Botanicaeconomica Eduardo Van Den Berg Ufla

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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” (ESPECIALIZAÇÃO) A DISTÂNCIA BOTÂNICA BOTÂNICA ECONÔMICA Eduardo van den Berg Universidade Federal de Lavras - UFLA Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão - FAEPE Lavras-MG 2005

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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” (ESPECIALIZAÇÃO) A DISTÂNCIA

BOTÂNICA

BOTÂNICA ECONÔMICA

Eduardo van den Berg

Universidade Federal de Lavras - UFLA Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão - FAEPE

Lavras-MG 2005

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PARCERIA

Universidade Federal de Lavras - UFLA Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão - FAEPE REITOR Antônio Nazareno Guimarães Mendes VICE-REITOR Ricardo Pereira Reis DIRETOR DA EDITORA Marco Antônio Rezende Alvarenga PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO Joel Augusto Muniz PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” Marcelo Silva de Oliveira COORDENADOR DO CURSO Evaristo Mauro de Castro PRESIDENTE DO CONSELHO DELIBERATIVO DA FAEPE Edson Ampélio Pozza EDITORAÇÃO Centro de Editoração/FAEPE IMPRESSÃO Gráfica Universitária/UFLA

Ficha Catalográfica preparada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da UFLA

Van den Berg, Eduardo Botânica econômica / Eduardo Van den Berg. – Lavras: UFLA, 2005. 56 p.: il. – Curso de Pós-graduação “Lato Sensu” (Especialização) a Distância – BOTÂNICA.

Bibliografia

1. Botânica. 2. Domesticação. 3. Gramínea. 4. Planta. I. Universidade

Federal de Lavras. II. Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão. III. Universidade Federal de Lavras. IV. Título.

CDD – 581.6 630.28

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, por qualquer meio ou forma, sem a prévia autorização.

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S U M Á R I O

1 Introdução....................................................................................................................5 2 Domesticação ..............................................................................................................6 3 Cereais utilizados pelo homem..................................................................................13 4 Plantas fornecedores de látex ...................................................................................18 5 Plantas produtoras de óleos e gorduras ....................................................................20 6 Plantas ceríferas........................................................................................................23 7 Exsudatos do tronco, bálsamos e gomas..................................................................24 8 Plantas aromáticas ....................................................................................................25 9 Condimentos..............................................................................................................31 10 Plantas taníferas......................................................................................................34 11 Plantas têxteis .........................................................................................................36 12 Plantas corticeiras ...................................................................................................39 13 Plantas tintoriais ......................................................................................................40 14 Espécies madeireiras ..............................................................................................42 15 Matéria prima para celulose e papel........................................................................47 16 Plantas ornamentais ................................................................................................48 17 Plantas tóxicas ........................................................................................................49 18 Bioprospecção .........................................................................................................53

19 Bibliografia ...............................................................................................................58

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1 INTRODUÇÃO

O escopo da Botânica Econômica é extremamente amplo. Existem, disciplinas, áreas da ciência, cursos inteiros que abrangem apenas alguns aspectos daquilo que pode ser chamado de botânica econômica. Assim, longe de esgotar o assunto, esta obra pretende introduzi-lo. A intenção é que o leitor tenha uma idéia do universo a ser explorado nesta área.

Um dos capítulos mais intrigantes desta abordagem é aquele que trata da domesticação, em particular, da domesticação de espécies vegetais e suas implicações para a nossa civilização. Mais no final do livro, uma outra faceta intimamente ligada com a domesticação e uso de plantas nos tempos atuais é tratada brevemente sob o tópico Bioprospecção.

A maior parte da obra lida com os diferentes grupos de produtos vegetais e suas espécies fornecedoras adotadas pela civilização humana. Estes produtos e espécies são descritos de forma sucinta, procurando enfatizar aqueles mais importantes. No entanto, referências que tratam do assunto de forma mais extensa são fornecidas nos respectivos capítulos. Neste sentido, os Jardins Botânicos de Kew possuem uma impressionante coleção de objetos, produtos e plantas utilizadas pelos povos ao redor do mundo, exibidos em suas coleções de Botânica Econômica e apresentados sinteticamente por Griggs et al. (s/d).

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2 DOMESTICAÇÃO

Um organismo domesticado pode ser definido como “uma espécie reproduzida em cativeiro e assim modificada de seus ancestrais selvagens e de forma a se tornar mais útil para os seres humanos que controlam sua reprodução e (no caso de animais) seu suprimento de alimento” (Diamond 2002).

A domesticação de plantas e animais foi certamente o principal evento na história da humanidade nos últimos 13.000 anos. Este processo alterou profundamente a organização e complexidade das sociedades, funcionou como um elemento marcante no desenvolvimento tecnológico, impulsionou mudanças drásticas na distribuição de etnias no globo, alterou marcantemente a composição genética das diversas sociedades humanas, alterou acentuadamente a forma de ocupação do solo, a distribuição da vegetação natural, resultando em profundas mudanças ambientais.

Entender o processo de domesticação e suas conseqüências é indispensável para a compreensão de quem somos hoje e porque, e quem fomos no passado e o que nos reserva o futuro. A investigação sobre a domesticação das plantas é feita principalmente através de duas abordagens: estudos genéticos e escavações arqueológicas. Os estudos genéticos visam descobrir o(s) ancestral(is) selvagens das plantas domesticadas. A distribuição do(s) ancestral(is) pode indicar a região de origem da espécie ou variedade em questão. A investigação arqueológica visa não só identificar os locais de origem, mas também datar o início da domesticação. Obviamente, ambas as abordagens têm suas limitações. No caso de escavações arqueológicas, normalmente os dados são escassos e foram preservados apenas em condições peculiares, como áreas mais secas e/ou cavernas, resultando em um padrão de dados que não necessariamente representa a real abrangência da área original da domesticação, assim como não necessariamente indica com precisão a data da domesticação. Por outro lado, os dados genéticos muitas vezes falham em indicar precisamente o ancestral da espécie em questão ou a sua área de distribuição, isto porque a distribuição passada pode ser diferente da distribuição atual, assim como o ancestral pode estar extinto ou modificado.

Recentemente foi publicada uma excelente revisão sobre o processo de

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Domesticação

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domesticação de plantas e animais, intitulado “Evolução, conseqüências e futuro da domesticação de plantas e animais” (“Evolution, consequences and future of plant animal domestication”) (Diamond 2002) no qual fundamentamos a maior parte deste capítulo. Outros trabalhos foram consultados no processo e merecem nossa menção, como Heisser Jr. (1977), Smith (2001) e Bryant (2003).

a. História da domesticação i. A decisão de domesticar

A origem da domesticação e a razão porque em determinado momento da história os seres humanos adotaram este processo são questões ainda bastante obscuras e fonte de inúmeras especulações.

Os registros fósseis e arqueológicos existentes atestam a ocorrência das primeiras domesticações com sucesso no final do Pleistoceno, cerca de 13.000 atrás. Se houve tentativas anteriores ou não é algo a ser desvendado. Os primeiros processos de domesticação parecem coincidir com o aumento da imprevisibilidade climática, diminuição das populações de espécies animais de grande porte (que eram preferidas pelas sociedades de caçadores-coletores) e aumento da ocupação humana de habitats disponíveis. Tais mudanças parecem estar fortemente relacionadas com a transição do comportamento de caça e coleta, e o nomadismo associado a isto, para o cultivo de plantas e criação de animais, implicando em agrupamentos humanos mais sedentários.

A transição da coleta e caça para o cultivo de plantas e criação de animais resultou inicialmente em mais trabalho, menor estatura de adultos, condição nutritiva pior e maior carga de doenças para a população humana. Apesar destes problemas, a longo prazo, os benefícios secundários advindos do sedentarismo produziram sociedades mais complexas e tecnificadas resultando no domínio destas sobre aquelas baseadas na coleta e caça.

ii. Mudanças nos organismos durante a domesticação

A domesticação implica necessariamente em mudanças genéticas e fenotípicas associadas à seleção efetuada pelo homem sobre os organismos. Entre os animais, freqüentemente, a domesticação implica em cérebros menores e sentidos menos aguçados, quando comparados com os seus parentes selvagens. Outras características também foram favorecidas como maior docilidade, lã de melhor qualidade, porte maior (ex. galinhas) ou menor (ex. auroques, os ancestrais dos bois atuais).

Entre os cereais, uma das características inconscientemente selecionadas foi sempre a não dispersão dos grãos. Embora um mutante cujas sementes não dispersem esteja fatalmente condenado a extinção em populações naturais, em populações cultivadas ou coletadas para posterior cultivo, este mutante seria

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naturalmente selecionado devido a maior facilidade de coleta das sementes. Em algumas situações, quando a domesticação foi feita para propósitos alternativos, uma espécie ancestral resultou em culturas e raças bem diferentes. Por exemplo, diferentes raças de cães ou os vários tipos de Brassica oleracea (mostarda, couve-flor, couve, brócolis, etc.) (Cruciferae).

iii. Razão do número pequeno de espécies domesticadas

Um aspecto que sempre intrigou os cientistas foi o relativamente pequeno número de espécies domesticadas. Por exemplo, das 148 espécies de grandes herbívoros e onívoros (com mais de 45 kg), apenas 14 foram efetivamente domesticadas. Das cerca de 200.000 plantas superiores selvagens, apenas 100 delas são efetivamente espécies domesticadas valiosas.

Apesar de inúmeras outras especulações, a provável razão para explicar o pequeno número de espécies domesticadas está nas espécies em si e não nos povos ou nas condições ambientais locais. Isto pode ser comprovado pelas inúmeras, persistentes, mas falhas tentativas de se domesticar novas espécies animais ou o grande número de espécies de plantas, que, embora sejam coletadas e usadas pelo homem há muito tempo, nunca efetivamente se tornaram domésticas. A história mostra que, nos últimos séculos, poucas espécies foram efetivamente acrescentadas à relativamente pequena lista de espécies domésticas, sendo que as espécies que entraram na lista são relativamente pouco importantes, em termos econômicos.

Alguns fatores podem inibir a domesticação em plantas, entre eles o controle poligênico de alguma característica indesejável. Por exemplo, as árvores produtoras de amêndoas foram domesticadas a muito tempo atrás na Europa, embora os carvalhos nunca o tenham sido para a produção de castanhas. O fato é que, embora as amendoeiras produzissem frutos normalmente tóxicos, esta toxidez estava ligada a um gene dominante simples, ou seja, naturalmente e freqüentemente sempre apareceram eventualmente amendoeiras com frutos não tóxicos, sendo estas facilmente selecionadas pelas populações humanas. No caso dos carvalhos, a toxidez normalmente encontrada nos frutos está ligada a um controle poligênico, sendo muito raras as árvores que produzem frutos com nenhuma ou baixa toxidez, inibindo as possibilidades de domesticação através de coleta de sementes em árvores na natureza.

iv. Razão do pequeno número de centros de domesticação

A domesticação de plantas e animais permitiu um enorme incremento na produção de alimento, permitindo um fantástico progresso em termos de aumento das populações, desenvolvimento tecnológico e sofisticação na estrutura política e na capacidade militar destas sociedades. Como resultado disto, ao longo de todo o

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Domesticação

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globo, historicamente, as sociedades baseadas no cultivo da terra sobrepujaram, subjugaram e exterminaram as populações humanas de caçadores e coletores. Sendo assim, alguém poderia supor que em qualquer lugar do mundo, alguns dos coletores-caçadores eventualmente começariam a domesticar organismos e eventualmente se tornariam os dominadores da região, havendo assim múltiplos centros de domesticação no globo.

Estranhamente, a domesticação parece ter surgido independentemente em no máximo nove áreas ao redor do mundo (Crescente Fértil, China, Mesoamérica, Andes/Amazônia, leste dos Estados Unidos, Sahel, África Oeste tropical, Etiópia e Nova Guiné). Curiosamente, a maioria destas áreas não corresponde aos atuais centros de produção de alimentos, como alguém poderia supor (Figura 1). Como explicar este fato? Aparentemente, os eventos de domesticação dos animais e plantas mais valiosas para a humanidade ocorreu onde estas plantas estavam disponíveis como organismos selvagens. As sociedades que foram capazes de realizar estas domesticações sobrepujaram as populações humanas de caçadores e coletores que ocorriam próximo, expandindo o seu domínio e difundindo as espécies domesticadas. Quando tais espécies domesticadas foram adotadas por outros povos que habitavam áreas com climas mais favoráveis e solos mais férteis, tais povos se tornaram mais poderosos que os povos que originalmente domesticaram as espécies, mudando as áreas onde plantas e animais eram preferencialmente cultivados e criados.

Figura 1. Centros de domesticação (em laranja) e produção agrícola atual (amarelo). Extraído de Diamond et al. (2002).

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v. Como a produção de alimentos domesticados se espalhou pelo

mundo

A expansão de organismos domesticados para outras partes do mundo a partir dos centros de domesticação pode ter ocorrido de duas maneiras. A menos provável ou a mais rara deve ter sido através dos povos nômades de coletores e caçadores que adquiriram organismos domesticados e os levaram para outras regiões. Um exemplo deste tipo de expansão parece ter acontecido no sudeste da África, a cerca de 2.000 anos atrás, quando povos coletores e caçadores se tornaram criadores de gado originário da Eurásia.

No entanto, a forma mais comum de expansão parece ter ocorrido através da expansão das sociedades mais tecnificadas baseadas no cultivo do solo e criação de animais sobre as sociedades mais primitivas dependentes da coleta e da caça.

A expansão das culturas e criações parece ter sido muito mais rápida no sentido do eixo leste-oeste do que no sentido norte-sul. Isto parece estar ligado a maior adaptabilidade das culturas e criações às regiões com latitudes similares, que possuem os mesmos comprimentos de dia e sazonalidades similares. Tais regiões possuem climas, habitats e doenças semelhantes e, assim, demandam menores mudanças evolutivas nos organismos. A expansão de culturas e criações no sentido norte-sul ocorreu muito mais lentamente. Estes fatos podem ser comprovados pela rápida expansão do trigo, citros e pêssego no eixo leste-oeste e lenta expansão das culturas domesticadas no México para a América do Sul (Figura 2).

Figura 2. Expansão de espécies domesticadas no globo: rápida (setas em verde), lenta (setas em vermelho). Segundo Diamond et al. (2002).

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b. Conseqüências da domesticação

Inúmeras e importantes foram as conseqüências da domesticação. Em termos das sociedades humanas, a domesticação permitiu uma maior produção de alimento localmente, resultando no abandono do nomadismo e fixação do homem. O sedentarismo assim produzido, associado a mais intensa produção de alimento e conseqüente possibilidade de diversificação de atividades, originou sociedades mais diversificadas e complexas, estratificadas socialmente, com sistemas de governo mais organizados e exércitos permanentes, literalmente extinguindo as sociedades de caçadores-coletores.

Indiretamente, outros problemas surgiram, por exemplo, o surgimento de novas doenças epidêmicas, cujo aparecimento só foi possível devido aos grandes adensamentos populacionais. Outro fator que contribuiu para o aparecimento destas doenças foi o contato mais íntimo com os animais domésticos, sendo estes reconhecidamente a origem da maioria das doenças epidêmicas modernas. Por outro lado, como um produto secundário destas epidemias, as populações humanas sedentárias tornaram-se, por seleção, mais resistentes a estas doenças, e estas, por sua vez, se tornaram o principal fator de extermínio das populações indígenas que tiveram contato com as sociedades eurasianas em expansão.

c. O futuro da domesticação

A existência de um relativamente pequeno número de espécies domesticadas gera em nós a expectativa que, graças à tecnologia atual e conhecimento científico, um número maior de espécie poderia ser domesticado nestes tempos modernos. Contrariamente a isto, inúmeros esforços modernos de domesticação de plantas e animais têm tido poucos resultados práticos, e as espécies mais recentemente domesticadas (“blueberries”, macadâmia, pecans e morangos) são relativamente pouco importantes quando comparadas às espécies domesticadas no passado.

Apesar disto, é possível que o conhecimento genético-ecológico-ambiental nos permita sucesso na domesticação de alguns organismos cujas tentativas passadas foram frustadas.

Uma outra faceta da domesticação são os seus efeitos negativos sobre os genótipos humanos selecionados anteriormente pelas centenas de milhares de anos baseados na caça e coleta. Na sociedade atual, genótipos que anteriormente eram benéficos entre coletores-caçadores, hoje levam ao aparecimento de doenças como a diabetes tipo II e a hipertensão devido à conservação de sais no corpo. A baixa freqüência de diabetes tipo II entre europeus parece ser produto do expurgo de genótipos favoráveis a esta doença (através da morte prematura dos indivíduos portadores destes genótipos) ao longo de maior tempo de convivência com culturas agrícolas domesticadas. Em outras sociedades, onde a exposição a altas

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concentrações de carboidratos é relativamente recente, a incidência de diabetes tipo II tem crescido assustadoramente. Estima-se que entre 2000 e 2010, a incidência de diabetes deve aumentar no mundo em torno de 46%.

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3 CEREAIS UTILIZADOS PELO HOMEM

(DIAMOND, 2002; HEISER JR., 1977)

Mais de 70% das terras cultivadas estão ocupadas pela produção de cereais, que respondem por mais de 50% das calorias consumidas pelo homem. Entre as plantas indispensáveis à civilização humana da forma que a conhecemos, destacam-se três cereais: trigo, arroz e milho.

Os cereais são importantes fontes de carboidratos devido ao endosperma amiláceo de seus grãos. Por outro lado, têm baixo teor protéico e são pobres em cálcio, vitamina A (exceto o milho amarelo) e vitamina C. Sendo assim, sua grande importância está na excelente fonte de carboidratos que representam. As grandes civilizações do Oriente Médio tiveram seu poder calcado na cultivo de trigo e cevada. Já nas Américas, o milho foi essencial à pujança dos impérios ali formados. Na Ásia oriental, em países como a China e o Japão, o arroz representou e ainda representa a base alimentar daqueles povos.

a. O Trigo (Triticum spp., Graminae)

O trigo é provavelmente uma das primeiras plantas a serem domesticadas pelo homem. Registros arqueológicos desta domesticação remontam a mais de 12.000 anos atrás. Atualmente o trigo é o cereal de maior importância econômica do mundo, sendo utilizado principalmente para a fabricação de pão e confecção de massas. O alto teor de glúten do trigo dá a massa do pão uma consistência grudenta que é capaz de reter o gás carbônico produzido durante a fermentação permitindo, assim, o crescimento da massa.

O processo de domesticação do trigo foi muito estudado e existem inúmeros registros das etapas que originaram os tipos de trigo atualmente existentes e cultivados.

As diferentes espécies de trigo existentes pertencem ao gênero Triticum. Existem espécies diplóides, com 14 cromossomos, tetraplóides, com 28 cromossomos e hexaplóides, com 42 cromossomos. Obviamente, as espécies mais primitivas foram as diplóides (AA), entre as quais se destaca o Triticum boeoticum

Boiss., uma espécie nativa do Oriente Médio, e T. monococcum L., esta última ainda cultivada. Tais espécies apresentam grãos maiores e raques dos frutos menos

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quebradiças. T. boeoticum provavelmente se hibridizou com alguma outra espécie (provavelmente Aegilops speltoides Tausch) e sofreu uma duplicação de cromossomos resultando em uma espécie tetraplóide (AABB).

Entre as espécies tetraplóides, T. dicoccoides (Körn.) Körn. ex Schweinf. é uma nativa importante. Já T. dicoccum Schrank foi antigamente utilizada na fabricação de massas e pão na Ásia e na região do Mediterrâneo, sendo atualmente mais usada para a alimentação animal. Várias espécies tetraplóides apresentam os grãos sem envoltório, o que, embora seja desvantajoso às plantas selvagens, são uma importante vantagem para o seu cultivo. T. durum Desf. é atualmente a espécie tetraplóide mais cultivada, sendo preferida para a fabricação de massas para macarrão.

Uma das espécies tetraplóides provavelmente hibridizou com Aegilops

squarrosa L., produzindo um híbrido triplóide, que pela duplicação dos cromossomos resultou em uma espécie hexaplóide (AABBDD). Entre as espécies hexaplóides destaca-se T. spelta L., que foi outrora muito importante na Europa. Atualmente, a espécie hexaplóide T. aestivum L., ou trigo comum, é a espécie de trigo mais importante para a humanidade, sendo utilizada para a fabricação de pães.

Originalmente, é provável que o trigo fosse consumido, após a secagem e moagem, na forma de um mingau. Só posteriormente, após o aparecimento de poliplóides e seleção humana, foi possível a produção de pão. Paralelamente às mudanças genéticas, ocorreram também, durante o processo de domesticação, mudanças morfológicas que tornaram o trigo mais produtivo e mais adequado ao cultivo e colheita. Inicialmente, os talos dos grãos eram quebradiços o que favorecia o processo natural de dispersão. Com a domesticação deste cereal, os talos se tornaram mais resistentes, o que favorecia a colheita. Outras mudanças também aconteceram, como por exemplo, a pronta e regular germinação das sementes, as brácteas que envolviam os frutos se tornaram mais soltas e houve um aumento do tamanho dos grãos.

As atuais variedades de trigo permitem colheita mecânica e possuem produtividade enormemente superior as espécies originais. Além disto, novos híbridos têm sido produzidos visando a obtenção de produtos com outras características, como por exemplo o triticale, um híbrido de trigo (Triticum) com centeio (Secale).

b. O Arroz (Oryza spp., Gramineae)

Embora o arroz seja cultivado em uma área mais restrita que o trigo, devido a sua importância na Ásia em países populosos como a Índia, China, Japão entre outros, este cereal provavelmente alimenta mais pessoas que o próprio trigo, sendo a principal fonte de carboidratos nestas regiões.

Comparativamente ao trigo e ao milho, pouco se conhece sobre a domesticação

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Cereais utilizados pelo homem

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do arroz. Sabe-se, no entanto, que isto provavelmente ocorreu antes de 5.000 anos A.C., como indicam evidências arqueológicas encontradas na Tailândia. Certamente a domesticação desta cultura ocorreu no sudeste asiático, onde continua a ter uma importância imensa. Da China, o arroz foi levado para o Japão dois séculos antes do início da era cristã. Nesta época, o arroz já era conhecido na Europa, tendo sido levado para esta região por mercadores árabes e por Alexandre, o Grande. Para muitos povos asiáticos a importância do arroz é tal que ele foi e é muitas vezes considerado uma planta sagrada, como atestam escritos chineses e hindus.

O gênero Oryza possui cerca de 25 espécies. No entanto, a espécie Oryza

sativa L. é responsável pela quase totalidade do arroz produzido no mundo. Existe ainda Oryza glaberrima Steud., uma espécie cultivada na África Ocidental, e O.

perennis Moench de ampla distribuição nas regiões tropicais úmidas e um possível ancestral de O. sativa. É provável que esta espécie selvagem fosse colhida como o trigo, até tornar-se cultivada. No processo de domesticação, os grãos se tornaram maiores, os talos mais resistentes e o arroz perdeu as barbas comuns nas espécies selvagens. Ainda existem espécies selvagens, algumas delas usadas em cerimônias religiosas no sudeste asiático. Apesar de se conhecerem variedades tetraplóides, a maioria das variedades é diplóide, tendo 24 cromossomos. As inúmeras variedades de arroz podem ser divididas em dois grandes grupos: os tipos japonica de grãos curtos e gomosos quando cozidos e os tipos indica, que ficam mais secos após o preparo. Os tipos japonica, em geral, são mais produtivos.

Tradicionalmente o arroz é cultivado em terrenos alagados, embora existam variedades que cresçam e produzam bem em terrenos secos. A própria EMBRAPA, no Brasil, há vários anos vem lançando variedades adequadas ao cultivo nos solos de cerrado.

Em 2005, foi anunciada na Inglaterra uma nova variedade de arroz dourado geneticamente modificado (do grupo indica) que possui em seus grãos teores de betacaroteno 20 vezes mais elevados que as variedades tradicionais. O betacaroteno é metabolizado em vitamina A no organismo humano. Tal variedade vem de encontro a uma das necessidades prementes em populações humanas que tradicionalmente consomem arroz e são carentes desta vitamina, o que resulta em mais de 500.000 crianças cegas todos os anos, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).

Além do consumo direto do arroz, este tem outras aplicações, como por exemplo, a fabricação da bebida nacional do Japão, o saquê. Também pode ser utilizado para a produção de goma. As cascas podem ser utilizadas como combustível, na construção civil ou para a extração do furfurol, que por sua vez é empregado na fabricação de certos tipos de plástico.

Uma outra atividade freqüentemente associada ao cultivo de arroz irrigado no sudeste asiático é a criação de peixes, principalmente de carpas, constituindo um complemento protéico importante em uma dieta dominada pelo arroz.

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c. O Milho (Zea mays L.)

O milho foi domesticado no México a cerca de 7.000 anos atrás, se tornando o principal alimento dos povos daquela região e, posteriormente, de outros povos da América, incluindo a América do Sul. Diversas plantas, além do milho, foram domesticadas no México, incluindo a abóbora (Cucurbita pepo L., Cucurbitaceae) e o feijão (Phaseolus vulgaris L., Leguminosae). Todas estas três espécies se tornaram bastante importantes na cultura dos povos pré-colombianos, mas nenhuma delas adquiriu a proeminência do milho.

Durante a domesticação do milho, a raque das espiguetas se tornou mais rígida e sem cerdas, além do mais, ocorreu a perda do processo natural de desarticulação e dispersão dos grãos. A um bom tempo, tem-se como certo que o milho originou-se das espécies ou subespécies de teosinto (gênero Zea). Embora existam teorias recentes que propõe a origem do milho a partir do teosinto perene (Zea diploperennis

H.H. Iltis, Doebley & R. Guzmán) em hibridação com uma espécie de Tripsacum, a origem mais provável foi a partir de um único ancestral comum, provavelmente o teosinto anual (Zea mays ssp. parviglumis H.H. Iltis & Doebley). Vários trabalhos genéticos têm reforçado esta idéia e, mais recentemente, encontraram-se diversas populações nativas desta espécie de teosinto anual em torno da área de provável origem do milho.

A partir de sua domesticação, provavelmente ocorrida na região do Rio Balsas, sudeste do México, o milho se espalhou para o norte do México e, lentamente, devido às diferenças ambientais, foi levado para a América do Sul. No processo de domesticação e expansão do seu cultivo, o milho se tornou extremamente variável quanto as suas adaptações a diferentes solos e climas, tamanho e cor das espigas e dos grãos, porte, etc. Quando foi levado para a Europa, o milho não foi bem aceito, sendo considerado mais uma curiosidade do que um alimento de qualidade. É ilustrativa a visão do inglês John Gerard, no final do século XVI e início do XVII: “O trigo turco (como o milho era chamado) nutre muito menos que o trigo, centeio, cevada ou aveia ... fornece ao corpo pouco ou nenhuma nutrição. Não temos até agora prova certa ou experiência referente às virtudes deste tipo de trigo; se bem que os índios bárbaros, que nada sabem, são obrigados a fazer virtude da necessidade, e acham-no um bom alimento: ao passo que nós podemos julgar com facilidade, que ele pouco nutre, é de difícil e má digestão, alimento mais conveniente para porcos que para o homem.” Em contraste com isto, atualmente o milho representa uma das mais importantes culturas no mundo, principalmente nos EUA.

O milho é utilizado na alimentação humana, sendo que no México e outros países, onde a sua presença é milenar, inúmeros produtos são fabricados com este cereal. Talvez uma de suas maiores importâncias econômicas seja na alimentação animal, pudendo ser utilizado diretamente ou para a fabricação de rações, sendo um dos principais componentes para as rações de suínos.

O milho atualmente cultivado comercialmente nos países produtores é bastante

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Cereais utilizados pelo homem

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diferente das variedades ancestrais. As variedades comerciais resultam normalmente do cruzamento de duas ou mais variedades, sendo por isto chamadas de híbridos. Tais cruzamentos resultam em variedades mais produtivas graças aos benefícios do vigor híbrido. Se por um lado, graças a estas variedades híbridas a produção de milho no mundo cresceu vertiginosamente, por outro, pelo mesmo motivo da alta produtividade, muitas populações humanas têm abandonado as suas antigas variedades de milho em favor das variedades híbridas. Como resultado disto, tem ocorrido uma enorme perda de diversidade genética pela extinção destas variedades tradicionais. Tal problema precisa ser tratado com atenção, pois pode comprometer os próprios programas de melhoramento do milho e de criação de novos híbridos, mais produtivos ou mais resistentes a pragas e doenças. Mais recentemente, através da engenharia genética, têm surgido variedades de milho transgênicas, induzindo resistência a pragas ou tolerância à aplicação de herbicidas.

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4 PLANTAS FORNECEDORAS DE

LÁTEX (RIZZINI & MORS, 1995)

Dentre as plantas fornecedoras de látex é destaque a seringueira (Hevea spp., Euphobiaceae). Várias espécies deste gênero são ou foram utilizadas para produção de borracha natural. A seringueira é nativa da Amazônia brasileira e, por muito tempo, o Brasil dominou o mercado da borracha, sendo isto a origem de grandes fortunas e recursos que mudaram a face de grandes cidades da região Norte, tais como Belém e Manaus, no século XIX. Em 1876, o inglês Henry Wickham conseguiu contrabandear mudas de seringueira para o Royal Botanical Garden, próximo a Londres, onde já havia uma estufa preparada para receber estas mudas. A partir disto, os ingleses levaram a seringueira para as suas colônias orientais, vindo desbancar a hegemonia brasileira.

Em seu estado natural, a seringueira ocorre em densidades relativamente baixas. Isto torna a exploração das populações naturais pouco competitiva se comparada com populações plantadas. No entanto, tentativas de plantios adensados na Amazônia resultaram em enormes fracassos, como foi o caso da experiência da Fordlândia no Pará nos anos 20. A razão disto é que, em condições de umidade relativa elevada e alta densidade, ocorre a proliferação do fungo Microcyclus ulei, que ataca as folhas e literalmente destrói as plantações. Tais insucessos, aliados a produção em escala comercial em países do Oriente, como a Malásia (onde não ocorre este fungo), levaram à decadência da produção de borracha no Brasil. Atualmente, existem plantios de seringais em regiões de escape da doença, como São Paulo e Centro-Oeste brasileiro, onde o clima sazonal desfavorece a proliferação do fungo.

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Plantas fornecedoras de látex

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Outras plantas podem ser ou são utilizadas para extração de látex como pode ser visto no quadro a seguir.

Nome comum Nome científico Origem Uso

Caucho Castilla ulei Warb. (Moracee)

Pará e Mato Grosso

Produção de borracha

Mangabeira Hancornia speciosa B.A. Gomes (Apocynaceae)

Brasil Borracha de qualidade inferior

Balata Várias espécies de Sapotaceae

Brasil Plástico de origem vegetal, muito utilizado no passado

Chicle Várias espécies de Sapotaceae

Brasil, América Central

Produção de goma de mascar

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5 PLANTAS PRODUTORAS DE ÓLEOS

E GORDURAS (LORENZI ET AL., 1996; PEIXOTO, 1972; 1973; RIZZINI & MORS, 1995)

Os óleos e gorduras produzidas por plantas são ésteres de glicerina e ácidos graxos. Quando apresentam consistência sólida são chamados de gorduras, e, quando líquidos, de óleos. Os principais ácidos graxos são o palmítico, esteárico e oléico. Os dois primeiros são “saturados” e conferem a consistência sólida aos lipídeos dos quais participam na composição. O ácido oléico é “insaturado” e é o principal componente dos óleos vegetais.

Óleos e gorduras possuem inúmeras aplicações na indústria alimentícia, lubrificante, entre outras. Alguns óleos, chamados de “secativos”, são altamente insaturados e sujeitos à auto-oxidação em contato com o ar, endurecendo rapidamente. Tais óleos são muito utilizados na indústria de tintas.

Dentre todas as famílias botânicas, Palmae assume um papel de destaque entre as plantas produtoras de óleos não secativos. Uma excelente obra sobre as espécies de palmeiras nativas e cultivadas no Brasil é o livro de Lorenzi et al. (2004).

a. Dendezeiro (Elaeis guineensis L.)

O dendezeiro é talvez a palmeira produtora de óleo mais importante no mundo. Provavelmente originária da África, é comum subespontaneamente na Amazônia, Nordeste brasileiro e em outros estados como São Paulo e Espírito Santo. É possível que tenha sido trazida para o Brasil pelos escravos, sendo aqui utilizada para a produção do óleo de dendê, tradicional na Bahia. Em outros países, em particular na África, esta palmeira é amplamente cultivada. O teor de óleo da polpa do fruto varia de 47 a 63% e o da amêndoa de 42 a 46%. O óleo de dendê é extraído da polpa do fruto, já a semente fornece um óleo chamado de palmiste, de múltiplas aplicações industriais (por exemplo, em sabonetes e margarinas).

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Plantas produtoras de óleos e gorduras

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b. Coqueiro-da-bahia (Cocos nucifera L.)

De origem discutível, o coco-da-bahia, além de diversas outras utilidades, possui uma polpa com 60 a 65% de óleo ou gordura. A exploração deste óleo é feita em todo mundo através de um produto intermediário, a copra, que é a amêndoa seca. Da copra, posteriormente se extrai o óleo ou gordura, utilizada na indústria alimentícia ou na indústria de sabões e velas. A copra ralada é utilizada em confeitaria e no preparo de uma emulsão conhecida por nós como “leite de coco”.

Outras utilidades desta planta estão o uso de estipe e folhas para construções rústicas e do seu endosperma líquido com alto poder hidratante.

c. Babaçu (Orbingya martiana B. Rodr. e O. oleifera Burret)

O babaçu, cuja principal espécie comercial é O. martiana, predomina no meio norte brasileiro (Maranhão e Piauí). O óleo de babaçu alcança 60 a 70% da amêndoa, sendo empregado na indústria de sabões e detergentes.

A extração da castanha é feita tradicionalmente por mulheres e crianças “quebradeiras de coco”. Atualmente existe um incentivo a formação de cooperativas extrativistas de babaçu, que inclusive têm agregado valor ao produto, produzindo seus próprios cosméticos e sabonetes.

Nas regiões de sua ocorrência, freqüentemente o babaçu se torna uma infestante problemática de pastagens, podendo inviabilizar a atividade pecuária. Uma outra forma de sua utilização é a exploração de seu palmito, podendo isto se tornar uma forma econômica de combater esta invasora em pastagens.

d. Outras espécies produtoras de óleo

Além das espécies citadas acima, outras palmeiras brasileiras possuem potencial para a extração de óleos, como é caso da bacaba (Oenocarpus bacaba Mart.), do urucuri (Attalea excelsa Mart.), do buriti (Mauritia spp.), do tucum (Bactris

spp. e Astrocarium spp.) e da macaúba (Acrocomia spp.).

Outros óleos não secativos podem ser extraídos do algodoeiro (Gossypium

spp., Malvaceae), da mamona (Ricinus communis L., Euphorbiaceae) e da soja (Glycine hispida Maxin., Leguminosae). O óleo do algodão, extraído de suas sementes, é importante na indústria alimentícia e francamente utilizado na alimentação animal. A mamona produz o óleo de rícino, utilizado industrialmente por não perder viscosidade, mesmo em altas temperaturas. O subproduto da extração deste óleo, a torta de mamona, pode ser utilizado na alimentação animal com cautela, por possuir uma proteína tóxica (ricina) e ser altamente alergênico. O óleo de soja é rico em gorduras insaturadas, sendo muito utilizado na culinária.

Os óleos extraídos do amendoim (Arachis hypogaea L., Leguminosae) e do girassol (Helianthus annuus L., Compositae) são também utilizados na culinária, sendo que o óleo de girassol, devido ao alto teor de ácidos graxos insaturados, é

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preferido àqueles com maiores teores de ácidos graxos saturados.

Outras espécies produtoras de óleos e gorduras não secativos são: andiroba (Carapa guianensis Aubl.), castanheira-do-pará (Bertholletia excelsa H.B.K.), abacate (Persea americana Mill.), milho (Zea mays L.), pequi (Caryocar brasiliense Camb.), tingui (Magonia pubescens St. Hill.).

Entre as plantas produtoras de óleos secativos, cabe destacar a Euphorbiaceae conhecida com tungue (Aleurites fordii Hemsley), cultivada em todo o mundo para produção de óleo de importância enorme para a indústria de tintas e vernizes. Uma outra espécie importante na extração de óleos secativos é o linho (Linum usitatissimum L.) da família Linaceae, de cujas sementes se extraí um dos mais importante óleos secativos.

Existe uma espécie nativa brasileira, a oiticica (Licania rigida Benth) da qual também se extrai um óleo secativo.

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6 PLANTAS CERÍFERAS (LORENZI ET AL.,

1996; RIZZINI & MORS, 1995)

a. Carnaúba (Copernica alba Morong e C. prunifera (Miller) H. E. Moore, Palmae)

Duas espécies de Copernica (C. alba e C. prunifera) podem ser usadas para a extração de cera, sendo que C. prunifera (carnaúba) é certamente a mais produtiva e importante. Esta espécie ocorre no Nordeste brasileiro (do Maranhão a Bahia), junto aos rios, inclusive em áreas periodicamente inundadas.

A cera produzida por esta planta é de ótima qualidade, embora bastante cara devido ao modo de extração. No passado, a utilização desta cera era mais difundida (polimento, impermeabilização, selador, fabricação de sabonete e batom). Atualmente, o aparecimento de ceras sintéticas e mais baratas substituiu, em parte, o uso da cera de carnaúba. Ainda assim, existe a exploração desta cera para fins específicos.

A cera é extraída da superfície das folhas e cada folha de carnaúba rende de 3 a 10g, razão do seu alto preço. Após coletadas, as folhas são secas ao sol, sobre grandes lençóis e depois batidas para retirar a cera.

b. Outras espécies ceríferas

Uma outra espécie de palmeira cerífera é o licuri (Syagrus coronata (Mart.) Becc.), que produz uma cera parecida com a da carnaúba, mas de pior qualidade. Esta espécie ocorre de Pernambuco a Minas Gerais. Uma cera também similar a da carnaúba é extraída da Maranthaceae Calathea lutea (Aubl.) Meyer. A sua cera tem alto ponto de fusão, embora não seja ainda explorada comercialmente. Originária do Baixo Amazonas, esta planta ocorre inclusive no estado do Rio de Janeiro.

Como um subproduto da extração do açúcar, pode-se extrair cera da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L., Gramineae), constituindo esta uma enorme fonte potencial para fornecimento de ceras vegetais.

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7 EXSUDATOS DO TRONCO,

BÁLSAMOS E GOMAS (RIZZINI & MORS, 1995)

Diversas árvores produzem exsudatos do tronco conhecidos como bálsamos ou, em alguns casos, como gomas.

Entre os exsudatos cabe destacar aqueles produzidos por plantas da família Burseraceae, chamados de resina Elemi. Embora existam espécies na Ásia e África, pertencentes a esta família, que produzem esta resina, no Brasil, cabe destacar as espécies do gênero Protium, conhecidas por breu-branco ou almecega. Tais resinas (compostos terpênicos) podem ser utilizadas no preparo de tintas e vernizes ou são aromáticas usadas em incensos. Atualmente resinas de Protium têm sido usadas na indústria de perfumaria.

Os bálsamos são derivados dos ácidos benzóicos ou cinâmicos. Entre eles, podemos destacar aquele extraído da Leguminosae Myroxylon spp. (óleo-bálsamo). Erronemente conhecido como bálsamo, o óleo-resina (exsudato com ácidos resinosos e compostos voláteis) extraído da Leguminosae copaíba (várias espécies de Copaifera) é muito usado como medicinal. Neste caso, o tronco é perfurado até o cerne, fluindo às vezes mais de cinco litros de óleo. Este possui propriedades medicinais, sendo tradicionalmente utilizado pelas populações humanas na sua região de ocorrência.

As gomas são carboidratos hidrófilos utilizados na fabricação de colas e tintas para aquarela. Várias espécies de Leguminosae do gênero Acacia produzem exsudatos gomosos explorados comercialmente, entre elas cabe destacar a A.

senegal Willd., de origem africana, e a A. decurrens Willd. de origem australiana, produtoras de goma arábica.

Outras espécies produtoras de gomas são: angico (Anadenanthera spp., Leguminosae), pau-de-tucano (Vochysia spp., Vochysiaceae) e cajueiro (Anacardium

occidentale L., Anacardiaceae).

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8 PLANTAS AROMÁTICAS (LORENZI, 2000;

LORENZI ET AL., 2003; RIZZINI & MORS, 1995; VIEIRA, ET AL. 2002)

As plantas aromáticas produzem e armazenam óleos essenciais utilizados na indústria de perfumaria e, secundariamente, em condimentos ou mesmo produtos medicinais.

Normalmente estes óleos, devido a sua delicadeza, são extraídos por processos especiais, normalmente vinculados ao arraste por vapor d’água. O Brasil é grande produtor destes óleos essenciais, sendo praticamente auto-suficiente e fornecendo essências para outros países.

a. Árvores que fornecem cumarina

A cumarina é uma essência muito utilizada na indústria de perfumaria, composição de bouquets e aromatização do tabaco. Uma das espécies mais utilizadas na extração da cumarina é o cumaru (Dipteryx odorata (Aubl.) Willd., Leguminosae). A cumarina presente principalmente em suas sementes é extraída por meio de álcool e posteriormente purificada. O cumaru ocorre na região Amazônica.

Uma outra espécie de Leguminosae produtora de cumarina é a amburana (Amburana cearensis (Fr. All.) A.C. Smith.). Esta espécie ocorre no Nordeste brasileiro, predominantemente na caatinga, podendo, porém, ocorrer em outras regiões, até a Argentina. Embora, tradicionalmente, esta espécie seja explorada exclusivamente para a extração de madeira, suas sementes possuem altos teores de cumarina e a produção de sementes é elevada, transformando esta espécie em uma potencial produtora de cumarina em escala comercial.

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b. Essências obtidas de madeiras i. Pau-rosa

Uma das essências mais consumidas pela indústria de perfumaria é o álcool terpênico linalol. Este álcool pode ser encontrado em diversas espécies ao redor do mundo, sendo a canforeira (Cinnamomum camphora (L.) J. Presl, Lauraceae) a mais famosa. Em 1925, descobriu-se no Pará uma árvore conhecida como pau-rosa (Aniba rosaeodora Ducke, Lauraceae) que produz um óleo aromático rico em linalol. A partir deste momento iniciou-se uma exploração predatória desta espécie levando quase a sua extinção. Como resultado disto, hoje o Brasil importa a essência sintetizada em laboratórios suíços.

A extração do óleo se dá por arraste de vapor, sendo o rendimento em torno de 1kg de óleo por 100kg de lenho. Para se ter uma idéia da intensidade de exploração, o Brasil chegou a produzir 300 a 400 toneladas de óleo por ano na década de 60.

ii. Sassafrás

O safrol é uma essência originalmente extraída da espécie norte-americana de Lauraceae Sassafras albidum (Nutt.) Nees. Esta essência é utilizada na indústria farmacêutica, perfumaria e indústria química.

No Brasil o safrol foi encontrado na canela-sassafrás (Ocotea odorifera (Vellozo) Rohwer, Lauraceae), abundante no sul do país. A exploração predatória desta espécie levou a redução acentuada de suas populações nativas, até a proibição de sua exploração em 1991.

Mais recentemente foi encontrado o safrol na Piperaceae Piper hispidinervum C.D.C., existente na região amazônica (no Acre principalmente). Nesta condição, estas piperáceas comportam-se como pioneiras, formando povoamentos quase puros em áreas de clareiras e prestando-se assim a exploração comercial.

iii. Candeia

A espécie Eremanthus erythropappus (DC.) MacLeish (Compositae) é usada para a extração de um óleo essencial cujo princípio ativo é o alfabisabolol, muito utilizado na indústria de cosméticos e fármacos. Esta espécie ocorre em regiões de campos com altitude variando de 1.000 a 1.700 m (Pérez et al. 2004), sendo comum nas bordas das matas de galeria que ocorrem nestas regiões, embora também possa ocupar áreas de interflúvios nestas regiões.

iii. Eucalipto

Diversas espécies do gênero Eucalyptus (Myrtaceae) produzem óleos essenciais. Este gênero é originário da Austrália, mas é cultivado em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde existem várias espécies plantadas com sucesso. Além de

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Plantas aromáticas

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seus óleos essenciais, a maior importância dos eucaliptos está na produção de celulose, carvão para siderurgia e outros fins, madeira para mourões e construções, inclusive podendo ser usada em indústria moveleira.

Os óleos de eucalipto são diversificados, assumindo inclusive importância taxonômica. Entre os óleos extraídos de espécies de eucalipto podemos citar o eucaliptol ou cineol (Eucaliptus globulus Labil), usado para inalações; o felandreno (E. phelandra B & Sm. e outros), usado em desinfetantes e desodorantes; piperitona (E. dives Schauer e outros), transformado posteriormente em timol e mentol; um quarto grupo de óleos usado em perfumaria vem de E. marthuri Deane & Maid. (geraniol e acetato de garanila) e de E. citriodora Hook. (citronelal).

c. Ervas produtoras de óleos essenciais i. Menta (Mentha spp., Lamiaceae)

Plantas do gênero Mentha, que não são nativas do Brasil, mas cultivadas aqui profusamente, fornecem um óleo bruto aromático, do qual, por arrastamento de vapor, retira-se o mentol. Esta essência é amplamente utilizada como aromatizante de tabaco, alimentos, indústria farmacêutica e cosmética, etc. Atualmente o Brasil é um dos principais produtores, comercializando tanto o óleo bruto, como o mentol.

ii. Outras plantas

Outras plantas herbáceas podem ser utilizadas para a produção de óleos

como segue no quadro abaixo.

Nome comum Nome científico Origem Óleo essencial

Alfavacão Ocimum gratissimum L. (Lamiaceae)

- eugenol

Gerânio Pelargonium odoratissimum Ait. (Geraniaceae)

- geraniol

Capim-limão Cymbopogon flexuosus (DC.) Stapf. (Gramineae)

Ásia Citral (perfumes e sabonetes)

Citronela Cymbopogon nardus Rendle (Gramineae)

Java Geraniol e citronelal

d. Óleos cítricos

Das plantas do gênero Citrus (Rutaceae) extraem-se diversos óleos essenciais comercializados e valorizados no mundo inteiro. Os óleos podem ser extraídos das cascas, das folhas ou das flores. Os óleos das folhas (petitgrain) são empregados na

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perfumaria e saboaria fina. Os óleos das flores (neroli) são extremamente apreciados pela indústria de perfumaria fina.

Tradicionalmente estes óleos eram produzidos em países europeus mediterrâneos, principalmente na Itália, na ilha da Sicília e sul da França. Hoje, a produção se estendeu a outros países e continentes.

e. Outras plantas

Inúmeras outras plantas existem no Brasil com potencial para a exploração de óleos essenciais. Entre as famílias com maior potencial estão Myrtaceae, Lauraceae, Verbenaceae e Lamiaceae, embora as essências não estejam limitadas a estas famílias.

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9 INFUSÕES (ABIC 2007; MACFARLANE 2003;

ODARDA 2007)

Tradicionalmente, a humanidade tem usado diversas plantas em infusão em chás ou outras bebidas. Frequentemente, tais bebidas fazem parte de rituais sociais dos diversos grupos onde eles são usados.

a. Café (Coffea arabica L. e C. canephora Pierre ex A. Froehner, Rubiaceae)

Originário das montanhas subtropicais da Etiópia, o café se transformou em um dos principais produtos da agropecuária brasileira, sendo o país o maior produtor mundial. Duas espécies são cultivadas, sendo que C. arabica é a que produz bebidas de melhor qualidade e possui maior expressão na economia brasileira. Esta espécie é mais produzida em Minas Gerais, tradicionalmente no sul do estado e, mais recentemente, na região do Triângulo Mineiro. Também é cultivada no estado de São Paulo indo até o norte do Paraná. O café robusta (C. canephora) é mais adequado para climas mais quentes, produzindo bebida de pior qualidade, embora assuma certa importância na composição de misturas com C. arabica. O maior produtor de robusta no Brasil é o estado do Espírito Santo, mas este também é plantado em Rondônia.

O café foi contrabandeado da Guiana Francesa para o Brasil pelo Sargento-Mor Francisco de Mello Palheta em 1727. Inicialmente seu cultivo teve maior sucesso no vale do Rio Paraíba, Rio de Janeiro. A expansão da cultura para os estados de Minas Gerais e São Paulo foi um dos principais causadores do desmatamento intensivo da Mata Atlântica. Nas últimas décadas, áreas de cerrado do Triângulo Mineiro têm sido abertas para a produção desta cultura.

Mais recentemente, há uma crescente busca de melhor qualidade de bebida nos grãos nacionais, gerando um maior investimento em tecnologia de produção e processamento do grão, como um diferencial no preço da mercadoria no mercado externo.

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b. Chá (Camellia sinensis (L.) Kuntze, Theaceae)

O chá é uma das infusões mais consumidas no mundo, sendo o mais importante no Ocidente. Diferentes tipos de chás são produzidos pela infusão de folhas de Camellia sinensis após diversos métodos de processamento. O processamento das folhas sempre envolve a oxidação das mesmas e, de acordo com o grau de oxidação, são produzidas as diferentes variações de chás desta planta. A espécie é originária das regiões subtropicais com clima de monções próximas à Índia, sendo este país o maior produtor mundial, seguido de perto pela China.

O uso de chá nos países de sua origem é uma tradição milenar, com diversas variantes de acordo com os aspectos culturais de cada região. Uma das tradições mais importantes no Japão é o consumo ritualístico do chá. Alguns destes costumes foram adotados e modificados pelos europeus em seus países, sendo tradicional o consumo de chá na Grã-Bretanha.

Mais recentemente, o chá-verde, uma variante produzida desta planta

c. Erva-mate (Ilex paraguariensis A. St.-Hil., Aquifoliaceae)

A erva-mate é uma árvore da região subtropical da América do Sul, comum no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, principalmente como arvóres de sub-bosque das florestas de araucária. As tribos indígenas destas regiões já possuíam o hábito de beber infusões das folhas desta planta, sendo tal costume incorporado pelos povos europeus colonizadores.

No Brasil, a erva-mate é consumida preferencialmente como chimarrão (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) ou como bebida fria, o tereré (Mato Grosso do Sul). Ela é colhida em povoamentos naturais ou, mais recentemente, em plantios.

d. Outras espécies

Nome comum Nome científico Origem Parte utilizada

Hortelã Anadenanthera spp. (Leguminosae)

Brasil Casca e lenho

Erva-cidreira

Capim-limão

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9 CONDIMENTOS (GRIGGS ET AL., S/D;

RIZZINI & MORS, 1995)

Os condimentos são constituídos por partes de plantas (folhas, caules, frutos, etc.) dessecadas que podem ser usados na culinária emprestando aos alimentos sabores e aromas agradáveis. Antigamente os condimentos eram conhecidos por especiarias, gerando um comércio intenso entre a Europa e a Ásia durante a Idade Média e Renascença. Não são incluídos aqui os temperos tais como cebola, salsa, alho, etc.

a. Pimenta-do-reino

A pimenta-do-reino constitui-se dos frutos de Piper nigrum L. (Piperaceae) colhidos de vez e, então, secos. Esta planta é cultivada em grande escala na Ásia e África. No Brasil, foi trazida e cultivada por colonos japoneses, que atualmente abastecem o mercado interno.

b. Pimenta-de-macaco e pimenta-de-bugre

Espécies do gênero Xylopia (Annonaceae) produzem frutos utilizados como substitutos da pimenta-do-reino. Entre estas espécies X. aromatica (Lam.) Mart., que ocorre nos cerrados, é a mais utilizada. Os seus frutos são ralados e aplicados em carnes, sendo, no entanto, menos picantes que a pimenta-do-reino.

c. Pimentas do gênero Capsicum

Diversas espécies do gênero Capsicum (Solanaceae) produzem frutos de sabor ardido e amplamente utilizado na culinária de vários países e regiões, onde cabe destacar o México e a Bahia (Brasil). A taxonomia deste gênero é complicada e o número de espécies é discutível e polêmico. No Brasil popularmente conhecem-se quatro tipos de pimenta: pimenta-malagueta, pimenta-chifre-de-veado, pimenta-comari e pimenta-de-cheiro.

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d. Noz-moscada

Extraída da moscateira (Myristica fragrans Houtt.), da família Myristicaceae, a noz moscada é quase exclusivamente produzida na ilha de Granada, no Caribe. No Brasil, tem-se uma espécie de Lauraceae (Cryptocarya moschata Mart.), cujas sementes apresentam propriedades semelhantes a noz moscada verdadeira.

e. Canela

A canela é extraída de duas espécies da família Lauraceae, Cinnamomum

zeylanicum Breyne, originária do Ceilão, e C. cassia Nees, originária China, sendo cultivada em toda a Ásia Tropical.

f. Louro

O louro (Laurus nobilis L., Lauraceae) tem origem mediterrânea e suas folhas são tradicionalmente usadas na culinária brasileira.

g. Gengibre

O rizoma desta planta (Zingiber officinale Rosc., Zingeberaceae) originária da Índia e Indochina é usado como condimento culinário e em bebidas alcoólicas.

h. Plantas da família Lamiaceae

A região em torno do Mediterrâneo e Oriente Médio é rica em plantas da família Lamiaceae. Esta família possui inúmeras espécies aromáticas, tradicionalmente utilizadas na culinária daqueles povos e na fabricação de chás. Posteriormente muitas destas plantas foram trazidas para o Brasil. Entre as espécies mais importantes podemos destacar: Ocimum basilicum L. (basilicão), Origanum majorana L. (orégano), Rosmarinus officinalis L. (alecrim), Melissa officinalis L. (erva-cidreira), Mentha piperita L. (hortelã).

i. Baunilha

A baunilha é extraída comercialmente da Orchidaceae Vanilla planifolia Andr., de origem mexicana, embora existem inúmeras outras espécies pertencentes a este gênero e possuidoras do mesmo aroma.

As plantas são trepadeiras cultivadas tradicionalmente no México há séculos. No entanto, o maior produtor é Madagascar. Tradicionalmente a cultivo se dá em matas derrubadas onde se deixam algumas árvores para servirem de suporte. Para que ocorra a produção de frutos, a polinização é efetuada manualmente. Normalmente os frutos são secos em um processo complicado e vendidos a países como os EUA, o maior consumidor.

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Condimentos

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j. Cravo-da-índia

O cravo-da-índia constitui-se dos botões florais secos da espécie de Myrtaceae Syzygium aromaticum Merr. & Per. Tais botões são extremamente apreciados como condimento, graças à presença do eugenol. Uma outra aplicação deste produto é na Medicina e Odontologia como analgésico. Em herbários, tradicionalmente emprega-se o cravo-da-índia como repelente de insetos pragas.

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10 PLANTAS TANÍFERAS (RIZZINI & MORS,

1995)

Várias plantas são capazes de produzir taninos, mas apenas umas poucas são utilizadas comercialmente devido à concentração destes produtos. Os taninos têm a propriedade de embeber tecidos, couros e peles, tornando-se menos putrescíveis, por isso são largamente utilizados na curtição de couros.

a. Acácia-negra

De origem australiana, esta planta (Acacia decurrens Willd., Leguminosae) foi introduzida em diversos outros países para a produção de taninos. Entre estes países estão o Brasil e a África do Sul. Esta espécie é provavelmente a mais importante na produção de taninos. No Brasil, ela é cultivada principalmente no Rio Grande do Sul, ocupando áreas extensas e sendo a espécie mais importante na produção de taninos no país.

b. Barbatimão

Stryphnodendron adstringens (Mart.) Cov. (Leguminosae) é uma espécie extremamente comum em cerrados. Tradicionalmente esta espécie tem suas populações naturais exploradas para a extração de taninos. Ramos e árvores são cortados, tendo suas cascas extraídas. Após o corte ocorre a regeneração abundante desta espécie.

c. Quebracho

O quebracho (Schinopsis lorentzii (Griseb.) Engl., Anacardiaceae) já foi considerada a até a década de 40 a espécie mais importante para a extração de taninos. Neste caso, tais substâncias são extraídas do lenho e não da casca. O quebracho tem a sua ocorrência em áreas confluentes do Paraguai, Argentina e Brasil e, embora até hoje, este seja um produto importante de exportação do Paraguai e Argentina, o quebracho perdeu relevância para outras matérias primas mais comuns e exploráveis.

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Plantas taníferas

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d. Outras espécies

Nome comum Nome científico Origem Parte utilizada

Angicos Anadenanthera spp. (Leguminosae)

Brasil Casca e lenho

Aroeira Schinus terebinthi-

folius Raddi (Anacardiaceae)

Rio de Janeiro, Minas Gerais e

São Paulo

Casca

Mangue Rhizophora mangle L. (Rizophoraceae)

América do Sul e Central

Casca

Eucalipto Eucalyptus spp.

(Myrtaceae)

Austrália Casca e lenho

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11 PLANTAS TÊXTEIS (GRIGGS ET AL., S/D; LORENZI ET AL., 1996; RIZZINI & MORS, 1995)

Uma enorme quantidade de espécies de plantas pode ser utilizada para a produção de tecidos, vassouras, tapetes e material de enchimento. Medina (1959), citado por Rizzini & Mors (1995), relacionou 2.287 espécies vegetais utilizáveis como têxteis.

a. Espécies com fibras na semente i. Algodão

As fibras do algodão são atualmente indispensáveis para a humanidade, produzindo tecidos termicamente confortáveis, não alergizantes e relativamente baratos. O gênero Gossypium (Malvaceae) é originário da América, sendo o Brasil um importante centro de dispersão. O algodoeiro mais cultivado e de maior importância comercial é o algodão herbáceo (G. hirsutum L. var. hirsutum), sendo amplamente cultivado no Centro-Oeste brasileiro e envolvendo uma enorme agroindústria, desde de seu plantio até ao enfardamento e posterior produção de fios e tecidos.

No Nordeste brasileiro, se cultiva o algodoeiro arbóreo e perene conhecido como seridó (G. hirsutum L. var. mariae-galante). Além deste, existem várias outras espécies entre as quais cabe destacar G. barbadense L., cujas variedades são conhecidas como mocó, algodão-verdão e rim-de-boi.

Historicamente, o algodão afetou profundamente a história da humanidade, em particular alguns países. A Revolução Industrial na Inglaterra começou efetivamente com a invenção de descaroçadores mecânicos e teares mecânicos, o que barateou enormemente o custo de produção de tecidos a partir do algodão. Com o aumento da demanda de matéria-prima por parte desta industrialização, diversos países investiram no plantio de algodão, entre eles o Brasil e os EUA. Nos EUA, a economia da região sul foi fortemente baseada na produção de algodão a partir de mão-de-obra escrava, o que se tornou um dos pivôs da Guerra da Secessão.

O Brasil foi um grande produtor de algodão até meados do século XX, onde o aparecimento do bicudo levou à decadência das lavouras. Atualmente, um novo ciclo

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Plantas têxteis

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algodoeiro se instalou no Centro-Oeste, utilizando alta tecnologia para solucionar problemas fitossanitários e aumentar a produtividade.

ii.Espécies produtoras de paina ou Kapok

A samaúma (Ceiba pentandra (L.) Gaertn., Malvaceae), originária da América tropical, sendo inclusive comum no Brasil amazônico, é cultivada em Java, Filipinas e Ceilão, para a produção de paina leve e impermeável a água, útil em enchimentos em geral (por exemplo salva-vidas) e como isolante térmico.

Outras espécies com paina semelhante são aquelas malváceas do gênero Bombax e Ceiba speciosa (A. St.-Hill.) Ravenna, a paineira. A taboa (Typha

domingensis Pers., Typhaceae) também produz produto similar ao Kapok.

b. Fibras de folhas

Várias espécies pertencentes às monocotiledôneas possuem folhas cujas fibras encontram diversos empregos na confecção de tecidos e cordas. Normalmente as folhas destas plantas são colhidas, malhadas em cepo e lavadas abundantemente em água. Após a secagem, são “penteadas” em máquinas especiais.

Duas espécies de Agavaceae do gênero Agave são especialmente importantes para isto, A. furcroides Lem., mais explorado no México e A. sisalana Perr., mais cultivado no Brasil. As plantas deste grupo estão adaptadas a climas mais secos, se dando bem no Nordeste brasileiro. Após alguns anos, estas plantas emitem um enorme pendão floral que, ao invés de produzir flores, originam uma quantidade enorme de bulbilhos, sendo estes utilizadas no plantio.

O Brasil é o segundo produtor mundial de sisal, sendo o produto empregado na confecção de cordas, barbantes, chapéus, redes, etc. Além disto, partes da planta podem ser empregadas para a alimentação animal ou na produção de pasta celulósica. No México, o eixo da inflorescência é empregado na produção da tequila.

Outras plantas produzem fibras de folhas úteis, entre elas cabe destacar o abacá (Musa textilis Neé, Musaceae), chamada também de banana têxtil, que é um dos produtos agrícolas mais importantes nas Filipinas. Tem-se ainda o caroá (Neoglaziovia variegata (Arr. Cam.) Mez., Bromeliaceae) e espécies de Sensevieria (Liliaceae).

c. Fibras de entrecasca

Várias plantas produzem fibras encontradas no caule entre a casca e o periciclo, às vezes incluindo este último.

O linho (Linum usitatissimum L., Linaceae), além da extração de óleo, é cultivado para produção de fibras utilizadas em tecidos. Outra espécie, usada da mesma forma é o cânhamo (Cannabis sativa subsp. sativa L., Cannabinaceae), que não possui o princípio ativo da maconha (Cannabis sativa subsp. indica (Lam.) Small & Crong.).

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A juta é extraída de duas espécies de Corchorus (Malvaceae), C. olitorius L. e C. capsularis L., ambas originárias da Ásia e cultivadas principalmente na Índia, em terrenos alagadiços. A fibra é extraída colhendo-se a planta debaixo da água e pondo-a a secar. Após a secagem é colocada novamente na água para que ocorra putrefação, sendo então removido os detritos, tornando-se as fibras facilmente destacáveis. Lava-se novamente e processa-se a secagem. A juta é utilizada para confecção de sacarias para cereiais, café, etc. Atualmente, a juta tem sido produzida no Brasil na região do baixo Amazonas.

O Ramie ou rami (Boehmeria nivea (L.) Gaud., Urticaceae) é originário da Ásia, mas ocorrendo de forma sub-espontânea no Brasil. No exterior, é principalmente cultivado na Japão, China e Índia. No Brasil, vem sendo cultivado desde a década de 50, principalmente por imigrantes japoneses. As suas fibras são extremamente resistentes e são separadas quimicamente, sendo utilizadas para fabricação de roupas de baixo, estofamento, barbante e papel.

Outras espécies podem ser utilizadas neste sentido, como é o caso de algumas malváceas tais como guaxima (Urena lobata L.), malvas (Sida rhombifolia L., entre outras espécies do gênero Sida) e mamorana (Pachira aquatica Aubl.).

d. Fibras de palmeiras

As palmeiras (Palmae) são importantes fornecedoras de fibras. Entre elas cabe destacar as piaçavas, extraídas das bainhas das plantas, principalmente das espécies Attalea funifera Mart. (na Bahia), Leopoldinia piassaba Wall. (na Amazônia). Outras palmeiras podem ser úteis para isto, principalmente aquelas do gênero Oenocarpus.

Outras fibras são extraídas do coco-da-bahia (Cocos nucifera L.), do mesocarpo do fruto, das folhas do tucum (Astrocaryum tucumã Mart.), da carnaúba (Copernica

cerifera (Arr. Cam.) Mart.) e do buriti (Mauritia spp.).

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12 PLANTAS CORTICEIRAS (RIZZINI

& MORS, 1995)

A origem da cortiça é o súber de algumas plantas, que o produzem em grande quantidade. A maioria das árvores produz súber, mas em pequena quantidade. Espécies que produzem súber em quantidade suficiente para a exploração comercial são poucas.

A cortiça é formada por células mortas e cheias de ar e caracteriza-se por sua leveza, flutuabilidade, impermeabilidade e elasticidade.

A espécie que é comercialmente mais explorada e que supera em muito as outras espécies alternativas, tanto em quantidade de cortiça como em termos de expressão comercial, é o carvalho corticeiro (Quercus suber L., Fagaceae). Esta espécie é amplamente cultivada em países como Portugal, Espanha, Argélia, Tunísia, França, Marrocos e mesmo na Ásia. A cortiça produzida por este carvalho representa a quase totalidade da cortiça produzida no mundo.

A planta entra em produção a partir dos 20 anos de idade, sendo a cortiça retirada de 9 em 9 anos. A planta pode alcançar 500 anos de idade. A cortiça é retirada e fervida para liberação de taninos e restos de seiva, podendo ser utilizada para isolamento térmico, rolhas, linóleo, sapatos, salva-vidas, etc.

Algumas plantas no Brasil, principalmente na região do cerrado, produzem cortiça o suficiente para justificar a sua exploração comercial. Entre elas pode-se destacar: pau-santo (Kielmeyera coriacea Mart., Clusiaceae), que é a espécie mais importante no Brasil; pau-marfim (Agonandra brasiliensis Miers., Opilaceae); pau-lepra (Pisonia tomentosa Casar, Nyctaginaceae); favela-branca (Enterolobium

ellipticum Benth, Leguminosae); pereiro-do-campo (Aspidosperma dasycarpum Mart., Apocynaceae); Connarus suberosus Planch; mulungu (Erythrina mulungu Mart., Leguminosae) e Symplocos lanceolata (Mart.) A. DC. Estas duas últimas espécies, devido à espessura da cortiça são potenciais candidatas ao cultivo comercial.

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13 PLANTAS TINTORIAIS (GRIGGS, S/D;

RIZZINI & MORS, 1995)

Atualmente, com a evolução da indústria química e conseqüente crescimento da produção e diversificação dos corantes sintéticos, os corantes de origem vegetal perderam enormemente a importância que possuíam no passado, embora alguns ainda estejam presentes no mercado.

a. Henê

Desde o início da cosmética, o henê, extraído da Lythraceae Lawsonia inermis

L., alcançou e ainda alcança uma posição de proeminência. Originário do Oriente Próximo, ainda hoje é utilizado em tinturas de cabelos.

O cultivo desta espécie é mais expressivo na África e Ásia Austral, podendo ser cultivado no Brasil também.

b. Urucum

O urucum (Bixa orellana L., Bixaceae) é uma espécie neotropical que possui sementes revestidas de arilo vermelho-cinabarina, rico em bixina, um pigmento insípido e inócuo utilizado para colorir alimentos. Freqüentemente, este produto é vendido como colorau. O pigmento foi no passado utilizado pelos índios para pinturas no corpo, sendo utilizado, como veículo, óleos animais ou vegetais, já que ele é lipossolúvel. Uma de suas propriedades interessantes é sua ação como filtro solar em relação aos raios ultravioletas.

c. Pau-campeche

Haematoxylon campechianum L. (Leguminosae) é uma espécie nativa da América Central que produz um pigmento de cor negra extremamente duradouro, a hemateína, por isto sua importância. Além disto, desta espécie se extrai a hematoxilina, utilizada em laboratórios de histologia como corante.

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Plantas tintoriais

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d. Pau-brasil

Intimamente ligado a história de nosso país, o pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam., Leguminosae), além de emprestar o nome a nação, forneceu durante um longo tempo um pigmento vermelho, a brasileína, de grande importância no comércio dos séculos XVI e XVII. A exploração desta espécie foi tão intensa, que até hoje é rara na Mata Atlântica.

e. Outras espécies

Nome comum Nome científico Origem Pigmento

Tatajuba Maclura tinctoria (L.) D. Don ex Steud. (Moraceae)

América Central e do Sul

Amarelo a pardo

Jenipapo Genipa americana L. (Rubiaceae)

América Central e do Sul

Preto (dos frutos verdes)

Simplocos Symplocos spp. (Symplocaceae)

Cosmopolita Vermelho (das raízes e folhas)

Carajuru Arrabidaea chica (HBK) Bur. (Bignoniaceae)

Amazônia Vermelho

Cuieté Crescentia cujete L. (Bignoniaceae)

Amazônia Preto ou marron

Liquens Várias Várias Várias

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14 ESPÉCIES MADEIREIRAS (CARVALHO,

2003; LORENZI, 1992; 1998; LORENZI ET AL., 2003; RIZZINI & MORS, 1995)

A caracterização ou mesmo a simples listagem das espécies madeireiras utilizadas e potenciais certamente foge do escopo deste texto acadêmico, isto porque a diversidade de espécies é enorme. Além disto, de acordo com a demanda dos mercados e disponibilidade das espécies, há uma constante mudança na lista e na importância comercial das espécies, tornando a sua atualização impraticável. Obras excelentes sobre este assunto são os livros de Lorenzi (1992, 1998, 2003), além de Carvalho (2003).

A exploração madeireira no Brasil, excetuando-se espécies de Eucalyptus e Pinus e umas poucas outras espécies, é feita basicamente a partir da retirada de toras de florestas nativas. Tal atividade foi desenvolvida abundantemente na Mata Atlântica e, atualmente, responde por uma enorme parcela da ocupação de mão-de-obra, abertura de estradas e circulação de capital na região do Brasil ocupada pela Floresta Amazônica.

Apesar da pressão internacional e das exigências legais, apenas uma pequena porcentagem destas toras provem de áreas sob planos de manejo sustentável. Além disso, muitos destes planos são questionáveis quanto a sua sustentabilidade, seja devido à carência ou deficiência no acompanhamento técnico, desconhecimento científico da dinâmica das florestas ou ausência de fiscalização. Por outro lado, a Amazônia possui claramente uma vocação florestal e a manutenção de sua cobertura atual de vegetação não só é importante para a conservação da enorme diversidade biológica existente ali, como também é importante para regulamentação climática do globo. Assim, torna-se essencial o desenvolvimento e aplicação de tecnologias que permitam a exploração sustentável dos recursos madeireiros na Amazônia, sem comprometer as populações das espécies comerciais ou não.

Historicamente, a exploração de recursos madeireiros no Brasil, e mais atualmente na Amazônia, se dá através de ciclos predatórios focados em espécies importantes para o mercado em uma determinada época. Isto aconteceu com o jacarandá-da-bahia (Dalbergia nigra (Vell.) Fr. All., Leguminosae), na Mata Atlântica

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Espécies madeireiras

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e, mais atualmente, com o pau-marfim (Balfourodendron riedelianum Engl., Rutaceae) e o mogno (Swietenia macrophylla King., Meliaceae), este último na Amazônia.

As madeiras, devido à relativa leveza, resistência e facilidade para produção de peças com diferentes formas, sempre foram utilizadas pelo homem na produção de instrumentos de trabalho, móveis, construções, embarcações, veículos, etc. Devido a sua enorme e variada utilidade, a exploração de madeiras vem ocorrendo a milhares de anos. Não são raros os exemplos onde tal exploração, normalmente associada à ocupação agropecuária, transformou paisagens enormes, reduzindo as áreas de florestas nativas e transformando as áreas remanescentes em pequenos fragmentos. Isto ocorreu na Mata Atlântica, nas florestas de araucárias do Sul do País e está ocorrendo na Amazônia.

Devido ao crescente escassez de madeiras nativas e crescente demanda do mercado por recursos madeireiros, tem sido formadas no Brasil florestas plantadas de pinos (Pinus spp., Pinaceae), eucalipto (Eucalyptus spp., Myrtaceae) e outras espécies, como por exemplo, mais recentemente, a teca (Tectona grandis L. f., Lamiaceae).

Abaixo segue a lista de algumas espécies madeireiras brasileiras de maior importância.

Nome comum Nome científico Origem Utilidade

Andiroba Carapa guianensis Aubl. (Meliaceae)

Antilhas ao Brasil (Amazônia)

Mobílias, carpintaria, embarcações

Angelim-pedra Hymenolobium excelsum Ducke. (Leguminosae)

Pará e Amazonas Mobília, carpintaria, marcenaria, construção civil e construção naval

Angico-vermelho Anadenanthera spp. (Leguminosae)

Do Maranhão à Argentina

Construções rurais, lenha e carvão

Aroeira-do-sertão Myracrodruon urundeuva Allemão (Anacardiaceae)

Do Ceará à Argentina

Obras externas, mourões

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Nome comum Nome científico Origem Utilidade

Braúna Schinopsis brasiliensis Engl. (Anacardiaceae)

Caatinga bahiana Dormentes e obras externas

Candeia Eremanthus erythropappus (DC.) MacLeish (Compositae)

Bahia a São Paulo em terrenos elevados

Mourões, óleo essencial

Canelas Lauraceae (Ocotea, Nectandra). Entre elas, a imbuia (O. porosa (Ness. & Mart.) Barroso)

Variável, Imbuia no Paraná e Santa Catarina

Óleos, obras internas, mobília

Cedro Cedrela fissilis Vell., C. odorata L., C. angustifolia S. & Hoc. (Meliaceae)

C. fissilis: Minas Gerais ao Rio Grande do Sul

C. odorata: México ao Nordeste brasileiro

C. angustifolia: floresta atlântica montana até Argentina

Carpintaria, marcenaria, mobília, construção naval e aeronáutica, instrumentos musicais, etc.

Cerejeira Amburana cearensis (Allemão) A. C. Sm. (Leguminosae)

Vale do Rio Doce (MG e ES) e caatinga nordestina

Mobília, lambris, balcões, tonéis, folheados

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Espécies madeireiras

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Nome comum Nome científico Origem Utilidade

Garapa Apuleia leiocarpa (Vog.) Macbr. (Leguminosae)

Do Nordeste brasileiro à Argentina

Construção, marcenaria, interiores, tacos, dormentes, etc.

Guatambu Aspidosperma spp. (Apocynaceae)

Várias partes do Brasil

Carpintaria, xilogravura, tacos, sapatos, etc.

Ipê Tabebuia spp. (Bignoniaceae)

Da Amazônia à Argentina

Estruturas externas, tacos, construção pesada, tacos e bengalas, cangas, etc.

Jacarandá-da-bahia

Dalbergia nigra (Vell.) Fr. All. (Leguminosae)

Sul da Bahia até São Paulo (quase

desapareceu)

Folheados, mobília de luxo, objetos decorativos, cabos de talheres, instrumentos musicais, etc.

Jatobá Hymenaea spp. (Leguminosae)

Sul do México a região Sudeste e

Centro-Oeste

Construção pesada, obras hidráulicas, postes, carroçaria, etc.

Jequitibá-rosa Cariniana legalis (Mart.) Kuntze (Lecythidaceae)

Sul da Bahia ao Rio Grande do Sul,

inclusive no Centro-oeste e

Acre

Tabuado, carpintaria, compensados, sapatos, etc.

Óleo-bálsamo Myroxylon balsamum (L.) Harms (Leguminosae)

Sul do México ao Norte da Argentina

Construção civil e naval, pontes e estruturas externas, carroçaria, etc.

Paraju Manilkara longifolia (DC.) Dub. (Sapotaceae)

Sul da Bahia ao Norte do Espírito

Santo

Madeiramento para telhados e vigas

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Nome comum Nome científico Origem Utilidade

Pau-de-balsa Ochroma pyramidale (Cav.) Urb. (Malvaceae)

Sul do México ao Peru, Bolíva e

Amazônia

Madeira muito leve, jangadas e balsas para navegação fluvial, brinquedos

Pau-marfim Balforodendron riedelianum Engl. (Rutaceae)

São Paulo ao Rio Grande do Sul

Mobília, hélice de avião, tacos, objetos torneados, etc.

Pau-pereira Platycyamus regnellii Benth. (Leguminosae)

Sul da Bahia a São Paulo e sul de

Goiás

Construções, eixos, postes, esteios, carroçaria

Peroba-de-campos

Paratecoma peroba (Record) Kuhlm. (Bignoniaceae)

Da Bahia até Minas Gerais e Espírito

Santo

Construção civil e naval, carroçaria, tacos, etc.

Peroba-rosa Aspidosperma polyneuron M. Arg. (Apocynaceae)

Floresta Atlántica da Bahia ao

Paraná, Argentina, Paraguai e Peru

Construção civil e naval, carroçaria, tacos, etc.

Pinheiro-do-Paraná

Araucaria angustifolia (Bert.) O. Ktze. (Arauca-riaceae)

Minas Gerais a Argentina

A madeira brasileira que foi mais explorada: construção, mobília, etc.

Sucupira Bowdichia virgilioides H.B.K. (Leguminosae)

Amazônia, Brasil Central, Nordeste e Sudeste. Chega a

Venezuela

Mobília principalmente

Vinhático Plathymenia reticulata Benth. (Leguminosae)

Pernambuco até Minas Gerais e Rio

de Janeiro

Construção civil e naval, mobiliário fino, forros e tábuas, tacos, portas, etc.

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15 MATÉRIA PRIMA PARA CELULOSE E PAPEL (GRIGGS ET AL. S/D; RIZZINI & MORS,

1995)

O grosso da celulose brasileira é proveniente de espécies cultivadas de Eucalyptus (Myrtaceae) e Pinus (Pinaceae). No entanto, existem outras fontes potenciais, tais como o sisal (Agave sislana Perr., Agavaceae), bagaço da cana-de-açúcar, banana têxtil (Musa textilis Née, Musaceae), papel de arroz (Tetrapanax

papyrifer (Hook.) K. Koch, Araliaceae), papiro (Cyperus papyrus L., Cyperaceae), entre outros.

Tentativas de produção da celulose a partir de matas nativas tiveram resultados insatisfatórios devido à heterogeneidade de espécies e de matéria-prima, tornando a atividade pouco competitiva quando comparada com espécies plantadas.

Ainda, há outras espécies cultivadas, nativas ou não, que podem fornecer matéria-prima para celulose, entre elas Araucaria angustifolia (Bert.) Kuntze (Araucariaceae), Cupressus lusitanica Mill. (Cupressaceae) e Cunninghamia

lanceolata Hook. (Taxodiaceae).

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16 PLANTAS ORNAMENTAIS (LORENZI & MELLO FILHO, 2001; LORENZI & SOUZA, 2001; LORENZI ET AL., 2003; RIZZINI & MORS, 1995)

A elevada diversidade vegetal brasileira, assim como o clima tropical que permite o cultivo de inúmeras espécies exóticas torna o Brasil riquíssimo em possibilidades de cultivo de plantas ornamentais e domesticação de plantas da nossa própria flora.

Algumas das plantas nativas, devido a adaptações específicas ligadas ao seu habitat, são muito difíceis de serem domesticadas e adotadas como ornamentais. Espécies de campos rupestres são especialmente difíceis neste sentido. Por outro lado, o potencial da flora brasileira em termos de espécies ornamentais é fantástico.

A descrição das espécies ornamentais adotadas no Brasil foge ao escopo deste texto acadêmico. Uma excelente obra que trata deste assunto é a obra de Lorenzi & Souza (2001) e Lorenzi & Mello Filho (2001).

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17 PLANTAS TÓXICAS (GRIGGS ET AL. S/D;

LORENZI, 2000; OLIVEIRA ET AL. 2003; RIZZINI & MORS, 1995)

Apesar do conhecimento popular apontar inúmeras plantas como tóxicas, experimentação criteriosa tem mostrado que muitas delas não o são e que, dentre as plantas realmente tóxicas, poucas causam prejuízo econômico significativo.

a. Plantas tóxicas ao gado

Na família Malpighiaceae, existem algumas espécies de Mascagnia, principalmente M. rigida (Juss.) Griseb., cuja ingestão das folhas pelo gado pode ser fatal em 24 a 48hs. Também, M. pubiflora (Juss.) Griseb. e, possivelmente, outras espécies do gênero podem ser tóxicas.

Já a maniçoba (Manihot glaziovii M. Arg., Euphorbiaceae), uma espécie arbórea encontrada no Nordeste brasileiro, possui um glicosídeo cianogênico encontrado nos ramos jovens que são avidamente consumidos pelo gado na época da seca, culminando em envenenamento e morte.

Uma planta que costuma levar a uma perda considerável de rezes é a erva-de-rato (Palicourea marcgravii St. Hill., Rubiaceae). Esta espécie produz o ácido monofluoracético, de efeito fulminante quando ingerido. A espécie ocorre no leste do país, comumente em sub-bosque de florestas, sendo consumida pelo gado na época da seca.

A coerana (Cestrum laevigatum Schl., Solanaceae) e outras espécies do gênero Cestrum são comprovadamente tóxicas, sendo consumidas quando produzem brotos novos após queimadas ou roçadas. Estas espécies produzem glicosídeos ou agliconas de ação cardiotóxica.

Pteridium aquilinum (L.) Kuhn é uma Polipodiaceae de distribuição cosmopolita, mas freqüentemente encontrada em áreas que foram desmatadas. Quando consumidas em grande quantidade provoca intoxicação no gado. Tais plantas são adaptadas a terrenos ácidos, desaparecendo sob calagem.

O alecrim-das-campinas (Holocalyx balansae Mich., Leguminosae) é uma árvore que, após a derrubada da mata e queima, emite brotos de sua cepas com elevado conteúdo de ácido cianídrico, antes de qualquer outra gramínea ocupar a

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área, sendo avidamente consumidos pelo gado, provocando mortandade intensa. Tal fenômeno é chamado de “peste das queimadas” e está associada à fotossensibilização e aparecimento de necroses nas áreas expostas.

Outras espécies podem provocar intoxicação ao gado como pode ser visto no quadro abaixo.

Nome comum Nome científico Ocorrência Princípio ativo

Oficial-de-sala Asclepias curassavica L. (Apocynaceae)

Brasil Glicosídeos

- Psedocalymma elegans (Vell.)

Kuhlm. (Bignoniaceae)

- Substância não identificada

- Senecio brasiliensis Less.

(Compositae)

Sul do Brasil e Argentina

Alcalóides

Cavalinha Equisetum martii Milde e E.

pyramidale Goldm. (Equisetaceae)

Terrenos alagadiços

-

Peroba-d’água Sessea brasiliensis Tol. (Solanaceae)

Matas da Serra do Mar

Alcalóides nos frutos

Mio-mio Baccharis cordifolia DC. (Compositae)

Sul do Brasil, Uruguai, Argentina

e Paraguai

Tricotecenos

Xique-xique Crotalaria spectabilis Roth. (Leguminosae)

- Alterações fatais no fígado

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Plantas tóxicas

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Nome comum Nome científico Origem Utilidade

- Isotoma vulgaris (Willd.) Presl.

(Campanulaceae)

Antilhas, sub-espontânea no

Brasil

Alcalóides

Cambará Lantana camara L. (Verbenaceae)

Brasil Fotossensibilização lenta

b. Plantas ornamentais tóxicas

Nome comum Nome científico Ocorrência Princípio ativo

Dama-da-noite Cestrum laevigatum Schl.

(Solanaceae)

- Glicosídeos ou agliconas de ação

cardiotóxica

Cambará Lantana camara L. (Verbenaceae)

Brasil Fotossensibilização lenta

Espirradeira Nerium oleander L. (Apocynaceae)

Originária do norte da África e Ásia

Menor, hoje cosmopolita

Glicosídeos cardiotóxicos

Chapéu-de-napoleão

Thevia ahouai A. DC. (Apocynaceae)

Sul americana Glicosídeos cardiotóxicos

Comigo-ninguém-pode

Dieffenbachia seguine (L.) Schott e D. picta (Lodd.) Schott (Araceae)

Ráfides de oxalatos de cálcio,

associadas a lipídeo tóxico que gera

asfixia

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c. Plantas com proteínas tóxicas

Algumas plantas são tóxicas devido a presença de toxoalbuminas. O quadro abaixo lista algumas delas.

Nome comum Nome científico Ocorrência Princípio ativo

Mamona Ricinus communis L. (Euphorbiaceae)

- Ricina (presente nas sementes)

Pinhão-de-purga Jatropha curcas L. e J. gossypiifolia L. (Euphorbiaceae)

Ampla Curcina

Jequiriti Abrus precatorius L. (Leguminosae)

- Abrina

d. Plantas tóxicas a peixes

Numerosas plantas são utilizadas para pesca por serem tóxicas aos peixes. De uma forma geral, muitas delas são conhecidas como timbó, sendo utilizadas desde os tempos pré-colombianos. As plantas são esmagadas e colocadas dentro da água, liberando as substâncias tóxicas. Em pouco tempo, peixes começam a boiar e podem ser capturados.

Um aspecto curioso do uso destas plantas está no controle de piranhas. Este tipo de peixe é mais sensível ao timbó do que as demais espécies, bastando 3 partes por milhão para exterminar não só os adultos, como os jovens e ovos. Tal método foi usado entre 1957 e 1961 para o extermínio de piranhas em 10 barragens compreendendo 48.000 Km2 no Nordeste brasileiro, incluindo o açude de Orós. Também no EUA, o timbó foi utilizado para eliminação de ictiofauna invasora e indesejável, para posterior povoamento com as espécies originais.

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Plantas tóxicas

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As espécies conhecidas por timbó mais utilizadas na América do Sul são:

Nome comum Nome científico Ocorrência Princípio ativo

Timbó-urucu Derris urucu (Killip et Smith) Macbride

(Leguminosae)

América do Sul Rotenona associada a saponinas

Timbó-macaquinho

D. nicou (Aubl.) Macbride

(Leguminosae)

América do Sul Rotenona associada a saponinas

Timbó-de-caiena Tephrosia toxicaria Pers.

(Leguminosae)

América do Sul Rotenona associada a saponinas

Timbó, tingui Espécies de Serjania, Paullinia

e Magonia (Sapindaceae)

América do Sul Saponinas tóxicas

- Jacquinia spp. (Teophrastaceae)

América do Sul -

- Wallacea insignis Spruce

(Ochnaceae)

América do Sul -

- Euphorbia cotinifolia L.

(Euphorbiaceae) e Phyllanthus

brasiliensis (Aubl.) Poir.

(Phyllanthaceae)

América do Sul -

e. Plantas inseticidas

Plantas com princípios inseticidas já foram mais utilizadas antes do advento de inseticidas sintéticos. Neste sentido, plantas com presença de rotenona, como é o caso de Derris urucu (Killip et Smith) Macbride (Leguminosae), já foram cultivadas e comercializadas no passado.

Uma outra planta ainda muito utilizada é o piretro (Chrysanthemum

cinerariaefolium Bocc., Compositae), de onde se extrai piretróides.

Do tabaco (Nicotiana tabacum L., Solanaceae) se utiliza a nicotina e outros alcalóides úteis na combate a insetos. Outras plantas extremamente tóxicas são espécies do gênero Ryania (Salicaceae), entre as quais R. acuminata Eiclh e R.

speciosa Vahl. são as mais conhecidas, possuindo os nomes populares de mata-cachorro ou mata-calado. Seu composto ativo é a rianodina.

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f. Plantas alucinógenas

Algumas plantas possuem substâncias que provocam um estado alterado de consciência, alucinações, sonhos, etc. Muitas destas plantas foram e são utilizadas em cerimônias religiosas. Entre elas, uma das mais famosas é a cactácea mexicana Lophophora williamsii (Lem.) Coult., chamada de mescal ou peytl, cujo alcalóide psilocibina provoca potentes alucinações.

No Brasil, o toe (Datura insignis Barb. Rodr., Solanaceae) foi e é utilizado pelos índios como alucinógeno devido a substância escopolamina. Ainda no Brasil, o caapi ou iagê (Banisteriopsis caapi (Spruce) Morton, Malpighiaceae), devido à presença de harmina, produz alucinações fortes e é utilizada em rituais religiosos.

Na caatinga, plantas do gênero Mimosa (Leguminosae), tais como M. verrucosa Benth. (jurema branca) e M. hostilis Benth. (jurema-preta), possuem em sua casca o alucinógeno dimetiltriptamina. Uma outra leguminosa comum em todo o Brasil com compostos alucinógenos é Anadenanthera peregrina (L.) Speg., o angico-vermelho, cujas sementes torradas e reduzidas a pó possuem elevada dose do alcalóide bufotenina.

g. Plantas alergênicas

Um dos grandes obstáculos ao emprego da mamona na confecção de rações são os compostos alergênicos de sua proteína. Outras plantas podem ter compostos alergênicos problemáticos, como é o caso da caviúna-vermelha (Machaerium

scleroxylon Tul, Leguminosae) que, apesar de sua valiosa madeira, o contato progressivo com o lenho sensibiliza os indivíduos que lidam constantemente com esta espécie. Algumas anacardiáceas como as do gênero Lithraea, na América do Sul, Toxicondendron¸ na América do Norte e Rhus, na Ásia têm alto potencial sensibilizador para o tegumento cutâneo.

h. Plantas urentes e cáusticas

Por urtiga são conhecidas várias espécies, algumas delas pertencentes à família Urticaceae. No Brasil destacam-se Urera baccifera Gaud. que provoca empolação passageira e coceira intensa.

Na família Euphorbiaceae, temos as espécies conhecidas como cansanção, Cnidoscolus oligandrus (M. Arg.) Pax, e favela, C. phyllacanthus (Mart.) Pax & Hoffm., cujo líquido urticante encerrado em espículas é extremamente urticante, contendo histamina.

Algumas trepadeiras pertencentes ao gênero Mucuna (Leguminosae), conhecidas como pó-de-mico (M. urens DC. e M. pruriens (L.) DC.), possuem tricomas que penetram na epiderme provocando coceira e irritação.

Outras espécies podem ser urticantes como é o caso do látex de Calophyllum

brasiliense Camb. (mangue, Clusiaceae), que origina manchas escuras na pele e o

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Plantas tóxicas

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látex da morácea Naucleopsis oblongifolia (Kulm.) Carauta, que é tóxico. Cabe ainda destacar a planta amazônica Hura crepitans L. (Euphorbiaceae), cujo látex é extremamente tóxico, produzindo grandes edemas e fortes dores.

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18 BIOPROSPECÇÃO

Os capítulos anteriores mostraram claramente como o homem usou e tem usado a diversidade biológica vegetal para os mais diversos fins. Como já foi enfatizado, o processo de domesticação ligado a este uso raramente pode ser caracterizado como intencional e tem ocorrido de forma lenta e complexa, sendo fortemente associada ao progresso social das comunidades humanas (veja Griggs et al., s/d).

No entanto, mais recentemente, com o desenvolvimento da engenharia genética e melhoramento vegetal e expansão das indústrias farmacêuticas, um novo e intenso interesse tem crescido em relação à diversidade biológica. A enorme variedade de plantas existente no globo tem se mostrado uma importante fonte de recursos genéticos e compostos químicos úteis ao homem. O processo ativo de busca e descoberta destes recursos é comumente denominado bioprospecção.

Dentro desta nova realidade, enormes conflitos de interesse têm surgido. Os países detentores de tecnologia e capital necessário à bioprospecção normalmente são aqueles do hemisfério norte que, por outro lado, são pobres em diversidade biológica. Por outro lado, os países com elevada diversidade biológica são normalmente carentes em termos de recursos financeiros e tecnológicos. Tal quadro tem gerado historicamente um processo de exploração inescrupulosa dos recursos biológicos dos países megadiversos por aqueles detentores de tecnologia, resultando em elevados benefícios econômicos para estes últimos e benefícios pequenos, nulos ou até negativos para os primeiros.

O Brasil, particularmente, apresenta-se no centro desta questão, pois sendo o país que concentra a maior diversidade de organismos do planeta, tem sido visado constantemente por iniciativas de bioprospecção. Os aspectos legais ligados à forma da bioprospecção e a distribuição dos seus benefícios têm sido regidos pela Convenção sobre Biodiversidade Biológica (CDB), assinada por 170 países e em vigor desde 29 de dezembro de 1993. Além desta convenção internacional, esforços internos dos próprios países têm sido efetuados no sentido de controlar e disciplinar a prospecção de recursos biológicos. No Brasil, cabe destacar a normatização implementada pelo governo através do IBAMA e do CGEN (Conselho de Gestão do

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Bioprospecção

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Patrimônio Genético) em relação aos processos de coleta, armazenamento e transporte de material advindo do patrimônio natural de diversidade biológica nacional. Tal normatização e sua implementação visam o controle dos abusos no processo de acesso a riqueza biológica do país, coibindo a biopirataria e aumentando as possibilidades de benefícios do uso da biodiversidade nacional. Outro aspecto importante no Brasil é o estabelecimento de prioridades, estratégias e confecção de programas direcionados a bioprospecção (Vieira et al. 2002).

A prospecção de novos compostos químicos freqüentemente passa pelo contato com povos tradicionais, cujo conhecimento e uso de plantas e animais são um importante atalho no direcionamento das atividades de pesquisa. O problema é que, normalmente, as comunidades tradicionais recebem pouco ou nada por este conhecimento. Muitas vezes o retorno é até negativo, quando, por exemplo, para a obtenção do produto for necessária a coleta destrutiva da espécie, resultando na redução de suas populações. Um exemplo disto foi o já citado uso do pau-rosa amazônico na indústria de perfumaria.

Para que a bioprospecção seja uma atividade ecologicamente sustentável e socialmente justa alguns princípios precisam ser obedecidos (Santos 2001): i) princípio da prevenção: na possibilidade de danos irreparáveis, a prospecção deve ser interrompida; ii) princípio da preservação: a prospecção deve ser feita de forma que promova a conservação do recurso; iii) princípio da equidade: os benefícios devem ser distribuídos de forma justa entre as partes envolvidas, em particular, os países proprietários do recurso explorado; iv) princípio da participação pública: a população envolvida no processo de prospecção deve participar do processo e seus benefícios de forma mais ampla possível; v) princípio da publicidade: o processo de prospecção deve ser totalmente transparente ao público, vi) princípio do controle público e privado: o processo de prospecção tem que estar submetido ao controle por órgãos públicos e privados e vii) princípio da compensação: a comunidade detentora dos recursos ou do conhecimento deve receber compensação justa em termos monetários e ou por meio de bens.

Os benefícios reais ou potenciais advindos da bioprospecção podem contribuir direta ou indiretamente para a definição de políticas e captação de recursos para a conservação de ecossistemas naturais. Tais benefícios podem ser quantificados economicamente e fazem parte de uma estratégia relativamente recente de atribuição de valores monetários aos serviços ambientais provenientes de área naturais. Tal estratégia é denominada valoração ambiental (Pavarini, 2000). Dentro deste processo de valoração, outros fatores são considerados tais como o valor da preservação de ciclos biológicos, conservação de solo e água entre outros. No entanto, talvez um dos aspectos onde os benefícios econômicos podem ser medidos mais diretamente e inclusive comercializados se refere à bioprospecção.

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