagens como na pesquisa do cenário político-econômico-social, a enciclopédia Nosso Século,

fornecendo um pano de fundo para a análise estética do período.

A pesquisa no âmbito do design/linguagem visual teve também três autores como referência: Rafael

Cardoso Denis (Uma introdução à história do design), que faz um apanhado geral da história do design; gus-

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tavo Amarante Bomfim (Idéias e formas na história do design), que nos dá um panorama dos movimentos de

vanguarda européia e da estruturação do conceito de “modernismo”; e Donis A. Dondis (Sintaxe da linguagem

visual), que fornece a base para análise gráfica a ser empreendida nas capas de disco selecionadas. A carên-

cia de autores que apresentassem um cenário do design brasileiro até a década de 60, foi uma dificuldade

enfrentada no trabalho. Para supri-la minimamente, utilizaram-se as pesquisas de Denis e Bomfim.

Para a história da indústria fonográfica brasileira e do design de capas de disco no Brasil, a pesquisa

de egeu Laus, A capa de disco no Brasil: os primeiros anos, foi a fonte utilizada. A coleta de capas de discos

pré-Bossa nova teve como fonte as imagens publicadas do estudo de egeu Laus na Revista Arcos, V. I, e na

Mostra de capas de disco no Brasil – os primeiros anos: 1951 a 1958, editada pela ADg. As capas de discos da

Bossa nova foram coletadas no MIS-RJ.

A primeira parte da pesquisa (levantamento de dados) se estabeleceu na leitura dessa bibliografia e

reunião de outros títulos para referência e enriquecimento do trabalho, além da coleta de imagens realizada

no MIS-RJ e nas publicações já comentadas. Paralelamente à análise do material, digitalizamos as imagens

necessárias e iniciamos a redação do registro do processo, que prosseguiu até duas semanas antes da banca

final. Finalmente, criamos um projeto gráfico e o encaminhamos para impressão.

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bossa novacenÁrio Para o aParecimento da

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Um brasil de sonhosA BOSSA nOVA FOI UMA DAS MUITAS forças modernizadoras que marcaram a transição entre um Brasil ex-

portador de matérias-primas para uma nação industrial que acompanhasse o desenvolvimento de um novo

capitalismo, inaugurado a partir da descoberta da sociedade de consumo como a saída para a depressão

industrial que se anunciava nos estados Unidos no final da década de 40.1

Tendo nascido, amadurecido e se diluído como movimento de meados dos anos 50 (quando alguns

precursores do movimento já atraiam a atenção pela música moderna que executavam e compunham) a

meados dos anos 60 (quando começa a se exigir do artista um posicionamento político mais definido), a

Bossa nova viveu um período conturbado na política brasileira. exatamente os anos dos preparativos do

golpe militar até sua efetiva concretização em 1964.

1 Denis, 1999

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uma estética bossa nova c e n Á r i o P a r a o a P a r e c i m e n t o d a b o s s a n o v a

Virginia Lane

O segundo governo getúlio Vargas se impunha como

meta, segundo as palavras do próprio ex-ditador, “transfor-

mar em nação industrial uma nação paralisada pela miopia

de seus governantes aferrados à monocultura extensiva e

à exploração primária de matérias primas” (Nosso Século,

1945/1960 V.II, 1980: 129). Contudo, getúlio esbarrava na sua

precária sustentação política, devendo inúmeros favores

para conquistar alianças no pleito de 1950, e no receio que a

classe militar tinha de suas “motivações anti-democráticas”.

Ainda assim, pôde realizar projetos símbolos do seu desen-

volvimentismo nacionalista, como o estabelecimento do

monopólio sobre o petróleo, através da criação da Petro-

brás. Isolado politicamente, porém, sem forças de susten-

tação na classe média e sem apoio na imprensa, getúlio

foi pouco a pouco perdendo terreno para seus adversários.

Alvo de uma campanha que o solapava diariamente em

rádio, jornal e até na recente televisão, getúlio só viu uma

forma de impedir o golpe que se preparava contra ele: matou-se em 23 de agosto de 1954, gerando grande

comoção popular e refreando o golpe militar por dez anos2 .

Depois de Vargas, o otimismo desenvolvimentista e a crença na evolução do capitalismo brasileiro fo-

ram renovados na figura de Juscelino Kubitschek. em seu projeto, o desenvolvimentismo e a modernização

brasileira serviriam para “combater o comunismo e enfrentar a miséria com prosperidade” (Nosso Século,

1945/1960 V.II, 1980: 80).

2 Wainer, 1989

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uma estética bossa novaa n Á l i s e g r Á f i c a d o d e s i g n d o d e s i g n e r c é s a r v i l l e l a

O marco definitivo seria a construção de Brasília, meta-síntese do programa de metas do governo JK.

Longe da pressão direta das massas, a nova capital seria um diferencial na sua concepção urbana e na arqui-

tetura arrojada. O projeto de Oscar niemeyer procurou “formas novas, que surpreendessem pela sua leveza e

liberdade de criação. Formas que não se apoiassem apenas no chão, rígidas e estáticas, como uma imposição

da técnica, mas que mantivessem os palácios como que suspensos, leves e brancos nas noites sem fim do

Planalto”, como escreve Oscar niemeyer em seu livro Forma e Função na Arquitetura (Nosso Século, 1945/1960

V.II, 1980: 94). Além disso, no meio do cerrado brasileiro, obrigaria um esforço adicional na construção de

estradas, alavancando a indústria automobilística que JK incentivou a se estabelecer no Brasil.

eram os anos da fé no consumismo e no potencial da nação brasileira. Também do glamour da época de

ouro do cinema americano, exportando uma nova estética de Cadillacs

e topetes lambusados de brilhantina para galãs bem comportados,

e da indústria de beleza para o romance e devaneio das “moças

casadoiras”. A rígida moral vigente foi aos poucos cedendo lugar

para novos padrões de beleza estimulados por estrelas de formas

generosas como Mamie van Doren, Jane Mansfield, Sophia Loren e

gina Lollobrigida. no Brasil, Wilza Carla, Virginia Lane e Mara Rúbia

causavam furor como vedetes do teatro rebolado, enquanto as

declarações apimentadas da atriz capixaba Luz del Fuego fazia

corar até o mais espertalhão dos “estróinas”.

De inúmeras formas, os anos 50 prepararam as revoluções de

costumes que vieram a acontecer na década seguinte. Por mais ambí-

guo que possa parecer, porém, eram anos positivos que faziam crer no

sucesso da sociedade de consumo e nos sonhos de felicidade ingênua em

um casamento perfeito.

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Um brasil de bolerosASSIM COMO CAeTAnO SUgeRe que a Tropicália surgiu “por causa

da Bossa nova” (Velloso, 1997: 16), pode-se dizer que a Bossa nova

apareceu “por causa” do samba canção de contornos bolerísticos

que imperava nos anos que a precederam.

Se dissessem a Ronaldo Bôscoli que João gilberto em algum

momento de sua carreira iria gravar Besame Mucho, de Consuelo

Velasquez, ele “negaria com a maior veemência”, como escreve Ruy

Castro em Chega de Saudade as rádios despejavam nos ouvidos

daqueles jovens “modernos” um festival de boleros e sambas-

canções derramados que vieram a ser uma “antiinspiração” para

garotos como Carlos Lyra, Roberto Menescal e Bôscoli, líder da-

quela turminha de classe média que iria revolucionar a música

brasileira. Se bem que, para arrepios do próprio Bôscoli, João

gilberto, o mentor intelectual dessa revolução, nunca negara a

admiração por Dalva de Oliveira e Anísio Silva, crooners que cau-

savam aversão na turma. João gilberto, entretanto, sempre deixou

clara a sua independência em relação a quaisquer rótulos que lhe quisessem impingir. Afinal, ele próprio

fora um crooner e seu ídolo máximo na adolescência era ninguém menos que Orlando Silva, “o cantor das

multidões”.

Mas multidão não era mesmo com a Bossa nova. Repetidamente, Julio Medaglia, no ensaio O Balanço

da Bossa nova (publicado em conjunto com outros ensaios em Balanço da Bossa e outras bossas do autor/

organizador Augusto de Campos), a qualifica como “música de câmara” que chegara para aparar as arestas

Antônio Maria

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uma estética bossa novaa n Á l i s e g r Á f i c a d o d e s i g n d o d e s i g n e r c é s a r v i l l e l a

da música popular e libertar o Brasil dos boleros e do romantismo melodramático. Para Medaglia, “[a Bossa

nova] era a negação do ‘cantor’, do solista e do ‘estrelismo’ vocal e de todas as variantes interpretativas ópero-

tango-bolerísticas que sufocavam a música brasileira de então” (Medaglia, 1993: 75).

nos anos precedentes à Bossa nova conviviam motivações modernizadoras na música popular com

sambas canções de motivos trágico-românticos. O estupendo sucesso de “ninguém me ama”, de Antônio

Maria, é um bom exemplo dessa época. Descrevendo um Rio de Janeiro – mais especificamente, Copaca-

bana – do princípio dos anos 50 como um antro “de mulheres sem dono, pederastas, lésbicas, traficantes de

maconha, cocainômanos e desordeiros da pior espécie”, Antônio Maria parece não ter sido atingido pelos

ares desenvolvimentistas e positivos do pós-guerra, e tanto menos pelo ingênuo romantismo com o qual

nos acostumamos a recordar os “anos dourados”.

Copacabana era a maior expressão de modernidade de um Rio de Janeiro que podia se considerar

cosmopolita. Com 2.600.000 habitantes, quase a metade de imigrantes portugueses, espanhóis, árabes e

brasileiros de todas as partes do país, a cidade irradiava

para o resto do país o it carioca – importado do glamour

das telas do cinema americano junto com a nova moda

de “óculos Ray-ban e jeans desbotados, contrabandeados

no cais do porto” (Tinhorão, 1979).

na mesma Copacabana caótica que Antônio Maria

descrevia em suas músicas – embora talvez não nas mes-

mas boates – músicos como Johnny Alf todas as noites

renovavam os ouvidos dos jovens músicos brasileiros

que estavam inchados de tanto bolero.

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Johnny Alf

a classe média sonha Um brasil Para siA JUVenTUDe De CLASSe MéDIA dos anos 50 não poderia escolher

aquelas músicas de “dor de cotovelo” com mulheres cruéis e traições

sangrentas que os crooners bradavam como sinfonia dos dias enso-

larados da zona sul do Rio de Janeiro.

é preciso que se diga, porém, que não só de sambas canções e

boleros vivia a rádio brasileira. havia programas como “Ritmos do Tio

Sam” e “Midnight Serenade”, em estações alternativas como a Roquet-

te pinto, que tocavam as bandas de jazz mais badaladas da época e

cantores modernos como Frank Sinatra, nat King Cole e Julie London,

considerada grande influência da Bossa nova. e se a música cantada

em inglês não satisfizesse os mais nacionalistas, havia Dick Farney e

Lúcio Alves (este, um cantor de voz pequena, chamado de “o cantor

das multidinhas”3, em contraste a Orlando Silva), que tinham até fãs clubes rivais. e havia Johnny Alf e seu

piano precursor. e garoto e seu violão ainda na ativa. enfim, nem tudo estava estagnado.

Desde o final dos anos 40, com os citados Alf e garoto, já se ensaiava uma evolução harmônica na música bra-

sileira. Jovens músicos, como os pianistas de boate Antônio Carlos Jobim e newton Mendonça e o também acorde-

onista João Donato, já se espelhavam nas harmonias alteradas do cool jazz para compor e executar suas canções.

Alguns, como Tom, conseguiram ter suas músicas gravadas por ícones da época como Dolores Duran. Mas ainda

não conseguíamos nos livrar da tragicidade das canções: Dolores e, pouco depois, Maysa, transformaram suas

vidas artísticas em folhetins, para o deleite da imprensa, deixando claro, através de suas interpretações com

fortíssima carga dramática, que devia ser muito pior do que poderíamos imaginar estar na pele delas.

3Castro, 1990

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uma estética bossa novaa n Á l i s e g r Á f i c a d o d e s i g n d o d e s i g n e r c é s a r v i l l e l a

“Rio de Janeiro, que eu sempre hei de amar/ Rio de Janeiro a montanha, o sol, o mar”, Bossa nova? Sim. e não,

já que são frases de Billy Blanco para a música de Tom “Sinfonia do Rio de Janeiro”, um retumbante fracasso

de 1954. gravada com sofisticado arranjo de cordas do maestro Radamés gnatalli e músicos de estúdio de

primeira linha, já trazia presente dois elementos fundamentais do movimento: a harmonia moderna somada

à temática e construção coloquial da letra.

Arthur da Távola e Julio Medaglia explicitamente situam as composições de Cartola e noel Rosa nos

anos 30 como canções identificadas, especialmente nas letras, com um modernismo urbano que ficou ador-

mecido por duas décadas até o advento da Bossa nova. Para Medaglia, “‘ah, se ela soubesse que quando

ela passa’ [“garota de Ipanema” – Tom Jobim e Vinícius de Morais] (...) e ‘fotografei você na minha Rolleyflex’

[“Desafinado” – Tom Jobim e newton Mendonça] (...) nada mais é que versões atualizadas de um mesmo

humor, uma mesma gente, uma mesma bossa” que “’seu garçom faça o favor de me trazer depressa’ [“Con-

versa de Botequim” – noel Rosa]” (Medaglia, 1993: 81), apesar da procedência diversa – a Bossa nova da orla

da zona sul e noel da Lapa.

O marco, portanto, da retomada da evolução lírica

nas letras ficou sendo o encontro de Tom e Vinícius nas

composições de Orfeu da Conceição, este já um sucesso de

público e crítica em 1956. A partir daí, segundo Arthur da

Távola, se estabelece “a palavra como expressão concisa,

econômica de acordo com os padrões de uma sociedade

que começa a sepultar de vez o romantismo e a se tornar

científica e tecnológica” (Távola, 1998: 75). Prossegue

Távola: “À descontração das letras soma-se a crítica aos

temas, grandiosos, fatais ou grandiloqüentes. Aparecem,

então, os conteúdos de aparência simples, portátil, quase

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uma estética bossa nova c e n Á r i o P a r a o a P a r e c i m e n t o d a b o s s a n o v a

descartáveis, descontraídos, intranscedentes” (Távola, 1998: 75).

Já João gilberto, com as músicas “hô-ba-la-lá” e “Bim-bom”, praticamente negava

“qualquer pretensão literária às letras” (Távola, 1998: 76).

A coisa realmente aconteceu quando João gilbertoreapareceu no Rio de Janei-

ro e bateu na porta de Roberto Menescal em Ipanema. Depois de temporadas em

Porto Alegre, Diamantina, Juazeiro e Salvador, para se restabelecer do fracasso de sua

carreira no Rio, João trazia algo “diferente” para aquela turma de músicos jovens da

Zona Sul. era uma nova batida, uma nova forma de tocar e se acompanhar ao violão

em um ritmo que simplificava toda a batida do samba. Segundo Ruy Castro, quando

Menescal e, logo depois, Ronaldo Bôscoli, o ouviram, entenderam tudo: “João gilberto

era a realidade encarnada do que, até então, eles estavam procurando às cegas” (Castro, 1990: 138).

Além disso, nunca tinham o visto cantar daquele jeito: baixinho (como fazia Mário Reis em sua época),

quase como se falasse, escandindo as sílabas e distendendo ou contraindo a melodia de acordo com seu

desejo, valorizando ao máximo cada nota individualmente.

Quando João gilberto, depois de uma rápida aparição como instrumentista em duas faixas de Canção

do amor demais, de elizete Cardoso, cantando músicas de Tom e Vinícius, gravou o seu Chega de Saudade em

1959, já estava tudo ali: a evolução lírica a que Arthur de Távola se refere, com Vinícius de Morais e newton

Mendonça4 , as harmonias alteradas de Tom Jobim e a batida revolucionária que ele inventara.

Conforme Castro: “Chega de Saudade oferecia, pela primeira vez, um espelho aos jovens narcisos. (...) na

época não se tinha consciência disso, mas depois se saberia que nenhum outro disco brasileiro iria despertar

em tantos jovens a vontade de cantar, compor ou tocar um instrumento. Mais exatamente, o violão” (Castro,

1990: 197). Ou segundo Arthur da Távola, “a classe média ascendente da zona sul carioca encontrava, na

Bossa nova, o seu canal de expressão” (Távola, 1998: 66).

4 A newton Mendonça costumam ser creditadas as letras e a Tom Jobim, as músicas. Dupla injustiça, já que ambos tomavam parte em música e letra.

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modernismo e bossa novaTáVOLA e MeDAgLIA DeDICAM páginas e páginas a uma suposta adequação modernista na música brasileira

através da Bossa nova. enfatizam o aspecto de retomada que a Bossa nova imprime na música brasileira,

conforme destacado anteriormente. Mas de uma forma muito mais clara nas suas intenções.

é quase o “forma segue função”, paradigma do design modernista cristalizado nas atividades da Bauhaus

segundo o qual “a forma ideal de qualquer objeto deve ser determinada pela sua função” (Denis, 1999: 123).

eliminando os excessos, os adereços, a carga dramática, a Bossa nova é simples, objetiva, concisa, essencial.

Ao mesmo tempo que é elaboradíssima rítmica e harmonicamente – como nunca antes na música brasileira.

Para Távola:

[A Bossa nova] está para a música popular como, na literatura, o modernismo esteve para o parnasianis-mo. (...) À expressão moderna chamou-se Bossa nova. (...) Ao tempo da Bossa nova, do ponto de vista da criação de condições para algum movimento renovador estavam maduras as seguintes pré-condicões: vontade de renovação nas letras; idem na escritura musical das melodias, com incorporação de dis-sonâncias; idem na harmonia (...); vontade de renovação na instrumentação e na junção de pequenos conjuntos. (...) Finalmente havia a vontade de renovação no modo de cantar e a melhora qualitativa dos processos de gravação e reprodução sonoras. (Távola, 1998: 69).

A tudo isso Julio Medaglia acrescenta um elemento antropofágico que é mais comumente associado

à Tropicália (e certamente mais intencional), destacando os “artifícios extraídos da literatura de vanguarda

– particularmente da Poesia Concreta” na letra de “Lobo Bobo” de Ronaldo Bôscoli, segundo ele, uma “sátira

ao playboy com fome de donzela, onde, em tom de gozação e aparente ingenuidade, é ironizada a sua

antropofagia” (Medaglia, 1993: 86). A antropofagia, característica latente da obra do modernista Oswald de

Andrade, também é sugerida na forma como a Bossa nova “devorou” o jazz americano, dando-lhe os con-

tornos que convinham ao movimento.

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uma estética bossa novaa n Á l i s e g r Á f i c a d o d e s i g n d o d e s i g n e r c é s a r v i l l e l a

bossa nova: ascensão, transformação

e imigração

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uma estética bossa nova c e n Á r i o P a r a o a P a r e c i m e n t o d a b o s s a n o v a

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a conqUista do mercadoA SegMenTAçãO DO MeRCADO de música popular propiciada pela

evolução dos métodos de gravação, possibilitou o advento de uma música

sofisticada e renovadora como a Bossa nova. Artur da Távola ressalta a im-

portância da gravação em alta-fidelidade para a inspiração de músicos mais

exigentes e para a criação de um mercado consumidor mais sofisticado:

A reprodução de sons em alta fidelidade começou a aguçar o ou-vido dos músicos da época.(...) A ampliação de recursos sonoros abriu caminho para músicos criativos, cansados de repetir harmonias tradicionais e instrumentação conservadora. Determinou, igualmente, a criação de um consumidor capaz de diferenciação e sofisticação sonora. A Bossa nova viria a ser uma das respostas à exigência de segmentos sofisticados do mercado consumidor e do uso adequado (estético/mercadológico) dos novos recursos sonoros. (Távola, 1998: 30)

Além disso, é importante lembrar que, antes da introdução do sistema eletromagnético de gravação,

nos anos da reprodução mecânica, era necessária grande potência de voz para o registro vocal dos cantores.

Como a Bossa nova apostava em um tipo de interpretação e impostação de voz mais intimista, pode se dizer

que o Hi-Fi foi uma pré-condição técnica para acontecer o movimento.

no disco Canção do amor demais, de elizete Cardoso, em 1958, já estavam presentes as músicas de Tom

e Vinícius e até o violão magnético de João gilberto em duas faixas. Mas para que João gilberto conseguisse

gravar seu 78rpm4 com todas as características bossanovistas foi preciso uma verdadeira blitz sobre o diretor

artístico da Odeon, Aloysio de Oliveira.

Aloysio, que voltara depois de anos nos estados Unidos, achava que cantores deviam cantar para fora,

exibindo seus dotes vocais, e considerava “que cantores com voz centimetrada podiam ser a tetéia dos inte-

lectuais, mas não tinham a menor possibilidade comercial”. (Castro, 1990: 181). Mas a argumentação de Tom

5 Os discos de 78 rotações por minuto foram os precursores do LP de 33 1/3 rpm.

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Jobim, André Midani, descobridor de talentos da gravadora, e Ismael Corrêa, diretor comercial, acabaram

por convencê-lo. O aval de Dorival Caymmi, foi “o golpe de misericórdia na resistência de Aloysio”.

emfim, depois de conturbadas sessões de estúdio devido ao “perfeccionismo maníaco” de João, o acetato

foi gravado, chegando às lojas do Rio de Janeiro em meados de 1958. O período, porém, não podia ser menos

propício: o Brasil acabara de conquistar sua primeira Copa do Mundo e tudo o que tocava nas rádios era “A Taça

do Mundo é nossa”. Mas Ismael Correa acreditava que aquela música nova podia ir de encontro aos anseios do

público jovem e esperou a euforia da conquista esportiva passar para lançar o disco em São Paulo.

Como conta Castro, “São Paulo já era o principal mercado e tinha a maior cadeia de lojas de discos do Brasil,

as Lojas Assumpção” que, sozinhas, eram capazes de ditar o sucesso de um disco, “se este fosse bem trabalhado”

(Castro, 1990: 181). Logo, Oswaldo gurzoni, influente diretor da gravadora em São Paulo, encarregado por Correa

de trabalhar o disco, teve em álvaro Ramos, gerente de vendas das Lojas Assumpção, seu alvo principal.

Ramos, que a princípio tivera ojeriza do disco, não resistiu a um encontro planejado pela direção da

Odeon com o sedutor João gilberto e autorizou o “trabalho” do disco. Isto consistia na reprodução maciça

nas filiais e sua difusão através de um programa de rádio que as Lojas Assumpção patrocinavam. Aliada ao

empenho da Odeon, que providenciou visitas a emissoras de TV e rádio do Rio de São Paulo, a estratégia

acabou dando resultado:

O 78 de ‘Chega de Saudade’ chegou às paradas de sucesso de Radiolândia e Revista do Rádio no final daquele ano, disputando no olho mecânico com Celly Campello em ‘Lacinhos cor-de-rosa’. (...) Com arranque dado em São Paulo e, finalmente, sua descoberta pelo mercado carioca, ‘Chega de Saudade’ vendeu 15 mil 78s de agosto a setembro de 1958 [quando cantores já estabelecidos como Lúcio Alves e Silvinha Telles ficavam entre cinco e dez mil cópias]. (Castro, 1990: 190).

Com o sucesso do primeiro 78 rpm, que continha “Chega de Saudade” e “Bim-bom”, João gilberto grava

o seguinte (“Desafinado” e “hô-ba-la-lá”), surgindo as condições para sair seu primeiro longplaying individual,

aquele que mudaria os rumos da música popular brasileira e “influenciou toda uma geração de cantores,

instrumentistas e compositores”, como escreve Tom Jobim na contracapa do LP Chega se Saudade.

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o brasil devora a bossa novaAntes do sucesso nas rádios, o violão e a voz de João já eram cultuados e faziam escola através da reprodu-

ção de gravações caseiras ou de pequenos saraus em apartamentos da zona sul do Rio de Janeiro. A batida

e modo de cantar de João gilberto, como já foi salientado no primeiro capítulo, ofereceram um caminho a

seguir para os jovens músicos que participaram daquelas reuniões e escutaram aquelas fitas. no primeiro

semestre de 58, aconteceu o primeiro show no grupo Universitário hebraico do Brasil, que acabou por,

involuntariamente, dar nome ao movimento: “hoje: Silvinha Telles e um grupo bossa nova”. nele, além de

Silvinha, estavam presentes vários dos discípulos de João, entre outros, Chico Feitosa, nara Leão, Carlos Lyra,

Luizinho eça, Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, apresentando o show.

Depois do batismo no grupo Universitário hebraico do Brasil, a Bossa nova ganhou os jornais numa

polêmica envolvendo a PUC-Rio. O ano era 1959, o DCe organi-

zara o “1o Festival de Samba-Session”, contando com a presença

de grande parte do elenco do primeiro show mais as ilustres

presenças de Antônio Carlos Jobim e, para o desespero do

reitor da universidade, Padre Laércio Dias de Moura, que já

autorizara a realização do evento, a vedete do teatro rebolado,

norma Bengell. Padre Laércio previu a péssima repercussão que

a apresentação de norma poderia trazer junto aos membros

da congregação que sustentava a universidade e fincou o pé:

com norma Bengell o show não se realizaria.

Os músicos, por outro lado, se revoltaram com a proibição

e devolveram: “Sem norma, não haverá show”. O entrevero aca-

bou vazando para os jornais, com o Diário de Notícias à frente,

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publicando a seguinte manchete em primeira página: “norma

no Index”. nem assim, porém, o reitor voltou atrás na decisão. A

solução encontrada pelos organizadores do evento foi transfe-

rir a apresentaçãopara o anfiteatro da Faculdade nacional de

Arquitetura, na Praia Vermelha.

esta, realizada no dia 22 de setembro daquele ano, im-

pulsionada pela polêmica, ganhou status de show proibido e

o público, formado essencialmente de universitários, lotou o

anfiteatro. no show seguinte na escola naval, “bossa nova” já

deixara de ser um adjetivo para se tornar designação de um

movimento, motivando Ronaldo Bôscoli, mais uma vez como

apresentador, a tentar defini-la: “é o que há de mais moderno,

de totalmente novo e de vanguarda na música brasileira”.

Através do ativismo de Bôscoli na Revista Manchete, o nome

se popularizou e motivou diversas polêmicas com os baluartes da geração anterior como Antônio Maria e

Silvio Caldas, acumulando admiradores e adversários. Conforme Castro:

em todas as entrevistas a que eram solicitados – e, nos primeiros tempos, isto parecia acontecer de 15 em 15 minutos – Bôscoli, Menescal e o próprio Tom acusavam a música do ‘passado’ de ser macambú-zia e meditabunda, além de francamente derrotista. Para eles a Bossa nova vinha nos libertar do ‘não, eu não posso lembrar que te amei’ (‘Caminhemos’, de herivelto Martins) com a afirmação máscula e decidida de Vinícius de Morais em ‘eu SeI que vou te amar/ Por toda a minha vida eu VOU te amar’. O exemplo a não ser seguido, e que elas adoravam lembrar, era o inevitável ‘ninguém me ama/ ninguém me quer’, de Antônio Maria. (Castro, 1990: 240)

Como percebeu o Diário de Notícias, polêmica vende jornais. e toda a celeuma em torno do movimento

acabou fazendo com que tudo de novo e moderno no Brasil fosse Bossa nova. De tal forma que Carlos Lyra

sugeriu a Bôscoli que registrassem o nome, o que acabaram por não fazer. Logo, um novo modelo de gela-

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Tom Jobim e Vinícius de Morais em Brasília

deira da Brastemp era o “Príncipe bossa nova”, “rádios, vitrolas, enceradeiras, aparelhos de barbear e demais

cacarecos que se começavam a ser produzidos no Brasil, novos estilos de sapatos, gravatas e até edifícios,

eram lançados sob a chancela de ‘Bossa nova’”. (Castro, 1990: 280).

A Bossa nova não era “apenas” utilizada para fins propagandísticos. A modernização gráfica realizada

nos jornais e revistas da época, uma vitória do Flamengo com um gol contra sobre o invencível Santos de

Pelé, a bancada jovem da UDn, tudo e todos, enfim, queriam tirar uma “casquinha” da idéia, conceito, de

“bossa-nova”.

Juca Chaves aproveita a onda para fazer “Presidente Bossa nova”, referindo-se, evidentemente, a Jus-

celino Kubitschek:

Bossa nova mesmo é ser presidente Desta terra descoberta por Cabral. Para tanto, basta ser tão simplesmente, Simpático, risonho, original (...) Voar da Velhacap pra Brasília Ver o Alvorada e voar de volta para o Rio Voar, voar, voar Voar, voar pra bem distante. Mandar parente a jato pro dentista Almoçar com a tenista campeã (...). Isto é viver como se aprova, é ser um presidente bossa-nova.

e devia ser mesmo já que os convidou para com-

por uma canção para a inauguração de Brasília. “Brasília,

sinfonia da alvorada” acabou não sendo executada no

espetáculo de inauguração da cidade, a 21 de abril de

1960, em função do que JK chamou de “uma mudança

de estilo” do show.

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Aloysio de Oliveira e Nara Leão

a elencoA eSCALADA MeTeóRICA DA Bossa nova fez com que

Aloysio de Oliveira (aquele mesmo que não gostava de

cantores de voz pequena), entusiasmado com a abertura

para o mercado americano com o show no Carneggie

hall em novembro de 1962, tivesse a idéia de criar uma

gravadora só sua. e só de Bossa nova.

Criada em 1963, mesmo ano da fundação da eSDI, a

elenco foi a única gravadora a que os consumidores pro-

curavam pelo nome. e seus discos, sob o projeto gráfico de

César Villela, uma verdadeira ruptura no design de capas

no Brasil, compostos basicamente em preto e branco

com detalhes em vermelho, podiam ser reconhecidos à

distância. O projeto de Villela, tão adequado ao movimen-

to, acabou por ser copiado pelas demais gravadoras que

apostavam em Bossa nova (Phillips e Odeon). Como um

contraponto às capas da elenco, havia as capas da Forma,

outra pequena gravadora que investiu no público da Bossa nova. Diferia da primeira no sentido que seus

discos eram explicitamente de luxo, “com capas encorpadas e duplas, ilustradas com pintura moderna” (Castro,

1990: 341). A idéia não resistiu financeiramente e a gravadora passou imprimir capas menos dispendiosas.

Sob o selo da elenco gravaram Tom Jobim, Sylvinha Telles, Dick Farney, Lúcio Alves, Sérgio Mendes, João

Donato, Sérgio Ricardo, Baden Powell, Roberto Menescal, Quarteto em Cy, nara Leão, edu Lobo, Rosinha de

Valença, Sidney Miller, Billy Blanco, Maysa, Lennie Dale, Vinícius de Moraes, Dorival Caymmi, Odete Lara e

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norma Bengell, todos sem contratos com a gravadora, que, não podendo pagá-los, distribuía royalties aos

músicos.

Utilizando a RCA-Victor para imprimir seus discos e com o crônico problema da falta de dinheiro, suas

tiragens jamais passaram de dez mil exemplares. A frágil estrutura econômica gerou lendas de que o projeto

gráfico da gravadora, com apenas duas cores, era produto dessa dificuldade, o que Villela desmente com ve-

emência: “Se eu quisesse um disco com mil cores, o Aloysio ia se virar para produzi-lo” (Villela, 2001: Anexo).

Aloysio, considerado um mestre do estúdio, mas uma lástima como administrador, nos três anos em

que esteve a frente da gravadora, seu período de maior su-

cesso, lançou cerca de 60 discos de Bossa nova de qualidade

no Rio de Janeiro. Com francas dificuldades na distribuição e

demorando-se no lançamento da elenco em São Paulo, onde

havia fértil mercado para o gênero, Aloysio, endividado, prati-

camente dá a gravadora para a Phillips em 1966.

Apesar do vanguardismo da elenco, a maior fatia do mer-

cado ficou mesmo com as grandes gravadoras, em especial a

Phillips, que atingiu a marca dos 100 mil discos com Jorge Ben

e seu LP Samba esquema novo, de 1963.

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Roberto Menescal pesca em Cabo Frio

radicalizaÇÃo Política e bossa nova: nÃo Podia mesmo dar certo...A BOSSA nOVA COMeçOU A CInDIR no “divórcio” de

Carlinhos Lyra e Ronaldo Bôscoli no princípio de 1960.

Suspeitava-se, no polarizado clima da época, que o po-

litizado Lyra teria descoberto que Bôscoli era de direita.

Contudo, segundo Castro, o problema fora a impaciência

de Lyra com a Odeon que prometera gravar a turma

estrelada por ele e liderada por Bôscoli (Menescal,

nara Leão, normando Santos, Osvaldo Castro neves, e

outros), mas relutava levá-los para o estúdio. A Phillips

ofereceu-o um contrato e Lyra rompeu com a Odeon.

A reação da multinacional Odeon foi imediata:

transformou o projeto Turma da Bossa nova em com-

pacto duplo com o conjunto de Roberto Menescal. Isso

fez com que alguns participantes aderissem à Phillips,

uma companhia de capital binacional (holandês-brasi-

leiro), juntando-se a Carlinhos. A batalha teve seu auge

quando as duas gravadoras patrocinaram shows propo-

sitadamente no mesmo dia: um na Faculdade nacional

de Arquitetura (Odeon), outro na PUC (Phillips).

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Isso foi apenas um aperitivo do que estava por vir. enquanto Lyra participava da fundação de uma cé-

lula do Partido Comunista em São Paulo, se comprometendo a falar de assuntos menos alienados em suas

músicas, e ajudava na criação do CPC (Centro Popular de Cultura, que seria CCP, não fosse a sua intervenção

dizendo que fazia música burguesa e não samba de raiz), Menescal pescava meros em Cabo Frio. Mas a

grande cisão aconteceu mesmo através de nara Leão, que começava a adicionar conteúdos sociais ao seu

repertório, cantando músicas de compositores como Cartola, Zé Kéti e nelson Cavaquinho.

nara Leão toma contato com essa velha guarda freqüentando o restaurante Zicartola, cujo nome é

uma junção de Cartola e Zica, sua mulher. Levada por Lyra, nara, conforme conta Roberto Menescal, estava

rompida com Ronaldo Bôscoli, seu ex-noivo, e decide mudar os rumos de sua carreira (Seminário Da Bossa

Nova à Tropicália, 2001).

O “renovado” repertório foi gravado em no seu disco Nara, da elenco, sua estréia em 1964. O disco

desagradou a Aloysio de Oliveira, mas foi bem assimilado pela Bossa nova. “Os conservadores é que avan-

çaram de tacape contra nara, para dizer que ela estava assaltando a pureza da autêntica música popular ao

intrometer-se nela”. (Castro, 1990: 347). Mas quando nara voltou de uma temporada internacional em 1964,

já com os militares no poder, ela já sabia que caminho seguir.

nara gravou um disco que iria causar feridas mortais à Bossa nova, Opinião de Nara. em entrevistas,

deixaria claro o que pensava agora de seus ex-colegas e da música que produziam: “Chega de Bossa nova.

Chega de cantar para dois ou três intelectuais uma musiquinha de apartamento. Quero o samba puro, que

tem muito mais a dizer, que é a expressão do povo.”

Os ventos mudavam. A Bossa nova e sua temática feliz já não serviam mais para expressar o que sentiam

os jovens daquele período, envolvidos em polêmicas nacionalistas e radicalização política.

Para Roberto Menescal, porém, o mundo ainda parecia um mar de rosas. Desligado de política a ponto

de não perceber o motivo pelo qual seus músicos não compareceram ao estúdio naquela quarta-feira. era

1o de abril de 1964, data da golpe militar.

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nara integrou-se ao engajado show Opinião, de Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes,

com direção de Augusto Boal. neste, nara se apresentava junto ao compositor nordestino João do Vale e Zé

Kéti, oriundo da periferia dos morros cariocas. e continuava batendo na Bossa nova através dos jornais. O

patrulhamento ideológico era de tal ordem que os jovens irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, integrantes

da segunda geração da Bossa nova, que contava ainda com Francis hime, Dori Caymmi, nelsinho Motta,

eumir Deodato e edu Lobo, fizeram uma música de protesto “ao contrário”:

A resposta (Marcos e Paulo Sérgio Valle)

Se alguém disser que o teu samba não tem mais valor Por que ele é feito somente de paz e amor não ligue não, que essa gente não sabe o que diz não pode entender quando o samba é feliz

O samba pode ser feito de céu e de mar O samba bom é aquele que o povo cantar De fome basta a que o povo na vida já tem Pra que lhe fazer cantar isto também?

Mas é que é tempo de ser diferente E essa gente não quer mais saber De amor

Falar de terra na areia do Arpoador Quem pelo pobre na vida não faz um favor Falar de morro morando de frente pro mar não vai fazer ninguém melhorar

A música dos jovens compositores, que já tinham feito

“Terra de ninguém” de forte conteúdo social, fez com que

“edu Lobo e outros velhos amigos passassem algum tempo

sem falar com eles” (Castro, 1990: 357). Só não esperavam a

reação de nara: foi a única a querer gravar a música.

Marcos Valle e Roberto Menescal

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Segundo Castro, no segundo semestre de 1965, apare-

ceu o termo MPB, que viria substituir Bossa nova, tão identifi-

cada com uma postura alienada que perdera definitivamente

espaço no contexto brasileiro da época:

A sigla não queria dizer música popular brasileira (...) mas uma determinada música popular brasileira – que podia ser tudo menos determinável. A MPB (...) não tinha compromissos com o samba e queria flertar à vontade com outros ritmos, temas e posturas. e queria, principalmente, ser nacionalista, para purgar-se dos excessos de influência do jazz na Bossa nova. (Castro, 1990: 377).

O estabelecimento da sigla MPB divide opiniões.

Sérgio Cabral situa como marco o disco Nara, da elenco.

Tárik de Souza sugere que a transição se deu através da

consagração de elis Regina, em 1964, no I Festival da Música

Brasileira, promovido pela TV excelsior, cantando “Arrastão”,

de edu Lobo e Vinícius de Morais (Seminário Da Bossa Nova

à Tropicália, 2001).

Se o mercado da Bossa nova estava estreito no Brasil, se escancarava nos estados Unidos e no mundo.

A partir do sucesso no já citado show no Carneggie hall, em novembro de 1962, surgiram várias oportuni-

dades para a disseminação da Bossa nova nos eUA. João gilberto e Tom Jobim lançaram discos americanos,

respectivamente Getz/Gilberto e The composer of Desafinado. Vários músicos brasileiros excursionavam com

sucesso pelos eUA, com destaque para o conjunto de Sérgio Mendes, Brasil ’65, que chegaria ao auge no ano

seguinte, quando mudou o nome para Brasil ’66. O grande marco da internacionalização da Bossa nova foi o

disco que Frank Sinatra gravou em 1967 com Tom Jobim. Os estados Unidos escancaravam definitivamente

suas portas à Bossa.

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Tom Jobim e Frank Sinatra no estúdio

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bossa nova & design

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PeqUena história da indústria fo-nogrÁfica brasileiraUMA BReVe ABORDAgeM do desenvolvimento da indústria

fonográfica brasileira se faz importante para compreender a

introdução do long-playing individual como carro chefe das

gravadoras e o design que se estruturou em torno dele.

Presente no Brasil desde 1902, o disco só foi ter uma fábrica

instalada em território nacional em 1913. Antes disso, através

da liderança da International Talking Machine gmbh, os discos

eram gravados aqui (com o auxílio de um técnico de som da

companhia), mas prensados na Alemanha. estabelecida com o

nome de Disques Odeon, a fábrica da International Talking Machine foi líder na produção de discos até o final

da década de 20, época em que se confirmou o potencial do mercado consumidor brasileiro6. Prensavam-se

até 125 mil discos mensais em formatos de 10, 12 e 14 polegadas naqueles anos da reprodução mecânica

no Brasil.

A grande revolução da indústria fonográfica se deu com a chegada do sistema eletromagnético de

gravação que trazia uma melhoria geral da qualidade do som gravado. no Brasil, a partir de 1927, a gravação

elétrica propicia o surgimento de “uma nova vaga de cantores com interpretação mais natural, sem neces-

sidade de altos volumes vocais” (Laus, 1998: 117).

Segundo Laus, nos anos 30 se definem os caminhos da indústria fonográfica brasileira, com o estabele-

cimento das empresas que viriam a dominar o mercado até os dias de hoje. Também é partir dos primeiros

anos dessa década que podemos “olhar para o disco com a visão do designer gráfico” (Laus, 1998: 119).

6Laus, 1998

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uma estética bossa nova b o s s a n o v a e d e s i g n

O estudo de egeu Laus publicado na revista Arcos é de fundamental importância para este levantamento

histórico. Suas pesquisas indicam 1946 como o ano da impressão da primeira capa de disco personalizada.

Até então, os discos eram acondicionados em um envelope de “papel pardo semelhante ao Kraft”, com fina

gramatura, vazado de ambos os lados à altura dos rótulos, sem qualquer tipo de identificação individual. Os

rótulos eram o único contato do consumidor com o artista gravado. Segundo Laus:

nesses rótulos, as informações (...) indicavam o nome do artista, nome das músicas, autores, o estilo musical e alguma informação complementar além do número de catálogo de cada disco. geralmente, a parte superior do rótulo era totalmente tomada pela logomarca da casa gravadora, que somada à cor plana do fundo identificava as séries dos discos bem como as companhias fonográficas. (...) As grava-doras se esforçavam a tornar os rótulos atrativos e (...) [chegaram] a utilizar a foto dos artistas impressa no próprio rótulo. (Laus, 1998: 120).

nos envelopes fazia-se propaganda das casas gravadoras (ou de equipamentos de reprodução asso-

ciados a elas), que também, no início, vendiam os discos. “Mais adiante, outras lojas iriam revender os discos

e passam então a imprimir seus próprios envelopes, substituindo os originais e aproveitando para anunciar

outros produtos”. (Laus, 1998: 120).

Sem qualquer interesse para o consumidor, os envelopes eram comumente descartados e os discos

acondicionados em álbuns sem qualquer relação com a indústria fonográfica, onde começam a aparecer

os primeiros projetos gráficos. esses álbuns podiam conter até 12 discos e vieram a emprestar o nome aos

invólucros dos LPs até a chegada do CD.

Quanto ao tratamento gráfico dos envelopes, aos poucos foram aparecendo, junto ao texto impresso,

ilustrações e vinhetas. Persistia, porém, a característica inferior do material: “papel sem branqueamento, tipo

kraft, (...) com impressão em preto ou tinta especial”. Conforme Laus:

[As fotografias] aparecem no momento em que os envelopes passam a divulgar o repertório em catálogo dos artistas. (...) Ainda não era uma capa personalizada, visto que os envelopes eram intercambiáveis, podendo o disco de um Francisco Alves ser vendido com a relação do repertório de um Orlando Silva, por exemplo (Laus, 1998: 121).

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uma estética bossa novab o s s a n o v a e d e s i g n

LP de Noel Rosa: uma das primeiras capas de disco brasileiras

A primeira capa personalizada, por volta de

1946, segundo as pesquisas de Laus, só vai apare-

cer, isoladamente, na série infantil da Continental,

com Branca de Neve. Somente em 1950 estariam

maduras as condições para a capa de disco se

estabelecer como a conhecemos hoje:

Seguindo a tendência dos álbuns importa-dos, algumas gravadoras preparam álbuns de três ou quatro discos com artistas de sucesso e com vendagem garantida. neles, sobre a capa standard em cartão rígido do álbum, era colada uma lâmina impressa com tudo o que caracteriza uma capa de disco: fotos, desenhos, nome do artista, título do disco, logo da gravadora etc. (Laus, 1998: 125).

Com a substituição a partir de 1951 do disco

de 78 rpm pelo long-playing de 33 1/3 rpm, “surge

um novo mercado para as artes gráficas no Brasil”. Os primeiros capistas saíram das agências de propaganda.

Como lembra César Villela em entrevista a Jorge Luiz Rodrigues7 (Villela, 2001: Anexo), a publicidade era área

do ilustrador, então foram ilustradores que produziram as capas por longo tempo, “até que o lançamento de

astros consagrados da música começa a exigir o trabalho de um fotógrafo”. (Laus, 1998: 125).

O formato definitivo do LP, com 12 polegadas para música popular, se firma em 1958, só sendo desban-

cado muitos anos depois com o advento do CD.

7Jorge Luís Rodrigues é mestrando em design pela PUC e está elaborando sua tese: ANOS FATAIS: a estética tropicalista e seu reflexo no design gráfico nos anos 70.

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indústria e design grÁfico brasileiro não temos a intenção de tecer um relato completo e preciso do

cenário do design brasileiro nos anos 50. Para tanto, seria neces-

sário um projeto de pesquisa voltado exclusivamente para este

tema, já que a bibliografia sobre o assunto é escassa e carente de

autores. O intuito é tão somente indicar antecedentes e influências

importantes do período, abordando mais objetivamente o que

César Villela aponta como referências para a criação do projeto

gráfico para a gravadora elenco.

é importante tecer um breve histórico das décadas prede-

cessoras no que diz respeito à indústria e ao design, visto que foi

o grande desenvolvimento econômico e industrial experimentado

nesses anos que ditaram o ritmo das transformações posteriores.

O nacionalismo econômico e a crise do café impulsionaram a indústria brasileira do período entre-

guerras e fizeram com que o país voltasse seus olhos para o mercado interno. Sob o projeto do estado

novo, percebe-se um estado profundamente comprometido com a identidade nacional, como pode ser

comprovado pela criação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) para tutelar a imprensa e pro-

duzir material de divulgação do ideário político do governo. Interessado em interferir e ditar os rumos da

sociedade brasileira, o estado passa a utilizar o design para instrumentalizar a construção de uma identidade

8 A música popular, vivendo sua época de ouro, com valores como Pixinguinha, Ary Barroso e noel Rosa, também foi percebida como fator de inte-gração, fazendo com que intelectuais e governantes procurassem transformá-la em símbolo de uma identidade brasileira (ver Laus).

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uma estética bossa novab o s s a n o v a e d e s i g n

nacional8 . guardadas as devidas proporções, é interessante traçar um paralelo com a Deutsche Werkbund

(Liga Alemã do Trabalho).

Fundada em 1907, a Deutsche Werkbund visava à criação de uma linguagem estética objetiva, substituindo o

conceito de “belo” por “qualidade”. em seu programa constavam a estetização dos produtos para socializar a arte,

formando uma cultura alemã e unificando “o gosto popular de acordo com os interesses da indústria” (Bomfim,

1998: 92). no estado novo, não havia essa consciência estética, quanto mais um projeto artístico. Contudo, os

laços se estabelecem na propagação de uma ideologia industrial e na influência exercida pelo projeto de uma

estética objetiva que as idéias da Deutsche Werkbund ajudaram a formular e viriam a se cristalizar na Bauhaus.

exemplos da influência dessas idéias modernas são os cartazes de propaganda do estado novo, como relata

Denis, ao comentar o trabalho do cartazista Ary Fagundes: “As obras de Fagundes refletem bem as tendências

modernas da época, sem se encaixarem abertamente no paradigma modernista.” (Denis, 1999: 130).

gustavo Amarante Bomfim percebe o incremento do capitalismo brasileiro entre as décadas de 30 e 50

Cartazes de Ary Fagundes para o Estado Novo

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uma estética bossa nova b o s s a n o v a e d e s i g n

como uma oportunidade de atualização em relação ao que se produzia na europa, uma vez que até então

ainda “vigoravam os princípios difundidos pela semana de Arte Moderna de 1922” (Bomfim, 1998: 121):

A modernização econômica refletiu-se rapidamente no plano cultural, pois o incremento das relações comerciais com outros países permitiu à burguesia nativa contatos mais intensos com os movimentos artístico-culturais das nações européias. (Bomfim, 1998: 120).

O esvaziamento do DIP com a deposição de Vargas em 1945 refreou a

propaganda política agressiva do estado. Contudo, os projetos desenvol-

vimentistas foram retomados no segundo governo Vargas e nos anos JK.

Citando Denis:

no compasso das políticas nacionalistas e desenvolvimentistas dos governos acima citados (...) o design brasileiro se viu levado a gerar soluções à altura dos grandes desafios sociais e culturais da época. os designers da segunda fase modernista se viram divididos entre o nacionalismo e o internacionalismo, entre a tradição artesanal e o progresso industrial. (Denis, 1999: 162).

em meio à febre de modernização que se vivia no Brasil, surge, junto

a intelectuais do Rio de Janeiro e de São Paulo, o desejo de desenvolver

novas concepções estéticas, baseadas no neo-positivismo do governo e numa racionalização e socialização

da arte. O movimento, que ficou conhecido como Concretismo, atingiu diversas áreas da produção artística

brasileira: das artes plásticas à poesia, passando pela arquitetura. O Concretismo acabou por afinar o Brasil

com o discurso funcionalista em voga na europa.

O programa do Concretismo defendia o desenvolvimento de uma linguagem geométrica que pro-movesse a união entre arte e produção industrial. Com esse princípio os participantes do movimento lutavam contra outras tendências artísticas européias (surrealismo, dada, expressionismo) e contra a “arte mural” latino-americana, que seguia o realismo socialista. Ironicamente, os artistas concretistas procuravam se libertar do domínio da arte européia, aceitando uma teoria estética pretensamente universal. (Bomfim, 1998: 122).

Emblema da FAB

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uma estética bossa novab o s s a n o v a e d e s i g n

Teoria estética universal, mas engendrada na europa. Como reação à tendência de incluir elementos

decorativos que procuravam esconder a procedência industrial nos objetos (historismo), diversos movimen-

tos procuraram uma adequação estética aos novos meios de produção fabril. A adequação estética vinha a

reboque da pulsão ideológica moderna. no início do século, vivia-se grande otimismo na utopia da criação

de uma sociedade igualitária e na capacidade produtiva do estado industrial. Segundo Bomfim:

O impressionismo abriu caminho para duas grandes correntes na prática estética. De um lado se alinharam os movimentos que defendiam a liberdade da arte e se posicionaram contra os valores estabelecidos pela cultura artística da sociedade burguesa. esses movimentos – expres-sionismo, futurismo, cubismo, dada, surrealismo, etc – declararam a separação definitiva entre religião, arte e ciência, cada uma delas com sua própria categoria de valores. De outro lado, exis-tiam as correntes construtivistas, funcionalistas e produtivistas que pretendiam a união entre arte e produção industrial. esses movimentos almeja-vam a construção de uma nova sociedade, onde a racionalidade aplicada ao desenvolvimento dos meios de produção conduziria à superação das contradições sociais, políticas e econômicas. (Bomfim, 1998: 78).

O ideal de se unir arte e indústria caminhou

no sentido de criar um “estilo Internacional”,

segundo o qual existe uma forma perfeita para

cada objeto a se projetar. Desenvolveu-se a partir

das atividades da Bauhaus, fundada em Weimar

em 1917, e teve seu apogeu na escola Superior

da Forma, fundada em Ulm, 1953.

Capa do almanaque da Escola de Arte Wchutemas El Lyssitsky: Moscou, 1927 (Construtivismo russo)

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uma estética bossa nova b o s s a n o v a e d e s i g n

O racionalismo estético teve ressonância no Brasil do progresso indus-

trial: em 1950, o curso experimental ministrado pela arquiteta Lina

Bardi no Instituto de Arte Contemporânea do MAM de São Paulo

buscava “formar jovens que se sintam ligados à arte industrial

e que sejam aptos para desenhar objetos, nos quais a racio-

nalidade da forma e o gosto correspondam ao progresso e à

mentalidade atual” (Bomfim: 1998, 125). Antes da fundação da

eSDI em1963– primeiro curso superior de design da América

do Sul –, Max Bill, ligado à escola de Ulm, propõe em 1956,

durante conferência no MAM do Rio de Janeiro, a instalação de

uma escola Superior da Forma no museu. Problemas políticos e

econômicos inviabilizaram a escola no MAM-RJ, que acabou por ser

fundada anos depois nos arcos da Lapa.

Paralelamente ao embate estético e às tentativas de instalação de um curso de

design no Brasil, faziam-se prementes modernizações no campo gráfico brasileiro no final dos anos 50,

visando à adequação das novas tecnologias. Alguns dos destaques da renovação na mídia impressa da se-

gunda metade da década de 50 são a editora Civilização Brasileira, o novo Jornal do Brasil, o projeto arrojado

da revista Senhor e o desenvolvimento da indústria fonográfica brasileira “lançando talentos (no design de

capas de disco) (...) como a dupla Joselito e Mafra (...) e (...) César g. Villela, autor de projetos antológicos na

época da Bossa nova.” (Denis, 1999: 162).

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Um design bossa nova?Já FOI SUgeRIDO na primeira parte da pesquisa que o projeto estético da Bossa nova podia ser enquadrado

no paradigma modernista “forma segue função”. em uma música que se adequava às novas tecnologias de

gravação e reprodução, tudo se pretendia moderno: a letra exata, podada de excessos; a interpretação lim-

pa, sem personalismos; o violão minimalista que simplificava toda a batida do samba. César Villela, quando

perguntado sobre sua intenção ao produzir um design de capa de disco tão diferente do que se fazia na

época, afirma que queria “simplificar”.

Donis A. Dondis relaciona a simplicidade como uma característica da “funcionalidade”, uma das categorias

de estilo que ele propõe para a linguagem visual. Para Dondis, a funcionalidade é um método compositivo

“estreitamente ligado à regra da utilidade e a considerações de ordem econômica” (Dondis, 1973: 178), não

sendo, portanto, exclusivo das vanguardas européias das primeiras décadas do século xx. O funcionalismo,

porém, acabou ficando estreitamente ligado ao design moderno, e sua formulação como uma das maiores

expressões da Bauhaus.

Tudo leva a crer portanto, concluindo uma retórica circular, que vamos inserir o trabalho de César

Villela como capista da elenco no contexto do funcionalismo da Bauhaus. Isto fica especialmente tentador

se relacionarmos o aspecto de retomada moderna na música popular brasileira através da Bossa nova (a

que Távola e Medaglia se referem) com o design “modernista” de suas capas. Dadas as inúmeras referências

estéticas e técnicas compositivas que parecem se concretizar em seu trabalho, seria até cômodo fazê-lo. e,

como já foi destacado anteriormente do texto de Denis, “os designers da segunda fase modernista se viram

divididos entre o nacionalismo e o internacionalismo” (Denis, 1999: 162).

Sem dúvida, os postulados funcionalistas ainda pairavam nas cabeças dos artistas gráficos do período,

mas seria leviano propor uma adesão total de Villela àquele contexto. Por algumas razões. Uma delas é que

o autoditada Villela não percebe seu trabalho como uma extensão do funcionalismo, sugerindo até motivos

místicos para a utilização de determinado elemento. Uma segunda razão é que há uma expressividade e

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uma estética bossa nova a n Á l i s e g r Á f i c a d o d e s i g n d o d e s i g n e r c é s a r v i l l e l a

liberdade de utilização de formas que não é característico daquela escola. Podemos ainda citar o certo des-

prezo com que Villela se refere aos designers advindos da recente eSDI (escola Superior de Desenho Indus-

trial), fundada em 1963, cuja filosofia de ensino era inspirada nos modelos funcionalistas da escola de Ulm:

“começou um festival de logotipos. era compasso, régua e esquadro os instrumentos” (Villela, 2001: Anexo).

De qualquer maneira, se o design de Villela não era tão somente funcionalista, teve uma metodologia

funcional. em sua entrevista a Rodrigues, Villela afirma que o impulso criativo de seu projeto foi “a grande

poluição visual” que eram as vitrines das lojas de disco da época, fazendo com que ele se entusiasmasse em

criar um projeto que se destacasse dos demais pela simplicidade e pelo uso do preto e branco.

na década de 60, segundo Villela, não havia interesse por parte da mídia não especializada em divulgar

o disco de um artista. Para os jornais, era como “vender um peixe” que não era seu. De forma que as capas

dos discos eram o verdadeiro chamariz dos consumidores. Villela era consciente dessa realidade e assumiu

nas suas capas a característica de display que elas teriam quando fossem às lojas.

A capa de disco naquela época era o display, era o ponto de venda na loja, ela tinha de ser atrativa, ela é que vendia. então as lojas expunham nas vitrines as capas, um monte de capas. eu já tinha observado que era uma poluição visual muito grande: mesmo as minhas ficavam confusas junto com as outras. eu já tinha pensado em simplificar para aparecer mais determinadas capas. (...) então eu disse: “eu tenho de vencer essa barreira visual”. (Villela, 2001: Anexo).

As capas da Odeon e da Phillips passam a seguir o projeto de Villela para a Elenco

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rUPtUra e estrUtUraATé eSTe MOMenTO, pretendeu-se apresentar em

que cenário surge a Bossa nova, suas inspirações,

aspirações e características. Propôs-se uma analogia

ao paradigma modernista e sugeriram-se pontos de

contato entre o movimento brasileiro e o axioma

do estilo Internacional. em seguida, discorremos

a respeito do design brasileiro do período e suas

influências mais significativas. Finalmente, falamos

das idéias funcionalistas e como Villela se colocava

nesse contexto.

Desde a introdução, nos referimos a uma “ruptura no design de capas de disco”, promovida pelo trabalho

de Villela, como a motivação principal de nossa pesquisa, bem como a identidade visual do movimento que

se estruturou em torno daquele design. Persistem duas perguntas básicas ainda sem resposta:

1) Que ruptura foi esta e porque assim se configurou?

2) O que havia de tão excepcional no projeto de Villela para promover uma onda de capas inspiradas

nas suas idéias?

Tanto à primeira quanto à segunda pergunta, já se anunciaram possíveis respostas. Falemos, porém,

primeiro da segunda pergunta, que indicará o caminho para a resposta da primeira.

O que havia de tão excepcional no projeto de Villela para promover uma onda de capas inspiradas nas suas

idéias?

Villela foi muito bem sucedido ao captar a essência modernista do projeto da Bossa nova: o clean, o

essencial, o conteúdo, a expectativa do público jovem de classe média, carente de produtos feitos para ele

Cartaz de Herbert Mayer, 1926 (Funcionalismo)

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uma estética bossa nova b o s s a n o v a e d e s i g n

e ávido por modernidade. “A Bossa nova era simplicidade, a leveza do som e a clarividência musical de seus

criadores”, diz Villela (Folha de São Paulo, 2000: D-9). Associou essas questões à estética modernista que pai-

rava sobre as cabeças dos designers e da sociedade brasileira em pleno neo-positivismo industrial. neste

ponto, é importante frisar mais uma vez os pontos de contato entre a Bossa nova, sofisticada música urbana

de câmara, objetiva e sem acessórios desnecessários à sua música, com a estética funcionalista, cuja obje-

tividade é sua característica principal. Assim como Menescal e Bôscoli viram em João gilberto tudo aquilo

que estavam procurando, Villela apresentou um projeto absolutamente adequado àquela música, àquele

público e ao estado de coisas do Brasil pré-golpe militar.

Que ruptura foi esta e porque assim se configurou?

Parte desta pergunta foi respondida no parágrafo anterior. Villela trouxe ao design de capas de disco

conteúdos da estética contemporânea que ainda não haviam tido penetração nesta área de projeto. Ao

assumir o preto e branco, a simplicidade e a objetividade (característica dessa estética funcionalista), suas

capas divergiram totalmente das demais. Villela deixa transparecer que a utilização dos elementos carac-

terísticos do design funcionalista foi subordinada à sua intenção de simplificar e destacar seu projeto dos

outros discos. Ingênua antropofagia?

Outro ponto importantíssimo, como já foi abordado anteriormente, é a percepção da função de display que

exercia a capa de disco. Ao projetar tendo em vista esta característica, Villela também foi pioneiro e visionário.

Visionário de um Brasil que estava prestes a desaparecer: em breve, quem devorará será a mídia e as

estruturas de poder. A capa-display perderia brevemente a função, com o incremento da mídia televisiva e

a inserção do artista no cotidiano do leitor/ expectador.

Villela iria para os estados Unidos depois do golpe militar de 1964. A Bossa nova iria para os estados

Unidos depois do golpe militar de 1964. A escola de Ulm não iria para os estados Unidos, mas, coincidente-

mente, também desapareceria depois do golpe de 1964. A utopia modernista cedia lugar a uma outra forma

de se conceber e perceber o mundo: o pós-modernismo.

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uma estética bossa novab o s s a n o v a e d e s i g n

césa

r

análise gráfica do trabalho do designer

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A AnáLISe gRáFICA A SeR eMPReenDIDA nesta pesquisa será desenvolvida da

seguinte forma: primeiramente, iremos fazer uma análise geral do projeto gráfico

desenvolvido por Villela para a gravadora elenco, a ser chamado, para referência,

de design da simplificação. Destacaremos suas características fundamentais, as

técnicas e partidos gráficos utilizados de acordo com os princípios sugeridos por

Donis A. Dondis em seu livro a Sintaxe da linguagem visual e estabeleceremos com-

parações com as capas de disco de outras gravadoras do mesmo período. em um

segundo momento, analisaremos individualmente quatro capas representativas

do trabalho de César:

a) O amor o sorriso e a flor (Odeon), João gilberto: 1960 – primeira tentativa

de Villela em direção ao design da simplificação.

b) Maysa (elenco), Maysa: 1963 – uma das primeiras capas da elenco e,

talvez, a mais conhecida dentre todas elas.

c) Bossa, Balanço, Balada (elenco), Sylvia Telles:1963 – interessante pela

mudança na forma de representação da cantora.

d) A Bossa Nova de Roberto Menescal e seu conjunto (elenco), Roberto Me-

nescal: 1963 – uma capa que foge bastante ao conceito empregado na

elenco.

e) Nara (elenco), nara Leão: 1964 – disco considerado marco da transição

Bossa nova/MPB.

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o design da simPlificaÇÃoA grande motivação de Villela, como já foi exposto anteriormente – e pode ser comprovado na sua

entrevista – foi a “grande poluição visual” que eram as vitrines das lojas de discos da época. As capas dos

discos, carentes de divulgação em outras mídias, tinham uma característica de display: era pela capa que

o consumidor comprava o disco. As capas deviam, portanto, ser atrativas. Contudo, no momento em que

eram expostas junto com as demais, o resultado era uma explosão de cores e estilos diversos que em nada

contribuíam para a percepção de uma capa individualmente. Villela percebe a necessidade de diferenciar

seu trabalho e começa a desenvolver o que ele chama de “simplificação”: toma o partido do monocroma-

tismo, apresenta soluções tipográficas criativas, composições inusitadas e efeitos fotográficos ainda não

utilizados comercialmente. Suas propostas podem ser observadas na capa do disco O amor, o sorriso e a flor,

de 1960, de João gilberto. A idéia, porém, não foi bem recebida pela gravadora Odeon, na qual trabalhava

como freelancer, e ele teve de aguardar outra oportunidade para pô-la em prática.

Villela afirma que havia uma prerrogativa de se utilizar nas capas dos discos a foto do artista. Pelo que

se pode deduzir de seu depoimento e das capas coletadas na pesquisa durante o levantamento de dados,

fotografias que apresentassem o artista de forma objetiva, sem interpretações estéticas. Aproveitava-se

o artista que poderia ter apelo visual junto ao público feminino/masculino e escondiam-no atrás de uma

paisagem, ou ilustração, no caso de serem “muito feios”:

havia por aqui uma espécie de cultura de “capa de disco”. Conheciam-se os conceitos básicos: num disco de cantor ou cantora, punha-se a foto do intérprete; num disco de orquestra (ou nos de cantores muito feios), apelava-se para uma paisagem ou para uma modelo. era raro haver uma integração entre o estilo da capa e o tipo de música gravada no disco. (Folha de São Paulo, 2000: D-9).

São exemplos interessantes desta “cultura da capa de disco” a que Ruy Castro se refere em reportagem

sobre César Villela da Folha de São Paulo o disco Para ouvir amando, de Waldir Calmon (gravadora Copacaba-

na – não temos referência da data precisa do disco), com uma modelo recostada em um sofá, e o LP Carícia

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uma estética bossa novaa n Á l i s e g r Á f i c a d o d e s i g n d o d e s i g n e r c é s a r v i l l e l a

(odeon), capa de Villela para o disco Sylvia Telles em 1957.

Portanto, talvez somente fosse possível uma transgressão a esses postulados em uma gravadora pe-

quena, como a elenco. e um designer que estivesse interessado em mudar os rumos das coisas e tivesse

criatividade e inteligência para inovar. César, mesmo na Odeon, sempre trabalhara com total carta branca.

nem o artista, nem os diretores interferiam em seu trabalho. Muitas vezes, quando fugia muito dos padrões,

ou propunha algo muito “ousado” para a época, pediam que não repetisse essas idéias, como no caso

d’O amor o sorriso e a flor, de João gilberto, e em uma outra oportunidade, em que ele usa o detalhe do seio

descoberto uma mulher. “A Odeon pedia e a gente maneirava” (Villela, 2001: Anexo).

Quando César chega à elenco, em 1963, já tinha um conceito para por em prática e nenhum diretor

comercial para tolher seus experimentos. Antes, porém, das capas, vieram as fachadas dos shows do Bon

gourmet, cujas fotos em alto contraste foram posteriormente utilizadas para os discos.

Villela diz que seu trabalho na elenco foi a primeira programação visual em disco (quem sabe a única, no

sentido de padronizar os discos de uma gravadora) e

afirma que não tinha influências de outros capistas.

não obstante, era interessado no que Piet Mondrian

propunha para o De Stijl e no design da Bauhaus.

Segundo ele, a “simplificação” que ele trouxe para as

capas de disco, promovendo uma ruptura nesta área

de projeto, não teve a intenção de “adequar” o design

de capas à estética funcionalista. De muitas formas,

contudo, as características do funcionalismo da

Bauhaus parecem se concretizar em seus projetos.

Recorreremos a Dondis para levantar estas

características. esta autora relaciona simplicidade,

simetria, angularidade, previsibilidade, estabilidade,

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uma estética bossa nova a n Á l i s e g r Á f i c a d o d e s i g n d o d e s i g n e r c é s a r v i l l e l a

seqüencialidade, unidade, repetição, economia, sutileza, planura, regularidade, agudeza, monocromatismo

e mecanicidade como técnicas da funcionalidade. Das técnicas sugeridas, algumas são mais explícitas e

intensas, enquanto outras parecem não se realizar de todo. há ainda outras características presentes em

estilos teoricamente opostos à funcionalidade que acontecem no trabalho de Villela. Dondis propõe espon-

taneidade e ousadia como técnicas do “expressionismo”. A ousadia, especialmente, parece estar presente

nos discos da elenco como um todo, citando os exemplos de Maysa, 1963, onde Villela capta a característica

mais marcante da cantora, os olhos expressivos e dramáticos, e os estoura sob alto-contraste na capa, e a

tipografia trabalhada no disco Nara, 1964 (além, é claro, de todo o trabalho fotográfico utilizado, desde o

precursor O amor, o sorriso e flor). Quanto à espontaneidade, há o exemplo do disco A Bossa Nova de Roberto

Menescal, 1963, onde há peixinhos quase rabiscados, casuais, na capa do disco.

Como já foi relatado anteriormente, propor uma adesão total do autoditada Villela ao funcionalismo

seria uma falha. Suas capas, porém, parecem buscar uma estética que vinha se desenvolvendo e ganhando

adeptos fervorosos desde a fundação da Bauhaus, em 1919. Paralelamente, havia o interesse por parte do

público jovem pela modernidade, inflamado pela construção de Brasília. Um design modernista, para um

público moderno e uma música de vanguarda, era o que poderia haver de mais adequado (e desejável)

para aquele momento. em métodos e técnicas o resultado que ele atinge tem características explicitamente

funcionais: na observação da situação de projeto, na simplicidade, equilíbrio e monocromatismo.

Como características mais marcantes de seu projeto gráfico para a elenco, além da supracitada sim-

plicidade, são:

Monocromatismo – plano branco com títulos e elementos gráficos pretos;

Tipografia trabalhada – títulos estourados, em grandes proporções ou compostos de maneira inusitada,

algumas vezes desenhada à mão, outras alteradas para obter resultado inesperado/ousado;

Fotografias em alto-contraste – ou com efeitos de solarização, obtendo máxima atenção do observador

e dramaticidade;

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uma estética bossa novaa n Á l i s e g r Á f i c a d o d e s i g n d o d e s i g n e r c é s a r v i l l e l a

Quatro pontos vermelhos – esta é talvez a característica mais interessante: Villela afirma que esta idéia veio

da criação do logotipo da elenco, um spot com um ponto vermelho apoiado no n do nome da gravadora.

Tendo que colocá-lo na capa do disco, ele insere mais três pontos da mesma cor, pois “quatro, esotericamen-

te, significa harmonia” (Villela: 2001: Anexo), o que tinha a ver com a música gravada no disco. Os quatro

pontos vermelhos também conferiam ritmo à composição e identificavam o trabalho de Villela na elenco

das demais gravadoras que vieram a copiar sua fórmula e até do capista (eddie Moyna) que deixou em seu

lugar quando foi para os eUA, em 1964. é ainda um diferencial claro do racionalismo estético presente nas

idéias da Bauhaus e no design funcionalista que costuma ser percebido em suas capas.

Quando deixa o Brasil na época do golpe militar, Villela deixa seu legado para ser repetido pelas demais

gravadoras que gravavam Bossa nova e seguido por designers como eddie Moyna, que o substitui na maio-

ria das capas da elenco. Villela é um pouco duro com

Moyna, afirmando que, ao incluir novos elementos,

“as capas voltaram a ser como antes” (Villela, 2001:

Anexo). Moyna dá prosseguimento à estética desen-

volvida por Villela e, aos poucos vai tomando algumas

liberdades, e conseguindo resultados interessantes,

como em Lennie Dale e o Sambalanço Trio (elenco),

Lennie Dale, 1965.

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anÁlise grÁfica de cinco caPas de villelaa) O amor o sorriso e a flor (Odeon), João Gilberto: 1960

esta é uma capa para o segundo disco de João gilberto, contratado da Odeon. Representa a primeira tenta-

tiva de Villela em direção à simplificação das capas e um embrião do projeto gráfico que ele desenvolverá

posteriormente para a gravadora elenco. Difere do projeto da elenco em alguns aspectos:

• na fotografia do artista é utilizada uma técnica fotográfica conhecida como solarização, ao invés

do alto-contraste que seria emblemático nas capas da elenco. há, entretanto, entre as capas da

elenco a que tive acesso em minha pesquisa, uma na qual a solarização aparece. Porém, nesta

capa de Lennie Dale e o Sambalanço Trio, (de eddie Moyna) também se eliminam os meios-tons,

de modo que também nesta é ulilizado o alto-contraste. na capa de O amor, o sorriso, e a flor, ao

contrário, os meios-tons estão presentes, dando uma textura quase metálica à foto.

• na titulagem, mais contida e intimista, além de a tipografia não sofrer alterações na ação do autor.

• na ausência dos pontos de cor que Villela utiliza nas capas posteriores. esta ausência, no entanto,

é de certa forma suprida pela repetição do nome do artista, também de forma não seqüencial,

como ocorre com os pontos de cor da elenco.

O monocromatismo já se faz presente, assim como a simplicidade e economia de elementos.

A capa está composta da seguinte forma: sobre o plano branco da capa, a fotografia solarizada do artista

ocupa o canto inferior esquerdo, alcançando quase toda a extensão da altura do impresso, sangrando para a

esquerda e para baixo. A foto é tirada do plano médio do artista de perfil, com o violão em posição diagonal.

Do perfil do rosto artista, pode-se divisar tão somente sua face, já que a técnica utilizada na foto apaga por

completo seu pescoço e parte de trás da cabeça. A foto mostra o cantor e instrumentista totalmente con-

centrado, com os olhos fechados. À altura de seus olhos, Villela posiciona o nome do artista, em caixa alta,

sobre o título do disco, em caixa baixa, ambos com corpo 24, aproximadamente. A tipografia do título é uma

fonte sem serifa bastante estendida, bem próxima de uma helvética. O designer repete o nome do artista

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mais cinco vezes, com a mesma tipografia e em caixa baixa, mas com tamanhos e posições diferentes. numa

diagonal ascendente, formada com o braço do instrumento e o título do trabalho, estão posicionados em

corpos senão iguais, muito semelhantes (18, provavelmente), duas dessas repetições. A primeira, do canto

inferior esquerdo ao canto superior direito, aparece em posição normal, enquanto que a seguinte tem um

giro de 180 graus. Alinhadas à primeira repetição do nome do artista, encontram-se mais duas repetições:

uma a 90 graus em uma linha ortogonal vertical a partir da extremidade esquerda da primeira repetição, à

altura da mão do violão, portanto abaixo; e uma outra sem giro algum em uma linha ortogonal horizontal,

posicionada à esquerda da face do cantor, portanto aonde deveria estar sua cabeça. estas duas repetições

também parecem ter o mesmo tamanho de letra (em torno de 9). em um corpo intermediário, possivel-

mente 14, há a última repetição nesta mesma tipografia, no canto superior esquerdo, sangrando à altura do

“r” de gilberto. há ainda a assinatura do cantor abaixo do título, à altura de sua mão esquerda, o que ajuda

a equilibrar a composição. A logomarca da gravadora aparece alinhada a uma linha ortogonal vertical à

extremidade esquerda do título do disco. O plano escuro que contém o “O” dobrado da Odeon sangra na

extremidade superior do disco. este posicionamento da

logo, sangrando na extremidade superior, embora não

na mesma localização, repete-se em discos posteriores

da odeon (João Gilberto, João gilberto, 1961 e O cantor

e compositor, Marcos Valle, 1965). não se sabe, porém, se

esta utilização da logo se estabelece a partir do redesenho

da mesma (o disco Carícia de Sylvia Telles, 1957, apresenta

uma logo mais antiga, que não permitia esta utilização, e o

Chega de Saudade, 1959, não tem a logo impressa na capa),

ou é inaugurada neste segundo disco de João gilberto.

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Percebe-se nesta análise morfológica a intenção clara do designer em estabelecer um alinhamento

preciso dos elementos utilizados na capa, denotando uma preocupação com uma característica da “funcio-

nalidade” a que Dondis se refere. O partido tomado com a utilização da diagonal posicionando elementos

para estabelecer este eixo de composição, também é uma característica funcional. Dondis coloca a seqüen-

cialidade, outra técnica da composição funcional como oposto do acaso. Talvez para o observador menos

atento, a utilização do nome repetido do artista em posições e ângulos diversos fosse uma transgressão a

esta regra. Depois da decomposição da capa, através da análise morfológica, fica claro que nenhum elemento

é utilizado nesta capa por “acaso”. Todos obedecem a um sentido de composição objetivo, onde cada um

tem sua função: seja para estabelecer o eixo diagonal, seja para equilibrar a composição. na repetição do

nome do artista, pode-se sugerir ecos da poesia concreta, movimento artístico brasileiro inspirado no estilo

Internacional.

b) Maysa (Elenco), Maysa: 1963

esta capa é uma espécie de síntese do design da simplifi-

cação de César Villela. é do primeiro ano da elenco e sua

composição é baseada em apenas dois elementos: o nome

e os olhos da cantora.

Sobre o fundo branco da capa, Villela estoura, san-

grando para ambos os lados, MAYSA, em tipografia sem

serifa, helvética ou semelhante, em corpo superior a 500

pontos. em um LP de 12 polegadas, o título do disco ocu-

pa quase a metade de sua altura (5,5 polegadas) e toda

a extensão de sua largura. está posicionado ½ polegada

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abaixo da metade da altura do LP, deixando pouco menos de duas polegadas acima, onde ele posiciona a

logomarca da gravadora. Abaixo do título, Villela se utiliza da característica mais marcante da artista: os olhos

extremamente expressivos e carregados de dramaticidade. em alto-contraste sobre o fundo branco, ocu-

pando quase toda a extensão da largura da capa, a expressividade da foto alcança o máximo de intensidade,

comunicando-se de imediato e diretamente com o expectador. Segundo Dondis, esta seria uma característica

das mais importantes do estilo expressionista, sendo um diferencial à estética predominantemente funcio-

nal aplicada no trabalho de Villela. Os olhos da cantora estão em leve perspectiva, o esquerdo ligeiramente

mais próximo do direito, conferindo movimento à composição. esta sensação de movimento é intensificada

em virtude dos olhos não estarem alinhados a uma linha ortogonal horizontal imaginária, como se a foto

tivesse sido tirada naquele instante e o expectador estivesse sendo contemplado pela artista. O título preto

e de grandes proporções pesa substancialmente sobre os olhos da cantora, estabelecendo mais um compo-

nente intenso à composição. Os três pontos vermelhos, que com o ponto utilizado na logo formam quatro,

número esotericamente harmônico, estão dispostos de forma quase casual, também estabelecendo ritmo

ao trabalho. Apoiado à extremidade superior da altura do “M”, no encontro da haste vertical com a diagonal

da letra, um pouco à direita do ângulo agudo formado pelas duas hastes, aparece um ponto. Um “segundo”

ponto forma um ângulo com o “primeiro” e está situado um pouco abaixo da extremidade inferior do “M”. Se

dividíssemos a segunda diagonal do “M”, o centro de seu raio estaria situado exatamente na metade desta

haste. O terceiro ponto se encontra abaixo do “A” e um pouco acima do olho esquerdo de Maysa, como um

sinal. A logo da elenco, com o quarto ponto esotérico, acima do título, está na bissetriz do “Y”.

A carga dramática da composição é um paralelo à interpretação da cantora, que não tinha muitos

pontos de contato com o modo de cantar dos intérpretes da Bossa nova. Ainda assim, ela se insere no con-

texto da estética da Bossa nova, assim como a linha de projeto que Villela se utiliza para criar a linguagem

visual da elenco.

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c) Bossa, Balanço, Balada (Elenco), Sylvia Telles:1963

esta capa tem um interesse especial na medida que há uma diferença interessante na forma de apresenta-

ção da artista em relação a uma outra capa de Villela, de 1957. Além disso, é um trabalho ousado no qual os

elementos gráficos utilizados parecem fazer pender a composição para o lado direito.

Os elementos gráficos usados na composição inte-

ragem, atraindo o foco da atenção para a metade direita

da capa de fundo branco. Um campo de força é formado

em torno da fotografia da artista, intermediada por pontos

de exclamação estilizados que indicam o nome do disco.

À haste de um dos pontos citados a foto se apóia, exibin-

do a intérprete de corpo inteiro, cabelos curtos e roupa

aderente ao corpo, com calças e blusa de gola rolê. Com

estilo eminentemente moderno, a cantora, de microfone

na mão, parece estar no palco, em ação. no alto-contraste

utilizado nesta foto, as únicas áreas claras aparecem na

face direita da intérprete, no seu antebraço esquerdo e

em detalhes de sua mão direita e do microfone, sendo

isto suficiente para a compreensão da silhueta e da expressão da cantora. Ocupa três quartos da altura da

capa, a partir da extremidade superior, da qual tem um pequeno deslocamento de ½ polegada. O nome do

disco, “Bossa, balanço, balada”, forma com o nome da intérprete uma elipse em torno da foto. As três pala-

vras, em letra bastão condensada, aproximadamente corpo 60, orbitam em torno da cantora e se integram

pela ação dos pontos de exclamação. “Bossa” aparece na altura do cotovelo da artista, alinhado à direita

pela mediana da largura da capa. Partindo da órbita da elipse iniciada com “Bossa”, o nome da intérprete é

o “satélite” a seguir, quase alinhado na extremidade superior da mediana da altura. não comparece com o

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mesmo peso, porém. expresso em fonte estendida sem serifa, como na capa de O amor, o sorriso e a flor, corpo

24, é o elemento mais à esquerda do trabalho, o que acaba por equilibrar a composição pela característica

singular da fonte adotada em relação às demais. em seguida, aparece “Balanço”, deslocado à esquerda em

relação à “Bossa” e à mediana da largura. está alinhado pelo topo a uma linha ortogonal horizontal que passa

pela quarta parte da altura e pelo pé da artista. Abaixo e à direita, está “Balada”, ocupando o quarto inferior

direito da capa e concluindo a elipse. Os três “pontos de exclamação” têm o auxílio dos pontos vermelhos

de Villela para indicar a direção da leitura. Todos os três apresentam a mesma proporção, em torno de seis

polegadas, metade do quadrado que forma a capa do disco. Têm a forma de uma gota e cada um deles

apresenta uma rotação particular. O primeiro aparece de ponta-cabeça ao lado de “Bossa”, com um ponto

vermelho no interior de seu ponto preto, tangenciando à esquerda sua circunferência. Sua haste em forma

de gota descai sobre o segundo, rotacionado a 270 graus, entre o círculo preto e sua haste. neste, também

um ponto vermelho se aproxima no interior do ponto preto à esquerda de “Balanço”. no terceiro, o único em

posição natural, sua haste quase toca a haste do primeiro. Se os isolássemos, o segundo e o terceiro pontos

de exclamação, seria possível estabelecer um ponto médio na altura total, de forma que a rotação dos dois

elementos fizesse com que o ponto inferior recaísse exatamente sobre a posição do superior. esta é uma

característica simétrica interessante que pode passar despercebida na contemplação da composição como

um todo. O ponto vermelho sobre o círculo preto do terceiro ponto de exclamação situa-se à sua direita,

mais uma vez indicando a direção da leitura de “Balada”. A logo da elenco aparece na quarta parte superior

da capa, alinhada ao centro na mediana da largura.

Uma das razões da escolha desse trabalho é um paralelo estabelecido com uma capa de César Villela

para a mesma intérprete. nesta capa, de 1957, a cantora, estudante de ballet, aparece vestida com um fi-

gurino de dança, sentada, como num palco, depois de um espetáculo, uma caracterização repleta de signi-

ficados românticos e líricos. Seis anos depois, alinhada aos propósitos da Bossa nova, a artista ganha uma

interpretação totalmente moderna, inserindo-se perfeitamente na ideologia da nova música. Outro ponto

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interessante a se abordar é a diferença desta capa em relação à capa com

elementos expressivos de Maysa, cantora que acompanhou a “onda” Bossa

nova, diferentemente da capa menos emotiva de Sylvia Telles, que apostou

no movimento desde o seu início. O recurso aos pontos de exclamação é

uma particularidade desta capa. eles conferem ritmo e intensidade a esta

composição inusitada.

d) A Bossa Nova de Roberto Menescal e seu conjunto (Elenco), Roberto

Menescal: 1963

este trabalho tem interesse pela sua característica lúdica e sua composição muito mais solta, menos afer-

rada aos princípios de uma estética funcionalista – muito embora as técnicas e os elementos essenciais da

linguagem visual de Villela estejam ainda presentes: a capa de fundo branco; o monocromatismo; o alto-

contraste; os três pontos vermelhos auxiliares.

Villela aproveitou a personalidade esportiva para criar a capa. O cantor, adepto da caça submarina, é

fotografado sorridente, de roupa e máscara de mergulho, snorkels e pé de pato, com o violão apoiado a seus

pés. O designer desenha peixes estilizados, que servem para abrigar o nome dos integrantes do conjunto

de Roberto Menescal. A fotografia em alto-contraste de corpo inteiro do artista é colocada no segmento

esquerdo da capa, à semelhança da de Sylvia Telles. neste trabalho, a foto ocupa ¾ da altura. À sua direita,

são caracterizadas, despreocupadamente, as linhas de contorno de quatro peixes. Delineadas como por um

pincel ou outro instrumento de ponta grossa, as linhas determinam somente o contorno dos peixes e fazem

alusão à sua boca, tendo um ponto escuro para situar o olho do animal. Os quatro peixes à direita da foto

do artista têm aproximadamente metade da altura da capa, dos ombros do violonista aos seus tornozelos.

A cabeça do primeiro e do terceiro apontam para a esquerda, enquanto que a cabeça do segundo e do

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quarto se volta para a direita. Da boca de cada um deles sai uma linha ortogonal horizontal, não superior

a 2 pontos, que vão se encontrar, duas a duas, às extremidades do plano da capa. As linhas emitidas pelo

primeiro e terceiro peixe propagam-se para esquerda, passando por trás da foto, respectivamente à altura

dos ombros e acima dos joelhos, reaparecendo do outro lado para encontrar a extremidade da capa. As

linhas emitidas pelo segundo e quarto peixe vão no sentido inverso e servem para delimitar uma área vazia

onde será colocada a logomarca da gravadora. há um quinto peixe abaixo da foto. Menor do que os quatro

primeiros, ele se posiciona no canto inferior esquerdo da capa. no espaço em branco dentro das linhas de

contorno dos peixes, Villela escreve em letra bastão estendida, caixa alta e em corpo 12, o nome de cada

músico do conjunto. A tipografia usada para escrever o título do disco é desenhada à mão e bastante infor-

mal, não apresentando rígido alinhamento horizontal das letras. Villela parece incorporar características de

fontes serifadas sobre um padrão basicamente “bastão”. nas letras sempre em caixa alta, em corpo superior

a 180, há elementos que se repetem, como uma meia lua no “R” e no “B” que serve para compor a letra sem

se integrar completamente ao seu desenho. “A”, “D”, “M”, “n”, “T” e “V” não incorporam elementos diferentes a

seu desenho basicamente bastão, apesar da característica caligráfica. O “S” e o “C” têm um arremate seri-

fado na extremidade superior, enquanto que na inferior

terminam sem particularidades. O “O” é como um recorte

onde a emenda não se faz perfeita e também apresen-

ta um arremate nas extremidades. O “e” é a letra mais

curiosa. Parece ser composta de um “F” com um “rabo” a

seu pé. Além disso, apresenta também um arremate na

haste horizontal do meio. O “L” tem um arremate na sua

haste horizontal. O título do disco é separado em duas

partes: “A Bossa nova” e “de Roberto Menescal”. Dividida

em duas linhas, “A Bossa nova” ocupa um quadrado de 7

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polegadas no canto superior direito do trabalho. O “A” aparece em corpo inferior, próximo a 72pt, deslocado

à esquerda e um pouco acima de “Bossa”. Abaixo dele, há um ponto vermelho, à metade da altura do corpo

de “Bossa”, que está deslocada da extremidade superior e muito próxima da extremidade direita. Abaixo dela,

alinhada em relação ao “A”, está “nova” deixando um espaço de mais de uma polegada para a extremidade

direita. Abaixo de nova, passam as linhas que delimitam a área vazia onde a logo está disposta. no outro

segmento, embaixo da logomarca, “de Roberto Menescal” não ocupa uma área tão bem delimitada quanto

à analisada anteriormente. “Roberto” é a palavra mais à direita, mas não está alinhada a nenhuma das duas

palavras escritas no canto superior direito. Podemos dizer que está alinhado pelo topo a uma linha ortogonal

horizontal imaginária que passa pela terça parte da altura da capa. À sua esquerda, alinhado pela base, “de”

tem tamanho semelhante ao “A” de “A Bossa nova”. “Menescal” tem o quinto peixe a sua esquerda, como que

apontando a direção da leitura. ele deixa um espaço à sua direita: um quadrado de 2,2 polegadas de largura

no qual está escrito “e seu conjunto”, em duas linhas centralizadas, fonte bastão, compensada, corpo 30. Os

outros dois pontos vermelhos ainda não descritos se posicionam ao lado do pescoço do artista, no canto

superior esquerdo, e acima do segundo “R” de Roberto, no canto inferior direito. não têm qualquer função

mais objetiva nesta composição, servindo mais para conferir ritmo ao trabalho.

esta capa destoa amplamente das demais escolhidas para análise. é mais complexa, contendo mais

elementos e incluindo acessórios e recursos inexistentes nas outras. A diferença é ainda mais óbvia em

relação à Nara e Maysa onde são utilizados somente os elementos essenciais do projeto gráfico da elenco.

Aproxima-se mais da capa de Bossa, Balanço, Balada, de Sylvia Telles, onde também existem acessórios e

a utilização da foto é semelhante. nesta, porém, os elementos gráficos são distribuídos por toda a área da

capa, ao contrário da outra, onde o foco de atenção se volta para o lado direito da composição.

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e) Nara (Elenco), Nara Leão: 1964

esta capa é das mais simples, utilizando sobre o plano

branco somente o nome da cantora (que também dá

nome ao disco), uma foto em alto-contraste de seu busto,

a logomarca e os três pontos auxiliares.

O desenho e a forma de se compor o nome da cantora

é o aspecto mais interessante deste trabalho. Com uma

tipografia estendida sem serifa, de haste bastante grossa,

Villela decompõe o nome em duas sílabas, alinhando-as

pela esquerda. Funde o “n” com o “R” abaixo dele, de modo

que a haste vertical das duas letras coincidam. O espaço

horizontal do “n” é maior que o do “R”, possibilitando a

utilização de uma mesma haste diagonal para desenhar os dois “As”. As hastes horizontais dos “As” dão estru-

tura para o desenvolvimento das duas outras hastes diagonais, que se expandem acima da altura da letra,

terminando em uma seta. O resultado parece indicar o equilíbrio diagonal da composição. este trabalho

tipográfico é o elemento que comparece com mais peso na capa, com mais de 4 polegadas na altura das

hastes unidas do “n” e do “R”, sem contar a expansão das hastes diagonais dos “As”. está situado mais acima

e à esquerda da foto da intérprete, que ocupa o canto inferior direito se expandindo um pouco acima da

metade da altura da capa. A seta do “A” da segunda sílaba aponta a fotografia em auto-contrate da artista,

de semblante tímido e com a cabeça girada sobre seu ombro direito. A foto sangra pela base, de modo que

só fica representado o busto da cantora. Os três pontos vermelhos, quase alinhados em uma reta, indicam a

diagonal inversa e o logo da elenco está centralizado ao título do disco, situando-se acima do mesmo.

O resultado alcançado por Villela nesta capa talvez seja um dos mais interessantes dentre todos os seus

trabalhos pesquisados. As setas nas extremidades das hastes diagonais dos “As” tanto indicam o equilíbrio

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diagonal da composição, como podem apontar para a cantora, então gravando seu LP de estréia, e sugerir

sua ascensão meteórica. Ao mesmo tempo, podem sugerir os diferentes caminhos que nara começa a tomar

a partir deste disco (a cantora atravessa a Bossa nova, chega à Tropicália, grava Roberto Carlos e standards

americanos, para no final da vida voltar novamente à Bossa).

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consideraÇões finaisA RUPTURA nO DeSIgn De CAPAS de disco promovida por Villela foi uma ilha nesta área de projeto. A função

de display que as capas exerciam naquela época, motivação inicial no design de Villela, brevemente seria

substituída pela inserção do artista numa mídia mais atenta às possibilidades de capitalização da música e

artes em geral. no Brasil, mesmo com a imprensa sob a tutela do estado pós-64, isto pode ser exemplificado

na realização de diversos festivais musicais por emissoras de TV rivais, e na criação de programas voltados

para a música, como, no âmbito da música popular, O Fino da Bossa e Esta noite se improvisa.

A Bossa nova e sua postura lírica e “alienada” perderia espaço no clima polarizado da época, fazendo

com que aquela forma de se criar capas de disco, tão identificada com o movimento, acabasse sucumbindo

junto com ela.

no que diz respeito a uma “adequação modernista” no projeto de capas de disco, apresentamos um quadro

no qual o design estudado se aproxima e se afasta de uma estética funcionalista. Se aproxima no uso do preto e

branco, da limpeza, da simplicidade, no método; se afasta na independência do designer na aplicação de quais-

quer recursos e técnicas que julga interessante incorporar ao seu trabalho, sem se fixar a um estilo ao qual ele

nem reconhece sua adesão. Villela sublinha por diversas vezes sua total liberdade de criação, não sendo tolhido

por diretores de gravadora ou artistas, que só tinham acesso à sua capa depois de impressa.

é curioso observar que o axioma “forma segue função” presente na música bossanovista, e, de certa

forma, no design que Villela projeta para ela, tem suas origens em uma ideologia de reconstrução social,

“onde a racionalidade aplicada ao desenvolvimento dos meios de produção conduziria à superação das

contradições sociais, políticas, econômicas” (Bomfim, 1998: 77). Paradoxalmente, os fundamentos da estética

inspiradora do design de Villela tinham uma aspiração ideológica que, no acirramento dos ânimos na década

de 60, acaba por soterrar a Bossa nova. Os artistas que a sucederam não desejavam mais seguir seu projeto.

Seja na sua temática, seja na sua forma.

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A estética que Villela concretiza em suas capas e seus valores de limpeza, simplicidade, exatidão e

objetividade perderiam espaço para a pluralidade de ritmos e conteúdos diversos que a MPB traz para a

música brasileira. O violão sintético de João gilberto, cujo ritmo era capaz de se moldar a qualquer tipo de

música (analogamente, como o estilo Internacional pretendia dar conta de qualquer área de projeto), já

não era suficiente para abrigar o caldeirão cultural e político brasileiro.

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WAIneR, Samuel. Minha razão de viver. São Paulo: ed. Record, 1989.

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a n e X o

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caPas de discoAS CAPAS FORAM COLeTADAS, basicamente, da pesquisa de egeu Laus publicada na Revista Arcos V. I e do acervo do

Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. no caso das imagens tiradas da Revista Arcos, sofremos o problema de

terem sido digitalizadas a partir de um impresso, o que por si só já compromete o resultado. As capas do MIS-RJ foram

fotografadas em um ambiente que tinha apenas o mínimo de lumiosidade para o registro fotográfico e maioria delas

tinha um invólucro plástico o que propiciava reflexos indejáveis.

Infelizmente, nem todas as capas poderão ter todas as informações desejáveis disponíveis: no caso da pesquisa

de egeu Laus, ele nem sempre as disponibiliza. não sabemos se por elas não estarem realmente impressas, ou porque

o pesquisador optou por não utilizá-las. Podemos, no entanto, afiançar, baseado em sua pesquisa, que as capas datam

de 1950 a 1958. este problema poderia ser resolvido com uma entrevista com o autor, o que, desafortunadamente,

não foi possível, apesar das nossas insistentes tentativas. no caso das capas coletadas do livro de Ruy Castro, não há a

referência de autores; no entanto, podemos conferir datas na discografia que ele apresenta ao final do livro.

há uma situação curiosa no que diz respeito às capas de César Villela. ele afirma (Villela, 2001: Anexo) que deixou

o Brasil em 1964, tendo executado as 18 primeiras capas da elenco. Segundo ele, utilizando sempre os três pontos

vermelhos auxiliares. Curiosamente, existe a capa de A nova Bossa nova de Roberto Menescal e seu conjunto, na qual seu

nome consta dos créditos. Como o disco é de 1963, suspeitamos de um engano de Villela quanto a esse aspecto. há

outras capas, no entanto, de anos posteriores à sua saída do Brasil, que também apresentam seu nome nos créditos.

essas, porém, não parecem ter sido feitas por este designer. O exemplo mais vivo deste enigma é a capa de Contrastes,

de Odete Lara, de 1966. Mesmo assim, quando disponível, mantivemos o crédito expresso no disco.

outro enigma é a capa de Surf Board, de Roberto Menescal, do ano de 1964, cuja autoria ninguém parece con-

cordar: Castro afirma que é de Villela; Villela diz que é de eddie Moyna e na contra-capa do disco consta o nome de

Rubens Richter como autor do layout.

Uma útima curiosidade é a respeito dos discos verdes da elenco (ex: Antônio Carlos Jobim com Nelson Riddle e

sua orquestra: 1967). Segundo Achille, colecionador de discos que encontrei em minha primeira visita ao MIS-RJ, é um

padrão adotado para os discos gravados no exterior. A informação procede, pelo menos no que diz respeito aos discos

com esta característica coletados na pesquisa.

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a) Capas de disco de 1950 a 1958

Noel Rosa (Continental), noel Rosa: 1950

Ilustração: Di Cavalcanti

Boite (Musidisc), nestor Campos e seu conjunto de boite: ?

Capa: Joselito • Foto: Mafra

Carnaval do meu tempo (Polydor): ?

Ilustração: F.K.

Eu vou p’ra Maracangalha (Odeon), Dorival Caymmi: ?

Ilustração: Lan

Vamos dançar? (Continental): ? Capa: Páez Torrez

Turma da Gafieira (Musidisc):? Capa: Joselito • Fotos: Mafra

Canções praieiras (Odeon), Dorival

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uma estética bossa novaa n e X o

Caymmi: 1954 Ilustração: Dorival Caymmi

Fafá Lemos e seu violino com surdina

(RCA Victor): ? Autor desconhecido

The Ink Spots (Musidisc), The Ink Spots:

? Capa: Joselito • Foto: Studio Musidisc

Dorival Caymmi à interpretação de

Jacques Klein (Sinter), Jacques Klein: ? Ilustração: Paulo Brèves

Gafieira (Musidisc), gadê e Walfrido

Silva: ? Autor desconhecido

Para ouvir amando... (Copacabana),

Waldir Calmon: ? Foto: Avila

A Patativa do Norte (Odeon), Augusto

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uma estética bossa nova a n e X o

Calheiros: 1956 Autor desconhecido

Neuza Maria (Sinter), neuza Maria: 1956

Capa: Ronald • Foto: Diler

Na batida do samba (Continental),

Risadinha com Vadico e sua orquestra: 1956 Capa: Páez Torres

Noel Rosa na voz romântica de

Nelson Golçalves (RCA Victor), nelson gonçalves: ? Autor desconhecido

Sucessos em desfile no2 (odeon) Carolina Cardoso de Menezes: ? Autor desconhecido

Sambas em desfile (RCA Victor):? Autor desconhecido

Show Copacabana (Copacabana): ?

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uma estética bossa novaa n e X o

Autor desconhecido

Ribamar ao piano (Columbia): ?

Autor desconhecido

Silvio Caldas (Columbia):?

Capa: Páez Torres

Carícia (Odeon), Sylvia Telles: 1957 Capa: Villela

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b) Capas de Bossa Nova de 1959 a 1968

Chega de Saudade (Odeon), João gilberto: 1959 Capa: Villela • Foto: Chico Pereira

O amor o sorriso e a flor (Odeon), João gilberto: 1960 Capa: Villela • Foto: Chico Pereira

João Gilberto (Odeon), João gilberto: 1961 Capa: Villela • Foto: Chico Pereira

Antonio Carlos Jobim (elenco), Tom Jobim: 1963 Capa: Villela • Foto: Chico Pereira

Maysa (elenco), Maysa: 1963 Capa: Villela • Foto: Chico Pereira

Bossa, Balanço, Balada (elenco), Sylvia

Telles:1963 Capa: Villela • Foto: Chico Pereira

A Bossa Nova de Roberto Menescal

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uma estética bossa novaa n e X o

(elenco), Roberto Menescal:1963 Capa: Villela • Foto: Chico Pereira

Vinícius & Odete Lara (elenco), Vinícius & Odete Lara: 1963 Capa: Villela • Foto: Chico Pereira

Um Sr. Talento (elenco), Sérgio Ricardo: 1963 Capa: Villela • Foto: Chico Pereira

A nova Bossa Nova de Roberto Menescal e seu conjunto (elenco), Roberto Menescal e seu conjunto: 1963 Capa: Villela • Foto: Chico Pereira

Bossa session (elenco): s/r Capa: Villela

Kaleidoscópio Elenco (elenco): s/r Capa: Villela

Kaleidoscópio 2 (elenco): s/r

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uma estética bossa nova a n e X o

Capa: ?

Nara (elenco), nara Leão: 1964

Capa: Villela • Foto: Chico Pereira

Opinião de Nara (Phillips), nara Leão:

1964 Capa:?

Surf Board (elenco), Roberto Menescal: 1964 Capa: Rubens Richter • Foto: Chico

pereira

Lennie Dale e o Sambalanço Trio (elenco), Lennie Dale:1965

Capa: eddie Moyna • Foto: Chico Pereira

Rio capital de Bossa Nova (elenco): ? Capa: eddie Moyna • Foto: Chico

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uma estética bossa novaa n e X o

pereira

O cantor e o compositor (Odeon), Marcos Valle: 1965

Capa: ? • Foto: galdino Silva

Bud Shank, Donato, Rosinha de Valença (elenco), Bud Shank, João Donato, Rosinha de Valença: 1965

Capa: eddie Moyna

Manhã de carnaval (Phillips), nara Leão: 1966 Capa:?

Contrastes (elenco), Odete Lara: 1966 Capa: Villela

Rosinha de Valença (elenco), Rosinha de Valença: s/r Capa e foto sem registro

Reencontro (elenco), Sylvia Telles, edu Lobo, Tamba Trio e Quinteto Villa Lobos: 1966 Capa e foto sem registro

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uma estética bossa nova a n e X o

A 3a dimensão de Lennie Dale(elenco), Lennie Dale:1967 Capa: Villela

As músicas de Edu Lobo por Edu Lobo (elenco), edu Lobo: 1967 Capa e foto sem registro

Antônio Carlos Jobim com Nelson Riddle

e sua Orquestra (elenco): 1967 Capa: João Baptista Canto • Fotos: ed Thrasher e Manchete

Viola enluarada (Odeon), Marcos Valle:

1968 Capa: ? • Foto: galdino Silva

Tamba Trio (Phillips), Tamba Trio: 1968

Capa e foto sem registro

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Qual foi sua formação? Você é autoditada? Como você

chegou até a capa de disco?

essas coisas acontecem na infância. Desde garoto já começava

a rabiscar. Quando eu estava no Laffaiete, tinha um professor de

história, o Passos, que tinha uma revista chamada Humanidades,

para a qual eu já desenhava. Depois, tinha um outro professor

com uma revista chamada Gente Nova e eu desenhava também

para essa revista. Depois criaram um jornal lá dentro, chamado

Nosso Jornal. eu já venho dali. eu fui estudando, mas fui sempre

me envolvendo com desenho. Até que eu comecei a trabalhar

para a revista Tico Tico, Vida Infantil, essas revista infantis. Fazia

cartoon, histórias em quadrinhos. na Rio Gráfica eu também

ilustrava as revistas infantis. O meu primeiro emprego foi em

publicidade na falecida Mesbla. e depois, naquela época, não

existia faculdade de propaganda, de publicidade, de desenho,

nada. As coisas eram passadas e repassadas de colega para

colega. A gente trabalhava com os mais experientes e nós

íamos aprendendo, melhorando. eu tive grandes colegas mais

velhos que foram grandes professores. naquela época não havia

nem faculdade de jornalismo. Quando eu entrei pr’O Globo

eu ilustrava henrique Ponjetti, Lessa, os cronistas da época.

O indivíduo precisava ter o cientifico, mas se ele tivesse cinco

anos de jornalismo, o dono do jornal podia registrá-lo como

jornalista. era praticamente uma faculdade. nesse caso, o Ro-

berto Marinho, que nessa época ainda estava em um nível que

podíamos conversar com ele, me colocou como jornalista. Do

Globo eu fui para a publicidade: a Standart Propaganda e outras

agências, onde trabalhava como freelancer. Até cair em disco

no final de 1957. O LP estava embrionário ainda, não tinha uma

entrevista de césar villelaesta entrevista foi concedida, em fevereiro de 2001, a Jorge Luiz Rodrigues, mestrando em design pela PUC-Rio.

definição do que ia ser como capa, então fomos ordenando. O

André Midani dirigia esse setor de publicidade da Odeon com

o Aloysio de Oliveira, que era o nosso diretor artístico fantástico,

e me apoiaram muito, me deram toda liberdade.

Você tinha idéia do que se fazia lá fora? Você tinha influ-

ência lá de fora?

não tinha influências, como a nossa música era diferente da

deles, eles tinham características diferentes. Aliás as capas da

Capitol da época marcaram: eram bonitas, muito bem feitas

graficamente. eram as melhores capas. Mas as européias eram

muitos ruins. A Decca, aquelas capas inglesas, francesas, eram

muito ruins, dentro do nosso ponto de vista. e nós começávamos

a criar uma personalidade, porque não era só eu que estava

trabalhando naquela época. na Musidisc, tinha o Joselito e o

fotógrafo Mafra, bom fotógrafo. eu levei o Chico Pereira para

trabalhar comigo, tinha pretensões de criar, dirigia as fotos.

Chico era um excelente profissional, tecnicamente, fazia tudo

muito bem feito. ganhamos alguns concursos de capa até surgir

a elenco. A elenco é que definiu.

Como surgiu o design do preto e branco?

há tempos eu queria fazer na Odeon uma mudança nas

capas de disco. Antigamente não tinha televisão e os jornais

praticamente não falavam de artistas, eles não eram notícias

como hoje. Se você quisesse fazer algum artista aparecer no

jornal você tinha que pagar. O cara tinha que fazer um anúncio,

pois eles achavam que falar do artista ia vender disco. então o

Roberto Marinho, que não tinha TV, não tinha companhia de

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uma estética bossa nova a n e X o

as fotos em alto-contraste. nós fizemos as fachadas da Maysa,

do Lennie Dale, dessa turma que se apresentava lá e com as

próprias fotos fomos fazendo as capas da elenco. Tem um certo

folclore que o preto e branco era porque não tinha dinheiro.

não era. Se eu determinasse “vamos fazer a cores”, seria, porque

o Aloísio não estava nem aí. não era por economia.

Foi na realidade a primeira programação visual em capas. Mas

eu não fiz pensando em ser a primeira, eu fiz porque já vinha

pensando na simplificação. eu usava quatro bolinhas vermelhas

por causa do logotipo que eu tinha criado, onde o n formava

um spot com a luzinha vermelha. então eu disse: “já que tem

que botar um pontinho vermelho, vou botar quatro”, porque,

esotericamente, quatro queria dizer harmonia, o que estava

ligado à música. e assim ficou marcado.

Você tinha noções do “funcionalismo”?

eu me baseio muito em Mondrian para a minha pintura. Como

conceito, a Bauhaus tinha um desenho de simplificacão, porque

saiu da art noveau, da art deco. era confuso. Você se lembra dos

postes de iluminação do Rio? Tinham uma saia toda bordada,

cheia de voltinha, então industrialmente as coisas eram mais

difíceis de serem feitas em produção. A Bauhaus criou uma

concepção nova de simplificação para ajudar inclusive na

produção, então os postes passaram a ser retinhos, limparam

visualmente as coisas. e Mondrian sacou e simplificou. Foi

dentro desta concepção de simplificação que eu resolvi fazer

o meu trabalho.

Como era a relação com a gráfica?

eu tinha o privilégio de ter como amigos o Aloyso e o André

Midani. eles eram funcionários da Odeon e eu trabalhava como

freelancer, o Chico também. eu comprava tinha uma tabela,

cobrava x, e fim de papo. eles tinham tanta confIança e mim

que não queriam saber, me davam o nome do lançamento, o

disco, era especificamente o jornal, não queria falar nada. Só se

o artista matasse alguém é que saía na primeira pagina. Depois

veio a Revista do Rádio e o Roberto criou a Radiolândia, então

falávamos sobre o artista mais não se falava do disco. e o que

acontecia: a capa de disco naquela época era o display, era o

ponto de venda na loja, ela tinha de ser atrativa, ela é que ven-

dia. então as lojas expunham nas vitrines as capas, um monte

de capas. eu já tinha observado que era uma poluição visual

muito grande: mesmo as minhas ficavam confusas junto com

as outras. eu já tinha pensado em simplificar para aparecer mais

determinadas capas. hoje mudou muito o conceito. Tem tele-

visão, rádio, clips, um monte de coisa, o ponto de vista é outro.

Os cds mudaram muito a concepção de capas. então eu disse:

“eu tenho de vencer essa barreira visual”. O Chico era professor

de fotografia na ABASF e havia excelentes fotógrafos fazendo

coisas diferentes, que não eram usadas comercialmente. Aí

eu disse: “Chico, tem umas coisas aí que talvez a gente possa

pegar para mexer a coisa” e tal. A primeira tentativa é uma capa

solarizada de João gilberto (O amor, o sorriso e a flor). não era

alto-contraste era solarização. Mas o departamento comercial

da Odeon não gostou muito, eles queriam fotografias do artista

na capa. Aí, eu tive que dar uma paradinha. Mas logo surge a

oportunidade de lançar a Bossa nova como movimento. Mas a

Odeon não queria apostar na Bossa nova, só o Aloyso de Oliveira

queria. Aí partimos...

eu já tinha essa idéia da simplificação quando o Aloysio criou

a elenco. ele não tinha um tostão no bolso, saiu da Odeon,

entusiasmou-se, e foi fazer a gravadora. Todos os artistas cola-

boraram com ele, ninguém estava a fim de dinheiro, nem Jobim,

e o Aloísio também era desorganizado à beça. Para ele, dinheiro

para ele era uma coisa espiritual, etérea. eu e o Chico fizemos

as capas e nunca ganhamos um tostão, nunca recebemos um

dinheiro. Mas antes das capas havia os shows da Bossa nova

no Bon gourmet. Fazíamos a fachada e aproveitamos para usar

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uma estética bossa novaa n e X o

nome dos discos, às vezes os trocávamos opinião, e eu saia só

com aquilo. eu tinha liberdade. não precisava mostrar um layout

a eles, me viciei muito nisso. eles iam ver depois, gostando ou

não. Às vezes, eles não gostavam, mas não me impediam de eu

continuar com a minha liberdade de trabalho. eu fazia a arte

final. não existia fotoletra naquela época, não tinha computador

para fazer fotocomposição, não existia nada. então, eu pedi

para o André mandar vir dos estados Unidos um catálogo de

tipografia, fotografei-o todo e fiz fotoletras dali; fiz negativo e

tirava várias cópias e montava-as. Por exemplo: eu pegava a foto

do Chico, o cromo, ampliava no prisma, marcava o lugar da foto,

botava o título e mandava para São Paulo, onde era a gráfica.

Já vinha pronto, não me perguntavam nada, não dava tempo.

Às vezes mal impresso, às vezes bem impresso.

Você não via nem o fotolito?

eu já via a coisa pronta, não tinha controle porque era em São

Paulo. O departamento comercial não mexia no que eu fazia,

me respeitavam. Também havia umas questões moralistas.

naquela época as coisas eram difíceis. Uma vez eu botei uma

mulher com o seio de fora, um detalhe, e choveram reclamações:

“como é que eu vou levar um disco desse para casa?”. A direção

da Odeon pedia pra não fazer, a gente ia maneirando.

Como era a relação com o fotógrafo e com os artistas?

Muito boa. O artista não dava palpite, ele não tinha acesso às

capas dele. Depois quando surgiram os produtores indepen-

dentes, cada artista tinha um produtor, e aí o artista escolhia

quem faria a capa. Trazia o amigo e aí começou a ficar um pouco

amador. hoje em dia não, hoje já é mais profissional com o cd.

O gê da universal, geraldo Alves Pinto, é um excelente capista,

ele já tem um grande controle, os artistas já não dá tanto pal-

pite. Mas no meu tempo, eles nem sabiam, só iam ver a capa

depois. Tanto que a capa do LP Chega de Saudade, o João só viu

pronta. ele me ligou para casa às 11 horas da noite e ficou me

explicando por que não gostou da capa, que era “tristezinha”.

ele ficou até as 2 da manhã me explicando o que era tristezinha.

Uma coisa de louco! eu queria dormir e ele me explicando o

que era tristezinha. ele desenvolveu um termo sobre o que era

tristezinha que eu até hoje não sei o que é tristezinha. ele não

gostou da capa.

A tipologia desta capa já é uma coisa muito moderna.

eu procurava fazer tudo muito alinhado. Mas tem um erro

fotográfico: apareceu a sombra do flash lá atrás. Mas não tinha

como, porque esta era a melhor foto.

As fotos eram feitas de comum acordo?

Íamos para o estúdio e eu armava a situação. O Chico trabalhava

com a Rolleyflex dele, eu olhava às vezes através do visor, dava

ok, e o Chico disparava. Os artistas eram todos muitos carinho-

sos com a gente. Também, naquela época, a gente não ouvia

falar de maconha, cocaína. Se tinha, era uma coisinha ou outra.

Falava-se ligeiramente que o João era da esquadrilha da fumaça.

era um ambiente mais sadio, tinha aquela turma que saía para

uma bebedeira, um chopinho, era mais tranqüilo.

Como foi a historia da capa do LP Surfboard?

essa capa não é minha, o Ruy cita no livro, mas essa não é minha.

eu fiz as dezoito primeiras capas da elenco, e resolvi ir para os

estados Unidos, já estava saturado. Começou a revolução de 64,

o mercado começou a ficar difícil. Deixei um amigo do Chico

que era designer também, o eddie Moyna, no meu lugar. O eddie

que fez essa capa. O eddie modificou as capas, incluindo novos

elementos, aí as capas voltam a ser como antes.

Dentre as suas capas qual a que você mais gosta?

A Odeon tinha lançado uma espécie de capa de plástico, o es-

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uma estética bossa nova a n e X o

tereoplástico, não sei se você conhece. era uma capa de papel

envolvida em plástico que um japonês inventou e a Odeon

comprou a patente dele. então eu fiz uma capa original do Bola

Sete, o violonista. era bem bolada porque ninguém tinha uma

capa igual à do outro. eu botei em preto e branco Bola Sete e

a foto dele redondinha em preto impresso. Soltei seis bolas de

cores dentro, jogadas, de modo que você mexia e elas se mexiam

também. essa capa é uma que se destaca pela originalidade.

Nessa época você tinha contato com outras pessoas que

estavam fazendo capa de disco? O que era design na época?

Essa palavra era usada?

não, era desenhista, capista, ou então diretor de arte. então,

eu era diretor de arte, mas eu nunca gostei do título, achava

pretensioso. eu botava simplesmente layout de César, fotos

de Chico. não havia necessidade. As agências de publicidade

estavam criando este termo art director. Mais tarde, eu vim a ser

presidente do Clube de Diretores de Arte do Brasil, mas muitas

coisas já tinham se sedimentado, já tinha voltado dos estados

Unidos, foi outra coisa. Mas naquela época era isso. A idéia de

design tinha sim, na europa, mas para nós nada significava...

era desenhista.

Em 63 é fundada a ESDI...

Aquela primeira turma estava muito ligada à régua e esquadro,

começou um festival de logotipos, todo mundo fazendo logo-

tipo. era compasso, régua, esquadro os instrumentos.

Você não usava esses instrumentos?

Usava, mas eles só usavam isso. A publicidade nasceu do ilus-

trador. não eram designers, eram ilustradores. na publicidade,

quando um cara queria fazer um anúncio, chamava um dese-

nhista, ilustrador. Às vezes, o ilustrador mesmo fazia o texto.

e, no Brasil, tivemos grandes ilustradores, e temos ainda hoje.

naquela época, tínhamos o Sami Mattar, um grande pintor, o

Benício, um grande ilustrador, o Lutz, o gutenberg, que está

nos eUA, Fernando Dias da Silva que está nos eUA, grandes

ilustradores. e, antes disso, o J. Carlos. O ilustrador que dava

base à publicidade, fazia os layouts. era tudo muito baseado

em ilustração. Quando veio a eSDI, começou a perder-se o ilus-

trador, o cara já não precisava desenhar, precisava ter um ritmo

diferente. e o ilustrador foi ficando à parte. Depois começou a

se dosar um pouco, o designer com ilustração. hoje em dia, a

ilustração no Brasil caiu muito, por causa do computador. Quem

sabe desenhar vai para o eUA.

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este livro foi composto nas tipografias Myriad Roman

e Alternate gothic 2, impresso na Sir Speedy e

encadernado na gráfica Dois Irmão LTDA.

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