Bourdieu, Pierre. O Poder Simbólico. Resenha Por Alexandre Rauh

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DISCIPLINA: PESQUISA EM CIÊNCIA DA EDUCAÇÃO-2015/1 Docente: Prof. Dr Cleomar F. Gomes RESENHA O PODER SIMBÓLICO NASCIMENTO, Alexandre Rauh Oliveira 1 Pierre Félix Bourdieu (1930-2002), sociólogo francês, filósofo de formação, começou a lecionar na Argélia, onde também prestou o serviço militar. Desenvolveu vasta obra e é contribuiu sobremaneira para o pensamento sociológico do século XX. “Eleito diretor, em 1965, da VI Seção da École pratique des hautes études, que em 1975 se tornou École des hautes études en sciences sociales, continuou sendo seu membro integral após ingressar no Collège de France, em 1982, até se aposentar, no verão de 2001. A partir de 1968, dirigiu no Collège de France o Centro de sociologia européia, fundado por Raymond Aron, onde criou, em 1975, sua célebre revista, Actes de la recherche en sciences sociales, que dispõe de um lugar à parte entre todas as revistas internacionais de sociologia, especialmente em razão de sua abertura às outras ciências sociais” (ENCREVÉ; LAGRAVE, 2005). A par de sua breve biografia destacamos a obra O Poder Simbólico, coletânea de trabalhos nos mais diversos campos das ciências sociais, reunidos pelo autor para publicação brasileira, na qual demarca as trocas desiguais que ocorrem no campo científico. A obra está dividida em dez capítulos, nos quais o autor aborda as relações sociais presentes na constituição de diversos campos, seus respectivos capitais e habitus, e a maneira 1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá - 2015.

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Resenha da obra O Poder Simbolico

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    INSTITUTO DE EDUCAO

    DISCIPLINA: PESQUISA EM CINCIA DA EDUCAO-2015/1

    Docente: Prof. Dr Cleomar F. Gomes

    RESENHA

    O PODER SIMBLICO

    NASCIMENTO, Alexandre Rauh Oliveira1

    Pierre Flix Bourdieu (1930-2002), socilogo francs, filsofo de formao,

    comeou a lecionar na Arglia, onde tambm prestou o servio militar. Desenvolveu vasta

    obra e contribuiu sobremaneira para o pensamento sociolgico do sculo XX.

    Eleito diretor, em 1965, da VI Seo da cole pratique des hautes tudes,

    que em 1975 se tornou cole des hautes tudes en sciences sociales,

    continuou sendo seu membro integral aps ingressar no Collge de France,

    em 1982, at se aposentar, no vero de 2001. A partir de 1968, dirigiu

    no Collge de France o Centro de sociologia europia, fundado por Raymond

    Aron, onde criou, em 1975, sua clebre revista, Actes de la recherche en

    sciences sociales, que dispe de um lugar parte entre todas as revistas

    internacionais de sociologia, especialmente em razo de sua abertura s

    outras cincias sociais (ENCREV; LAGRAVE, 2005).

    A par de sua breve biografia destacamos a obra O Poder Simblico, coletnea de

    trabalhos nos mais diversos campos das cincias sociais, reunidos pelo autor para publicao

    brasileira, na qual demarca as trocas desiguais que ocorrem no campo cientfico.

    A obra est dividida em dez captulos, nos quais o autor aborda as relaes sociais

    presentes na constituio de diversos campos, seus respectivos capitais e habitus, e a maneira

    1 Mestrando no Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiab -

    2015.

  • como a sociologia do socilogo deve interpret-los. uma obra em que Bourdieu apresenta

    ao leitor o resultado de suas vastas pesquisas em diversas reas e ilustra como a teoria

    sociolgica proposta por ele pode ser aplicada nos diversos fatos sociais.

    Nesta resenha, faz-se a opo por destacar trs dos conceitos principais presentes na

    anlise sociolgica proposta por Bourdieu, quais sejam campo, capital e habitus. Conceitos

    que so expostos pelo autor de maneira esparsa ao longo da obra, com destaque no Captulo

    III em que aborda a gnese dos termos campo e habitus. Assim, sua compreenso feita a

    partir das demonstraes de como tais conceitos, que so entendidos como modus operandi,

    se aplicam aos fatos sociais pelo autor descritos.

    No primeiro captulo, abordando o poder simblico, o autor afirma que os sistemas

    simblicos so instrumentos de conhecimento e comunicao, assim exercem um poder

    estruturante, possibilitando conhecer o mundo, por que so estruturados, entendendo o poder

    simblico como um poder de construo da realidade.

    A produo simblica entendida como instrumento de dominao, relacionada a

    ideologia e produzida pela classe dominante cultura dominante, que une, separa e legitima

    com efeito sobre a classe dominada. Une porque intermedia a comunicao, separa porque

    instrumento de distino entre as classes e legitima, porque defina as culturas em suas

    distines em relao a dominante. Nesse aspecto, h uma relao de luta em que as classes

    sociais concorrem para impor as demais sua viso de mundo. Ocorre que nessa luta a posio

    hierrquica da classe, definida pelo seu capital que Bourdieu estende para alm do

    econmico, como ver-se- adiante define o sucesso nas relaes.

    O poder simblico, poder subordinado, uma forma transformada, quer

    dizer, irreconhecvel, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder:

    s se pode passar para alm da alternativa dos modelos energticos que

    descrevem as relaes sociais como relaes de fora e dos modelos

    cibernticos que fazem delas relaes de comunicao, na condio de se

    descreverem as leis de transformao que regem a transmutao das

    diferentes espcies de capital em capital simblico e, em especial, o trabalho

    de dissimulao e de transfigurao (numa palavra, de eufemizao) que

    garante uma verdadeira transubstanciao das relaes de fora fazendo

    ignorar-reconhecer a violncia que elas encerram objetivamente e

    transformando-as assim em poder simblico, capaz de produzir efeitos reais

    sem dispndio aparente de energia (Bourdieu, 1989, p. 15).

  • No captulo II, Bourdieu discorre sobre o trabalho de pesquisa do socilogo,

    descrevendo o caminho de uma pesquisa, suas estratgias e caractersticas. Para ele o pice da

    arte em cincias sociais est em aplicar coisas tericas muito importantes sobre objetos

    empricos menores na aparncia, s vezes at irrisrios, assim o socilogo demonstra

    conhecimento do fato social e do modus operandi de seu ofcio.

    Discorre sobre o fazer da cincia sociolgica, discutindo como o socilogo olha o

    mundo apontando o foco nas relaes como a maneira correta de se analisar um fato social, e

    nas relaes por meio do conceito de campo pode ser feita uma anlise que considere a

    dinmica social. Para Bourdieu

    a primeira tarefa da cincia social portanto, do ensino da pesquisa em

    cincia social a de instaurar em norma fundamental da prtica cientifica a

    converso do pensamento, a revoluo do olhar, a ruptura com o pr-

    construdo e com tudo o que, na ordem social e no universo doto o

    sustenta (Idem, p. 49).

    Preconiza que o trabalho de pesquisa do socilogo no deve ser atado pelo mtodo,

    embora se recorra a ele, pois se anulariam as possibilidades de compreenso da realidade pela

    mera antecipao do fato ao se definir entre esquemas metodolgicos. Ao contrrio defende a

    liberdade do pesquisador, para a partir das observaes que sejam feitas as escolhas

    metodolgicas. Nesse aspecto fala tambm da construo do objeto, fazendo indicaes

    contrrias a construo do objeto previamente, pois nesse caso passa-se a anlise de um objeto

    pr-construdo. A respeito do objeto, Bourdieu fala da objetivao participante, assim

    definida:

    condio da ruptura com a propenso para investir no objeto(...).

    preciso, de certo modo ter-se renunciado tentao de se servir da cincia

    para intervir no objeto, para se estar em estado de operar uma objectivao

    que no seja a simples viso redutora e parcial que se pode ter, no interior do

    jogo, de outro jogador, mas sim a viso global que se tem de um jogo passvel

    de ser apreendido como tal porque se saiu dele (Ibidem, p. 58).

    Ainda sobre as escolhas metodolgicas

    Mas para tentar converter em preceito positivo todas estas crticas, direi

    apenas que preciso desconfiar das recusas sectrias que se escondem por

    detrs das profisses de f sectrias e tentar, em cada caso, mobilizar todas

    as tcnicas que, dada a definio do objeto, possam parecer pertinentes e que,

  • dadas as condies prticas de recolha dos dados, so praticamente

    utilizveis(Ibidem, p. 26).

    Nesse captulo encontram-se fragmentos que esclarecem a noo de campo e habitus,

    porque contribuem para a compreenso da pesquisa em cincias sociais, que continuam no

    captulo III no qual so abordadas a gnese de tais noes. Primeiramente, importante

    destacar que tais conceitos no podem ser usados somente como teoria, pois constituem o

    modo como o socilogo entende o fato social, de maneira prtica, portanto, no apenas

    servindo de arcabouo. na anlise do campo cientfico que aparece seu habitus, constitudo

    como regra elaborada pelo homem, um modus operandi cientfico funcionando em estado

    prtico conforme as regras da cincia sem ter tais regras como origem (Ibidem, p. 23).

    Retoma a noo aristotlica de hexis, convertida em habitus, um conhecimento

    adquirido, um capital haver, de um agente em ao. Rompe com alternativas sobre as quais a

    cincia social se assentou: a da conscincia (ou do sujeito) e o do inconsciente, a do finalismo

    e do mecanicismo, etc. Para Bourdieu os utilizadores da palavra habitus se inspiravam numa

    inteno terica prxima da minha, que era a de sair da filosofia da conscincia sem anular o

    agente na sua verdade de operador prtico de construes do objeto (Ibidem, p. 62). Superar

    a filosofia da conscincia significa acreditar ao sujeito uma autonomia que se insere dentro de

    uma construo social, no uma autonomia absoluta, pela qual teria total independncia na

    forma de pensar.

    Segundo Bourdieu, habitus

    ...o produto de um trabalho social de nominao e de inculcao ao trmino

    do qual uma identidade social instituda por uma dessas 'linhas de

    demarcao mstica', conhecidas e reconhecidas por todos, que o mundo

    social desenha, inscreve-se em uma natureza biolgica e se torna um habitus,

    lei social incorporada" (Bourdieu, 2003, p. 64).

    Entendendo que a compreenso do fato social se faz de modo relacional, e no de

    maneira estagnada, Bourdieu utiliza a noo de campo, que compreende a realidade e o fato

    social a partir das relaes que se estabelecem entre os agentes que compem determinada

    classe social. Assim, para se analisar o comportamento das classes preciso compreender

    suas relaes de poder que se estabelecem dentro de um campo especfico. Sobre isso,

    campo de poder (de preferncia a classe dominante, conceito realista que

    designa uma populao verdadeiramente real de detentores dessa realidade

  • tangvel que se chama poder), entendendo por tal as relaes de foras entre

    as posies sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente

    de fora social ou de capital de modo a que estes tenham a possibilidade

    de entrar nas lutas pelo monoplio do poder, entre as quais possuem uma

    dimenso capital as que tm por finalidade a definio da forma legtima de

    poder (Bourdieu, 1989, p. 28-29).

    Os limites de um campo so estabelecidos pelos seus efeitos, em outras palavras, um

    agente ou uma instituio integra um campo na medida em que neste campo sofre ou

    produz efeitos. Na definio de campo Bourdieu comeou com o campo intelectual, no qual

    se acumula capital cultural2.

    Para superar a noo de campo intelectual Bourdieu analisou o campo religioso

    mediante uma crtica da viso interacionista entre os agentes religiosos presente na obra de

    Max Weber, props uma construo do campo religioso como estrutura de relaes

    objectivas que pudesse explicar a forma concreta das interaes que Max Weber descrevia em

    forma de uma tipologia realista (Ibidem, p. 66). Foi uma forma de por a prova sua teoria para

    compreenso da realidade e na anlise de diversos campos, estes, em consequncia das

    particularidades das suas funes e do seu funcionamento (...) denunciam de maneira mais ou

    menos clara propriedades comuns a todos os campos (Ibidem, p. 67).

    Dentro do espao social, que para Bourdieu to material quanto o espao geogrfico,

    que ocorrem as lutas entre integrantes por legitimao de suas crenas, e na dinmica que

    estabelecem por ascender a posies mais elevadas, com o necessrio acmulo de capital,

    acabam perpetuando as relaes que mantm o campo. Por isso,

    Compreender a gnese social de um campo, e apreender aquilo que faz a

    necessidade especfica da crena que o sustenta, do jogo da linguagem que

    nele se joga, das coisas materiais e simblicas em jogo que nele se geram,

    explicar, tornar necessrio, subtrair ao absurdo do arbitrrio e do no-

    motivado os actos dos produtores e as obras por eles produzidas e no, como

    geralmente se julga, reduzir ou destruir (Ibidem, p. 69).

    2 Capital para Bourdieu vai alm do capital econmico definido por Marx, que se restringe a materialidade,

    alcanando o plano simblico, onde a posio dos indivduos dentro de um campo definida pelo volume de

    capital acumulado, com valor simblico para cada campo. Assim teremos capital cultural, cientfico, econmico,

    tantos quanto sejam os campos e o que tem valor para cada campo e posiciona seus agentes, assegurando-lhe

    todas as vantagens e benefcios que se pode ter acumulando-os, e que agora o capital econmico, no se podem

    comprar com moeda.

  • A maneira como se perpetuam as condies de existncia de um campo so

    explicitadas por Bourdieu da seguinte forma:

    nas lutas internas e por meio delas dos clrigos, lutas em que o que

    est em jogo no nem nunca poder ser exclusivamente e explicitamente

    temporal, que eles mesmos produzem sem necessariamente as pensarem

    como tais as estratgias adequadas a assegurar as condies econmicas e

    sociais da sua prpria reproduo social (Ibidem, p. 76).

    Para compreenso do campo partir de sua histria a nica forma legtima de anlise,

    porque sempre h um predecessor antes do percussor, que analisados nas suas relaes

    revelam as condies de sua existncia, sua essncia.

    No captulo IV so abordadas as relaes entre a histria reificada e a histria

    incorporada, sendo possvel identificar, a partir da demonstrao de Bourdieu como os

    conhecimentos, as prticas, as ideologias se materializam e passam a ser naturais aos

    indivduos de determinado campo, que as reproduzem automaticamente, pois j foram

    incorporados os elemento de sua reproduo. Para isso, dado o exemplo do cumprimento em

    que um cidado retira o chapu para saudar outro, vejamos:

    Aquele que tira o chapu para cumprimentar reactiva, sem saber um sinal

    convencional herdado da Idade Mdia no qual, como relembra Panofsky os

    homens de armas costumavam tirar seu elmo para manifestarem as suas

    intenes pacficas. Esta atualizao consequncia do habitus, produto de

    uma aquisio histrica que permite a apropriao do adquirido histrico

    (Ibidem, p. 82-83).

    Pode-se perceber o habitus incorporado na atitude do indivduo, sem questionamentos,

    como algo natural. Assim ocorre com as leis dentro de um campo, que so incorporadas pelos

    indivduos e reproduzidas natural e automaticamente. Nos movimentos da histria, em que

    instituies e aes de agentes so analisadas Bourdieu as sintetiza da seguinte maneira:

    A razo e a razo de ser de uma instituio (ou de uma medida

    administrativa) e dos seus efeitos sociais, no est na vontade de um

    individuo ou de um grupo mas sim no campo de foras antagnicas ou

    complementares no qual, em funo dos interesses associados s diferentes

    posies e do habitus dos seus ocupantes, se geram as vontades e no qual se

    define e se redefine continuamente, na luta e atravs da luta a realidade

  • das instituies e dos seus efeitos sociais, previstos e imprevistos (Ibidem, p.

    81).

    As condies de funcionamento e perpetuao do campo so de tal maneira

    incorporadas, assumidas e realizadas pelos indivduos que no tem outra alternativa seno a

    reproduo de tais condies, jogar o jogo, mesmo aqueles que esto em posies

    hierrquicas elevadas, pois no se pode enganar o jogo. Tem-se somente a opo por deixar o

    jogo, ao que corresponderia a morte social. Deixar um campo no qual se acumula algum

    capital para migrar a outro corresponde sempre a represlias dos indivduos deste novo

    campo, pois no se transfere capital de um campo a outro. Assim,

    O princpio do movimento perptuo que agita o campo no reside num

    qualquer primeiro motor imvel o Rei-Sol neste caso mas sim na prpria

    luta que, sendo produzida pelas estruturas constitutivas do campo, reproduz

    as estruturas e as hierarquias deste. Ele reside nas aces e nas reaes dos

    agentes que, a menos que se excluam do jogo e caiam no nada, no tem

    outras escolhas a no ser lutar para manterem ou melhorarem a sua posio

    no campo, quer dizer, para conservarem ou aumentarem o capital especfico

    que s no campo se gera, contribuindo assim para fazer pesar sobre todos os

    outros os constrangimentos, frequentemente vividos como insuportveis, que

    nascem da concorrncia (Ibidem, p. 85).

    Comenta que a teoria dos Aparelhos Igreja, Estado ou Partido permite uma

    denncia abstrata do Estado ou da Escola que reabilita os agentes, consentindo que eles vivam

    no desdobramento da sua prtica profissional e das suas opes polticas (Ibidem, p. 86). Faz

    uma crtica a tal teoria que considera o sujeito como passivo dentro de tais estruturas, pois

    para Bourdieu h uma ao do sujeito na perpetuao de tais estruturas, por que delas acredita

    se criarem as condies para sua sobrevivncia, por fora do habitus que lhe foi incorporado.

    Quanto mais nos afastamos do funcionamento dos campos como campos de

    lutas para passar a estados-limites,(...) tanto mais a instituio tende a

    consagrar agentes que tudo do instituio (ao Partido ou Igreja, por

    exemplo) e que realizam esta oblao de maneira tanto mais fcil quanto

    menos capital possurem fora da instituio, logo, quanto menos liberdade

    tiverem em relao a ela e em relao ao capital e aos ganhos especficos que

    ela oferece(Ibidem, p. 95).

  • No captulo V, so abordados elementos para uma reflexo crtica sobre a ideia de

    regio. A definio de regio uma disputa entre escolas da cincia, especialmente a

    geografia e economia, que considerando o capital que acumulam na sociedade, acabam

    incluindo a mais ou menos elementos de definio. Assim na geografia se incorporaram

    elementos da economia, dada que esta escola tem maior prestgio social por sua composio

    de campo que a geografia, escola menor mesmo entre seus pares, na faculdade de Letras,

    considerando-se a origem social dos estudantes. Assim a definio de regio tambm

    relacional, incluindo tambm agentes fora do contexto acadmico que atuam. Nesse campo

    em disputa a existncia negativa de determinadas regies em relao ao centro, atua como

    dominao simblica e econmica, fazendo com que alguns agentes sejam levados a lutar

    para alterar sua definio.

    a tendncia para a partilha indefinida das naes que impressionou todos os

    observadores compreende-se se se vir que, na lgica propriamente simblica

    da distino em que existir no somente ser diferente mas tambm ser

    reconhecido legitimamente diferente e em que, por outras palavras, a

    existncia real da identidade supe a possibilidade real, juridicamente e

    politicamente garantida, de afirmar oficialmente a diferena qualquer

    unificao, que assimile aquilo que diferente, encerra o princpio da

    dominao de uma identidade sobre outras, da negao de uma identidade

    por outra (Ibidem, p. 129).

    Na sequncia o captulo VI apresenta a gnese de classes, na qual Bourdieu

    apresenta uma ruptura com a teoria marxista em trs aspectos: i. com a substncia (grupos

    reais, para os quais se pretende definir nmero) em favor das relaes, amplamente

    defendidas por Bourdieu para anlise do fato social; ii. economismo que reduz o campo

    social, que multidimensional, unicamente ao campo econmico, desconsiderando todas as

    demais variantes simblicas que atuam na luta de foras dentro do campo; iii. Objetivismo,

    que caminha com o intelectualismo, ignorando as lutas simblicas dos diferentes campos nas

    quais est em jogo a prpria representao do mundo social e, sobretudo, a hierarquia no seio

    de cada um dos campos e entre os diferentes campos (Ibidem, p. 133).

    Para Bourdieu a definio de classe como objeto esttico no corresponde realidade,

    o que existe um espao de relaes qual to real como um espao geogrfico, no qual as

    mudanas de lugar se pagam em trabalho, em esforos e sobretudo em tempo (ir de baixo para

    cima guindar-se, trepar e trazer as marcas e estigmas desse esforo) (Ibidem, p. 137).

  • Assim, todo esforo por quantificar, identificar, diferenciar classe assemelha-se ao trabalho

    taxonmico, e que nesse sentido desconsidera a dinmica real do espao social.

    Neste captulo encontra-se uma definio bastante esclarecedora do capital, que como

    dito anteriormente, Bourdieu expande para alm do econmico.

    O capital que pode existir no estado objetivado, em forma de propriedades

    materiais, ou, no caso do capital cultural, o estado incorporado, e que pode

    ser juridicamente garantido representa um poder sobre um campo (num

    dado momento) e, mais precisamente, sobre o produto acumulado do trabalho

    passado (em particular sobre o conjunto dos instrumentos de produo), logo

    sobre os mecanismos que contribuem para assegurar a produo de uma

    categoria de bens e, deste modo, sobre um conjunto de rendimentos. (...) Por

    exemplo, o volume de capital cultural (o mesmo valeria, mutatis mutandis,

    para o capital econmico) determina as probabilidades agregadas de ganho

    em todos os jogos em que o capital cultural eficiente, contribuindo deste

    modo para determinar a posio no espao social (Ibidem, p. 134).

    Importante destacar que embora o capital possa apresentar diferentes configuraes

    quantos forem os campos e seus agentes e o que tem valor de acmulo e reconhecimento, o

    campo econmico impe sua estrutura aos demais campos, e mesmo dentro de outros campos

    o capital econmico tambm exerce grande influncia.

    Para exemplificar o acmulo de capital, que maneira do econmico tambm pode ser

    acumulado e pelo estado defendido inclusive juridicamente, temos o poder de nomeao,

    pelo qual a justia e o estado com seus atos escritos estabelecem normas, temos a constituio

    do capital acadmico, que acumulado pelos agentes do campo acadmico lhes confere poder e

    benefcios sobre os demais.

    O ttulo profissional ou escolar uma espcie de regra jurdica de

    percepo social, um ser-percebido que garantido como um direito. um

    capital simblico institucionalizado, legal (e no apenas legtimo). Cada vez

    mais indissocivel do ttulo escolar, visto que o sistema escolar tende cada

    vez mais a representar a ltima e nica garantia de todos os ttulos

    profissionais, ele tem em si mesmo um valor e, se bem que se trate de um

    nome comum, funciona maneira de um grande nome (nome de grande

    famlia ou nome prprio), conferindo todas as espcies de ganhos simblicos

  • (e dos bens que no possvel adquirir diretamente com a moeda) (Ibidem,

    p. 148-149).

    No captulo VII feita anlise do campo poltico, entendendo-se como tambm um

    campo de fora onde acontecem as lutas que lhes perpetuam, assim como os demais campos,

    porque como demonstrado por Bourdieu os campos seguem alguns princpios.

    Neste campo, o monoplio da produo das formas de percepo e expresso o que

    confere acmulo de capital que sujeita os demais agentes do campo. Sem o capital necessrio,

    resta aos integrantes renunciarem aos membros da classe dominante, pois no tem outra

    escolha seno a demisso ou a entrega ao partido, que representa a continuidade da classe. O

    habitus poltico, neste caso composto de teorias, problemticas, tradies, o que confere aos

    profissionais da classe, aliado a habilidades de retrica e domnio da linguagem poder sobre

    os demais.

    Em matria de poltica como em matria de arte, o desapossamento dos que

    so em maior nmero correlativo, ou mesmo consecutivo, da concentrao

    dos meios de produo propriamente polticos nas mos de profissionais, que

    s com a condio de possurem uma competncia especfica podem entrar

    com alguma probabilidade de sucesso no jogo propriamente poltico

    (Ibidem, p. 169).

    No captulo VIII abordado o campo do direito, trazendo elementos para uma

    sociologia do direito. Para Boudieu o campo jurdico concebido por seus participantes como

    a histria da evoluo interna de conceitos e mtodos, considerando assim o um sistema

    fechado e autnomo. O monoplio dos meios jurdicos herdados do passado o que garante o

    funcionamento do campo. O domnio de processos lingusticos prprios cria uma linguagem

    jurdica que intenta o efeito da neutralizao e da universalizao, assim o habitus jurdico

    consiste na habilidade de interpretao dos textos. O espao judicial constitui assim uma

    barreira que separa os que detm o capital e aqueles que no possuem o habitus necessrio

    para compreenso do jogo, excluindo-os. Sua autoridade exercida por meio da proclamao

    pblica acompanhado de coero fsica retirada da vida, liberdade ou propriedade.

    A funo de manuteno da ordem simblica que assegurada pela

    contribuio do campo jurdico como a funo de reproduo do prprio

    campo jurdico, das suas divises e das suas hierarquias, e do princpio de

    viso e de diviso que est no seu fundamento produto de inmeras aces

  • que no tm como fim a realizao desta funo e que podem mesmo inspirar-

    se em intenes opostas (Ibidem, p. 254).

    No captulo IX abordado a institucionalizao da anomia, representando uma anlise

    da revoluo simblico operada por Manet, e depois dele pelos Impressionistas, qual seja o

    desabamento das estruturas sociais do aparelho acadmico (ateliers, Sales, etc) e das

    estruturas mentais que lhe estavam associadas encontrou condies favorveis nas

    contradies introduzidas pelo aumento numrico da populao dos pintores oficiais

    (Ibidem, p. 255). Faz assim uma anlise de como operaram as foras na construo de um

    campo autnomo de produo independente da rigidez acadmica, exercida pelo controle do

    Estado.

    No ltimo captulo, gnese histrica de uma esttica pura, Bourdieu fala da

    importncia da compreenso histrica e em se tratando de um campo onde atuam agentes

    lutando pela imposio de suas crenas aos demais, tambm aqui se constituem as condies

    para perpetuao do campo, no caso para referncia do que considerado obra de arte. Assim,

    no sujeito somente que define o que obra de arte, mas o conjunto dos agentes.

    Se esta a lgica do campo, ento compreende-se eu os conceitos utilizados

    para pensar as obras de arte e, em particular, para as classificar, se

    caracterizem, como observava Wittgenstein, por uma extrema

    indeterminao, quer se trate de gneros (tragdia, comdia, drama ou

    romance), de formas (balada, rond, soneto ou sonata), de perodos ou estilos

    (gtico, barroco ou clssico) ou de movimentos (impressionista, simbolista,

    realista, naturalista) (Ibidem, p. 291).

    Contribuio para a construo do objeto de pesquisa

    Considerando as anlises feitas sobre diferentes fatos sociais e a maneira como

    Bourdieu aplica as noes de campo, habitus e capital possvel estabelecer o paradigma de

    como proceder uma anlise do objeto de pesquisa baseada em sua teoria.

    A expanso da Rede Federal de Educao Profissional e Tecnolgica EPT, aps

    considerarmos o contexto poltico econmico no qual o capital, na sua identidade definida por

    Marx, opera sobremaneira, como tambm aponta Bourdieu, com as imposies que lhes so

  • prprias na defesa de seus interesses e manuteno do sistema, podemos considerar as demais

    variantes que operam dento do campo acadmico. Neste caso temos instituies que fazem

    parte de um campo em disputa escolas tcnicas, agrotcnicas, universidades tecnolgicas,

    cefets, e o prprio governo federal, como agente dominante nessa relao, uma vez que

    possui o capital econmico e o poder simblico de dominao sobre os demais que lutando

    por sua sobrevivncia na busca pela manuteno de suas atividades e existncia acabam por

    perpetuar as condies do campo.

    Em se tratando de politica educacional, no se pode furtar de exemplificar tambm

    com o processo de expanso das universidades pblicas, por meio do Programa de Apoio a

    Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais REUNI, que acontece no

    mesmo momento da expanso da Rede de EPT, em que as universidades federais em

    disputa dentro do campo acadmico que lhes prprio se veem impelidas a aderir ao

    programa sob pena de sua excluso do campo, que como aponta Bourdieu representa a morte

    social. Como imaginar uma universidade sem os recursos da expanso, vagas para docentes,

    tcnicos e verba para assistncia estudantil, dentre outros, obviamente acompanhadas de

    condies impostas pelo polo dominante, o governo federal, que exerce sobre os demais a

    violncia simblica da opresso das condies impostas, e a coero pelo rgos de controle,

    referenciados pelo aparato jurdico.

    Assim, temos tanto universidades como institutos federais, cada qual no seu campo, e

    dada a reforma tambm sofrida pela Rede de EPT, entrando em parte no campo das

    universidades sob condies inferiores pois no possui o habitus cientfico e seu capital na

    educao profissional tcnica no transferido para o campo onde atuam as universidades,

    atuando pela perpetuao das condies do campo: disputa entre os integrantes por posies

    de prestgio dentro da hierarquia, pelo acmulo de capital econmico, cultural, cientfico e

    condies de existncia.

    Para a compreenso do fenmeno da expanso da rede de EPT Bourdieu acrescenta

    uma contribuio relevante e substancial, porque sem dvida no somente condies

    econmicas, impostas pelo capital econmico, que atuaram e continuam atuando, h uma

    gama de valores simblicos tambm em disputa que condicionam as instituies e so por

    elas reproduzidas como seu habitus dentro do campo.

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BOURDIEU, Pierre. O Poder Simblico. Traduo de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro:

    Bertrand Brasil, 1989. Disponvel em:

    http://monoskop.org/images/b/b3/Bourdieu_Pierre_O_poder_simbolico_1989.pdf Acesso em:

    30 de abril 2015.

    BOURDIEU, Pierre. A Dominao Masculina Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2003,

    p 64. Wikipedia acesso em 29 de maio 2015, disponvel em

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Habitus

    ENCREV, P; LAGRAVE, R-M. Memria do trabalho, memria no trabalho. In:

    ENCREV, P; LAGRAVE, R-M. Trabalhar com Bourdieu. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

    2005, p. 8. Disponvel em www.bourdieu.com.br Acesso em: 01, Junho de 2015.