Brasil No Microscópio
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Saber mdico e poder profissional: do contexto luso-brasileiro ao Brasil imperial
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Purgando acar, pecados e doenas: aherana colonial. A sociedade luso-
brasileira, suas doenas e condies sani-trias. Regulamentao sanitria. A I r-mandade da Misericrdia: assistnciamdica como caridade. Saber erudito esaber popular na medicina colonial.Purgando acar, pecados e doenas: aherana colonial. A sociedade luso-brasileira, suas doenas e condies sani-trias. Regulamentao sanitria. A I r-
mandade da Misericrdia: assistnciamdica como caridade. Saber erudito esaber popular na medicina colonial.Purgando acar, pecados e doenas: a
herana colonial. A sociedade luso-brasileira, suas doenas e condies sani-trias. Regulamentao sanitria. A I r-mandade da Misericrdia: assistnciamdica como caridade. Saber erudito e
saber popular na medicina colonial.Purgando acar, pecados e doenas: aherana colonial. A sociedade luso-brasileira, suas doenas e condies sani-
trias. Regulamentao sanitria. A I r-mandade da Misericrdia: assistncia
FLAVIO COELHO EDLER
1Saber m dico e poder
profissional: do contextoluso-brasileiro aoBrasil im perial
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Purgando acar, pecados e doenas: a herana colonial
Todo e qualquer resultado de uma interveno teraputica vem sendo avaliado, historicamente, em
termos das crenas, expectativas e comportamentos aceitos por grupos que compartilham um mesmo
cdigo cultural. Em sociedades multiculturais, como a brasileira, preciso considerar que, tolerncias parte, os cuidados dispensados ao doente tm constitudo, tradicionalmente, uma arena social em que
conhecimentos, habilidades, instituies e prticas teraputicas so com frequncia providos e contestados
por vrios grupos, desde familiares e curandeiros comunitrios at mdicos profissionais.
Os estudiosos do perodo colonial, que se estende do sculo XVI ao XIX, tm ressaltado que no
imaginrio europeu, enquanto a natureza e a riqueza americanas acar, tabaco, ouro, madeira
receberam atributos paradisacos, sua populao, formada por ndios, negros e colonos pobres, ganhou
conotaes infernais. Colonos herticos e feiticeiros; ndios imundos e incestuosos, de feies
e hbitos animalescos, canibais, polgamos, pagos e preguiosos; negros boais, ladinos epagos, deviam, todos, se enquadrar numa ordem poltica autoritria, na qual a escravido impunha-
se no apenas como soluo econmica, mas tambm como uma pedagogia destinada a moldar os
indivduos e adapt-los ordem social defendida pelas elites metropolitanas.
Purgatrio, onde os brancos eram enviados para pagarem os seus pecados, o espao colonial abria-se
ao catequtica da Igreja Catlica sobre a populao negra e indgena. De acordo com o projeto
metropolitano, a medicina da alma deveria ser ministrada por padres, integrantes do clero secular ou
das ordens religiosas, e se dirigir limpeza e expiao dos elementos nocivos e diablicos, enquanto aos
fsicos (como eram chamados os clnicos da poca), cirurgies e boticrios caberia empregar seus
conhecimentos e habilidades para trazer alento aos sofrimentos do corpo e melhorar as condies gerais
de salubridade.
Embora competissem pela oferta de servios mdicos, as ordens religiosas, em especial a jesutica a
primeira e mais influente do catolicismo lusitano , foram aliadas fundamentais na afirmao do poder
da medicina oficial, ao denunciar as prticas curativas populares como demonacas.
Para os jesutas, os ndios, nos hbitos alimentares, em sua forma de morar, de se vestir, em suas
crenas e gestos, eram um povo do demnio, que no possua razo por no conhecer Deus. De acordo
com a historiadora Laura de Mello e Souza, constatada nos hbitos e na vida, confirmada nas prticas
mgicas e na feitiaria, a demonizao do homem colonial expandiu-se da figura do ndio seu primeiroobjeto para a do escravo, ganhando, por fim, os demais colonos (Souza, 1994). Com o avano do
processo colonizador, as diferentes concepes mgicas do mundo, partilhadas por ndios, negros e
brancos, de diferentes classes sociais, amalgamaram-se numa complexa fuso de crenas e prticas que
resultou num catolicismo popular repleto de manifestaes de sincretismo religioso, ora toleradas, ora
incentivadas, ora combatidas pela elite colonial.
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Embora amparados pela legislao portuguesa, os agentes da medicina metropolitana no tinham
suas prerrogativas profissionais protegidas pelas autoridades locais, muito pragmticas em meio fluida
vida colonial. A teraputica popular ministrada por ndios, africanos e mestios dominava amplamente
a prtica curativa. O sopro e a suco de foras ou espritos malignos, o uso de amuletos e o emprego de
palavras mgicas, juntamente com a aplicao de poes, unguentos e garrafadas harmonizavam-se
com o universo espiritual sincrtico. A rigidez religiosa propalada pelo Tribunal do Santo Ofcio (rgo
da Inquisio), e pela rigorosa legislao sanitria lusitana expressa em cartas rgias ou nas OrdenaesFilipinas, contrastava fortemente com as tnues fronteiras culturais que agrupavam, num mesmo campo,
prticas teraputicas, benzeduras, feitios, encantamentos e adivinhaes. Feiticeiras e curandeiros eram
requisitados para resolverem uma ampla gama de problemas ligados a tenses e conflitos cotidianos em
que a cura teraputica e a neutralizao de feitios possuam um mesmo significado simblico: a
restaurao de uma harmonia rompida.
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Famlia de um chefeCamac preparando-separa uma festaAcervo Museus Castro Maya
ndia inalando paric numritual. Registro feito pelonaturalista AlexandreRodrigues Ferreira em suaviagem filosfica Amrica portuguesa dosculo XVIIIFERREIRA, AlexandreRodrigues. Viagem Filosfica,1738-1792Acervo Fundao BibliotecaNacional
Amuleto africanoColeo Instituto Nacional doFolclore/Funarte
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A sociedade luso-brasileira, suasdoenas e condies sanitrias
Quando os portugueses aqui chegaram, em
1500, encontraram uma populao indgena,
seminmade e pouco heterognea em termos
culturais e lingusticos. Tupis-guaranis, tapuias,
goitacases, aimors e outras etnias se disper-
savam pelo litoral e o interior. Entre as doenas
de que sofriam os indgenas no incio da colo-
nizao do Brasil, o historiador Lourival Ribeiro
(1971) cita as febres, as disenterias, as derma-
toses, os pleurises e o bcio endmico como
sendo as molstias prevalentes. Passado o pero-
do de explorao da costa, cuja principal ativi-
dade econmica era a extrao do pau-brasil,
a Coroa portuguesa inicia, com a expedio de
Martim Afonso de Souza (1530-1533), o pro-
cesso de colonizao e ocupao territorial. Esse
perodo foi marcado pela exaltao da natu-
reza brasileira. Parecia que a doena raramente
afligia os habitantes da Amrica. O certo que,
ao findar o perodo colonial, os poucos ndios
que viviam sob o domnio portugus eram
pertencentes ao ltimo escalo da sociedade.
A escravizao e a matana, iniciadas com a
captura ou desocupao de terras, contri-buram menos que as doenas importadas para
o que os historiadores chamam de catstrofe
demogrfica da populao indgena (Silvia,
1991). Os ndios foram vtimas de doenas
como sarampo, varola, rubola, escarlatina,
tuberculose, febre tifoide, malria, disenteria,
gripe, trazidas pelos colonizadores europeus,
para as quais no tinham defesa imunolgica(anticorpos ou defesas naturais que imunizam
contra doenas). Junto com os escravos afri-
canos, aportou tambm um novo tipo de mal-
ria em solo americano.
ndio com dermatose.
Entre indgenas, doenascomuns eram tratadas demodo puramentenaturalstico, enquanto asconsideradas mais sriasexigiam a manipulao deum domnio de ordemsobrenaturalSPIX AND MARTIUS. Reise inBresilien, 1823-1831Acervo Fundao BibliotecaNacional
As prticas ancestrais decura indgena envolviam oemprego de plantas etambm rituais sagrados eholsticos, muitas vezescom a participao dosenfermos e tambm dogrupo tribal ou parentalao qual eles pertenciamSPIX AND MARTIUS. Reise inBresilien, 1823-1831Acervo Fundao BibliotecaNacional
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Imagem de Hans Stadenque descreve apreparao e o uso docauim, bebida de carterentorpecente feita a
partir da fermentao dealimentosSTADEN, Hans. Warhaftigebeschreibung eyner landschafft(...). Marburgo, 1557Acervo Fundao BibliotecaNacional
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As condies de sade da populao negra eram igualmente deplorveis. Embora houvesse uma
multiplicidade de situaes e atividades exercidas pelo escravo africano, bem como formas de tratamento
recebido por parte dos senhores, os cronistas do perodo colonial sublinham que os negros que prestavam
servio na terra trabalhavam quase sem descanso, sempre mantidos com muito aoite e, em geral, mal
alimentados. O regime de trabalho nas minas era totalmente diverso daquele que se observava nos
engenhos de acar. A atividade mineradora exigia uma mo de obra mais especializada, permitindo
aos cativos uma relativa liberdade de ao e maiores oportunidades do que em outras regies da Amrica
portuguesa (Silvia, 1991). No auge da produo aurfera, em meados do sculo XVIII, a populao
escrava correspondia a trs quartos dos habitantes das Minas, e os riscos para a sade dos escravos
haviam aumentado com a gradativa complexidade do trabalho, na busca do ouro que escasseava. NoErrio mi neral farmacopeia (relao de produtos e procedimentos teraputicos) escrita pelo cirurgio
Lus Gomes Ferreira aps larga experincia teraputica na regio mineradora registram-se as crises
reumticas, as febres com catarros, as chagas nas pernas que acometiam os escravos faiscadores,
obrigados a permanecer com metade do corpo submerso nos leitos pedregosos de rios glidos durante
horas, mergulhando, tirando cascalho e lavando. Estima-se que o tempo mdio de vida nessas condies
fosse de sete anos. Nos principais centros urbanos, como Olinda, Recife, Salvador e Rio de Janeiro, os
negros exerciam atividades variadas, desde os servios domsticos at o artesanato, passando pelo comrcio
ambulante e o carregamento de fardos e mercadorias. A ancilostomase, conhecida como opilao, asdoenas de carncia, como o escorbuto, a tuberculose e o maculo, no chegavam a distinguir a populao
de escravos negros do restante da populao de mulatos, brancos pobres e cafuzos que viviam na base da
pirmide social (Edler, 2006).
Quanto s condies de sade da populao branca, impossvel uma generalizao, tal era a variedade
de situaes em que se encontrava nesse perodo. Ser nobre ou plebeu, viver nos grandes centros urbanos
ou refugiado em engenhos e fazendas, ser homem de negcios, mdico, advogado, pertencer ao clero
regular, morar em conventos ou aldeias no serto, instalar-se em zona de minerao, conduzir tropas de
gado, tudo isso afetava o ritmo de vida, o regime alimentar e o padro de salubridade, no importando
a posio social ocupada. Est claro que barnabs (funcionrios pblicos de baixo escalo), mascates,
artesos, oficiais mecnicos, carreiros, feitores, capangas, soldados de baixa patente, mendigos e pobres
sitiantes no viviam em condies muito melhores que algumas categorias de escravos e se distanciavam
muito da elite branca, de senhores de engenho, fidalgos, clrigos e comerciantes.
Durante os trs primeiros sculos da colonizao brasileira, a sociedade branca recorreu indife-
rentemente s formas de cura trazidas da Europa ou quelas a que diversas etnias, com as quais se
manteve em constante contato, uti lizavam para lutar contra os males que as acometiam. Mesmo os
portugueses opulentos, muito embora se tratassem com seus mdicos, cirurgies e barbeiros vindos de
Portugal, no hesitavam, quando precisavam curar suas feridas, em se servir do leo de copabautilizadopelos indgenas para esse fim. Depois, com a vinda dos escravos africanos, aderiram igualmente a certas
curas relacionadas com a magia, como nos revela a documentao das visitas inquisitoriais do Santo
Ofcio.
A medicina em Portugal, nos sculos XII e XIII, era exercida pelos eclesisticos. Ao chegarem ao
Brasil, os jesutas mantiveram esta tradio de aliar a assistncia espiritual e corporal ao trabalho de
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catequese. Alm de receitar, sangrar, operar e partejar, eles criaram
enfermarias e farmcias. Como as drogas de origem europeia e asitica
eram raras e tinham um preo exorbitante, eles se valeram dos recursos
medicinais dos indgenas. Foi assim que a Europa conheceu as virtudes
da quina proveniente do Peru e da ipecacuanha brasileira, que tambm
encontrou enorme sucesso. As boticas dos jesutas eram, quase sempre,
as nicas que existiam em cidades ou vilas. Treze jesutas-boticrios se
instalaram no Brasil no sculo XVII e outros trinta no XVIII. As farmcias
dos conventos teriam contribudo para a penria dos boticrios laicos
(no integrantes das ordens religiosas). Pelas mos dos jesutas, a Triagabrasl ica, uma panaceia (conjunto de remdios para todos os males)
composta de elementos da flora nativa, que chegou a ser a segunda
fonte de renda da ordem jesutica na Bahia, ganhou fama internacional.
Aos jesutas deve-se imputar a iniciativa pioneira de intercmbio entre
esses universos da medicina, j que eles tambm absorviam o saber dos
fsicos, cirurgies e boticrios, aplicando-os nos precrios hospitais da
Santa Casa da Misericrdia (Marques, 1999).
Escravo que sofria debouba. Os africanostinham grandeconhecimento devenenos e seus antdotose exerciam na colnia
muitas vezes o papel decurandeiro, lanandomo de suas tradies,principalmente para curaroutros negrosColeo Jos Mindlin
Na imagem de Debret,escravo anmico usamscara de Flandres parano comer terraDEBRET, Jean-Baptiste. Masque
de fer-blanc que lon fait porteraux negrs qui ont la passion demanger la terra (sic),1820-1830Acervo Museus Castro Maya
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Em seu Errio Mineral,publicado em 1735, ocirurgio portugus LusGomes Ferreira faz um
relato de 35 anos deexperincia teraputicana regio das Minas,sintetizando os sabereserudito e popularFERREIRA, Lus Gomes. Erriomineral. Lisboa, 1740Acervo Casa de Oswaldo Cruz
Pote de teriaga ou triaga.A triaga baslica era umremdio composto deextratos, gomas, leos e
sais qumicos extrados de78 tipos de plantas, e quese tornou objeto decobia no imprioportugus e a segundamaior fonte de renda daCompanhia de Jesus noBrasilAcervo Museu Suo deHistria da Farmcia
O contato prximo com
os ndios fez dos jesutasprofundos conhecedoresde diversos mtodoscurativos de origemindgenaColeo Hariberto de MirandaJordo
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Regulamentao sanitria
No tocante legislao sanitria, preciso registrar que, desde 1430, o rei de
Portugal exigia que todos os que praticavam medicina fossem examinados e aprovados
pelo seu mdico, tambm denominado fsico. Em 1448, o regimento do cirurgio-
mor, sancionado em lei do Reino, explicitava, entre os encargos da funo, a
regulamentao do exerccio da medicina e cirurgia por meio de licena, legalizao
e inspeo de farmcias.
As Ordenaes Filipinas, de 1595 (Ordenaes do Reino de Portugal recopiladas por mandato del
Rei D. Felipe, o Primeiro), que tratavam de todos os assuntos de interesse da Coroa, ditavam tambm
regras sobre os ofcios de mdicos, cirurgies e boticrios.
Ainda antes das Ordenaes Filipinas, em 1521, surge a diviso das atribuies entre as duas maiores
autoridades da sade: o fsico-mor e o cirurgio-mor. A Fisicatura era um tribunal e o fsico-mor, um juiz.
Desde ento j aparece a figura dos juzes comissrios no Reino e seus domnios. No momento em que se
estabelece a administrao portuguesa no imprio luso-brasileiro, ainda no sculo XVI, tem-se notcia
da designao de licenciados para o cargo de fsico (mdico) na cidade de Salvador. Onde no houvesse
um fsico examinador, delegado do fsico-mor, os praticantes da arte de curar deviam requerer carta ao
fsico-mor, com atestado das cmaras locais que comprovasse sua experincia e saber. Se aprovados em
exame, recebiam licena para exercer a medicina apenas na localidade em que praticavam, e por
determinado tempo. Cartas de lei, alvars e regimentos respondiam a situaes particulares, como infraes
legislao sanitria e aos abusos contra os interesses dos sditos (Machado, 1978).
At a criao da Junta do Protomedicato, em 1782, cabia ao fsico-mor fiscalizar, com o auxlio de
boticrios aprovados, as boticas, a qualidade e os preos dos medicamentos. A lei estabelecia que a
separao entre fsicos, cirurgies e boticrios era completa, cada qual com atribuies restritas ao seu
domnio. A definio de limites ao exerccio de cada atividade obedecia ao estabelecimento gradual de
uma hierarquia de importncia entre elas. J um alvar do sculo XVI vedava aos fsicos e boticrios
sociedade comercial nas boticas.O regimento de 1744, elaborado pelo fsico-mor, a ser observado por seus representantes no Brasil,
indica a crescente importncia que Portugal emprestava sua colnia na Amrica. Toda a legislao, que
procurava fazer a Fisicatura prxima e presente atravs de uma pesada burocracia, e as constantes queixas
sobre o arbtrio dos comissrios revelam que a preocupao central da Coroa era com o fisco (arrecadao
de impostos). A administrao da justia na rea mdica esmerava-se, ento, tanto em fiscalizar os
fiscalizadores (que deveriam, entre outras funes, zelar pela arrecadao de impostos sobre o exerccio
da profisso) quanto em punir os infratores.
Entretanto, a no observncia do regimento da Fisicatura parece ter sido a norma nos tempos coloniais(Machado, 1978). No s lojas de barbeiro e boticas vendiam remdios no Brasil. Os estabelecimentos
dos ourives, padeiros e outras casas tambm comerciaram especficos. Os prprios mdicos, apesar de o
alvar real de 1561 proibir-lhes preparar e vender drogas, manipularam e venderam suas prprias receitas.
Se os cirurgies curavam de medicina e os mdicos aviavam suas receitas, os boticrios receitavam por
conta prpria ou a pedido de curandeiros (Marques, 1999).
Aquarela de uma boticana corte pintada porDebret. A figura de SoMiguel aparece sobre obalcoAcervo Museus Castro Maya
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A sanha legislativa da metrpole no se limitava ao controle das atividades mercantis. Bem antes do
perodo pombalino (1750-1777) e do reinado de dona Maria I (1777-1808), quando o ministro da Marinha
e Ultramar, d. Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812), projetou uma poltica voltada para a valorizao
dos produtos naturais da Amrica portuguesa e para as pesquisas em histria natural, j era patente o
interesse da Coroa pelos vegetais que possussem utilidade mdica (Wissenbach, 2002).
A Irmandade da Misericrdia: assistncia mdica como caridade
Outra poderosa tradio a atuar na conformao da cultura mdica heterognea que marcou o
perodo colonial teve origem no catolicismo portugus, por intermdio do clero regular e das ordens e
confrarias religiosas.
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Como j observamos, no foram poucas as doenas e epidemias que atacaram os colonos e o restante
da populao indgena e negra. Varola, disenteria, malria, febres tifoide e paratifoide, boubas, maculo
(fstula anal), sfilis, lepra, elefantase dos rabes (filariose) e opilao (ancilostomase) eram as mais
presentes. A imensa maioria dos doentes recebia tratamento em casa. No eram apenas os pobres que
faziam tal opo, as pessoas de posse tambm cuidavam de suas doenas em casa, com mdicos e cirurgies,
ou ento com curiosos e curandeiros, enquanto as ordens religiosas ou laicas tratavam de seus prprios
irmos. Os brancos pobres, a gente de cor, escrava ou forra, soldados, marinheiros, forasteiros em geral,
quando em estado de indigncia, recebiam assistncia espiritual e mdica nos hospitais da Irmandade
da Misericrdia.
Para a cultura crist, o bem-estar fsico era secundrio diante da salvao espiritual. Alm do mais, adoena podia ser percebida alternativamente como uma expresso do pecado ou da graa divina. O
corpo como o repositrio da alma imortal permaneceu como um legtimo objeto de cuidado. Os
ensinamentos bblicos e o exemplo de Jesus apontavam a devoo aos doentes como uma beno
divina, no restrita apenas a praticantes treinados. A f crist enfatizava que o cuidado e a cura deveriam
ser uma vocao popular, um ato de humildade consciente, portanto, um componente vital da caritas
crist. Nos finais do sculo XVI, beneditinos, carmelitas e franciscanos se estabeleceram no Brasil. Alm
dos seminrios e das pastorais, o trabalho caritativo, em especial o tratamento dos doentes, era parte
essencial de suas aes. O culto dos santos servia tambm de escudo contra os perigos da vida ou de
proteo contra os demnios. Muitos eram invocados pela sua qualidade de curar. Nas procisses
organizadas pelas confrarias, nas igrejas ou no refgio do lar, oraes e preces rogavam a interveno
dos santos, cada qual segundo sua especialidade. Uma procisso diria nas cidades coloniais era a do
vitico (sacramento referente ltima ceia, alusivo ao alimento espiritual para a ltima viagem), levado
A fora da influnciado catolicismo portugusna cultura mdica doperodo colonial ficaexpressa no uso dosex-votos, emagradecimento cura deenfermidade grave, comoeste dedicado Nossa
Senhora do CarmoColeo Mrcia de Moura eCastro
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aos moribundos e doentes. Um sem-nmero de devotos compunham o cortejo,
entoando ladainhas. Todas as igrejas repicavam sinos sua passagem.
Perante as dificuldades e precariedade da vida, a Igreja incentivou os fiis brasileiros
a agruparem-se em confrarias, formadas segundo categorias sociais, para encontrar
solues que abrissem as portas salvao eterna. Refgio na vida, segurana diante
da morte, gosto da ostentao e exibio de uma posio social numa sociedade
rigidamente estratificada, as confrarias foram tambm garantia de cuidados aos
doentes e de missas pstumas para o conforto da alma. A confraria mais antiga do
Brasil era a da Misericrdia, que, inspirada nos compromissos corporais (lei escrita da
Ex-voto em nome demilagre do Bom Jesus doMatosinhos a CiprianoRibeiro Dias. Em 1745,este doente sangrou pelonariz durante horasseguidas e ficou curado,com a f, milagrosamenteAcervo Museu da Misericrdia,Matosinho (MG)
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Misericrdia dividida em compromissos espirituais e corporais que orientavam os objetivos assumidos
pela confraria), realizava obras voltadas alimentao dos presos e famintos, remia os cativos, curavaos doentes, cobria os nus, dava repouso aos peregrinos e enterrava os mortos. Mantida por figures de
grande prestgio social, a ordem se beneficiava dos legados
deixados por seus associados e de eventuais recursos diretos
da Coroa. Os quatro hospitais abertos no sculo XVIII
pelas ordens terceiras de So Francisco e do Carmo
voltavam-se ao acolhimento exclusivo dos confrades. Os
hospitais da Santa Casa da Misericrdia, quase todos
modestos e em permanente estado de penria, assistiam auma populao de indigentes e moribundos, desde o sculo
XVI, em quinze cidades brasileiras.
Como a Misericrdia gastava mais com as festividades
religiosas do que com seus hospitais, a instituio vivia em
pobreza (Ribeiro, 1971; Russell-Wood, 1981). Em geral, a
teraputica ministrada em seus hospitais se resumia a uma
alimentao base de canja de galinha, sangrias e purgas
Vitico. leo sobre tela deDomingos Rebelo, 1919Acervo Museu Carlos Machado
Hospital da Misericrdiano Rio de Janeiro, s.d.
Inaugurada em 1582 pelamais antiga confraria doBrasil, a Santa Casa eramantida por figuras degrande prestgio social eeventuais recursos daCoroa. A instituiopossua uma botica ondese fabricavam os remdiosusados pelos pacientes.Em sua enfermaria eramministradas as aulasprticas da Faculdade deMedicina do Rio de
JaneiroAcervo FundaoBiblioteca Nacional
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realizadas por barbeiros, sangradores e, quando em aperto financeiro, por escravos. Um mdico e um
cirurgio davam conta do trabalho, comparecendo pela manh e tarde.
Saber erudito e saber popular na medicina colonial
Durante todo o perodo que compreende o imprio luso-brasileiro, mdicos cirurgies e boticrios
diplomados formavam uma nfima proporo de uma vasta comunidade teraputica. Ocupando
formalmente o pice da pirmide profissional, as trs categorias, alm de concorrerem entre si, mantinham
um pendor regulamentar e vigilante sobre as atividades dos terapeutas populares. A autoridade dos
mdicos diplomados era ainda embrionria, geralmente os prprios pacientes ou terapeutas popularestentavam curar as doenas graves ou mesmo resolver os problemas de carter cirrgico. Como j
observamos, no se respeitava a hierarquia legal. Junto ao leito do paciente, parentes, amigos e curiosos
no se incomodavam de criticar o mdico, propor a mudana de tratamento ou sugerir o nome de outro
prtico mais eficaz para o caso. As divergncias sobre as origens das doenas eram considerveis. Deus,
feiticeiros, espritos malignos, inveja e astros contavam tanto quanto as causas naturais. Os remdios
Cirurgio negro aplicando
ventosas.DEBRET, Jean-Baptiste. Lechirurgien ngre posant desventouses. In: Voyage pitt oresqueet historique au Brsil. Paris,1831Coleo particular
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iam da orao purga ou sangria, passando pelos exorcismos, frmulas mgicas, talisms, ervas,
minerais e substncias de origem animal. Para um mesmo fenmeno, os pacientes invocavam explicaesmltiplas (a interveno divina no exclua a ao de causas naturais), e se sentiam livres para chamar
todo tipo de terapeutas.
Os fsicos e cirurgies, em sua maioria cristo-novos (judeus convertidos ao cristianismo), no
ocuparam posio de relevo na sociedade at a
metade do sc. XVIII, quando, j formados em
universidades europeias e membros de academias
literrias e cientficas, passaram a desfrutar de
uma situao privilegiada. Trabalhavam muitasvezes de graa e seus ganhos financeiros no
eram igualmente vantajosos, fazendo com que
sassem em busca de clientes em outras loca-
lidades. Adotavam para orientar suas receitas
as farmacopeias europeias (manuais contendo
relao de produtos e procedimentos terapu-
ticos), destacando-se os tratados de plantas
medicinais e as colees de receitas editadas em
Portugal. Os barbeiros, alm dos cortes de
cabelos e das barbas, praticavam sangrias,
aplicavam ventosas, sanguessugas e clisteres,
faziam curativos, arrancavam dentes etc. Da
mesma forma que os boticrios, os barbeiros
necessitavam da car t a de exam inao para
habilit-los ao exerccio de seu ofcio. Os
barbeiros geralmente eram portugueses e cas-
telhanos, muitos deles cristos-novos, mas apartir do sc. XVIII j se incluam negros e
mestios neste ofcio.
De todas as prticas teraputicas, o uso das
ervas medicinais brasileiras era a que maior
legitimidade popular possua. No se pode
esquecer que o emprego dessas plantas tinha
um sentido mgico ou mstico. Determinados
minerais, bem como partes do corpo de animais,eram usados como medicamentos ou amuletos.
Se a antropofagia ritual era encarada com
horror pelos europeus, a utilizao da saliva,
da urina e das fezes, humana ou animal, era
compartilhada como recurso teraputico,
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embora possuindo um significado distinto para ambas as culturas. Enquanto a suco
ou sopro dos espritos malignos, a fumigao pelo tabaco, os banhos, as fricescom cinzas e ervas aromticas e o jejum ritualstico eram desprezados como elementos
brbaros, a teoria das assinaturas, prpria ao conhecimento cientfico da poca
(Foucault,1999), que supunha existir, radicado em cada regio, o antdoto das doenas
do lugar, autorizava a assimilao da farmacopeia emprica popular. Se em ampla
variedade de aspectos o saber erudito e o popular eram indissociveis na experincia
dos distintos estratos sociais, os representantes da arte oficial lutavam ferrenhamente
contra os que praticavam as curas na informalidade. Reivindicando para si o controle
do corpo doente, a medicina oficial esvaziava o sentido dos conhecimentos tera-puticos populares e reinterpretava-os luz do saber erudito. A fluidez entre o domnio
da medicina e aquele da feitiaria, com o emprego de cadveres humanos e de animais
associados ao universo demonaco como o sapo, o co negro, o morcego e o bode
na produo de remdios, impunha aos portadores de diploma a tarefa de distinguir
o procedimento cientfico, das crenas populares supersticiosas. Nessa tarefa
encontravam o apoio da Igreja e das Ordenaes do Reino.
Barbeiros ambulantesAcervo Museus Castro Maya
Na imagem de Debret,v-se uma loja debarbeiro sangrador.Muitos terapeutaspopulares sangravam,aplicavam sanguessugas epropalavam todo tipo decura com ervas ouremdios secretos,
concorrendo commdicos, boticrios ecirurgiesDEBRET, Jean-Baptiste.Boutique de barbier. Rio deJaneiro, 1821. In: Voyagepitt oresque et historique auBrsi l. Paris, 1831Coleo Particular
Cabocla tirando um
bicho de p, imagem doviajante Auguste Biard.No Brasil do sculo XIX,as prticas maisavanadas da medicinadividiam espao commtodos caseirosBIARD, Franois-Auguste. Deuxannes au Brsil. Paris, 1862Acervo Casa de Oswaldo Cruz
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A influncia dos mdicos licenciados sobre os governantes no se mostrava sempre eficaz para garantir
a regulamentao. Nenhum grupo alcanou o pretendido monoplio do diagnstico ou tratamento.As prticas mdicas mais diversas como o catimbe o calunducoabitavam, gerando muitos atritos.
Boticrios, barbeiros, parteiras, algebristas (consertadores de ossos), cristeleiras (aplicadoras de clisteres)
oficiavam uma arte mecnica e servil, enquanto o fsico, de formao dogmtica e doutrinal (acadmica),
possua honras de nobre, com direito a homenagens e uso de armas e sedas ornamentos simblicos
distintivos da imagem pblica do valor nobilirquico. Entre os agentes envolvidos com as prticas de
Nas academias mdico-cirrgicas eram usadas,ento, tradues degrandes compndioseuropeus. J o Dicionriode medicina popular ecincias acessrias, deChernoviz, teve grandeimportncia nos laresbrasileirosCHERNOVIZ, Pedro LuisNapoleo. Dicionrio damedicina popular.Paris, 1890Acervo Casa de Oswaldo Cruz
Ritual de calundu nosculo XVII. Atravs dareligio e tambm dosrituais de cura, os negrosmantinham vivas, do ladode c do Atlntico, ascrenas africanasWAGENER, Zacharias.
Calundu,
1694Acervo Kabinett der StaalichenKunstsammlungen, Dresden,Alemanha
cura, os boticrios e cirurgies ocupavam, assim, uma posio
subalterna na hierarquia profissional. Ficou reservada ao mdico
a tarefa de diagnosticar, prescrever e acompanhar o tratamentodo doente, de acordo com o aprendizado doutrinal, feito a
partir dos textos cannicos escritos em latim. Essa arte liberal,
isto , condizente com o statusde homens livres, tinha suprema-
cia em relao ao trabalho do cirurgio e ao de preparo e
venda de medicamentos. Os fsicos deveriam supervisionar o
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preparo de todas as mezinhas (conjunto de medicamentos da cultura popular) que contivessem pio,
eleturios, plulas e trociscos. Aos boticrios cabia prensar e misturar as drogas previamente selecionadase pesadas pelos doutores, enquanto os cirurgies deveriam limitar sua ao teraputica ao conserto de
ossos quebrados e tratamento de algumas feridas.
No mundo da colnia, entretanto, a imposio da rgida hierarquia entre fsicos, cirurgies e boticrios
mostrava-se incua. Quando aplicada, recebia queixas dos representantes da Coroa, em nome da realidade
colonial. O exerccio da medicina no Brasil, at a criao da Junta do Protomedicato, em 1782, no
reinado de d. Maria I (1734-1816), era facultado somente
a fsicos e cirurgies portadores de um atestado de habi-
litao, e licenciados pelos comissrios das autoridadesmdicas do Reino: o cirurgio-mor e o fsico-mor. Estes
representantes diretos do poder real residiam, inicial-
mente, nas povoaes maiores, mas, a partir do sc. XVI II,
os regimentos sanitrios passam a ser mais observados,
com a presena de comissrios em um nmero maior de
cidades e vilas.
Os fsicos atuavam como mdicos da Coroa, da
Cmara e das tropas nas principais cidades e vilas, sendo
numericamente pouco expressivos. No sc. XVIII, em
cidades como Recife, Salvador e Rio de Janeiro, somente
trs ou quatro fsicos exerciam suas atividades. Eles eram
responsveis pelo exame, diagnstico e receiturio para
os pacientes, e aos cirurgies cabiam os ofcios manuais,
considerados socialmente inferiores, que exigiam o uso
de ferros, lancetas, tesouras, escalpelos, cautrios e agu-
lhas. A atuao dos cirurgies estava restrita s sangrias,
aplicao de ventosas, cura de feridas e de fraturas,sendo-lhes vetada a administrao de remdios internos,
privilgio dos mdicos formados em Coimbra, Portugal.
A criao das escolas de cirurgia, em 1808, veio romper
com esta prtica de cerceamento, feita pela metrpole,
possibilitando a formao de mdicos no pas.
Aps a Independncia, algumas mudanas signifi-
cativas tiveram lugar no ambiente mdico. Em 1826, o
corpo docente das escolas mdico-cirrgicas passou acontrolar a emisso de diplomas para o exerccio da
medicina. Em 1828 foi extinta a Fisicatura-mor como
rgo do governo responsvel pela fiscalizao sanitria
e regulamentao das artes teraputicas. Sangradores e
curandeiros foram definitivamente postos na ilegalidade.
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Em 1832, as duas escolas mdico-cirrgicas, criadas em 1808, foram transformadas em faculdades de
medicina. Finalmente, em 1850, em seguida primeira epidemia de febre amarela, foi criada a JuntaCentral de Higiene Pblica. Entretanto, boa parte dessa nova legislao era para ingls ver, como se
dizia na poca. Na corte ou nas provncias pululavam os vendedores ambulantes de remdios secretos. A
populao no associava competncia teraputica com os diplomas oficiais e as autoridades faziam
vista grossa multiplicidade de anncios que ofereciam, para os mais diversos males, remdios que
prometiam curas imediatas. Tnia Salgado Pimenta (2004) documentou a ampla oferta de anncios em
que terapeutas populares, em meados do sculo XIX, propalavam a cura de pernas inchadas, cancros,
carbnculos, molstias dos olhos, surdez, escrfulas, embriaguez e morfeia (lepra). Num artigo publicado
no peridico Archivo Mdico Brasil ei ro, em 1848, seu autor atestava que na corte a cura da bebedeira eramonoplio dos curandeiros. Uma velha do Castelo administrava um remdio composto de mijo de
gato e assaftida. Um morador da Prainha indicava sua clientela negra uma infuso com fedorenta
seguida de uma purga com alos para curar o vcio da cachaa. Na rua dos Ciganos, um negro de
Angola tambm curava a embriaguez com uma certa raiz que trouxera de Minas Gerais. No Dirio de
Pernambuco, em 1837, a famosa coluna doCarapuceiroridicularizava as aes teraputicas de negros
boais, caboclos estpidos e velhas comadres procurados pela populao para tomar sangue com
Os barbeiros negros sesomaram aos portuguesese castelhanos, a partir dosculo XVIII. Alm doscortes de cabelos ebarbas, praticavamsangrias, aplicavamventosas, sanguessugas,clisteres e faziamcurativos
BAUCH, Emil. Cena decostumes, Rio de Janeiro, 1859Coleo Fadel
Criada em 1850, a JuntaCentral de HigienePblica era criticada pelosmdicos por noinspecionar as boticasnem a venda de remdiose drogas que aconteciaem estabelecimentosdiversos, at mesmo em
casas de ferragens elouasIBITURENA, Baro de. Relatriodos trabalhos (...). Rio deJaneiro, 1887Acervo Casa de Oswaldo Cruz
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palavras, atalhar frouxos, curar nervo torto e carne quebrada, erisipelas e hidropisias e que em
geral desprezava os medicamentos de homens que estudaram ex prof essoa medicina.As desigualdades sociais e culturais herdadas do perodo colonial e acentuadas at o limite com a
escravido se refletiam tambm no uso dos remdios. O acesso aos produtos das farmcias, boticas e
drogarias, muitos deles importados, era quase sempre uma prerrogativa dos brancos ricos. Os setores
subalternos, formados pela imensa populao de pobres e escravos, contavam com remdios caseiros,
frmulas feitas com ervas nacionais e outros produtos recomendados ou administrados por curandeiros,
mezinheiros, barbeiros e sangradores. Como observou Gilberto Freyre (1977), foram vrios os remdios
de negro, de caboclo, de matuto, de caipira, ou sertanejo que eram desprezados pelos civilizados como
indignos de gente fina ou delicada. Nas reas mais requintadas em cultura europeia, alimentos, bebidase remdios caros, importados da Europa, constituam indcios da ostentao senhorial. Para essa gente
superior de raa fina, os remdios rsticos pareciam produzir maior dano que as prprias doenas. Nos
anncios de jornais eram frequentes os remdios recomendados para pessoas delicadas, fidalgas ou
nobres.
A perseguio aos curandeiros, antes tolerados, recrudesceu a partir de 1870, quando o poder pblico
ampliou o cerco contra as prticas e concepes populares de cura nos principais centros urbanos. Esse
processo foi assinalado por Sidney Chalhoub, que o
interpretou num contexto mais amplo de desmantela-
mento e crise das polticas de dominao senhorial. O
novo despotismo sanitrio combinava a crise da ideologia
senhorial baseada na escravido, no paternalismo e na
dependncia pessoal com a emergncia de polticas de
conteno das classes perigosas e de naturalizao das
diferenas sociais, agora sancionadas pelo racismo cien-
tfico e pelo darwinismo social.
O Cdigo Penal de 1890, associado nova ordem
jurdica da nascente Repblica, embora garantisse a liber-dade de conscincia e culto, sancionava a perseguio
aos terapeutas populares, criminalizando as prticas do
espiritismo, da magia e seus sortilgios, do uso de talisms
e das cartomancias, desde que empregadas para inculcar
cura de molstias curveis e incurveis. O exerccio do
ofcio de curandeiro tambm era formalmente proibido,
cominando penas de priso e multa. As associaes mdi-
cas de grande prestgio, como a Academia Nacional deMedicina e a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de
Janeiro, influram na produo desses dispositivos legais,
ao reivindicarem o monoplio da assistncia mdica aos
doutores diplomados e associarem as prticas teraputicas
populares ideia de fraude e charlatanismo.
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Sob o olhar de uma nova cincia. A revo-luo pasteuriana: uma nova sade p-
blica entra em campo. Mudanas nacapital da Repblica. A Revolta da Vacina.Sob o olhar de uma nova cincia. A revo-luo pasteuriana: uma nova sade p-blica entra em campo. Mudanas na
capital da Repblica. A Revolta da Vacina.Sob o olhar de uma nova cincia. A revo-luo pasteuriana: uma nova sade p-blica entra em campo. Mudanas na
capital da Repblica. A Revolta da Vacina.Sob o olhar de uma nova cincia. A revo-luo pasteuriana: uma nova sade p-blica entra em campo. Mudanas nacapital da Repblica. A Revolta da Vacina.Sob o olhar de uma nova cincia. A revo-luo pasteuriana: uma nova sade p-blica entra em campo. Mudanas nacapital da Repblica. A Revolta da Vacina.
Sob o olhar de uma nova cincia. A revo-luo pasteuriana: uma nova sade p-blica entra em campo. Mudanas nacapital da Repblica. A Revolta da Vacina.Sob o olhar de uma nova cincia. A revo-luo pasteuriana: uma nova sade p-
CARLOS FIDELIS PONTE
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Sob o olhar de uma nova cincia
O Brasil chega ao fim do sculo XIX com graves problemas de sade pblica e projetando uma
imagem de lugar extremamente insalubre, onde a vida se encontrava em risco constante, em virtude das
precrias condies sanitrias de seus centros urbanos e dos diversos surtos epidmicos que costumavam
atingir sua populao. O processo de urbanizao e o crescimento populacional, aliados ausncia de
infraestrutura bsica, de legislao, de fiscalizao e de conhecimentos adequados, agravavam os problemas
resultantes das reduzidas condies de higiene observadas nas cidades da velha colnia portuguesa. Para
se ter uma ideia do pssimo estado sanitrio do Rio de Janeiro, basta lembrar que at o final da escravido,
em 1888, o escoamento do esgoto da cidade, capital do Imprio, era realizado pelos chamados tigres,
escravos que, noite, carregavam tonis de excrementos das habitaes at o mar, onde eram atirados
sem nenhum tratamento (Chalhoub, 1996).
Pas agroexportador, sua economia dependia quase que exclusivamente do comrcio externo, o que
acabava por agravar ainda mais as consequncias do seu quadro sanitrio, j que muitas companhias denavegao se recusavam a estabelecer rotas que passassem pelos portos brasileiros. Conhecido como
tmulo dos estrangeiros, o pas encontrava dificuldade para atrair migrantes para as fazendas de caf,
carentes de mo de obra desde o fim da escravido. Herdeiro de um passado escravista e colonial, o Brasil
de ento se via frente ao desafio de promover medidas capazes de alterar suas condies de sade e de
acabar com as epidemias, tendo em vista defender a vida de seus habitantes e a economia do pas.
Descrevendo a situao sanitria do Rio de Janeiro de 1900, Lus Edmundo comentava:
(...) o turista que vem Amrica do Sul, muitas vezes, aqui nem baixa terra brbara, do navio em que
viaja, contentando-se com v-la de longe, no quadro magistral da natureza, que no se pde estragar,porque, alm de feia e desinteressante, a cidade um perigo, foco das mais tremendas molstias infecciosas:a febre amarela, a peste bubnica, a varola. A tuberculose mata como em nenhuma outra parte, sendoque as molstias do aparelho digestivo, graas ausncia de fiscalizao no varejo de gneros alimentcios,fazem tantas vtimas quantas faz a tuberculose. Os obiturios alongam-se sinistramente pelas colunas dos
jornais, cruzam, pelas ruas, fretros e homens cobertos de luto, sendo que prosperam particularmente oslojistas de grinalda e coroas, os mdicos e os padres (Edmundo, 1957).
nesse contexto, de necessidade de reestruturao da mquina estatal no que diz respeito rea da
sade pblica, que a medicina comea a ganhar forte poder de interveno na sociedade, diferenciando-
se, cada vez mais, do vasto grupo de pessoas (curandeiros, parteiras, benzedeiras, rezadeiras, pajs, entre
outros) que se dedicavam ao ofcio da cura e dos cuidados aos enfermos.
Constatando que o livre exerccio da medicina por todo tipo de curiosos sobre os quais no se tinha
controle nenhum era apresentado como argumento explicativo das precrias condies de sade, pesqui-
sadores da histria da medicina, como Roberto Machado, observaram que, para se constituir, a medicina
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Vista do centro doRio de Janeiro na viradado sculo XIX para o XXAcervo Casa de Oswaldo Cruz
Vista parcial do centro doRio tomada do morro doCastelo, vendo-se ocasario colonial e aconfigurao urbanaanterior reforma dePereira PassosAcervo Casa de Oswaldo Cruz
Sem sistema de esgotocanalizado, no perodocolonial, os escravosconhecidos como tigrescarregavam as fezes em
barris at praias, rios oulagos, onde eram lanadasCHAMBERLAIN, H. Views andcostumes of city andneighborhood. Londres, 1822Acervo Fundao BibliotecaNacional
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social1precisava restringir o exerccio da profisso queles que fossem reconhecidos pelas instituies de
formao mdica, uma vez que:(...) efetivamente, esta [a medicina social] s pode agir sobre a sociedade e controlar a sade pblica se forcapaz de circunscrever o exerccio da medicina a pessoas que tenham a mesma formao e uma visounitria e coordenada da problemtica da sade. Controle sanitrio da sociedade e controle interno damedicina so duas faces de uma mesma moeda (Machado, 1978).
O controle sobre as faces da mesma moeda de que nos fala Machado pressupe, alm dos modos de
organizao caractersticos do processo de institucionalizao da medicina (criao de cursos, reconhe-
cimento por parte do Estado etc.) e da montagem de um aparato estatal de ateno sade, a existncia
de um corpo de conhecimentos capaz de legitimar a presena desses atores na esfera pblica. Isto porque,apesar de consideradas como condies necessrias, a instituio de formas de regulao internas ao
campo mdico e a estruturao do aparelho de Estado no so ainda suficientes para que se exera e se
justifique o controle sanitrio da sociedade. preciso tambm articular, com base na autoridade da
cincia, um discurso em defesa da interferncia na sociedade em nome do bem pblico e da proteo ao
indivduo (Ponte, 1999).
O perodo de institucionalizao da medicina e de organizao do Estado no que tange rea da
sade marcado pela concorrncia de vrias teorias que procuravam explicar a emergncia das enfer-
midades e epidemias que assolavam a populao. Entretanto, embora envolvidos em debates que expres-savam disputas entre concepes divergentes acerca das origens e formas de combate s doenas, os
mdicos da segunda metade do sculo XIX e incio do XX concordavam em um ponto fundamental
para o fortalecimento e a ampliao do prestgio da profisso: a interveno da medicina na sociedade
era no s possvel, mas tambm, e sobretudo, necessria. Assim, nas palavras de Machado:
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Charge satirizando apoltica de colonizao.Na ilustrao, uma ndia,que simboliza a cidade doRio de Janeiro, entrega aoimigrante recm-chegadoo fruto proibido miasmas fornecidopela serpente (febreamarela). Os demaisfrutos representam
outros agentesmorbgenos: o canal doMangue, a sujeira dacidade, a Faculdade deMedicina, a CmaraMunicipal etc. Em tornodesenrola-se o drama dafamlia imigrante, desde apartida da Europa at amorte dos adultos e aorfandade dos filhosRevista Ilustrada, n. 12,18 mar. 1876, p.4-5
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(...) o momento em que o Estado se encarrega de maneirapositiva da sade dos cidados o mesmo em que a sociedadecomo um todo aparece como passvel de uma regulamentaomdica. E regularizar a organizao e o funcionamento socialdo ponto de vista sanitrio exige que a medicina se obrigueno apenas a tratar o indivduo doente, mas fundamen-talmente a supervisionar a sade da populao, no s avisar ao bem-estar dos indivduos, mas tambm pros-peridade e segurana do Estado (Machado, 1978).
Deste modo, foi preciso, portanto, que a medicina empre-
endesse um duplo deslocamento. Em primeiro lugar, ela teve dedesviar sua ateno exclusiva do corpo do indivduo para foc-la
no corpo social. Em segundo, a ateno sobre este novo objeto
teve de privilegiar o aspecto preventivo, buscando antecipar-se
instalao da doena.
Incapaz de responder aos novos problemas, a administrao
pblica paulatinamente se torna permevel ao discurso mdico,
que, como j mencionamos, apesar das dissenses internas, come-
a a forjar um consenso acerca da necessidade de mudanas no
ordenamento das cidades. A aliana entre o Estado e a medicina
apoiava-se num processo difuso em que ambas as partes se bene-
ficiavam. Ao mesmo tempo em que as concepes e diagnsticos
mdicos passaram a conduzir e sustentar as aes do Estado perante
a opinio pblica, conferindo legitimidade aos projetos gover-
Nos jornais e revistas doImprio, o estado sanitrioe o descontentamentocom as autoridades e ateraputica mdica eramsatirizados em folhetins echargesColeo Hariberto de MirandaJordo
Charge ilustra adesconfiana, no Imprio,sobre as terapias e a
existncia de um conluioentre mdicos efarmacuticos queenriqueceriam comdoenas e epidemiasAcervo Fundao BibliotecaNacional
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namentais, o reconhecimento, por parte do poder pblico, da autoridade cientfica
da medicina fornecia profisso mdica grande prestgio (Machado, 1978).As ruas estreitas e de casario aglomerado das cidades de ento eram vistas pelos
sanitaristas da poca como focos de doenas e campos frteis para a propagao de
epidemias. Na viso de um grande segmento da medicina, que atribua a origem de
algumas enfermidades emanao de miasmas2de matria em putrefao, as ruelas
tortuosas e escuras impediam a penetrao dos raios solares e a aerao das casas e
das reas pblicas. Tal situao se agravava nas cidades litorneas, onde a presena
do porto atraa um fluxo maior de pessoas e mercadorias que, em virtude da falta de
fiscalizao eficaz, acabava por expor as populaes dessas cidades maior circulao
de doenas e s mazelas dos surtos epidmicos.
Segundo os sanitaristas da poca, a esses problemas somavam-se a falta de controle
sobre a produo e comercializao de gneros alimentcios, bem como a ausncia
de hbitos higinicos entre a maior parte da populao.
Tornava-se necessrio, portanto, mudar o panorama das
cidades, organiz-las de acordo com uma nova con-
cepo. Reorden-las para permitir o controle dos diversos
fluxos que nelas circulavam. Nesta perspectiva, a exemplo
da Europa, como observou Eduardo Marques: urgia sa-near o meio, dessecando pntanos, afastando cemitrios,
organizando e limpando o espao urbano das aglome-
raes e da estagnao dos fluxos do ar, da gua e dos
homens (Marques, 1995, p. 56).
Desenho de ngeloAgostini satirizando ascondies sanitrias doRio de Janeiro no inciodo perodo republicanoDom Quixote, n. 47, 18 jan.1895Acervo Fundao BibliotecaNacional
Cholera de BexigaCharge de Kalixto Degas, 17out. 1908. In: FALCO, Edgardde Cerqueira (Org.). OswaldoCruz Monumenta Histrica. Aincompreenso de uma poca:
Oswaldo Cruz e a caricatura.Brasiliensia Documenta, v. VI,tomo 1, So Paulo: [s.n], 1971,p. 211
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Na corda bamba de sombrinha: a sade no fio da histria
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A revoluo pasteuriana: uma nova sade pblica entra em campo
Enquanto o Brasil se via s voltas com o desafio de alterar positivamente o seu quadro sanitrio eepidemiolgico, na Europa a microbiologia criada por Louis Pasteur dava os seus primeiros passos. Na
realidade, a cincia dos micrbios descortinou uma senda inteiramente nova e frtil. Ao provar no s
a existncia de microorganismos, como tambm sua importncia em inmeros processos de adoecimento,
Pasteur cria um novo paradigma que, apesar das resistncias iniciais, com o passar do tempo se torna
hegemnico.
A ruptura dos padres mdicos e cientficos realizada por Pasteur, ao criar a microbiologia, abriu ao
homem a possibilidade de enfrentar, pela primeira vez, as doenas infecciosas de forma realmente eficaz.
A nova disciplina acabou por resolver o impasse em que se encontrava a medicina social. Isto porque,apesar de seu crescente poder de interveno na sociedade e de seu amplo escopo de conhecimentos, a
medicina de ento se mostrava impotente para deter o avano das epidemias, principalmente quando
tal tarefa era mais necessria, ou seja, no quadro de expanso da economia capitalista e do crescimento
dos centros urbanos da decorrente.
Prticas amplamente incorporadas ao cotidiano das populaes, como a esterilizao de chupetas e
de outros utenslios domsticos, o hbito de ferver o leite ou ainda a limpeza de ferimentos, nos revelam
a presena da medicina pasteuriana na sociedade atual. Entretanto, antes de se tornarem hegemnicas,
as teorias pasteurianas sofreram fortes resistncias.
Em meio aos embates travados em torno das ideias de Pasteur e por eles influenciados, uma nova
gerao de mdicos tambm comeava a dar os seus primeiros passos. Mdicos diferentes, no apenas do
consultrio ou do hospital, mas tambm do laboratrio. Mdicos que tinham no microscpio um de
seus principais instrumentos de trabalho. Gente que aderiu s teorias de Pasteur, abandonando as que
atribuam aos miasmas ou ao clima as origens das doenas, para buscar um agente causador das
enfermidades e suas formas de transmisso. Entre estes se achavam Emlio Ribas, Adolfo Lutz, Vital Brazil
Louis PasteurAcervo Casa de Oswaldo Cruz
Oswaldo Cruz aomicroscpio, ao lado de seufilho Bento e de Burle deFigueiredo no Institutode ManguinhosAcervo Casa de Oswaldo Cruz
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e Oswaldo Cruz, cujas histrias comeam a se cruzar em 1889, por ocasio do
aparecimento de uma estranha doena na cidade porturia de Santos, no litoralpaulista.
Atingindo primeiramente migrantes, a doena comea a se espalhar entre os
habitantes da cidade. Atentos s ocorrncias no porto responsvel por boa parte do
escoamento do caf produzido no pas, o Servio Sanitrio de So Paulo e a Inspetoria
Geral de Higiene Pblica, rgo vinculado ao governo federal, rapidamente se
movimentam na tentativa de evitar que o surto se transformasse numa epidemia de
grandes propores.
Assim, com a misso de verificar a natureza da doena e as medidas necessrias
para combat-la, foram enviados a Santos trs especialistas em diagnstico
bacteriolgico: Adolfo Lutz e Vital Brazil, por So Paulo, e Oswaldo Cruz, pela Unio.
O quarto mdico citado, Emlio Ribas, acompanhava, do seu posto de diretor do
Servio Sanitrio de So Paulo, o desenrolar dos acontecimentos em Santos com
vivo interesse (Benchimol & Teixeira, 1993).
O diagnstico elaborado por Adolfo Lutz e Vital Brazil e confirmado por Oswaldo
Cruz identificou a doena como a temida peste bubnica que no passado havia
varrido a Europa deixando atrs de si um rastro de milhes de mortos. Bastante
perigosa, a doena chegou a atacar Vital Brazil, contaminado ao realizar uma autpsia.Causada por uma bactria, descoberta por um discpulo de Pasteur chamado
Alexandre Yersin, em 1894, a peste teve sua forma de transmisso pelas pulgas elucidada
em 1898, um ano antes, portanto, da sua chegada ao Brasil. Tal fato demonstra o
quo atualizados estavam os mdicos brasileiros encarregados de verificar o que ocorria
em Santos. De fato, tanto Adolfo Lutz quanto Oswaldo Cruz tinham passado pelo
Instituto Pasteur em Paris, sendo que Cruz acabara de chegar de sua estadia naquela
instituio.
Inconformados com a notcia dada pelos jovens mdicos, os lderes locaisquestionaram o diagnstico apresentado. Para esse segmento da elite local, o parecer
dos sanitaristas comprometia a imagem do porto e acarretava grandes prejuzos aos
seus negcios, implicando, inclusive, a adoo de uma srie de medidas muito severas
e impopulares, tais como as quarentenas. Para dissipar quaisquer dvidas, Adolfo
Lutz, ento diretor do Instituto Bacteriolgico de So Paulo, enviou culturas de
micrbios a institutos europeus e estes corroboraram os pareceres oficiais. Dirimidas
todas as dvidas, a tarefa que se impunha com urgncia era o combate peste. Era
preciso no s sanar o problema em Santos, mas evitar que o mal se espalhasse pelo
pas.
Desde os estudos de Yersin, realizados em Hong Kong entre 1893 e 1894, o agente
causador da peste j havia sido isolado, permitindo a preparao do soro antipestoso
que, para sorte do Brasil, se mostrou bastante eficiente (Benchimol & Teixeira, 1993).
No entanto, a campanha contra a doena esbarrou na dificuldade de se obter o soro
Emlio RibasAcervo Casa de OswaldoCruz
Adolfo Lutz na dcadade 1890, poca emque chefiava oInstitutoBacteriolgico de So
PauloAcervo Museu Emlio Ribas
Vital BrazilAcervo Casa de OswaldoCruz
Oswaldo Cruz emmeados da dcada de1890, quandocomeava a carreiraprofissionalAcervo Casa de OswaldoCruz
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Fundao Oswaldo Cruze Instituto Butantan.Criados em 1900 ededicados inicialmente
pesquisa e produo desoros e vacinas, os doiscentros logo se tornariamimportantes polos damedicina experimental noBrasilAcervos Casa de OswaldoCruz e Instituto Butantan
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2de Yersin, que s o Instituto Pasteur produzia. Respondendo prontamente ao
problema, o governo paulista e o governo federal resolveram criar dois laboratrios
para preparao deste e de outros soros reclamados pelas condies epide-
miolgicas do pas. Nasciam, assim, sob a orientao dessa nova gerao de
mdicos, os institutos Butantan e Manguinhos, nomes dados pelas localidades
onde foram instalados, em So Paulo e no Rio de Janeiro, respectivamente.
A ao desses mdicos no ficou restrita ao combate epidemia em Santos,
muito menos criao de laboratrios para a produo de soros. Na realidade,
suas atividades se estenderam por um vasto campo, e as instituies que eles
fundaram e ajudaram a consolidar logo ampliaram suas funes para a rea da
pesquisa e do ensino. Vital Brazil enveredou pelo campo do ofidismo, deixando
importantes contribuies; Emlio Ribas e Adolfo Lutz empenharam-se, entre
inmeras outras atividades, no combate febre amarela, tornando-se os primeiros
divulgadores da teoria de Carlos Finlay3 no Brasil; e Oswaldo Cruz envolveu-se
na luta contra uma srie de doenas, dentre as quais se destacam a peste bubnica,a varola, a febre amarela e a malria.
Alexandre Yersin em seuchal na Indochina, ondese dedicou ao estudo dapeste bubnica. Em 1894,isola o bacilo da peste emHong Kong e, ao retornara Paris em 1895,desenvolve o soro
antipestoso, tambmconhecido como soro deYersin. No Brasil, o sorode Yersin foi utilizado pelaprimeira vez por OswaldoCruz no combate epidemia de peste de1900Acervo Instituto Pasteur
A peste bubnicaretratada em charge do
humorista portugusAlfredo CandidoFALCO, Edgard de Cerqueira(Org.). Oswaldo CruzMonumenta Histrica. Aincompreenso de uma poca:Oswaldo Cruz e a caricatura.Brasiliensia Documenta, v. VI,tomo 1, So Paulo: [s.n], 1971,p. 8Acervo Casa de Oswaldo Cruz
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Mudanas na capital da Repblica
Os interesses da imigrao, dos quais depende em mxima parte o nossodesenvolvimento econmico, prendem-se necessidade do saneamento desta capital(...). A capital da Repblica no pode continuar a ser apontada como sede de vidadifcil, quando tem fartos elementos para constituir o mais notvel centro deatrao de braos, de atividade e de capitais nesta parte do mundo.
Rodrigues Alves,presidente da Repblica (1902-1906)
A rua nasce, como o homem, do soluo, do espasmo. H suor humano naargamassa do seu calamento. Cada casa que se ergue feita do esforo exaustivode muitos seres (...).
Joo do Rio, cronista carioca
Os problemas brasileiros no se restringiam ao porto de Santos, atingindo um grande nmero de
cidades e vastas regies do territrio nacional. No alvorecer do sculo XX, trs grandes flagelos assolavam
as principais cidades brasileiras: a varola, a febre amarela e a peste bubnica. Embora no fossem asnicas doenas que vitimavam a populao, essas enfermidades geravam grandes prejuzos ao comrcio
exterior e comprometiam a poltica de imigrao considerada vital para os setores cafeicultores e industriais
ento empenhados em incorporar mo de obra estrangeira nos seus empreendimentos econmicos. Pas
agroexportador e preso a uma poltica de substituio e de ampliao de seu contingente de trabalhadores
por meio da importao de braos, o Brasil dependia, na viso dos segmentos dominantes, da imagem
que projetava no cenrio internacional e que por ser extremamente negativa prejudicava em muito a
sua economia.
Eleito presidente da Repblica em 1902, Rodrigues Alves, que perdera uma filha vitimada pela febreamarela, baseia seu programa de governo na mudana da imagem do Brasil no exterior. Centrado na
cidade do Rio de Janeiro, ento capital da Repblica e principal porta de entrada do pas, o programa
tinha como metas a melhoria do porto, a reforma e o embelezamento da cidade e o combate s epidemias.
Sua realizao ficou sob a responsabilidade de Pereira Passos e Oswaldo Cruz, sendo o primeiro indicado
para ocupar a Prefeitura do Distrito Federal, e o segundo nomeado, em 1903, para a Direo-Geral da
Sade Pblica (Ponte, 1999).
Inspiradas na experincia francesa dirigida por Haussmann,4as reformas que se processaram na
cidade do Rio de Janeiro no se limitaram paisagem. Elas pretendiam transformar a capital da Repblica
numa espcie de Paris dos trpicos. Na verdade, mais que no cenrio urbano, elas interferiram na vidados habitantes, alterando por completo seus hbitos cotidianos, seus regimes de trabalho e, principalmente,
suas relaes de reconhecimento e de identidade. As picaretas, ps e enxadas demoliam, a um s tempo,
prdios, caminhos, moradias e, junto com eles, a memria daqueles que tinham como referncias as
ruelas, os personagens e os modos de vida da velha cidade. preciso ressaltar que a composio do
A charge de agosto de
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traado das ruas e do casario antigo abrigava e aproximava vivncias, experincias,
tenses e espaos que marcavam o ritmo e a pulsao dos cariocas de ento.Longe de unnimes, as reformas despertaram sentimentos diferenciados entre os
moradores do Rio de Janeiro, reunindo, de um lado, aqueles que, como o poetaOlavo Bilac, saudavam o surgimento de uma Paris tropical e, de outro, aqueles que,
partilhando as opinies do escritor Lima Barreto, argumentavam preferir um Rio
belo e sujo, esquisito e harmnico, a um Rio de boulevards, estranho e pouco propcio
a acolher boa parte de sua populao.
Protestos populares contra as desapropriaes e as demolies que abriam espao
para largas avenidas, e contra o novo cdigo de posturas municipais que proibia
uma srie de atividades ento bastante comuns como, por exemplo, a criao de
porcos nos quintais e a venda de midos nas ruas da cidade somavam-se ao
descontentamento provocado pelas aes mais pontuais propostas por Oswaldo
Cruz para combater as epidemias, como a lei da vacinao obrigatria contra a
varola (Sevcenko, 1993).
A charge de agosto de1904 mostra apreocupao com asepidemias que assolavamo pas. Em 1902, OswaldoCruz passou a dirigir o
Instituto SoroterpicoFederal e, no ano seguinte,o Departamento-Geral deSade Pblica, de ondecombateu a pestebubnica, a varola e afebre amarela queameaavam a capital daRepblicaTagarela, 15 ago. 1904Acervo Fundao BibliotecaNacional
Charge em homenagem aOswaldo Cruz e suaatuao frente doInstituto de ManguinhosChanteclair, Paris, 1911Acervo Casa de Oswaldo Cruz
N d b b d b i h d fi d hi t i
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1oAspecto de uma favela noRio de Janeiro no inciodo sculo XXAcervo Casa de Oswaldo Cruz
Remoo de pedrascortadas do morro deSo Bento, no Rio de
Janeiro, em 1903Acervo Casa de Oswaldo Cruz
O espeto obrigatrioA Avenida, 1 out. 1904. In:FALCO, Edgard de Cerqueira(Org.). Oswaldo CruzMonumenta Histrica. Aincompreenso de uma poca:Oswaldo Cruz e a caricatura.Brasiliensia Documenta, v. VI,tomo 1, So Paulo: [s.n], 1971,p.5Acervo Casa de Oswaldo Cruz
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Paralelamente ao bota-abaixo, nome pelo qual ficou conhecida a remodelao da cidade conduzida
por Pereira Passos, Oswaldo Cruz, respaldado por uma legislao que conferia amplos poderes s suas
brigadas sanitrias, dava prosseguimento ao seu plano de ataque s epidemias que ameaavam a capital.
Adepto das teses de Pasteur, Oswaldo Cruz, apesar de no se colocar contra a reforma urbana, centra
suas aes em bases diferentes das estabelecidas pelos defensores das teorias miasmticas. Na sua concepo,
as doenas, que eram objeto de sua ateno, tinham um agente causal e um vetor que lhes servia de
transmissor. Para ele, portanto, a resoluo do problema estava na quebra da cadeia de transmisso pela
inativao do agente causal, por meio de instrumentos como a vacina, ou na destruio de seu vetor,
reduzindo ou eliminando por completo sua presena no ambiente. Assim foi, tanto no combate aos
agentes transmissores da peste bubnica e da febre amarela, quanto na vacinao da populao contra
a varola. Entretanto, suas medidas, mesmo que no diretamente vinculadas s transformaes urbanas,
como era o caso da imunizao antivarilica, tambm suscitaram grande oposio e geraram forte pol-mica, inclusive no meio mdico.
Para muitos, era um desperdcio de tempo e dinheiro tentar eliminar ratos e mosquitos baseado na
ideia de serem eles componentes da cadeia de transmisso da peste bubnica e da febre amarela, respec-
tivamente. Alm disso, as brigadas sanitrias, por terem como alvos em potencial todos os domiclios e
Hygiene muqueFALCO, Edgard de Cerqueira(Org.). Oswaldo CruzMonumenta H istrica. Aincompreenso de uma poca:Oswaldo Cruz e a caricatura.Brasiliensia Documenta, v. VI,tomo 1, So Paulo: [s.n], 1971,p. 5Acervo Casa de Oswaldo Cruz
Nacordabambadesombrinha:asadenofiodahistria
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logradouros da cidade, importunavam praticamente todos os seus habitantes, aumen-
tando em muito as hostes oposicionistas. Para seus opositores, os recursos disponveisdeveriam ser aplicados no aumento do nmero de leitos e na melhoria dos demaisservios de sade (Chalhoub, 1996).
Impulsionada por segmentos descontentes com os rumos da Repblica e pelos
interesses contrariados pelas reformas, a oposio ao governo Rodrigues Alves crescia,
reunindo sob o seu manto grupos diversificados e muitas vezes antagnicos entre si.
Integravam as fileiras antigovernistas militares ligados a Floriano Peixoto, intelec-
tuais do apostolado positivista(ver texto de Lorelai Brilhante Kury, a seguir),
republicanos radicais, monarquistas e parcelas da populao afetadas pelo bota-
abaixo.
Reforma urbana na ruada Carioca. Rio de Janeiro,31 jun. 1906Foto: Augusto MaltaAcervo Arquivo Geral daCidade do Rio de Janeiro
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Sobrado a ser demolidopara as obras deurbanizao do centro
do Rio. Note-se o reclamede terminante liquidaona fachada da lojacomercial no trreoAcervo Casa de Oswaldo Cruz
Obras de reforma urbanana rea hoje conhecidacomo Cinelndia, nocentro do Rio de Janeiro.Ao fundo, o antigoConvento da Ajuda,
posteriormente demolidoAcervo Casa de Oswaldo Cruz
Desenho que retrata omovimento de mudanados moradores quetiveram de deixar suascasas no morro doCastelo, no Rio de Janeiro,que seria demolido para amontagem da Exposiodo Centenrio da
Independncia do Brasilem 1922Acervo Casa de Oswaldo Cruz
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A Revolta da Vacina
Eu no vou nesse arrasto
Sem fazer o meu barulho
Os doutores da cincia
Tero mesmo que ir no embrulho
No embarco na canoa
Que a vacina me persegue
Vo meter o ferro no boi
Ou nos diabos que os carregue.
Cano popular, autor desconhecido, 1904
Vistas como faces de uma mesma moeda, as reformas urbana e sanitria atraram para si grande
oposio, agitando cotidianamente as pginas dos jornais e as conversas nas ruas e nas casas dos moradores
do Rio de Janeiro. Em um quadro de crescente insatisfao, a lei da vacinao obrigatria, por atingir
indiscriminadamente a todos, transformou-se no elemento catalisador da revolta. Para muitos, a
obrigatoriedade da vacinao infringia o direito privacidade e autodeterminao. Significava umainvaso dos redutos sagrados representados pelo lar e pelo corpo. Um abuso de poder que violava o mais
inviolvel dos direitos: o direito vida. Outros, como os adeptos do culto a Omolu, orix da bexiga,
nome popular pelo qual era conhecida a varola, alegavam razes religiosas para se opor vacinao.
Parlamentares, mdicos, intelectuais e agitadores, apoiados pela imprensa, insuflavam o povo a reagir.
Figuras proeminentes como Rui Barbosa comparavam a obrigatoriedade da vacina a um assassinato
legalizado.
Tamanha agitao acabou culminando em uma grande convulso social entre os dias 10 e 16 de
novembro de 1904, perodo em que a cidade foi sacudida por protestos populares e sublevaes militares.
O estopim da revolta foi a divulgao, em 9 de novembro de 1904, da legislao que regulamentava a
obrigatoriedade da vacina. Deflagrado no dia seguinte, o motim se espalhou pela cidade, alcanando
bairros distantes do centro. A cidade foi convulsionada durante seis dias seguidos, onde no faltaram
tentativas de golpe militar e ameaas de bombardeio dos redutos ocupados pelos antivacinistas. Em 16 de
novembro decretado o estado de stio e a revolta rapidamente debelada, deixando para trs barricadas,
prdios, ruas destrudas e um saldo de trinta mortos, 110 feridos, 945 presos, dos quais 461 foram deportados
para os seringais do Acre. A vacinao tornou-se opcional e a varola voltou com toda a fora entre os anos
de 1907 e 1908, quando ento a populao correu em busca da vacina (Sevcenko, 1993).
Considerada um dos maiores levantes populares ocorridos no Brasil durante o sculo XX, a Revoltada Vacina tem sido interpretada, muitas vezes, como um movimento originrio, quase que exclusivamente,
de manipulaes polticas engendradas por segmentos da elite brasileira descontentes com os rumos
assumidos pela Repblica. Nesta perspectiva, a insurreio seria fruto da pregao de opositores do
regime que viram na insatisfao popular contra Oswaldo Cruz e Pereira Passos, responsveis,
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Em junho de 1904, ogoverno enviou aoCongresso projeto de leiinstaurando aobrigatoriedade davacinao e revacinao
contra a varola em todoo territrio nacional.Recrudesceu ento aoposio a Oswaldo Cruze Pereira Passos. O motimpopular eclodiu em 10 denovembro, quando vazouna imprensa o texto queregulamentaria a leiRevista da Semana, 27 nov.1904Acervo Fundao BibliotecaNacional
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A legenda, de outubro de1904, antecipava aRevolta da Vacina, queviria a ocorrer dias depois,entre 12 e 15 denovembro, quando apopulao enfrentouOswaldo Cruz e suaguardaFALCO, Edgard de Cerqueira
(Org.). Oswaldo CruzMonumenta H istrica. Aincompreenso de uma poca:Oswaldo Cruz e a caricatura.Brasiliensia Documenta, v. VI,tomo 1, So Paulo: [s.n], 1971,p. 129Acervo Casa de Oswaldo Cruz
Bonde virado no centrodo Rio de Janeiro durantea Revolta da VacinaAcervo Casa de Oswaldo Cruz
Em Os clebrescrebros, o desenhistaVasco critica a atuao deOswaldo Cruz, que aindafoi alvo de seus versossarcsticos: Nessaperfurao arteriana/ omsculo doutor de altascincias/Parece ver nanatureza humana/Umcampo vivo paraexperincias.
Avenida, 3 set. 1904. In:FALCO, Edgard de Cerqueira(Org.). Oswaldo CruzMonumenta H istrica. Aincompreenso de uma poca:Oswaldo Cruz e a caricatura.Brasiliensia Documenta, v. VI,tomo 1, So Paulo: [s.n], 1971,p. 95Acervo Casa de Oswaldo Cruz
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respectivamente, pelo combate s epidemias e pela reforma urbana que ento se processavam, uma
oportunidade de derrubar o governo liderado por Rodrigues Alves (Chalhoub, 1996).
Entretanto, em que pese a ao desses grupos, no h como negar que a obrigatoriedade da vacinao
por si s tinha fora suficiente para provocar reaes violentas em defesa da privacidade e da livre
determinao. Na verdade, para alm de uma orquestrao golpista, uma srie de outros fatores contribuiu
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Os detidos pelosdistrbios ocorridos noepisdio da Revolta daVacina aguardam, na Ilhadas Flores, o navio que oslevaria ao Acre. 1904Acervo Casa de Oswaldo Cruz
Ao heroe dosmosquitosCharge: IsidoroRevista da Semana, jun.-jul.1904. In: FALCO, Edgard deCerqueira (Org.). Oswaldo CruzMonumenta Histrica. Aincompreenso de uma poca:Oswaldo Cruz e a caricatura.Brasiliensia Documenta, v. VI,tomo 1, So Paulo: [s.n], 1971,p. 45Acervo Casa de Oswaldo Cruz
para a ecloso da revolta, entre os quais se incluem a prepotncia das autoridades e
os conflitos entre vises de mundo bastante distintas. Mais do que um movimento
propiciado por disputas entre as elites, a revolta um evento emblemtico. Trata-se
de um momento altamente significativo para todos aqueles que trabalham com
sade pblica. L esto presentes aspectos que no podem ser ignorados pelas
autoridades sanitrias e pelos demais interessados na temtica das vacinas e das
campanhas de vacinao. preciso compreender que a vacinao um objeto de
difcil apreenso, constituindo-se, na realidade, em um fenmeno de grande
complexidade em que se associam e se entrechocam crenas e concepes polticas,
cientficas e culturais as mais variadas.
De fato, longe de ser um ato isolado, sujeito apenas aos parmetros de aferioda medicina ou das cincias biomdicas, a vacinao tambm a resultante de
processos histricos nos quais so tecidas mltiplas interaes e em que concorrem
representaes antagnicas a respeito do direito coletivo e do direito individual; das
relaes entre Estado, sociedade, indivduos, empresas e pases; do direito
informao; da tica e, sobretudo, da vida e a morte.
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O medicalismo compulsrioconstitui-se nas sociedades modernas o
mais temeroso inimigo da sade dospovos e da paz das famlias. Pela
irracionalidade de suas teorias ebrutalidade de seus processos, os
resultados no podiam deixar de ser,como tm sido, seno agravar as
doenas e as epidemias.
Dr. Bagueira Leal, mdico positivista, 1904
OSPOSITI
VISTASCONTRAA
VACI
A filosofia positivista do francs
Auguste Comte (1798-1857) esteve
presente na vida intelectual brasileira,
principalmente, nos movimentos que
promoveram a queda do Imprio, em1889. Para alm da poltica, a crena
dos positivistas no progresso e sua
valorizao das cincias fizeram com
que os discpulos de Comte se
tornassem agentes importantes no
campo cientfico, tecnolgico, mdico
e antropolgico no pas.
A doutrina positivista previa a defesa da
liberdade de ensino e a liberalizao da
prtica mdica. Segundo eles, a medicina
ainda no constitua uma arte racionalizada,
como, por exemplo, a engenharia. A nicaforma de fazer prevalecer a filosofia positiva
seria deixar as pessoas livres para
escolherem as teraputicas e doutrinas que
quisessem. O verdadeiro poder de curar no
estaria depositado em diplomas, mas sim em
uma moral virtuosa e numa cincia que
efetivamente descrevesse as leis que regem
os fenmenos, sem recorrer a explicaes
obscuras e apriorsticas.
Os positivistas ligados Igreja da
Humanidade tiveram papel de destaque no
combate vacinao obrigatria contra avarola na cidade do Rio de Janeiro, em 1904.
Defendiam o direito das famlias de
escolherem seus mdicos e mtodos de cura,
sem se sujeitarem a imposies de um
governo que se apoiava nas teorias
metafsicas e na anarquia mental dos
mdicos diplomados pelo Estado. Criticavam
tambm a prpria prtica da vacinao: a
inoculao de substncias perigosas no
corpo de pessoas ss poderia provocar a
prpria doena que se queria evitar, alm
de transmitir outros males, como a sfilis, porexemplo. A fabricao da vacina, extrada de
feridas provocadas em barrigas de vitelos,
era considerada uma prtica imunda, fora o
fato de constituir imensa crueldade com
relao aos animais.
Lorelai Brilhante Kury
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Referncias bibliogrficas
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bichos: uma histria comparada dos institutos OswaldoCruz e Butantan. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; Fiocruz,1993.
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortios e epidemiasna corte imperial. So Paulo: Companhia das Letras,1996.
EDMUNDO, Luiz. O Rio de Janeiro de meu tempo. Rio deJaneiro: Ed. Conquista, 1957.
MACHADO, Roberto et al.A danao da norm a:medicina social e constituio da psiquiatria no Brasil.Rio de Janeiro: Graal, 1978.
Notas
1O termo aqui empregado refere-se s concepes e aos modelos de interveno da medicina na sociedade surgidos na Alemanha,Inglaterra e Frana entre os sculos XVIII e XIX. Tais concepes defendiam a necessidade de constituio de uma autoridademdica com poder para regular a vida urbana em nome da proteo sade pblica. Posteriormente o mesmo termo foi utilizadopara designar um movimento organizado na Amrica Latina, na segunda metade do sculo XX. Para este ltimo, a estrutura social eas condies de vida, assim como elementos culturais e simblicos, constituam determinaes sociais da doena e, em decorrncia, aplena reforma da sade s se daria nos marcos de um processo de transformao da sociedade.2A teoria dos miasmas baseava-se na ideia de que as doenas estavam associadas m qualidade do ar oriundo de pntanos ou dematria em decomposio.3Carlos Juan Finlay (1833-1915), mdico cubano, formulou a hiptese de ser o mosquito o transmissor da febre amarela, entre1880 e 1881.4Georges-Eugne Haussmann (1809-1891) foi o administrador que promoveu, entre 1853 e 1870, a reforma urbana de Paris, cujo
objetivo era modernizar a cidade por meio do ordenamento e do controle do espao, expressos, entre outras coisas, na geometriadas grandes avenidas.
MARQUES, Eduardo Csar. Da higiene construo dacidade: o estado e o saneamento no Rio de Janeiro.Hi stria, Cinci as, Sade Mangui nh os, v. 2, n. 2,p. 51-67, jul.-out. 1995.
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O sanitarismo (re)descobre o Brasil
O sanitarismo e os projetos de nao. Adoena de Chagas e o movimento sani-
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doena de Chagas e o movimento sanitarista da dcada de 1910. A Liga Pr-Saneamento do Brasil e a criao doMinistrio da Educao e Sade. Temposde guerra: o campanhismo entra em cena.O sanitarismo e os projetos de nao. A
doena de Chagas e o movimento sani-tarista da dcada de 1910. A Liga Pr-Saneamento do Brasil e a criao doMinistrio da Educao e Sade. Temposde guerra: o campanhismo entra em cena.O sanitarismo e os projetos de nao. Adoena de Chagas e o movimento sani-tarista da dcada de 1910. A Liga Pr-Saneamento do Brasil e a criao do
Ministrio da Educao e Sade. Temposde guerra: o campanhismo entra em cena.O sanitarismo e os projetos de nao. Adoena de Chagas e o movimento sani-
tarista da dcada de 1910. A Liga Pr-Saneamento do Brasil e a criao doMinistrio da Educao e Sade. Temposde guerra: o campanhismo entra em cena.O san